Intervenção Social nº. 41 (1º semestre de 2013)
Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa – Catalogação na Publicação INTERVENÇÃO SOCIAL. Lisboa, 1985 Intervenção social / propr. Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa ; dir. Maria Augusta Geraldes Negreiros. - N. 1 (Junho 1985)- . – Lisboa : Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, 1985- . - 24 cm. - Quadrimestral ISSN 0874-1611 1. Serviço Social - Periódicos I – NEGREIROS, Maria Augusta Geraldes, 1941-2003
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Intervenção Social
N.º 41 (1º semestre 2013)
Fundação Minerva - Cultura - Ensino e Investigação Científica Maria Júlia Faria Cardoso Duarte Gonçalo Rei Vilar Paula Isabel Marques Ferreira Helena Maria Belchior Campos Costa Lourenço Rocha Berta Pereira Granja (Instituto Superior de Serviço Social do Porto); Duarte Gonçalo Rei Vilar (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa); Francisco José do Nascimento Branco (Universidade Católica Portuguesa); Helena da Silva Neves dos Santos Almeida (FPCE - Universidade de Coimbra); João de Freitas Ferreira de Almeida (ISSSL Universidade Lusíada de Lisboa); Jorge Manuel Leitão Ferreira (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa); Juan Pedro Mozzicafreddo (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa); Maria Gabriela Martins da Nóbrega Moita (Instituto Superior de Serviço Social do Porto); Maria João Barroso Pena (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa); Maria Helena Fernandes Mouro (Instituto Superior Miguel Torga); Maria Irene Lopes Bogalho de Carvalho (Escola Superior de Saúde do Alcoitão); Maria Júlia Faria Cardoso (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa); Maria Rosário Andrade de Oliveira Serafim (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa); Marília de Carvalho Seixas Andrade (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa); Marina Manuela Santos Antunes (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa); Michel Gustave Joseph Binet (ISSSL - Universidade Lusíada de Lisboa) Ana Cristina Ostermann (CNPq); Andrés Arias Astray (Facultad de Trabajo Social - Universidad Complutense de Madrid); Annamaria Campanini (Dipartimento di Sociologia e Ricerca Sociale - Università degli Studi di Milano-Bicocca); Antonio López Pelaez (Departamento de Trabajo Social - Facultad de Derecho - Universidad Nacional de Educación a Distancia); Belén Morata García de la Puerta (Universidad de Granada); Édina Evelyn Casali Meireles de Souza (Departamento de Fundamentos do Serviço Social - Faculdade de Serviço Social – Universidade Federal de Juiz de Fora); José Paulo Netto (Escola de Serviço Social - Universidade Federal do Rio de Janeiro); Juan Jesús Viscarret Garro (Departamento de Trabajo Social - Facultad de Ciencias Humanas y Sociales - Universidad Pública de Navarra); Lena Dominelli (School of Applied Social Sciences - Durham University); Lorenza Mondada (Département de Linguistique et Littérature - Université de Bâle); Malcolm Payne (St. Christopher’s Hospice); María Eugenia Garma (Escuela de Trabajo Social - Facultad de Ciencia Política y Relaciones Internacionales - Universidad Nacional de Rosario de Argentina); Marie Lacroix (École de Service Social - Université de Montréal); Rosana de Carvalho Martinelli Freitas (Universidade Federal de Santa Catarina) 8980/85 0874-1611 Lisboa 2013 Semestral http://revistas.lis.ulusiada.pt/index.php/is Universidade Lusíada Editora Rua da Junqueira, 188-198 1349-001 Lisboa Tel.: +351 213611500 / +351 213611568 Fax: +351 213638307 URL: http://editora.lis.ulusiada.pt E-mail: editora@lis.ulusiada.pt João Paulo Fidalgo Europress – Editores e Distribuidores de Publicações, Lda. Praceta da República, 15 2620-162 Póvoa de Santo Adrião Tel.: +351 218 444 340 / Fax: +351 218 492 061 E-mail: geral@europress.pt
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Sumário Editorial ........................................................................................................................... 7 Júlia Cardoso Assistencialismo e regressividade profissional no Serviço Social ....................... 11 José Paulo Netto O Bairro do Casal da Mira, Município da Amadora: um território de inclusão ou exclusão? ................................................................................................................. 37 Inácia Maria Cabrita Navalhas Moisés A Relação Profissional no quadro da intervenção do assistente social ............... 55 Maria João Barroso Pena Análise da Conversação etnometodológica e Investigação em Serviço Social: preliminares teórico-metodológicos ......................................................................... 71 Michel Gustave Joseph Binet Violência institucional e responsabilidade profissional na resposta ao abuso sexual de crianças ........................................................................................................ 93 Regina Ferreira Vieira Assistência, Acção Social e Municípios: apontamentos históricos e desafios Actuais ........................................................................................................................ 121 Júlia Cardoso Recensão - Ostermann, A. C. & Meneghel, S. N.. Humanização Gênero Poder: Contribuições dos estudos de fala-em-interação para a atenção à saúde ....................... 143 Michel G. J. Binet Revistas on-line em Serviço Social .......................................................................... 149 Revista Intervenção Social, temas de Serviço Social e Intervenção Social. Política Editorial ........................................................................................................ 153
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O nº 41 da Revista Intervenção Social que se apresenta aos leitores e, especialmente, aos leitores assistentes sociais, coincide com o início de uma nova direção mas não representa alteração às linhas fundamentais que têm orientado esta publicação, cujo primeiro número data de Junho de 1985. Tal como aconteceu há quase trinta anos, a Intervenção Social manterá a sua missão de divulgação e de partilha do conhecimento produzido em Serviço Social, seja no âmbito dos estudos e pesquisas que vão sendo realizados, seja relacionado com o exercício das práticas profissionais dos assistentes sociais. Dirigir esta Revista é uma honra mas também uma grande responsabilidade, não só pela sua longevidade e pela sua importância para a classe profissional e mundo académico, como pela qualidade que os meus antecessores lhe imprimiram: relembro Maria Augusta Negreiros que, com a sua sabedoria e tenacidade, dinamizou uma equipa que se lançou neste desafio e que, curiosamente, mereceu logo de início o apoio institucional e financeiro da então Junta Nacional de Investigação Científica e da Fundação Gulbenkian; relembro, ainda, os seus sucessores no cargo, Francisco Branco e Jorge Ferreira, que souberam manter esta publicação como uma referência no panorama nacional e, até, em países como Espanha e o Brasil. No momento em que assumo tão grande responsabilidade, não posso, também, deixar de demonstrar gratidão para com todos aqueles que mantêm a sua dedicação à Intervenção Social, como é o caso de Duarte Vilar, subdiretor, Helena Rocha e Paula Ferreira que nos acompanham no Secretariado, bem como a todos os membros do Conselho Científico, nacional e internacional, que nos prestigiam com a sua colaboração. Este número da Revista é, para o Serviço Social, um número muito especial: em primeiro lugar, porque inicia com um artigo de José Paulo Netto, Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro que, para além de ter sido docente do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, mantém laços afetivos com Portugal e os portugueses e a colaboração com diversas escolas de Serviço Social nacionais. O seu artigo “Assistencialismo e regressividade profissional no Serviço Social” constitui um excelente exercício reflexivo sobre o quadro contemporâneo de crise e de erosão dos direitos sociais e das consequências para a dinâmica profissional.
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Em segundo lugar, porque cumpre uma das principais funções da Intervenção Social: dá a conhecer o conhecimento produzido por assistentes sociais no âmbito das suas teses de doutoramento em Serviço Social e, também, o trabalho de um investigador, Michel Binet, que, não sendo assistente social, escolheu como tema da sua tese a “Microanálise etnográfica de interacções conversacionais: atendimentos em serviços de acção social”, apresentando no seu artigo questões de natureza teórico-metodológica merecedoras de atenção para a investigação em Serviço Social, no campo específico da Análise da Conversação. Os artigos resultantes de teses de doutoramento em Serviço Social abordam temas diversificados: - Inácia Moisés, com o seu trabalho “O Bairro do Casal da Mira, Município da Amadora: Um Território de Inclusão ou Exclusão?” analisa os impactos resultantes de um processo de realojamento social, particularmente na transformação dos modos de vida das famílias e nos processos de mobilidade e inserção social; - Maria João Pena aborda, no seu artigo intitulado “A Relação Profissional no quadro da intervenção do assistente social”, questões relativas à configuração e efetivação da relação profissional no quadro da perspetiva das forças; - Regina Vieira explora teoricamente o conceito de violência institucional na relação com os limites da responsabilidade profissional por omissão ou por incorreto procedimento profissional, num artigo intitulado “Violência institucional e responsabilidade profissional na resposta ao abuso sexual de crianças”; - Num artigo intitulado “Assistência, Ação Social e Municípios: apontamentos históricos e desafios atuais” Júlia Cardoso apresenta uma perspetiva da evolução da assistência social no contexto local e dos desafios que enfrentam os municípios no âmbito da coesão social territorial e nas opções por uma ação social de cariz ou assistencial ou assistencialista. Por fim, apresenta-se a recensão do livro de Ana Cristina Ostermann e Stela Nazareth Meneghel “Humanização Gênero Poder: contribuições dos estudos de fala-em-interação para a atenção à saúde”, editado em 2012, primeira coletânea de estudos de interações gravadas de atendimentos em saúde que explora as potencialidades da análise conversacional na investigação aplicada no domínio da saúde. Júlia Cardoso
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Resumo A consolidação do Serviço Social, operada durante a vigência do Welfare State, propiciou aos seus profissionais o exercício da ação assistencial diferenciada da intervenção assistencialista. No quadro contemporâneo da exponenciação da “questão social”, simultânea à erosão dos direitos sociais implementados durante o Welfare e no marco de uma crise sistêmica da ordem social dominante, estão postas as condições para um retorno aos referenciais assistencialistas, condições favorecedoras de regressões na dinâmica profissional. Palavras-chave: Serviço Social; crise sistêmica do capital; assistencialismo. Abstract The consolidation of Social Work, operated during the term of the Welfare State, propitiated to their professionals the exercise of an assistive action differentiated from the assistive intervention. In the contemporary frame the exponentiation of the “social question”, simultaneous with the erosion of social rights implemented during Welfare and in the mark of a systemic crisis from the dominant social order, conditions for a return to the assistentialist references are placed, conditions wich favor regressions in the professional dynamic. Key-words: Social Work; capital systemic crisis; assistencialism.
Introdução Em todas as latitudes, o Serviço Social vem experimentando, nas últimas três décadas, mudanças substantivas. Tais mudanças envolvem a profissão como um todo: alteram-se os parâmetros da formação dos assistentes sociais, modificam-se as referências (teóricas, metodológicas e ídeo-políticas) que norteiam as suas práticas, distintos padrões de relações laborais enquadram a sua inserção ocupacional, diversificam-se as suas áreas de intervenção e
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também o universo dos usuários dos seus serviços. Embora diferenciadamente, a percepção dessas mudanças e seus impactos atravessa, já há algum tempo, a maioria dos periódicos profissionais, comparece em larga bibliografia e ressoa na documentação institucional1. Está claro que esse processo, extremamente complexo – e que, longe de envolver somente o Serviço Social, cobre todo o elenco de atividades incidentes sobre o campo do social –, vincula-se, estreita porém mediatamente, às grandes transformações societárias que, igualmente nos últimos três decênios, vêm afetando a sociedade da ordem econômico-política regida pelo capital, ordem que, no mesmo lapso temporal, viu-se planetarizada inclusive pela crise terminal das experiências do que foi chamado de “socialismo real”. E mais: tal processo se dá no marco do que se afigura uma crise sistêmica da ordem do capital, implicando uma visível regressão de valores civilizatórios duramente conquistados num longo percurso histórico. O conciso artigo que ora se publica (oferecendo ao leitor um largo e pluralista rol de indicações bibliográficas para aprofundar e desenvolver questões conexas à temática nele abordada2) sinaliza o que me parece reinstaurar, no quadro contemporâneo, um vetor de regressividade no campo profissional do Serviço Social – o assistencialismo.
