Lusíada Série II nº. 16 (2013)
Economia & Empresa
Universidade Lusíada • Lisboa
Dossier: Dinâmica da Economia do Consumo
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa – Catalogação na Publicação LUSÍADA. Economia e Empresa. Lisboa, 2001 Lusíada. Economia e Empresa / propr. Fundação Minerva – Cultura – Ensino e Investigação Científica ; dir. José Eduardo Carvalho. – S. 2, n. 1 (2001)- . – Lisboa : Universidade Lusíada, 2001- . - 24 cm. - Anual Continuação de: Lusíada: revista de ciência e cultura. Série de economia. ISSN 1645-6750 1. Economia - Periódicos 2. Gestão de Empresas – Periódicos I – CARVALHO, José Eduardo dos Santos Soares, 1939CBC CDU
HB9.L87 HD28.L87 330(051) 658(051)
Ficha Técnica Título Proprietário Director Conselho Científico
Lusíada. Economia & Empresa
Série II
N.º 16
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192016/03
ISSN
1645-6750
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Índíce Nota de Abertura............................................................................................................... 7 Dossier: Dinâmica da Economia do Consumo Implicações da Neurociência na Economia do Consumo Rui Lanção Gonçalves e José Eduardo Carvalho ............................................................ 11 Dinâmica do Emprego, Remuneração e Produtividade na Economia do Consumo Ana Maria Paiva, João de Sousa Mendes, José Eduardo Carvalho e Rui Lanção Gonçalves......................................................................................................................... 41 Dissertações e Teses Auditoria no Sector Público: uma análise ao sistema português Joaquim dos Santos Alves ............................................................................................... 75 Empenhamento Organizacional: controvérisas e resultados da investigação Ana Paula Passos, César Madureira e Teresa Pereira Esteves ..................................... 105 Comprometimento Organizacional como determinante da voz: um estudo de mediação e moderação Ana Nascimento Sabino, José Luís Nascimento e Albino Anjos Lopes ........................ 125 Vários Da Economia Portuguesa no Contexto Internacional António Rebelo de Sousa ............................................................................................... 151 Demasiado tarde para ser perdoada? Uma análise sintética sobre o impacto de uma renegociação da dívida pública Miguel Coelho................................................................................................................ 177 Lusíada. Economia & Empresa. Lisboa, n.º 16/2013
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Sumário
Introduction to the Research on Sustainability of Rural Tourism Sara Ramos, Manuela Sarmento e Pedro Sarmento...................................................... 189 Recensão Neuroeconomia. ensaio sobre a sociobiologia do comportamento Ana Maria Lourenço Paiva............................................................................................ 205
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NOTA DE ABERTURA O consumo é um assunto banal ou, até trivial, na medida em que todos nós fazemo-lo diariamente, em todo o tipo de ocasiões, tanto festivas como apenas no simples decorrer dos nossos dias. Como refere Baudrillard: “A sociedade de consumo resulta do compromisso entre princípios democráticos igualitários, que conseguem aguentar-se com o mito da abundância e do bem-estar, e o imperativo fundamental de manutenção de uma ordem de privilégio e de domínio.” O consumo das famílias responde, actualmente, por grande parte do produto nacional da maioria dos países. Em Portugal, constitui a força mais importante na formação do PIB (produto interno bruto). Representa praticamente metade da procura global, contra 14 por cento dos gastos do Governo, 12 por cento dos investimentos e 25 por cento das exportações. Dada a sua relevância, o comportamento do consumo agregado das famílias é objecto de estudos em macroeconomia e muito esforço de pesquisa tem sido despendido para um melhor entendimento da dinâmica do mesmo. As análises econométricas sugerem que o consumo é função de duas variáveis principais: renda real das famílias representada pela massa total de salários e crédito bancário. Várias teorias têm sido propostas para explicar a dinâmica destas variáveis. Uma primeira ordem de questões diz respeito a uma relação de longo prazo entre consumo e renda disponível, na medida em que a não disponibilidade irrestrita de crédito obriga os consumidores a ajustarem seu nível de consumo à renda disponível em algum momento. Em geral, há evidência de que existe uma relação proporcional entre consumo e renda no longo prazo, ou seja, estas séries não podem diferir sistematicamente num prazo mais longo. Uma outra explicação diz respeito a existência de consumidores que respondem com alterações no consumo devido a alta volatilidade das taxas de juros que influenciam as suas decisões de tomada de crédito. Esta variável ganhou importância nos últimos anos com a expansão do crédito às pessoas físicas. Foi com base na importância crescente do crédito nas decisões de consumo das famílias que se verificaram alterações importantes na dinâmica do consumo. Porém, logo que as restrições ao crédito aumentaram, em resultado da crise financeira internacional, o consumo entrou em queda crescente e a inadimplência
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Nota de Abertura
junto aos bancos aumentou. As famílias gastam hoje uma parte significativa da renda mensal com juros e amortizações das suas dívidas junto a bancos e cartões de crédito. Naturalmente, os bancos tiveram que mudar de comportamento face ao aumento da inadimplência. O dossier, que integra esta edição de Lusíada – Economia & Empresa, pretende dar um contributo para o estudo do padrão observado na dinâmica do consumo. O primeiro artigo reporta-se às implicações da neurociência na economia do consumo, relatando experiências em laboratório mediadas pelas novas técnicas do neuromarketing. O segundo artigo apresenta os resultados de uma investigação empírica ligada ao projecto Dinâmica do Emprego, Remuneração e Produtividade na Economia do Consumo (DERPEC), no âmbito da linha de investigação “Sociedade e Emprego” desenvolvida no CEPESE (Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade). No capítulo das dissertações e teses, o primeiro texto incide no estudo da auditoria ao sector público em Portugal, no âmbito dos factores que estão na base do pedido de ajuda financeira ao FMI e à UE. O segundo texto faz uma síntese dos estudos sobre o empenhamento organizacional, relevando as suas consequências para os indivíduos e para as organizações. O terceiro estudo mostra a influência de mediação que a satisfação com o trabalho e a lealdade exercem na relação de determinação das componentes do comprometimento organizacional sobre a voz. A secção “Vários” tem como primeiro artigo uma análise das perspectivas da economia portuguesa, no quadro da economia internacional, propondo uma estratégia consistente de internacionalização, tendo em vista assegurar uma competitividade acrescida. O segundo artigo faz uma análise sintética sobre o impacto de uma renegociação da dívida pública portuguesa, como instrumento para a redução do esforço de consolidação orçamental que está a ser prosseguido. O último artigo apresenta um estudo de caso, no âmbito do turismo rural, procurando analisar a relação entre os determinantes da satisfação e os atributos que afectam a qualidade percebida. Completa esta edição uma recensão sobre uma obra editada em 2009, pela sua pertinência com o dossier sobre a dinâmica da economia do consumo: Neuroeconomia – ensaio sobre a socio biologia do comportamento. Boa leitura! O DIRECTOR José Eduardo Carvalho
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Implicações da Neurociência na Economia do Consumo Rui Lanção Gonçalves Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade/CEPESE José Eduardo Soares Carvalho Faculdade de Ciências da Economia e da Empresa Universidade Lusíada de Lisboa
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Resumo: Este artigo pretende alertar para os problemas conceptuais da ciência económica, enfatizando a relação entre a economia e as ciências naturais, mostrando que o homem e o seu comportamento económico são muito mais do que modelos matemáticos. Com as novas técnicas de imagiologia cerebral que a economia pediu emprestada à neurociência, pretende-se mostrar o passo gigantesco da economia no sentido de poder pela primeira vez experimentar os seus modelos assumindose como uma ciência moderna e evolutiva, questionando a racionalidade económica e tentando entender o processo de tomada de decisão humana. Por último, através da metodologia do estudo de caso, apresenta-se um conjunto de experiências em laboratório que combinam a escolha e tomada de decisão económica ao nível do marketing. Palavras-chave: neuroeconomia; neuromarketing; comportamento; decisão Abstract: The purpose of this article is to expose the conceptual problems of the economic science, enlightening the relationship between economics and the natural sciences, by showing that man and his economic behavior are much more than the mathematical models. With the new techniques of brain imagery that economics borrowed from neurological sciences, is meant to be showed the huge leap of economics to the extent, for the first time, to be able to experiment their models, assuming to be an evolutionary modern science, questioning about economic rationality and trying to underpin the process of human decision making. This aticle ends, by showing, through case study methodology, a group of laboratory experiments which combine the process of economic choosing and decision making at marketing level. Key-words: neuroeconomics; neuromarketing; behavior; decision
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1. Introdução A aproximação clássica da economia moderna é baseada largamente na física do século XX. A alternativa, é uma aproximação indutiva mais próxima àquela que é usada na biologia. Funciona melhor ao nível de assegurar suposições de modelos correctamente, em vez de se basear no poder da previsão. Esta focagem, primeiro nas suposições e depois nas previsões é contra a tradição na economia. Apesar disso, esta abordagem é consistente com grande parte da literatura da filosofia da ciência na qual a procura por mecanismos causais necessita que os modelos baseados em suposições sejam consistentes e verificáveis, em vez daqueles que apenas prevêem uma série de dados. Podemos ir mais além, porque os seres humanos são criaturas biológicas que enfrentam restrições ambientais. As ferramentas da biologia são úteis para caracterizar o comportamento humano. Até há bem pouco tempo os economistas satisfizeram-se em tratar o cérebro humano como uma “caixa negra”, sugerindo equações matemáticas para simplificar o que o cérebro faz. Assim a maioria dos estudos empíricos do comportamento económico basearam-se em indicadores de entrada, como os preços, e previsões comportamentais, como “quantas pessoas irão comprar?”, a partir de uma teoria simplificada dos processos cerebrais. Esta aproximação reflecte um enviesamento detectável pelo menos desde 1880, quando Jevons escreveu “Hesito, é impossível medir os sentimentos do coração humano”. Esta aproximação à “escolha racional” teve um sucesso enorme. Contudo os avanços actuais na genética e imagiologia cerebral tornaram possível observar detalhadamente os processos que se desenrolam no cérebro melhor do que nunca, mostrando que partes do cérebro se activam quando as pessoas tomam decisões económicas. Isto significa que talvez sejamos capazes, um dia, de substituir as fórmulas matemáticas que têm sido usadas na economia desde a sua génese, por detalhadas descrições neurais. Por exemplo: quando os economistas pensam em jogos, assumem que as pessoas combinam a hipótese de ganhar (probabilidade) com a expectativa de como irão avaliar o ganho e a perda (utilidade). Se esta teoria estiver correcta, a neuroeconomia irá encontrar dois processos no cérebro – um para adivinhar o quanto ele poderá ganhar ou perder e outro que avalia o prazer e dor de vencer e perder. A neuroeconomia mostrará que o desejo ou aversão ao jogo é mais complicada que um simples modelo matemático. Levando
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as teorias económicas à experimentação laboratorial. Com o estudo realizado pretendeu-se demonstrar que o homem nem sempre maximiza as suas escolhas, sendo mesmo que a grande maioria das decisões tomadas se revestem de grande quantidade de emoções. Mais, o ser humano é gregário. Este trabalho demonstra que o ambiente influencia a tomada de decisão e a pseudo-racionalidade. A racionalidade que se pensava existir, baseada numa lógica-dedutiva, é produto da mistura entre química cerebral (influenciada por factores genéticos) e da reacção do homem aos estímulos circundantes, acreditando-se mesmo1 que é a emoção que exprime a tomada de decisão. Daí que se procure demonstrar que a racionalidade, na tomada de decisão, é uma componente muito limitada em todo o processo. Assim, tornase fundamental compreender os processos e química cerebral que estimulam a tomada de decisão em vez de nos basearmos na lógica-dedutiva. 2. Problemas conceptuais da ciência económica Desde a fundação da ciência económica, o seu desenvolvimento tem-se limitado ao pensamento lógico-dedutivo, ao contrário das ciências naturais que para além da observação do ambiente e formulação de hipóteses, só as confirmam através da experimentação. Mas, a racionalidade pura não existe a não ser num campo muito restrito de escolhas, provavelmente naquelas que contêm menor risco. Qualquer escolha comporta expectativas e a obtenção de resultados. Envolve, por conseguinte, sempre um certo nível de risco. Toda a análise que um consumidor faça sobre o que estiver em jogo numa qualquer compra pretende ser objectiva e isenta de devaneios. Mas não consegue abstrairse, mesmo que inconscientemente, do universo das suas emoções. Antigamente acreditava-se que era de forma quase linear e lógica que as decisões de compra se faziam. Hoje sabe-se que mesmo as decisões menos exigentes estão impregnadas pelos estados emocionais do momento e dos sentimentos de fundo presentes durante os processos de compra (observação, análise, comparação, avaliação dos riscos, etc.), tanto do consumidor como daqueles que o rodeiam e que o podem influenciar nas suas preferências e escolhas. 2.1. Os clássicos e a evolução económica Ao se referir ao estudo do ser humano o médico alemão Karl Burdach (1776 – 1847) criou o termo “Biologia”. A trave mestra do seu trabalho foi A Fisiologia como a Ciência da Experiência2 que advogava que as bases do comportamento humano se situavam na observação. Vivia-se numa época em que o pensamento dominante 1 2
Como Damásio. Physiology as a Science of Experience.
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ditava que a actividade económica não devia ser regulada, concedendo-se total liberdade pois uma ordem imposta pela natureza e regida por leis naturais regeria o mercado. Na escola fisiocrata a base económica era a produção agrícola onde através das interacções entre as classes sociais3 se chegava ao equilíbrio natural. O Estado limitava-se a garantir a propriedade e a liberdade económica, promovendo o “laissez-faire, laisser-passer”4 pois existia uma ordem natural que promovia o equilíbrio económico. A escola fisiocrata, vem reforçar a ideia de que há uma ordem natural que rege todas as actividades económicas, sendo inútil criar leis à organização económica. Em 1812, Jean Baptiste Lamarck afirmou que o objecto da biologia se expandia ao ponto de incluir a botânica, zoologia, geologia, química e meteorologia, nos métodos científicos de observação e experiência, afirmando que estes se aplicavam uniformemente ao estudo dos humanos, animais, células e moléculas. Um contemporâneo de Burdach, Adam Smith, escreveu repetidamente em 1759, na Teoria dos Sentimentos Morais5 as palavras: “economia da natureza” enquanto descrevia o comportamento humano, tomando emprestadas estas palavras ao famoso biólogo Carolus Linnaeaus. Contudo, em 1776, em A Riqueza da Nações6, Adam Smith havia já abandonado a biologia como metáfora e tinha adoptado a mecânica Newtoniana. Daí em diante, o cisma entre a base evolucionária da biologia e da economia cresceu largamente. No século XIX, a lacuna entre as duas ciências aprofunda-se ainda mais quando Herbert Spencer (1820 – 1903) publica uma versão simplificada da evolução antes de Charles Darwin, sendo o primeiro a usar o termo “evolução” e “sobrevivência do mais apto” para descrever a dinâmica biológica. Infelizmente, Spencer não identificou claramente os mecanismos através dos quais a evolução ocorria, contrariamente a Darwin, que foi identificado para a posterioridade como, o pai da teoria da evolução moderna. Apesar disso, Spencer continuou a escrever trabalhos importantes em sociologia e psicologia, até se tornar editor da revista “Economist”. No entanto, a obra de Spencer é muitas vezes negligenciada, porque ele não estava disposto a aceitar a natureza da evolução Darwiniana. Em vez disso a sua opinião sobre a evolução continuou a ser tanto lamarckiana e teleológica, quando refere que “o progresso … é parte da natureza”7. Como resultado, os trabalhos posteriores advogavam a economia do “laissez-faire” para promover a adaptação e progresso social através do pensamento lamarckiano. Apesar da abordagem de Spencer a A classe produtiva (agrícola), a estéril (das actividades não agrícolas, industria, comércio e liberais) e a dos proprietários das terras. 4 Esta expressão (deixar fazer, deixar passar) refere-se à ideologia económica do século XVIII, período do Iluminismo, que através de Montesquieu que defendia a existência do liberalismo mercantil no comércio internacional, em contraposição ao forte proteccionismo baseado em elevadas tarifas alfandegárias, típicas do período do mercantilismo. 5 The Theory of Moral Sentiments. 6 The Whealth of Nations. 7 De The Evolution of a Sociologist. 3
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este tema, o seu nome é hoje incontornável quando de trata de saber quem foi o primeiro a integrar a evolução da biologia com a teoria social. 2.2. A interacção da economia com as ciências naturais Um dos princípios fundamentais na biologia é a diversidade. Michael Ghiselin, chama-lhe “a economia da natureza” porque, devido à diversidade, a economia natural é competitiva. Sendo esta a essência da selecção natural – quanto mais eficiente for uma espécie num dado ambiente melhor ela sobreviverá. Tal como as recessões têm um efeito “purificador/limpador” na economia, através da destruição das empresas ineficientes, as mudanças ambientais levam a que algumas espécies se extingam e outras ascendam. É neste sentido que a heterogeneidade tem uma vantagem adaptativa. Uma mudança no ambiente económico pode levar a que uma variante duma espécie de produção tenha um diferencial de vantagem económica. Empreendedorismo é precisamente uma busca de nichos. Tecnicamente, tanto a economia como a biologia estão preocupadas com a optimização mediante restrições ambientais (predadores, lucros ou utilidade), adicionalmente, entidades biológicas, desde os genes às espécies comportam-se estrategicamente, criando modelos biológicos para métodos de jogos teóricos. Por exemplo, Ridley em 1995 documentou que os chimpanzés adultos ao caçarem presas grandes partilham a sua caça com os restantes membros após o caçador ter comido a sua parte. Em sequência, enquanto os restantes membros estão a comer, o caçador acasala com as fêmeas do grupo. A anuência das fêmeas é dada porque a caça é interpretada como um sinal forte das qualidades desejadas num chimpanzé macho, ou seja, a capacidade de assegurar recursos, o que torna um caçador bem sucedido num macho valoroso. Este exemplo ilustra a divisão do trabalho na economia natural. A divisão do trabalho ocorre nos organismos, entre organismos e dentro das sociedades. Este e outros autores utilizam a racionalidade económica para explicar as observações do comportamento animal. Tal racionalidade descreve bem os efeitos da selecção nas espécies, organismos e genes. A cada nível da análise biológica, a evolução introduz um problema de optimização que representa o grande compromisso da natureza. Trivers em 1985 também desenvolve este pensamento. Contudo, as espécies estão desenhadas não para serem atraídas pelos atributos medianos de um parceiro, mas pelos atributos extraordinários, com o propósito de aumentar a vantagem reprodutiva. Um indicador deste comportamento são as características exageradas que indicam o valor reprodutivo de um parceiro, por exemplo, o brilho ou tamanho da plumagem das aves, o tamanho das asas das borboletas e as operações de aumento dos seios nas mulheres. Quando acasalam, todos os tipos de espécies procuram optimizar as suas preferências: cada sexo tem que evoluir para prevenir a sua decadência. Paul Krugman, em 1996, observou também a proximidade metodológica
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entre a biologia evolucionária e a economia ao escrever: “Para ler algo importante sobre evolução – como “A Evolução e a Teoria dos Jogos” de John Maynard Smith, ou os estudos de William Hamilton como “Estradas Estreitas na Terra do Gene”, é uma experiência fantástica para quem as ideias de evolução vêem de artigos de revista e livros comuns. A evolução não se parece nada com essas histórias. Com o que se parece, a um nível marcante é – atrever-me-ei a dizer? – Economia neoclássica.” Uma lista de assuntos pendentes em biologia em que a economia poderá ser usada para os examinar inclui a biodiversidade, a ecologia, a formação de instituições formais entre espécies não humanas e modelos de genética populacional e dinâmica. Grande parte desta lista vem do Jornal de Bioeconomia lançado em 1999 por Janet Tai Landa (economista) e por Michael Ghiselin (zoólogo). Esta publicação procura promover a síntese entre economia e biologia através da transferência de ideias entre as duas ciências. Este é um passo muito importante para a fusão que ocorre presentemente entre estes dois campos de pesquisa. 2.3. Biologia e economia evolucionista Em 1982, Harper publicou uma experiência pioneira sobre a racionalidade com patos bravos sobre a forragem de comida. Os patos bravos foram uma escolha interessante porque a sua linhagem aviária descende dos dinossauros, cerca de 200 milhões de anos e por isso são animais com uma herança evolucionária muito diferente da nossa. Acresce que são animais com um cérebro muito pequeno, tipicamente com menos de cinco gramas de peso8. Ao nível ambiental, estes patos vivem em pequenos grupos de 10 a 50 indivíduos e normalmente forram comida em conjunto nas margens da água de rios e lagos. Finalmente, como todos os animais que têm que manter um peso reduzido para poderem voar, armazenam pouca energia internamente e por isso a sua capacidade de sobrevivência e reprodução depende fortemente da sua capacidade de obter comida diariamente. A experiência de Harper focou-se, em particular, no comportamento de um grupo com 33 patos bravos, que passavam o inverno no lago principal dos jardins botânicos da Universidade de Cambridge em 1979. O que interessou especificamente a Harper foram as estratégias de forragem. Para estudar as suas formas de forragem, Harper levou a cabo um conjunto de experiências destinadas a verificar o processo de tomada de decisão em grupo. No princípio de cada dia, dois pesquisadores aproximavam-se do lago com um saco de bolas de pão com tamanhos e pesos diferentes. Localizando-se em pontos distantes, os pesquisadores começaram a atirar essas bolas de pão simultaneamente mas a ritmos diferentes. O trabalho de cada pato seria simplesmente decidir em frente de que pesquisador ficar. Num dia típico o pesquisador A, atiraria, por exemplo, bolas de pão com duas gramas em cada cinco segundos, enquanto o pesquisador 8
Em contraste com o cérebro humano que pesa cerca de 1400 gramas.
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B atiraria uma bola de pão com duas gramas mas em cada dez segundos. O que Harper mediu foram as decisões momentâneas de cada pato, enquanto estas condições se mantiveram constantes e quando mudaram, durante um período de forragem que durava dezenas de minutos. Se se olhar para a situação como se de um jogo de Nash com 33 patos se tratasse e se se assumir que os patos aplicam uma curva de utilidade côncava para as bolas de pão, então um equilíbrio de Nash emergiria sob estas condições. Surpreendentemente Harper verificou que isto descrevia precisamente o comportamento dos patos num leque variado de condições. A todas as taxas e tamanhos de bolas de pão que Harper explorou, passados 60 segundos após terem começado a lançar bolas de pão, a população de patos discerniu sozinha o equilíbrio de Nash. Isso significa que eles atingiram a solução após terem lançado apenas seis bolas de pão por um dos pesquisadores. Adicionalmente, quando Harper e os seus assistentes mudaram quer o ritmo ou o tamanho das bolas de pão, os patos reorganizaram-se, alcançando de novo o equilíbrio racional em cerca de 60 segundos. Os patos como um grupo comportaram-se de uma forma perfeitamente racional, de um modo que muitos economistas argumentariam ser sinal de um consciencioso processo racional se este mesmo comportamento fosse produzido por humanos a operar sob condições básicas de mercado como estas. Mas talvez, tão interessantes como estas observações do comportamento de grupo foram as observações de Harper da forma como os patos se comportavam individualmente. Dentro de cada bando os patos estabeleceram uma ordem e o conflito entre eles continuamente desafiou e renovou esta ordem. Harper observou que esta ordem era evidente dentro do bando enquanto eles forravam. Nem todos os patos obtinham a mesma quantidade de pão (a probabilidade de obter bolas de pão era proporcional à ordenação dos patos) e os patos entravam em conflito para aceder ao pão. Os mecanismos de conflito, agressão e competição estavam a funcionar enquanto esta solução racional estava a ser atingida. Os patos comportaram-se racionalmente. Será que o facto de terem sido patos a comportarem-se deste modo torna as decisões deste tipo desinteressantes para os economistas ou irrelevantes para os estudos da escolha humana? Ou estes resultados sugerem que os modelos clássicos de racionalidade baseada na teoria da utilidade podem em princípio ser utilizados por biólogos para estudar as funções cerebrais em animais não humanos? Se tal estudo fosse levado a cabo poderia dizer-nos algo de interessante para a economia? Para começar a responder a estas questões críticas é necessário reexaminar dois assuntos, um de economia e outro de neurociência. 3. Da bioeconomia à neuroeconomia A neuroeconomia é uma extensão natural da bioeconomia. O programa de pesquisa bioeconómico usa a biologia evolucionária para construir modelos que
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prevêem o comportamento humano. Um segundo progenitor da neuroeconomia é a economia comportamental, um campo que usa as descobertas da psicologia cognitiva para melhor modelar o processo de tomada de decisão humana. Enquanto a bioeconomia se focou nas causas finais do comportamento, a economia comportamental centrou-se na forma como a nossa psicologia afecta as decisões, o programa neuroeconómico de pesquisa procura descobrir as causas imediatas do comportamento de escolha. São as causas imediatas que provavelmente fornecem a maior alavancagem quando se procura afectar o comportamento através da política. Por exemplo, a introdução de leis que procurem influenciar o comportamento individual pode ser feito com maior eficiência quando os mecanismos imediatos que produzem o comportamento são conhecidos. Porque o enfoque é nas decisões, a neuroeconomia não está limitada ao estudo dos humanos. O primeiro artigo neuroeconómico datado de 1999, de Michael Platt e Paul Glimcher, publicado na revista Nature usava uma abordagem económica para perceber como os macacos escolhiam entre duas recompensas. O primeiro plenário de neuroeconomistas foi organizado por Greg Berns da Universidade de Emory, no Outono de 2003. Dos 30 investigadores que compareceram, cerca de um terço possuíam um doutoramento em neurociência, outro terço eram doutorados em economia e os restantes eram médicos. Esta composição indica o potencial da neuroeconomia atravessando várias disciplinas, incluído aplicações clínicas. A economia é a ciência da tomada de decisão: decisões que envolvem outros ou não. Por esta razão, os modelos económicos podem ser aplicados a uma vasta variedade de espécies e comportamentos. A neurociência, por outro lado, tem um requintado arsenal de modalidades de medição, mas historicamente centrou-se na caracterização de um conjunto limitado de comportamentos. Por isso, existe uma afinidade natural entre a neurociência e economia, pois uma já produziu e testou vários modelos comportamentais sem perguntar como é produzido o comportamento, e a outra é capaz de abrir a ‘caixa negra’ que gera os comportamentos mas está à procura de comportamentos interessantes para estudar. Os tópicos de pesquisa estudados pelos neuroeconomistas caem em duas grandes categorias: (1) identificação dos processos neurais envolvidos em decisões nas quais os modelos económicos prevêem bem o comportamento; e (2) o estudo das ‘anomalias’ onde os modelos normais falham. Para este último, diversos modelos alternativos foram propostos com assumpções comportamentais diferentes que prevêem decisões igualmente correctas e por isso as verdadeiras fontes do comportamento são desconhecidas. As pesquisas na categoria (1) são frequentemente direccionadas por um neurocientista ou por um médico, quando grande parte da pesquisa realizada em (2) é liderada por economistas. Muitas equipas de pesquisa incluem agora tanto economistas como médicos/neurocientistas e consequentemente a divisão da pesquisa por estas duas categorias está rapidamente a diluir-se. Devido ao rápido crescimento da
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literatura neuroeconómica, é difícil manter hoje uma listagem actualizada das principais descobertas neuroeconómicas. 3.1. Avaliação de recompensa na tomada de decisão Todos os animais necessitam de obter recursos para sobreviver, e as estruturas neurais necessárias para a obtenção de recompensa são primitivas e bem conservadas em todas as espécies. A tomada de decisão, ou execução da escolha é precedida de uma avaliação da recompensa associada a cada escolha, contudo o substrato valorativo (ou avaliador) é desconhecido. Platt e Glimcher (em 1999) treinaram macacos numa tarefa de identificação de pistas visuais coloridas. A escolha correcta entre direita e esquerda era premiada com um jorro de sumo. Os pesquisadores suspeitaram que era a área lateral intra parietal (LIP) que estava a ser usada para avaliar a recompensa pois as projecções do córtex visual convergem para a área LIP antes de serem enviados para o córtex motor para execução. Platt e Glimcher mediram a taxa de disparo de 40 neurónios na área LIP em três macacos à medida que variavam a recompensa de sumo em cada local de escolha. Eles descobriram que 62,5% da activação de neurónios da área LIP estava correlacionada com a expectativa de ganho, eles tentavam perceber qual a escolha que lhe dava mais sumo. Glimcher foi mais longe, ao argumentar que a função utilidade que os economistas presumiam existir para explicar dados comportamentais é uma realidade na área LIP. Ou seja, os neurónios da área LIP não se comportam de forma ‘similar’ a uma função utilidade, mas ‘são’ uma função utilidade nos cérebros dos macacos (p.e. os neurónios da área LIP fazem os cálculos necessários para determinar a utilidade). Apesar disto, não se exclui a existência de outras regiões cerebrais que tenham funções utilidade. Glimcher defende esta ideia mostrando que as taxas de disparo da área LIP podem ser usadas para prever o comportamento dos macacos em diversas tarefas de aquisição de recompensas. A aquisição de recompensas requer um mecanismo de motivação para obter o prémio bem como a habilidade de prever o tamanho do prémio, para despender o esforço necessário para perseguir a recompensa. Schultz9 reviu estudos sobre taxas de disparo de neurónios individuais em recompensas de sumo em primatas não humanos e identificou neurónios dopaminérgicos na área ventral tagmental ao processar estímulos de recompensa, e mais importante, as taxas de disparo eram proporcionais ao erro entre a recompensa esperada e obtida. Os neurónios dopaminérgicos são particularmente densos na região média ventral ‘nucleus accumbens’10, e esta região tem projecções fortes para a região mediana frontal do cérebro, que está activa em muitas tarefas de tomada de decisão. Apesar da cocaína, anfetaminas, humor, e até ver faces de mulheres 9
Em 1997. Aharon em 2001 e Mobbs em 2003.
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atraentes por homens heterossexuais produzirem a activação do ‘nucleus accumbens’, experiências recentes mostraram que a libertação de dopamina não é o mesmo que o prazer11. De facto, a activação do ‘nucleus accumbens’ (NAcc) Áreas de Brodmann 23/24/31/32 (Fig. 1), estão associadas a necessidades de observação. Breiter usou fMRI (ressonância magnética) para examinar a activação regional e observar a expectativa e realização de ganhos e perdas monetárias em 12 humanos.
Figura 1 - Áreas de Brodmann (AB) 11
Garris em 1999.
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Os prémios monetários eram dados sem que os sujeitos tivessem que fazer uma escolha nesta experiência. Mostraram que o ganho esperado e o realizado estavam associados a significativas respostas hemodinâmicas na SLEA (Extensão da Amígdala Sublenticular) e na esfera orbital. Adicionalmente, a activação no ‘nucleus accumbens’, SLEA e hipotálamo registou os valores monetários mais altos. Os ganhos produziram activação predominante do hemisfério direito (em particular o ‘nucleus accumbens’ e o hipotálamo), enquanto as perdas produziram maior efeito no hemisfério esquerdo (especialmente na amígdala esquerda). Estas descobertas parecem indicar que os ganhos produzem recompensas neurais, enquanto as perdas provocam respostas emocionais associadas a medo ou arrependimento. Knutson12 dissociou a antecipação de recompensa da sua realização colocando nove sujeitos a responder com um toque num botão a uma pista visual colorida num estudo de fMRI. Um toque rápido no botão, com uma pista amarela dava um prémio de 1USD, um toque rápido no botão, com uma pista azul não dava nada e uma pista vermelha não necessitava de se tocar no botão. Em cada bateria de testes informavam-se os indivíduos sobre o total ganho na bateria e o total ganho na soma das baterias para cada um. Knutson monitorizou os sinais através de fMRI, antes e depois dos sujeitos receberem informação acerca de terem ganho ou não. A antecipação do prémio produziu actividade no receptor de dopamina da parte ventral do cérebro, quando eram notificados que um prémio tinha sido ganho havia activação da parte do córtex pré-frontal mediano (MPFC). Num estudo posterior com um prémio maior (5USD), Knutson mostrou que o MPFC (Áreas de Brodmann 10/32), o córtex posterior (AB 26/30) e o córtex parietal (AB 7) activam-se durante a notificação de uma recompensa monetária. Curioso é o facto de quando os prémios são antecipados mas não obtidos, o MPFC ter mostrado activação reduzida relativamente á situação em que não há ganho. O MPFC tem a mais densa região nervosa dopamínica de todas as regiões corticais, sendo que Knutson defende que esta funciona como função utilidade, enquanto o ‘nucleus accumbens’ segue a antecipação da recompensa e a aprendizagem. Knutson e Peterson, em 2004, sugerem que os estados subjectivos associados à utilidade devem ter uma base emocional – a utilidade deve ser sentida para ser avaliada – e o circuito MPFC e o sulco orbito frontal (OFS) parecem mapear o ‘querer’ e o ‘ter’. Montague e Berns13 também estudaram a literatura da recompensa à volta da previsão. Eles propuseram um modelo de previsão-avaliação para a recompensa que usa o circuito OFS. Parecido com a argumentação de Glimcher para a área LIP e de Knutson para a área MPFC, Montague e Berns fornecem também um conjunto de provas de como o OFS avalia recompensas (e punições). 12 13
Em 2001. Em 2002.
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Eles também forneceram provas que a avaliação da recompensa/punição no córtex orbito frontal (OFC) se encontra separada da característica previsão de erros dos neurónios de dopamina do centro do cérebro. Dickhaut14 colocou nove pessoas a escolher bilhetes de lotaria num estudo PET (tomografia por emissão de positrões). Algumas escolhas resultavam em ganhos e outras em perdas (os indivíduos recebiam uma quantia inicial de 190USD). Comportamentalmente, eles são avessos ao risco nos ganhos mas não nas perdas, com um tempo médio de reacção nas perdas de 500 ms. mais lentos do que quando fazem escolhas nos ganhos. Quando comparados com referência a uma lotaria arriscada, os ganhos menos as perdas produziram activação do OFC. Em contraste, quando a lotaria referenciada tinha um pagamento, os ganhos menos as perdas produziram a activação do cerebelo e córtex parietal. As perdas menos os ganhos activaram os córtexes dorsal parietal e frontal, quando a lotaria era arriscada ou certa. Este estudo demonstra como variando o estimulo e/ou modalidade de medida pode produzir diferentes activações regionais do cérebro comparativamente com outros estudos semelhantes. Todas as formas de avaliação requerem ‘emoção’ nas áreas médio-ventrais associadas à activação por dopamina para motivar os indivíduos a adquirir recursos, e as regiões corticais parecerem valorar os tais recursos (informação). É possível que as áreas OFS, MPFC e LIP todas avaliem recompensas (são funções de utilidade psicológicas), com uma região cerebral ainda não descoberta (talvez pré-frontal) a determinar a valoração final quando estas regiões fornecem conflitos da avaliação. A assimetria entre ganhos e perdas é também um assunto que requer mais estudo. É preciso perguntar: se as teorias económicas podem auxiliar as neurociências a preencher a lacuna explicativa entre a actividade cerebral e o comportamento em termos de moldura interpretativa e de significado, e se as neurociências cognitivas representam a nova abordagem metodológica da economia experimental, em que sentido a descoberta de padrões de activação cerebral específicos pode guiar a criação de novas hipóteses económicas? Tudo isso é muito significativo em relação à efectiva integração das esferas do homo economicus e do homo neurobiologicus para uma autêntica representação do agente real. 3.2.A estrutura de tomada de decisões económicas Os economistas têm estudado o processo de tomada de decisão como a maximização de funções objectivas, como a utilidade ou o lucro, sujeito a restrições orçamentais. Uma questão importante é saber se colecções específicas de neurónios codificam variáveis de decisão críticas à optimização. Por exemplo, considerando o problema de maximização simples de escolher χ1* e χ2* de modo 14
Em 2003.
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a maximizar µ(χ1, χ2) sujeito à restrição orçamental p1χ1 + p2χ2 ≤ m, onde χ1 e χ2 representam as quantidades de dois bens diferentes, p1 e p2 representam os preços dos bens, e m representa o valor monetário (ou restrição orçamental) que o indivíduo tem ao seu dispor.
Figura 2 – Os passos envolvidos no processo de decisão Na figura 2, o passo marcado com “escolhas” envolve a habilidade de balancear os ganhos relativos dos dois bens face aos seus custos relativos. A utilidade marginal do bem um é a mudança na utilidade que o decisor receberá por uma unidade adicional desse bem, mantendo o mesmo montante do bem dois constante, ou mais formalmente, a derivada parcial da função utilidade, μ1(χ1, χ2)=δµ(χ1, χ2)/δχ1 e de igual forma para o bem dois. Os ganhos relativos podem então ser medidos como o rácio das utilidades marginais μ1(χ1, χ2)/μ2(χ1,χ2). A condição necessária para (χ1*, χ2*) ser solução deste problema de maximização de utilidade é que o rácio das utilidades marginais seja igual ao rácio dos custos de aquisição dos bens, μ1(χ1*, χ2*)/μ2(χ1*, χ2*)= p1/p2.Ao fazer escolhas entre alternativas, esperavase que a função fosse sensível ao valor da recompensa relativa das alternativas, independentemente das alternativas em questão. Há alguma evidência que o cérebro codifica esta informação? Tremblay e Schultz15 mostraram que as taxas de disparo dos neurónios orbitofrontais em dois macacos eram moduladas pelos valores das recompensas relativas de diferentes comidas. Por exemplo, os autores sabem a priori que os 15
Em 1999.
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macacos preferem um pedaço de banana a um pedaço de maçã, que por sua vez é preferida a uma alface. Numa bateria de escolhas, mostraram-se alternativamente do lado esquerdo ou direito do ecrã símbolos de duas recompensas. Após um momento de espera, o macaco tinha que pressionar uma alavanca indicando onde o símbolo tinha sido mostrado para ganhar a recompensa mostrada. Em diferentes baterias de testes, foram apresentadas aos macacos todas as combinações de recompensas. Antes da escolha, os mesmos neurónios do córtex orbito frontal dispararam com maior frequência quando o desenho da comida mais desejada aparecia, comparadamente com a comida menos desejada. Similarmente, outros neurónios disparavam com menor frequência quando a comida menos desejada era apresentada. Os autores concluíram que tais neurónios codificam preferências relativas da comida. Apesar disso, continua aberta a questão de como os neurónios codificam o balanço entre ganhos e os custos. A actividade que é invocada pela interacção com parceiros humanos nas áreas cerebrais que ordinariamente mostra sinais relacionados com a antecipação de recompensas poderá reflectir um mecanismo neurobiológico que facilite a cooperação. Por exemplo, o núcleo caudal é activado quando os humanos desejam punir o seu parceiro não cooperativo na troca monetária (Figura 3). Dada a importância da cooperação nos comportamentos sociais, a cooperação e outros comportamentos altruístas poderão ser controlados por múltiplos mecanismos. Por exemplo, a inalação de oxitocina durante um jogo de confiança aumenta o montante pago pelo investidor ao seu parceiro, sugerindo que factores hormonais poderão também contribuir para a cooperação.
Figura 3 – Activação do striatum relacionada com a punição altruísta (a) Quervain verificou a activação do núcleo caudal associado ao desejo de punir outros. (b) A magnitude da activação do núcleo caudal associado ao desejo de punir outros mudou de acordo com a natureza da punição. Foi maior quando o sujeito tomou a decisão de punir e a sua punição foi custosa (IC) ou quando a punição foi intencional mas não custosa (IF), comparada com, quando o sujeito enviou uma mensagem simbólica em vez de uma punição real (IS), ou quando a decisão do confiado foi determinada aleatoriamente e a punição foi custosa (NC).
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3.3 Da economia de massas ao marketing personalizado As novas técnicas de investigação do cérebro humano estão a mostrar precisamente a importância dos aspectos intrinsecamente emocionais das tomadas de decisão. Por isso é que muitas decisões são tomadas pelo cérebro antes dos sujeitos se terem apercebido (através da consciência). As compras impulsivas, por exemplo, são geralmente inconscientes e emocionais. É muito arriscado tentar-se dividir as pessoas em tipologias específicas, como faz a psicologia tradicional. Às vezes, isso ajuda a compreender melhor os seus padrões de comportamento mas, na realidade, cada pessoa é o resultado de uma grande diversidade de elementos biológicos, psicológicos e culturais que fazem com que sejamos todos diferentes. Nas decisões de investimento, podem-se encontrar padrões de comportamento diversos e isso deve-se sobretudo à forma como cada um reage a tudo quanto esteja em jogo, inclusivamente as suas motivações intrínsecas (que podem variar bastante de pessoa para pessoa mesmo entre aquelas que revelam padrões de comportamento similares). A reacção de cada pessoa às investidas das emoções varia muito conforme a sua natureza e o momento. Os investidores experientes adquiriram, obviamente, uma aprendizagem sólida sobre as melhores escolhas, os melhores momentos, os riscos em jogo e os erros. Lidam melhor com a ambiguidade e a indeterminação graças ao facto de os seus cérebros terem aprendido a conviver com diferentes situações e diferentes «apostas». Neles desenvolve-se uma espécie de conhecimento oculto (não consciente) que alimenta abundantemente a sua memória de trabalho e lhes confere flashes intuitivos decisivos nas escolhas de alto risco. Geralmente estão menos expostos às reacções emocionais adversas mas não estão totalmente imunes a momentos de perturbação que podem prejudicar a leitura e a interpretação das situações e a tomada de decisões. O neuromarketing, criado na extensão da neuroeconomia, é um campo de investigação novo mas que se apresenta muito promissor no que se refere ao estudo do comportamento das pessoas em tomadas de decisão que envolvam investimento, compra, venda, troca e outras actividades de natureza económica e financeira. O neuromarketing recusa aceitar que as decisões no mundo dos negócios sejam pautadas apenas pelo pensamento racional e oferece instrumentos de análise mais precisos sobre a complexa rede de factores psicológicos (intuitivos, emocionais, etc.) presentes nas decisões. 4. Estudo de caso: chocolates Godiva A decisão de compra de um produto é a unidade fundamental da análise económica. Desde o bazar à internet, as pessoas consideram as características dos produtos, determinam o seu custo, e depois decidem se compram ou não. O sucesso da teoria económica repousa na sua habilidade para caracterizar este processo de
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decisão repetido e elementar. Os métodos neuroeconómicos oferecem a esperança de separar e caracterizar os componentes distintos do processo de decisão de compra em consumidores individuais. Adicionalmente, para serem atraídos para os produtos preferidos os consumidores evitam preços que lhes parecem excessivos. Vários esquemas de incentivo para promover a compra surgiram para reduzir a resistência a esta situação (p.e. os cartões de crédito) ou para criar a ilusão que os produtos não têm custo (p.e. os programas de milhas de passageiro frequente). Para explicar este fenómeno, teorias económicas comportamentais recentes postularam uma competição hedonística entre o prazer imediato da aquisição e a igualmente imediata angústia de pagar. A noção de as pessoas considerarem os preços como perdas potenciais pode contrastar com uma contabilidade económica diferente na qual as pessoas representam os preços como ganhos potenciais de produtos alternativos que poderiam ser comprados pelo mesmo montante de dinheiro16. A ideia que as decisões de compra envolvem uma troca entre o prazer potencial da aquisição e a angustia de pagar é consistente. Contudo, há provas neurocientíficas recentes que circuitos neurais distintos relacionados com o efeito de antecipação que fornecem informação critica às decisões subsequentes17. Provas imagiologicas da neurologia sugerem que a actividade em diferentes circuitos neurais se correlaciona entre o efeito antecipatório positivo e negativo. Na ausência de escolha, a antecipação de ganhos activa o NAcc correlacionando-se com uma auto-proposta ansiedade positiva, onde os resultados de ganho activam o MPFC. Estas descobertas foram interpretadas para indicar que a activação do NAcc se correlaciona com a previsão de ganho, enquanto a activação do MPFC correlaciona o ganho com a previsão de erro. Outras descobertas sugerem que a antecipação de dor física activa a ínsula, entre outras áreas, e que esta activação também se relaciona com auto-reporte de ansiedade negativa. Assim, previu-se que a activação da ínsula tivesse um papel crítico na previsão de perda. Resultados recentes também sugerem que a activação nestes circuitos pode influenciar as escolhas subsequentes. Por exemplo, durante uma tarefa de investimento que envolve várias alternativas com diferentes níveis de risco, a activação do NAcc precede a mudança para estratégias arriscadas (nas quais o ganho antecipado deverá pesar mais do que a perda antecipada), enquanto a activação da ínsula precede a mudança para estratégias de aversão ao risco (nas quais a perda antecipada deverá pesar mais que o ganho). Comparadas com escolhas que envolvem riscos puramente financeiros, a compra de produtos representa um cenário de decisão menos restrito, porque os produtos podem, potencialmente, variar sobre dimensões infinitas. Contudo, as decisões de compra podem activar mecanismos afectivos antecipados. Veja-se, um número crescente de estudos fMRI que exploraram correlações neurais da 16 17
Deaton e Muellbauer em 1980. Bechara em 1996, e Kuhnen e Knutson em 2005.
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preferência entre vários produtos. Especificamente, os homens que vêm fotografias de automóveis desportivos face a outro tipo de carros mostram actividade acrescida nas áreas NAcc e MPFC. Tanto homens como mulheres que vêm fotografias de bebidas preferidas face às não preferidas mostram também aumento de actividade neural nas mesmas áreas, NAcc e MPFC. O mesmo se verificando no café com as mulheres e na cerveja com os homens. Juntas, estas descobertas implicam áreas dopamínicas de projecção mesolímbicas na representação de ganhos antecipados, mas não clarificam os diferentes papéis destas áreas. 4.1. Objecto de estudo O objectivo deste estudo foi determinar se circuitos neurais distintos respondiam às preferências pelo produto face ao seu preço excessivo, e para explorar se a activação antecipada extraída destas regiões poderia independentemente prever as decisões subsequentes à compra. Os sujeitos foram examinados numa tarefa chamada SHOP (“Poupa ou Compra”), que consistiu num conjunto de provas, idênticas na estrutura temporal, nas quais os sujeitos poderiam comprar produtos (Figura 4). Os sujeitos viam um produto, viam o seu preço, e depois decidiam comprar o produto ou não (escolhendo “sim” ou “não” apresentado aleatoriamente no lado esquerdo ou direito do ecrã). A temporização para cada prova foi intencionalmente limitada para minimizar distracções e maximizar o empenho afectivo na tarefa. Previu-se que durante a avaliação do produto, a preferência iria activar os circuitos neurais associados ao ganho antecipado. Previu-se também que durante a apresentação do preço excessivo se activassem os circuitos associados à perda antecipada, bem como desactivasse as regiões cerebrais anteriormente associadas ao balanço entre ganhos e perdas. Finalmente, previu-se que a activação extraída destas regiões anterior à decisão de compra iria prever, acima e para além das variáveis de auto-reporte, quando os indivíduos escolhessem comprar um produto. Pretendeuse distinguir as correlações neurais das reacções do consumidor à preferência face à informação do preço e usar a activação cerebral para prever a compra. 4.2. Os sujeitos Vinte e seis adultos destros (12 mulheres e 14 homens, com idades que variavam entre os 18 e 26 anos) participarem neste estudo. A par da exclusão por ressonância magnética (p.e. devido à presença de metais no corpo, os sujeitos foram rastreados em drogas psicotrópicas e problemas psicológicos), com autorização escrita de todos os participantes. Receberam 20USD por hora de participação bem como 20USD em dinheiro para gastar em produtos durante cada uma das duas sessões. Aos 26 indivíduos tiveram que se extrair seis devido ao facto de comprarem menos de quatro itens por sessão (<10%) e por isso não forneceram dados suficientes para o estudo.
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Figura 4 – Estrutura e regressões da tarefa Para a estrutura da tarefa os sujeitos visualizaram um produto com marca (período do produto; quatro segundos); viram o seu preço (período de preço; quatro segundos); e depois escolheram comprar ou não (escolhendo entre ‘sim’ ou ‘não’ apresentado de forma aleatória no fundo do ecrã; período de compra); fixação durante dois segundos até à próxima prova. Nos modelos de regressão, a preferência estava correlacionada com a activação cerebral durante os períodos de produto e preço, o diferencial de preço estava correlacionado com a activação cerebral durante o período de preço e a compra estava correlacionada com a activação cerebral durante o período de escolha.
4.3. Método Para garantir que os sujeitos estavam envolvidos na tarefa, foi seleccionada uma tarefa aleatoriamente após cada sessão a contar para a experiência. Se os sujeitos tivessem escolhido comprar o produto apresentado durante a tarefa aleatória escolhida, pagariam o preço que tinham visto no scanner dos seus 20USD iniciais e receberiam o produto nas duas semanas seguintes. Caso contrário, os sujeitos ficariam com os 20USD iniciais. Foram enviados produtos em 15 (29%) das 52 sessões realizadas. Os produtos foram pré-seleccionados para terem um grau de atracção superior à média, de acordo com testes realizados antes deste estudo. Enquanto o preço dos produtos no retalho variava entre 8 e 80USD, para encorajar a compra os preços que os sujeitos viam no scanner tinham um desconto de 75% face ao seu valor de retalho. Este desconto levou os sujeitos a comprar em média 30% dos produtos mostrados. Os sujeitos foram instruídos para realizar a tarefa e foi testada a sua compreensão da tarefa a realizar antes de entrar no scanner. Após abandonarem o scanner, os sujeitos classificaram os produtos tendo em conta a desejabilidade, percentagem do preço a retalho que eles estariam dispostos a pagar pelo produto, e se já tinham possuído o produto. Após estas classificações, os sujeitos foram informados qual das provas foi aleatoriamente escolhida para contar para a experiência.
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Para garantir que os resultados se generalizassem através dos diferentes conjuntos de produtos exibidos os sujeitos participaram em duas sessões, cada uma separada por menos de duas semanas. Durante cada sessão, aos sujeitos foram apresentadas oportunidades para comprar 40 produtos diferentes duas vezes, permitindo verificar a consistência da escolha. 4.4. Resultados Os sujeitos compraram 23,58 (com um desvio de aproximadamente 13,31) de um total de 80 produtos (ou seja aproximadamente 30% dos produtos que visualizaram). A percentagem de produtos não diferiu significativamente entre homem e mulher. Por isso estes grupos foram combinados em análises subsequentes. Os sujeitos que compraram vários produtos de um cabaz tinham maior probabilidade de comprar vários produtos de outro cabaz. A compra mostrou-se também consistente com repetidas apresentações do mesmo produto. Especificamente, 87% dos produtos comprados durante a primeira apresentação foram também comprados durante a segunda apresentação, enquanto 95% dos produtos não comprados durante a primeira apresentação também não foram comprados na segunda. O tempo de reacção não diferiu significativamente entre os produtos comprados e os não comprados. Mas, os sujeitos deliberaram mais antes de comprar um produto para o qual tinham preferências relativamente fracas, bem como antes de não comprar um produto para o qual tinham preferências relativamente fortes, sugerindo que o tempo de reacção indexava conflito de resposta. A preferência estava relacionada com a activação do NAcc (Figura 5), bem como outras regiões durante a apresentação do produto e do preço. O diferencial de preço (ou seja, a diferença entre o que o sujeito estaria disposto a pagar e o preço apresentado do produto) estava correlacionado com a activação do MPFC (Figura 5), bem como outras regiões. A compra estava correlacionada com a desactivação da ínsula bilateral (Figura 5) durante o período de escolha. Em suma, como previsto, a activação do NAcc estava positivamente correlacionada com a preferência durante os períodos de exibição do produto e do preço; a activação do MPFC estava positivamente correlacionada com o diferencial de preço durante o período de exibição do preço; e a activação da ínsula negativamente correlacionada com a compra durante o período de escolha. Os dados foram extraídos das regiões previstas e submetidos a análises de verificação, revisão e validação. Outros dados foram também extraídos de outras regiões identificadas na análise de localização e submetidas a análises de previsão para determinar se adicionavam poder preditivo às três regiões em avaliação.
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Figura 5 – Activação, Volume de interesse e Cursos temporais de activação (Linha superior, da esquerda para a direita) Correlações da activação do NAcc com a preferência durante os períodos de produto e preço; Activação do MPFC com o diferencial de preço durante o período de preço; Activação da ínsula com a decisão de compra durante o período de escolha. (Linha intermédia, da esquerda para a direita) Volumes de interesse do NAcc bilateral, MPFC bilateral e ínsula direita. (Linha inferior, da esquerda para a direita) Cursos temporais de activação bilateral do NAcc para provas nas quais os produtos eram subsequentemente comprados face aos não comprados; Curso temporal de activação bilateral do MPFC; e curso temporal de activação da ínsula direita (branco, divergência prevista; ***, período de produto; €€€, período de preço; ???, período de escolha).
A comparação do tempo de activação do “volume de interesse” verificou que a activação do NAcc bilateral distinguiu-se entre as provas de compra e não compra durante o período de apresentação do produto, bem como durante os períodos subsequentes de apresentação do preço e da escolha. A activação bilateral do MPFC distinguiu-se entre a prova de compra face à de não compra durante o período de exibição do preço conforme previsto, bem como durante a segunda
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metade do período anterior de apresentação do produto e do subsequente período de escolha. A activação da ínsula direita, mas não esquerda também se distinguiu entre a prova de compra face à não compra durante o período de apresentação do preço conforme previsto, bem como durante o período subsequente de escolha. Assim, baseado na previsão dos pontos de divergência iniciais significativos e subsequentemente verificados na activação, incluíram-se a média de activação bilateral do NAcc durante o período de exibição do produto, a média bilateral do MPFC durante o período de preço, e a activação da ínsula direita durante o período de preço em análises de previsão subsequentes. Pensou-se que a activação do NAcc durante o período de produto, assim como a activação do MPFC e a desactivação da ínsula direita durante o período do preço poderia prever as decisões subsequentes à compra. O primeiro modelo de regressão considerou a decisão de compra tendo por base a preferência e o diferencial de preço. Ambas as variáveis previram positivamente a compra. O segundo modelo considerou a decisão de compra na activação do cérebro extraída de três pontos temporais anteriores à decisão de compra (ou seja, activação do NAcc durante o período do produto, e activação do MPFC e da ínsula durante o período do preço). A activação cerebral das três regiões previu significativamente a compra. Especificamente, a activação bilateral do NAcc durante o período do produto e a activação bilateral do MPFC durante o período do preço previram significativamente decisões subsequentes à compra, enquanto a activação da ínsula direita, durante o período do preço, previu significativamente as decisões de não compra. Deste modo verificou-se que as preferências individuais, o diferencial de preço, o NAcc, o MPFC e a activação da ínsula direita independente e significativamente prevêem as decisões subsequentes à tomada de decisão de compra de um produto. 4.5. Discussão O objectivo deste estudo foi caracterizar os previsores neurais da compra. Pensou-se e constatou-se que a activação das regiões associadas à antecipação do ganho (o NAcc) estava correlacionado com a preferência pelo produto, enquanto a activação nas regiões associadas à antecipação de perdas (a ínsula) se correlacionava com preços excessivos. Mais, a activação numa região implicava na integração de ganhos e perdas (o MPFC) correlacionava-se com preços reduzidos. As análises do curso temporal de extracção de dados de cada uma destas regiões indicava que, enquanto a activação do NAcc inicialmente previa as decisões de compra subsequentes às decisões de compra durante a apresentação do produto, a activação da ínsula e o MPFC inicialmente previram decisões de compra durante a apresentação do preço. A activação destas três regiões previu independentemente as decisões de compra. Análises de validação indicaram que a capacidade da activação cerebral prever a compra poderia generalizar-se para outros cenários de compra.
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Conjuntamente, estas descobertas sugerem que a activação de regiões distintas relacionadas com a antecipação de ganhos e perdas precede e pode ser usada para prever decisões de compra. Enquanto muitas outras regiões do cérebro estivessem implicadas na tomada de decisão tanto em pesquisa humana como comparativa, tais regiões não desempenhavam papéis centrais neste estudo. Estas descobertas sugerem que onde a activação do NAcc reflectiu a reacção dos sujeitos aos produtos, o MPFC e a activação da ínsula reflectiram a reacção do sujeito ao preço. Em todos os testes, a activação do NAcc começa a prever a compra durante o período do produto, enquanto o MPFC e a activação da ínsula começam a prever a compra durante o período de preço. A activação das regiões mencionadas, comportou-se como a maioria, mas não com todas as previsões. A activação nas três regiões correlacionou-se mais com as variáveis subjectivas (isto é, preferências por produto, diferencial de preço) do que com as objectivas (por exemplo, a identidade do produto e o preço). A activação do NAcc correlacionouse fortemente com a preferência pelo produto, discriminando entre produtos comprados e não comprados, logo que o produto foi mostrado, enquanto a activação do MPFC se correlacionou fortemente com o diferencial de preço, e não discriminou entre produtos comprados e não comprados até o preço ser mostrado. Estas descobertas mostram ser consistentes com as previsões de ganho do NAcc e com as previsões de ganho e erro do MPFC. Enquanto a ínsula direita mostrou estar desactivada durante o período do preço, a activação desta região não se correlacionou significativamente com o diferencial de preço, apesar de se correlacionar não significativamente na direcção prevista, e também discriminou entre produtos eventualmente comprados e não comprados. Estas descobertas não são inconsistentes com a previsão de perda função da ínsula, pois análises de validação indicaram que a desactivação da ínsula previa a compra, embora pudesse sugerir a influência de outros factores para além do preço excessivo na activação da ínsula (ou seja, respostas à não preferência ou uma resposta mais prolongada). Assim a especificidade da resposta da ínsula em responder a preços excessivos fica para ser clarificada em pesquisas futuras. Estas descobertas têm várias implicações. No que respeita à neurociência, ao implicar circuitos comuns (NAcc, MPFC e a ínsula) nas decisões de compra de diversos produtos, estas descobertas mostram ser consistentes com uma “moeda corrente” que justifica a compra. Contudo, adicionalmente sugerem que as decisões para comprar podem envolver dimensões distintas relacionadas com o ganho antecipado e perda do que apenas uma só dimensão relacionada com o ganho antecipado. Estas descobertas não se juntam apenas a estudos anteriores de preferência de produto, mas também se ligam a estudos de decisões sociais que implicam a activação do NAcc na intenção para cooperar e da activação da ínsula na intenção de não cooperar. Estes achados ilustram bem o poder da aproximação neuroeconómica para elucidar componentes neurofisiológicos distintos que poderão exercer consistentes influências colectivas em decisões de compra
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subsequentes. Sugerindo também que até decisões de compra comuns podem ser “desconstruídas” com métodos adoptados da psicologia, economia e neurociência. Respeitantes à teoria económica, estas descobertas suportam a noção histórica que os indivíduos têm reacções afectivas imediatas a ganhos e perdas potenciais, que servem como entradas de dados para as decisões de compra ou não de um produto. Isto tem implicações na compreensão das anomalias comportamentais, como a tendência crescente dos consumidores para gastar demais e não poupar quando compram com cartões de crédito em vez de dinheiro. Especificamente, a natureza abstracta do crédito associado ao pagamento diferido pode “anestesiar” os consumidores à dor de pagar18. As descobertas neuroeconómicas podem eventualmente sugerir métodos de reestruturar incentivos institucionais para facilitar o aumento da poupança. Finalmente, os resultados ilustram uma novidade técnica na aplicação de fMRI na qual a activação cerebral é usada para prever decisões de compra “on-line”. Em suma, este estudo fornece provas iniciais que padrões específicos da activação cerebral prevêem a compra. Anterior à decisão de compra, a preferência activa o NAcc, enquanto os preços excessivos activam a ínsula e desactivam o MPFC. A activação neural antecipada nestas regiões prevê as decisões de compra subsequentes. Esta situação é consistente com a hipótese que as preferências da estrutura cerebral como benefício potencial e o preço como custo potencial, que as compras do consumidor reflectem uma combinação de preferências e considerações de preço. A relação fisiológica destes três factores poderá facilitar teorias neurais da tomada de decisão humana. Tais teorias poderão não apenas ajudar os cientistas a decompor os componentes que suportam as decisões, mas também ajudar a construir modelos neuroeconómicos que prevejam melhor as escolhas e ajudem a construir melhores políticas económicas e sociais. 5. Conclusões A aplicação das tecnologias neurocientificas à economia e ao marketing, vieram finalmente trazer a experimentação a estas duas ciências. Estamos na altura certa de, para além de questionar, experimentar, as teorias em que assentam as fundações da economia. Este avanço tecnológico está já a permitir “testar” todo o raciocínio lógico-dedutivo em que a economia se baseou ao longo dos tempos, começando-se a entender que afinal a racionalidade económica não é tão certa como se esperava, pondo em causa o método lógico-dedutivo. A neuroeconomia, vem abalar as fundações do pensamento económico, trazendo a evolução aos modelos clássicos, questionando-os e pela primeira vez experimentando-os em laboratório, permitindo aferir a sua razão e ou generalização. 18
Prelec e Loewenstein em 1998.
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Os alicerces da teoria económica foram construídos supondo que os detalhes sobre o funcionamento do cérebro – a “caixa-preta” fundamental – nunca seriam conhecidos. Entretanto, nas duas últimas décadas, a economia comportamental – que nada mais é que a importação de ideias da psicologia para a economia – estão a modificar essa crença. Algumas ideias que surgem no horizonte provam que o estudo do cérebro e do sistema nervoso começa a possibilitar a medição directa dos pensamentos e sensações. Isso tende a mudar nossa compreensão da relação entre mente e acção e, assim, a interferir directamente na economia. De acordo com a teoria clássica, que fala da “maximização da utilidade”, tomam-se as decisões com base num modelo de escolha – entre uma avaliação dos custos e benefícios entre diferentes opções. Isso caracterizaria decisões complexas, como o planeamento da reforma ou a compra de uma casa, por exemplo. Embora não negue que a ponderação racional faz parte do processo decisório humano, a neurociência revela duas inadequações dessa abordagem, que estão relacionadas com os importantes papéis dos processos automáticos e dos processos controlados. Qual é o problema? As pessoas têm pouco acesso a eles – ocorrem com pouca ou nenhuma consciencialização e são mais rápidos do que as ponderações conscientes. Mas o verdadeiro problema é outro. Em primeiro lugar, esses tipos de processamentos desenvolveram-se para resolver problemas de importância evolucionária, não para respeitar as máximas lógicas, e, por isso, não consideram os custos e benefícios de determinada decisão. Em segundo lugar, o nosso comportamento é frequentemente influenciado por sistemas afectivos (ou seja, emocionais) de sintonia fina. Esses sistemas são essenciais para o nosso funcionamento diário e, quando são lesionados ou perturbados, fazem com que a capacidade de escolha simplesmente tombe, resultando em más decisões no longo prazo. O comportamento humano emerge tanto da interacção entre os sistemas controlados (racionais) e automáticos como da relação dos sistemas cognitivos e afectivos (emocionais). Assim a neuroeconomia vai levar ao estudo aprofundado da tomada de decisão no comportamento humano, tipificando grupos de indivíduos, podendo dai estratificar e conhecer a realidade de modo a criar modelos capazes e mais eficientes. É por isso importante incorporar a neuroeconomia nos currículos dos cursos de economia para explicar que há hoje uma novidade, que é a experimentação económica, que permite não só testar o pensamento lógicodedutivo, como as teorias que estejam a ser criadas. Explicando que as teorias económicas não são verdades universais, imutáveis, bem pelo contrário tornando a economia numa ciência evolucionista, investigando ao nível individual (nanoeconómico) a forma como são tomadas as decisões, sendo mais um passo que nos vai permitir conhecer melhor a realidade individual, estratificando-a por categorias, permitindo em última análise a tomada de decisões mais ajustadas aos objectivos pretendidos e por isso mais eficientes.
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Deste modo, a aplicação das neurociências à economia e ao marketing está a transformar o modo como são olhadas ao trazer a experimentação, do campo típico das ciências naturais para o das ciências sociais. Este crescimento tem importantes implicações. A neurociência pode oferecer novas explicações para vários dos fenómenos estudados pela economia. 6. Bibliografia ALCHIAN, A. 1950, Uncertainty, Evolution, and Economic Theory. The Journal of Political Economy 58 BARRACLOUGH, D.J., CONROY, M.L., LEE, D. 2004, Prefrontal cortex and decision making in a mixed-strategy game. Natural Neuroscience BAYER, H.M., GLIMCHER, P.W. 2005, Midbrain dopamine neurons encode a quantitative reward prediction error signal. Neuron 47 BECHARA, A., DAMÁSIO, A.R. 2005, The somatic marker hypothesis: a neural theory of economic decision. Economy Behavior BJORK, J.M., et al. 2004, Neuroeconomics: how neuroscience can inform economics. Journal of Economic Literature BREITER, H., et al. 2001, Functional Imaging of Neural Responses to Expectancy and Experience of Monetary Gains and Losses. Neuron 30 CARVALHO, J.E. 2009, Neuroeconomia – Ensaio sobre sociobiologia do comportamento. Edições Silabo DAMASIO, A. R. 1994, Descartes’ error: emotion, reason, and the human brain. New York: Avon Books DARWIN, C. 1859/1982, The Origin of Species: Means of Natural Selection. Viking Press DE QUERVAIN, et al. 2004, The neural basis of altruistic punishment. Science 305 LOEWENSTEIN G., PRELEC D. 2005, Neuroeconomics: How Neuroscience Can Inform Economics, Journal of Economic Literature 9 GAZZANIGA, M.S., IVRY, R.B., MANGUN, G.R. 2008, Cognitive Neuroscience: The Biology of the Mind, (Third Edition), Hardcover, New York GLIMCHER, P.W. 2003, Decisions, Uncertainty and the Brain: The Science of Neuroeconomics, Cambridge/MA HIRSHLEIFER, J., ZAK, P. J. 2004, The bioeconomics of social behavior: introduction, Journal of Bioeconomy 6 KAHNENMAN, D., TVERSKY, A. 1979, Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk. Econometrica KNUTSON, B., PETERSON, D. 2004 Neurally reconstructing expected utility, Games Economic Behavior KRUGMAN, P. 1996, What Economists Can Learn from Evolutionary Theorists, Presentation to the European Association for Evolutionary Political Economy LANDA, T., GHISELIN, M.T. 1999, The Emerging Discipline of Bioeconomics: Aims and Scope of the Journal of Bioeconomics, Journal of Bioeconomics 1
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MONTAGUE, P. R.et al. 2002, Hyperscanning: simultaneous fMRI during linked social interactions, Neuro-Image 16 POPPER, K. 1984, The Self and Its Brain, Routledge VEBLEN, T. 1898, Why is Economics not an Evolutionary Science?, The Quarterly Journal of Economics 12 ZAK, P.J., DENZAU, A. 2001, Economics is an evolutionary science. In Evolutionary approaches in the behavioral sciences: toward a better understanding of human nature (ed. A. Somit & S. Peterson), New York: JAI Press
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Dinâmica do Emprego, Remuneração e Produtividade na Economia do Consumo Unidade de Investigação: Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE) Linha de Investigação: Sociedade e Emprego Ana Maria Lourenço Paiva Universidade Aberta João de Sousa Mendes Universidade Lusíada de Lisboa José Eduardo Soares Carvalho (Coordenador) Universidade Lusíada de Lisboa Rui Lanção Gonçalves Mestre em Economia pela Universidade Lusíada de Lisboa
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Resumo: Este é o primeiro estudo do projecto Dinâmica do Emprego, Remuneração e Produtividade na Economia do Consumo (DERPEC) com o propósito de criar um sistema de informação da performance da população empregada no universo das maiores empresas do tecido económico português, com relevância nas actividades ligadas ao consumo. A produtividade e o desempenho das organizações empresariais são cada vez mais influenciados pela performance das pessoas que nelas trabalham, ou seja, pelas competências, motivação e esforço do factor humano. Consequentemente, é lógico admitir a importância que reveste para as organizações a disponibilidade, sistemática e contínua, de informação económica do emprego, remuneração e produtividade no tecido empresarial. Com este propósito o estudo faz a análise detalhada do universo empresarial português cobrindo nove agregados setoriais. Construiu-se um modelo conceptual sobre o consumo, o emprego, a remuneração do trabalho e a produtividade. Por último, apresenta-se a performance dos diferentes agregados sectoriais considerados. Palavras-chave: emprego; produtividade; remuneração; economia; salário; consumo. Abstract: This is the first research of the project Employment Dynamics, Income and Consumption Economics Productivity, which pursues the purpose of creating an information system about performance of employed population on the biggest portuguese enterprises, relevant activities related to consumption. The productivity and performance of companies are increasingly being influenced by their workers, their skills, motivation, and effort. As a result is assumed of greater importance for economic organizations, the availability of consistent and systematic information on employment, salaries and productivity. On this purpose a detailed analysis was developed about the portuguese market considering nine sectors. A conceptual model was built presenting a study on consumption, employment, salaries and productivity. To conclude, the performance of all the considered sectors is presented. Key-words: employment; productivity; compensation; economy; wages; consumption.
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1. Âmbito do Projecto O projecto Dinâmica do Emprego, Remuneração e Produtividade na Economia do Consumo (DERPEC) visa a criação e manutenção de um sistema de informação da performance da população empregada no universo das maiores empresas do tecido económico português, com relevância dos sectores ligados, directa ou indirectamente, à economia do consumo. A produtividade e o desempenho das organizações empresariais são cada vez mais influenciados pela performance das pessoas que nelas trabalham, ou seja, pelas competências, motivação e esforço do factor humano. Consequentemente, é lógico admitir a importância que reveste para as organizações a disponibilidade, sistemática e contínua, de informação económica do emprego, remuneração e produtividade no tecido empresarial. O projecto DERPEC está inserido nos trabalhos da linha de investigação Sociedade e Emprego, direccionada ao estudo das condições socioeconómicas da população empregada, enquadrada nas actividades desenvolvidas pelo CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, instituição de vocação interuniversitária consagrada à actividade científica, acreditada e apoiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). 2. Enquadramento do Estudo 2.1 Aspectos sociológicos do consumo O consumo tem sido estudado enquanto acto destinado a satisfazer necessidades e desejos pessoais. Porém, o consumo é um conceito mais vasto, que se diferencia do simples acto de comprar e que não deve ser visto em exclusiva articulação com a capacidade financeira do consumidor. Actualmente, serve de indicador para a construção de novas categorias sociais, como a classe de consumo de massa em substituição da antiga classe média (Gaggi e Narduzzi, 2008). Existem várias abordagens e perspectivas deste tema. A «perspectiva do sistema» ou estrutural, dominante nas ciências sociais na segunda metade do século XX, preocupou-se em demonstrar a existência de um determinismo estrutural na
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acção social, ou seja, os indivíduos são levados a agir por mecanismos coactivos da estrutura social, sendo as suas margens de liberdade muito reduzidas. Assim, o consumo é visto como o resultado de uma determinada pressão da sociedade e como reflectindo a própria desigualdade social estrutural. Nesta perspectiva, o consumo é construído como conceito complexo que resulta da interdependência de variáveis estruturais e não como um acto individual, exclusivo, patológico ou racional. Logo, o consumo não pode ser dissociado das redes que estruturam e mantém o mercado, a organização do mesmo, os processos institucionalizados que organizam e regulam ou desregulam, as técnicas de marketing, as decisões e opções políticas, o mundo da produção e distribuição, etc. Os factores estruturais do consumo incluem os grupos de pertença dos indivíduos, nomeadamente as classes sociais e as suas necessidades identitárias que garantem, do ponto de vista simbólico, a sua reprodução e perpetuação (Goldthorpe, 1996; Riesman, 1993, Giddens, 1991; Bourdieu, 2007; Veblen, 1974; Bourdieu, 2007). Nos últimos anos, uma perspectiva relativista do consumo considera-o como uma forma de identidade mas estuda também os padrões de consumo como formas de criatividade, libertação (Slater, 2006) e representação (Campbel, 1995; Featherstone, 1991), e supera a visão utilitarista, cruzando as perspectivas, estrutural e accionista com a perspectiva simbólica e cultural. Este ponto de vista pretende superar as típicas explicações estruturalistas que viam no consumo um resultado da condicionante determinista da estrutura e da desigualdade social, e por isso uma forma de alienação da consciência e da liberdade individual. Ao contrário, a perspectiva pós-moderna sublinha a importância do indivíduo e atribui-lhe alguma margem de liberdade através da sua escolha criativa aplicada ao seu modo de vida, à sua imagem e à sua capacidade de se comunicar, muito mais construído individualmente do que dependente de características da estrutura social (embora limitado ou condicionado por ela). Uma perspectiva particularmente relevante em matéria de consumo foi desenvolvida recentemente por Gaggi e Narduzzi, em Low cost, o fim da classe média. Os autores consideram que a situação económica contemporânea tem empobrecido os trabalhadores e reformados, rarefeito a classe média tal como existiu durante o século XX, substituindo-a por uma classe de consumidores em massa e criado uma nova classe de novos-ricos ostensivos. A nova classe de consumidores em massa, a mais extensa no todo social, corresponde a uma «oferta de produtos e serviços low cost que tem a capacidade de aumentar o poder de compra dos salários e de «eliminar as velhas estratificações de interesses em redor dos mecanismos de redistribuição geridos pelo governo, substituindo-as pela pradaria de um grande agregado social indefinido: uma «classe que já não é classe», constituída por indivíduos que exigem, cada vez mais, ser tutelados como consumidores e não apenas como contribuintes e receptores – actuais ou potenciais – de pensões, comparticipações e tratamentos assistenciais de vários tipos» (Gaggi e Narduzzi, 2008, 8).
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Nas últimas décadas, podemos verificar a existência de associações de consumidores, o que mostra que há uma tomada de consciência de uma nova identidade colectiva, por parte dos actores sociais. Esta identidade em função do consumo ocorre em simultâneo com a redução do Estado Social que foi concebido com base na capacidade contributiva da velha classe média, (ibidem, 10). Ora, a nova classe de consumidores em massa, caracteriza-se pela indefinição dos seus contornos deixando assim de ser exactamente uma classe uma vez que integra a grande maioria do corpo social, da qual apenas se excluem «… em baixo, os trabalhadores não especializados e, no alto, os estratos restritos dos beneficiários da riqueza gerada pelo conhecimento criado…a nova creative class…». Esta classe de consumidores em massa caracteriza-se por fazer consumos lowcost e «compras monádicas facilmente reproduzíveis e reconhecíveis em todo o mundo. Ikea, Ryanair, Wal-Mart, Virgin, Zara, Prêt à Manger, H&M, são apenas algumas da marcas que interpretam a nova identidade comportamental do fim da classe média. Uma carteira de marcas e empresas planetárias que de ano para ano não cessa de se ampliar mas que há apenas vinte anos estava vazia…» (ibidem, 19/20). Trata-se de um «magma social», um «universo flexível, descontextualizado, desejoso de ampliar ao máximo as possibilidades de consumo. Um universo «subideologizado», que procura os bens e serviços do fornecedor mundial mais barato e com condições mais convenientes», dispensando grande parte da mediação das instituições tradicionais. Com o fim da classe média e sua substituição pela classe de consumidores em massa, dá-se início de uma nova era, caracterizada por novos grupos sociais dos quais, o mais numeroso é composto por «uma sociedade massificada, com rendimentos médios ou baixos, mas à qual a indústria do «low cost» garante o acesso a bens e serviços outrora reservados a estratos mais abastados». O consumidor médio correspondente a esta «classe», que tem como ideologia o mercado. O acesso ao mercado é vivido como forma de garantir a democracia e a justiça social num mundo em que a economia já não é nacional mas globalizada. No quadro da economia portuguesa, verificou-se um aumento nos níveis de consumo a partir dos anos 70 e mais acentuadamente nos anos oitenta com a entrada de Portugal na CE. Este crescimento do consumo foi reforçado também pelos quantitativos da imigração e a facilidade de crédito que se tornou efectiva a partir dos anos 90. (Truninger, M e Ferreira, J. G. (2012). A diversificação da oferta de bens de consumo e o crédito tornaram desde então evidente um aparente nivelamento social pelo consumo, e a concentração dos pontos de venda em grandes superfícies polivalentes frequentadas pelos diferentes estratos sociais, em desfavor dos estabelecimentos de rua. A concentração do consumo em grandes superfícies proporcionou economias de escala aos retalhistas que puderam «democratizar a oferta» com redução de preços, comparativamente ao comércio local e, assim contribuir para o reforço da concentração e para a localização espacial do consumo. Estes espaços, tornaram-se locais de lazer e alimentação para extensas camadas da população, dando origem a fenómenos sociais novos, em
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torno do conceito de shopping. Esta tendência foi particularmente determinante no caso do consumo de bens alimentares, com as grandes cadeias de supermercados a dominarem, em grande parte, o ramo da distribuição. A evolução portuguesa do consumo mostra uma progressiva indiferenciação social no consumo alimentar, que deixou de ser um indicador de distinção social. Mostra igualmente um aumento estrutural das despesas de habitação, equipamentos domésticos e transportes, nomeadamente automóvel, o que significa que a expansão das facilidades de crédito veio contribuir em larga medida para a modificação das condições de conforto e estilos de vida dos portugueses. De acordo com a presente investigação esta tendência alterou-se a partir de 2011, com uma quebra de 3.9 no consumo privado, no quadro recessivo que a economia portuguesa vive desde aquele ano. A conjugação destes diversos aspectos da nossa realidade económica e social deve levar-nos a esperar que o consumo se intensifique ao nível dos produtos low cost, no quadro de um modelo social e cultural do tipo formulado por Gaggi e Narduzzi, com um aumento progressivo da classe de consumo de massa, cada vez mais indiferenciada e extensa, e perfeitamente articulada com o predomínio da oferta, no mercado, das empresas retalhistas de grande dimensão, ou seja, do universo “âncora” da economia portuguesa. Estas empresas com escala suficiente para concorrerem ao nível da oferta low cost, terão um provável crescimento concomitantemente com um progressivo atrofio das pequenas empresas, menos adaptadas ao novo perfil do consumidor. É de supor, também por isso, que a escolha da amostra deste estudo tenha sido correcta do ponto de vista da representatividade do tipo dominante do consumo, não só no presente momento como, cada vez mais, do futuro. 2.2 Primado do cliente interno Nos dias de hoje, a vantagem competitiva da envolvente da comercialização de produtos ou serviços não se situa, apenas, nestas transacções comerciais, mas sim, no valor que lhe é acrescentado através da transposição para o interior da empresa de atitudes e comportamentos que, na vertente externa, a distinguem e a tornam portadora de valor acrescentado face à concorrência. Um contexto de mercado em que o cliente é, cada vez mais, a razão de ser da empresa, faz com que a sua sobrevivência assente numa postura de primazia de satisfação ao cliente. Conseguir oferecer produtos e serviços que maximizem a satisfação das necessidades dos clientes e, de preferência, exceder as suas expectativas oferecendo mais do que estes esperam é, sem dúvida, uma condição basilar para o sucesso empresarial. Para que uma empresa possa praticar uma postura que lhe permita oferecer vantagens competitivas, vendendo uma imagem de empresa distinta e com valor acrescentado terá, simultaneamente, que vender igual conceito aos seus recursos humanos. Assim, no actual contexto empresarial, os recursos humanos surgem como um factor crucial para o desenvolvimento organizacional bem como uma
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condição essencial para a vantagem competitiva das empresas. Tal como deve existir uma postura de preocupação de concepção de novas abordagens do mercado que permita dar respostas às necessidades da envolvente externa, impõese, de igual modo, uma atitude semelhante junto dos recursos humanos. Nos dias de hoje, os trabalhadores são mais exigentes consigo mesmos, possuem níveis de conhecimento elevados e preocupam-se mais com o seu bem-estar, face às gerações que os precederam. Esta realidade faz-se notar na sua acção dentro da empresa e maximizar a satisfação e a consequente produtividade dos trabalhadores passa a ser uma preocupação dos gestores, do século XXI. Segundo Camara et altres, (2010), a concepção do trabalhador como cliente interno é consubstanciada na constatação de que quanto maior for a sua satisfação, o seu envolvimento e o seu compromisso com o projecto da empresa, melhores resultados a empresa obtém na sua actividade. E, por outro lado, o seu alheamento ou desmotivação podem representar ineficácia de actuação e desta forma comprometer o sucesso empresarial. Neste sentido, as empresas acabam por ser forçadas a adoptar práticas de gestão de recursos humanos que assentem na atractividade, retenção e desenvolvimento dos seus trabalhadores. Actualmente, estamos perante uma força de trabalho com elevada capacidade de mobilidade que, em média ronda os 5,2 empregos (Graça, 2006) durante a vida activa, comparada com uma média de 2,6 empregos de há duas décadas atrás. Mas, por outro lado, a média das idades da força de trabalho disponível é agora maior, resultado de uma baixa de natalidade e de um aumento da esperança média de vida. Apesar disso há mudança de mentalidades e consequentemente na cultura organizacional, onde a idade e a senioridade eram respeitadas e consideradas fonte de sabedoria, agora predomina uma cultura onde a juventude é vista como fonte de dinamismo, criatividade e flexibilidade e as gerações mais velhas são vistas como avessas à mudança e incapazes de responder aos novos desafios. Criou-se, assim, uma cultura de gratificação imediata, propícia a que os trabalhadores sintam no curto prazo a devida recompensa pelo seu esforço e desempenho, ao invés do saberem esperar pelos frutos resultantes de um investimento de trabalho ao longo dos anos. Os trabalhadores do século XXI são conhecidos, na perspectiva de Handy, (1994) como os trabalhadores de portfolio, ou trabalhadores do conhecimento, na concepção de Drucker (1992), cujo relacionamento com os empregadores assenta da convergência de interesses entre as partes, isto é, deixou de existir um contrato psicológico do chamado emprego para toda a vida, em que, a troco do esforço e lealdade as empresas proporcionavam-lhes segurança de emprego, remuneração certa e, eventualmente uma carreira. Hoje, enquanto a empresa interessar ao trabalhador quer pelas oportunidades de desenvolvimento que a empresa lhe possa proporcionar, quer pelo tipo de trabalho, estilo de gestão e políticas de recompensas atractivas, ele manterá o vínculo de trabalho. Mas o inverso também acontece, caso a empresa entenda que determinado trabalhador já não trás valor acrescentado ao negócio, facilmente extingue a relação laboral.