1 No que toca aos periódicos profissionais, apenas a título de ilustração, recorra-se, entre muitas, a publicações bem conhecidas: British Journal of Social Work (Reino Unido), Social Service Review (EUA), Canadian Social Work Review (Canadá), Transnational Social Review (Alemanha), The New Social Worker (EUA), European Journal of Social Work (Reino Unido), Revue Française de Service Social (França), Lien Social (França), Serviço Social & Sociedade (Brasil), Escenarios (Argentina) e Revista de Trabajo Social (seja a chilena, seja a mexicana). Quanto à bibliografia, só é possível mencionar aqui, de um rol enorme, uma pequeniníssima, mas expressiva, amostragem: J. Clarke (ed.), A Crisis in Care? Challenges to Social Work. London: Sage, 1993; N. Parton (ed.), Social Theory, Social Change and Social Work. London: Routledge, 1996; Chopart, J.-N. (dir.), Les mutations du travail social. Paris: Dunod, 2000; A. Adams et alii (eds.), Fundamentals of Social Work in Selected European Countries. Lime Regis: Russel House, 2000; P. Mondolfo, Travail social et développement. Paris, Dunod, 2001; L. Dominelli, Social Work: Theory and Practice for a Changing Profession. Cambridge: Polity Press, 2004; W. Lorenz, Social Work in a Changing Europe. London: Routledge, 1994 e Perspectives on European Social Work. Opladen: Barbara Budrich Publishers, 2006; M. V. Iamamoto, Serviço Social em tempo de capital fetiche. S. Paulo: Cortez, 2007; V. Fortunato et alii (eds.), Social Work in Restrutured European Welfare Systems. Roma: Carocci, 2008; M. Payne & G. A. Askeland, Globalization and International Social Work. Farham (UK): Ashgate, 2008. Enfim, acerca da documentação institucional, recorra-se, por exemplo, a textos da última década das seguintes organizações: International Federation of Social Workers, International Association of Schools of Social Work, European Association of Schools of Social Work e Asociación Latinoamericana de Escuelas de Trabajo Social. 2 Espero que o eventual leitor não se apoquente com este rol de referências, que podem parecer excessivas; elas são aqui registradas porque entendo que os especialistas da área do Serviço Social devem sempre socializar as suas fontes, procedimento imperioso para alargar o horizonte das pesquisas e estimular/problematizar mais pistas de investigação.
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Serviço Social: da institucionalização à consolidação profissional O exame cuidadoso e o tratamento crítico da história do Serviço Social – que, de fato, desenvolveram-se a partir dos anos 1970, quando teve início a ruptura com as concepções endogenistas da sua história3 – revelam que a sua institucionalização profissional decorre entre a última década do século XIX e finais da terceira década do século XX, coincidindo com a estruturação (segundo E. Mandel, ocorrente entre 1890-1940) do estágio “clássico” do capitalismo monopolista4. Esta determinação historiográfica diz respeito, é preciso salientar, à profissionalização do Serviço Social nos países capitalistas centrais (em especial, França, Bélgica, Inglaterra, Estados Unidos e Canadá); ela não foi sincrônica à 3 Sobre o endogenismo na análise do desenvolvimento do Serviço Social, cf. C. Montaño, A natureza do Serviço Social. S. Paulo: Cortez, 2007. 4 Para mapear a profissionalização do Serviço Social, a documentação é, do ponto de vista quantitativo, enorme; refiro, aqui, tão somente os principais títulos de que se socorrem as minhas pesquisas: R. E. Pumphrey & M. W. Pumphrey (eds.), The Heritage of American Social Work. New York: Columbia University Press, 1967; P. Seed, The Expansion of Social Work in Britain. London: Routledge & Kegan Paul, 1973; R. Lubove, The Professioal Altruist. The Emergence of Social Work as Career (1880-1930). New York: Atheneum, 1977; J. Leiby, A History of Social Welfare and Social Work in the United States. New York: Columbia University Press, 1978; J. Verdès-Leroux, Le travail social. Paris: Minuit, 1978; Y. Kniebiehler, Nous les assistantes sociales. Naissance d’une profession. Trente ans de souvenirs d’assistantes sociales françaises (1930-1960). Paris: Aubier, 1980; J. Midgley, Professional Imperialism: Social Work in the Third World. London: Heinemann, 1981; M. E. Martínez et alii, Historia del Trabajo Social en Colombia. Bogotá: Tecnilibros, 1981; M. V. Iamamoto e R. Carvalho, Relações sociais e Serviço Social no Brasil. S. Paulo: Cortez/Celats, 1983; M. M. Castro, História do Serviço Social na América Latina. S. Paulo: Cortez, 1984; J. H. Ehrenreich, The Altruistic Imagination: A History of Social Work and Social Policy in the United States. Ithaca (NY): Cornell University Press, 1985; H.-J. Brauns & D. Kramer, Social Work Education in Europe: A Comprehensive Description of Social Work Education in 21 Countries. Frankfurt: Deutschen Vereins, 1986; H. Mouro e A. Carvalho, Serviço Social no Estado Novo. Coimbra: Centelha, 1987; N. Alayón, Historia del Trabajo Social en Argentina. Buenos Aires: Espacio, 1992; M. C. Hokenstad et alii (eds.), Profiles in International Social Work. Washington: NASW Press, 1992; T. D. Watts et alii (eds.), International Handbook on Social Work Education. London: Greenwood Press, 1995; C. Rater-Garcette, La professionnalisation du Travail Social : action sociale, syndicalisme, formation, 1880-1920. Paris: L’Harmattan, 1996; E. E. Ramírez, Historia del Trabajo Social en México. México: Plaza y Valdéz, 1998; M. H. Q. Neira (org.), Antología del Trabajo Social chileno. Concepción: Universidad de Concepción, 1999; A. M. C. Martins, Génese, emergência e institucionalização do Serviço Social português. Lisboa: Fund. C. Gulbenkian/Fund. para a Ciência e a Tecnologia, 1999; N. Tello (coord.), Trabajo Social en algunos países: aportes para su comprensión. México: UNAM, 2000; G. Parra, Antimodernidad y Trabajo Social. Orígenes y expansión del Trabajo Social argentino. Buenos Aires: Espacio, 2001; L. Ruiz, “Sesenta años de Trabajo Social en Venezuela”. Revista Venezuelana de Análisis de Coyuntura. Caracas: Universidad Central de Venezuela, enero-julio, 2002; S. Hering & B. Waaldijk, History of Social Work in Europe (1900-1960). Opladen: Leske & Budrich, 2003; E. Jovelin (dir.), Histoire du Travail Social en Europe. Paris: Vuibert, 2008; W. R. Wendt, Geschichte der Sozialen Arbeit. Stuttgart: Lucius & Lucius, 2008; M. L. Molina, “El Trabajo Social en América Latina y Caribe”. Revista Em Pauta. Rio de Janeiro:Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Faculdade de Serviço Social, nº 22, 2009; G. Hauss & D. Schulte (eds.), Amid Social Contradictions: Towards a History of Social Work in Europe. Leverkusen: Barbara Budrich Publishers, 2009; J. Pierson, Understanding Social Work. History and Context. New York: Two Penn Plaza, 2011; K. Lyons et alii, The Sage Handbook of International Social Work. London: Sage, 2012.
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institucionalização profissional nas semiperiferias e nas periferias capitalistas, que ocorreu mais no período subsequente ao fim da Segunda Guerra Mundial; até à eclosão deste conflito, pode-se pensar o Serviço Social como uma profissão efetivamente institucionalizada apenas na Europa Nórdica e Ocidental (daí praticamente excluída a Península Ibérica) e na América do Norte5. Hipótese a ser mais explorada, e com a qual trabalho, sugere que, no caso específico do Serviço Social, a profissionalização não foi expressiva da sua consolidação – que supõe mais que a sua regulamentação jurídico-institucional (exigências de formação e de credenciamento dos agentes técnicos, definição de estatuto laboral e de atribuições funcionais, reconhecimento legal): a consolidação supõe ainda e também a conquista de uma legitimidade social conferida por práticas profissionais de resultantes visíveis. As indicações mais seguras apontam para a consolidação do Serviço Social como um fenômeno próprio à constituição e densificação dos vários formatos do Welfare State, emergente já na sequência da crise de 1929, mas de fato implementado no pós-Segunda Guerra Mundial e que, do ponto de vista geopolítico, na sua breve história, envolveu uma parcela bem restrita da população mundial6. Nas suas diversas formatações, o Welfare State (sob distintas designações: Estado de bem-estar social, Estado social, Estado providência, Estado benefactor) caracterizou-se, entre outros traços distintivos, por abrigar o que Marshall nominou direitos sociais7 – em função das lutas conduzidas pelo proletariado em seus espaços nacionais e/ou do temor que a simples existência do experimento soviético provocava nos estratos dirigentes das classes dominantes ocidentais. Ora, o Welfare State, que foi uma das possibilidades de ordenamento sóciopolítico do Estado burguês na idade do monopólio8, operou no sentido de concretizar esses direitos sociais mediante um de seus intrumentos reguladores mais importantes, a política social – e, nas modalidades específicas desta, acabou por instaurar o que ficou conhecido como seguridade social, de que a assistência 5 Com efeito – e deixadas de lado as transplantações colonialistas da profissão –, a universalização do Serviço Social é posterior a 1960 (o seu último capítulo, invadindo a Europa Central e do Leste, está diretamente ligado ao colapso das experiências do “socialismo real” e ao impacto negativo deste colapso sobre amplos contingentes populacionais). 6 Cf. P. Flora & A. Heidenheimer (eds.), The Development of Welfare State in Europe and America. New Brunswig: Transaction, 1981; R. Mishra, Society and Social Policy. Theories and Practice of Welfare. London: MacMillan, 1981 e O Estado providência na sociedade capitalista. Oeiras: Celta, 1995; G. Esping-Andersen, The Three Worlds of Welfare Capitalism. Cambridge/Princeton: Polity Press & Princeton University Press, 1990 e C. Pierson & F. Castles (eds.), The Welfare State Reader. Cambridge: Polity Press, 2007. 7 Cf. T. H. Marshall, Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. Para uma crítica da concepção de Marshall, cf. N. Bobbio, A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004; para uma interessante alternativa liberal à concepção tradicional dos direitos sociais, cf. J. C. Espada, “Direitos sociais de cidadania – uma crítica a F. A. Hayek e R. Plant”. Análise social. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais/Universidade de Lisboa, vol. XXX (131-132), 1995. 8 Tais possibilidades são, também, uma função do nível e do resultado das lutas de classes em contextos sócio-históricos muito determinados – cf. J. P. Netto, Democracia e transição socialista. Escritos de teoria e política. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.