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Verifica-se hoje uma inversão de lealdades, em que o trabalhador passou a ser primeiro leal consigo próprio e para com a sua carreira e, só depois, para com a sua empresa. O trabalhador deixou de ser um sujeito passivo da sua carreira, à espera que a empresa reconhecesse o seu trabalho e passou a ser um sujeito activo da mesma, gerindo-a ele próprio em função dos seus objectivos. (Camara, 2013). Esta mudança coloca nas empresas o ónus de corresponder às aspirações dos trabalhadores chave, cuja retenção é vital para o sucesso do negócio, sob pena de os perder. Daí que a principal preocupação sobre a gestão dos recursos humanos seja compatibilizar os interesses individuais com os interesses organizacionais. 3. Desenvolvimento 3.1. Universo empresarial O tecido empresarial da economia portuguesa está disseminado por cerca de trezentas mil unidades, excluindo as situações de estatuto de empresário em nome individual e outras similares, que eleva aquele número para cima das seiscentas mil. No universo das empresas não financeiras registam-se cerca de 270 mil unidades, com um volume de negócios de 300 mil milhões de euros, proporcionando emprego a 2,7 milhões de trabalhadores. Nesta pulverização empresarial, as maiores empresas – com cem ou mais trabalhadores ao serviço – representam apenas um por cento em número de unidades, mas concentram cerca de quarenta e cinco por cento do volume de negócios do país. São, portanto, autênticas empresas âncora da economia portuguesa, à volta das quais gravita uma imensidão de pequenas e médias empresas, por subcontratação, participação de capital, etc. É no universo destas empresas âncora que incide o estudo DERPEC, utilizando como base de dados a informação técnica da responsabilidade de IF4 – Processamento de Informações, Lda., publicada anualmente pela revista DNEmpresas do “Diário de Notícias”. Na observação, com incidência no biénio 2010/2011, foram incluídas as maiores empresas (com dados disponíveis) em 9 agregados sectoriais, totalizando um painel de 100 empresas, ligadas às actividades económicas de maior do consumo, com volumes de negócio anual acima dos 25 milhões de euros. Este painel empresarial representa cerca de 40 por cento em vendas e emprego do universo “âncora” da economia. Trata-se, portanto, de uma amostra muito representativa das empresas da economia portuguesa não financeira.
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Quadro 1 – DIMENSÃO EMPRESARIAL DOS AGREGADOS SECTORIAIS Agregados Sectoriais
Empresas Nº.
Emprego Nº.
Vendas M€
VAB M€
Massa Salarial M€
Grande Consumo
12
70.724
12.173
1.457
1.033
Turismo e Restauração
12
21.444
1.344
469
300
Agro-Alimentar
20
11.609
5.049
776
364
Saúde e Higiene
11
2.960
2.890
290
151
Vestuário e Calçado
8
4.508
482
120
70
Telecomunicações e Multimédia
14
27.010
9.278
3.590
1.064
Transporte Público
8
20.727
3.858
1.362
898
Transporte Particular
8
4.816
4.667
443
176
Combustíveis e Electricidade
7
4.339
18.529
1.456
274
100
168.137
58.270
9.963
4.330
Total
Geograficamente, o painel das 100 empresas estudadas mostra uma forte concentração na região da Grande Lisboa (Fig. 1A). As estruturas das variáveis dimensionais estão representadas nos gráficos B, C, D e E da Fig. 1.
Figura 1A – Repartição geográfica das empresas
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Figura 1B – Emprego
Figura 1D – Vendas
Figura 1C – Massa salarial
Figura 1E – VAB
3.1. Modelo conceptual A abordagem metodológica está representada no esquema da Fig. 2, evidenciando as variáveis básicas do modelo, os indicadores mediadores, os resultados dos Índices 3E’s – Emprego e Economia das Empresas e o impacto empresarial nos Stakeholders.
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Figura 2 – Modelo Conceptual A informação base recolhida e a estrutura dos resultados foram tratados de forma a permitir a comparação no espaço inter-sectores (agregados sectoriais do sistema económico) e intra-sectores (empresas do agregados sectoriais). Para validar o grau de relacionamento entre os índices 3E’s, procedeu-se a análise de correlação de Pearson (r). Os Índices 3E’s estão orientados para a interdisciplinaridade dos factores de performance empresarial, cobrindo duas dimensões da economia empresarial, com 10 parâmetros de resultados: Dimensão dos recursos utilizados: emprego, remuneração do trabalho, carga salarial, capital/emprego, progresso técnico; Dimensão da performance económica: produtividade relativa, produtividade económica, produtividade salarial, competitividade económica, remuneração do capital. 3.2. Características dos Índices 3E’s a) Emprego (T) Este parâmetro avalia a variação do emprego (T) no final do período em referência, na medida em que as entradas de pessoal compensaram as saídas ocorridas durante o ano. b) Remuneração do Trabalho (S/T) Este parâmetro avalia a variabilidade da retribuição média anual, por posto de trabalho (T), englobando o vencimento-base, complementos e outros encargos sociais (S). c) Carga salarial (S/VAB) Este parâmetro avalia a variabilidade do peso relativo dos gastos com o pessoal (S) no valor acrescentado bruto (VAB). Teoricamente, um coeficiente
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elevado de S/VAB, traduz uma situação de mão-de-obra intensiva no processo de transformação da actividade económica. d) Capital/Emprego (I/T) Este parâmetro avalia a variabilidade do capital activo investido (I) por posto de trabalho (T). Teoricamente, um valor elevado de I/T, traduz uma situação de capital intensivo na actividade económica. e) Progresso técnico (∆VAB-∆A-∆T) Este parâmetro avalia a contribuição do progresso técnico para a actividade desenvolvida através do incremento do valor acrescentado bruto (VAB) induzido pela qualificação dos factores capital (A) e trabalho (T) incorporados. Corresponde ao indicador da produtividade global dos factores calculada em termos macroeconómicos. f) Produtividade relativa (V/CI) Este parâmetro avalia o efeito da variabilidade do output/input da actividade desenvolvida, expresso na relação entre as métricas vendas (V) e consumos intermédios (CI). g) Produtividade económica (VAB/T) Este parâmetro avalia o efeito da performance da produtividade relacionada com a capacidade do factor humano para acrescentar valor (VAB) com a quantidade/qualidade de trabalho incorporado (T). h) Produtividade salarial (VAB/S) Este parâmetro avalia o grau de libertação de valor acrescentado bruto (VAB) para remunerar os factores de capital (dividendos, juros, impostos, amortização de activos), após assegurada a remuneração do factor trabalho (S). i) Competitividade económica (∆ VAB/T)/(∆ GO/T) Este parâmetro avalia a competitividade da empresa, do ponto de vista económico, directamente associada à performance da produtividade, como factor redutor do crescimento dos gastos operacionais. Os gastos operacionais explicam os inputs externos (consumos intermédios) e internos (salários e amortizações técnicas) utilizados na exploração. O objectivo da empresa é elevar a taxa de produtividade (VAB/T) acima do nível da taxa de crescimento dos gastos operacionais “per capita” (GO/T), situação em que a competitividade se revela positiva. j) Remuneração do Capital (RL/C) Este parâmetro avalia a taxa de remuneração do capital próprio (C), em função do resultado liquido apurado no período (RL).
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3.2. Impacto nos Stakeholders O objectivo natural de todas as empresas está direccionado para a oferta de bens e serviços que os consumidores procuram. O objectivo dos gestores é balancear os propósitos no sentido de oferecer valor aos clientes, desenvolver as competências dos empregados, criar lucros para os accionistas e contribuir socialmente para a colectividade; ou seja, balancear os interesses dos stakeholders – todos aqueles que são afectados directamente pela actividade empresarial. Esta óptica de gestão, baseada no reconhecimento da importância e respeito pelos vários grupos interessados na empresa, corresponde ao conceito accountability (do latim ad + computare), isto é, o propósito de “prestar contas”. A abordagem dos stakeholders (partes interessadas) tem sido estimulada pela crescente relevância de recursos intangíveis – tais como conhecimento, capital humano, capital social, propriedade intelectual, reputação e confiança – em que estão envolvidas todas as relações com as partes interessadas. Parte-se da premissa de que o sucesso de uma empresa está directamente relacionada com a participação dos seus stakeholders, pelo que é necessário assegurar que os seus anseios e necessidades sejam conhecidos e considerados pela organização. Consequentemente, se a performance da empresa depende da que resulta das suas partes, um dos aspectos importantes consiste em conhecer a forma como estas interagem com as outras partes e afectam a performance global. 4. Resultados 4.1. Enquadramento macroeconómico A evolução da economia portuguesa em 2011, com base na análise do Relatório do Banco de Portugal, revelou uma nítida contracção nas componentes macroeconómicas do consumo, emprego, remuneração do trabalho e nos parâmetros da produtividade. a) Consumo Com uma queda de 3.9 por cento em 2011, o consumo privado teve, pela primeira vez desde 2001, uma variação inferior à do PIB. A actividade económica diminuiu 1.6 por cento, em termos reais. Depois do crescimento observado em 2010, maioritariamente impulsionado pela procura interna, a economia portuguesa voltou a enfrentar um período recessivo, marcado pela necessidade de correcção dos desequilíbrios macroeconómicos e das vulnerabilidades estruturais. Neste contexto, a procura interna – pública e privada – diminuiu de forma significativa, destacando-se a forte quebra do consumo privado e a acentuação da queda do investimento. Perante a necessidade de correcção do elevado endividamento público, o processo de consolidação das finanças públicas
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intensificou-se em 2011. Num quadro de redução do rendimento disponível das famílias, de acréscimo da restritividade no acesso ao crédito por parte das famílias e das empresas e de uma baixa taxa de poupança, as perspectivas de redução do rendimento permanente, assim como a incerteza quanto à evolução da procura, foram reforçadas pelo agravamento da situação no mercado de trabalho. b) Emprego O emprego na economia portuguesa em 2011 registou uma queda de 1.5 por cento, após quedas, sucessivas, de 2.7 e 1.5 por cento nos dois anos anteriores. Esta evolução foi natural no quadro de agravamento da situação económica portuguesa e não resultou de uma alteração fundamental nos factores que determinam a escolha do regime contratual por parte de trabalhadores e empregadores. A deterioração das condições no mercado de trabalho tende a implicar uma maior incidência da destruição de emprego nos regimes contratuais mais flexíveis. A população total registou um crescimento de 0.1 por cento, enquanto a população activa caiu 0.2 por cento em 2011. Esta redução na população activa insere-se numa tendência de desaceleração observada nos últimos anos, que decorre da posição cíclica da economia e do processo gradual de envelhecimento da população, com consequências muito significativas na evolução futura da actividade económica e das finanças públicas em Portugal. A dinâmica dos fluxos emigratórios tem contribuído também para a evolução da população activa. Embora não existam estatísticas precisas para o número anual de emigrantes, a informação relativa à concessão de vistos por parte dos países de destino sugere um aumento da intensidade destes fluxos em 2011. A evolução do desemprego na economia portuguesa tem ocorrido num contexto de segmentação do mercado do trabalho em que a dinâmica de criação e destruição de emprego se encontra muito associada a contratos de trabalho com termo, que têm uma maior incidência nas faixas etárias mais jovens. A análise do rácio das taxas de desemprego por escalão etário face à taxa de desemprego total revela uma maior incidência do desemprego no escalão dos 15 aos 24 anos, registando-se um agravamento no ano de 2011. O fenómeno do desemprego jovem é também muito significativo noutros países europeus. A incidência do desemprego no escalão etário dos 25 aos 34 anos reduziu-se ligeiramente em 2011, enquanto os escalões etários mais velhos continuaram a apresentar taxas de desemprego inferiores à média nacional. O nível de escolaridade dos indivíduos é também um elemento importante na explicação da incidência do desemprego. A análise do rácio das taxas de desemprego por nível de escolaridade face à taxa de desemprego total revela uma maior incidência deste fenómeno nos indivíduos com o terceiro ciclo do ensino básico, situação que se tem agravado desde 2009. Por seu turno, no ano de 2011 a taxa de desemprego do conjunto dos indivíduos licenciados continuou significativamente abaixo da média nacional. Por um lado, níveis mais elevados
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de capital humano permitem o desempenho de tarefas mais diferenciadas e potencialmente menos sensíveis ao agravamento da actividade económica. Por outro lado, um maior nível de capital humano aumenta a capacidade de reconversão dos trabalhadores num cenário de desaparecimento do seu posto de trabalho. c) Remuneração do trabalho Em 2011, a evolução das remunerações reais no sector privado, deflacionadas com base nos preços no consumo privado, foi bastante negativa, registando-se uma queda de 2.6 por cento. A comparação da evolução das remunerações reais com a produtividade revela um diferencial negativo no conjunto dos dois últimos anos. Esta evolução está em linha com os desenvolvimentos observados na actividade e no mercado de trabalho e faz parte do processo de correcção dos desequilíbrios macroeconómicos que têm caracterizado a economia portuguesa. No entanto, em 2011 o deflator do consumo privado foi muito superior ao deflator do PIB (3,7 e 0,7 por cento, respectivamente), implicando uma redução real das remunerações para as empresas menor do que a registada para os trabalhadores. Em termos nominais, o crescimento das remunerações por trabalhador no sector privado (1,0 por cento) foi superior à variação da produtividade, levando a um crescimento de 1,1 por cento nos custos unitários do trabalho. No total da economia, em resultado da evolução salarial registada nas administrações públicas, os custos unitários do trabalho reduziram-se 0,8 por cento em termos nominais. d) Produtividade Em 2011 observou-se também uma ligeira redução da produtividade, num contexto em que a queda da actividade foi mais acentuada do que a redução do emprego. A evolução da produtividade é um factor determinante no processo de correcção dos desequilíbrios macroeconómicos da economia portuguesa. A produtividade é em larga medida uma variável endógena na economia, sendo afectada por fenómenos de natureza cíclica mas também por aspectos estruturais relacionados com a quantidade e qualidade dos factores produtivos e questões institucionais ligadas ao funcionamento dos mercados de trabalho e do produto. Em 2011 observou-se uma queda do produto per capita de 1.7 por cento. Esta evolução resultou maioritariamente do contributo negativo do factor trabalho, associado a uma queda da taxa de emprego e, em menor grau, da taxa de actividade. O contributo negativo da utilização do factor trabalho para o crescimento do PIB per capita tem sido significativo nos últimos três anos, registando sempre valores negativos. A duração do desemprego tem repercussões importantes na produtividade e na evolução futura do mercado de trabalho, na medida em que o afastamento prolongado do emprego tende a provocar uma depreciação acentuada do capital humano e perda de competências pessoais. No que respeita ao factor capital, o seu contributo para o crescimento do produto per capita foi nulo em 2011. Este resultado historicamente reduzido terá
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decorrido da evolução fortemente negativa da formação bruta de capital fixo em 2011. O contributo da produtividade global dos factores para o crescimento do produto per capita foi de -0.7 p.p. em 2011, após valores de -1.5 e 2.2 p.p. em 2009 e 2010, respectivamente. 4.2. Resultados dos agregados sectoriais - Índices 3E’s Os resultados, traduzidos pelos Índices 3E’s, evidenciam a dinâmica do emprego, remuneração e produtividade, no período observado, dos 10 aglomerados estudados.
Total Geral (102)
a) Emprego O Índice Emprego indica um acréscimo de 2 por cento, em termos médios, em contraciclo com a queda de 1,5 por cento registada na economia no seu todo. Contribuíram positivamente para o acréscimo verificado os aglomerados sectoriais “Grande Consumo” (+9%), “Agro-Alimentar” (+8%) e “Vestuário e Calçado” (+3%). Em contrapartida, a retracção do emprego foi mais acentuada, nos aglomerados “Telecomunicações e Multimédia” (-6%) e “Saúde e Higiene” (-4%).
Figura 3 – Emprego b) Remuneração do Trabalho O Índice Remuneração do Trabalho indica, em termos médios, uma evolução negativa de -4 por cento. Este comportamento negativo, calculado em valor nominal, está em linha com a queda de 2,6 por cento das remunerais reais no sector privado da economia em 2011, deflacionado com base nos preços no consumo privado. O decréscimo das remunerações foi mais acentuado nos aglomerados sectoriais “Combustíveis e Electricidade” (-11%) e “Grande Consumo” (-5%). Em contrapartida, registaram subidas mais significativas nas remunerações do trabalho os aglomerados “Saúde e Higiene” (+7%) e “Transporte Particular” (+4%).
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Total Geral (96)
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Figura 4 - Remuneração do Trabalho
Total Geral (101)
c) Carga salarial O Índice Carga Salarial indica uma evolução praticamente estacionária, com 1 por cento de aumento da massa salarial relativamente ao valor acrescentado (VAB), mas com desvio padrão significativo no comportamento entre os aglomerados sectoriais. O acréscimo do peso relativo dos custos do trabalho no VAB foi bastante acentuado nos aglomerados “Saúde e Higiene” (+21%), “AgroAlimentar” (+17%), “Grande Consumo” (+10%) e “Transporte Particular” (+7%). Registam queda no índice os aglomerados “Telecomunicações e Multimédia” (-10%) e “Combustíveis e Electricidade” (-5%).
Figura 5 – Carga Salarial
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Total Geral (97)
d) Capital/Emprego O Índice Capital/Emprego indica uma quebra na relação entre os dois factores da ordem de -3 por cento. Este resultado mostra-se em linha com a evolução negativa da formação bruta de capital fixo da economia portuguesa em 2011. Foram excepção ao comportamento verificado os aglomerados “Combustíveis e Electricidade” (+11%), “Saúde e Higiene” (+6%) e “Telecomunicações e Multimédia” (+3%).
Figura 6 – Capital/Emprego
Total Geral (94)
e) Progresso técnico O Índice Progresso Técnico indica uma evolução negativa de -6 por cento, acompanhando, praticamente, a quebra de -7 por cento da produtividade global dos factores registada na economia portuguesa em 2011. Posicionaram-se com valores extremos neste indicador os conglomerados “Vestuário e Calçado” (+10%) e “Grande Consumo” (-18%).
Figura 7 – Progresso Técnico
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Total Geral (95)
f) Produtividade relativa O Índice Produtividade Relativa indica uma situação praticamente estacionária na relação do volume de negócios com os consumos intermédios incorporados, traduzida numa quebra ligeira de -1 por cento. Este comportamento indicia uma quebra na capacidade das empresas para criarem riqueza, isto é, menos valor acrescentado nas respectivas actividades, o que se mostra em linha com a quebra de -1,3 por cento no VAB da economia portuguesa em 2011. Por excepção, registaram evolução positiva no indicador os aglomerados sectoriais “Telecomunicações e Multimédia” (+8%), “Transporte Público” (+5%) e “Vestuário e Calçado” (+1%).
Figura 8 – Produtividade Relativa g) Produtividade económica O Índice Produtividade Económica indica, em termos médios, uma evolução negativa de -5 por cento, acima da quebra do produto per capita de 1,7 por cento registado na economia portuguesa em 2011. Contribuíram negativamente, de forma mais acentuada, para a evolução observada os aglomerados “Agro-Alimentar” (-16%), “Grande Consumo” (14%) e “Saúde e Higiene” (11%). Regista-se como excepção à generalidade dos sectores o comportamento positivo, neste indicador, dos aglomerados “Telecomunicações e Multimédia” (+10%), “Vestuário e Calçado” (+2%) e “Turismo e Restauração” (+1%).
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Total Geral (99)
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Figura 9 – Produtividade Económica
Total Geral (99)
h) Produtividade salarial O Índice Produtividade Salarial indica um decréscimo de -2 por cento. Esta performance evidencia uma quebra no valor acrescentado para remunerar os factores de capital, relativamente à remuneração do factor trabalho. Todavia, observa-se alguma desproporção intersectorial, com desvios significativos em relação ao valor médio do índice. Os decréscimos observados foram mais acentuados nos aglomerados “Saúde e Higiene” (-30%), “Grande Consumo” (-26%) e “Agro-Alimentar” (25%). Contrapartidas positivas para o índice foram registadas nos aglomerados “Telecomunicações e Multimédia” (+16%), “Vestuário e Calçado” (+8%), “Combustíveis e Electricidade” (+7%) e “Transporte Público” (+6%).
Figura 10 – Produtividade Salarial
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Total Geral (101)
i) Competitividade económica O Índice Competitividade Económica indica em termos médios uma quebra de -4 por cento, com valores negativos em quase todos os aglomerados, evidenciando que a produtividade do trabalho não teve efeito redutor sobre a evolução dos gastos operacionais per capita. As performances mais negativas foram registadas nos aglomerados “Combustíveis e Electricidade” (-21%), “Agro-Alimentar” (-11%) e “Saúde e Higiene” (-11%). Constituíram excepções, revelando índices positivos, os aglomerados “Vestuário e Calçado” (+6%), “Grande Consumo” (+1%) e “Telecomunicações e Multimédia” (+1%).
Figura 11 – Competitividade Económica j) Remuneração do Capital O Índice Remuneração do Capital revela-se como o mais penalizante entre os Índices 3E’s, com valores negativos em todos os aglomerados, indiciando que os acréscimos de valor gerados nas actividades não evoluíram de forma a permitir uma maior rentabilidade dos capitais próprios das empresas. A taxa média de remuneração do capital, em 2011, registou uma quebra de -57%, relativamente ao ano anterior. O aglomerado “Transporte Público” foi o que mais contribuiu, negativamente, para a performance registada neste índice.
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Total Geral (43)
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* Indice não apurado (valores negativos do Capital Próprio e do Resultado Líquido)
Figura 12 – Remuneração do Capital 4.3. Ligação da remuneração do trabalho à produtividade A problemática da remuneração do trabalho é matéria complexa e muito sensível. Dentro das regras da economia de mercado, observa-se que o grau de sensibilidade dos salários não se verifica apenas a um factor, mas a múltiplos factores. Entre estes, emergem como mais relevantes, a sensibilidade à taxa de desemprego, a sensibilidade aos preços e a sensibilidade à produtividade do trabalho. Relativamente à ligação da remuneração à produtividade, o indicador VAB/T (produtividade económica) tratado isoladamente, não permite, por si só, comparar os níveis de produtividade entre os sectores distintos do tecido económico. É importante complementar a medida da produtividade económica (VAB/T) com a medida da produtividade salarial, isto é, o indicador do produto por unidade de salário (VAB/S). A vantagem desta abordagem metodológica é mostrar de forma evidente que as vantagens competitivas não se obtêm pela via dos salários baixos, mas com salários que estejam em equilíbrio com os níveis de performance da produtividade económica combinada com a produtividade salarial. A combinação das duas medidas de produtividade permite evidenciar, de forma muito nítida, a relação de causalidade entre as suas performances com o nível da remuneração média do trabalho (S/T), traduzida na seguinte equação salarial: VAB / VAB = S T S T com: VAB = Valor Acrescentado Bruto S = Custos com o Pessoal T = Trabalhadores (nº.)
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O gráfico, da Fig. 13, representa um sistema de coordenadas, assinalando a relação entre a produtividade económica (eixo da abcissa) e a produtividade salarial (eixo da ordenada). A posição de cada ponto, com a ordenada VAB/ S=1, define automaticamente, no eixo das abcissas, a remuneração média de cada aglomerado sectorial. A horizontal de ordenada VAB/S=1 corresponde ao limite mínimo que este indicador deve atingir: situação dificilmente concebível em que VAB=S, isto é, todo o valor acrescentado seria destinado à remuneração do pessoal, não ficando qualquer parcela disponível para a empresa aplicar em amortizações, juros, impostos e lucros passíveis de ulterior investimento. No gráfico da equação salarial, observam-se três zonas distintas nos níveis de remuneração do trabalho (S/T) em função da produtividade económica (VAB/T) e da produtividade salarial (VAB/S): • Uma primeira zona de baixos salários, associados a performances, igualmente baixas, quer da produtividade económica quer da produtividade salarial. Posicionam-se nesta equação os conglomerados correspondentes aos sectores “Turismo e Restauração” (13.970€), “Grande Consumo” (14.601€) e “Vestuário e Calçado” (15.553€); • Uma segunda zona, com performances mais elevadas nas duas métricas de produtividade, permitindo remunerações do trabalho também mais elevadas e, simultaneamente, libertação de valor acrescentado para remunerar melhor os factores de capital. Posicionam-se nesta equação os conglomerados “Combustíveis e Electricidade” (63.107€), “Saúde e Higiene” (51.101€), “Telecomunicações e Multimédia” (39.409€) e “Transporte Particular” (36.618€); • Uma zona intermédia e, consequentemente, com valores mais próximos da média geral dos aglomerados estudados (25.753€), onde se posicionam os sectores “Agro-Alimentar” (31.349€) e “Transporte Público” (43.319€), este último com remunerações do trabalho sobredimensionadas em relação às performances da produtividade.
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Figura 13 - Equação Salarial
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4.4. Impacto nos Stakeholders O modelo DERPERC avalia o impacto da actividade empresarial, dos aglomerados sectoriais, pela repartição da riqueza criada (valor acrescentado), relativamente a cinco stakeholders: colaboradores, accionistas, financiadores, Estado e empresa (reservas de autofinanciamento). O gráfico da Fig. 14 representa a estrutura da repartição do VAB para o conjunto dos 9 aglomerados. É evidente a quota-parte da riqueza criada entregue aos “Colaboradores” (45 por cento), relativamente aos restantes stakeholders. Por outro lado, as quotas de valor acrescentado afectas aos stakeholders “Accionistas” (5 por cento) e a “Financiadores” (17 por cento), indicia uma alavancagem financeira a favor dos recursos de terceiros (despesas com a utilização de capital alheio), em contraponto à remuneração do capital próprio, confirmando a situação penalizante expressa na análise anterior dos índices 3E’s.
Colaboradores
Empresa (autofinanciamento)
Financiadores Accionistas
Estado
Figura 14 - Impacto nos Stakeholders / Repartição do VAB Analisando o posicionamento dos “Colaboradores” pelos aglomerados (Fig. 15), sobressaem, em relação aos restantes, os sectores “Grande Consumo” (71%) e “Transporte Público” (68%), os quais recolhem, cada um à sua parte, mais de 2/3 da riqueza gerada nas respectivas actividades. A situação é particularmente ambígua no sector “Transporte Público”, com o stakeholder “Accionista” penalizado com resultados líquidos sistematicamente negativos, não beneficiando, portanto, de qualquer quota do valor acrescentado.
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Total 2011 (45%)
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Bens Grande Consumo 71%
Tranporte
Turismo Saúde e
e Restauração
Agro-
Higiene
64%
alimentar
65%
48%
Público
Vestuário
68%
e Calçado 64%
Telecom. e Multimédia 32%
Tranporte Particular 40%
Combustíveis e Electricidade 19%
Figura 15 – Stakeholder “Colaboradores” (2011) 5. Conclusões A evolução portuguesa do consumo mostra uma progressiva indiferenciação social e um aumento estrutural das despesas, o que significa que a expansão das facilidades de crédito veio contribuir em larga medida para a modificação das condições de conforto e estilos de vida dos portugueses. De acordo com o presente estudo esta tendência alterou-se a partir de 2011, com uma quebra de 3.9 no consumo privado, no quadro recessivo que a economia portuguesa vive desde aquele ano. A conjugação destes aspectos da nossa realidade económica e social deve levar-nos a esperar que o consumo se intensifique ao nível dos produtos low cost, com um aumento progressivo da classe de consumo de massa, cada vez mais indiferenciada e extensa, e perfeitamente articulada com o predomínio da oferta, no mercado, das empresas retalhistas de grande dimensão, ou seja, do universo “âncora” da economia portuguesa. Estas empresas com escala suficiente para concorrerem ao nível da oferta low cost, terão um provável crescimento concomitantemente com um progressivo atrofio das pequenas empresas, menos adaptadas ao novo perfil do consumidor low cost. Assim, é previsível que a escolha da amostra para este estudo tenha sido correcta do ponto de vista da representatividade do tipo dominante do consumo, não só no presente momento como, cada vez mais, do futuro. No quadro de agravamento da situação económica portuguesa, o emprego registou em 2011 uma queda de 1,5 por cento. A deterioração das condições no mercado de trabalho tende a implicar uma maior incidência da destruição de emprego nos regimes contratuais mais flexíveis, com a dinâmica de criação e destruição de emprego mais associada a contratos de trabalho a termo. Também a evolução das remunerações reais no sector privado, mostra um quadro negativo,
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registando uma queda de 2.6 por cento. No entanto, em termos nominais, o crescimento das remunerações foi superior à variação da produtividade, induzindo um crescimento de 1,1 por cento nos custos unitários do trabalho. A queda observada em 2011 no produto per capita de 1,7 por cento, resultou maioritariamente do contributo negativo do factor trabalho, associado a uma queda da taxa de emprego e, em menor grau, da taxa de actividade. 5.1 Performance dos aglomerados Os resultados dos Índices 3E’s permitem observar diferenças de performance entre os 9 agregados sectoriais estudados, o que se explica, em parte, pela heterogeneidade entre os diversos subsistemas económicos, do valor dos seus parâmetros, do grau de intensidade tecnológica versus intensidade de mãode-obra, com reflexo, designadamente, nas performances dos indicadores de produtividade. • Grande Consumo e Agro-Alimentar A dinâmica do emprego, remuneração do trabalho e produtividade mostra resultados muito semelhantes nestes dois aglomerados sectoriais. Ambos contribuíram para a criação de emprego, com crescimentos de 9 e 8 por cento, respectivamente. Porém, a criação de emprego foi acompanhada de redução na remuneração média do trabalho (5 e 1 por cento, respectivamente). Não obstante, registou-se aumento da carga salarial em relação à riqueza criada (10 e 17 por cento, respectivamente), penalizando os parâmetros de produtividade e rentabilidade que, na generalidade, apresentaram valores negativos. • Turismo e Restauração Este aglomerado penalizou o emprego, reduzindo-o em 2 por cento, mas aumentou a remuneração média do trabalho em 3 por cento, com reflexo na carga salarial na mesma percentagem. O acréscimo registado na taxa de progresso técnico, em 1 por cento, contribuiu para a melhoria da produtividade económica na mesma ordem de grandeza. Não obstante, os níveis de competitividade e rentabilidade registaram valores negativos na sua evolução. • Saúde e Higiene Com uma quebra de 4 por cento, este aglomerado contribuiu negativamente para a dinâmica do emprego. Em contrapartida registou acréscimo de 7 por cento na remuneração média do trabalho e o aumento muito significativo da carga salarial em 21 por cento. Todos os parâmetros de produtividade e rentabilidade se mostraram negativos. • Vestuário e Calçado Este aglomerado registou, em termos relativos, a evolução mais consistente
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no conjunto dos sectores estudados. O emprego cresceu em 2 por cento e a remuneração média do trabalho registou pouca alteração (-1 por cento). A redução da carga salarial em 3 por cento, relativamente à riqueza gerada, acompanhada da melhoria do progresso técnico em 10 por cento, contribuíram para a melhoria de, praticamente, todos os parâmetros de produtividade. Consequentemente, a taxa de competitividade económica aumentou em 6 por cento. A rentabilidade do capital próprio foi o único indicador que o sector penalizou, embora de forma menos negativa das registadas nos restantes sectores. • Telecomunicações e Multimédia No ranking dos resultados, este aglomerado ocupa a segunda posição com os valores registados, não obstante a dinâmica negativa do emprego. A redução de 6 por cento nos postos de trabalho e 1 por cento na remuneração média da mão-de-obra contribuíram para a diminuição da carga salarial em 10 por cento. Todos os indicadores de produtividade e competitividade registaram valores positivos, sem alteração na taxa de progresso técnico. • Transporte Público A performance deste sector mostra uma situação equívoca. A massa salarial representa, em média, cerca de 70 por cento do valor acrescentado na actividade, registando-se situações em que o custo da mão-de-obra é superior à riqueza criada (e.g. CP, STCP, Metro). No período observado, a queda do emprego em 3 por cento, foi acompanhada do aumento da remuneração do trabalho em 1 por cento. Consequentemente, os capitais próprios e os resultados líquidos vêm acumulando valores sistematicamente negativos. • Transporte Particular A dinâmica do emprego mostra-se, praticamente, estacionária, com ligeira quebra de 1 por cento. Não obstante, a remuneração média do trabalho cresceu em 4 por cento, reflectindo-se no aumento da carga salarial em 7 por cento. Os resultados na produtividade e rentabilidade registam valores negativos na maioria dos parâmetros. • Combustíveis e Electricidade O conglomerado regista evolução negativa em praticamente todos os indicadores. O emprego reduziu em 2 por cento e a remuneração do trabalho em 11 por cento, com reflexo na redução da carga salarial em 5 por cento. Em consequência, a produtividade salarial melhorou em 7 por cento, contribuindo para que a evolução da rentabilidade do capital próprio tenha sido a menos penalizante entre todos os aglomerados.
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Dinâmica do Emprego, Remuneração e Produtividade na Economia do Consumo, pp. 41-72
5.2 Impacto nos Stakeholders A estrutura da repartição do VAB para o conjunto dos 9 aglomerados, evidencia a quota-parte dominante da riqueza entregue aos “Colaboradores” (45 por cento, em termos médios), relativamente aos restantes stakeholders, com os sectores “Grande Consumo” (71%) e “Transporte Público” (68%), recolhendo mais de 2/3 da riqueza gerada nas respectivas actividades. As quotas de valor acrescentado afectas aos stakeholders “Accionistas” (5 por cento) e a “Financiadores” (17 por cento), indicia uma alavancagem financeira a favor dos recursos de terceiros (despesas com a utilização de capital alheio), em contraponto à remuneração do capital próprio. 5.3 Síntese A síntese e ponderação dos valores apurados nos Índices 3E’s permitem concluir que, no período observado (2010/2012), os melhores resultados foram registados em dois aglomerados sectoriais: - Vestuário e Calçado, nos índices emprego (3%), progresso técnico (10%), produtividade relativa (1%), produtividade económica (2%), produtividade salarial (8%) e competitividade económica (6%); - Telecomunicações e Multimédia, nos índices capital/emprego (3%), produtividade relativa (8%), produtividade económica (10%), produtividade salarial (16%) e competitividade económica (15). Em contrapartida, os resultados mais penalizantes foram registados nos aglomerados: - Saúde e Higiene, nos índices emprego (-4%), progresso técnico (-14%), produtividade económica (-11%), produtividade salarial (30%), competitividade económica (-11%); - Agro-Alimentar, nos índices remuneração do trabalho (-1%), capital/ emprego (-9%), produtividade relativa (-3%), produtividade económica (-16%), produtividade salarial (-25%) e competitividade económica (-11%); - Grande Consumo, nos índices remuneração do trabalho (-5%), capital/ emprego (-5%), progresso técnico (-18%), produtividade económica (-14%) e produtividade salarial (-26%).
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Dissertações e Teses
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Resumo: É do conhecimento geral que todas as organizações necessitam de manter um sistema de controlo interno que assegure o uso adequado dos recursos, uma informação financeira fidedigna, a conformidade com a legislação e a salvaguarda dos activos. Em particular, os estados democráticos precisam de demonstrar a transparência e a credibilidade da sua governação, a ética e legalidade das suas acções e que as contas que prestam reflectem os resultados da governação. Daí que se recorra à auditoria interna e externa, para as quais se exige que obedeçam a critérios de eficiência e eficácia que lhe confiram credibilidade. O presente trabalho tem por finalidade estudar a auditoria no sector público em Portugal, analisando a sua estrutura, os seus órgãos e as respectivas normas, num período em que se tenta compreender os factores que estão na base do pedido de ajuda financeira de Portugal ao Fundo Monetário Internacional e à União Europeia. Desta forma, são abordadas várias normas de auditoria, designadamente do International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI), do Tribunal de Contas (TC), do Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado (CCSCI) e da Inspecção-Geral de Finanças (IGF). No que diz respeito às entidades que realizam as auditorias, são analisados os órgãos de auditoria externos e aqueles que pertencem ao Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado (SCI). Palavras-chave: Auditoria; Inspecção; Sistema de Controlo Interno; Sector Público; Fiscalização; Verificação. Abstract: It is well known that all organizations need to keep a internal control system to ensure the adequate use of resources, a faithful financial reporting, the compliance with legislation and the safeguarding of assets. Particularly, democratic states must demonstrate the transparency and credibility of its governance, ethics and legality of their actions, and that the accounts they provide reflect the results of is governance. Therefore, there is need to have internal and external audit, for which it is also required efficiency and effectiveness to be credible. The present paper is intended to study the audit in the public sector in Portugal, analyzing their structure, their agencies and their standards, in a time
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where people are trying to understand the origins of the request for financial assistance from the International Monetary Fund and the European Union. Thus, it is approached the guidelines of the International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI), Court of Auditors (TC), the Coordinating Council of the Internal Control System of the State Financial Administration (CCSCI) and the General Inspectorate of Finance (IGF). The organs that provide external audit and those that belong to the Internal Control System of the State Financial Management (SCI), are analyzed too. Key-words: Audit; Inspection; Internal Control System; Public Sector; Audit; Verification.
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1. Introdução Todas as organizações necessitam de manter um sistema de controlo interno que assegure: a eficiência e eficácia das operações, incluindo o uso dos recursos da entidade; a confiança da informação financeira; a conformidade com a legislação e regulamentação aplicável; e a salvaguarda dos activos, prevenindo ou detectando prontamente as aquisições ou uso não autorizados. Para além disto, os estados democráticos têm necessidade de demonstrar: a transparência e a credibilidade da sua governação; que as suas acções são éticas e legais; e que as contas reflectem os resultados operacionais. Estes objectivos tornam-se possíveis com a utilização da auditoria como forma de avaliação objectiva e independente das contas e da utilização dos recursos. Numa época em que em Portugal se chegou a uma situação de descontrolo das contas públicas, com défices anuais excessivos e endividamento do Estado que ultrapassa 100% do PIB, que fizeram aumentar o risco do crédito e, consequentemente, o custo da dívida para valores insustentáveis, torna-se pertinente conhecer o sistema de auditoria existente sobre as contas públicas. Desta forma, o presente trabalho tem por objectivo caracterizar a auditoria no sector público em Portugal, em particular da Administração Central, através da análise da sua estrutura, dos órgãos e das respectivas normas. No que se refere às normas, abordam-se aqui as que regulam, bem como as que possam influenciar, a auditoria no âmbito da administração financeira do Estado. São assim abordados, de forma resumida e nos aspectos essenciais, sem entrar em detalhes relativos aos procedimentos de auditoria, as normas do International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI), do Tribunal de Contas (TC), do Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado (CCSCI) e da Inspecção-Geral de Finanças (IGF). No que diz respeito aos órgãos que fiscalizam a administração financeira do Estado, são analisados os órgãos de auditoria externos e também os que pertencem ao Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado (SCI), e neste último caso, apenas os órgãos de controlo de nível estratégico e sectorial.