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social passou à condição de componente. Em poucas palavras: com o Welfare State, a assistência social transladou-se também para o campo dos direitos constitutivos da cidadania (tal como concebida por Marshall). A ênfase no “também” não é casual: historicamente marcada pelo cariz filantrópico-caritativo, a assistência social mesmo tornada direito não promoveu a eversão das formas filantrópico-caritativas, que prosseguiram como tais (e que, ademais, registraram mudanças) – tão somente, instaurou-selhe um novo estatuto, que a liberava das hipotecas da benemerência e do favor. Esta translação para o campo dos direitos foi extremamente significativa para o Serviço Social. Com efeito, o Serviço Social, já nas suas protoformas, buscava de algum modo delimitar-se do mero caritativismo, ainda que sem desvincular-se dos valores éticos que o animavam – buscava, em especial, organizá-lo de forma menos aleatória, mais sistemática9, procurando delimitar com nitidez as suas práticas mediante a adoção de instrumentos e modalidades interventivos providos de racionalidade pretendidamente científica (donde o apelo às ciências sociais então emergentes); buscava, em suma, operar uma ação assistencial de novo tipo. Seu processo de institucionalização, que lhe garantiu algum tratamento técnico da “questão social”10, entretanto, não o afastou por completo das suas origens, intimamente vinculadas à ação assistencial filantrópico-caritativa (e há autores que situam o Serviço Social como “a profissão da assistência”). Mas sempre fez parte da reivindicação da profissionalidade do Serviço Social a distinção entre a ação assistencial e o assistencialismo, marcado pelo caráter emergencial, pelos traços manipuladores, pela ideologia da benemerência e do favor, pela incidência do clientelismo (“caciquismo”), pelo pragmático enfrentamento de expressões da “questão social” com a objetiva ignorância do seu sistema de causalidades11. Nas condições próprias do Welfare State, que conferiram à assistência social o estatuto de direito, encontraram enfim os assistentes sociais os suportes (sócio-políticos e institucionais) para exercerem uma intervenção social distinta do assistencialismo, uma ação assistencial liberada do imediatismo e do 9 Recorde-se a ação da célebre COS, fundada em Londres em 1869 – cf. H. D. Bosanquet, Social Work in London, 1869-1912: A History of the Charity Organisation Society. New York: A. M. Kelley, 1970 (ed. orig. de 1914). 10 A relação entre Serviço Social e “questão social” é objeto de larga bibliografia profissional, dispensável de referir nesta oportunidade. Cabe observar, porém, que depois da publicação dos (muito diferentes) trabalhos de P. Rosanvallon, La nouvelle question sociale. Repenser l´État Providence. Paris: Minuit, 1995 e de R. Castel, Métamorphoses de la question sociale. Une chronique du salariat. Paris: Fayard, 1995, a polêmica entre os assistentes sociais se reacendeu; na bibliografia profissional brasileira, cf., entre outros, os textos reunidos em Temporalis. Brasília: ABEPSS/Grafline, ano 2, nº 3, 2001; A. Pastorini, A categoria “questão social” em debate. S. Paulo: Cortez, 2004 e o capítulo 1 de J. S. Santos, “Questão social”. Particularidades no Brasil. S. Paulo: Cortez, 2012. 11 A recusa do assistencialismo tem sido historicamente constante entre os profissionais do Serviço Social; contudo, não foram muitos os esforços analíticos para fundamentá-la – entre eles, cabe referir o ensaio de N. Alayón, Asistencia y Asistencialismo. Pobres controlados o erradicación de la pobreza?. Buenos Aires: Lumen-Humanitas, 4ª. ed., 2008.
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voluntarismo do pronto-socorro social. De forma concisa: o Welfare State abriulhes a alternativa de operarem, no espaço contraditório das relações sociais, como técnicos portadores de conhecimentos qualificados (e não mais e somente como indivíduos mobilizados generosamente por motivações de natureza ética). Em que medida aqueles suportes foram adequada e suficientemente explorados pelos assistentes sociais, eis uma questão que só pode ter resposta a partir de cuidadosas pesquisas; mas todas as indicações sugerem que foi precisamente na execução de políticas sociais (públicas, estatais)12 que o Serviço Social avançou para a conquista de um status de legitimidade – ou seja, consolidou-se socialmente para além (ainda que dela se valendo) da sua institucionalização jurídico-formal como profissão. Os anos dourados do Serviço Social Entre a reconstrução do segundo pós-guerra (1945) e a entrada dos anos 1970 decorre a consolidação profissional do Serviço Social, o período a que se pode chamar de os anos dourados do Serviço Social – basicamente nos países capitalistas centrais, mas com claros rebatimentos nas semiperiferias e periferias nas quais a profissão se fazia presente. Nestas, é verdade que, conforme a supramencionada dissincronia do processo de profissionalização em relação aos países centrais e as suas particulares condições econômicas e sócio-políticas13, projetos de Welfare compareceram tardiamente nos anos 1980, mas não prosperaram14; assim, não contaram com os suportes já referidos para a consolidação do Serviço Social – contudo, nem por isto esta deixou de, em algum grau, verificar-se em várias delas (voltarei rapidamente a isto). Nos anos 1950/1960, o Serviço Social – nos países centrais – teve conclusivamente definida a sua inserção na formação universitária e se desenvolveram espaços acadêmicos em nível de pós-graduação (processo que 12 Discussão relevante acerca de conceitos como esses, correlatos ao de política social, encontra-se no cap. V de P. A. P. Pereira, Política social. Temas & questões. S. Paulo: Cortez, 2008. 13 De fato, as periferias e semiperiferias não experimentaram a implementação de quaisquer formatos de Welfare – nas Américas, por exemplo, o Uruguai do período reformista de Battle y Battle (1900/1930) no máximo pode ser considerado uma tênue “antecipação” de Welfare (cf. G. Caetano & J. Rilla, Historia contemporánea del Uruguay. Montevideo: Claeh/Fin de Siglo, 1996) e a Costa Rica de José Figueres, posterior à guerra civil (1948), não mais que isso (cf. H. P. Brignoli, ed., Historia general de Centro América. De la posguerra a la crisis.1945-1979. Madrid: Comunidades Europeias/FLACSO, 1993). Para além das “modernizações capitalistas” (de que são exemplos, no pós-1930, o México de Cárdenas, o Brasil de Vargas e a Argentina do primeiro Perón), a configuração dos direitos sociais dificilmente pode ser identificada, na América Latina, como parte da constituição de um Welfare. Por outro lado, houve áreas periféricas em que a modernização tardia se processou também sob o tacão de ditaduras truculentas (como o Irã de Reza Pahlevi, entre 1953 e 1979, e a Indonésia de Suharto, entre 1965 e 1998). 14 O Brasil é um desses casos: segundo alguns analistas, a Constituição aprovada (1988) após a derrota da ditadura (1964-1985) continha um projeto de Welfare, logo inviabilizado – cf. I. Lesbaupin (org.), O desmonte da Nação. Balanço do governo FHC. Petrópolis: Vozes, 1999.
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se acentuaria nos anos seguintes). As agências de formação (escolas, faculdades) se laicizaram, cresceram e perderam o seu caráter de nichos (com interações e sentido de pertencência quase domésticos). A relação com as ciências sociais e humanas viu-se ativada. Cresceu a produção bibliográfica, elaborada no plano acadêmico e no campo profissional. O intercâmbio institucional entre os profissionais – no interior dos seus países e com seus pares do exterior – tornou-se mais intenso. As demandas postas pelos vários formatos de Welfare ampliaram significativamente o mercado de trabalho15, e operou-se uma explícita diferenciação técnico-profissional do Serviço Social16. Nas duas décadas em tela, adensou-se no Serviço Social a marca do reformismo conservador, marginalizando os laivos de reacionarismo ídeopolítico próprios do anticapitalismo romântico que, especialmente na Europa de cultura católica, vincaram as protoformas profissionais; muito fortemente, fez-se sentir no universo ideal do Serviço Social (com óbvias refrações nas suas práticas) o influxo advindo do pensamento funcionalista desenvolvido nas ciências sociais norte-americanas17. Importa destacar aqui que este deslocamento facilitou o ingresso da profissão ao patamar ídeo-político e teórico posto pelos vários formatos de Welfare: aquele da promoção do bem-estar social18. O foco no bem-estar social contribuiu para uma interação substantiva entre assistentes sociais e instituições estatais e supra-estatais (como a ONU e a OEA, por exemplo), conferindo maior visibilidade à profissão. Neste período, a intervenção de natureza assistencial dos profissionais de Serviço Social inscreveu-se seguramente no plano da política social – seja de políticas que contemplavam a dimensão da assistência, seja de políticas específicas de assistência social. Em qualquer dos casos, como se tratava de intervenções (públicas, estatais)19 que não se esgotavam no domínio do 15 Mormente em função da expansão das políticas sociais, como o demonstrou o estudo de EspingAndersen citado na nota 6. Vale lembrar que, nos anos 1960-1975, o crescimento do gasto social em relação ao PIB, nos 7 maiores países da OCDE (Canadá, França, Alemanha Ocidental, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) saltou, na média, de 12,3% para 21,9% (cf. C. Pierson, Beyond the Welfare State?. Cambridge: Polity Press, 1991). 16 Recorde-se que, então, enfim se estabeleceram e definiram melhor os “novos processos” (ou “métodos”) – a intervenção com grupos e o trabalho em comunidades –, postos agora ao lado do trabalho centrado em indivíduos (o “caso”). 17 Todo esse complexo ídeo-político e teórico encontrou tratamento em M. L. Martinelli, Serviço Social: identidade e alienação. S. Paulo: Cortez, 7ª. ed., 2001; M. V. Iamamoto, Renovação e conservadorismo no Serviço Social. S. Paulo: Cortez, 7ª. ed., 2004; J. P. Netto, Capitalismo monopolista e Serviço Social. S. Paulo: Cortez, 7ª. ed., 2009 e Ditadura e Serviço Social. S. Paulo: Cortez, 16ª. ed., 2011. 18 Neste contexto, antigas organizações umbilicalmente ligadas ao Serviço Social passaram a ter o seu protagonismo redimensionado – como é o caso do Conselho Internacional de Bem-Estar Social (ICSW), fundado em 1928 pelo Dr. R. Sand. 19 Não se esqueça que a assistência pode constituir-se (e, de fato, constituiu-se) na estratégia de instituições e organizações não-estatais (é legítimo, pois, considerar-se a existência, por exemplo, de uma política assistencial de instituições religiosas). Um dos traços próprios do Welfare State foi a subsunção (não a eliminação) dessas políticas à sua política social.