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2. Caracterização da auditoria no sector público 2.1 Conceito Silva (2000, p. 10) fala em Auditoria Estatal, ou Auditoria do Management Público que define como “a actividade independente e objectiva, desenvolvida pelo auditor e destinada a acrescentar valor, melhorando os resultados e os processos operativos da organização”, referindo também que se caracteriza por exames realizados às políticas, programas orçamentais, actividades, projectos, funções e tarefas das organizações do Estado. Esta auditoria tem por objectivo medir e informar sobre a utilização eficiente dos recursos, a realização dos objectivos e a conformidade legal, e pode ser dividida em três tipos principais: a auditoria da economia e da eficiência; a auditoria da eficácia; e a auditoria financeira e da conformidade legal (Silva, 2000). Historicamente, a auditoria interna em serviços públicos tem sido encarado apenas como um simples procedimento administrativo, principalmente composto por verificações de documentos, contagens de activos, e reportes sobre eventos ocorridos (Gausberghe, 2005). Mas, de acordo com o Institute of Internal Auditors (IIA) (2006), a auditoria do sector público ampliou o seu enfoque, que passou para o controlo de sistemas, operações e programas, cada vez maiores e mais complexos, exigindo dos auditores e da auditoria interna cada vez mais profissionalismo. 2.2 Fundamentos da auditoria no sector público A necessidade de responsabilização financeira tem existido desde que se tornou necessário que um individuo tenha de confiar a outro o cuidado dos seus bens ou negócios (IIA, 2006). Tal como noutras instituições se entregam a gestão e os bens a um órgão de gestão, também no Sector Público as pessoas confiam os bens do Estado a um governo. Tal obriga a uma relação entre um público (os cidadãos), um governo e os agentes de auditoria, onde o governo deve, periodicamente, relatar a forma como usou os recursos que lhe foram atribuídos e o grau de realização dos objectivos, e onde, o agente de auditoria reduz o risco inerente a esta relação, através de uma avaliação independente e objectiva da exactidão das contas e da forma de utilização dos recursos. A necessidade de entidade terceira atestar a credibilidade do relato financeiro, os dados sobre os resultados de desempenho, e a conformidade com as leis e os regulamentos, emerge também de factores morais. De facto, o eventual uso dos recursos em benefício pessoal dos gestores públicos, a impossibilidade dos interessados (público) exercerem uma supervisão directa, por afastamento relativamente às operações ou por falta de conhecimentos técnicos para o efeito,
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bem como a necessidade de se evitar erros que prejudiquem a vida das pessoas, são exemplos onde se destacam os factores morais que justificam a auditoria (IIA, 2006). Para o IIA (2006), a auditoria no âmbito do Estado desempenha um papel fundamental na boa governação do sector público, porque, quando fornece informação imparcial e avaliações objectivas quanto à gestão dos recursos públicos de forma eficaz e responsável para alcançar os objectivos desejados, ajuda as organizações do Estado a melhorar as operações; contribui para uma maior responsabilização e integridade do sector público e para um consequente aumento da confiança entre os cidadãos e os seus órgãos públicos. Desta forma, a auditoria no sector público proporciona transparência e credibilidade na governação, assegurando que as suas acções são éticas e legais e que as contas do estado reflectem de forma fidedigna os resultados das operações. 2.3 Requisitos da auditoria Tendo em conta o papel que a auditoria no Estado desempenha, é fundamental que as suas actividades estejam adequadamente configuradas e sejam dotadas de mandato para atingir os seus objectivos, que inclui os poderes para agir com integridade e produzir serviços confiáveis. Tendo em consideração estes factores, a auditoria deve ter os requisitos seguintes (IIA, 2006): • Independência organizacional que seja visível para permitir que a actividade de auditoria seja conduzida sem interferência da entidade auditada. • Um mandato formal definido em lei ou documento que estabeleça os poderes e os deveres da actividade de auditoria e contenha orientações sobre os procedimentos e os requisitos de comunicação, bem como a obrigação da entidade auditada em colaborar com o auditor. • Ausência de restrições nos acessos das auditorias aos agentes da entidade, às instalações e aos registos. • Financiamento suficiente para cumprir as suas responsabilidades de auditoria, o qual nunca deve ser deixado sob o controle da organização sob auditoria. • Liderança competente, com reflexos no recrutamento e na gestão dos auditores, altamente qualificados. • Pessoal competente e com as qualificações e competências necessárias para realizar a totalidade das auditorias exigidas pelo seu mandato. • Apoio das partes interessadas, designadamente do governo, dos cidadãos e da comunicação social. • Normas de auditoria que forneçam um enquadramento do trabalho de auditoria, de qualidade, sistemático, objectivo e baseado em provas. Para além destes requisitos, Gausberghe (2006) refere ainda que, para assegurar uma função auditoria no Sector Público, é necessário:
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• existir um organismo que assegure a qualidade e proteja a independência da auditoria interna; • que os procedimentos incluam: um planeamento anual aprovado, com prioridades que tenham em consideração o objectivo de acrescentar valor que seja perceptível; um planeamento do trabalho específico; uma avaliação do risco com identificação de áreas de risco e determinação do perfil de risco; uma incidência no controlo monitorizando e avaliando controlos; o reporte de factos-chave e recomendações. 2.4 Âmbito e tipos de auditoria De acordo com o IIA (2006), a auditoria do sector público exerce funções ligadas à supervisão, à detecção, à dissuasão e ao aconselhamento. No contexto da supervisão, a auditoria ajuda avaliando: se as entidades públicas aplicam os fundos no que devem e em conformidade com leis e regulamentos; se estão implementados controlos eficazes para minimizar os riscos; se os programas de execução financeira e programática foram alcançados; e se há adesão às regras da organização e aos seus objectivos. Ainda neste contexto, a auditoria proporciona acesso a informações de desempenho das entidades públicas e avalia os processos de gestão dos riscos e a eficácia dos controlos para atingir os objectivos e evitar riscos. Na vertente da detecção a auditoria identifica actos inadequados, ineficientes, ilegais, fraudulentos ou abusivos e recolhe evidências para apoiar decisões de processos criminais, acções disciplinares, ou outras medidas. No capítulo da dissuasão a auditoria é utilizada para identificar e reduzir as condições que permitem a corrupção, através da avaliação dos controlos e dos riscos, e também, da análise das alterações propostas às leis, regras e procedimentos, assim como da revisão de contratos para identificar potenciais conflitos de interesse. Não só pode ajudar o desempenho de um programa específico, mas também evidenciar questões que podem contribuir para melhorar as operações do governo, como pode identificar tendências e chamar a atenção para os desafios emergentes e riscos, antes que se transformem em crises, como por exemplo tendências demográficas, condições económicas, ou ameaças à segurança. Através de uma abordagem baseada no risco, a auditoria ajuda na gestão de riscos, e os gestores a compreenderem e iniciarem as avaliações de risco. A auditoria pode ainda prestar consultoria, assistência ou serviços de investigação, utilizando as competências e conhecimentos dos auditores. Para o IIA (2006) o âmbito da actividade de auditoria depende das atribuições conferidas pela legislação e naturalmente pelas necessidades das organizações, podendo existir: • uma abordagem baseada no risco de auditoria, com enfoque nas áreas de maior preocupação ou risco;
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• uma abordagem, mais abrangente, à governação, ajudando a entidade a alcançar os seus objectivos e metas prioritários e a melhorar a sua estrutura de governação, incluindo o seu código de ética; • uma abordagem, mais minuciosa, que envolve testes de transacções individuais para detectar erros ou para efectuar verificações de conformidade com termos contratuais, políticas, regulamentos ou leis. A auditoria no sector público pode incluir a auditoria de sistemas, a auditoria de performance e a auditoria financeira ou de regularidade. Nos sistemas de controlo, incluindo a gestão dos riscos, numa auditoria que o CCSCI designa de auditoria de sistemas, os auditores avaliam: • a adequação da governação e do ambiente de controlo; • a eficácia dos processos para identificar, avaliar e gerir os riscos; • a segurança das políticas, procedimentos e actividades de controlo; • a integridade e a exactidão dos sistemas e práticas de informação; • a eficácia das actividades de controlo e de avaliação. Na área da performance avalia-se o desempenho de programas através da auditoria do desempenho ou de performance, podendo-se avaliar a eficácia, a eficiência e a economia; a conformidade com as leis e regulamentos, contratos, políticas e procedimentos organizacionais. Já a auditoria financeira/regularidade tem em vista a emissão de parecer sobre a apresentação das demonstrações financeiras em conformidade com o estabelecido nas normas, focando a correcta contabilização de activos e despesas constantes do relato, podendo, ainda, em complemento do parecer sobre as demonstrações financeiras, examinar a fiabilidade da informação financeira, a conformidade com os procedimentos e as regras, ou ainda a salvaguarda dos activos. A auditoria em entidades públicas pode ser realizada por entidades externas ou por entidades internas das próprias organizações públicas auditadas. 2.5 Harmonização internacional A organização internacional que tem a seu cargo a normalização das actividades da auditoria no Sector Público é o INTOSAI, que constitui referência para os organismos nacionais que fazem auditoria externa a serviços públicos. Serve para trocar ideias e experiências entre os seus membros, tendo como objectivo desenvolver a auditoria. Podem ser membros deste organismo os mais elevados órgãos de auditoria pública de um estado membro das Nações Unidas, como o TC, ou de uma qualquer organização supranacional, desde que exerçam a auditoria de uma forma independente. O INTOSAI é um organismo autónomo, independente e não político.
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As normas de ética e de auditoria desta entidade não são directamente aplicáveis nas auditorias em entidades públicas, devendo, antes, ser adaptadas às especificidades de cada país. Código de Ética O código de ética do INTOSAI (2001) para auditores do sector público, contém os principais postulados a adaptar às especificidades de cada país como fundamentos dos códigos de ética nacionais. Este código de ética, dirigido aos auditores, dirigentes do órgão de auditoria e a todos os que estão envolvidos na auditoria, aborda questões como a integridade, a independência, a objectividade e a imparcialidade, a competência e o segredo profissional. Refere o código que o auditor deve ter uma conduta que granjeie o respeito e a confiança pelo seu trabalho e que o governo e o público em geral deverão ter a plena garantia de que o trabalho do órgão supremo de auditoria é imparcial e justo. É também essencial que os relatórios e as opiniões do auditor sejam de inteira confiança. Todo o trabalho do órgão supremo de auditoria deve superar o escrutínio dos poderes executivo e legislativo bem como o julgamento do público em geral. Normas de Auditoria As normas de auditoria do INTOSAI (2001) estão direccionadas para a auditoria financeira e de performance, e estão organizadas em capítulos que abordam os seguintes temas: • Princípios básicos em auditoria pública. • Normas gerais em auditoria pública e normas com relevo ético. • Normas de trabalho de campo em auditoria pública, que abordam o planeamento, a supervisão, o estudo e avaliação do controlo interno, a conformidade com as leis e os regulamentos aplicáveis, a prova de auditoria e a análise de demonstrações financeiras. • Normas de relato em auditoria pública.
3. Auditoria no sector público em Portugal 3.1 Caracterização das entidades auditadas As entidades sujeitas a auditoria revestem as mais diversas naturezas: os serviços integrados pertencentes à administração directa do Estado, em geral as direcções gerais e/ou regionais; os serviços pertencentes à administração indirecta do Estado, em geral os institutos públicos, as fundações, os organismos
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pertencentes ao sector empresarial do Estado; e, ainda, estruturas eventuais, como gabinetes, comissões e grupos de trabalho. Numa perspectiva jurídica, os órgãos da Administração Pública podem ser agrupados conforme esquema constante na figura 1, a seguir exposta.
Figura 1: Classificação do universo sujeito a auditoria. Fonte: Adaptado de Caiado (2001, p 26). É ainda de referir que existem entidades que dispõem de órgãos próprios de fiscalização com revisor oficial de contas, como os institutos públicos, as pertencentes ao sector empresarial do Estado, as autarquias com obrigação de prestar contas consolidadas e as associações públicas, a par de outras que não têm órgãos de auditoria, como os órgãos pertencentes à Administração Directa do Estado. Com a finalidade de proporcionar uma ideia da dimensão do universo objecto de avaliação, a tabela 1 apresenta, para cada área orgânica, o orçamento que lhe está associado e o respectivo número de trabalhadores.
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Orçamento do Estado para 2012 Designação Orgânica Encargos Gerais do Estado Presidência do Conselho de Ministros Finanças Negócios Estrangeiros
Serviços Integrados
SFA
Total
Nº trabalhadores (a)
2.831.912
121.449
2.953.361
13.416
275.333
890.805
1.166.138
4.581
14.504.846 172.666.566
48.667
158.161.720 315.874
54.405
370.279
10.020
Defesa Nacional
2.052.702
172.690
2.225.392
41.462
Administração Interna
1.903.312
196.226
2.099.538
235.995
Justiça
1.185.327
558.766
1.744.093
9.131
Economia e Emprego
238.242
6.032.042
6.270.284
13.760
Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território
594.735
1.674.788
2.269.523
16.264
Saúde
7.632.836
3.791.897
11.424.733
3.631
Educação e Ciência
6.889.117
2.764.609
9.653.726
32.654
291.503
6.785.703
11.459
31.054.026 219.629.336
441.040
Solidariedade e Segurança Social Total
Unidade: Mil euros. (a) em 31/12/2011.
6.494.200 188.575.310
Tabela 1: Caracterização do universo sujeito a auditoria Fontes: Orçamento do Estado para 2012; Direcção Geral da Administração e do Emprego Público, 2012.
Como se pode constatar, os Serviços Integrados do Estado, não sujeitos a uma certificação de contas anual, gerem um orçamento total de 188.575 milhões de euros enquanto os organismos cujas contas são certificadas por ROC são responsáveis por orçamentos que totalizam 31.054 milhões de euros. A este universo correspondem cerca de 441.000 trabalhadores. É ainda de salientar que os valores acima não incluem as despesas e os trabalhadores das autarquias locais, das regiões autónomas e de todas as empresas e associações públicas. 3.2 A estrutura de auditoria no Estado A auditoria em entidades públicas pode ser realizada por entidades externas ou por entidades internas das próprias organizações públicas auditadas. Todas as entidades públicas estão abrangidas por um sistema de controlo e de fiscalização, que escrutina os seus actos e os dos seus responsáveis aos seus vários níveis.
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Este sistema estende o seu âmbito de actuação também a entidades privadas que exercem funções públicas e funções de interesse público, e ainda, àquelas que têm capitais públicos, bem como a outras, de capitais privados, mas que obtêm financiamentos do Estado. Assim, a execução do Orçamento do Estado está sujeita a controlo que consiste na verificação da legalidade e da regularidade financeira das receitas e das despesas públicas e na apreciação da gestão dos fundos e outros activos públicos e da dívida pública19. Este controlo realiza-se antes, durante e depois das operações de execução orçamental. Engloba as componentes de controlo administrativo, jurisdicional e político. Neste contexto, conforme estabelece a Lei de Enquadramento Orçamental20 deverão ser realizadas auditorias de acordo com os princípios de auditoria internacionais, onde21: • As despesas dos organismos do Estado devem ser sujeitas a auditoria externa, pelo menos de oito em oito anos, abrangendo a avaliação da missão e objectivos do organismo, e a economia, eficiência e eficácia das suas despesas. • Os sistemas e os procedimentos de controlo interno devem ser sujeitos a auditoria. • Devem ser, anualmente, realizadas duas auditorias suplementares aos organismos do Estado e duas auditorias a organismos do SCI, estas últimas pelo TC. No que se refere aos Institutos Públicos22, para além de estarem abrangidos pelo sistema de controlo em causa, possuem um órgão de fiscalização que consiste num fiscal único, revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas inscrito como auditor na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Este órgão tem por missão o controlo da legalidade, da regularidade e da boa gestão financeira e patrimonial do instituto, de cujas competências se destacam as seguintes: • acompanhar e controlar o cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, a execução orçamental, a situação económica, financeira e patrimonial e analisar a contabilidade; • dar parecer sobre o orçamento e o plano de actividades na perspectiva da sua cobertura orçamental; • dar parecer sobre o relatório de gestão de exercício e contas de gerência.
Lei nº 91/2001, de 20 de Agosto alterada pela Lei nº 52/2011, de 13 de Março (Lei de Enquadramento Orçamental). 20 Lei nº 91/2001, de 20 de Agosto alterada pela Lei nº 52/2011, de 13 de Março. 21 Artº 62º da Lei de Enquadramento Orçamental. 22 Lei nº 3/2004 de 15 de Janeiro, alterada pela Lei nº 5/2012, de 17 de Janeiro. 19
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As Entidades Públicas Empresariais23, por sua vez, devem ter estruturas de administração e de fiscalização organizadas segundo as modalidades e com as designações previstas para as sociedades anónimas, com as competências genéricas previstas na lei comercial. A estrutura da auditoria no Estado, representada na Figura 2, é constituída pela Assembleia da República, TC e entidades integradas no SCI.
Figura 2: Estrutura de auditoria no Estado Português. Fonte: Adaptado de Tribunal de Contas (1999). Controlo administrativo Os serviços do Estado devem organizar e manter em funcionamento sistemas e procedimentos de controlo interno das operações de execução do Orçamento, e para além disso, deve ser exercido um controlo administrativo cuja responsabilidade é: • do próprio serviço responsável pela execução e respectivos serviços de orçamento e de contabilidade pública; 23
Decreto-Lei nº 558/99 de 17 de Dezembro.
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• das entidades hierarquicamente superiores, de superintendência ou de tutela; • dos serviços de inspecção e de controlo da Administração Pública. Controlo jurisdicional O controlo jurisdicional da execução do Orçamento do Estado é da responsabilidade do TC, sendo os actos de execução do Orçamento e a efectivação das responsabilidades não financeiras sujeitos aos tribunais administrativos e fiscais e aos tribunais judiciais. Controlo político O controlo político é realizado pela Assembleia da República que efectiva as correspondentes responsabilidades políticas24. 3.3 Órgãos de controlo externo 3.3.1 Assembleia da República A Assembleia da República, eleita por voto popular, é o órgão de controlo de topo tendo por competências, neste âmbito a fiscalização do cumprimento da Constituição e das leis e a apreciação dos actos do Governo e da Administração. No aspecto particular do Orçamento de Estado, cabe a este órgão de soberania fiscalizar a sua execução em conjunto com o TC25. 3.3.2 O Tribunal de Contas O TC rege-se por um conjunto de legislação, de entre a qual se destaca a Lei nº 98/97 de 26 de Agosto que define a organização e processo desta instituição. O seu presidente, de acordo com a Constituição, é nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo. Jurisdição O TC é um organismo de fiscalização de topo do Estado, sendo, segundo terminologia do INTOSAI, uma instituição suprema de auditoria. Tem jurisdição e poderes de controlo financeiro, e por funções fiscalizar a legalidade e a regularidade das receitas e das despesas públicas, apreciar a boa gestão financeira e efectivar responsabilidades por infracções financeiras. Estão sujeitos à jurisdição deste organismo o Estado e os seus serviços, as 24 25
Lei de Enquadramento Orçamental. Artºs 107º e 162º da Constituição da República Portuguesa.
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Regiões Autónomas, as autarquias locais, os institutos públicos e as instituições de segurança social. Este órgão de fiscalização detém também jurisdição sobre as associações públicas, as associações de entidades públicas, as associações públicas e privadas que sejam financiadas maioritariamente por entidades públicas ou sujeitas ao seu controlo de gestão, bem como as empresas públicas e as sociedades comerciais detidas e participadas maioritariamente e directamente pelo Estado. As fundações de direito privado que recebam anualmente, com carácter de regularidade, fundos provenientes do Orçamento do Estado ou das autarquias locais, relativamente à utilização desses fundos, também estão sujeitas à jurisdição do TC. É ainda de salientar que o TC estende a sua jurisdição às empresas concessionárias ou gestoras de serviços públicos, bem como às entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos ou sejam beneficiárias de dinheiro ou de outros valores públicos, na medida necessária à fiscalização da legalidade, regularidade e correcção económica e financeira da aplicação desses fundos. Competências O TC tem competências (competência material essencial) para dar parecer sobre a Conta Geral do Estado, incluindo a da segurança social, e sobre a conta da Assembleia da República e das regiões autónomas. Tem também competências para: • fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos actos e contratos geradores de despesa e de encargos e responsabilidades; • verificar as contas dos organismos, serviços ou entidades sujeitos à sua prestação; • julgar a efectivação de responsabilidades financeiras; • apreciar a legalidade, bem como a economia, eficácia e eficiência da gestão financeira das entidades, incluindo a organização, o funcionamento e a fiabilidade dos sistemas de controlo interno; • realizar auditorias às entidades; • fiscalizar, no âmbito nacional, a gestão dos recursos oriundos da União Europeia. É ainda importante salientar a colaboração devida pelos órgãos de controlo interno do Estado ao TC, nomeadamente através de: • comunicação dos seus programas anuais e plurianuais de actividades e respectivos relatórios de actividades; • envio dos relatórios das suas acções sempre que contenham matéria de interesse para a acção do Tribunal; • realização de acções por solicitação do Tribunal, tendo em conta os critérios e objectivos por este fixados.
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Fiscalização prévia Uma das vertentes de actuação com maior visibilidade junto dos organismos estatais é a fiscalização prévia, traduzida na obrigatoriedade de obtenção de visto pelas entidades para certos actos administrativos. Esta fiscalização traduz-se na verificação de que os actos e os contratos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras estão em conformidade com as leis em vigor e de que os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria. Para além desta vertente, incide nos instrumentos geradores de dívida pública, nomeadamente na verificação dos limites e sub-limites do endividamento. Nos termos da legislação, é fundamento para a recusa do visto qualquer desconformidade com as leis em vigor que implique nulidade, encargos sem cabimento em verba orçamental própria, violação directa de normas financeiras, bem como ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro. Fiscalização sucessiva A fiscalização sucessiva consiste na verificação das contas das entidades; na avaliação dos respectivos sistemas de controlo interno; na apreciação da legalidade, economia, eficiência e eficácia da gestão financeira; na fiscalização da comparticipação nacional nos recursos próprios comunitários; e da aplicação dos recursos financeiros oriundos da União Europeia. Para a concretização desta vertente de actuação, todos os serviços do Estado, incluindo o EMGFA, os ramos das FA são obrigados a enviar as suas contas ao TC. No âmbito destas competências de fiscalização, este órgão de controlo recorre a métodos e técnicas de auditoria para executar as suas verificações. Normas de auditoria As auditorias que o TC realiza decorrem da fiscalização sucessiva que leva a efeito, as quais devem concluir com a elaboração de um relatório, a enviar obrigatoriamente ao Ministério Público (TC, 1999). O Manual de Auditoria do Tribunal de Contas é inspirado nos princípios gerais de auditoria internacionalmente aceites. Acolhe, por isso, as normas de auditoria de organizações profissionais de auditores, designadamente da IFAC e da Féderation des Experts Comptables Européens (FEE), bem como as normas de auditoria da INTOSAI e as contidas no Manual de Auditoria do Tribunal de Contas Europeu (TC, 1999). O manual está organizado em 3 partes. A 1ª parte faz o enquadramento institucional do TC. A 2ª parte aborda temas como o conceito de auditoria, os métodos e técnicas que a auditoria utiliza, o controlo interno, a auditoria e a informática, as fases da auditoria, os erros e irregularidades e os documentos de trabalho. A 3ª Parte fala dos aspectos específicos da auditoria no TC,
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nomeadamente dos tipos de auditoria, dos princípios orientadores e deontológicos, dos procedimentos e normas aplicáveis, das fases da auditoria, dos documentos de trabalho, e ainda da auditoria operacional ou de resultados. 3.4 O sistema de controlo interno do Estado O SCI insere-se no controlo administrativo, foi instituído pelo decretolei nº 166/98 e consiste na verificação, no acompanhamento e na avaliação e informação, sobre a legalidade, a regularidade e a boa gestão, relativamente a actividades, a programas, a projectos, ou operações de entidades de direito público ou privado em matéria de finanças públicas, nacionais e comunitárias. Este sistema compreende os domínios orçamental, económico, financeiro e patrimonial e visa assegurar o exercício coerente e articulado do controlo no âmbito da Administração Pública. Os seus dirigentes são nomeados pelo Governo, de acordo com os estatutos das chefias da Administração Pública. 3.4.1 Organização e Funcionamento Organização O SCI integra a Inspecção-Geral de Finanças, todas as inspecções-gerais dos vários ministérios, a Direcção-Geral do Orçamento, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e os órgãos e serviços de inspecção, auditoria ou fiscalização que tenham como função o exercício do controlo interno. O SCI articula-se em três níveis de controlo: o nível operacional; o nível sectorial; e o nível estratégico. O controlo operacional centra-se sobre as decisões dos órgãos de gestão das unidades de execução das acções, e é constituído pelos órgãos e serviços de inspecção, auditoria ou fiscalização inseridos no âmbito da respectiva unidade. O controlo sectorial perspectiva-se, preferentemente, sobre a avaliação do controlo operacional e sobre a adequação da inserção de cada unidade operativa e, respectivo sistema de gestão, nos planos globais de cada ministério. Este controlo é exercido pelos órgãos sectoriais e regionais de controlo interno, como as inspecções-gerais dos ministérios. O controlo estratégico é dirigido à avaliação do controlo operacional e do controlo sectorial, e à avaliação da realização das metas traçadas nos instrumentos provisionais, designadamente no Programa do Governo, nas Grandes Opções do Plano e no Orçamento do Estado. É horizontal relativamente a toda a administração financeira do Estado. É exercido pela Inspecção-Geral de Finanças e pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. Para que funcione de forma articulada, coerente e racional, o SCI assenta nos princípios da suficiência, da complementaridade e da relevância das respectivas intervenções. Por suficiência entende-se que no conjunto das acções
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de auditoria não são omitidas áreas nem são feitos controlos redundantes. O princípio da complementaridade estabelece que a actuação dos órgãos de controlo deve respeitar as suas áreas de intervenção e níveis em que se situam, com concertação entre si quanto às fronteiras e aos critérios e metodologias a utilizar nas intervenções. Finalmente, de acordo com o princípio da relevância, as intervenções devem ser planeadas e realizadas, tendo em conta a avaliação do risco e da materialidade das situações objecto de controlo. Regime jurídico Existe um regime jurídico dos serviços de inspecção do Estado, aplicado à Inspecção Geral de Finanças e à generalidade dos serviços de inspecção de nível sectorial, que refere que as acções podem revestir a forma de auditoria, inspecção, inquérito, sindicância e averiguações e estabelece algumas regras, das quais se destacam26: • o dever de colaboração dos organismos abrangidos pelas inspecções na prestação de todas as informações solicitadas no âmbito das acções de inspecção; • a necessidade de existência de regulamentos para a actividade das inspecções aprovados pela respectiva tutela sectorial; • a completa autonomia técnica dos profissionais; • a consagração do princípio do contraditório; • a elaboração dos respectivos relatórios a enviar ao Ministério Público e/ ou ao TC, se houver matéria que o exija. De notar, ainda que os dirigentes e o pessoal da inspecção têm livre acesso às instalações, podem requisitar documentos, livros, arquivos e outros meios de prova, podem recolher amostras e indícios, promover a selagem de instalações e apreender documentos, ou ainda solicitar auxílio às autoridades policiais. Por outro lado, o pessoal afecto às inspecções está sujeito ao regime de incompatibilidades e impedimentos dos funcionários do Estado e, em particular, está impedido de realizar acções inspectivas onde exerçam funções ou onde prestem serviços parentes seus, ou, onde tenham exercido funções há menos de três anos ou, ainda, onde as exerçam em regime de acumulação. Este pessoal está ainda impedido de aceitar hospedagem em estabelecimento que seja propriedade de titulares dos órgãos ou dirigentes das entidades inspeccionadas quando estas sejam objecto de qualquer acção de natureza inspectiva. O pessoal da inspecção está também obrigado ao dever de sigilo sobre as matérias de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, mesmo após terem cessado essas funções, e não podem divulgar ou utilizar em proveito próprio ou alheio, directamente ou por interposta pessoa, o conhecimento assim 26
Decreto-Lei nº 276/2007 de 31 de Julho.
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adquirido. A violação deste dever implica a aplicação de sanções disciplinares e/ ou criminais. 3.4.2 Normas de Auditoria Do SCI As normas do SCI constam do Manual de Auditoria aprovado pelo Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado (CCSCI) com o objectivo de “estabelecer os princípios e metodologias a utilizar nas auditorias no âmbito sistema de controlo interno da administração financeira do Estado”(2004, p.7). Este texto constitui um enquadramento e contém os princípios a adoptar obrigatoriamente pelos organismos integrantes do SCI no desenvolvimento das suas normas próprias e também pelas auditorias que neste âmbito vierem a ser realizadas por entidades privadas. Está organizado em quatro capítulos: enquadramento; auditoria de sistemas; auditoria financeira; auditoria de desempenho. A auditoria financeira “consiste num exame aos documentos de prestação de contas de uma determinada entidade, realizado por um profissional independente, com o objectivo de expressar uma opinião sobre se essas demonstrações financeiras reflectem, ou não, de forma verdadeira e apropriada a situação financeira e os resultados das operações, em todos os aspectos materialmente relevantes, de acordo com uma estrutura conceptual de relato financeiro identificada.” (CCSCI, 2004, p. 13). Neste manual, a auditoria de sistemas “consubstancia-se no estudo e análise dos sistemas implementados numa dada unidade, em particular o estudo do sistema de controlo interno, com o objectivo de determinar se este funciona de forma eficaz e continuada” de forma que “permita identificar os seu pontos fortes e deficiências a fim de determinar o âmbito, natureza e extensão dos procedimentos de auditoria necessários à emissão de um parecer” (CCSCI, 2004, p. 13). De acordo com este conceito a auditoria de sistemas surge como ferramenta de outro tipo de auditoria. Já a auditoria do desempenho “visa o controlo de uma determinada entidade, serviço, sistema ou área funcional, que incide na sua gestão, nomeadamente da utilização dos respectivos recursos que lhe foram confiados, segundo princípios, entre outros, de economia, eficiência e eficácia” (CCSCI, 2004, p.13, 14). Da Inspeção Geral de Finanças O conjunto de normas aplicáveis exclusivamente à Inspecção Geral de Finanças (IGF) são constituídas por: • Regulamento de Procedimento.
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• Glossário Geral. • Normas de Boas Práticas. O Regulamento de Procedimento produz normas sobre: o planeamento e selecção de auditorias a realizar; o procedimento de auditoria, nomeadamente sobre as comunicações, os actos do procedimento, a recolha de elementos, as notificações e requisição de testemunhas e declarantes; a conclusão do procedimento incluindo o projecto de relatório, o contraditório, o relatório final, o acompanhamento dos resultados e a participação a entidades; e os actos subsequentes que inclui disposições sobre o dossier corrente, o dossier permanente e o controlo de qualidade. O Glossário Geral contém os conceitos de auditorias sobre os quais assentam as Normas de Boas Práticas. As Normas de Boas Práticas constituem um documento harmonizador e regulador do trabalho dos inspectores da IGF (IGF, 2008) e é constituído por: • Código de Ética e Normas de Conduta. • Normas de Boas Práticas para o Exercício da Actividade de Controlo Estratégico da Administração Financeira do Estado. 3.4.3 Órgãos e Competências Dependendo da sua natureza, assim foram estabelecidas as competências dos órgãos de controlo, as quais se explanarão neste ponto. É de salientar que, relativamente ao controlo sectorial, existe um órgão de controlo para cada ministério e que depende do respectivo ministro, que tem competências de inspecção sobre todos os serviços e organismos do respectivo ministério e sobre as entidades tuteladas por este e as empresas públicas que deste dependem. Alguns deles têm também poderes de fiscalização sobre determinadas actividades desenvolvidas por entidades privadas. O Conselho Coordenador Este órgão tem por finalidade assegurar a observância dos princípios do SCI mencionados e garantir o funcionamento do sistema27. É composto por todos os inspectores–gerais, pelo Director–Geral do Orçamento, pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e pelos restantes titulares de órgãos sectoriais de controlo interno. Funciona junto do Ministério das Finanças, é presidido pelo Inspector–Geral de Finanças e as suas principais competências são: • elaborar o plano e o relatório de actividades do SCI e dar parecer sobre estes documentos apresentados pelos órgãos do controlo interno; 27 Decreto Regulamentar nº 27/99 de 6 de Abril.
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• emitir normas sobre metodologias de trabalho; • emitir directrizes para o aperfeiçoamento técnico dos recursos humanos do SCI; • manter informações sobre o sistema que possibilitem a sua avaliação e a melhoria do seu funcionamento; • aprovar o seu regulamento de funcionamento interno. A Inspecção-Geral de Finanças A Inspecção-Geral de Finanças é um organismo que tem por missão assegurar o controlo estratégico da administração financeira do Estado, compreendendo o controlo da legalidade, a auditoria financeira e de gestão, e a avaliação dos serviços e organismos, actividades e programas. Para além destas atribuições, preside ao Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno e elabora o plano estratégico plurianual e os planos de acções anuais. As suas competências são vastas na área da auditoria das quais se salientam28: • o exercício da auditoria e do controlo nos domínios orçamental, económico, financeiro e patrimonial; • acções de coordenação, articulação e avaliação da fiabilidade dos sistemas de controlo interno dos fluxos financeiros de fundos públicos; • auditorias financeiras, de sistemas e de desempenho e análises de natureza económico-financeira; • auditorias informáticas, em especial à qualidade e segurança dos sistemas de informação; • sindicâncias, inquéritos e averiguações e desenvolver o procedimento disciplinar; É de notar que a IGF estende a sua esfera de acção a todos os organismos do sector público administrativo, incluindo as autarquias locais e entidades equiparadas. Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social Esta instituição tem responsabilidades atribuídas nas áreas do planeamento e orçamento, gestão financeira, gestão da dívida e gestão do património imobiliário, afectos à Segurança Social. No âmbito das suas competências, assegura a verificação, acompanhamento, avaliação e informação dos domínios orçamental, económico e patrimonial dos organismos que integram o sistema de Segurança Social.
28
Decreto-Lei nº 96/2012 de 23 de Abril.
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A Direcção Geral do Orçamento Esta direcção integra-se no Ministério das Finanças e superintende na elaboração e no controlo da execução do Orçamento do Estado, na contabilidade pública e no controlo da legalidade, regularidade e economia da administração financeira do Estado. No âmbito da administração financeira do Estado, assegura a eficiência e complementaridade dos controlos da administração financeira do Estado através da colaboração com a IGF na execução das auditorias orçamentais29. Órgãos sectoriais de Inspecção Os controlos sectoriais são realizados por órgãos de auditoria sectoriais dependentes de um ministro, existindo, em regra, um órgão por ministério. Incidem essencialmente na avaliação dos controlos operacionais e avaliam a adequação da inserção das unidades de execução, e respectivo sistema de gestão, nos planos globais do ministério e o seu sistema de gestão. Alguns destes órgãos desempenham ainda funções de fiscalização a entidades e actividades externas. O controlo das entidades internas realiza-se através de acções de verificação, acompanhamento e informação. Para efeitos de comparação e análise das actividades destes órgãos de inspecção sectorial, as suas áreas de intervenção foram classificadas do seguinte modo: • Estudos – Realização de estudos técnicos/científicos na respectiva área de especialização. • Legislação – verificação do cumprimento da legislação, das normas, dos regulamentos e das directivas superiores. • Avaliação – avaliação do desempenho de cada um dos serviços, em termos de economia, eficiência e eficácia no emprego dos meios que lhes foram atribuídos. • Finanças – verificação da utilização dos recursos financeiros, quer em termos do respeito pelo diverso normativo nesta área, quer no que respeita à economia, eficiência e eficácia no seu uso. • Medidas correctivas – propostas de medidas correctivas, face a desconformidades e anomalias detectadas. • Inquéritos – abertura e realização de inquéritos e sindicâncias. • Disciplina – abertura e realização de processos disciplinares. • Fiscalização – realização de acções de fiscalização dirigidas a actividades e entidades de natureza privada. • Processos – realização de processos contra entidades privadas pela infracção de normas.
29
Decreto-Lei nº 80/2007 de 29 de Março e Decreto-Lei nº 96/2012 de 23 de Abril.
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A Tabela 2 apresenta as áreas de intervenção de cada uma dos órgãos de inspecção sectorial. Tabela 2: Áreas de intervenção das inspecções sectoriais. Incidência em actividades e instituições do Estado
Incidência em actividades e entidades privadas
Inquéritos
X
X
X
Inspecção-Geral da Defesa Nacional
X
X
X
X
X
X
Inspecção-Geral da Administração Interna
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Inspecção-Geral do Ministério da Solidariedade e Segurança Social Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça
X
Processos
Acções correctivas
X
Fiscalização
Finanças
X
Disciplina
Avaliação
X
Estudos
Inspecção Diplomática e Consular
Controlo Interno
Legislação
Órgão de Inspecção Sectorial
X
X
Inspecção-Geral do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
X
X
Território Inspecção-Geral da Educação e Ciência
X
X
X
X
X
Inspecção-Geral das Actividades da Saúde
X
X
X
X
X
X
Inspecção-Geral das Actividades Culturais
X
X
X
X
X
X
Do quadro acima exposto pode-se constar que: • todas as instituições auditam e avaliam o sistema de controlo interno; • duas instituições estão incumbidas de elaborar estudos; • todos os órgãos têm por competência a verificação do cumprimento da legislação e das normas aplicáveis aos serviços; • todos os órgãos têm incluído nas suas funções a avaliação dos serviços; • todos os órgãos de inspecção prevêem a fiscalização das actividades financeiras; • todos os organismos são obrigados à apresentação de propostas com medidas correctivas e ao seu acompanhamento, também em consequência do regime jurídico das inspecções; • sete organismos têm competências para realizar inquéritos; • nove serviços de inspecção têm competências para instaurar procedimentos
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disciplinares; • três organismos têm competências para fiscalizar entidades externas (privadas) e dois desses organismos podem mesmo instaurar processos a essas entidades; Face ao exposto verifica-se então que: • os organismos de inspecção sectorial têm, relativamente ao ministério respectivo, competências sobre os serviços, as entidades tuteladas, as empresas públicas e as entidades privadas que recebem fundos públicos. • os organismos de inspecção do Estado exercem funções que abrangem domínios do saber muito diversificados. • as áreas de actuação destes órgãos, são de um modo geral vastas, que vão da avaliação do desempenho dos serviços abrangidos, à avaliação dos respectivos sistemas de controlo interno, à verificação do cumprimento da legislação, à avaliação do uso eficiente e económico dos fundos públicos, à possibilidade de instaurar inquéritos e procedimentos disciplinares. A tudo isto juntam-se, para alguns órgãos, competências para fiscalizar e instaurar processos a entidades e actividades privados. • está fora do âmbito de actividade destes organismos a realização de auditorias com vista à emissão de certificações legais das contas dos serviços sob a sua alçada, nem está prevista a existência de um processo sistemático de auditoria às suas contas com vista a verificar a conformidade das suas demonstrações financeiras. 3.5 Recursos afectos à auditoria A Tabela 3 abaixo apresenta os recursos afectos à auditoria, cujos dados foram obtidos a partir dos relatórios de actividades de 2010 dos organismos de inspecção e dos respectivos balanços sociais.
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Tabela 3: Recursos Afectos à Auditoria (1/2)
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Tabela 3: Recursos Afectos à Auditoria (2/2) Órgão de Controlo
Inspecção Geral do Ambiente
Inspecção Geral das Actividades Culturais
Total
Despesa realizada em 2010 (em 1.000€)
4062
6000
Recursos humanos Categoria
Nº Efectivos
Dirigentes
6
Inspectores e Tec Superiores
58
Outros
36
Total
100
Dirigentes
7
Inspectores e Tec Superiores
48
Outros
38
Total
93
74861 1354 Fonte: Relatórios de Actividades de 2010; Balanços Sociais de 2010.
Da leitura dos números constantes do quadro acima, ressalta a enorme dimensão dos recursos alocados a esta actividade: 75 milhões de euros por ano e 1.350 pessoas. Saliente-se que os valores acima não contemplam a reorganização iniciada em 2011 pelo XIX Governo Constitucional que procede à fusão de alguns órgãos de inspecção sectorial. 4. Conclusões São muito diversas as entidades sujeitas a controlo na Administração Pública. Umas têm autonomia administrativa, financeira e patrimonial, outras apenas têm autonomia administrativa e outras, ainda, nem sequer dispõem de estruturas de gestão. Acresce ainda a existência de entidades que dispõem de órgãos próprios de fiscalização e com revisor oficial de contas, como os institutos públicos e as pertencentes ao sector empresarial do Estado, a par de outras que não têm órgãos de auditoria. Existem normas de auditoria que regem o trabalho dos auditores em todos os níveis onde actuam, inspiradas nas normas internacionais para o Sector Público e nas normas internacionais do IFAC. O sistema de auditoria do Sector Público em Portugal inclui, como órgãos supremos e de controlo externo e independente do Governo, a Assembleia da
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República e o Tribunal de Contas. A Assembleia da República, em consequência do sistema de governação, contém, em princípio, uma maioria que suporta o Governo, facto que lhe retira alguma independência, e não dispondo dos meios para realizar auditorias de forma sistemática, é duvidosa a sua eficiência enquanto órgão de fiscalização. O Tribunal de Contas tem jurisdição e poderes de controlo financeiro, e por funções fiscalizar a legalidade e a regularidade das receitas e das despesas públicas, apreciar a boa gestão financeira e efectivar responsabilidades por infracções financeiras. A partir do ano de 2009, a síntese conclusiva do parecer sobre a Conta Geral do Estado passa a fazer uma menção ao endividamento do Estado, mas não se lhe encontram competências relativas à avaliação dos riscos. O presidente desta instituição é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo. O custo anual do TC é de 27,8 milhões de euros e emprega cerca de 440 pessoas. A seguir, já na dependência do Governo, apresenta-se o Controlo Administrativo, designado por SCI, onde são exercidos três níveis de controlo: Controlo Estratégico, Controlo Sectorial e Controlo Operacional. O controlo interno de nível estratégico avalia o controlo operacional e o controlo sectorial, e ainda, a realização das metas traçadas no Programa do Governo, nas Grandes Opções do Plano e no Orçamento do Estado. Pertencem ao controlo estratégico a Inspecção Geral de Finanças, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e a Direcção Geral do Orçamento. Estes organismos têm as seguintes competências na área da administração financeira: • Inspecção Geral de Finanças – Assegura o funcionamento do controlo interno estratégico e exerce a auditoria e o controlo nos domínios orçamental, económico, financeiro e patrimonial, preside ao Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno e elabora o plano estratégico plurianual e os planos de acções anuais, realiza acções de coordenação, articulação e avaliação da fiabilidade dos sistemas de controlo interno dos fluxos financeiros de fundos públicos. • Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social – Garante o controlo estratégico das instituições da Segurança social e o controlo da execução orçamental. • Direcção Geral do Orçamento – Em colaboração com a IGF assegura a eficiência e complementaridade dos controlos da administração financeira do Estado. Analisadas as respectivas competências, é de salientar que a Inspecção Geral de Finanças exerce uma função chave ao nível do sistema de controlo interno do Estado, uma vez que, por lei, lhe cabe assegurar o funcionamento do controlo estratégico e presidir ao conselho coordenador do SCI. Quanto ao controlo sectorial, que integra as inspecções-gerais dependentes dos ministros, verifica-se, pela análise das atribuições dos órgãos de controlo
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deste nível, que actua nas seguintes vertentes: • Avaliação do sistema de controlo interno. • Verificação do cumprimento da legislação e das normas aplicáveis aos serviços. • Avaliação dos serviços. • Fiscalização das actividades financeiras. Alguns dos órgãos de inspecção sectorial têm também competências para realizar inquéritos e instaurar procedimentos disciplinares. Outros têm competências para fiscalizar entidades externas (privadas) e dois desses organismos podem mesmo instaurar processos a essas entidades. Desta forma, e como se verifica, o sistema é composto por variadíssimos órgãos que actuam em diferentes níveis e em variados campos e que por isso, carece de coordenação. Apesar de ter sido criado o Conselho Coordenador para garantir o funcionamento do sistema como um todo e o respeito pelos princípios de coordenação, o sistema não deixa de ser complexo e difícil de gerir como um todo, dado a dependência de cada inspecção do respectivo ministro. Acresce que os órgãos de auditoria do SCI, com um custo anual aproximado de 47 milhões de euros e dotados de cerca de 900 funcionários, dependem do Governo, pelo que, sendo independentes face às entidades que auditam, não reúnem a condição de independência necessária a uma acção eficaz e credível ao nível das decisões do próprio governo. Finalmente, salienta-se que as contas dos organismos integrados, que representam 188.575 milhões de euros em despesa pública, não são anualmente certificadas por qualquer órgão de auditoria, nem se encontram referências nas competências dos diversos órgãos de auditoria, em particular do TC e da IGF, a avaliações dos processos de gestão de riscos. Concluindo, não se conhecem ainda todos os factores que originaram o descontrolo das contas públicas, e pouco se dito sobre a contribuição das lacunas do sistema de auditoria para o facto. Contudo, parece não existirem dúvidas de que este não é perfeito e que carece de acções correctivas. Bibliografia CCSCI (2004). Manual de Auditoria. GAO (1999). Internal Control Standards. GAO. GAO (1999). Standards for Internal Control in Federal Government. Gausberghe, C. (2005). Internal Auditing in Public Sector. Internal Auditor, August, 69-73. IIA (2006). The Role of Auditing in Public Sector Governence. IIA, November 2006. IIA (2009). Enquadramento Internacional de Práticas Profissionais de Auditoria Interna. Lisboa: IPAI.