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emergencial (política social supõe algum nível de planejamento)20 e que atendiam a demandas que se legitimavam como direitos, a ação profissional passou a processar-se para além dos marcos da benemerência21. No entanto, o essencial consiste no fato de a intervenção dos assistentes sociais transcender não somente o favor pelo reconhecimento do direito: consiste em que a dimensão da assistência passou a coexistir e a concorrer com outras dimensões no exercício profissional – destacadamente a dimensão focada na promoção do bem-estar social, que desbordava largamente o domínio do assistencial. As implicações deste desbordamento, que ainda merecem uma análise mais detida, foram de monta, contribuindo para contrarrestar a visão dominante do Serviço Social como “a profissão da assistência” e alterando a imagem (e a auto-imagem) dos assistentes sociais. É procedente, pois, correlacionar a vigência, mesmo limitada temporalmente e a países centrais, do Welfare State com a consolidação profissional do Serviço Social e identificá-la aos seus anos dourados – foi o Welfare que lhe forneceu os suportes ideais e institucionais (e, também, os meios materiais) para a sua consolidação. Mas igualmente nalgumas periferias e semiperiferias esse processo rebateu com força e teve efeitos expressivos. Este rebatimento – operando-se na conjuntura em que estavam em curso modificações nas relações entre centro/periferia22 – teve por substrato o promocionalismo do bem-estar social que, no plano internacional, traduziu-se por uma tentativa, dos círculos dirigentes dos países centrais, de responder à tomada de consciência, nas periferias e semiperiferias, acerca do subdesenvolvimento23. Um objetivo central dessa tentativa era escamotear as conexões entre o subdesenvolvimento e a exploração exercida pelos centros imperialistas (o eixo dessa resposta reformista-conservadora seria formulado pelo economista W. W. Rostow24). As lutas sociais que se acentuaram nos anos 1950/1960 (na 20 Data deste período a preocupação técnica dos assistentes sociais com o planejamento da intervenção profissional. 21 Questão que não pode sequer ser tangenciada aqui é a que se refere ao usuário dos serviços prestados pelo assistente social – ao deixar de ser um “assistido” (objeto de ação filantrópicocaritativa), passando a ser um “cidadão” (que recebe a atenção que lhe cabe por direito), livrou-se ele do estigma social de ser um “beneficiário”? 22 Condicionadas, inclusive, por alterações na divisão internacional do trabalho, quando Estados semiperiféricos e periféricos tiveram a sua economia afetada, por exemplo, pela chamada industrialização via substituição de importações, cujo auge ocorreu no final dos anos 1950. 23 Não cabe recuperar aqui o quadro geral do debate sobre o subdesenvolvimento e a tomada de consciência acerca dele, emergente no imediato segundo pós-guerra (e, naturalmente, vinculada às lutas de libertação nacional que culminaram com a liquidação dos velhos impérios coloniais). Basta-me apenas indicar que tal debate, na passagem dos anos 1950 aos 1960 e em seguida, produziu uma importante bibliografia crítica, cuja expressão privilegiada aparece nos textos da época de pensadores como Yves Lacoste, Celso Furtado, A. Gunder Frank e, em especial, do que se convencionou chamar de “teoria da dependência” (R. Mauro Marini, Teotônio dos Santos et alii). 24 As idéias de Rostow, conselheiro do governo norte-americano nos anos 1960, foram sistematizadas em seu livro The Stages of Economic Growth (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), cujo título se complementava, emblematicamente, com a qualificação um manifesto não-comunista.
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Ásia, na África e na América Latina – era o “despertar” do que então se chamou Terceiro Mundo), dinamizando posições antiimperialistas e anticapitalistas e promovendo giros em instituições até então inteiramente conformadas com o status quo (entre as quais a Igreja católica, que experimentou grandes inflexões durante o pontificado de João XXIII), forçaram a emergência de uma autêntica cruzada internacional, de que participaram organizações supra-nacionais25, para promover o desenvolvimento, cruzada que se expressou, à época, nas “ideologias desenvolvimentistas”. A proposta reformista-conservadora logo se revelaria (como o atestaria, por exemplo, o fracasso do programa norte-americano da Aliança para o Progresso), mas dinamizou o Serviço Social em algumas áreas periféricas e semiperiféricas, especialmente pela generalização da intervenção de profissionais no então recentemente expandido campo do desenvolvimento de comunidade – sobre o qual passou a exercer-se também a influência das idéias progressistas do Pe. Lebret26. Ademais de requisitar novas qualificações, eminentemente técnicas, dos assistentes sociais (p. ex., as relacionadas ao planejamento social), de colocá-los frente a problemáticas macro-sociais (forçando a ultrapassagem dos limitados círculos do trabalho centrado em indivíduos e com pequenos grupos, expressos no espaço do “psico-social”) e de levá-los a novas interações com a sua inserção em equipas multiprofissionais, o desenvolvimentismo, dada a sua vocação promocionalista e a sua genérica proposição da “mudança social”27, abriu a via para deslocar a centralidade da ação assistencial. Como observou M. Manrique Castro, atento analista do Serviço Social periférico, foi precisamente na quadra desenvolvimentista que os assistentes sociais pretenderam deixar a condição de “apóstolos” para assumir a de “agentes da mudança” – no curto prazo, muitos desses assistentes sociais compreenderam os limites da “mudança social” reformista conservadora e radicalizaram as suas propostas profissionais, transcendendo o campo do promocionalismo e, inclusive, avançando na crítica do assistencialismo. Naquelas áreas periféricas e semiperiféricas em que a conjuntura nacional oferecia condições favoráveis (regimes democráticos ou com lutas forçando distensões democráticas, algum nível significativo de urbanização e industrialização e uma estrutura universitária mínima), coincide com o desenvolvimentismo uma expansão das agências de formação em Serviço Social 25 Inclusive a ONU, cuja Assembleia Geral, a partir de 1960, passou a fomentar as “Estratégias Internacionais de Desenvolvimento”, elaboradas a espaços de dez anos. 26 Fundador de Économie et humanisme, o padre L. J. Lebret – assessor do Concílio Vaticano II, convocado por João XXIII em 1961 – publicou, entre muitos trabalhos importantes, Dynamique concrète du développement. Paris, Éd. Ouvrières, 1967. 27 Já mencionei o peso do pensamento sociológico funcionalista (norte-americano) sobre o Serviço Social nos anos 1950/1960 – a noção de “mudança social” (quase sempre articulada à de “modernização”) é dele caudatária. Construiu-se, à base daquele pensamento, uma “sociologia do desenvolvimento” segundo a qual a “solução” para o subdesenvolvimento, implicando “mudança social” e “modernização”, era sobretudo um equacionamento “técnico”, demandando essencialmente um eficaz “planejamento social”.
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e do seu mercado de trabalho (sobretudo no âmbito dos serviços estatais). E também se assiste ao surgimento de clivagens e fraturas no campo profissional, com a emergência de novas concepções teóricas, outros valores ídeo-políticos e práticas diversas28. Em poucas palavras: não parece possível desvincular a consolidação profissional do Serviço Social, nos países centrais – mas também em algumas áreas periférias e semiperiféricas – da vigência do Welfare State. A restauração do capital, o desmonte do Welfare State e a crise sistêmica Entre o fim dos anos 1970 e o dos anos 1980, primeiro nos países capitalistas centrais e, em seguida, em periferias e semiperiferias, processou-se a travagem e a reversão das tendências sócio-políticas que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, delinearam e sustentaram os formatos do Welfare State; não por acaso, tratou-se da década cujos emblemas foram o tatcherismo e a reaganomics – e também não por acaso nesses anos emergiu o que se designaria por crise do Welfare State29. A crise econômica que vinha dos fins dos anos 1960 desaguou na recessão generalizada de 1974-1975, manifestada numa ponderável queda da taxa de lucro das grandes corporações. E evidenciou que a dinâmica do sistema capitalista ingressava num estágio que invertia o diagrama do crescimento econômico tal como este se desenhara desde a recuperação do segundo pós-guerra: se, então, a curva do crescimento era ascendente e pontuada por conjunturais episódios 28 É neste quadro que, por exemplo na América Latina, surgirá um importante movimento de renovação do Serviço Social, conhecido como “Reconceituação” – cf. N. Alayón et alii, Desafío al Servicio Social. Buenos Aires: Humanitas, 1976; D. Palma, Reconceptualización: una búsqueda en América Latina. Buenos Aires: Ecro, 1977; V. P. Faleiros, “Confrontos teóricos do movimento de reconceituação do Serviço Social na América Latina”. Serviço Social & Sociedade. S. Paulo: Cortez, nº 24, agosto de 1987. Para uma visão retrospectiva, cf. N. Alayón (org.), Trabajo Social latinoamericano. Buenos Aires: Espacio, 2ª. ed. aumentada, 2007 – nesta edição, há textos referentes a Portugal (de M. H. Reis e C. S. Maurício) e à Espanha (de M. Feu). 29 Especificamente sobre o tatcherismo e a reaganomics, cf. E. J. Evans, Thatcher and Thatcherism. London: Routledge, 2004 e A. P. Sahu & R. L. Tracy, eds., The Economic Legacy of the Reagan Years: Euphoria or Chaos?. New York: Praeger, 1991. Quanto à crise do Welfare State, larga bibliografia foi dedicada a ela. Cf., entre muitas fontes: OCDE, L´État protecteur en rise. Rapport de la Conférence sur les Politiques Sociales dans les années 80. Paris, 20-30 octobre, 1980. Paris: OCDE, 1981; P. Rosanvallon, cit. na nota 10; R. Mishra, The Welfare State in Crisis: Social Thought and Social Change. New York: St. Martin’s Press, 1984; S. de Brunhoff, L´heure du marché. Critique du libéralisme. Paris: PUF, 1986; J. Alber, “Is there a crisis of the Welfare State? Crossnational evidence from Europe, North America, and Japan”. European Sociological Review. Oxford: Oxford University Press, vol. 4, nº 3, 1988; M. Moran, “Crisis of the Welfare State”. British Journal of Political Science. Cambridge: Cambridge University Press, vol. 18, nº 3, 1988; E. Isuani et alii, El Estado benefactor. Un paradigma en crisis. Buenos Aires: Miño y Dávila Eds., 1991; P. Pierson, Dismantling the Welfare State? Reagan, Tatcher and the politics of retrenchment. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. Cf., ainda, A. J. Avelãs Nunes, As voltas que o mundo dá... Reflexões a propósito das aventuras e desventuras do Estado Social. Lisboa: Avante!, 2010.
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de crises (cíclicas), agora os indicadores assinalavam conjunturais episódios de crescimento numa curva estagnada ou descendente – à onda longa expansiva sucederia uma onda longa recessiva30. Chegava ao fim o que alguns economistas franceses designaram como os anos dourados do capitalismo (“as três décadas gloriosas”) e as perspectivas imediatas para o domínio do capital revelavam-se problemáticas31. As lutas de classes que se registravam especialmente (mas não exclusivamente) nos países capitalistas centrais haveriam de decidir os rumos sócio-políticos no curto e médio prazos – e as forças afetas aos interesses do grande capital tomaram a ofensiva, reprimindo, desarticulando e/ou apassivando as suas antagonistas. A resultante foi a restauração planetarizada do domínio, então ameaçado, do capital32. Tal restauração, sob a chancela neoliberal e redefinindo a conexão centroperiferia, conduziu à atual dinâmica financeirizada do capitalismo e aos “tempos conservadores” contemporâneos33. Operando sobre as transformações societárias que ao largo de um quarto de século reconfiguraram a sociedade capitalista em sua totalidade – envolvendo os novos padrões da produção material e espiritual, a cultura e a família, as expressões políticas das classes sociais fundamentais, a própria estrutura de classes e as relações Estado/sociedade civil34 –, a restauração 30 Cf. E. Mandel, O capitalismo tardio. S. Paulo: Abril, 1982 e A crise do capital. Os fatos e sua interpretação marxista. S. Paulo/Campinas: Ensaio/Unicamp, 1990. Para um tratamento polêmico da concepção de Mandel, cf. E. Almeida Neto, “Uma onda longa recessiva está apenas começando”, in P. A. Sampaio Jr. (org.). Capitalismo em crise. A natureza e a dinâmica da crise econômica mundial. S. Paulo: Sundermann, 2009. 31 Uma síntese histórica dos “anos dourados” e do seu “desmoronamento” encontra-se em E. J. Hobsbawm, Era dos Extremos (1914-1991). S. Paulo: Cia. das Letras, 1995 (sob o mesmo título, há edição portuguesa – Lisboa: Presença, 1996). 32 Cf. R. Braga, A restauração do capital. São Paulo: Xamã, 1996. Brilhante análise do cinismo da economia política do capital diante dos resultados efetivos dessa restauração encontra-se em J. L. Medeiros, A economia diante do horror econômico. Niterói: Ed. da UFF, 2013, parte IV. 33 Cf. F. Chesnais, A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996, (coord.), A mundialização financeira: gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1998 e A finança mundializada. S. Paulo: Boitempo, 2005; S. Amin, Más allá del capitalismo senil. Paidós: Buenos Aires, 2003; D. Harvey, O novo imperialismo. S. Paulo: Loyola, 2004 e O neoliberalismo. História e implicações. S. Paulo: Loyola, 2008 e M. B. Steger y R. K. Roy, Neoliberalismo. Una breve introducción. Madrid: Alianza, 2011. Sobre o conservadorismo contemporâneo, cf. A. Cueva (coord.), Tempos conservadores. A direitização no Ocidente e na América Latina. S. Paulo: Hucitec, 1989; R. Miliband et alii, El conservadurismo en Gran Bretaña y Estados Unidos. Valencia: Alfons El Magnanim, 1992; M. Verea Campos y S. Nuñez García (coords.), El conservadurismo en Estados Unidos y Canadá. Tendencias y perspectivas hacia el fin del milenio. México: UNAM/CISAN, 1997 e I. Stelzer (ed.), The Neocon Reader. New York: Grove Press, 2004. 34 Resumi esse processo no ensaio “Transformações societárias e Serviço Social. Notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil”. Serviço Social & Sociedade. S. Paulo: Cortez, ano XVII, nº 50, abril de 1996; outra síntese está acessível em J. P. Netto e M. Braz, Economia política. Uma introdução crítica. S. Paulo: Cortez, col. Biblioteca Básica de Serviço Social, vol. 1, 7ª. ed., 2011. Ver também D. Harvey, Condição pós-moderna. S. Paulo: Loyola, 1993; F. Jameson, Pós-modernidade ou a lógica cultural do capitalismo tardio. S. Paulo: Ática, 1996; G. Therborn, Between Sex and Power: Family in the World, 1900-2000. London: Routledge, 2006; R. Antunes, Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Coimbra: Almedina/CES, 2013.