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Empenhamento Organizacional: controvérsia e resultados da investigação Ana Paula Passos Universidade Lusíada de Lisboa César Madureira Universidade Lusíada de Lisboa ISCTE - IUL Instituto Universitário de Lisboa Teresa Pereira Esteves Universidade Lusíada de Lisboa Instituto Superior de Gestão Bancária
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Resumo: O artigo realiza uma síntese dos estudos sobre o empenhamento organizacional, relevando as suas consequências quer para os indivíduos, quer para as organizações, os factores que o influenciam e as controvérsias ainda existentes sobre a sua natureza. A falta de consenso sobre a natureza e as dimensões do empenhamento organizacional, tem levado os autores a debruçarem-se sobre esta questão que cada vez mais tem assumido um papel de relevo na explicação dos diversos tipos de relações que se estabelecem entre indivíduos e organizações. Este tema tem-se revelado de grande interesse na comunidade académica e científica pois acredita-se que trabalhadores empenhados tornam-se uma vantagem competitiva para as organizações. Mas, as novas formas de trabalho com que se depara esta nova geração de trabalhadores, fazem com que as organizações tenham que repensar novas estratégias para manter empenhada esta nova força de trabalho. Palavras-chave: Empenhamento organizacional - constructo; empenhamento organizacional - estudos; empenhamento organizacional - controvérsias. Abstract: The article provides a summary of studies on organizational commitment, emphasizing the consequences, both for the individuals and the organizations, the factors that influence it and the controversies that still exist about its nature. The lack of consensus on the nature and dimensions of organizational commitment has led the authors to address this issue, which has assumed a prominent role in explaining the different types of relationships that are established between individuals and organizations. This theme has proved to be of great interest in the academic and scientific community because it is believed that committed workers become a competitive advantage for organizations. However, the new forms of work that this new generations of workers face, make organizations have to rethink new strategies to maintain this new workforce committed. Key-words: Organizational commitment – construct; organizational commitment – studies; organizational commitment – controversies.
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1. Introdução O estudo sobre o empenhamento organizacional tem assumido um papel de relevo na literatura, numa tentativa de se compreender a natureza do vínculo do trabalhador com a organização. Este tema, tornou-se nas últimas décadas, um dos mais estudados a nível de comportamento organizacional, pois existe evidência empírica de que trabalhadores empenhados tornam-se um diferencial competitivo e estão mais dispostos a contribuir para o sucesso organizacional. A nível empresarial os gestores têm também demostrado interesse no tema, promovendo estratégias para aumentar o nível de empenhamento dos colaboradores, na expectativa de obterem vantagens competitivas. Com as crescentes alterações no mercado de trabalho que promovem o aparecimento de novas formas de trabalho, em que o vínculo contratual efectivo dá lugar ao vínculo contratual temporário ou parcial, torna-se necessário reflectir e investigar sobre as estratégias que os gestores devem adoptar para manter empenhados e motivados os seus colaboradores. Neste artigo apresentamos uma síntese das perspectivas sobre a natureza e as dimensões do empenhamento organizacional e de resultados de estudos que têm analisado quer os factores que influenciam o empenhamento organizacional, quer as consequências que este tem para os indivíduos e para as organizações. Concluímos com uma reflexão sobre as novas formas de trabalho, resultantes das crescentes alterações no mercado de trabalho, e as estratégias que as organizações devem adoptar para manter empenhados e motivados os trabalhadores da nova geração. 2. Enquadramento teórico Nas últimas décadas verificou-se um aumento do interesse pelo empenhamento organizacional, tendo este estado na origem de centenas de estudos. Entre as questões de maior interesse, a falta de consenso na definição do conceito tem sido amplamente abordada. Para Porter, Steers, Mowday e Boulian (1974), o empenhamento organizacional é visto como uma força relativa da identificação de um indivíduo
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com uma organização e pode ser definido como (i) uma forte crença e aceitação dos objectivos e valores da organização; (ii) uma boa vontade para exercer um esforço considerável em favor da organização e (iii) um forte desejo de permanecer na organização. Wiener (1982), descreve o empenhamento como um processo normativo que explica o comportamento de trabalho e que leva o indivíduo a agir de uma forma a que atenda os objectivos e interesses organizacionais. Na perspectiva de O`Reilly e Chatman (1986), o empenhamento organizacional é visto como a ligação psicológica de um indivíduo com a organização e pode ser definido de três formas independentes: (i) concordância ou envolvimento instrumental em relação a recompensas extrínsecas, (ii) identificação ou envolvimento baseado no desejo de afiliação e (iii) internalização ou envolvimento sustentado na congruência entre valores individuais e organizacionais. Na perspectiva de Allen e Meyer (2000), o empenhamento organizacional é visto como o laço psicológico que caracteriza a ligação do indivíduo à organização e que reduz a probabilidade de ele a abandonar. Das várias definições apresentadas, a de Allen e Meyer é a mais generalizada, aparecendo numa grande quantidade de estudos (e.g. Jaros, 1997; Shahnawaz & Juyal, 2006; Nascimento, 2008; Jesus, Leal & Vivas, 2010). Apesar da falta de consenso na definição do constructo, comum às várias descrições, é a visão de que o empenhamento organizacional é um estado ou uma ligação psicológica que une, identifica ou caracteriza a relação de um indivíduo com a organização onde trabalha. O empenhamento organizacional também não é visto da mesma forma, pelos autores, quanto à sua natureza dimensional. O modelo de Wiener (1982), perspectiva-o como um constructo unidimensional o que vai ao encontro da designação de empenhamento normativo de Allen e Meyer (1990a). No modelo de Becker (1960), o empenhamento é considerado também como unidimensional e definido de forma semelhante ao empenhamento de continuidade de Allen e Meyer (1990a). De acordo com Becker (1960), um indivíduo permanece vinculado a uma organização devido aos custos associados à sua saída. Para o autor, o empenhamento dos trabalhadores resulta da quantidade de investimentos (side bets) que estes realizam na empresa e que sentem que serão difíceis de recuperar caso a abandone. Já Mayer e Shoorman (1992), identificaram duas dimensões do empenhamento organizacional: empenhamento de continuidade e empenhamento de valor, correspondendo, esta última, à componente normativa do modelo de Allen e Meyer (1990a). O empenhamento organizacional é visto por Mowday, Porter & Steers (1979), como um constructo tridimensional. Os autores introduziram o Organizational Commitment Questionnaire (OCQ) para medir as três componentes 110
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do empenhamento, tendo sido criticado por alguns (e.g. Allen & Meyer, 1990a; Dunham, Grube & Castañeda, 1994), que consideram que este instrumento apenas mede a componente afectiva. Mathieu e Zajac (1990), reconheceram duas dimensões do empenhamento organizacional (atitudinal e instrumental), que correspondem às componentes afectiva e de continuidade de Allen e Meyer (1990a). Mayer e Shorman (1998), criticaram o trabalho de Mathieu e Zajac (1990) por estes autores reconhecerem duas dimensões do empenhamento organizacional e utilizarem o OQC de Mowday et al (1979) para medir as duas escalas de empenhamento, quando este instrumento apenas avalia o empenhamento afectivo. Jaros, Jermier, Koehler e Sincich (1993), conceptualizam o empenhamento em três dimensões: empenhamento afectivo, de continuidade e moral, assemelhando-se às do modelo de Allen e Meyer (1990a). O`Reilly e Chatman (1986), estimam que o empenhamento organizacional espelha o laço psicológico que une o empregado a uma organização e que implica a combinação de três variáveis: obediência ou concordância (envolvimento com base em recompensas extrínsecas), identificação (envolvimento baseado no desejo de afiliação) e internalização (envolvimento com base nos valores individuais e organizacionais). Meyer e Allen (1997), criticam este modelo pelo facto dos autores não distinguirem identificação de internalização, tendo combinado/ associado estas duas variáveis para medir o empenhamento normativo. O modelo de Meyer e Allen, perspectiva o empenhamento organizacional como um constructo tridimensional e também foi alvo de algumas apreciações sendo a componente normativa a mais criticada. Embora o modelo pressuponha que as três componentes do empenhamento sejam independentes entre si, devendo, de cada uma delas, resultar comportamentos e consequências diferentes (Meyer & Allen, 1991; Meyer, Stanley, Herscovitch & Topolnytsky, 2002), diversos autores (e.g. Rego, Souto & Cunha, 2007) encontraram semelhanças significativas entre as componentes afectiva e normativa. Mas, apesar de se ter questionado a independência entre estas duas componentes, os autores (Meyer et al, 2002), optam por mantê-la, defendendo que embora o empenhamento afectivo e o normativo revelem padrões semelhantes de correlação com variáveis antecedentes e consequentes, a magnitude dessas correlações é muitas vezes bastante diferente. Apesar de existirem vários modelos de empenhamento organizacional, o mais investigado, tanto dentro como fora da América do Norte, é o modelo de Allen e Meyer (1990a) e Meyer e Allen (1991, 1997). Neste modelo, tal como referimos anteriormente, os autores (Allen & Meyer, 1990a; Meyer & Allen, 1991, 1997), abordam o empenhamento em três dimensões, identificadas como empenhamento afectivo, normativo e de continuidade. O empenhamento afectivo, é o grau em que o colaborador se sente emocionalmente ligado, envolvido e identificado com a organização. Os empregados com um forte empenhamento afectivo continuam na organização
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porque querem fazê-lo. O empenhamento de continuidade é o grau em que o colaborador se mantém ligado à organização devido ao reconhecimento dos custos associados ao potencial abandono da organização. Os empregados com um forte empenhamento de continuidade permanecem na organização porque têm a necessidade de nela continuarem. O empenhamento normativo é o grau em que o colaborador sente uma obrigação ou dever moral, de continuar na organização. Os empregados com um elevado nível de empenhamento normativo sentem que devem permanecer na organização. Este modelo deu origem a uma escala que permite a avaliar as componentes afectiva, de continuidade e normativa do empenhamento organizacional. 3. Avaliação do empenhamento Allen e Meyer (1990a), com base no modelo de empenhamento organizacional, construíram uma escala que pretende avaliar as componentes afectiva, normativa e de continuidade do empenhamento: “Affective Commitment Scale - ACS”, “Normative Commitment Scale - NCS” e “Continuance Commitment Scale - CCS”, respectivamente. Numa primeira versão (Allen & Meyer, 1990a), as três escalas eram constituídas por 8 itens cada, perfazendo um total de 24 itens e apresentavam uma consistência interna, medida pelo alfa de cronbach, de 0,87 para a ACS, 0,79 para a NCS e 0,75 para a CCS. Mais tarde (Meyer & Allen, 1997), as escalas foram revistas passando a ACS e NCS para 6 itens cada e a CCS para 7 itens. A resposta a cada item é feita numa escala de Likert com 7 pontos, na qual (1) corresponde a “discordo totalmente” e (7) a “concordo totalmente”. Meyer e Allen (1997), referem que esta escala apresenta uma consistência interna de 0,85 para a ACS, 0,73 para a NCS e 0,79 para a CCS. Esta escala tem sido muito utilizada em estudos empíricos que se revestem de grande interesse, uma vez que estendem o modelo das três componentes de Allen e Meyer (1990a) a países fora da América do Norte e são um contributo fundamental no que se refere ao desenvolvimento da escala proposta pelos autores. Mas, para além desta escala, outras foram utilizadas para medir o empenhamento organizacional. De salientar a escala de Porter et al (1974), que incentiva o estudo intenso do empenhamento organizacional ao proporem como instrumento de medida o OCQ. Esta escala, de 15 itens, foi concebida para medir o grau em que os indivíduos se sentem comprometidos com a organização. Com este instrumento, os autores pretendem avaliar a percepção do indivíduo a respeito da sua lealdade para com a organização, a sua vontade de exercer um grande esforço para alcançar objectivos organizacionais, e sua aceitação dos valores da organização. Todos os
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itens representam declarações a que o indivíduo responde numa escala de Likert com 7 pontos variando entre “discordo totalmente” e “concordo totalmente”. A consistência do instrumento, medida pelo coeficiente alfa de cronbach, variou entre 0,82 e 0,93 durante as quatro fases do estudo (Porter et al , 1974). Apesar das duas escalas descritas apresentarem níveis de consistência elevados, a mais utilizada pelos investigadores, a partir da década de 90, tem sido a de Allen e Meyer, que permite avaliar as três componentes do empenhamento, enquanto a escala de Porter et al assenta numa abordagem fundamentalmente afectiva. 4. Síntese dos estudos empíricos sobre o empenhamento organizacional Uma proficiente investigação tem conduzido os estudiosos a analisar os factores que afectam o empenhamento dos trabalhadores. Como variáveis antecedentes do empenhamento encontram-se, entre outras, as características do trabalho, do trabalhador e da organização, práticas de socialização, características das experiências de trabalho, percepção de justiça organizacional, satisfação no trabalho, participação na tomada de decisão, práticas de gestão de recursos humanos, factores culturais e organizacionais, percepção de suporte organizacional e clima organizacional. Outros estudos têm revelado que níveis mais elevados de empenhamento entre os trabalhadores e a organização a que pertencem podem afectar um conjunto de variáveis organizacionais relevantes (consequências do empenhamento) como por exemplo, as intenções de turnover, o desempenho, o absentismo e a satisfação no trabalho. Trabalhos de vários autores salientam ainda o papel mediador do empenhamento organizacional na relação entre valores culturais e turnover, suporte organizacional e bem-estar, percepção de suporte organizacional e esforço de vendas, práticas de gestão de recursos humanos e intenções de turnover, clima organizacional e satisfação, satisfação e comportamentos de cidadania organizacional. Os quadros seguintes sintetizam as principais conclusões de alguns estudos empíricos que procuram analisar a relação entre o empenhamento organizacional dos trabalhadores e um conjunto de variáveis antecedentes e consequentes.
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Quadro nº 1: Estudos empíricos que identificam variáveis antecedentes do empenhamento organizacional
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Fonte: Elaboração dos autores.
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Fonte: Elaboração dos autores.
Quadro nº 2: Estudos empíricos que identificam variáveis consequentes do empenhamento organizacional
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Fonte: Elaboração dos autores.
Quadro nº 3: Estudos empíricos em que o empenhamento organizacional surge como variável mediadora
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4.1. Síntese dos estudos sobre as variáveis antecedentes do empenhamento organizacional Em relação aos antecedentes do empenhamento, constatámos que são muitos os estudos que se têm debruçado sobre as variáveis que afectam o empenhamento organizacional dos trabalhadores, evidenciando-se como preditores do empenhamento as características da função e da organização (Harrison & Hubbard, 1998), experiências de socialização (Allen & Meyer, 1990b), a justiça organizacional (Sotomayor, 2007; Kumar, Bakhshi & Rani, 2009; Giauque, Resenterra & Siggen, 2010), a percepção de suporte organizacional (Giauque et al, 2010), e práticas de gestão de recursos humanos (Cançado, Moraes & Silva, 2006; Shahnawaz & Juyal, 2006). Em relação à variável satisfação no trabalho os autores não são consistentes quanto à sua posição perante o empenhamento organizacional (antecedente ou consequente). No entanto, Jesus et al (2010), referem que sendo o empenhamento uma atitude mais estável do que a satisfação, não é de estranhar ser a primeira a influenciar a segunda. Também evidente nas pesquisas apresentadas foi a crescente preocupação com as práticas de GRH como antecedentes do empenhamento a partir de 2000. Até esta data, os estudos davam mais ênfase às características do trabalhador, do trabalho e da organização, às experiências de trabalho e à socialização. 4.2. Síntese dos estudos sobre as variáveis consequentes do empenhamento organizacional Os elevados níveis de empenhamento dos trabalhadores têm sido, de uma forma geral, relacionados com consequências positivas tanto para a organização como para o indivíduo. A nível organizacional, Meyer e Allen (1997), sugerem que o empenhamento está negativamente correlacionado com a intenção dos empregados deixarem a organização e com o comportamento de turnover voluntário. Steers (1977), encontrou uma forte relação do empenhamento organizacional com a intenção e desejo de permanecer na organização e uma relação moderada com o turnover. Meyer e Allen (1997), salientam que empregados com um forte empenhamento afectivo têm uma maior motivação ou desejo de contribuir significativamente para a organização, do que aqueles que têm um fraco empenhamento afectivo. Assim, espera-se que os empregados com forte empenhamento afectivo sejam menos ausentes no trabalho e estejam mais motivados a ter um melhor desempenho. Os estudos revelam que trabalhadores que demonstram maior empenhamento tendem a assumir com mais frequência comportamentos extra papel (e.g., CCO), (e.g. Meyer, Allen & Smith, 1993; Rifai, 2005; O`Reilly & Chatman, 1986). Mayer e Shorman (1992), também encontraram uma forte relação do
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empenhamento com o desempenho. Já o estudo de Steers (1977), revelou não haver correlação entre estas duas variáveis. Consistente com este resultado foi o trabalho de Mathieu e Zajac (1990), que mostrou correlações nulas entre estas variáveis. Meyer e Allen (1997), referem a possibilidade de o empenhamento organizacional ter também implicações no indivíduo. As experiências vividas no local de trabalho afectam os indivíduos, quer a nível individual quer a nível profissional, tendo implicações no seu bem-estar. Jesus et al (2010), identificaram no seu estudo que os trabalhadores com maiores níveis de bem-estar são indivíduos com idade superior a 45 anos, percepcionam maior compreensão por parte dos supervisores, maior participação nas decisões da empresa, maior cooperação entre os vários departamentos, maior liberdade para efectuar as tarefas tendo a confiança dos chefes. Estes autores também verificaram que trabalhadores empenhados têm maiores níveis de satisfação no trabalho. Panaccio e Vandenberghe (2009), também encontraram uma relação positiva entre o empenhamento afectivo e o bem-estar. Os autores referem que esta relação permite reduzir a percepção de LA (falta de alternativas de emprego), tipo de componente do empenhamento que diminui o bem-estar. Em súmula, os estudos revelam que o empenhamento se relaciona de forma positiva com o comportamento de cidadania organizacional e apresenta uma relação negativa com o absentismo e o turnover, sendo esta última a variável mais amplamente estudada. Quanto à relação entre empenhamento organizacional e desempenho verifica-se uma falta de consenso nos resultados. Se uns estudos revelaram haver uma forte relação entre estas duas variáveis, já outros, não encontraram correlação entre elas. Esta discordância pode ser devida à utilização de diferentes escalas e critérios para avaliar o empenhamento e o desempenho. Mas, elevados níveis de empenhamento nem sempre são favoráveis à organização e ao indivíduo. Num ponto mais à frente vamos fazer uma abordagem aos efeitos negativos de um empenhamento organizacional elevado. 4.3. Síntese dos estudos em que o empenhamento organizacional surge como variável mediadora Não menos importante, tem sido a relevância dada nas últimas décadas ao papel do empenhamento organizacional como variável mediadora na relação entre as variáveis organizacionais ou de contexto de trabalho e as atitudes e os comportamentos de trabalho. Panaccio e Vandenberghe (2009), verificaram que o suporte organizacional percebido fomenta o empenhamento afectivo que, por sua vez, faz aumentar o bem-estar. O estudo de Jesus et al (2010), revelou que a relação entre as percepções de clima organizacional e satisfação com o trabalho é mediada pelo empenhamento organizacional, levando os colaboradores a sentirem maiores níveis de satisfação com o trabalho.
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O impacto das práticas de GRH na intenção de sair também foi investigado. Guchait e Cho (2010), verificaram que não apenas as práticas de GRH diminuem a intenção de sair como também essa relação é parcialmente mediada pelo empenhamento organizacional. Num estudo realizado no sector bancário português, verificou-se que o empenhamento afectivo mediava parcialmente a relação entre práticas de recursos humanos, nomeadamente práticas de formação e desenvolvimento e comportamentos extra papel (Esteves & Caetano, 2008). 5. Efeitos negativos de um empenhamento organizacional elevado Alguns autores são de opinião que níveis muito elevados de empenhamento nem sempre são saudáveis para a organização uma vez que empregados excessivamente empenhados podem tornar-se menos inovadores e criativos, acarretando perda de flexibilidade para a organização (Randall, 1987). De acordo com esta opinião Meyer e Allen (1997), argumentam que estes empregados podem também descuidar o investimento na sua formação profissional e isto poderá ser contraproducente face a reestruturações da organização. Meyer e Allen (1997), também consideram que um empenhamento afectivo elevado com a organização pode ter consequências negativas para a vida extra-profissional dos indivíduos. Do ponto de vista destes autores, empregados com um nível elevado de empenhamento parecem ter maiores possibilidades de receber recompensas extrínsecas (remuneração e benefícios) e psicológicas (maior satisfação com a função e com os colegas, maiores oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional). No entanto, estar excessivamente empenhado pode também levar a despender tempo e energia na organização que não fica disponível para investir na saúde, família, relações pessoais e tempo livre. Bolon (1997), refere que, se por um lado, indivíduos com empenhamento afectivo mais elevado apresentam mais comportamentos de cidadania organizacional com o simultâneo aumento de bem-estar resultante de uma moral mais elevada e da redução do stress (Meyer & Allen, 1997), indivíduos com um empenhamento normativo muito elevado revelam comportamentos de cidadania organizacional, assiduidade e desempenho mais baixos (Meyer, Paunonen, Gellatly, Goffin, & Jackson, 1989). Estes autores dizem ainda que o elevado empenhamento de continuidade revela correlações negativas com este tipo de comportamentos. Mathieu e Zajac (1990), argumentam que é provável que elevados níveis de empenhamento estejam mais associados com consequências positivas do que consequências negativas tanto para os empregados como para a organização. No entanto são de opinião que o elevado empenhamento organizacional pode levar a um aumento de stress na vida familiar dos indivíduos, estagnação na carreira e menos inovação e criatividade. Estes autores consideram que é preciso investigar para saber em que circunstâncias o empenhamento se pode tornar prejudicial.
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6. Síntese e reflexão A literatura revista neste artigo permite constatar que existe uma falta de consenso na definição do conceito de empenhamento organizacional. No entanto, comum às várias definições, é a visão de que o empenhamento organizacional é um estado ou uma ligação psicológica que une, identifica ou caracteriza a relação de um funcionário com a organização onde trabalha. Na literatura, a natureza dimensional do empenhamento suscita ainda controvérsias. Uns autores veem-no como um constructo unidimensional, outros, como multidimensional, não estando, qualquer uma destas formas de encarar o empenhamento, isenta de críticas. O modelo que mais tem sido investigado, mostrando semelhanças de resultados em estudos conduzidos dentro e fora da América do Norte, é o modelo de Allen e Meyer. Quando a literatura se refere ao empenhamento organizacional, observamos que é dada maior enfase ao empenhamento afectivo que, de acordo com Meyer e Herscovitch (2001), esta é a componente do empenhamento que tem consequências mais desejáveis para o comportamento organizacional. De um modo geral, os estudos revelam que o empenhamento organizacional, conduz a resultados positivos tanto para as organizações como para os indivíduos. A escolha do empenhamento organizacional para a elaboração deste trabalho deveu-se, essencialmente, à crescente importância que este tema assume para a Gestão de Recursos Humanos, que o vê como uma “arma” capaz de levar as organizações a tornarem-se mais competitivas. Mas, actualmente, com as constantes alterações a nível de mercado de trabalho, em que o conceito de emprego para toda a vida deu origem a novas formas de trabalho, pode até parecer incoerente estudar a questão do empenhamento organizacional, levando-nos mesmo a questionar se tem sentido continuar a analisá-lo. Cada vez mais se verifica um maior número de contratos de trabalho temporário ou a tempo parcial em detrimento dos contratos sem termo. Desta forma, o vínculo do indivíduo com a organização deixa de ser duradouro para passar a uma relação de trabalho transitória. Não se espera, assim, que as novas gerações, abarcadas por estas novas formas de vínculo laboral, se sintam empenhadas organizacionalmente ao mesmo nível que colaboradores com vínculo de trabalho efectivo. Face a esta nova conjuntura, considera-se que a tendência futura passará mais por investigar o empenhamento do trabalhador com a sua profissão ou carreira do que com a organização. Associado ao desfio dos gestores e das organizações em manter a sua força de trabalho empenhada, pode surgir a dificuldade de fazê-lo se, nesse mesmo espaço laboral, conviverem indivíduos de várias gerações. As diferenças geracionais, no que diz respeito ao conjunto das crenças, valores e prioridades de cada um, e a forma como essas características específicas do comportamento de cada geração podem influenciar o empenhamento organizacional, tem sido recentemente estudada.
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Consideramos, no entanto, que quando a nova geração entra no mercado de trabalho é fundamental que gestores e líderes percebam que cada geração tende a valorizar coisas diferentes. Devem, por isso, entender o seu perfil e perceber as expectativas desta nova força de trabalho de forma a criar uma relação que desenvolva o empenhamento destes novos indivíduos. Sem a noção de emprego para toda a vida, e dada a importância do empenhamento dos colaboradores para o sucesso organizacional, é necessário identificar quais as estratégias e práticas que permitem manter empenhados e motivados os colaboradores. Neste sentido parece-nos interessante investigar o efeito dos processos de socialização que permitam a integração e o envolvimento dos novos colaboradores logo desde o início; a influência de um ambiente de trabalho onde exista uma comunicação aberta entre todos os colaboradores; o contributo de formas de trabalho flexíveis que permitam a conciliação entre trabalho e vida profissional e a adopção de programas de formação e desenvolvimento adequados às necessidades individuais de cada colaborador. Estas são práticas que importa analisar e considerar, para conseguir o tão desejado empenhamento dos colaboradores da nova geração. Referências Bibliográficas Allen, N. J. & Meyer, J. P. (1990a). The measurement and antecedents of affective, continuance and normative commitment to the organization. Journal of Occupational Psychology, 63(1), 1-18. Allen, N. J. & Meyer, J. P. (1990b). Organizational socialization tactics: a longitudinal analysis of links to newcomers commitment and role orientation. Academy of Management Journal, 33(4), 847-859. Batman, T. S. & Strasser, S. (1984). A longitudinal analysis of the antecedents of organizational commitment. Academy of Management Journal, 27(1), 95-112. Becker, H. S. (1960). Notes on the concept of commitment. American Journal of Sociology, 66(1), 32-44. Bolon, D. (1997). Organizational citizenship behavior among hospital employees: A multidimensional analysis involving job satisfaction and organizational commitment. Hospital & Health Services Administration, 42(2), 221-241. Cansado, V. L., Moraes, L. F. & Silva, E. M. (2006). Comprometimento organizacional e práticas de gestão de recursos humanos: O caso da empresa XSA. Revista de Administração Mackenzie, 7(3), 11-37. Dunham, R. B., Grube, J. A. & Castañeda, M. B. (1994). Organizational commitment: the utility of an integrative definition. Journal of Applied Psychology, 79(3), 370380. Esteves, M. T. & Caetano, A. (2008). Práticas de Gestão de Recursos Humanos e atitudes e comportamentos de trabalho: Estudo de caso no sector bancário português. Tese de Doutoramento, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa.
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Comprometimento organizacional como determinante da voz: um estudo de mediação e moderação Ana Nascimento Sabino Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade Técnica de Lisboa José Luis Nascimento Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP-UTL) Universidade Técnica de Lisboa Albino Anjos Lopes Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP-UTL) Universidade Técnica de Lisboa
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Resumo: Pretendeu-se com o presente estudo verificar a influência de mediação que a satisfação com o trabalho e a lealdade exerciam na relação de determinação das três componentes do comprometimento organizacional sobre a voz. Com base no modelo proposto foi estudado a influência exercida pela componente normativa do comprometimento organizacional através do perfil Dever Moral e do perfil Obrigação por Dívida. Os resultados sugerem que a voz é determinada negativamente pela componente calculativa do comprometimento organizacional. Por outro lado a satisfação com o trabalho, quer a lealdade exerceram um papel mediador na relação de determinação do comprometimento organizacional na voz. Por fim, os perfis utilizados determinaram alterações nas relações entre as variáveis persentes no modelo. Foram discutidas as implicações desses resultados. Palavras-Chave: Comprometimento Organizacional; Voz; Satisfação com o Trabalho; Lealdade; Perfil Dever Moral; Perfil Obrigação por Dívida. Abstract: The current research had the aims to identify the mediation role performed by work satisfaction and loyalty in relationship from organizational commitment to voice. The final model was tested under the influence of normative organizational commitment component through the Moral Duty Profile and the Indebted Obligation Profile. The results suggested that the voice is mainly determined by the continuance organizational commitment. Moreover, the relationship of organizational commitment on voice was mediated by work satisfaction and the loyalty. Finally the model established changed under the influence of Moral Duty Profile and Indebted Obligation Profile. The findings and implications were discussed. Key-Words: Organizational Commitment; Voice; Work Satisfaction; Loyalty; Moral Duty Profile; Indebted Obligation Profile.
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1. Introdução O comprometimento organizacional tem ganho cada vez mais importância como potenciador dos processos organizacionais que consequentemente, permitirão criar um sentido de pertença nos colaboradores (Weick, 1992) e também como mecanismo de mudança organizacional, pelo que a mesma “... tem o potencial de minar o comprometimento do empregado, mas o comprometimento é essencial para o sucesso da implementação da mudança” (Meyer, 2009: 38). Por outro lado, as estratégias comportamentais, ou seja, o comportamento dos indivíduos quando se deparam com o declínio de satisfação com o trabalho, assumem uma relevância na compreensão da realidade organizacional. Destaca-se ainda o facto da conjuntura atual ser marcada por uma imprevisibilidade duradoura, o que origina a necessidade das organizações se tornarem sistemas mais flexíveis, capazes de fornecerem uma resposta imediata às necessidades em mutação. Tal conjuntura implica, do nosso ponto de vista, que a gestão da relação entre o comprometimento organizacional e as estratégias comportamentais seja pensada em ordem a fazer deles os pilares fundamentais para o sucesso. Tendo em conta estes pressupostos iniciais e o facto de não haver estudos que relacionassem esses constructos, Nascimento (2010) estudou o impacto do comprometimento organizacional (Meyer e Allen, 1991) nas estratégias comportamentais dos indivíduos (Farrel e Rusbult, 1983), tendo como variáveis mediadoras a satisfação com o trabalho e o comprometimento com os objetivos. Deste estudo, duas conclusões sobressaíram, dando, por sua vez, origem ao trabalho desenvolvido por Sabino (2011). A primeira das variáveis prende-se com o facto do comprometimento, que foi estudado segundo o Modelo das Três-Componentes de Meyer e Allen (1991), ser composto por três componentes – afetiva, calculativa e normativa – que não são mutuamente exclusivas. Os resultados apontam assim para uma nova linha de investigação relativa à análise conjunta das relações entre cada componente. São chamados os perfis de comprometimento, desenvolvidos por autores como Meyer e Hercovitch (2002), Gellatly (2006), Wasti (2005) e Meyer e Parfyonova (2011). A segunda conclusão diz respeito ao facto da Voz, enquanto estratégia comportamental, ser um constructo complexo e dinâmico, podendo existir mais que a voz teorizada no Modelo EVLN de Farrel e Rusbult (1983), ou seja, uma voz prósocial caracterizada pelo seu cariz ativo e construtivo. Lusíada. Economia & Empresa. Lisboa, n.º 16/2013
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Tendo como base o estudo de Nascimento (2010), Sabino (2011) realizou um estudo de perfis, tendo adotado a perspetiva de Meyer e Parfyonova (2011) que sugeriram a criação de dois perfis de comprometimento baseados na componente normativa: um primeiro, composto pela associação da componente normativa e afetiva, denominado de Dever Moral; e, um segundo, Obrigação Por Dívida, composto pela associação da componente normativa com a calculativa. Este estudo, procurou percecionar as diferenças na relação entre o comprometimento e a voz, mediado pela satisfação com o trabalho, em cada um destes perfis. Tal como esperado, verificou-se que existem diferenças no modelo, consoante os perfis, e que a voz é, sem dúvida, um constructo complexo que necessita de ser clarificado. Adicionalmente, tem-se vindo a debater o posicionamento da lealdade no âmbito das estratégias comportamentais (Dowding et al., 2000). O Modelo EVLN considera a lealdade como uma resposta à insatisfação, sendo caracterizada pelo seu carácter passivo e construtivo. No entanto, o próprio Hirschman (1970) percursor deste modelo, considerou também a possibilidade da lealdade ser uma atitude, situando-se assim como uma variável mediadora. O próprio autor destaca a complexidade deste constructo, alertando para a necessidade de lhe conceder uma ‘atenção especial’. Posto isto, o presente artigo tem como finalidade responder a duas questões de partida: em que medida é que as componentes do comprometimento organizacional, mediadas pela satisfação com o trabalho e pela lealdade, são determinantes da voz? E, se existem diferenças significativas, no modelo estabelecido, com a introdução de dois perfis de comprometimento baseados na componente normativa – dever moral e obrigação por dívida? Trata-se, assim, de um estudo que pretende avaliar tanto as relações de mediação da satisfação com o trabalho e da lealdade, como de um estudo das relações de moderação dos perfis de comprometimento no modelo de análise. Do ponto de vista teórico, adotou-se o Modelo das Três-Componentes de Meyer e Allen (1991) para o comprometimento organizacional. Relativamente aos perfis do comprometimento, adotou-se o estudo de Meyer e Parfyonova (2010). A voz é perspetivada como uma das estratégias comportamentais tipificadas no Modelo EVLN de Farrell e Rusbult (1983). A lealdade é vista como uma variável mediadora segundo Leck e Saunders (1992). Finalmente, para a satisfação com o trabalho, adotou-se o Modelo das Características da Função de Hackman e Oldham (1980). 2. Enquadramento Teórico 2.1. Comprometimento Organizacional O estudo do comprometimento organizacional tem sido desenvolvido por diversos autores sobre o pressuposto de que o indivíduo irá sofrer algum tipo 130
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de influência que determinará os seus comportamentos, quando inserido num determinado contexto social (Kelman, 1958). Um dos modelos de comprometimento mais utilizados, e que tem apresentado resultados mais consistentes (Rego e Souto, 2004), é o proposto por Meyer e Allen (1991 e 1997). Este modelo tem como base o facto de se identificar um processo de influência social, que resulta de uma relação de determinada natureza e intensidade entre um sujeito e uma entidade concreta. Esta relação poderá, assim, assumir um cariz afetivo, calculativo e normativo. Meyer e Allen (1991: 67) desenvolveram, efectivamente, o “Modelos das Três-Componentes do Comprometimento Organizacional” onde este constructo “...(a) caracteriza a relação do empregado com a organização, e (b) tem implicações na decisão de continuar membro da organização”. Pode ser entendido como um estado psicológico que determina se o indivíduo pretende, ou não, permanecer na organização, estabelecendo a ligação que o indivíduo tem com a mesma. É pois um modelo multidimensional, tendo sido identificadas três componentes: afetiva, calculativa e normativa. Estas componentes não são mutuamente exclusivas, podendo coexistir em simultâneo, com diferentes intensidades, formando assim os perfis do comprometimento, temática que será abordada no capítulo seguinte. A componente afetiva do comprometimento organizacional caracteriza-se através de num vínculo emocional e afetivo que se estabelece entre o indivíduo e a organização, sendo que o indivíduo irá permanecer na organização por vontade própria. Já a componente calculativa, refere-se a questões extrínsecas entre o indivíduo e a organização, ou seja, a permanência depende, fortemente, dos investimentos que o sujeito fez na organização. Neste caso, a decisão em continuar na organização deve-se a necessidades de ordem material. Finalmente, a componente normativa diz respeito ao sentimento de responsabilidade e dívida que o sujeito tem para com a organização, permanecendo nela devido a um sentimento de dever para com a mesma. 2.2. Perfis de Comprometimento Organizacional Tendo em conta que (i) estudos sobre o comprometimento têm demonstrado que cada componente reflete um estado psicológico com diferentes implicações no comportamento dos indivíduos, e (ii) as componentes do comprometimento não são mutuamente exclusivas, podendo coexistir, nos últimos anos têm surgido estudos relativos aos perfis de comprometimento, ou seja, estudos que visam analisar as relações entre as componentes do comprometimento, ao invés do estudo de cada componente separadamente. (Meyer e Hercovitch: 2002; Gellatly: 2006; Wasti: 2005; Meyer e Parfyonova: 2011). Neste âmbito, adotar-se-á o modelo de Meyer e Parfyonova (2010) que diz respeito ao modo como as componentes do comprometimento organizacional, identificadas no Modelo das Três-Componentes do Comprometimento (afetiva, calculativa e normativa), se relacionam entre si e com que intensidades. Os
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autores reconcetualizam a componente normativa, propondo dois perfis com base nesta componente. Neste âmbito, a componente normativa apresenta duas facetas (Meyer & Parfyonova, 2010: 284): por um lado, o dever moral (algo que se quer fazer); e, por outro, a obrigação por dívida (algo que se tem de fazer). Esta questão da dualidade do comprometimento normativo foi inicialmente abordada por Meyer e colaboradores (2006) com o desenvolvimento do Modelo do Processo Integrado da Identidade e do Comprometimento. Neste modelo, a componente normativa foi entendida enquanto valor (dever moral) e enquanto obrigação (obrigação por dívida). Tendo em conta esta premissa da dualidade da componente normativa, os autores propõem a criação de dois perfis. O primeiro perfil, denominado de Dever Moral, consiste na associação da componente normativa com a afetiva, e está associado a um elevado desejo em desenvolver comportamentos em benefício de determinado objetivo porque, moralmente, é a coisa certa a fazer. O segundo perfil, Obrigação por Dívida, caracteriza-se pela realização de ações em benefício de determinado objetivo, para evitar os custos sociais associados à ausência de tais ações. Este perfil é composto pela associação da componente normativa com a calculativa. 2.3. Satisfação com o Trabalho A satisfação com o trabalho tem sido uma variável amplamente estudada desde os Estudos de Hawthorne, de Elton Mayo, que vieram contrariar a Organização Científica do Trabalho, passando a ser percecionada, em grande parte, como uma variável dependente. Existem poucos estudos onde a satisfação com o trabalho é vista como um constructo específico, pelo que não tem havido consenso sobre a sua definição. (Lima, Vala & Monteiro, 1994: 101). Posto isto, é consensual que, na generalidade, este constructo pode ser visto como “… um estado emocional positivo ou de uma atitude positiva face ao trabalho ou às experiências em contexto de trabalho” (Lima et al., 1994: 110). Reflete assim, tanto uma avaliação pessoal das diferentes vertentes do trabalho, como uma avaliação global que determinará comportamentos organizacionais específicos. Pode-se concluir que a satisfação é “… uma reação afetiva a estados psicológicos determinados por características organizacionais e funcionais.” (Nascimento et al., 2010: 87), aparecendo, por isso, como um constructo mutável e dinâmico. Assim, optouse por adaptar o Modelo das Características da Função de Hackman e Oldham (1980). Neste modelo, a satisfação é explicada por fatores situacionais, sendo que as características da função vão determinar um estado psicológico do indivíduo. Trata-se, enfim, de um constructo unidimensional, devendo ser entendida como um resultado global que emerge da integração dos diferentes fatores, sejam eles intrínsecos ou extrínsecos.