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do capital, no decurso de duas décadas, alcançou um inequívoco êxito: recuperou as taxas de lucro das mega-corporações35, promoveu um formidável processo de concentração e centralização de capitais36, obteve uma inédita liberdade de movimento para os fluxos cada vez mais voláteis do capital especulativo37, instaurou um ambiente ideológico que lhe era francamente favorável (os “tempos conservadores”) e desconstruiu (inclusive levando-as ao transformismo) as formas políticas opositivas tradicionais38. As consequências sócio-econômicas desse êxito da ofensiva do capital não tardaram a vir à tona e, já num ensaio da entrada dos anos 1990, Hobsbawm anunciava “o crescente alargamento da distância entre o mundo rico e o pobre (e provavelmente entre os ricos e os pobres no interior do mundo rico); a ascensão do racismo e da xenofobia; e a crise ecológica, que nos afetará a todos”39. De fato, o novo capitalismo (derruindo aquele que Przeworski chamou de “capitalismo 35 Cf. G. Duménil & D. Lévy, The Economics of the Profit Rate. Brookfield: E. Elgar, 1993 e E. Wolf,“What’s Behind the Rise in Profitability in the US in the 1980s and 1990s?”. Cambridge Journal of Economics. Oxford: Oxford University Press, 2003, vol. 27, number 4. 36 Cf. E. Costa, A globalização e o capitalismo contemporâneo. S. Paulo: Expressão Popular, 2008, pp. 69-103. Resultado desse processo de concentração/centralização: uns poucos grupos monopolistas detêm o controle mundial dos setores de biotecnologia, produtos farmacêuticos e veterinários, sementes, agrotóxicos, alimentos e bebidas e redes de distribuição varejista (cf. Brasil de fato. S. Paulo: ano 4, nº 160, março/2006). Também nas finanças internacionais o mesmo processo se verifica: elas já eram mundialmente controladas, no final do século XX, por menos de 300 bancos (e corretoras de ações e títulos). 37 Escrevendo na entrada do pesente século, S. Amin (op. cit. na nota 33, p. 32) estima que o fluxo de capitais voláteis era 30 vezes superior ao montante do comércio mundial. Isto foi possível com a liquidação de quaisquer controles nacionais significativos, implicando na redução da soberania de Estados nacionais – naturalmente os mais débeis; como observou o Prof. Hobsbawm, “o mundo mais conveniente para os gigantes multinacionais é aquele povoado por Estados-anões, ou sem Estado algum” (op. cit. na nota 31, ed. bras., p. 276). 38 Exemplares do transformismo aqui aludido foram as inflexões operadas nos partidos de cariz social-democrata, que tinham sido, como A. Przeworski (Capitalismo e social-democracia. S. Paulo: Cia. das Letras, 1991) o demonstrou, suportes políticos – juntamente com seus aparatos sindicais – do Welfare. Na sequência dos anos 1980, tais partidos tornaram-se intransigentes gestores das “políticas de ajuste” propugnadas pelas chamadas agências multilaterais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional); cf. D. Sassoon, One Hundred Years of Socialism. London: I. B. Taurus, 1996, esp. o livro terceiro; outra análise, pouco crítica, e que aborda algo de um “caso semiperiférico”, o espanhol, encontra-se em J. V. Sevilla, El declive de la socialdemocracia. Barcelona: RBA, 2011; para o “caso periférico” brasileiro do Partido dos Trabalhadores (PT) e seu governo, cf. M. Iasi, As metamorfoses da consciência de classe. O PT entre a negação e o consentimento. S. Paulo: Expressão Popular, 2006 e V. Arcary, Um reformismo quase sem reformas. Uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira. S. Paulo: Sundermann, 2011. Quanto às transformações vividas pelo movimento sindical, cf., p. ex., A. Bihr, Du “Grand Soir” à “L’Alternative”. Le mouvement ouvrier européen en crise. Paris: Éd. Ouvirères, 1991; J. Freyssinet (org.), “Syndicats d’Europe”. Le mouvement social. Paris: Éd. Ouvrières, nº 162, janvier-mars, 1993; L. M. Rodrigues, Destino do sindicalismo. S. Paulo: EDUSP, 1999; G. Alves, O novo (e precário) mundo do trabalho. Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. S. Paulo: Boitempo, 2000; K. Moody, US Labor in Trouble and Transition. New York: Verso, 2007. 39 E. J. Hobsbawm, in R. Blackburn (org.), Depois da queda. O fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 104; o cauteloso “provavelmente” do parêntese de Hobsbawm pode ser suprimido hoje (2013). Sobre a “crise ecológica”, cf. B. Sousa Santos, Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. S. Paulo: Cortez, 1995, pp. 296-299.
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democrático”) emergente da ofensiva do capital trouxe ganhos fantásticos para a oligarquia financeira mundial, um diminuto universo pessoal, e seus agregados – ao mesmo tempo em que acarretou enormes desigualdades e perdas para a massa da população mundial, seja nos países centrais, seja nos periféricos e semiperiféricos, agravadas (notadamente nos primeiros) pelo desemprego em escala inédita40. 40 Em 1999, “a concentração [da riqueza] chegou ao ponto de o patrimônio conjunto dos raros 447 bilionários que há no mundo ser equivalente à renda somada da metade mais pobre da população mundial – cerca de 2,8 bilhões de pessoas” (Alex F. Mello, Marx e a globalização. S. Paulo: Boitempo, 1999, p. 260); em 2004, documento de agência vinculada à ONU informava que os 500 indivíduos mais ricos do mundo tinham um rendimento conjunto maior que o rendimento dos 416 milhões de pessoas mais pobres (PNUD, Relatório do desenvolvimento humano 2005. Lisboa: Ana Paula Faria Ed., 2005, p. 21); dados da ONU, de 2006, indicavam que “os 2% adultos mais ricos do mundo possuem a metade da riqueza global, enquanto a parcela correspondente a apenas 1% da população adulta detém 40% dos ativos mundiais. Em contrapartida, a metade mais pobre da população adulta só possui 1% da riqueza global” (E. Costa, op. cit. na nota 36, p. 109); cf. ainda, sobre a oligarquia financeira global e seus agregados, R. A. Dreifuss, A época das perplexidades. Mundialização, globalização e planetarização: novos desafios. Petrópolis: Vozes, 2004. Acerca da pauperização das massas, cf., dentre documentos oficiais, textos acadêmicos e jornalísticos, V. Forrester, L´horreur économique. Paris: A. Fayard, 1996; H.-P. Martin e H. Schumann, A armadilha da globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. Lisboa: Terramar, 1998; M. Chossudovsky, A globalização da pobreza. S. Paulo: Moderna, 1999; Banco Mundial, Globalization, growth and poverty: building an inclusive world economy (press release de 23 de abril de 2004); M. Pochmann et alii (orgs.), Atlas da exclusão social. Vol. 4: A exclusão no mundo. S. Paulo: Cortez, 2004; OECD, Growing Unequal? Income Distribution and Poverty in OECD. Paris: OECD, 2008; CEPAL, Panorama social de América Latina. 2009. Santiago: ONU/CEPAL, 2009; United States Census Bureau, Income, Poverty and Health Insurance Coverage in the United States. 2010. Washington (DC): US Government Printing Office, 2011; OECD, Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising. Paris: OECD, 2012; M. Antuofermo & E. Di Meglio, “Population and Social Conditions”. Eurostat, Statistics in focus, 9/12; EAPN-Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, Indicadores sobre a pobreza. Dados europeus e nacionais. Porto: EAPN/Portugal, agosto de 2012; R. Grover, C. Pearce & K. Raworth, “Desigualdade e degradação ambiental ameaçam excluir os pobres dos benefícios do crescimento econômico”. Informativo da OXFAM 157. Oxford: Oxfam GB, janeiro de 2012; J. Ziegler, Destruição em massa. Geopolítica da fome. S. Paulo: Cortez, 2013. Sobre o desemprego, cf., na década de 1990, as preocupações do “Grupo de Lisboa”, expressas em Limites à competição. Lisboa: Europa-América, 1994 e Jeremy Rifkin, O fim dos empregos. S. Paulo: Makron Books, 1995; a magnitude do fenômeno, na sequência das conjunturas críticas de 2008 e 2010, demonstrou suficientemente que ele é constitutivo, nesta escala, do novo capitalismo – “Nossa estimativa provisória para o ano de 2011 é que o desemprego tenha sido de 196 milhões de pessoas e que passaremos em 2012 a 202 milhões, um aumento de seis milhões, e em 2013, a 207 milhões” (declarou em Genebra R. Torres, diretor do Instituto Internacional de Estudos Sociais da OIT, conforme o site noticias.terra.com.br em 29 de abril de 2012). Submergidos em aparente serenidade e em óbvio otimismo (imperdoavelmente ingênuo), alguns traços desse novo capitalismo subjazem no Relatório do Desenvolvimento Humano 2013. A ascensão do Sul: progresso humano num mundo diversificado, elaborado pelo PNUD, que registra, à página 22 da sua versão em português, esta passagem significativa: “A crescente desigualdade de rendimentos nos Estados Unidos e nalguns países europeus espelha a questão da equidade na forma como são distribuídos os rendimentos e os beneficiários do crescimento. Estas preocupações começam a permear o discurso político dominante nos países desenvolvidos, embora, até à data, com impacto limitado nas políticas seguidas. O desemprego nos países desenvolvidos apresenta os seus níveis mais elevados desde há anos, sendo que uma grande percentagem da população ativa não obteve, nas últimas décadas, um incremento significativo dos salários reais, apesar do aumento substancial de rendimento verificado nos decis mais ricos. O aumento da desigualdade tem sido
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Neste novo capitalismo não há lugar para o Welfare State tal como conhecido em seus diversos formatos: a ofensiva capitalista desmontou o Estado de bemestar social – fê-lo, ainda que em medida diferencial, nos distintos países centrais e também com os seus projetos em áreas da semiperiferia e da periferia. Em menos de duas décadas, foi dissolvida a sua cultura política, ancorada no caráter universalista das suas prestações41, legitimadora das formas de proteção social que se fundavam nos reconhecidos direitos sociais e os concretizavam mediante a seguridade social; foram reordenados os seus instrumentos (como as políticas sociais), redesenhada a sua organização institucional e redirecionados os seus recursos – em menos de duas décadas, o Welfare State transformou-se a ponto de não ser mais identificado como originalmente. Para alguns investigadores, o Welfare ingressou num processo transicional que apontaria para um novo e futuro estágio de desenvolvimento42 – prospecção que a cada dia se afigura menos plausível e mais inviável. Com efeito, o novo capitalismo – ou, se se quiser, o estágio a que ascendeu o capitalismo pós-1970, e que alguns nomeiam simplesmente como capitalismo contemporâneo –, apresentando fenômenos e processos inéditos (ou inéditos em sua intensidade), mas conservando a sua essência exploradora, monopolista e concentradora e repondo em novo nível as suas incontornáveis contradições, este capitalismo contemporâneo tem acentuado o caráter destrutivo da sua produção (de que uma das implicações é a imparável degradação dos ecossistemas)43, agravado as desigualdades sociais e promovido mais pauperização44 e evidenciado fortíssimas tendências antidemocráticas (de que a neutralização, pelos núcleos de poder decisórios, das massivas manifestações populares contra acompanhado por exigências, da parte de muitos dos mais desafogados, de menos Estado e de maior contenção orçamental: os desafogados não só beneficiaram de forma desproporcionada do início do crescimento, como também parecem empenhados em proteger os seus ganhos. É surpreendente que, nas democracias, apesar da pressão considerável da sociedade civil, a agenda dos governos seja dominada por programas de austeridade e não por programas de proteção social”. 41 A cultura política própria à ofensiva do capital foi enunciada contundentemente pela falecida Senhora Thatcher: “Não há sociedade, só indivíduos”. 42 Cf., por exemplo, N. Johnson, The Welfare State in Transition: The Theory and Practice of Welfare Pluralism. Brighton: Weatsheaf, 1987; G. Esping-Andersen, Welfare State in Transition: National Adaptations in Global Economies. London: Sage, 1996; G. Bonoli et alli, European Welfare Futures: Towards a Theory of Retrenchment. Cambridge: Polity Press, 2000; P. Pierson (ed.), The New Politics of the Welfare State. Oxford: Oxford University Press, 2001. 43 Sobre a produção destrutiva, cf. I. Mészáros, Para além do capital. S. Paulo: UNICAMP/ Boitempo, 2002, esp. caps. 14 a 16. No que toca à degradação dos ecossistemas, já está claro que “é uma ilusão acreditar que um desenvolvimento [ecologicamente] sustentável seja alcançável no interior dos mecanismos de funcionamento do mercado” (A. W. Stahel, in C. Cavalcanti (org.), Desenvolvimento e natureza. Estudos para uma sociedade sustentável. S. Paulo/Recife: Cortez/ Fundação Joaquim Nabuco, 1995, p. 111); em ensaio mais recente, outra investigadora tematiza a questão da “sustentabilidade” ambiental em relação à “sustentabilidade social”, chegando à mesma conclusão de Stahel (cf. M. G. e Silva, “Sustentabilidade ambiental e (in)sustentabilidade social”, in A. E. Mota (org.), As ideologias da contrarreforma e o Serviço Social. Recife: Ed. da UFPE, 2010). 44 Cf. a documentação citada na nota 40 e, infra, na nota 53.