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2.4. Modelo EVLN O estudo do comportamento dos indivíduos, quando se deparam com uma situação de insatisfação, foi inicialmente teorizado por Hirschman (1970) e, posteriormente, adaptado para o contexto organizacional, por Farrell (1983) e Rusbult et al. (1982). Este modelo assume extrema importância na medida em que, até à sua conceptualização, o modo como o indivíduo atua, quando se encontra perante uma situação de insatisfação, era estudado tendo em conta três variáveis dependentes – a saída, a intenção em sair e o absentismo. Estas variáveis dependentes tornavam o estudo dos comportamentos, face à insatisfação, limitado e reducionista. Além disso, perante a multicausalidade destas variáveis, tem-se identificado uma dificuldade adicional em operacionalizá-las (Dowding, John, Mergoupis e Vugt, 2000; Farrell e Petersen, 1982; Withey e Cooper, 1992). Hirschman (1970) desenvolveu um estudo com a finalidade de tipificar os comportamentos dos utilizadores de várias entidades (estatais, de gestão, militares, políticas entre outras) perante uma situação de perda de satisfação que, segundo o autor, resulta da deterioração da qualidade dos seus produtos/ serviços e, consequentemente, da eficácia e eficiência da organização. Tendo em consideração esta premissa inicial, quando se deparam com uma situação de insatisfação, o autor identificou duas reações iniciais: por um lado, o sujeito poderá optar pela saída e, por outro, poderá optar pelo exercício da voz. Nesta perspetiva, entende-se a saída como o términus da relação entre o indivíduo e a unidade social onde está integrado, ou como uma mera intenção de abandono. Quando a opção de saída não se coloca, o autor identifica outra alternativa que denominou de voz. Hirschman (1970: 4) considerou que “os clientes da firma ou os membros da organização expressam a sua insatisfação diretamente à gestão ou a outra autoridade à qual está subordinada a gestão ou através de um protesto geral dirigido a alguém que está preocupado em escutar...”. Consequentemente, a voz poderá ser entendida como a participação ativa e construtiva do indivíduo com vista à melhoria dos aspetos que provocam a insatisfação. Para tal, é necessário que o indivíduo tenha a capacidade de influenciar a organização e, também, que esta esteja recetiva a ser influenciada e a mudar. Hirschman (1970) identifica, assim, uma relação direta entre a voz e a saída, pois “a voz é a única forma pela qual clientes ou empregados insatisfeitos podem reagir sempre que a opção de saída não é viável” (Hirschman, 1970: 33). A relação seria inversa, ou seja, a voz tem tendência a aumentar à medida que as oportunidades de saída diminuem. O autor identifica, ainda, a estratégia de lealdade, não sendo claro quanto à sua interpretação; refere a este propósito, necessidade de proporcionar uma ‘atenção especial’ a este constructo. Por um lado, a lealdade poderá ser vista enquanto comportamento, ou seja, uma terceira estratégia caracterizada pela crença que a organização merece todo o esforço e dedicação do sujeito. Por outro lado, poderá ser entendida como uma atitude e, neste âmbito, é considerada
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como uma variável mediadora da relação que se estabelece entre a saída e a voz. A adaptação deste modelo para o contexto organizacional foi desenvolvida por Farrell e Rusbult (Farrell, 1983; Rusbult et al. 1982). Os autores propuseramse compreender as estratégias comportamentais que os colaboradores assumem perante uma situação de insatisfação no trabalho. Surge assim o Modelo EVLN em que identificaram quatro estratégias possíveis, e que podem ser caracterizadas mediantes duas dimensões: uma dimensão construtiva / destrutiva que visa determinar a natureza do impacto que se estabelece na relação; e outra dimensão ativa / passiva, que avalia o impacto do comportamento no problema.
Figura 1 - Modelo EVLN (Adaptado de Rusbult et al., 1988: 601.) Os autores introduziram uma nova variável ou seja, uma quarta estratégia alternativa: a negligência. Esta estratégia caracteriza-se como comportamentos destrutivos e passivos que atrofiam a relação com a organização. A lealdade, vista neste modelo como um comportamento, é interpretada como uma resposta construtiva e passiva. Ao nível das estratégias ativas, destacam-se as reações identificadas por Hirschman (1970). Enquanto estratégia construtiva, a voz, e enquanto estratégia destrutiva, a saída. O modelo EVLN tem sido o modelo de referência para o estudo do comportamento dos sujeitos perante situações de declínio da satisfação com o trabalho. No entanto, ressalve-se que os resultados têm sido contraditórios e pouco consistentes. Veja-se o caso da relação entre a lealdade e a voz que é positiva nos estudos de Leck e Saunders (1992) e Naus et al. (2007), sendo, porém, negativa, no estudo desenvolvido por Turnley e Feldman (1999), e não significativa, nos estudos de Rusbult et al. (1988) e Hagedoorn et al. (1999). Adicionalmente, têm sido levantadas algumas questões relativas a este modelo. Dowding et al. (2000) sistematizam esta questão, sendo neste âmbito de ressalvar duas críticas que o presente artigo pretende focar com mais rigor. A primeira crítica refere-se à voz. Esta estratégia é caracterizada pelo seu carácter pró-social, ou seja, é ativa e construtiva. No entanto, poderá, igualmente, assumir um cariz mais defensivo ou até mesmo destrutivo. (e.g. Graham e Keeley, 1992 e Hagedoorn at al., 1999). Existe, assim, a possibilidade deste constructo
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assumir um cariz multidimensional. A segunda questão prende-se com a lealdade. De notar que esta é a estratégia menos consensual, existindo, assim, uma panóplia de artigos que visam percecionar com mais rigor este constructo. A grande questão que lhe está associada é o facto de Hirschman (1970) se referir à lealdade, por vezes, como um comportamento e outras vezes como uma atitude. O modelo EVLN assume que a lealdade é um comportamento e, neste sentido, pode ser interpretada como a terceira estratégia, de cariz passivo e construtivo. No entanto, outros autores, nomeadamente Leck e Saunders (1992), consideram que a lealdade é uma atitude e, por isso, caracterizam-na como uma variável mediadora. Note-se que as duas perspetivas parecem estar corretas (Leck e Saunders, 1992); seriam apenas diferentes formas de interpretar este constructo. Nesta segunda corrente, em que a lealdade é vista enquanto mediadora da relação entre a saída e a voz, os autores defendem que este constructo irá promover o exercício da voz e suprimir a opção de saída. Neste sentido, numa situação de insatisfação com o trabalho, colaboradores leais têm maior tendência para participar ativa e construtivamente nas decisões da organização e menor tendência para terminaram a relação que estabelecem com essa mesma organização. 3. Modelo de Análise e Hipóteses Tendo como base a revisão de literatura, bem como os resultados obtidos nos estudos de Nascimento (2010) e Sabino (2011), importa definir os três objetivos específicos deste estudo que se passam a descrever: • Testar em que medida as componentes do comprometimento organizacional são determinantes da estratégia comportamental denominada por voz; • Testar as relações de mediação da satisfação com o trabalho e da lealdade na relação entre as componentes do comprometimento organizacional e a voz; • Avaliar em que medida os perfis de comprometimento baseados na componente normativa – dever moral e obrigação por dívida – influenciam as relações que se estabelecem no modelo de análise. Posto isto, apresenta-se de seguida o modelo estrutural proposto:
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Figura 2: Modelo Proposto Como é possível verificar, as três componentes do comprometimento organizacional são vistas como variáveis antecedentes da voz, relação que seria mediada, por um lado, pela satisfação com o trabalho e, por outro, pela lealdade. Tendo como referência estes três objetivos, foram definidas hipóteses gerais que podem ser dividias em sub-hipóteses. O primeiro grupo de hipóteses gerais refere-se à antecedência das três componentes do comprometimento organizacional com a voz. Seguem-se as hipóteses que relacionam as componentes do comprometimento com as variáveis mediadoras – a satisfação com o trabalho e a lealdade. De seguida, cada variável mediadora é vista também como antecedente da voz. Refira-se, também, as hipóteses onde é verificada a relação de mediação, tanto da satisfação com o trabalho como da lealdade, na relação que se estabelece entre as componentes do comprometimento organizacional e a voz. Finalmente, importa hipotetizar as relações de moderação. Inicialmente, verificando as diferenças no modelo proposto com um perfil “dever moral” e um perfil “obrigação por dívida” e, seguidamente, estudando as influências de cada perfil nas várias relações que se verificam no modelo proposto. De ressalvar que se optou por não incluir o estudo da relação entre a satisfação e a lealdade, na medida em que essa relação não se enquadrava nos objetivos do presente estudo. 4. Metodologia Adotou-se exclusivamente uma metodologia quantitativa, tendo sido utilizada a técnica do inquérito por questionário. Com uma taxa de respostas
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de 38%, a amostra era composta por 660 participantes, originários de 16 empresas, que atuam em diferentes sectores de atividade. Trata-se pois de uma amostra com características muito diversificadas. Para a participação no estudo, os participantes deveriam preencher três critérios de aceitabilidade: serem trabalhadores de empresas, terem um contrato de trabalho efetivo e uma antiguidade de, pelo menos, 1 ano. 4.1 Caracterização da amostra Destacam-se, entretanto, alguns aspetos sócio-demográficos e funcionais da amostra: 60,7 % são participantes são do sexo masculino e 39,3 % do sexo feminino; em média, os participantes têm 37,7 anos, com um desvio-padrão de 8 anos; ao nível das habilitações literárias, os participantes têm, fundamentalmente, o ensino superior (49,5%), seguido pelo ensino secundário (22,5%) e, finalmente, o ensino básico (13,5%). Funcionalmente, a amostra é caracterizada pela sua componente técnica, visto 30,1% dos participantes trabalharem em áreas desta natureza e 25% assumirem funções de técnicos especialistas. Ao nível de posições de chefia, ressalve-se que 38% dos respondentes assumem tais responsabilidades. 4.2 Instrumentos de medida Relativamente aos instrumentos de medida, foram utilizados os questionários de Nascimento (2010), na realização do seu estudo. No caso do comprometimento organizacional, e tendo em conta que se adaptou o Modelo das Três Componentes de Meyer e Allen (1991), foram utilizados os itens propostos pelos autores para cada componente. Assim, a escala final é constituída por três sub-escalas, cada uma associada a uma componente do comprometimento. A escala para a componente afetiva é constituída por seis itens, três dos quais invertidos, sendo o Alfa de Cronbach de 0,83. Já a escala para a componente calculativa, esta é constituída por sete itens, nenhum invertido, e com Alfa de Cronbach de 0,79. Finalmente, a escala para a componente normativa é constituída por seis itens, um dos quais invertido, sendo o Alfa de Cronbach de 0,82. No caso da satisfação com o trabalho a escala utilizada está incluída no Questionário de Diagnóstico de Função (JDS) de Hackman e Oldham (1980). A escala final é constituída por cinco itens, dos quais, dois estão invertidos. Ao nível da fiabilidade, refira-se que o Alfa de Cronbach é de 0,78. Dada a inconsistência dos resultados obtidos em estudos relativos às estratégias comportamentais (Nascimento, 2010), nomeadamente ao nível dos Alfa de Cronbach das escalas sugeridas pelos autores, no respeitante à voz e à lealdade, Nascimento (2010) optou por criar uma escala para estes dois constructos, tendo como base escalas utilizadas até então. Assim, a escala final
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para a voz é constituída por dez itens, três dos quais invertidos. O Alfa de Cronbach da escala é aceitável, sendo de 0.84 (Nascimento, 2010). No caso da lealdade, a escala final é composta por nove itens, com um invertido, e com um Alfa de Cronbach de 0,76 (Nascimento, 2010) Ao nível das escalas de resposta, utilizaram-se escalas de tipo Likert. Para o comprometimento organizacional e para a satisfação com o trabalho a escala era de 7 pontos, enquanto para a voz, e para a lealdade, era de 5 pontos, onde (1) corresponde a “Discordo Totalmente” e (7) ou (5) corresponde a “Concordo Totalmente”. 5. Resultados Numa fase inicial foi realizada uma análise descritiva onde se destacam as médias, desvio-padrão e correlações das variáveis latentes. Apresenta-se, de seguida, a tabela representativa destas estatísticas.
Tabela 1 – Média, Desvio-Padrão e Correlações das variáveis latentes Pela análise da tabela acima apresentada, numa primeira fase importa ressalvar a discrepância ao nível das médias das três componentes do comprometimento. A componente afetiva apresenta, assim, uma média bastante superior às outras duas. Quer isto dizer que, esta amostra caracteriza-se mais pela ligação emocional que os participantes estabelecem com as organizações, sendo inferior a relação custos/beneficio, bem como o dever de responsabilidade que sentem e que os faz não abandonar a organização. No entanto, verificase que na componente normativa, o desvio-padrão é superior, denotando-se assim uma maior discrepância nas opiniões dos participantes. Relativamente à satisfação, os participantes apresentam uma média elevada, de 4,41, mas com um desvio padrão superior a um ponto, revelando a ausência de uma tendência clara e inequívoca para a satisfação da amostra. Os resultados médios da voz e da lealdade (2,93 e 2,81, respetivamente) apresentam valores semelhantes, podendo concluir-se que os participantes da amostra tendem a optar por não
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participarem ativa e construtivamente (voz), não sendo, igualmente, leais para com as organizações que representam. Relativamente às correlações, ressalve-se que estes dados preliminares começam a apontar para os resultados que se obterão com as análises seguintes, nomeadamente a AFC onde se obterá o modelo final proposto. A este nível, destaque-se então a formação dos perfis de comprometimento. Verifica-se que existe uma boa correlação entre a componente afetiva e normativa (0,62), e entre a componente calculativa e normativa (0,51). A correlação entre a componente afetiva e calculativa é baixa (0,27), o que vai ao encontro da literatura, não existindo nenhum perfil composto pela associação destas duas componentes. Aponte-se também para as altas correlações entre a lealdade e a componente afetiva (0,80), a componente normativa (0,69), a voz (0,61) e a satisfação (0,63). A correlação com a componente calculativa é substancialmente mais baixa (0,39). Seguidamente procedeu-se a uma AFE e AFC tendo-se obtido o modelo final proposto, e que se passa a apresentar.
Figura 3 – Modelo Estrutural Final Como é possível verificar, o modelo estrutural final apresenta uma bondade de ajustamento aceitável. Optou-se por restringir a análise a um número limitado, no entanto representativo, de indicadores de bondade de ajustamento. Salientese apenas que a medida cujo resultado está abaixo do desejável (GFI=0,84 quando desejável GFI>0,90) tem sido alvo de contestação por diversos autores (Hair et al, 2006) na medida em que este indicador tem tendência a ser mais baixo com o aumento da complexidade do modelo, como referem Hair et al. (2006: 751) “… o problema de uma punição injusta dos modelos com mais variáveis observáveis por constructo latente…”. Apesar de no modelo se verificarem relações não significativas, optou-se por mantê-las dado que, aquando da análise das relações de moderação dos perfis de comprometimento, será relevante percecionar se se assistem a diferenças
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significativas nessas mesmas relações. No respeitante à caracterização do modelo proposto final importa salientar alguns aspetos que se destacam. Em primeiro lugar, refira-se a relação significativa que se assiste entre a componente afetiva e normativa (0,62) e entre a componente calculativa e normativa (0,51) que sugere mais uma vez a possibilidade em constituírem-se por perfis de comprometimento, aspeto que já tinha sido abordado aquando da apresentação das correlações. Em segundo lugar, ressalve-se um resultado que não era esperado, sendo até contraditório com os resultados obtidos por Nascimento (2010) e Sabino (2011). Apesar de se verificar uma correlação alta (0,55) no modelo, a componente afetiva não é determinante da voz (0.04). Verifica-se também que a componente normativa não determina a voz (-0,06); no entanto, este resultado vai de encontro aos estudos anteriores apesar da correlação entre estas duas variáveis ser de 0,35. Desta forma, ao nível das componentes do comprometimento organizacional, conclui-se assim que é a componente calculativa que determina significativa e negativamente a voz (-0,29). Não obstante, ao nível da análise preliminar das correlações, verifica-se que é nula (-0,01). No que diz respeito à satisfação com o trabalho, este constructo é determinado positivamente pelas três componentes, nomeadamente pela componente afetiva (0,58), sendo também determinante da voz (0,20). Finalmente, a lealdade também é maioritariamente determinada pela componente afetiva (0,61), não se verificando uma relação significativa entre a componente calculativa e a lealdade (0,04). Ora é, precisamente, este constructo que se revela como determinante da voz, sendo esta relação significativa e positiva (0,61). 5.1 Relações de mediação A análise de relações de mediação tem assumido maior importância na compreensão dos fenómenos sociais e psicológicos, visto permitir um melhor entendimento das relações entre duas variáveis através de um, ou mais, mediadores. Estes são entendidos como variáveis que explicam uma sequência causal de outras duas variáveis (MacKinnon, Fairchild & Fritz, 2007). Neste caso, tendo como mediadores a satisfação com o trabalho e a lealdade, optou-se por utilizar o Z´ proposto por MacKinnon, Lockwood, Hoffman, West e Sheets (2002). Esta estatística é reapresentada através da seguinte fórmula: Z´ = α * β / √ (α² * σβ² + β² * σα²) sendo que a hipótese nula refere-se à inexistência de efeitos indiretos (H0: Z´=0). O valor crítico, para um nível de significância de 0,05 é de 0,97 (MacKinnon et al, 2002). Posto isto, apresenta-se de seguida um quadro com a sistematização dos resultados do Z’ de MacKinnon et al (2002).
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Tabela 2 – Relações de Mediação (Z’ de MacKinnon et al, 2002) Conclui-se que, tanto a satisfação com o trabalho como a lealdade são variáveis mediadoras da relação entre o comprometimento organizacional e a voz. Note-se no entanto que a relação de mediação da lealdade na relação entre a componente calculativa e a voz está no limiar da significância. 5.2 Relações de Moderação Pretende-se nesta fase avaliar em que medida o modelo estrutural reage com a introdução dos dois perfis de comprometimento – dever moral e obrigação por dívida. Para tal, foi realizada uma análise multigrupos, visto esta técnica ter como principal finalidade “… avaliar se a estrutura do modelo de medida e / ou do modelo estrutural é equivalente (invariante) em diferentes grupos ou populações com características diferentes” (Maroco, 2007: 275). Verificou-se assim se existem diferenças significativas no modelo proposto quando se está perante um perfil de dever moral ou um perfil de obrigação por dívida. Os resultados apontam para a variância da matriz gama e beta, sendo a hipótese nula rejeitada. Verifica-se assim que, de fato, existem diferenças significativas nos dois grupos, ou seja, o modelo difere quando se está perante um perfil dever moral ou um perfil obrigação por dívida. Resta percecionar de que forma se registam essas diferenças, ou seja, quais são as relações onde se alteram com a introdução da moderação de cada um dos perfis sugeridos. Apresenta-se de seguida um quadro resumo com as estimativas do modelo final e do modelo com a moderação de cada perfil.
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Tabela 3 – Relações de Moderação Da análise da tabela acima apresentada importa analisar alguns resultados. O primeiro prende-se com a componente afetiva que sofre uma alteração com a introdução dos dois perfis. De facto, a relação entre esta componente e a voz passa a ser significativa e positiva, tanto num perfil dever moral (0,24) como num perfil obrigação por dívida (0,35). Este último resultado não era esperado na medida em que o perfil obrigação por dívida não é constituído por esta componente. Assim, o facto de esta relação ser mais significativa neste perfil é, pois, um resultado paradoxal. Ainda em relação a esta componente do comprometimento organizacional, refira-se que, com a introdução destes perfis, as relações com as variáveis mediadoras continuam significativas, perdendo no entanto alguma significância, nomeadamente, no perfil obrigação por dívida. Relativamente à relação entre a componente calculativa e a voz, os resultados apontam para uma influência diminuta dos dois perfis, verificandose, no entanto, que esta relação perde alguma significância no perfil obrigação por dívida, o que não é esperado, visto esta componente ser compósita deste perfil. No caso da relação desta componente com as variáveis mediadoras, há que destacar o facto de que, com a introdução do perfil dever moral, a relação com a satisfação deixa de ser significativa, aumentando a sua significância no perfil obrigação por dívida, o que era esperado. O mesmo não acontece na relação com a lealdade visto aumentar a sua significância nos dois perfis. No respeitante à componente normativa, que é comum aos dois perfis, ressalve-se que a introdução dos mesmos não vai alterar substancialmente as relações com a voz, com a satisfação com o trabalho e com a lealdade.
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Finalmente, há que salientar as alterações sentidas na relação entre a satisfação e a voz e entre a lealdade e a voz. Nos dois casos, denota-se uma perda de significância relativamente aos dois perfis, sendo essa perda mais sentida no perfil dever moral, na relação entre a satisfação e a voz, e no perfil obrigação por dívida, na relação entre a lealdade e a voz. 6. Conclusões O presente artigo teve como finalidade responder a um conjunto de questões relativas à relação entre as componentes do comprometimento organizacional e a voz, relação mediada pela satisfação com o trabalho e pela lealdade. Adicionalmente, procurou-se também avaliar em que medida se verificavam diferenças significativas no modelo com a introdução de dois perfis de comprometimento baseados na componente normativa e propostos por Meyer e Parfyonova (2010). Trata-se assim de um artigo que salienta uma diversidade de aspetos que se tem verificado serem fulcrais para um melhor entendimento da realidade organizacional atual, marcada pela crescente imprevisibilidade, necessidade de flexibilidade e pela crise. Destaca-se assim o fato de, neste contexto, a lealdade ser entendida como uma atitude e não como um comportamento, sendo vista como um mediador do comportamento dos indivíduos quando estes se deparam com o declínio da satisfação com o trabalho. A intenção em estudar este constructo, segundo tal pressuposto, não sendo a abordagem tradicional, prende-se com a necessidade de compreender com maior exatidão esta abordagem, já estudada por diversos autores como Leck e Saunders (1992), Dowding et al (2000) e outros. Por outro lado, é cada vez mais consensual que o indivíduo experiencia ao mesmo tempo diferentes naturezas do comprometimento organizacional e, neste sentido, a abordagem a este constructo, segundo a construção de perfis de comprometimento, torna-se cada vez mais consensual para uma melhor compreensão das realidades em estudo. Posto isto, importa nesta fase descrever quais as principais conclusões do estudo e implicações práticas. Antes de mais ressalve-se que esta amostra, muito diversificada ao nível dos sectores de atividade, carateriza-se fundamentalmente pelos seus participantes terem mais uma relação emocional às organizações que representam, não sendo definido com clareza o seu grau de satisfação, não serem leais à organização e de uma forma geral, não participarem proactivamente. Relativamente ao modelo proposto, destaque-se o fato de ser a componente calculativa que mais determina, negativamente, a voz. Já a componente afetiva e normativa não determinam esta estratégia comportamental. O resultado relativo à componente afetiva não era de todo esperado na medida em que os resultados de estudos anteriores (Nascimento, 2010; Sabino, 2011) são contraditórios. Quer isto dizer que esta estratégia comportamental, caracterizada
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por comportamentos ativos e construtivos, surge não segundo a relação de cariz emocional que o individuo cria com a organização, não com o sentido de dever e de responsabilidade, mas sim através da análise da relação custo / beneficio em permanecer na organização. Assim, à medida que uma aumenta, a outra diminui. De salientar também que tanto a satisfação com o trabalho como a lealdade são mediadoras da relação entre o comprometimento organizacional e a voz. Pode-se pois concluir que são constructos integrativos, podendo esta relação ser explicada através destes dois mediadores. Adicionalmente, conclui-se também que a lealdade, pode ser vista não só como um comportamento – modelo tradicional EVLN de Farrel e Rusbult (1983) – mas também como uma atitude, ou seja, como um mediador de comportamentos, como defendem outros autores, nomeadamente Leck e Saunders (1992). Ao nível das relações de moderação, conclui-se que existem diferenças significativas com a introdução dos dois perfis de comprometimento baseados na componente normativa - dever moral e de obrigação por dívida. No entanto, importa também salientar algumas relações, cujo resultado não era esperado. O primeiro diz respeito à relação entre a componente calculativa e a voz que, apesar de continuar significativa, perde importância no perfil obrigação por dívida e aumenta de significância no perfil dever moral. Este resultado não é esperado na medida em que esta componente é compósita do perfil obrigação por dívida, devendo assim aumentar a significância nesse perfil e não no perfil que não se caracteriza por esta relação de fazer porque é necessário. A mesma tendência se verifica quando se avalia a relação da componente afetiva com a voz, tornando-se mais significativa no perfil obrigação por dívida quando esta componente faz parte do perfil dever moral. Finalmente, de ressalvar que, apesar da componente normativa ser o elemento comum dos dois perfis, não se verificam diferenças significativas na relação da componente normativa e a voz, com a introdução dos dois perfis. 7. Limitações e Estudos Futuros O presente trabalho apresenta algumas limitações que importa descrever, propondo-se também estudos futuros e alternativos que as resolvam, melhorando assim a qualidade da investigação realizada neste âmbito científico. A primeira limitação que urge salientar prende-se com a amostra utilizada. Dadas algumas limitações no respeitante ao acesso à informação, foi necessário recorrer a uma amostra de conveniência que se caracteriza fundamentalmente pela sua grande diversidade ao nível dos sectores de atividade dos participantes. Propõem-se assim que, em próximos estudos, se tenham em conta amostras com características diferenciadas, por exemplo ao nível sectorial. Questiona-se se o modelo varia consoante o sector de atividade. Perante uma amostra mais homogénea quais as principais diferenças.
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Seguidamente, o facto de se ter utilizado apenas uma metodologia quantitativa apresenta-se também como uma limitação da presente investigação. A utilização de uma metodologia mista, através da introdução de técnicas de cariz qualitativo, poderá melhorar a qualidade do estudo, podendo a informação obtida através destas técnicas responder a questões que a metodologia quantitativa não responde. Importa também sugerir aqui alguns estudos futuros como compreender a evolução dos comportamentos aqui estudados numa ótica longitudinal, nomeadamente tendo em conta a conjuntura económica, política e social que se vive atualmente em Portugal. A questão já aqui abordada, do entendimento da lealdade merece uma maior atenção. Como foi aqui apresentado, desde de Hirschman (1970) que a interpretação da lealdade não é consensual. Alguns autores como Farrel e Rusbult (1982, 1983, 1989) entendem-na como um comportamento sendo uma das quatro estratégias comportamentais, outros como Leck e Saunders (1992) consideram que a lealdade deverá ser entendida como uma atitude, ou seja, um mediador de comportamentos. A presente investigação insere-se na segunda abordagem, não deixando de salientar que é a primeira perspetiva que está mais estabelecida no meio científico. Posto isto, o estudo da lealdade e a sua conceptualização assume uma importância crescente para que se estabeleça mais consenso em torno desta questão. De notar também que a voz, neste contexto, é vista como uma estratégia que se caracteriza por um conjunto de comportamentos ativos e construtivos. No entanto, investigações mais recentes (Hagedoorn et al, 1999; Dyne et al, 2003) sugerem a existência de outras vozes, nomeadamente defensivas e agressivas. Outros (Kolarska & Aldich, 1980; Dyne et al, 2003) consideram também a importância em interpretar o silêncio e que este não é apenas a ausência da voz. Propõe-se então a realização de um estudo que tenha como finalidade a reconceptualização da voz, podendo-se também avaliar quais as diferenças que se sentem no modelo da presente investigação consoante o tipo de voz – se é prósocial, defensiva, agressiva ou outra. Finalmente, como já foi aqui referido, dado que o indivíduo experiencia múltiplas naturezas de comprometimento, sugere-se a realização de um estudo dedicado exclusivamente aos perfis de comprometimento organizacional e a sua influência nos comportamentos presentes nas organizações. 8. Reflexão Final A relação entre o comprometimento organizacional e a voz, enquanto resposta pró-social ao declínio da satisfação com o trabalho, tem assumido uma importância crescente, nomeadamente, como suporte à resposta das organizações no contexto atual.
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O presente artigo teve como finalidade fornecer mais informação a este nível para que as organizações possam tomar opções que melhorem a articulação das práticas de Gestão de Recursos Humanos, nomeadamente ao nível da gestão de compensações, dos afetos do contrato psicológico e da lealdade em contexto organizacional. Levanta-se assim a questão da importância da confiança e qual o seu papel nestas conjunturas. Bibliografia Dowding, K., John, P., Mergoupis, T., e Vugt, V. (2000). Exit, voice and loyalty: Analytic and empirical developments. European Journal of Political Research, 37, 469-495. Farrell, D. (1983). Exit, voice, loyalty, and neglect as responses to job satisfaction: A multidimensional scaling study. Academy of Management Journal, 26 (4), 596607. Farrell, D., e Petersen, J. C. (1982). Patterns of political behavior in organizations. Academy of Management Review, 7 (3), 403-412. Farrell, D., e Petersen, J. C. (1984). Commitment, absenteeism and turnover of new employees: A longitudinal study. Human Relations, 37, 681-692. Farrell, D., e Rusbult, C. E. (1981). Exchange variables as predictors of job satisfaction, job commitment and turnover: The impact of rewards, cost, alternatives and investiments. Organizational Behavior and Human Performance, 27, 78-95. Farrell, D., e Rusbult, C. E. (1992). Exploring the exit, voice loyalty, and neglect typology: The influence of job satisfaction, quality of alternatives, and investment size. Employee Responsibilities and Rights Journal, 5 (3), 201-218. Gellaty, I. R., Meer, J.P., e Luchak, A. A. (2006). Combined effects of the three commitment components on focal and discretionary behaviors: A test of Meyer an Herscovitch’s propositions. Journal of Vocational Behavior, 69, 331-345 Graham, J. W. e Keeley, M. (1992) Hirschman’s loyalty construct. Employee Responsibilities and Rights Journal. 5(3), 191-200 Hackman, J. R. e Oldham, G. R. (1975) Development of the job diagnostic survey. Journal of Applied Psychology, 60, 159-170 Hackman, J. R. e Oldham, G. R. (1980) Work Redesign. Reading, Massachusetts, US: Addison-Wesley Hagedoorn, M., Yperen, N. W., Vliert, E., e Buunk, B. P. (1999). Employee’s reactions to problematic events: a circumplex structure of five categories of response, and the role of job satisfaction. Journal of Organizational Behavior, 20, 309-321 Hair, J. F., Black, B., Babin, B. J., Andreson, R. E. e Tatham, R. L. (2006). Multivariate data analysis (6th ed.). Englewood Cliffs, USA: Prentice-Hall
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Vários
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Resumo: O presente artigo pretende analisar as perspectivas da economia portuguesa, no quadro da economia internacional, atendendo às questões com que se confronta a economia europeia, à evolução previsível das Novas Economias Emergentes, às mais recentes contribuições teóricas sobre os factores explicativos da competição empresarial e, ainda, às diferentes teorias da internacionalização. Procura-se sintonizar não apenas as principais variáveis explicativas do crescimento da economia portuguesa, como também definir uma estratégia consistente de internacionalização, tendo em vista assegurar uma competitividade acrescida das nossas estruturas produtivas e das nossas competências. Palavras-chave: competição; estratégia; internacionalização. Abstract The aim of this article is to analyse the Portuguese economy perspectives in the ambit of the international economy, considering the issues European economy is actually facing, the possible evolution of the New Emerging Economies, the most recent theoretical contributions on the entrepreneurial competition explanatory issues as, well as the different theories of internationalization. There is the need to align with the main explanatory variables of the Portuguese economy growth as well as to define a consistent strategy for internationalization, in order to assure an added competition of our productive structures and of our competences. Key-words: competition; strategy; internationalization.
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Da Economia Portuguesa no contexto internacional, pp. 151-176
1. Do objecto Pretende-se analisar as perspectivas da economia portuguesa, no quadro da economia internacional, procurando-se atender às questões com que se defronta a economia europeia, à evolução previsível das Novas Economias Emergentes, ao conjunto dos factores explicativos da competição empresarial (tendo-se, nomeadamente, em linha de conta as vantagens competitivas dinâmicas) e o que se convencionou designar de distância / proximidade cultural e psicológica entre Portugal e diferentes regiões do Mundo. Procurar-se-á, ainda, ter presente a indispensabilidade de sintonização das diversas variáveis explicativas do crescimento da economia portuguesa30, apontando-se para a formulação de uma estratégia de internacionalização consistente que permita assegurar uma maior competitividade das nossas estruturas produtivas e das nossas competências. Começaremos por falar nas questões que se colocam à UE para, de seguida, analisarmos as contribuições teóricas de Michael Porter e de Joan Maguetta no atinente às estratégias competitivas. Passaremos, depois, ao estudo dos factores culturais do desenvolvimento e, por conseguinte, à relevância da distância / proximidade cultural e psicológica nos processos de internacionalização. Continuaremos a nossa abordagem holística com a análise da evolução da nossa Balança de Pagamentos e bem assim da aplicabilidade à economia portuguesa de um “export led growth model”. Finalizaremos com a formulação de algumas propostas para a implementação de um modelo de desenvolvimento consistente para a economia portuguesa, de forma articulada com a adopção de medidas conducentes à concretização de uma estratégia de internacionalização de sucesso.
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SOUSA, António Rebelo de in “Das Variáveis Explicativas do Crescimento da Economia Portuguesa”, Lusíada. Economia & Empresa, 2006.
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2. Da economia europeia. Uma primeira grande questão com que se defronta a Europa tem que ver com a forma como a “responsabilidade partilhada pode servir de força motriz para impulsionar a mudança em todo o território da U.E., criando os alicerces para o relançamento do crescimento e a criação do emprego31. No decurso de 2012, estima-se ter havido uma contração do PIB da ordem dos 0,3% para o conjunto da UE e de 0,4% para a área do euro32, sendo certo que, no entendimento da Comissão europeia, “os instrumentos da política orçamental e monetária foram utilizados em grande escala”, afectando o espaço de manobra, constituindo as reformas estruturais um factor essencial do incremento da competitividade da economia europeia33. Importa reconhecer que diversas medidas foram adoptadas no quadro europeu, tendo em vista a superação da presente situação de crise, a saber: - a criação de um Fundo Europeu de Estabilização Financeira e de um Mecanismo Europeu de Estabilização; - a adopção de um Pacto de Crescimento e Emprego pelos Chefes de Estado e de Governo no Conselho Europeu de Junho de 2012; - a definição de novas regras, destinadas a reforçar a governação económica, nomeadamente, na área do euro (Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação); - o desencadeamento de medidas de intervenção pelo BCE – Banco Central Europeu. Por outro lado, a Comissão Europeia tem vindo a considerar que se apresenta da maior relevância o estabelecimento de um Acordo Geral sobre o Quadro Financeiro Plurianual da UE (2014-2020), bem como a adopção de medidas tendentes ao reforço da União Económica e Monetária (muito embora se esteja, ainda, longe de um mais adequado aprofundamento desta questão). No atinente à problemática do crescimento da economia europeia, pretendese definir prioridades e orientações gerais até Março do corrente ano, admitindo-se que os Estados Membros venham a apresentar programas nacionais atualizados até meados de Abril de 2013. Na sequência da elaboração dos sobreditos programas nacionais, a Comissão Europeia deverá proceder à apresentação de recomendações específicas país a país. Sem prejuízo do que se disse anteriormente, para a Comissão Europeia as prioridades dos esforços a desenvolver, no quadro da U.E., deverão ser, em
Comissão Europeia – Comunicação – “Análise Anual do Crescimento”, Bruxelas, 2013, pag. 1. Vide “Europe 2020 – Towards a smarter, greener and more inclusive EU economy?”, Eurostat Statistics, 39 / 2012. 33 Comissão Europeia – Ob. Cit., pag. 2. 31 32
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princípio, as seguintes34: - o prosseguimento da consolidação orçamental diferenciada; - o restabelecimento de condições propiciadoras de uma expansão do crédito à economia; - a promoção do crescimento e da competitividade; - a redução do desemprego e a minimização das consequências sociais da crise; - a modernização da Administração Pública35. 2.1. Da consolidação orçamental diferenciada. Prevê-se um “pico” (valor máximo) da Dívida Pública superior a 94% do PIB agregado para a área do euro, em 2013, bem como para o conjunto da U.E., em 2014. Muito embora se admita que as despesas públicas venham a diminuir em 2 p.p. do PIB e que as receitas (em termos agregados) venham a aumentar em 1,3 pp, para o conjunto da área do euro, continua a apresentar-se premente uma reestruturação das Finanças Públicas que permita assegurar a sustentabilidade dos Sistemas de Segurança Social e, de um modo geral, dos serviços públicos, ultrapassando-se, simultaneamente, a crise da Dívida Soberana de diversos Estados Membros, o que possibilitará reduzir custos de refinanciamento, a prazo. Alguns autores têm vindo a interpretar o Pacto Orçamental no pressuposto de que lhe está subjacente a teoria segundo a qual a redução da despesa produz, automaticamente, um efeito benéfico no défice orçamental, contribuindo para uma imagem diferente do Estado e, por conseguinte, para que o mesmo possa regressar aos mercados, melhorando as condições de financiamento da Dívida Soberana. Uma vez solucionada a questão das Finanças Públicas, estariam, desde logo, criadas as condições para um incremento substancial do investimento alógeno, aumentando o nível de atividade económica e diminuindo o desemprego. Esta construção teórica, muito embora não esteja isenta de virtualidades, apresenta algumas limitações, uma vez que assenta, em larga medida, numa análise ceteris paribus. Melhor dizendo, a aplicação de uma política de austeridade provoca, também ela, efeitos recessivos na economia, os quais poderão dificultar, por sua vez, a própria consolidação das Contas Públicas, uma vez que importa ter em conta os efeitos induzidos nas receitas. Por outro lado, importa, em qualquer caso, evitar uma espiral recessiva, a qual levará, necessariamente, a uma crescente instabilidade social e política. Daí que as políticas de consolidação orçamental devam ser, concomitantemente, acompanhadas da implementação de um programa de relançamento da economia 34 35
Comissão Europeia – Ob. Cit., pag. 3. A este propósito, convirá entender o conceito de modernização como englobando, também, a eventual introdução de reformas no que se convencionou designar de Estado Providência.
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e de combate ao desemprego. A Comissão Europeia manifesta, ainda, duas preocupações relevantes que importa salientar, a saber36: - a necessidade de realização de investimentos na educação, na investigação, na inovação e na energia, “áreas de intervenção” que deverão ser consideradas prioritárias; - a indispensabilidade de se apostar na modernização dos sistemas de proteção social, procurando-se assegurar a sua eficácia, a sua adequação às realidades existentes e a sua sustentabilidade. Paralelamente, outras recomendações têm sido formuladas, com destaque para as seguintes: - redução, a prazo, da carga fiscal sobre o factor produtivo trabalho nas economias em que se apresente excessiva, comprometendo o crescimento e a criação de emprego; - assentar, preferencialmente, a obtenção de receitas adicionais no alargamento das bases de tributação e não tanto no incremento das taxas ou na criação de novos impostos; - atenuar eventuais distorções ao nível da tributação que incide sobre as empresas e que as induza a privilegiarem o financiamento através de empréstimos (evitando recorrer a capitais próprios); - conceber uma tributação sobre imóveis (designadamente no sector de habitação) que não seja indutora de um agravamento de riscos financeiros neste sector. Acresce ao que se disse, que o Sistema Tributário deverá contemplar incentivos ao investimento reprodutivo (ou relevante) e à canalização preferencial de capitais próprios para sectores “estratégicos”. Tal implicará a definição de modelos de desenvolvimento consistentes que permitam “sintonizar” os sobreditos sectores “estratégicos”37. 2.2. Do Crédito. Segundo a Comissão Europeia38, estão a ser adoptadas medidas ao nível da U.E. para suprir “os riscos que pesam no sistema financeiro”, rectificando-se anteriores deficiências nos novos sistemas de regulamentação e de supervisão, com destaque para as seguintes vertentes: a) desenvolvimento de esforços coordenados tendo em vista a avaliação dos riscos do sector bancário e a recapitalização dos bancos; b) instituição de novas autoridades de supervisão da U.E. em Janeiro de Comissão europeia – Ob. Cit., pag. 6. SOUSA, António Rebelo de – “As Finanças Locais enquanto instrumento do desenvolvimento económico”, Lusíada. Economia & Empresa, nº 15, 2012. 38 Comissão Europeia, Ob. Cit., pags 7 e 8. 36 37
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2011, tendo as mesmas desenvolvido esforços no sentido de procederem à elaboração de um conjunto único de regras destinado a reforçar o quadro jurídico susceptível de ser aplicado às instituições financeiras; c) criação de mecanismos de controle mais aprofundados dos níveis de endividamento privado e dos próprios riscos financeiros, através do Comité Europeu de Risco Sistémico (CERS); d) apresentação de uma proposta de criação de uma União Bancária (pedra angular do reforço da União Europeia e Monetária), apontando-se para um mecanismo único de supervisão, sob a égide do BCE, permitindo-se que o Mecanismo Europeu de Estabilidade possa proceder, diretamente, à recapitalização dos bancos que se mostrem incapazes de mobilizar capitais no mercado. Pretende-se criar condições para que os Estados Membros da área do euro possam obter fortes alternativas de financiamento, incluindo a concretização de empréstimos entre empresas, a emissão de obrigações, o recurso ao capital de risco e criando-se Fundos para a Reestruturação e a Internacionalização das Empresas (muito em particular, das PME’s). Ainda segundo a Comissão Europeia, novos instrumentos poderão ser utilizados pelas empresas, com destaque para os seguintes39: - a mobilização de um montante suplementar de 10.000 M € a favor do BEI – Banco Europeu de Investimento, o qual permitirá conceder financiamentos adicionais até 60 000 M €, no decurso dos próximos 3 a 4 anos; - o eventual recurso a obrigações destinadas ao financiamento de projetos (project bonds); - uma mais estreita colaboração entre os Estados-Membros, no quadro do Pacto para o Crescimento e o Emprego, tendo em vista uma aceleração da utilização dos fundos estruturais da U.E. 2.3. Do Crescimento. Sendo certo que o que se convencionou designar de “Mecanismo de Alerta” (“precoce”) a um Estado-Membro, antes da ocorrência de um défice excessivo, apresenta aspectos positivos, chamando a atenção para a relevância da competitividade e do combate aos desequilíbrios (internos e externos), importa reconhecer a indispensabilidade de preenchimento de algumas condições de sucesso por parte das diferentes economias que integram o projeto europeu, a saber: - a relevância da inovação, procurando-se aumentar os níveis de investimento por parte dos sectores público e privado em R&D (Research & Development); 39
Comissão Europeia, Ob. Cit., pag 9.
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- a melhoria dos sistemas de educação e de formação, associando-os ao mundo do trabalho (metodologia dos “cursos-sanduiche”); - incremento dos níveis de competitividade e de eficiência no quadro empresarial, simplificando-se os procedimentos e, de um modo geral, melhorando-se a prestação dos serviços burocrático-administrativos. Por outro lado, as vantagens competitivas dinâmicas resultantes da existência do mercado único poderão ser incrementadas se os Estados-Membros melhorarem a aplicação da Diretiva Serviços, de acordo com as seguintes grandes linhas de orientação40: - cumprimento das obrigações assumidas, no sentido de serem eliminadas as restrições decorrentes da nacionalidade ou da residência do prestador de serviços; - reexame da indispensabilidade e do que se convencionou designar de “proporcionalidade” da regulamentação dos serviços profissionais; - eventuais reajustamentos à aplicação da cláusula sobre a liberdade de prestação de serviços, tendo em vista a supressão de casos de dupla regulamentação em sectores como os da construção, dos serviços às empresas e do turismo; - redução de algumas restrições operacionais, possibilitando-se, por essa via, o reforço da concorrência no sector retalhista. 2.4. Do Desemprego. Importa referir que, ao longo dos últimos doze meses, a taxa de desemprego aumentou para 10,6% da população ativa na U.E. e para 11,6% na área do euro, continuando, por conseguinte, a registar-se uma deslocação da Curva de Phillips para a direita (com sucessivos incrementos da NRU – Natural Rate of Unemployment). Em boa verdade, a taxa de desemprego de longo prazo corresponde, na Europa, a cerca de 50% da taxa de desemprego total, sendo, ainda, certo que este último varia entre menos de 5% e mais de 25%, chegando a ser superior a 50% para o segmento dos jovens. A constatação da existência de uma situação crítica no mercado de trabalho leva a que faça, plenamente, sentido pensar-se na adopção de medidas viabilizadoras de uma retoma da atividade económica que seja geradora de emprego. Por outro lado, importa investir na requalificação dos recursos humanos, o que poderá, também, passar pela consideração dos seguintes aspectos essenciais: - limitação da carga fiscal que recai sobre o factor produtivo trabalho; - modernização do mercado de trabalho, através da simplificação da legislação laboral e do desenvolvimento de regimes de trabalho flexíveis, 40
Comissão Europeia, Ob. Cit., pag 10 e segtes.
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com criação simultânea de condições propiciadoras de uma maior mobilidade social41; - adequado acompanhamento dos efeitos dos sistemas de fixação salarial, designadamente dos mecanismos de indexação, procurando-se contemplar a evolução da produtividade e criar condições para o aumento do nível de emprego; - exploração do potencial de emprego dos sectores em expansão, os quais devem ser sintonizados, a partir de estudos sectoriais e globais que viabilizem a formulação de estratégias desenvolvimentistas consistentes. Importa contribuir para uma acentuada melhoria dos níveis de empregabilidade, nomeadamente na população jovem, melhorando-se a assistência individualizada na procura de emprego, as condições de apoio ao “espírito empresarial” e aperfeiçoando-se os sistemas conducentes a uma maior mobilidade social. Por outro lado, apresenta-se da maior relevância contribuir para a redução do abandono escolar precoce, facilitando-se, simultaneamente, a transição do meio escolar para o mundo laboral, apostando-se em estágios de contratos de aprendizagem, criando-se incentivos fiscais para os estudantes-trabalhadores e apoiando-se a mobilidade transfronteiriça dos recursos humanos. A questão do combate ao desemprego aparece, necessariamente, associada à questão da inclusão social e da adopção de políticas conducentes à redução da pobreza. Tal terá que passar pela implementação de estratégias de inclusão e por uma adequada articulação entre a assistência social e uma maior ligação ao público, designadamente, através de serviços mais individualizados e da adopção de medidas que tendam a privilegiar os “grupos vulneráveis”. 2.5. Algumas ideias-chave sobre a modernização da Administração Pública, no contexto europeu. É certo que, de acordo com a Comissão Europeia, existem algumas ideiaschave para a modernização da Administração Pública42, sendo certo que, para o efeito, interessará sempre ter em conta a perspectiva integrada de Arminda Neves43 sobre as variáveis de enquadramento. Assim, deverá ser assegurada uma gestão financeira sólida da Administração Pública, a qual deverá tirar partido das oportunidades existentes, em matéria de contratos públicos. A ideia de que uma política progressista deverá ser aquela que dificulta o despedimento do trabalhador está longe de corresponder à realidade. Uma política progressista tem, sobretudo, que se preocupar com as condições de apoio ao trabalhador desempregado, garantindo-lhe apoio, a ele e à família, na saúde e na educação, bem como o acesso a ações de requalificação e a uma adequada informação das oportunidades de emprego, a fim de se contribuir para uma maior e salutar mobilidade dos recursos humanos. 42 Comissão Europeia, Ob. Cit., pags 14, 15 e ss. 43 NEVES, Arminda in “Gestão na Administração Pública”, Ed. Pergaminho, Lda, 2002. 41
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Se é verdade que o quadro regulamentar aplicável ao tecido empresarial deverá ser simplificado e que os encargos burocrático-administrativos deverão ser, na medida do possível, reduzidos, manda a verdade reconhecer que importa não abrir mão de uma regulação forte, bem como de um controle / fiscalização que dê garantias de eficácia e de independência. Por outro lado, dever-se-á procurar melhorar a qualidade, a independência e a eficiência dos sistemas judiciais, bem como proceder a uma melhor utilização dos fundos estruturais da EU. É verdade que, sendo a confiança um dos factores determinantes do sucesso do Novo Diamante Macroeconómico44, a mesma passa pela criação de condições propiciadoras de crescimento económico, a par de uma política de rigor das Finanças Públicas (que assegure a sua sustentabilidade) e da realização de esforços tendentes a um adequado saneamento do Sector Financeiro (permitindo que se retome um financiamento mais significativo ao sector produtivo). Para o futuro da Europa, importa que se promovam reformas estruturais (que possibilitem o aumento da competitividade), que se intensifiquem políticas ativas ao nível do mercado de trabalho, procurando-se melhorar os serviços públicos de emprego, simplificando-se a legislação laboral e contribuindo-se para uma maior mobilidade social. Uma Administração Pública mais eficiente apresenta-se, por conseguinte, essencial, tornando-se indispensável pensar numa Reforma do Estado que, mantendo o que se convencionou designar de Estado Social Europeu, procure conciliar esse desiderato com o objectivo de aumento dos níveis de competitividade na Europa e bem assim com as restrições orçamentais, de curto e longo prazos. Todavia, não será possível obter sucesso na reforma da Administração Pública Portuguesa se não se vier a contar com uma nova política económica e financeira na Europa, o que também passa, necessariamente, por uma reforma ao nível das estruturas organizativas e nas instituições europeias. 3. De uma nova estratégia competitiva para o Portugal dos anos 20. 3.1. Do Conceito de Competição. Conforme lembra MAGRETTA45, “o erro mais comum consiste em confundir o sucesso com o ser-se melhor”. Para o autor, só se apresenta possível atingir uma “performance” superior e sustentada quando se tem a pretensão de vir a ser o único num segmento específico de mercado, numa perspectiva de especialização intra-sectorial. Haverá outros automóveis, mas o nosso seria, tendencialmente, o único que 44 45
SOUSA, António Rebelo de – “Da Economia Política”, Diário de Bordo, 2012. MAGRETTA, Joan – “Understanding Michael Porter – The essential guide to competition and strategy”, Harvard Business Review Press, 2012.
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teria um determinado nível de conforto para as crianças ou uma determinada “performance” em termos de consumo de gasóleo. Assim, o importante consistiria em se procurar o melhor na diferença, o que, em termos teóricos, coloca a questão da impossibilidade de se conceber uma situação de “óptimo na competição” nos mercados tidos como mais próximos da concorrência perfeita. Em boa verdade, como diria Hayeck, não se apresenta possível rivalizar num mercado em que o produto é homogéneo, existe total transparência do mercado e o preço é dado. Nesta questão, faz sentido, mesmo para um neo-keynesiano impenitente como o autor deste texto, convergir com Hayeck na defesa da tese de que o mercado de concorrência monopolística (como o da moda) se apresenta muito mais competitivo do que um mercado próximo do da concorrência perfeita. O quadro analítico (Quadro I) que nos permitiria distinguir a abordagem convencional da competitividade (ser o melhor) da nova abordagem (ser, tendencialmente, o único), resulta, também, da distinção entre especialização inter-sectorial e intra-sectorial, num mercado heterogéneo e com diferenciação de preços. Por outro lado, para Michael Porter46, haveria que considerar cinco forças competitivas que influenciariam, de forma determinante, a estratégia empresarial, a saber, a ameaça de novos concorrentes (que já existe nos próprios mercados contestáveis), a capacidade negocial dos fornecedores, a capacidade negocial dos clientes, a ameaça de substituição por novos produtos ou serviços e a rivalização entre competidores. Porter viria a chegar a três conclusões principais, a saber: - toda a atividade empresarial, por muito significativas que sejam as suas potencialidades, está condicionada pelas sobreditas cinco forças; - a estrutura empresarial determina a sua rendibilidade, a formação de “stock” de capital e as vantagens competitivas dinâmicas; - a estrutura industrial apresenta-se relativamente rígida, muito embora os produtos possam mudar e as tecnologias também.
46
Porter, Michael in “The Five Competitive Forces that shape strategy”, Harvard Business Review, jan 2008, pags 78 a 93.
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Quadro 1
Fonte: MAGRETTA, Joan – “Understanding Michael Porter”, Harvard Business Review, 2012. Para se compreender a relevância dos factores que condicionam a seleção dos sectores com maiores vantagens competitivas, afigura-se importante ter uma noção de quais são os passos típicos na análise industrial. Em regra, poder-se-á admitir que se deva procurar selecionar o que se convencionou designar de indústria relevante (i.e., com potencial competitivo e de crescimento), selecionando-se, posteriormente, o produto e segmentando-se o mercado (incluindo numa perspectiva geográfica). Numa segunda fase, importará identificar, ainda segundo MAGRETTA, os agentes associados às cinco forças que condicionam a gestão empresarial. Numa terceira fase, afigura-se essencial caracterizar os agentes de referência que lideram as supra-mencionadas cinco forças (permitindo desencadear análises de benchmarking). Numa quarta fase, convirá caracterizar a estrutura industrial, na sua globalidade, a fim de se proceder à definição de um modelo desenvolvimentista a articular, de uma forma consistente, com uma estratégia de internacionalização consistente. Numa quinta fase, importará analisar diversas possibilidades de transformações / variações ao nível das cinco forças (análise de sensibilidade associada à consideração de “cenários” alternativos). Finalmente, apresentar-se-ía essencial definir o posicionamento da empresa face a cada uma destas cinco forças. Esta análise pode ser feita para as empresas de referência dos próprios sectores tidos como estratégicos. a. Das Vantagens Competitivas. A vantagem competitiva deve ser medida a partir de uma análise
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comparativa com outras empresas ligadas à mesma atividade e que se defrontam com um enquadramento semelhante, ao nível das referidas cinco forças de que nos fala Porter. O autor dá, aliás, particular relevância a um indicador – o Return on Invested Capital47 –, procurando atender à natureza multi-dimensional da competição (criação de valor para os clientes, relacionamento com os rivais e utilização produtiva dos recursos). Quando falamos em vantagens competitivas temos que atender aos preços relativos, às características particularizantes dos bens e serviços, aos custos comparativos, à eficiência marginal do capital aplicado e à perspectiva dinâmica que permite estabelecer uma relação entre o output no período t (Yt) e as tendências evolutivas no stock de capital (ΔKt/Kt), na oferta de mão-de-obra (ΔLt /Lt), e ao nível do progresso tecnológico, tornando-se possível partir de um modelo econométrico aditivo do seguinte tipo:
K ∆ t L ∆K t ∆L + α1 t + t Yt = α 0 + α 1 Kt Lt Kt Lt
em que, em vez de considerarmos as variáveis explicativas em termos absolutos, consideramos rácios, sendo certo que, por uma questão de simplificação analítica, admitimos existir uma correlação positiva entre o progresso tecnológico e o coeficiente de intensidade capitalística. Para a concretização de uma análise consistente das vantagens competitivas dinâmicas, importa, também, considerar a questão da valorização da rede, bem como todo o processo de gestão da sequência de atividades que uma empresa desenvolve para conceber, produzir, vender, entregar e suportar (envolvendo a manutenção) os seus produtos. Esta análise conduz-nos à consideração dos diferentes passos atinentes à valorização da rede (cadeia de valores acrescentados). O primeiro deverá estar relacionado com a cadeia de valor da empresa, i.e.: R&D=>Cadeia/produto=>operações=>marketing/vendas=>serviço pósvenda. O segundo terá que ver com uma análise comparativa entre a cadeia de valor considerada e a cadeia típica do sector em causa. O terceiro implicará um esforço de seleção das atividades (e das características particularizantes) que poderão ter um maior impacto em termos de diferenciação. O quarto resultará da indispensabilidade de se sintonizar as atividades que apresentam um maior peso na estrutura de custos da empresa. 47
Vide MAGRETTA, Joan – Ob Cit, pag 67.
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Importa, todavia, não ver, apenas, em cada atividade (ou, até mesmo, em cada sector) um centro gerador de custos, antes se procurando considerar que a mesma (ou o mesmo) poderá corresponder a um centro gerador de valor acrescentado. O grande desafio empresarial consiste em se procurar desenvolver atividades diferentes das já existentes, satisfazer novas necessidades (ou as já existentes a custo menor), assegurar a sustentabilidade da unidade ou do conjunto empresarial (ou, ainda, do sector) e ser único nos aspectos particularizantes que se apresenta. 3.3. Da criação de valor aos “trade-offs” com que se confrontam os decisores. A criação de valor ou, se se preferir, o valor diferencial resultante de uma qualquer atividade passa pelo triângulo clientes/necessidades, Qualidade/ Diversidade e Preços Relativos/Margem. Para que faça sentido apostar-se numa estratégia empresarial, afigura-se necessário saber que a proposta apresentada é diferente da dos nossos rivais. Se, no limite, se pretender servir os mesmos clientes, satisfazendo as mesmas necessidades e vendendo ao mesmo preço relativo, então não se tem estratégia. Na apresentação de uma estratégia empresarial (bem como de uma estratégia desenvolvimentista e de internacionalização global para uma economia) importa procurar definir e implementar uma proposta única, estabelecendo-se uma adequada “cadeia organizativa” (quer a nível micro, quer a nível macro). A consideração dos “trade-offs” tem que ser articulada com uma análise de custos de oportunidade potenciais, que o mesmo é dizer, com uma análise P&L (Profit and Loss). A nível micro, uma análise P&L deverá centrar-se em Painéis de Bordo Integrados e, por conseguinte, no que se convencionou designar de “Balanced Scorecard”. A nível macro, haverá, também, que enveredar por uma análise “Balanced Scorecard” que permita determinar em que medida uma dada estratégia desenvolvimentista e de internacionalização está ou não a ser bem sucedida, a partir da consideração de variáveis estratégicas, de objectivos pré-definidos e de uma calendarização. Admitindo-se que existem algumas perspectivas positivas na UE, em geral, e na área do euro, em particular, que nos permitem encarar a possibilidade de evolução, a médio e longo prazos, da realidade europeia no sentido de um “soft federalism” (i.e., de algum reforço das instituições europeias e do Orçamento Comunitário48 -, da introdução dos “project bonds”, destinados a financiar infraestruturas de relevância para a U.E., de uma mais significativa intervenção do BCE, quer no mercado secundário, quer, inclusive, no mercado primário 48
SOUSA, António Rebelo de – “Da Economia Política”, Diário de Bordo, 2012, pags 250 a 254.
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da Dívida Soberana, “a la ROUBINI”, e de uma mais eficiente coordenação de políticas económicas e financeiras), então talvez seja possível encarar com algum optimismo a gradual inversão do “ciclo da crise” na economia portuguesa, desde que se defina um modelo de desenvolvimento consistente e se procure implementar uma estratégia eficiente de internacionalização que maximize as nossas vantagens competitivas dinâmicas potenciais. Para tal, afigura-se indispensável começar pela elaboração de um Plano de Ordenamento do Território. De seguida, a partir das Regiões-Plano já existentes (e aproveitando-se as Comissões Coordenadoras em funcionamento), deverse-ía procurar elaborar Planos de Desenvolvimento Regionais Indicativos, sintonizando-se os sectores estratégicos. Depois, em articulação com uma Direção-Central de Planeamento (a criar no âmbito do Ministério da Economia), dever-se-ía elaborar um Plano de Desenvolvimento Pluri-Anual Indicativo, com seleção dos sectores estratégicos e apresentação de conjuntos integrados de medidas incentivadoras do investimento e da inovação nesses mesmos sectores, apostando-se numa efectiva especialização intra-sectorial horizontal e vertical. O conceito de Competitividade em que, na medida do possível, deveria apostar-se seria o que radica na diferenciação, pelo que importaria realizar-se um significativo esforço em matéria de R&D, bem como no domínio da ligação do Ensino/Formação ao tecido empresarial. Por outro lado, haveria que procurar distinguir a “soft internationalization” da “Intermediate internationalization” e da “hard internationalizacion”. A “soft internationalization” teria que ver com as exportações, competindo à Banca Comercial (e, muito em particular, à CGD) desempenhar um papel crucial no apoio ao financiamento. A este propósito, convirá salientar que conviria criar condições para um maior apoio direto do BCE à Banca Portuguesa, evitando-se que o mesmo tenha repercussões negativas na Dívida Soberana e, por conseguinte, no próprio défice orçamental. A “intermediate internationalization” passa por operações que envolvem um risco “intermédio” (como a própria designação indica) dos agentes empresariais, como sucede com diversos casos de “franchising”. Também aqui competirá, em princípio, à Banca Comercial, em geral, e à CGD, em particular, apoiar a atividade a desenvolver pelas empresas nacionais. Mas, já no que concerne à “hard internationalization” estamos confrontados com uma situação diferente. Trata-se da concretização de estratégias de Investimento Directo Português no Estrangeiro, estratégias essas que poderão ser implementadas quer por grandes empresas, quer por pequenas e médias empresas, havendo, ainda, que distinguir a “hard internationalization” orientada para mercados de economias desenvolvidas da “hard internationalization” orientada para os mercados dos PVD’s – Países em Vias de Desenvolvimento e das NEM’s – Novas Economias Emergentes. Para o primeiro caso, faria sentido criar-se um Fundo para a Internacionalização I – que deveria ser gerido pela Caixa Geral de Depósitos –
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Banco de Investimento. Para o segundo caso, faria sentido criar condições para que a SOFID – Sociedade para o Financiamento e Desenvolvimento pudesse desenvolver a sua atividade, bem como criar um outro Fundo (Fundo para a Internacionalização II). Este último Fundo deveria, naturalmente, ser gerido pela SOFID. É claro que, na análise dos “dossiers” de apoio à internacionalização será necessário atender a estratégias diferenciadas, desde as que radicam no modelo de Uppsala, às que assentam na consideração da distância/proximidade cultural e psicológica, advogando, em alguns casos, uma abordagem mais rápida e direta dos mercados potenciais. A consideração deste último aspecto leva-nos à consideração dos aspectos culturais (e, mais concretamente, da língua portuguesa) na explicação da relevância complementar do triângulo Portugal – África – Brasil para a implementação de uma estratégia de internacionalização. 4. Do Potencial Económico da Língua e da Cultura Portuguesas É do conhecimento geral que “a língua portuguesa conheceu um certo apogeu na época quinhentista como língua franca, influenciando muitas das línguas locais, da África Ocidental”49. Contudo – e utilizando a terminologia de Nye50 – o curtíssimo período de “hard power” que atravessámos conduziu a que a língua portuguesa deixasse, rapidamente, de se apresentar como uma língua com aspirações hegemónicas, a nível global. Todavia, o português tem vindo a ver reforçada a sua influência no plano internacional, não apenas em virtude de o Brasil estar prestes a transformar-se na 5ª ou 6ª maior economia mundial, como também porque Angola e Moçambique têm vindo a crescer significativamente (ganhando relevância no continente africano). E, por outro lado, Cabo Verde, para além da sua importância estratégica como “placa giratória” no Atlântico (e abrangendo desde o Norte de África Magrebino à “Comunidade do Golfo da Guiné”), tem vindo a ser considerado um exemplo excepcional de “Good Governance” para o conjunto dos PVD’s. Ao contrário do caso espanhol, o português estende a sua influência a todos os Continentes, havendo, ainda, a considerar as múltiplas comunidades que resultaram da Diáspora e que, de algum modo, permitem estender a influência da nossa cultura a uma grande diversidade de países. Em boa verdade, “o valor económico de uma mesma língua falada por RETO, Luis (coord) – “Potencial Económico da Língua Portuguesa” (colaboração de Esperança, José P.; Gulambusson, Mohamed; Machado, Fernando; Costa, António F), Texto Editores, Lda, 2012, pag 23 50 Nye, J in “Soft power: the means to success in world politics” Public Affairs, 2004. 49
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vários povos assenta num conjunto de pressupostos”51, a saber: - os que falam uma certa língua têm mais facilidade de estabelecer contactos (inclusive, de natureza económica) com outros falantes da mesma língua; - em princípio, os que aprenderam a língua de um dado país têm um maior grau de probabilidades de passar a desenvolver uma imagem positiva desse mesmo país; - existe, também, um “efeito de rede” ao nível da língua; - o domínio de uma língua dominante ao nível de potenciais parceiros comerciais contribui para reduzir custos de transação (permitindo, aliás, a obtenção de externalidades positivas). - o efeito psicológico (que alguns autores consideram mais relevante do que outros) adveniente do “sentimento de orgulho” de se pertencer a uma comunidade cultural forte que tem como traço identitário a mesma língua. 4.1. Como medir a relevância económica de uma língua (e de uma cultura) Em termos de número de falantes como primeira língua, o Observatório de Língua Portuguesa considera que nos situamos no quarto lugar, a nível mundial, para tal contribuindo o “ranking” dos países de língua oficial portuguesa no atinente à população. Mas, existem diversas metodologias como, por exemplo, as correspondentes ao Barómetro Calvet e ao que se convencionou designar de “dimensões culturais de Hofstede”. No atinente ao Barómetro Calvet, importa considerar o número de falantes, a entropia52, o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, o IF – Índice de Fecundidade, o IPI – Índice de Penetração da Internet, o número de artigos na Internet, o número de artigos na Wikipédia, as línguas oficiais “de jure” e os Prémios Nobeis da Literatura. Já no que se refere às “dimensões culturais de Hofstede”, convirá considerar diferentes vertentes, tais como a PDI – Distância do Poder, o IDV – Individualismo, a MAS – Masculinidade e a UAI – Aversão à Incerteza. A supercentralidade, a para-centralidade e o papel hegemónico, num contexto regional, podem ser ampliadas pela lusofonia. Ora, se é certo que o Brasil se aproxima da supercentralidade – como Nova Economia Emergente que é – e Portugal se aproxima da para-centralidade (em virtude de pertencer à UE e à área do euro, bem como, em termos de alianças defensivas, à NATO), também não se apresenta menos verdade que Angola poderá vir a liderar a Comunidade do Golfo da Guiné e Angola e Moçambique, no seu conjunto, desempenharão sempre um papel relevante no quadro da SADC – South African Development Community. 51 52
RETO, Luis (coord), Ob Cit, pags 28 e 29. Vide, a este propósito, RETO, Luis, Ob Cit, pags 46 e segtes e CALVET, L, “Le Marché aux Langues. Les Effets Linguistiques et la Mondialisation”, Paris, Plan, 2002.
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Autores como Martin Municio53 procuram estudar “o valor económico da língua espanhola”, identificando as atividades nas quais a língua é uma componente essencial (v.g., imprensa, rádio, televisão ou telecomunicações), bem como as atividades com ligação indireta à utilização da língua (v.g., indústria de papel e produção de rádios e televisores ou, ainda, de telemóveis) e outras atividades, ainda mais, indiretamente relacionadas (v.g., correio, educação, desporto e a própria Administração Pública). Hartley54 abordou a questão das “indústrias criativas”, tendo salientado que existe uma convergência conceptual e prática das artes criativas (talento individual) com as indústrias culturais (escala de massa). Em Portugal, foi elaborado um estudo sobre a relevância do sector cultural para a criação de riqueza (2,8% da riqueza criada, em 2006)55. Convirá, agora, avançar no domínio da perspectiva dinâmica, i.e., da relevância da língua e da cultura para uma evolução favorável do comércio externo nacional e para o incremento do IDE – Investimento Direto Estrangeiro. IDE.
4.2. Da relevância da língua e da cultura para o comércio externo e para o
Para Reto56, “a proximidade linguística afecta os fluxos comerciais portugueses à saída, mas é neutra ao nível das importações”. Todavia, convirá ter presente que Portugal apresenta um saldo comercial positivo com os países da lusofonia, muito embora os mesmos, no seu conjunto, não se apresentem relevantes para a nossa Balança Comercial, nem tão pouco para a nossa Balança Corrente. Mais, dificilmente os países lusófonos poderão dar uma contribuição importante para a implementação de um “export led growth model” em Portugal. Em boa verdade, para além da existência de distância psicológica em relação a alguns mercados de língua portuguesa, economias como o Brasil e Angola têm um certo tropismo para a adopção de políticas protecionistas. No caso de Angola – que ocupava, em 2012, a 4ª posição, em termos de mercado de exportação – existem indícios claros de evolução de um modelo de especialização primária para um modelo de substituição de importações, de tipo protecionista. Logo, qualquer estratégia de penetração nesses mercados deverá passar, essencialmente, pela “hard internationalization”. RETO refere dois axiomas57: Municio, Martins – “El valor económico de la lengua española”, Madrid, Espasa Calpe, 2003. HARTLEY, J – “Creative Industries”, London, Blackwell, 2005. 55 Augusto Mateus & Associados – “O sector cultural e criativo em Portugal” in Gestin Cultura, http://gestin.iscte.pt/documentos/apresentacao_gest_in_aicep.pdf, 2008. 56 RETO, Luis (coord), Ob Cit, pag 85 57 RETO, Luis (coord), Ob Cit, pag 85. 53 54
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- “as organizações desenvolvem-se através da internacionalização dos mercados, enquanto os custos são inferiores aos benefícios”; - “as organizações escolhem a localização que comporta custo mais reduzido, tendo em conta o seu sector de atividade. A opção pelo IDPE poderá ter que ver com o facto de existirem obstáculos ao comércio, sendo possível que envolva um mais adequado aproveitamento de bens de equipamento (anteriormente subutilizados), bem como de stocks e de capital humano, com transferência de “know-how”. Se considerarmos a repartição do IDPE nas regiões linguísticas, entre 1996 e 2010, os mercados de língua portuguesa representam 17% do investimento total português no exterior, o mesmo, aliás, sucedendo com os mercados de língua espanhola. Já no atinente ao IDE em Portugal, os capitais provenientes de mercados de língua portuguesa representavam, para o mesmo período, apenas, 1,28%, enquanto os capitais de proveniência espanhola e inglesa correspondiam, respectivamente, a 13,45% e 19,06% do IDE total58. Importa, todavia, reconhecer que, no decurso dos últimos anos, a relevância do IDE proveniente de países lusófonos – em particular, de Angola – sofreu um significativo incremento. De um modo geral, afigura-se importante reconhecer que se registou uma grande abertura da economia portuguesa ao exterior a partir de 1970 (muito embora o processo tendente à referida abertura se tenha iniciado com a nossa entrada na EFTA – European Free Trade Association, em 4 de Janeiro de 1960, criando-se as condições propiciadoras da passagem da fase de “big-push” à fase de “shortage point” “a la Ranis e Fei”). De facto o rácio Comércio Total59 / PIB passou, entre 1970 e a última década, de cerca de 27% para cerca de 69%, sendo, ainda, de realçar que o fluxo médio de IDE aumentou de 0,44% para 2,69%. Se é verdade que a proximidade linguística apresentou um peso irrelevante no que se refere às importações, já no que torna às exportações Angola assumiu alguma importância, conforme se disse, sendo, ainda, de referir que, em matéria de IDPE, Brasil e Angola assumiram, também, um significado particular. Se analisarmos os casos da França, Alemanha e Espanha, o país em que se tem vindo a constatar uma correlação positiva relevante entre a intensificação do comércio com Portugal e o IDPE é o espanhol, o que, de alguma forma, confirma as conclusões do modelo de LAFAY60. 58 59
60
RETO, Luis (coord), Ob Cit, pags 93 e segtes. Comércio Total = Exportações + Importações. 2
t t t t δ ijt = K + α 1 D Geog + α 2 D Esp + α 3 D Eco + α 4 D Eco + α 5 Adjijt , ij ij ij ij
comerciais,
t
D Esp ij
em que δ ijt = intensidade das relações bilaterais
= diferenças de grau de especialização;
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t
D Eco ij
= diferenças de riqueza ou de grau
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Do que se disse e para o caso português, a proximidade linguística tem-se apresentado mais relevante como factor explicativo de IDE (e de IDPE) do que como factor de trocas comerciais, que o mesmo é dizer, tem vindo a apresentar maior importância para a “hard internationalization” do que para a “soft internationalization”. Convirá, ainda, tecer algumas considerações suplementares sobre a relevância dos fluxos migratórios e turísticos entre os países lusófonos. Existem correntes do pensamento que se dedicam a estudar de que modo o conhecimento da língua tem ou não influência no salário auferido pelo emigrante no país onde reside. Em boa verdade, os fenómenos migratórios são definidos a partir de quatro parâmetros fundamentais61, a saber, o espaço, o tempo, a motivação e a dimensão sócio-cultural. Para um estudo aprofundado da questão importa saber quais os níveis existentes de atividade sócio-cultural nas comunidades do “país hospedeiro”. Muito embora algumas correntes possam questionar esta teoria, a existência de leitorados, de centros de língua e de centros culturais difusores da própria cultura do país de origem não dificulta, necessariamente, a integração nas comunidades locais, podendo, inclusive, facilitar a inserção nas comunidades de destino62. De qualquer forma, apresenta-se inquestionável a importância da proximidade linguística para as explicações dos fluxos migratórios, bem como a relevância que, ao longo do processo histórico, as remessas dos emigrantes assumiram para a explicação da evolução da Balança Corrente Portuguesa, muito embora se tivesse constatado uma redução substancial da sua importância relativa nas últimas décadas. Tal como no domínio do comércio externo, o turismo apresenta relevância para a Balança Corrente Portuguesa, muito embora os países que apresentam maior significado no que se refere à entrada de turistas por países de origem sejam a Espanha (21,1%), o Reino Unido (16,2%), a Alemanha (11,3%) e a França (10%)63. Já no que se refere aos principais destinos de turistas portugueses, convirá referir a França, a Suíça, os EUA, a Espanha e a Alemanha. De qualquer forma, se falarmos nos imigrantes que residem em Portugal, 50% são oriundos de países de língua portuguesa, sendo, ainda, certo que 16% dos emigrantes portugueses optaram por países da lusofonia. E se nos preocuparmos com os estudantes residentes em países da CPLP, afigura-se possível afirmar que de desenvolvimento económico; Adjijt = adjacência e os coeficientes estimados foram α1=-0,74; α2 =+0,41; α3 =-0,34; α 4=+0,23; α5 =+0,79. 61 RETO, Luis – Ob CFit, pags 102 e segtes. 62 Em 2010, Portugal dispunha de 124 leitorados, 38 centros de língua portuguesa e 14 centros culturais, sendo, ainda, de salientar que os países com um número mais elevado de leitorados eram a Espanha, a França, a Itália, a Alemanha, o Reino Unido e os EUA. 63 Valores de 2009.
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são dos que mais utilizam a língua portuguesa, sendo seguidos pelos estudantes residentes nos EUA. 4.3. Do conhecimento da língua portuguesa no exterior. No Inquérito levado a cabo pelo IPAD64, 57% dos estudantes inquiridos consideram que se apresenta muito importante para o seu futuro saber outras línguas para além da materna, o que terá estado na origem da sua preocupação com a aprendizagem do português. Note-se, ainda, que o segundo argumento mais invocado pelos referidos inquiridos (35%) consiste no reconhecimento da dimensão comunicacional da língua portuguesa. Outros argumentos para a aprendizagem do português são mencionados, desde a consideração de que o português é uma das principais línguas mundiais, à emergência da economia brasileira, passando pela existência de uma dinâmica estratégica da presença portuguesa em África e no Continente Asiático. A generalidade dos inquiridos considera que a língua portuguesa está em crescimento, tendo importância para o mercado de trabalho e para o “mundo dos negócios”. Os inquiridos da Europa Ocidental e da Europa de Leste são os menos convictos dessa relevância, ao contrário do que se passa pelos inquiridos da CPLP, de África, da América Latina, do Continente Asiático e da América do Norte65. Em síntese os inquiridos fazem uma avaliação muito positiva sobre o futuro da língua portuguesa. Já no que concerne ao conhecimento de personalidades e de marcas portuguesas por parte dos inquiridos, chega-se à conclusão de que se apresenta mais fácil identificar as personalidades do que as marcas66. Em termos sintéticos, afigura-se possível afirmar que a língua portuguesa é, de facto, uma das mais importantes do Mundo, com cerca de 250 milhões de falantes, representando cerca de 3,7% da população mundial e cerca de 4% do PIB total. Os países de língua oficial portuguesa ocupam uma superfície de 10,8 milhões de Km2, destacando-se o crescimento económico acelerado do Brasil e de Angola, havendo boas práticas de governação na generalidade dos países de língua oficial portuguesa. Existe alguma relevância da proximidade cultural na explicação de relações comerciais e, sobretudo, em decisões de investimento no Inquérito realizado pelo, então, Instituto Camões, em 2008, a 2564 estudantes, tendo sido validados 1263 inquéritos, os quais foram tidos como amostra representativa para várias regiões do Mundo. 65 A título de mera curiosidade, refira-se que os países em que os inquiridos menos sabem que a língua oficial é o português são Timor-Leste (Timor Loro Sae), Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. 66 Nos inquiridos de países não lusófonos, Fernando Pessoa, Amália Rodrigues e Luís de Camões situam-se nos 10 primeiros lugares (e, ao nível das marcas, sobressaem a Petrobrás, a TAP, a Sagres e o Pingo Doce), enquanto que os inquiridos de países lusófonos referiam Lurdes Mutola, Mia Couto, Malangatana, Bonga e Roberto Carlos (e, nas marcas, Sonangol, Mozal, Soares da Costa, Sagres e PT, entre outras). 64
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exterior, sendo, ainda, de realçar o peso que as indústrias culturais e criativas apresentam no que se refere ao desenvolvimento da economia portuguesa. 5. Conclusões. A economia portuguesa depende, fundamentalmente, daquilo que vier a ser a evolução da economia europeia e das reformas que vierem a ser implementadas na UE e, mais particularmente, das transformações a operar no que se convencionou designar de “área do euro”. O Documento “Análise Anual do Crescimento” da Comissão Europeia (2013) constitui um bom contributo, mas convirá, em qualquer caso, ter presente que não será possível a Portugal inverter o ciclo da crise e convergir a prazo com os países da “área do euro” se não se vierem a verificar as seguintes condições: - a efetiva adopção de um Pacto de Crescimento e Emprego, com o que tal implica em termos de reforço do Orçamento Europeu (ao contrário da tendência mais recentemente constatada, no concerto europeu); - o reforço dos fundos estruturais, admitindo-se, para algumas economias periféricas, a antecipação da sua mobilização; - a emissão de project bonds que permitam suportar o esforço do BEI – Banco Europeu de Investimento no financiamento de grandes projetos concernentes a infraestruturas europeias; - uma maior intervenção do BCE – Banco Central Europeu, não só em termos de injeção de liquidez no Sistema Financeiro Europeu, mas também com a admissibilidade de aquisição da Dívida Soberana (em alguns casos particulares e de forma condicionada) no mercado primário; - uma maior coordenação de políticas económicas e financeiras, criando-se, nomeadamente, um Tesouro Europeu e passando a haver um Ministro da Economia e das Finanças da Europa; - a desvalorização significativa do euro em relação às principais paridades. Por outro lado, apresenta-se indispensável congelar todos os processos de alargamento da U.E., uma vez que não se apresenta possível conciliar o aprofundamento do processo integracionista com sucessivos alargamentos da UE, apresentando-se, isso sim, indispensável a implementação de uma Reforma das Instituições Europeias que concilie os princípios da legitimidade e da eficácia. Por outro lado, Portugal, também, depende de si próprio. Portugal precisa de um Plano de Ordenamento do Território. Afigura-se, ainda, fundamental dinamizar as Comissões Coordenadoras das Regiões-Plano já existentes, as quais deveriam elaborar, em conjunto com os Municípios e Associações de Municípios, Planos de Desenvolvimento Regionais. O Ministério da Economia deveria integrar uma Direcção-Geral do Plano, a qual deveria elaborar um Plano de Desenvolvimento Nacional Indicativo,
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com seleção dos sectores estratégicos e apresentação de propostas concretas de implementação de medidas de incentivo ao crescimento, passando pela reconversão e inovação em sectores tidos como nodais. Deveria ser implementada uma estratégia global de internacionalização da economia portuguesa, com aproveitamento optimizado das nossas vantagens competitivas dinâmicas. Tal implicaria que se enveredasse por uma especialização intra-sectorial, apostando-se numa nova abordagem da competitividade, de acordo com a perspectiva de MAGRETTA, o qual, aliás, faz uso do conceito de “indústria relevante”. A valorização da “rede” e da “cadeia de valores acrescentados” aparece ligada à prestação de serviços pós-venda e à conversão de atividades essencialmente ligadas ao SBNT em atividades tidas como associadas ao SBT. A adopção de uma estratégia consistente de internacionalização da economia portuguesa terá que passar, em primeira linha, por um Plano de Ordenamento do Território, pela elaboração de Planos de Desenvolvimento Regional e de um Plano de Desenvolvimento Nacional pluri-anual, com sintonização dos sectores tidos como estratégicos. Assim, a nível macroeconómico, haverá, também que enveredar por uma análise “Balanced Scorecard”, procurando-se, simultaneamente, distinguir uma estratégia de “soft internationalization” de uma estratégia de “hard internationalization”. Para além das contribuições das teorias de Uppsala, de OLI e das Redes (Jan Johanson), importa ter em conta o Innovation Related Model, o Johanson e Mattson Model e o International New Ventures Model. Para a compreensão das diferentes estratégias de internacionalização, afigura-se necessário ter em conta que muitos mercados alternativos aos existentes (nomeadamente, nos PVD’s e nas Novas Economias Emergentes) apresentam uma manifesta tendência para recorrerem à adopção de modelos de substituição de importações, enveredando, por conseguinte, por políticas protecionistas. Daí que se apresente indispensável o recurso à “hard internationalization”, correndo-se, muitas vezes, o risco de se preferir a uma abordagem gradualista uma outra mais direta, i.e., avançando-se mais rapidamente para o IDE. E para a implementação da estratégia mais direta apresentam-se da maior relevância questões que se prendem com a distância/proximidade cultural e psicológica. Neste capítulo, a língua e a cultura portuguesas apresentam-se, também, relevantes para uma estratégia de internacionalização da economia portuguesa. Apesar de a proximidade cultural ter importância nas decisões de investimento no exterior (mais do que ao nível das relações comerciais), para o caso português, e de fazer sentido realçar o peso das indústrias culturais e criativas no nosso desenvolvimento económico, Portugal está, fundamentalmente, dependente da Europa. E a relevância da lusofonia aparece, essencialmente, ligada às sinergias
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susceptíveis de obter no quadro da UE e da NATO, resultantes da capacidade de se ser um interlocutor dificilmente substituível na construção de “pontes” entre os nossos aliados na Europa e na América do Norte e o Mundo Lusófono. Daí a importância do triângulo Europa – América – África e da vertente atlantista de uma estratégia de internacionalização que valorize o papel de Portugal no contexto de uma globalização que aponta para um “sistema de poderes arquipelágico”, ainda que com dominância do paradigma ocidental. Bibliografia Augusto Mateus & associados – “O Sector cultural e criativo em Portugal” http://gestin.iscte.pt/documentos/apresentacao_gest_in_aiecp.pdf, in Gestin Cultura, 2008. CALVET, L – “Le Marché aux Langues. Les Effets Linguistiques et la Mondialisation”, Paris, Plon, 2002. Comissão Europeia – Comunicação – “Análise Anual do Crescimento”, Bruxelas, 2013. EUROSTAT Statistics – “Europe 2020 – Towards a smarter greener and more inclusive EU economy?”, 39/2012. HARTLEY, J – “Creative Industries”, London, Blackwell, 2005. MAGRETTA, Joan – “Understanding Michael Porter – the essential guide to competition and strategy”, Harvard Business Review Press, 2012. MUNICIO, Martin – “El valor económico de la lengua española”, Madrid, Espasa Calpe, 2003. NEVES, Arminda – “Gestão na Administração Pública”, Ed. Pergaminho, Lda, 2002. NYE, J. – “Soft power: the means to success in world politics”, Public Affairs, 2004. PORTER, Michael – “The Five Competitive Forces that shape Strategy”, Harvard Business review, Jan 2008, pags 78 a 93. RETO, Luis (coord) – “Potencial Económico da Língua Portuguesa”, Texto Editora, lda, 2012. SOUSA, António Rebelo de – “As Finanças Locais enquanto instrumento do desenvolvimento económico”, Rev. Economia & Empresa, Universidade Lusíada Editora, nº 15, 2012. SOUSA, António Rebelo de – “Da Economia Política”, Diário de Bordo, 2012, pags 250 a 254. SOUSA, António Rebelo de – “Das Variáveis Explicativas do Crescimento da Economia Portuguesa”, Rev. Economia & Empresa, Univ. Lusíada Editora, 2006.