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as “políticas de ajuste” na Europa Meridional nos dois últimos anos é um dos exemplos mais emblemáticos)45. São salientes e decisivos, todavia, os dois traços que o capitalismo contemporâneo vem explicitando e que lhe parecem inerentes: primeiro, a inépcia para sustentar taxas de crescimento econômico real similares às do período precedente à recessão generalizada de 1974-197546; segundo, a incapacidade para operar dispositivos minimamente eficazes para reduzir os impactos de crises pontuais cada vez mais recorrentes47. É na consideração das resultantes já mencionadas da ofensiva do capital e destes dois condicionalismos que, em face do terremoto financeiro que abalou a economia mundial em 2008, competente economista formulou a seguinte diagnose: “Esta é a primeira grande crise realmente completa do sistema capitalista, por isso mais complexa e potencialmente mais explosiva, uma vez que envolve toda a vida social do sistema capitalista – a esfera da produção, da circulação, o crédito, as dívidas públicas e privadas, o sistema social, o meio ambiente, os valores neoliberais, a cultura individualista e, especialmente, o Estado como articulador do processo de acumulação”48. Se este diagnóstico é correto – como a mim parece sê-lo –, o capitalismo contemporâneo se move, desde 2008, no prelúdio de uma crise sistêmica, a terceira a registrar-se no curso de sua história (a primeira abriu-se em 1873 e só foi ultrapassada em 1896 e a segunda, a de 1929, perdurou até 1945). E é fato que as condições atuais da correlação de forças sócio-políticas – nas quais o transformismo das instituições político-sindicais antes opositivas ao establishment e o peso do apassivamento de amplos segmentos trabalhadores redundaram numa conjuntura de lutas sociais basicamente defensivas que, malgrado as recentes disrupções, não parece reversível a curto prazo49 – continuam 45 Tais tendências já tinham sido apreendidas, desde os anos 1980, por estudiosos argutos como o mexicano R. Villareal (La Contrarrevolución Monetarista. Teoría, Política Económica e Ideología del Neoliberalismo. México: Fondo de Cultura Económica, 1986, esp. partes IV e V) e o português A. J. Avelãs Nunes (O keynesianismo e a contra-revolução monetarista. Coimbra: Separata do Boletim de Ciências Económicas, 1991, esp. p. 510 e ss.). 46 Em inícios de 2008, o estudioso norte-americano R. Brenner anotava que “o desempenho econômico nos EUA, Europa Ocidental e Japão, deteriorou-se em todos os indicadores relevantes (crescimento econômico, investimento, salários) década após década, ciclo econômico após ciclo econômico, desde 1973” (cf. Against The Current. Detroit, janeiro-fevereiro de 2008). Corridos cinco anos, este quadro não foi revertido. 47 De 1970 até 2008, antes da chamada “crise da zona do euro”, registraram-se, no mundo, “124 crises bancárias sistêmicas, 208 crises cambiais e 63 episódios de não-pagamento de dívida soberana” (C. Gontijo e F. A. Oliveira, Subprime: os 100 dias que abalaram o capital financeiro e os efeitos da crise sobre o Brasil. Belo Horizonte: Corecon-MG/Autores, 2009, p. 5). 48 E. Costa, “A crise mundial do capitalismo e as perspectivas dos trabalhadores”. Resistir.info, 5 de fevereiro de 2009. Os itálicos não constam do original. Ensaios indispensáveis para compreender a crise capitalista mundial encontram-se em M. Chossudovski & A. G. Marshall (eds.), The Global Economic Crisis. The Great Depression on the XXI Century. Montreal: Global Research, 2010. 49 Desde meados dos anos 1970, em todos os quadrantes, as lutas sociais, especialmente as conduzidas pelos segmentos proletários, prosseguiram – mas assumiram caráter defensivo, de resistência. Este caráter permanece, a meu juízo, nas mobilizações dos três últimos anos, que certamente indicam
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oferecendo ao grande capital e suas agências espaços de manobra para ladear as dificuldades e contradições próprias a esta crise contemporânea. Para além de mecanismos tradicionais e dos estruturados no processo de financeiração da economia, o grande capital enfrenta a emergência desta crise com a hipertrofia dos ganhos da indústria bélica, dados pelo crescimento mundial dos gastos militares (agora estendidos à esfera da segurança privada e pública) e, sobretudo, com um assalto sem precedentes ao fundo público50. Pois bem: na abertura do que se assemelha a uma crise sistêmica, exponencia-se a problematização dos avanços que o Serviço Social, a partir da sua consolidação ao tempo do Welfare State e nas suas decorrências, foi capaz de realizar. Reinstaura-se um vetor de regressividade na dinâmica profissional do Serviço Social: o assistencialismo da intervenção social é revigorado e tende a restaurar, para a profissão, os limites do pronto-socorro social. um novo tônus combativo que, porém, para ultrapassar o limite da resistência e ganhar a ofensiva, exigem a superação do que, noutra oportunidade, caracterizei como déficit organizativo da esquerda (cf. J. P. Netto, “O deficit da esquerda é organizacional”. Socialismo e Liberdade. Rio de Janeiro: Fundação Lauro Campos, ano 1, nº 2, 2009). 50 A indústria bélica sempre constituiu um dínamo da economia capitalista na era monopólica (cf. V. Perlo, Militarism & Industry. New York: International Publishers, 1963 e P. A. Baran & P. M. Sweezy, Monopoly Capital. An Essay on the American Economic of Social Order. New York: Monthly Review Press, 1966, esp. cap. 7), mas o seu crescimento dez anos após o fim da Guerra Fria foi notável; indicam-no os gastos militares mundiais que, desde 1999, aumentaram: entre 2000 e 2009, cresceram em 48,9% (cf. E. B. Silva Filho e R. F. Moraes, “Dos ‘dividendos da paz’ à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após a Guerra Fria. 19912009”. Texto para discussão. Rio de Janeiro: IPEA, julho de 2012); cf. ainda M. Chossudovsky, Guerra e globalização. S. Paulo: Expressão Popular, 2004 e C. Serfati, La mondialisation armée: le déséquilibre de la terreur. Paris: Textual, 2011. À indústria bélica vincula-se a produção (e a venda de serviços) de tecnologia das seguranças privada e pública: no capitalismo contemporâneo, verifica-se que o belicismo passa a incluir as políticas de segurança em períodos de paz formal e se estende como negócio capitalista privado na paz e na guerra, configurando a militarização da vida social – cf. F. M. S. Brito, Acumulação (democrática) de escombros. Rio de Janeiro: UFRJ, tese de doutoramento/PPGSS, 2010. Evidentemente, tal militarização conecta-se à ampliação da repressão sobre as “classes perigosas”, configurando o movimento que Wacquant designou como substituição do Estado de Bem-Estar Social pelo Estado Penal – cf. L. Wacquant, Punir os pobres: a nova gestão da pobreza nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de Criminologia, 2002. Sobre o assalto ao fundo público e seus impactos sobre a política social, cf. os excelentes estudos reunidos em E. Salvador et alii (orgs)., Financeirização, fundo público e política social. S. Paulo: Cortez, 2012, caps. 4 a 8. Sobre a sucção do fundo público pelo grande capital, sabe-se que ela não é fenômeno recente; fenômeno recente – de que as desonerações tributárias dos anos 1980 (R. K. Roy & A. T. Denzau. Fiscal Policy Convergence from Reagan to Blair. The Left Veers Right. London: Routledge, 2004) e as privatizações (A. G. Nasser, “The Tendency to Privatize”. Monthly Review. New York: Monthly Review Press, vol. 54, issue 10, March 2003) foram os primeiros indicadores – é a verdadeira sangria de que o fundo público tem sido objeto, exemplificada pela fantástica injeção monetária no sistema bancário: “Em 2008-2009, um total de 1,45 trilhões de dólares foram canalizados para as instituições financeiras de Wall Street como parte dos pacotes de socorrro de Bush e Obama” (M. Chossudovsky, “The Confiscation of Bank Saving to ‘Save the Banks’: The Diabolical Bank ‘Bain-In’ Proposal”. Global Research. Quebec, 2 April 2013); cf. também o Comunicado à Imprensa da Comissão Europeia (06/06/2012), relatando que, entre outubro de 2008 e outubro de 2011, a ela aprovou ajudas estatais a favor de instituições financeiras no montante de 4,5 bilhões de euros.