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Resumo: Muito se tem dito sobre a renegociação da divida pública portuguesa como instrumento para a redução do esforço de consolidação orçamental que está a ser prosseguido. Com efeito, representando o peso dos juros da dívida pública valores próximos dos 5% do PIB, uma redução de 50% dessa despesa permitiria reduzir o deficit público em cerca de 2,5 pontos percentuais, ceteris paribus, conduzindo no imediato ao cumprimento das metas estabelecidas com a Troika. Assim, e tendo em consideração o processo de renegociação de dívida realizado recentemente na Grécia, poder-se-á concluir que um processo de renegociação da dívida portuguesa de médio e longo prazo (76.120M€, excluindo BCE), teria efeito de magnitude distinta, consoante a opção tomada. Por um lado, a aplicação de um haircut de 50% no valor nominal da divida permitiria anular cerca de 38.060M€ da mesma e reduzir o pagamento anual de juros em cerca de 1.655M€. Os institucionais portugueses perderia cerca de 22.180M€, das quais 50% corresponderiam a perdas no sector bancário, enquanto os estrangeiros perderiam cerca de 15.880M€. Por outro lado, o reescalonamento da divida e redução de 50% nos juros permitiria adiar as datas de amortização da divida e poupar anualmente cerca de 1.655M€ de juros (20% dos juros actualmente pagos, o que representa menos de 1% do PIB), com os institucionais portugueses a perderem cerca de 965M€/ano, enquanto os estrangeiros perderiam cerca de 691M€/ano. Em face do resultado obtido, poder-se-á concluir que qualquer processo de reestruturação que eventualmente possa ser adoptado exigirá um esforço significativo dos investidores institucionais portugueses, obrigando inevitavelmente a um processo de recapitalização adicional do sistema bancário. Palavras-chave: Divida Pública; Renegociação de Divida. Abstract: Much has been said about the Portuguese public debt renegotiation as a tool for reducing the fiscal consolidation effort that is being pursued. Indeed, considering that interest paid with public debt represent 5% of GDP, a reduction of 50% in public debt would permit to reduce the public deficit by around 2.5 percentage points, leading to the immediate fulfilment of goals established with the Troika.
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Thus, taking into account the process of renegotiating debt held recently in Greece, we may conclude that a process of debt renegotiation of medium and long term debt (76.120M€ excluding ECB) would have a significant impact. On one hand, a haircut of 50% on the nominal amount of the debt would reduce about 38.060M€ in outstanding debt and about 1.655M€ in annual interest payments. The Portuguese institutional investors would lose about 22.180M€, of which 50% correspond to losses in banking sector, while foreigners would lose about 15.880M€. On the other hand, the rescheduling of debt and a 50% reduction in interest would permit postpone the dates of repayment of debt and reduce annually about 1.655M€ in interest (20% of the interest currently paid, which represents less than 1% of GDP ), with the Portuguese institutional investors losing about 965M€ / year, while foreigners would lose about 691M€ / year. In conclusion, any restructuring process that eventually could be adopted will require a significant effort from Portuguese institutional investors, namely in the banking system that, in that situation, will need to be recapitalized again. Key-words: Public Debt; Debt Renegotiation.
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1. Introdução Muito tem sido dito sobre a renegociação da divida pública portuguesa como instrumento para a redução do esforço de consolidação orçamental que está a ser prosseguido. Com efeito, representando o peso dos juros da dívida pública aproximadamente 5% do PIB, uma redução de 50% dessa despesa permitiria reduzir o deficit público em cerca de 2,5 pontos percentuais, ceteris paribus, conduzindo no imediato ao cumprimento das metas estabelecidas com a Troika Sendo esta uma aritmética simples de compreender, e politicamente muito apelativa, importa perceber o alcance desta solução e suas eventuais implicações. 2. Estrutura da Divida Pública Em 28 de fevereiro de 2013, a dívida pública portuguesa outstanding ascendia a cerca de 200.194M€, dos quais 17.219M€ de divida não transaccionavel (Certificados de Aforro, Certificados de Tesouro e CEDIC´s), 118.530M€ de divida transaccionavel em mercados (Obrigações do Tesouro e Bilhetes do Tesouro) e 64.445M€ resultante do Programa de Assistência Financeira – Tabela 1 Tabela 1 – Distribuição da Divida Pública (M€) 31.12.2011 28.02.2013 Divida não Transaccionavel Divida Transaccionavel Programa Assistência Financeira
Total
17.363
17.219
121.671
118.530
35.862
64.445
174.895
200.194
Fonte: IGCP
Relativamente à divida não transaccionavel, observa-se que num total de 17.219M€ mais de metade (9.695M€) está concentrada em Certificados de Aforro – Tabela 2.
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Tabela 2 – Distribuição da Divida Pública Não Transaccionavel (M€) 31.12.2011 28.02.2013 11.384
9.695
Certificados do Tesouro
1.308
1.410
Outros (CEDIC, CEDIM, etc.)
4.670
6.114
17.363
17.219
Certificados de Aforro
Total
Fonte: IGCP
No que respeita à divida transaccionavel (118.530M€), destacam-se as Obrigações do Tesouro (OT’s) com 96.120M€ e os Bilhetes do Tesouro (BT’s) com 19.238M€ - Tabela 3. Tabela 3 – Distribuição da Divida Pública Transaccionavel (M€) 31.12.2011 28.02.2013 Bilhetes do Tesouro (BT’s) Obrigações do Tesouro (OT’s) Outros
Total
12.461
19.238
103.940
96.120
5.269
3.172
121.671
118.530
Fonte: IGCP
3. Detentores de Divida Pública Portuguesa De acordo com a informação disponível, a quase totalidade dos 17.219M€ de divida não transaccionavel encontra-se na posse de residentes em Portugal. Em sentido inverso, os 64.445M€ relativos ao Programa de Assistência Financeira encontram-se totalmente distribuídos por entidades internacionais. Questão mais complexa, prende-se com a distribuição da dívida transaccionavel. Com efeito, se grande parte dos 19.238M€ de BT’s se encontram na posse de instituições e fundos portugueses, no que respeita aos 96.120M€ de OT’s a situação é menos clara. Ainda assim, e partindo da informação pública disponível, é possível decompor os detentores de OT’s nos seguintes grupos (e montantes respectivos).
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Tabela 4 – Distribuição das Obrigações do Tesouro (M€) 31.12.2011 28.02.2013 BCE
5.000
20.000
CGA+FEFSS
7.000
12.000
20.000
30.000
1.000
1.500
879
860
70.062
31.761
103.940
96.120
Bancos Portugueses Fundo Pensões Nacionais Fundo Investimento Nacionais Entidades Estrangeiras Total
Fonte: Cálculos Próprios com base nos dados disponíveis a 28.02.2013
Tabela 5 – Distribuição das Obrigações do Tesouro (por residência em M€) 31.12.2011 Supra nacional (BCE)
28.02.2013
5.000
4,81% 20.000
20,81%
Portugal
28.879
27,78% 44.360
46,15%
Resto do Mundo
70.062
67,41% 31.761
33,04%
103.940 100,00% 96.120
100,00%
Total
Fonte: Cálculos Próprios com base nos dados disponíveis a 28.02.2013
Conforme se constata, se há pouco mais de um ano apenas 27,78% da divida estava na posse de instituições portuguesas, hoje esse valor atinge cerca de 46,15%. 4. Renegociação da Divida Uma renegociação da dívida é uma espécie de default negociado, no qual os Estados acordam com os investidores um reescalonamento da dívida (alongando, por exemplo, a maturidade dos títulos e reduzindo as taxas de juro) ou a supressão de parte da divida através da imposição de um haircut (ou seja, o Estado só irá pagar uma parte do crédito que lhe foi concedido). Esta renegociação envolve inevitavelmente os detentores da dívida pública, sendo o impacto da mesma distinto consoante a sua natureza. Por exemplo, se a renegociação é feita com Investidores Institucionais, os custos da renegociação recaem directamente nos accionistas e indirectamente nos seus clientes e restantes credores, no caso dos bancos, ou directamente nos detentores de unidades de participação (i.e. trabalhadores e reformados), no caso dos Fundos de Investimento e dos Fundos de Pensões Abertos. Lusíada. Economia & Empresa. Lisboa, n.º 16/2013
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Miguel Coelho
A experiência recente do caso grego, leva-nos a concluir que, do ponto de vista político, tem sido mais fácil renegociar a divida com os Investidores Institucionais privados do que com os Investidores públicos (i.e. Bancos Centrais, Fundos Soberanos) ou com os Investidores particulares. Em face do anterior, considerem-se os seguintes pressupostos, para a análise de uma possível reestruturação da dívida pública portuguesa: Os detentores de parte significativa da divida não transacionavel (Certificados de aforro e do tesouro) não serão afectados, pelo impacto que teria nos pequenos aforradores – 11.105M€; O Programa de Assistência Financeira na será afectado na medida em que deixaríamos de ter essa assistência financeira – 64.445M€. Tendo em consideração os pressupostos anteriores, a renegociação só poderia incidir sobre as quatro componentes da dívida pública referidas na Tabela 6. Tabela 6 – Caracterização da Divida Passível de Ser Renegociada
Outra divida não transaccionavel (excluindo certificados de aforro e do tesouro)
Bilhetes do Tesouro (BT’s)
Obrigações do Tesouro (OT’s)
Outra divida transaccionavel (excluindo BT’s e OT’s)
Valor (M€)
Observações
6.114
Deste montante cerca de 5.289 M€ correspondem a CEDIC´s (Certificados Especiais de Dívida de Curto Prazo), colocados junto de entidades do sector público administrativo como forma de aplicação de curto prazo dos respectivos excedentes de tesouraria.
19.238
96.120
3.172
Divida de curto prazo detida maioritariamente por Institucionais nacionais. A renegociação desta divida conduzia à ruptura financeira imediata uma vez que o financiamento de curto prazo através dos mercados deixaria de existir. Divida sujeita à lei portuguesa, sendo equiparada à divida grega que foi sujeita a reestruturação. Atente-se no entanto que cerca de 20.000M€ estão na posse do BCE que, provavelmente, não aceitaria renegociar a divida atendendo ao precedente grego. Divida detida, provavelmente, por Investidores internacionais e sujeita à lei inglesa. Dificuldade acrescida na renegociação.
Fonte: Cálculos Próprios com base nos dados disponíveis a 28.02.2013
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Lusíada. Economia & Empresa. Lisboa, n.º 16/20123
Demasiado tarde para ser perdoada? Uma análise sintética sobre o impacto..., pp. 177-187
Em face do anterior, uma eventual reestruturação só poderia incidir sobre as OT’s (excluindo posição do BCE), num montante global de 76.120M€. 4.1 Aplicação de um Haircut às Obrigações do Tesouro A imposição de um haircut à divida pública portuguesa titulada sob a forma de Obrigações do Tesouro, teria dois efeitos. Por um lado, a redução do montante em divida. Por outro lado, uma redução dos juros a pagar, consequência da redução do valor em dívida – Tabela 7 e 8. Tabela 7 – Impacto da Aplicação de um Haircut às OT’s Valor da Divida (M€)
Valor Redução Redução Anual da Anual dos Juros Divida dos Juros (M€) (M€) (M€)
CGA+FEFSS
12.000
522
-6.000
-261
Bancos Portugueses
30.000
1.305
-15.000
-652
1.500
65
-750
-33
860
37
-430
-19
Outras Entidades (Estrangeiras)
31.761
1.381
-15.880
-691
Total
76.121
3.311
-38.060
-1.655
Fundo Pensões Nacionais Fundo Investimento Nacionais
Fonte: Cálculos Próprios com base nos dados disponíveis a 28.02.2013
Conforme se observa, a imposição de um haircut nas OT’s, conduziria a uma redução imediata de 38.060M€ na dívida outstanding, passando o total da dívida de 200.194M€ para os 162.134M€. Por outro lado, observar-se-ia uma redução de cerca de 1.655M€ nos juros anuais.67 Tabela 8 – Impacto da Aplicação de um Haircut às OT’s (por residência) Valor da Divida (M€)
Valor Anual dos Juros (M€)
Redução da Divida (M€)
Redução Anual dos Juros (M€)
Portugueses
44.360
1.929
-22.180
-965
Estrangeiros
31.760
1.381
-15.880
-691
76.120
3.311
-38.060
-1.655
Total
Fonte: Cálculos Próprios com base nos dados disponíveis a 28.02.2013
67
A taxa de cupão média das Obrigações do Tesouro situa-se nos 4,349%.
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Miguel Coelho
No entanto, se analisarmos o efeito deste haircut numa perspectiva de detentores da dívida pública, constata-se que o eventual efeito global positivo para o Tesouro português, poderia ser nefasto para os investidores institucionais nacionais. Com efeito, o haircut traduzia-se, para os institucionais nacionais, numa perda imediata de 22.180M€ e numa perda anual de juros de cerca de 965M€, obrigando no caso dos bancos nacionais a uma recapitalização nunca inferior a 11.000M€ (superior à verba actualmente disponível no Plano de Assistência Financeira para a recapitalização do Sistema Bancário). 4.2 Reescalonamento e Redução dos Juros das Obrigações do Tesouro O reescalonamento da dívida traduzia-se no alargamento das maturidades e eventual redução nos juros a pagar. Assim, e admitindo uma redução dos juros em 50%, a poupança em juros anuais ascenderia a 1.655M€ (cerca de 20% da despesa anual com juros), gerando, no entanto, um impacto negativo nas entidades privadas portuguesas de cerca de 965M€ - Tabela 9 e 10. Tabela 9 – Impacto do Reescalonamento das Obrigações do Tesouro Valor Anual dos Juros (M€) CGA+FEFSS
Redução Anual dos Juros (M€)
522
-261
1.305
-652
Fundo Pensões Nacionais
65
-33
Fundo Investimento Nacionais
37
-19
1.381
-691
3.311
-1.655
Bancos Portugueses
Outras Entidades (Estrangeiras) Total
Fonte: Cálculos Próprios com base nos dados disponíveis a 28.02.2013
Tabela 10 – Impacto do Reescalonamento das Obrigações do Tesouro (por residência) Valor Anual dos Juros (M€)
Redução Anual dos Juros (M€)
Portugueses
1.929
-965
Estrangeiros
1.331
-691
3.311
-1.655
Total
Fonte: Cálculos Próprios com base nos dados disponíveis a 28.02.2013
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Lusíada. Economia & Empresa. Lisboa, n.º 16/20123
Demasiado tarde para ser perdoada? Uma análise sintética sobre o impacto..., pp. 177-187
5. Conclusões Tendo em consideração o stock de dívida pública portuguesa (200.000 milhões de euros) e o seu peso no PIB (cerca de 121,9%), tem sido recorrentemente colocada a hipótese de se negociar com as entidades detentoras dessa divida um possível haircut e/ou redução dos juros. Atendendo à recente experiência grega de renegociação da dívida pública, que incidiu sobre a divida de médio e longo prazo, um processo de renegociação semelhante da dívida portuguesa de médio e longo prazo emitida sob a forma de obrigações (76.120M€, excluindo BCE), teria os seguintes efeitos: Haircut de 50% no valor nominal da Divida – Esta medida permitiria anular cerca de 38.060M€ de divida e reduzir o pagamento anual de juros em cerca de 1.655M€. Os Institucionais portugueses perderia cerca de 22.180M€, enquanto os estrangeiros perderiam cerca de 15.880M€. O maior impacto seria no sector bancário, com perdas da ordem dos 11.000M€ (admitindo um custo médio de aquisição de 72,5% e inexistências de imparidades já reflectidas em resultados), conduzindo a uma inevitável recapitalização do sector. Reescalonamento da divida e redução de 50% nos Juros – Esta medida permitiria, por um lado, adiar as datas de amortização da divida e, por outro, poupar anualmente cerca de 1.655M€ de juros (20% dos juros actualmente pagos, o que representa menos de 1% do PIB), com os Institucionais portugueses a perderem cerca de 965M€ / Ano, enquanto os estrangeiros perderiam cerca de 691M€ / Ano. Em face dos resultados obtidos, poder-se-á concluir que se em final de 2011 uma eventual renegociação da dívida titulada sob a forma de obrigações do tesouro exigiria um esforço reduzido dos Institucionais nacionais, uma vez que detinham apenas 27,8% dessa dívida, actualmente qualquer processo de reestruturação que eventualmente possa ser adoptado exigirá um esforço significativo dos Investidores Institucionais portugueses (detentores de cerca de 46,2% das OT’s), obrigando inevitavelmente a um processo de recapitalização adicional do sistema bancário. Bibliografia Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E., - http:// www.igcp.pt/gca/?id=86. Banco de Portugal, Boletim Estatístico de Fevereiro de 2013.
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Introduction to the Research on Sustainability of Rural Tourism Centro de Investigação em Gestão, Economia, Serviços e Turismo (CITIS) da Universidade Lusíada Sara Ramos Manuela Sarmento Pedro Sarmento
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Introduction to the research on sustainability of rural tourism, pp. 189-202
Resumo: O objetivo desta pesquisa diz respeito à análise da satisfação com o serviço de turismo rural, através do estudo da relação entre os determinantes da satisfação e os atributos que afetam a qualidade percebida. Os resultados desta investigação destinam-se a ajudar os gestores a melhorar a qualidade do serviço em áreas rurais. Palavras-chave: turismo rural; qualidade; expectativas; satisfação; serviço. Abstract: The aim of this research concerns the analysis of satisfaction with the service of rural tourism, through the study of the relationship between the determinants of satisfaction and the attributes that affect the perceived quality. The results of this research intended to help managers improve the quality of service in rural areas. Key-words: rural tourism; quality; expectations; satisfaction; service. 1. Introduction
Lusíada. Economia & Empresa. Lisboa, n.º 16/2013
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Introduction to the research on sustainability of rural tourism, pp. 189-202
Rural tourism is commonly understood as a way to meet and visit the rural environment, which allows tourists to integrate into daily practices of the property, turning them into tourist attractions. Currently there are various forms of tourism in rural areas such as rural tourism, agro-tourism, tourist village and country houses. These methods often overlap, which will be adopted by the terminology of rural tourism (TER), to reflect the best of the breadth of opportunities in rural areas. Rural tourism is, in some situations, viewed as a resource for landowners due to income from overnight stays, meals that market, and products produced in its infrastructure. The revenue from overnight stays and meals is one of the main features of rural tourism entrepreneurs, with strong emphasis on service quality and guest satisfaction. According to Tinoco and Ribeiro (2007), the determinants of guest satisfaction are different depending on the type of service, while for some, is that the corporate image is essential, for others it is the perceived quality and price. There is a need to investigate the determinants and the relationship established between them, leading to guest satisfaction for each particular service. To assess the satisfaction of guest services, it is essential to identify the criteria that underpin and lead to service excellence (Tinoco, 2006). Thus, the service provider can define efforts to respond primarily to the attributes considered most important by guests. 2. Framework In Portugal, in the seventies we watch to a breakdown of rural societies. In this sense there was a development of tourism and leisure activities in rural areas, given that it considered this type of tourism as a privileged means of promoting existing resources in rural areas, a factor of revitalizing the economic and social sector, and an opportunity to the development of these territories. In this perspective, during the nineties, new guidelines for rural development, being designed and implemented a set of legislative and financial
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193
Sara Ramos, Manuela Sarmento e Pedro Sarmento
support for diversification and development activities in rural areas. In Portugal, these measures were, first by supporting the creation of responses at the level of tourist accommodation, based on the restoration of buildings of architectural heritage and undoubted value and subsequently support the establishment of a complete and diversified tourist product, which values the diversity of existing endogenous resources in rural areas. In Portugal there are numerous tipes of which are approximately 1161 establishments distributed by islands and mainland Portugal (DGADR 2008). The TER offers to guests: Infrastructure such as: Swimming; golf / mini golf; tennis court; games room; gym; spa. Services such as: Baby-sitting; meal delivery; keep pets. Activities of animation, such as: Walking, cycling; jeep and motorcycle; watching animals; loud parties and meetings; equestrian activities; entertainment for children. The guest type of tourism in rural areas, are aged between 25 and 44 years, have higher qualifications, favours the discovery of the region and contact with nature and, on average, enjoy a stay for two nights. Currently, the service sector is a highly competitive industry, which occupies a leading role in the economy, which requires organizations need to win and retain customers to ensure their survival (Tinoco & Ribeiro 2007). This means, a relentless pursuit of quality of services and demand satisfaction of their guests. 3. Tourism sector The tourism sector has an increasingly great importance in the Portuguese economy, representing about 11% of GDP and absorbs close to 10% of employment in Portugal (DGADR, 2008). The rural tourism has gained some significance and importance in Portugal
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Lusíada. Economia & Empresa. Lisboa, n.º 16/2013
Introduction to the research on sustainability of rural tourism, pp. 189-202
which was due to an emerging appreciation of the territory, which has been shown to be an important tool for development of less developed regions in Portugal . Rural tourism emerges in an attempt to answer some felt needs, in particular, the lack of rural development and change in tourism demand, but above all as a product of high natural potential, history and culture that had not been much explored and arose from the search of new experiences for tourists. The development of tourism and quality of rural infrastructure is an important aspect, but tourists, actors involved in the process, are the basis of demand, is just around the needs of rural tourism which revolves, the attributes the local residents and local producers a role as or more important than the first. Because they are entrusted with the development of the process of promotion and conservation of the craft in order to take full advantage of the potential that their region and offer their expertise. This is also one of the challenges of this type of tourism in Portugal, due to lack of strategies to promote the products by producers and local authorities has meant that the potential gains that come from tourism in rural areas are still not very significant. There is therefore to show the way forward by developing strategies for action, allowing not only meet the needs of demand, but above all improve the quality of life of local people and sustainable development in each region (Ribeiro, 2010). The customer first, is one of the most commonly heard phrases in tourism, because it expresses an attitude essential to the success of organizations whose aim is related to providing solutions to the needs of its customers. The success of these measures is the result of application of ISO 9000:2000, which tells us that “quality means meeting the requirements combined with the customer” to make that happen is to identify what the requirements are desired by customers and then use this information to take actions to improve their satisfaction. The satisfied customer will continue to purchase services and also recommend his acquaintances. It’s a proven fact that costs 10 times more to get a new customer to retain a current customer (Joos, 2007). Customer satisfaction, along with the continuous improvement of quality, become the most important objectives of an organization. 4. Research questions, objectives and hypothesis The research problem is to find the answer of the following question: The service of rural tourism has quality standards that meets customer expectations? This research has as main objective to analyse the determinants of satisfaction and the attributes affecting the perception of the quality of customer services in areas of rural tourism. The specific objectives are:
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Sara Ramos, Manuela Sarmento e Pedro Sarmento
− Analyse the personal desires, expectations and emotions experienced when influencing customer satisfaction − Analyse the service that generates more satisfaction − Analyse the behaviour of employees is a quality factor − Analyse the expectations for the quarter are a factor influencing the satisfaction of guests We present four hypotheses that we will try to prove: − The image of the enterprise influences customer satisfaction − The price of the service influence customer expectations − The location of the project can influence the quality of service − The cleanliness and comfort of the enterprise influence the quality of service. 5. Methodology For better work development, we will perform a literature search, which will cover the entire bibliography published in relation to the subject under study, which may include publications, newsletters, newspapers, magazines, surveys, monographs, dissertations, cartographic material, among other. We will also opt for a quantitative approach using the deductive method. The search is performed with an exploratory, with the aim of design issues in the development and to increase chances of familiarity with the environment and that in the study. 6. Literature review In Portugal, rural tourism, it is a regulated tourist product, which includes various forms of accommodation, but increasingly want to develop as an integrated tourism product. In accordance with the law dates from 1986 and came up with three main objectives: stimulating the recovery of historical and cultural heritage, the combination of tourist accommodation provision to the traditions of rural accommodation and increased economic performance and living conditions of populations (Valente and Figueiredo, 2003). Under the general direction of tourism, rural tourism “is the set of activities, accommodation and entertainment for tourists, in enterprises of family, made and provided for remuneration, in rural areas.” (Art. 1. º Decree-Law no. No. 55/2002 of April 2), which are considered as “areas with significant and traditional connection to agriculture or the environment and landscape of distinctly rural character” (Art. 3. thereof, Decree-Law no. No. 55/2002 of April 2). As for Cavaco (2001), rural tourism is a tourism and natural spaces, especially spaces humanized, active or contemplative only, which ensures a return to the
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Introduction to the research on sustainability of rural tourism, pp. 189-202
past culture. The rural tourism has been seen as a solution to regional desertification and increased environmental protection, as well as a way of conservation of natural features and historical properties (Mendonça and Santos and Battle, 2011). Currently, this type of tourism is an activity generates economic development for rural areas, either individually or through the stimulation of other economic activities that interact with it, such as diversification of agricultural activities, job creation, development new services, encouragement of cultural initiatives, encouragement of rural crafts and restoration of historic heritage (White, Ribeiro and Tinoco, 2010). The variety of attractions available in rural areas, such as interests landscaped varieties of flora and fauna, conditions for sports activities or recreation (hunting, fishing, mountain biking, hiking, etc..), Cultural interests (festivities, monuments and historic sites, etc..) and good facilities, and determine attract customers (DGADR, 2008). However, not only that the enterprise can offer is sufficient to attract and retain customers is also necessary to take into account the satisfaction gained and quality of service perceived. Satisfaction may thus be defined as the sensation of pleasure from the client to compare the perceived performance of a product to your expectations. Considering that the performance meets their expectations, the customer is satisfied, if not answers, are dissatisfied, excels, is very pleased. (Kotler and Keller, 2006). In view of Hoffman (2003), customer satisfaction comes from life experiences, such as positive experiences, take the client to become partner of the generating company loyalty is a vicious circle positive, because you get more satisfaction, greater the relationship, ie, more faithfully. A loyal customer, in addition to satisfied customer is one who identifies himself with the venture and its products, disseminating them whenever possible and defending them when criticized. For authors such as Martin and (2008), Vlachos (2008) and Andreu (2008) satisfaction is a key determinant of the future intentions of customers for high levels of satisfaction generate many benefits for companies, resulting in higher fidelity, which in the long term, it is more profitable, because keeping good customers is more profitable than to constantly attract new ones. Literature presents several models of customer satisfaction, with many determinants of satisfaction. However, confirmation of expectations or not is presented by the authors as a very direct determinant of satisfaction (Andreu, 2008; Bigne, 2008). Other determinants are also presented such as the perceived quality (Jiang, Wang, 2006), the value (Vlachos, 2008; Lai, 2009), emotions (Martin and such; Andreu 2008), the corporate image (Lai, 2009), among others. For Tinoco and Ribeiro (2007) model of customer satisfaction is more complex and consists of the desires, expectations, emotions, perceived quality, price, perceived value, or not confirm the expectations and corporate image.
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Sara Ramos, Manuela Sarmento e Pedro Sarmento
The perceived quality is also an important factor in satisfaction and a variable crucial for customer loyalty. According to Kotler and Armstrong (1999), a good quality program services / products is a crucial factor in winning and retaining customers. Several investigations point to the evidence that two of the most effective ways to generate customer loyalty is customer delight (Oliver, 1999; Lee, Lee and Feick, 2001) and deliver superior value derived from excellent service and quality products ( Parasuraman and Grewal, 2000). In view of Nguyen and LeBlanc (1998), service quality and customer satisfaction exert more influence on the value of the service, than on customer satisfaction. Bolton and Drew (1991) service quality and experience of satisfaction / dissatisfaction are the determinants of customer loyalty. Dabholkar et al. (2000) and Caruana (2002) believe that satisfaction acts as a mediator of correlations between quality and loyalty. Suggesting that the correlation between performance quality and loyalty is weaker than that of satisfaction and loyalty. 6.1 Data analysis In order to find out whether the hypotheses are viable we carried out a questionnaire to twenty guest cottages. The questionnaire is divided into nine questions, which can be divided into three major groups, the socio-demographic attributes of perceived quality and the determinants that affect the satisfaction of the guests. Then we present the results obtained. 6.2 Socio-demographic of respondents By treating the data obtained from the survey, we can conclude that the owners of rural tourism in the west of Portugal, are mostly women (60%), are in the age group below 30 years (35%), are married (45% ) and have a son (35%). 6.3 Attributes which affect the perceived quality The analysis of attributes that affects the perceived quality, shows us that the majority of respondents consider that, room and food services with the factors that most influence the perceived quality, (95% and 85% of the responses, respectively). For the service, the internal aspects of quality are very important (90%). Table 1 shows the results of quality atributes. Table 1 - Results of quality attributes
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Introduction to the research on sustainability of rural tourism, pp. 189-202
Perceived quality (%)
Group
Indifferent
Very important
Fully important
External aspects
-
5%
95%
Room
-
5%
95%
Food service
-
15%
85%
Treatment
-
100%
-
Internal aspects
10%
90%
-
Products tours
-
80%
20%
For the quality attributes the tourists consider the room cleanliness, the security room, the room confort, the quality of food, the atmosphere, the accuracy of reserves, the quality of service restoration, the most important atributes of perception of quality, as shown in Table 2. Table 2 - Attributes considered most important quality Attribute
Perceived quality (%) Very important
Fuly important
Clean cottage
5%
95%
Security cottage
5%
95%
Comfort room
5%
95%
Clean room
5%
95%
Security room
5%
95%
Quality of meals
10%
90% 85%
Outside
15%
Location
20%
80%
Accuracy of reserves
35%
65%
Quality of the catering service
40%
60%
6.4 Determinants affecting guest satisfaction Catering, personal desires, expectations, emotions felt, perceived quality, service price, are the determinants that better explain customer satisfaction. Analyzing the results, of table 3 we verified the existence of a relationship between perceived quality, and the expectations of customers. An increase in perceived quality, for example, gives further confirmation of expectations and increases customer satisfaction. We can conclude that these determinants are the basis of the model of satisfaction for services in the areas of rural tourism. Tinoco and Ribeiro (2007), arrive to the same conclusion. There is also the image of the hotel service, expectations and customer
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Sara Ramos, Manuela Sarmento e Pedro Sarmento
satisfaction also relate positively, ie, the image of the organization creates expectations that customer can confirm in service delivery. This satisfaction, influences the corporate image and the perceived quality. Table 3 - Determinants of satisfaction with utmost importance Indifferent
Very important
Fully important
1. The image of hotel service Customer satisfaction Expectations
-
20% 80%
80% 20%
2. The desires of customers Expectations
Determinants of satisfaction
-
10%
90%
3. Customer expectations Customer satisfaction Hospitality service
10% 25%
70% 70%
20% 5%
4. The emotions experienced Service value
10%
70%
20%
5. Quality of service perceived by the customer Customer satisfation
-
25%
75%
6. The price of the service Quality Emotions experience Expectations
15% 15%
10% 80% 75%
90% 5% 10%
7. The value the customer attaches to service Customer satisfaction Personal desires
5% -
15% 25%
80% 75%
8. The satisfaction generated by the service Personal desires Hospitality services
-
30% 30%
70% 70%
10% 25% 20%
5% 80% 15% 70%
95% 10% 10%
9. Expectations Expectations Emotion experienced Hospitality service Quality
7. Conclusions The present study aimed to investigate the determinants that influence guest satisfaction, through the study of the relationship between them and establish the quality attributes perceived by guests of rural tourism. To achieve the objectives of the study, a survey was carried out to tourists of cottages where they were questioned about some aspects of quality and satisfaction that they considered the most important at the rural tourism. The main results of the study in terms of quality attributes which are
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Introduction to the research on sustainability of rural tourism, pp. 189-202
perceived by guests are cleaning, security room, room comfort, quality of food, atmosphere, accuracy of reserves and quality of catering service. Regarding guest satisfaction we find that there is a strong relationship between guest satisfaction, and the perceived quality which influences the corporate image. Bibliography Bigne, J. E., Mattila, A. S. & Andreu, L. (2008). The impact of experiential consumption cognitions and emotions on Behavioral Intentions. Journal of Services Marketing, Vol. 22, nº 4, p. 303-315. Bolton, R. N. & Drew, J. H. (1991). A longitudinal analysis of the impact of changes on costumer services attitudes. Journal of Marketing. Nº. 55, p. 1-9. Branco, G. M.; Ribeiro, J. L. D.; Tinoco, M. A. C. (2010). Determinants of satisfaction and quality attributes in hotel services. UFRGS, Porto Alegre, Brazil. Caruana, A. (2004). The impact of switching costs on customer loyalty: a study among corporate customers of mobile telephony. Journal of Targeting, Measurement and Analysis for Marketing, Vol. 12, nº 3, 256 – 268. Cavaco, C. (2001). Rural tourism and local development. Tourism and geography. New York: Hucitec. 94-121. Dabholkar, P., Shepard, D. & Thorpe, D. (2000). Assessing the effects of quality, value and customer satisfaction on behavioral intention in service environments. Journal of Retailing. Vol. 6, nº 2, 193 – 218. Dinis, F. (1999). Rural Tourism Impact in Local Economies - proportional income and employment multipliers (The case of Douro Region). Summer Institute, Tourism Sustainability and Territorial Organization, Faro. Directorate General for Agriculture and Rural Development (DGADR). (2008). Study of the characteristics of rural tourism and nature tourism in Portugal in 2008. Brochure of the Directorate General for Agriculture and Rural Development: Lisbon. Hoffman, K. Douglas (2003). Principles of services marketing: concepts, strategies and cases. St. Paul: Pioneer. Jiang, Y. & Wang, C. L. (2006). The impact of affect on service quality and satisfaction: the moderation of service contexts. Journal of Services Marketing, Vol. 20, nº 4, 211-218. Joos, C. D. (2010). In pursuit of customer satisfaction. Retrieved from the Internet in July 2012. Kotler, P. & Armstrong, G. (1999). Principles of Marketing. 7. Ed. Rio de Janeiro: LTC. Lai, F. et al. (2009). How quality, value, image, and satisfaction create loyalty at a Chinese telecom. Journal of Business Research, Vol. 62, 980-986. Lee, J.& Feick, L. (2001). The impact f switching costs on the customer satisfaction
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Recens達o
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“NEUROECONOMIA: Ensaio sobre a sociobiologia do comportamento” Ana Maria Lourenço Paiva Professora Auxiliar da Universidade Aberta
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CARVALHO, José Eduardo (2009) - NEUROECONOMIA Ensaio sobre a sociobiologia do comportamento, Lisboa, Edições Sílabo Este ensaio é uma obra precursora no campo das “novas ciências sociais” em Portugal. O autor, professor catedrático de economia, faz uma reflexão crítica teórica/ epistemológica que cria as bases para uma ruptura paradigmática no seio da economia e, ao longo de dezasseis capítulos, abre as portas à emergência de uma nova ciência, a neuroeconomia, que por extensão apoiará a emergência também do que podemos chamar as neurociências sociais. O livro inicia-se com quatros capítulos dedicados a uma revisão das principais escolas económicas, apresentadas sempre de forma sintética e clara, em articulação quer com as críticas que lhe foram feitas, quer com os seus respectivos pressupostos antropológicos e epistemológicos, ou seja, em articulação com as crenças científicas acerca da natureza humana que fundamentam as construções abstractas das diversas teorias apresentadas. Esta abordagem da teoria económica é portanto multidisciplinar. O autor mostra, assim, que as diferentes teorias económicas apresentam racionalidades adequadas às concepções do homem que em cada momento da história económica presidiram à intersubjectividade científica e filosófica dominante. Eduardo de Carvalho deixa muito claro para o leitor a ideia de que o homo economicus é constituído por modelos conceptuais, de alguma forma apriorísticos e arbitrários, aos quais subjazem convicções de tipo ontológico e antropológico que os condicionam e limitam. A novidade e o especial interesse da obra, para além da excelente síntese da história do pensamento económico para quem não é iniciado nesse campo, reside na demonstração lógica da necessidade de alterar a fundamentação especulativa das teorias económicas e situá-la no âmbito dos campos cruzados das ciências neurológicas e sociais, dando-lhes assim uma sustentação epistemológica científica e não filosófica. Trata-se de um exercício de relativização das «verdades» absolutizantes das diferentes teorias económicas e sociais, e uma evidenciação da necessidade de fundamentar as ciências sociais em pressupostos científicos recolhidos de outras ciências, no caso, a neurologia. Eduardo de Carvalho apresenta os mais recentes argumentos epistemológicos
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Ana Maria Lourenço Paiva
para concluir que os erros dos economistas e a ineficácia ou falência de algumas correntes económicas decorrem de uma ausência de isomorfismo entre o objecto real e o objecto teórico da disciplina. Assim, o autor propõe uma definição interdisciplinar do objecto de estudo - o homem, a sua consciência/inconsciência e modelo de funcionamento cerebral - como meio de evolução da investigação teórico/prática em economia e que é extensível às outras ciências sociais. Dos capítulos quinto ao sétimo Eduardo de Carvalho apresenta, em linguagem apropriada ao campo económico, o enquadramento necessário para a construção de uma nova epistemologia económica (nova definição ontológica e epistemológica do objecto de estudo). Fá-lo a partir de informação científica biológica, neurológica e química, ou seja, com base no contributo das ciências da vida e da neurologia - modelo neurológico de explicação dos actores económicos e sociais enquanto entes livres mas condicionados na sua vontade, pelo facto de serem seres químicos e emocionais. Após uma fundamentação da concepção antropológica do homem que lhe parece correcta face aos novos dados das ciências neurológicas, o Professor inicia criticamente a construção de um novo modelo de comportamento económico mais holista que os modelos anteriores, integrando nele os seus conhecimentos acerca do modo de funcionamento do cérebro humano. Nos capítulos oito a catorze, o autor retoma a análise crítica das teorias económicas, desta vez as mais contemporâneas, considerando conceitos básicos das várias correntes, tais como consumo e bem-estar, etc., explicando-os à luz dos contributos científicos da neurologia. A sua análise crítica inclui aspectos genéticos, evolutivos, fisiológicos, nutricionais, neuroquímicos e emocionais, ecológicos, psicológicos e motivacionais, sociológicos, culturais, históricos, éticos religiosos e filosóficos, numa abordagem complexa, mostrando não só a pertinência, mas a necessidade e a eficácia de tal abordagem. Finalmente, o autor encerra o livro com dois capítulos que estabelecem as bases de progresso para a nova ciência que advoga, a Neuroeconomia, adequando os conhecimentos neurológicos à realidade socioeconómica empírica que deve continuar a constituir o objecto de análise da “nova economia” (Neuroeconomia). É nesse contexto que reflecte e ensina acerca do recém-desenvolvido neuromarketing, especialmente aplicado à publicidade e às técnicas de fidelização dos consumidores. O Neuromarketing tem vindo a cruzar o conhecimento neurológico com os objectivos de mercado e expansão comercial, tendo em conta um perfil ontológico humano particular, isto é, o perfil do consumidor caracterizado em função de uma pluralidade de dados recolhidos das diversas ciências e que tem como base pressupostos teóricos contrários aos de teoria neoclássica. Enquanto a economia neoclássica postulou a consciência utilitarista dos consumidores aplicada às suas decisões de consumo (Teoria da Escolha Racional,) a Neuroeconomia assume como ponto de partida as demonstrações das neurociências, para então construir um corpo de hipóteses teóricas sobre o comportamento dos agentes económicos afirmando que, «grande parte das
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motivações que levam à compra se desenvolve a partir do inconsciente». Neuroeconomia é um livro que se lê com grande prazer, didáctico e claro, indispensável a investigadores e cientistas sociais, alunos de economia e áreas afins e, ainda, de inegável interesse para um público mais alargado, interessado na compreensão do mundo contemporâneo. Constitui um ensaio de grande nível científico que sintetiza as bases com que o autor advoga a urgente necessidade de repensar as «pseudociências» sociais que herdámos do racionalismo Moderno e Iluminista, para as ancorar numa fundamentação epistemológica absolutamente pós-racionalista.
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