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As condições da recidiva assistencialista Pelas notações expendidas nas páginas precedentes, viu-se que o Serviço Social contempla, dentre o elenco das suas funções, a ação assistencial; para dizêlo sem dar lugar a ambiguidades, a assistência foi e é uma dimensão constitutiva da profissão. Na divisão sócio-técnica do trabalho coletivo própria da sociedade burguesa madura, ao Serviço Social coube historicamente também (embora não exclusivamente a ele) incumbir-se do trato assistencial. Trato que se deve a que a assistência impõe-se como componente da intervenção social (privada e/ou pública), entre outras razões, pelo fato de que, nesta sociedade, a dinâmica econômico-política engendra, necessariamente e sempre, em magnitude variável, um contingente populacional que não encontra condições de reproduzir-se segundo a escala dos padrões minimamente consagrados pelos valores civilizacionais na cultura moderna (cujas bases radicam na Ilustração); nesta sociedade, a ação assistencial responde à insolubilidade, no seu âmbito, da “questão social”51. Igualmente se viu que a consolidação profissional do Serviço Social processou-se quando a assistência foi inscrita no quadro de um sistema de proteção social fundado no efetivo reconhecimento dos direitos sociais – donde a assinalada relação entre aquela consolidação e o Welfare State, que propiciou à profissão situar a dimensão assistencial do seu exercício superando o assistencialismo. Insista-se em que esta superação, por parte do Serviço Social, não significou, absolutamente, a ultrapassagem do assistencialismo que parametra muito da intervenção social conduzida por incontáveis instituições, agências e sujeitos coletivos operantes no âmbito da sociedade civil. A persistência do assistencialismo tem múltiplas causas e motivos, que envolvem tradicionais valores ético-religiosos, interesses econômicos e ideo-políticos, tanto mais acentuada quanto mais as expressões da “questão social” se ampliam e se agudizam. Precisamente estas ampliação e agudização se constataram inequivocamente no quadro da crise do Welfare State – a mencionada restauração do capital deflagrou, em escala planetária, ainda que diferenciadamente, processos intensos de concentração de riqueza, renda e propriedade (e, logo, de poder político) e, como não poderia deixar de ser, processos intensos de pauperização (relativa e absoluta), derivando no que certa Sociologia designou como “mobilidade social vertical descendente”52. Nos países capitalistas centrais, tais fenômenos 51 Remeto o leitor às minhas “Cinco notas sobre a questão social” (cf. Capitalismo monopolista e Serviço Social, ed. cit., pp. 151-162), nas quais relaciono a “questão social” à lei geral da acumulação capitalista, descoberta por Marx e tal como enunciada em 1867 (O capital. Crítica da economia política. S. Paulo: Boitempo, Livro I, 2013, cap. 23). 52 A que se acoplou, especialmente na Europa dos anos 1990 e por razões inicialmente políticas (a implosão da União Soviética e do “campo socialista”), uma intensa mobilidade espacial, por outra parte verificável noutros quadrantes.
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foram de tal monta que evidências geralmente relacionadas ao conhecido subdesenvolvimento viram-se largamente registradas – levando observadores irônicos a notar que o Terceiro Mundo se desterritorializou, dando provas manifestas da sua existência em áreas centrais/metropolitanas que se supunham isentas de sequelas características das periferias infernais do mundo do capital. Dos anos 1980 em diante, o contingente dos afetados pelo pauperismo (absoluto e/ou relativo) veio em crescendo em todas as latitudes – a “questão social” exponenciou-se, seja nos países capitalistas centrais, seja nas semiperiferias e periferias53; ademais, o colapso da experiência do “socialismo real” acresceu largamente o fenômeno. Simultaneamente, sabe-se, o sistema de proteção social existente, próprio do Welfare, foi desconstruído: a restauração do capital operou um conjunto de reformas54, parte delas (graças aos mencionados transformismo e apassivamento) conduzida por meios formalmente democráticos55, consistentes na redução/supressão reais de direitos sociais – alvos nucleares foram as relações de trabalho e os sistemas previdenciários (v.g., a flexibilização e a privatização)56. 53 Além das fontes citadas na nota 40, há registros abundantes, em todas as latitudes, sobre processos de superexploração do trabalho, pauperização (absoluta e relativa) e concentração de riqueza. Não se modificou o quadro esboçado nos anos 1990 – “Nos países ricos, os dados mostram claramente, desde meados da década de 1970, uma reversão nas tendências, apresentadas no pós-guerra, de aumento dos salários reais, redução das diferenças entre os rendimentos do capital e do trabalho e de maior igualdade dentro da escala de salários” (L. G. M. Beluzzo, in C. A. B. Oliveira e J. E. L. Mattoso (orgs.), Crise e trabalho no Brasil. Modernidade ou volta ao passado? S. Paulo: Scritta, 1996, p. 13) –, como se verifica nos dados coletados, para meados da primeira década do século XXI, por Avelãs Nunes (cf. o seu trabalho citado na nota 29, p. 223 e ss). Para a América Latina, cf. C. M. Vilas, Estado y políticas sociales después del ajuste. Debates y alternativas. Caracas/México: Nueva Sociedad/UNAM, 1995 e L. T. Soares, Os custos do ajuste neoliberal na América Latina. S. Paulo: Cortez, 2002. Da África, diz-se que, “nos últimos vinte e cinco anos de neoliberalismo, não se assistiu à recuperação econômica nem ao equacionamento da dívida externa, mas às taxas mais baixas de crescimento econômico e às mais inquietantes disparidades de riqueza e bem-estar” (Steger y Roy, op. cit., p. 174); especificamente no caso da África do Sul, “a aplicação do modelo neoliberal agravou, apesar da libertação política e da riqueza do país, as desigualdades sociais que a ordem racista institucionalizou” (J. L. Cabaço, in F. de Oliveira et alii (orgs.), Hegemonia às avessas. S. Paulo: Boitempo, 2010, p. 335). Na Índia, as reformas neoliberais de Singh “aumentaram a distância entre ricos e pobres” (Steger y Roy, op. cit., p. 154). A situação contemporânea da República Popular da China não pode ser discutida aqui – é de notar, contudo, que os dados oficiais chineses apontam que o índice de Gini, no país, em 2012, está na casa de 0,474, bem melhor, por exemplo, que o brasileiro (em 2012, 0,519) e pior que o português (em 2011, 0,342). 54 É de observar a ressignificação da palavra reforma no processo de restauração do capital: ela, que, ao longo do século XX, conotou mudanças sociais promotoras da ampliação de direitos, transformou-se em indicador da sua redução/supressão (com lucidez, a investigadora Elaine Behring anotou que, de fato, nos últimos anos do século passado o que veio se publicitando como reforma é, antes de mais, contra-reforma). 55 Mas não se deve esquecer que as primeiras experiências prático-sociais do chamado neoliberalismo tiveram o seu laboratório no Chile, depois de setembro de 1973, sob a ditadura genocida de Pinochet. 56 Vale recorrer, entre outros, sobre relações laborais, a M. R. Nabuco e A. Carvalho Neto (orgs.), Relações de trabalho contemporâneas. Belo Horizonte: IRT/PUC, 1999; E. M. Wood et alii (eds.), Rising from the Ashes? Labor in the Age of “Global” Capitalism. New York: Monthly Review Press, 1999; B. R. Moraes Neto, Século XX e trabalho industrial: taylorismo/fordismo, ohnoísmo e automação em debate. S. Paulo: Xamã, 2003; K. Doogan, New Capitalism? The Transformation of Work. Cambridge: Polity Press, 2009; acerca dos sistemas previdenciários, a P. Pierson (ed.),
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Dentre todas as suas expressões contemporâneas, a “questão social” revelou a sua agudização mediante a sua manifestação mais imediata, o pauperismo, designado genericamente por pobreza. Consumou-se nos anos 1980 o que, conforme observou arguto analista, vinha em curso na elaboração do Banco Mundial desde o fim dos anos 1960: “a construção político-intelectual do combate à pobreza”57. O “combate à pobreza”, tomada em seu nível mais baixo – a chamada “pobreza absoluta”, que o Banco Mundial estabeleceu em 1990 em 1 dólar diário per capita (oscilando em 25 centavos para mais ou menos) –, tornouse cruzada mundial; a partir de razões e motivações diferenciadas, conforme conjunturas regionais e nacionais, o “combate à pobreza” constitui, desde então, uma das principais (nalguns casos, a principal) frente de ação de governos e instituições da sociedade civil (muitas delas de cariz corporativo, que se voltam para a sua “responsabilidade social”, dando curso à “filantropia empresarial”58): multiplicaram-se os mais distintos programas de ação contra a pobreza, com metodologias e impactos diferenciados – mas nenhum deles propôs a mínima mudança no regime da propriedade (condição, aliás, para a sua formulação/ implementação nos quadros do Estado burguês59); e cumpre observar que boa parte desses programas concretizam o que alguns analistas já caracterizaram The New Politics of the Welfare State. Oxford: Oxford University Press, 2001; J. Adelantado (ed.), Cambios en el Estado de Bienestar. Barcelona: Universidad Autónoma de Barcelona, 2002; OIT, Social Security: A New Consensus. Geneva: OIT, 2003; B. Palier, Gouverner la sécurité sociale. Paris: PUF, 2005; M. A. Orenstein, Privatizing Pensions. The Transnational Campaing for Social Security Reform. Princeton: Princeton University Press, 2008; International Social Security Review. Geneva: ISSA, vol. 63, nº. 2, May 2010; sobre a privatização dos sistemas previdenciários, cf. as concepções radicalmente diversas de F. A. F. D. Barreto, Três ensaios sobre reforma de sistemas previdenciários. Rio de Janeiro: FGV, tese de doutoramento/EPGE, 1997 e S. A. Granemann, Para uma interpretação marxista da previdência privada. Rio de Janeiro: UFRJ, tese de doutoramento/ ESS, 2007. 57 Cf. J. M. M. Pereira, “O Banco Mundial e a construção político-intelectual do ‘combate à pobreza’”. Topoi. Rio de Janeiro: UFRJ, vol. 11, nº 21, julho-dezembro de 2010. 58 Estudo exemplar dessa “filantropia empresarial”, referido especificamente ao Brasil mas de amplo alcance, é o de M. J. Cesar, “Empresa cidadã”. Uma estratégia de hegemonia. S. Paulo: Cortez, 2008. 59 Esta notação crucial vale tanto para as várias propostas europeias como para as outras tantas latinoamericanas. Quando concretizadas em programas governamentais – e o têm sido especialmente desde meados dos anos 1980 –, tais propostas apresentaram, em muitos casos, alguns resultados positivos (seja em termos emergenciais, seja em termos menos imediatos, implicando pequenas reduções percentuais em indicadores como o índice de Gini). Há incontável literatura acadêmica sobre os impactos desses programas, impossível de ser relacionada aqui mesmo em pequeniníssima amostra – em todos os países onde se implementaram tais programas, eles foram objeto de investigadores qualificados (por exemplo: em Portugal, Alfredo Bruto da Costa; na França, Serge Paugan; no Brasil, Lena Lavinas e Maria Ozanira Silva e Silva; na Argentina, R. M. Lo Vuolo; no México, Yuriko Takahashi; nos Países Baixos, Y. Vanderborght; na Itália, D. Benassi e E. Mingione; na Europa Nórdica, Reino Unido e Alemanha, B. A. Gustafsson, H. Uusitalo e C. Behrendt). Na Europa (e não só), sabe-se, tem apelo a “ideia simples e forte” (tal como a caracterizou um de seus teóricos, o belga Philippe Van Parijs) da renda básica – criticada por estudiosos de posições muito diversas (cf., p. ex., as intervenções de A. Przeworski, J. Elster e A. Nove in Zona Abierta. Madrid: Fund. Pablo Iglesias, nº 46-47, enero-junio de 1988) e assumida por R. Van der Veen & L. Groot (eds.), Basic Income on the Agenda: Policy Objectives and Political Chances. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2000; cf. também a documentação da Basic Income Earth Network (existente desde 2004 e continuadora da Basic Income European Network, criada em 1986).
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como “política social pobre para os pobres”, dado o seu baixíssimo custo, função do extremo minimalismo das suas metas60. Do ponto de vista institucional, o “combate à pobreza” ganhou dimensão planetária com a Cúpula do Milênio (Nova Iorque, setembro de 2000), sob a égide da ONU, da qual saiu a “Declaração do Milênio”, que elaborou os oito Objetivos de desenvolvimento do milênio, a serem colimados até 2015 – apesar da verificação de progressos em algumas regiões e em relação a certos objetivos, está claro que tais objetivos não serão alcançados61. Mas os “pobres” não precisam se preocupar: o novo presidente do Banco Mundial a partir de 2012, Jim Yong Kim, se diz empenhado num megaprojeto para erradicar a “extrema pobreza” em... 2030. Dada a magnitude com que a “questão social” (através do pauperismo agravado) se expressa desde então no processo de restauração do capital, gestando problemas para a “boa governança”, o “combate à pobreza” passou a constituir o eixo fundamental da(s) política(s) social(is) – estas substantivamente redimensionadas, adequadas às condições econômico-sociais e ídeo-políticas próprias ao capitalismo contemporâneo e à sua crise62. A intervenção estatal sobre a “questão social”, ao contrário de certa retórica mistificadora e das aparências, não se reduziu; antes, foi redirecionada e passou a envolver novas mediações, com o crescente protagonismo de agências não-estatais, sucedâneo da minimização das instituições e organizações do Welfare63. Dissolvida a 60 Cf., para o seu custo em relação ao PIB, na América Latina, os dados de 2009 (os mais altos equivaliam a 0,4% do PIB) sintetizados por I. Boschetti in E. Salvador et alii (orgs.), Fnanceirização, fundo púlico e política social, ed. cit., p. 51. 61 O texto completo do documento, subscrito por 191 Estados-membros, foi publicado em português – cf. Nações Unidas. Declaração do Milénio. Cimeira do Milénio (Nova Iorque, 6-8 de setembro de 2000). Lisboa: United Nations Information Center, 2001. Lembre-se que, uma década depois, a Comissão Europeia propôs 2010 como “Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social” (a que se seguiu, em 2011, o “Ano Europeu do Voluntariado”). Permito-me aqui uma referência de caráter pessoal. Coube-me a mim a conferência de abertura da 33ª Conferência Mundial de Escolas de Serviço Social (Santiago do Chile, 28-31/08/2006), na qual sustentei que os objetivos do milênio não seriam alcançados (cf. o texto da conferência em Em Pauta. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ/Revan, nº 19, 2007, pp. 135-170); debatedor da minha intervenção, jovem economista chileno muito aclamado e obviamente formado nos cânones da Escola de Chicago, debitou minhas afirmações à conta da “ideologia”. Pois bem: anos depois, constato que especialista reconhecido mundialmente, que prestou relevantes serviços à ONU e com o qual não estou “ideologicamente” alinhado, afirma de forma categórica sobre o mais prioritário dos objetivos do milênio (“Reduzir para a metade, até ao ano 2015, a percentagem de habitantes do planeta com rendimentos inferiores a um dólar por dia e a das pessoas que passam fome [...]”): “Esse objetivo, evidentemente, não será alcançado” (J. Ziegler, Destruição em massa, ed. cit., p. 37). Como acabamos de ver, linhas acima, o Banco Mundial, agora, adia a meta para 2030... 62 C. P. Pereira e M. C. A. Siqueira oferecem uma bela síntese dos traços mais pertinentes desse redimensionamento no artigo “As contradições da política de assistência social neoliberal”, inserido em I. Boschetti et alii (orgs.), Capitalismo em crise, política social e direitos. S. Paulo: Cortez, 2010. 63 A ideológica satanização do Estado e a glorificação ingênua da “sociedade civil”, bem próprias dos quadros ideológicos dominantes na atualidade, têm muito a ver com a consideração acrítica da função das chamadas organizações não-governamentais (ONGs) e do também chamado terceiro setor. Para um tratamento sério e rigoroso de ambos, cf., entre muitas fontes, os estudos de James Petras referidos às ONGs (um deles contido em Neoliberalismo: América Latina, Estados Unidos
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cultura política deste último, o caráter universalista da política social viu-se deslocado pela focalização e pela segmentação64; no mesmo andamento, como valor ético fundante foi entronizada a solidariedade – uma solidariedade supraclassista, revivescência de um humanismo abstrato agora compatibilizada com o ideário competitivo e concorrencial de um generalizado “empreendedorismo”: a organização societária que se quer (e é de fato) regulada centralmente pelo mercado oferece aos “excluídos” não um elenco codificado e ampliável de direitos sociais, mas o socorro solidário65. A priorização do “combate à pobreza”, compreensível como objeto de ações estatais e não-estatais em conjunturas emergenciais, é víavel em seus objetivos imediatos quando articulada a orientações macro-econômicas e a políticas sociais orientadas para transformações que erradiquem as causas principais de que deriva a emergencialidade. E é precisamente isto o que não se encontra no quadro do capitalismo contemporâneo – tudo demonstra que o “combate à pobreza” se opera sem conexão com diretrizes macro-econômicas tendentes a contrarrestar e reverter as causalidades essenciais do pauperismo atual. Não me parece impróprio dizer que, nestas condições, combater a pobreza assemelha-se a enxugar gelo. Mais precisamente: num quadro como este, a intervenção assistencial, no seu sentido mais amplo e abrangente, tende com força – independentemente da elaboração teórica que a legitima e para além da vontade dos seus agentes – a converter-se de fato em ação assistencialista. A coberto de outra racionalização, sob o verniz de diferente enunciação discursiva, o velho assistencialismo (re) adquire a ponderação que parecia ter perdido. Se esta linha de interpretação é pertinente, como me parece ser, compreende-se que estão postas o que julgo serem as condições objetivas do que designo como a recidiva assistencialista sobre o e no Serviço Social. Com efeito, na sequência da desconstrução do Welfare State e dos valores (direitos sociais) nele plasmados, a configuração da assistência social experimentou um processo de refilantropização66 – seja nas políticas específicas de assistência, e Europa. Blumenau: FURB, 1999) e C. Montaño, Terceiro setor e questão social. Crítica ao padrão emergente de intervenção social. S. Paulo: Cortez, 2002. Investigação interessante a desenvolver seria aquela que perquirisse o papel das ONGs no processo de precarização das condições de trabalho dos assistentes sociais (e não só destes profissionais). 64 Cf., a propósito, a contribuição de P. A. P. Pereira e R. Stein ao volume, já citado, Capitalismo em crise, política social e direitos. 65 Paradigmáticas da equívoca crença na panaceia alquímica da “solidariedade” são as várias propostas da “Economia Solidária” (ou “Economia Social”). Um exame rigoroso dos fundamentos dessas propostas encontra-se em H. Wellen, Para a crítica da “economia solidária”. S. Paulo: Outras Expressões, 2012; cf. também D. Neves, A recepção da Economia Solidária no Serviço Social. Rio de Janeiro: UFRJ, tese de doutoramento/PPGSS, 2010. 66 A “refilantropização” referida à assistência foi mencionada pela primeira vez, ao que sei, por uma das autoras brasileiras mais qualificadas no trato da assistência social, Maria Carmelita Yazbek (cf. o seu artigo “A política social brasileira nos anos 90: a refilantropização da questão social”. Cadernos ABONG-CNAS. Subsídios à I Conferência Nacional de Assistência Social. São Paulo/ Brasília: ABONG-CNAS, 1995). Para uma análise dos limites da assistência como política social,
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seja naquelas que contemplam ações assistenciais. Essa refilantropização (de fato, a assistencialização da assistência, operando a contra-pelo do sentido posto pelos direitos sociais) está afetando profundamente a intervenção profissional dos assistentes sociais; é constatação inarredável que a dimensão assistencial da prática do Serviço Social – mas, sublinhe-se, dimensão assistencial submetida ao constrangimento da refilantropização – hipertrofiou-se nas duas últimas décadas em prejuízo do conjunto das outras dimensões constitutivas da prática profissional. Não é exagerado dizer-se que essa assistencialização tem saturado em muito as práticas profissionais do Serviço Social. A mencionada hipertrofia, nas condições em que se tem efetivado, tende, de uma parte, a reduzir a intervenção profissional ao exercício técnico elementar de uma assistência refilantropizada e, de outro, a reconduzir o discurso teóricoprofissional a âmbitos societais microscópicos. Ou seja: de uma parte, a profissão corre o sério risco de perder o estatuto acadêmico a que se alçou com a sua consolidação, convertendo-se em profissão mera e elementarmente técnica e de segunda linha67; de outra, os intentos de renovação crítico-teórica tendem a recolocar, mais sofisticadamente, os impasses e limites de uma profissão de corte “psico-social” (ou, como se disse acima, gravitando nos restritos círculos do trabalho centrado em indivíduos e com pequenos grupos) – como é verificável em significativos e recentes esforços de teorização profissional68; não é, por exemplo, um detalhe a ser menosprezado que, nesses esforços, intencionalmente críticos, a categoria teórica da exploração não compareça inclusive em boa parte daquelas elaborações que procuram pensar a profissão numa perspectiva “antiopressiva”69. cf. A. E. Mota (org.), O mito da assistência social. Ensaios sobre Estado, política e sociedade. S. Paulo: Cortez, 2008. Vale, também, recorrer ao breve artigo de M. P. Rodrigues, “Assistência x assistencialização”. Em foco. Rio de Janeiro: CRESS-RJ, nº 5, março de 2009. 67 Não é casual a generalizada tendência ao encurtamento do tempo de formação acadêmica (enxugamento dos planos de estudos, dos currículos etc.), inclusive da pós-graduação e, mesmo, da substituição do ensino presencial pelos mecanismos da chamada “educação à distância”. A “refilantropização da assistência”, ademais, abre a via à desprofissionalização na implementação/ execução das políticas sociais, de que um índice é o apelo ao voluntariado (sobre este ponto, cf. J. M. Araujo, Voluntariado: na contramão dos direitos sociais. S. Paulo: Cortez, 2008). 68 O erudito e detalhado estudo da chilena Teresa Matus (Punto de fuga. Imágenes dialécticas de la crítica en el Trabajo Social Contemporáneo. Rio de Janeiro: UFRJ, tese de doutoramento/PPGSS, 2012), trabalhando com a mais recente bibliografia crítica internacional, permite esta inferência (que, seja dito en passant, não me parece compartilhada pela autora). No seu estudo, Matus analisa as expressões mais contemporâneas e diferenciadas da elaboração contemporânea, dentre elas a “proposta pós-estrutural de Karen Healy”, “as leituras foucaultianas no Serviço Social”, “as práticas anti-opressivas” e o “Serviço Social baseado na evidência” – tematizando autores hoje muito expressivos no debate profissional (dentre os quais L. Dominelli, B. Burke & P. Harrison, M. Autès, S. Karsz, G. Sanhueza). O esforço analítico de Matus, ainda que se possa discordar das suas teses (e estou entre os que discrepam de muitas delas), merece particular atenção. 69 Perspectiva que, ao que me parece, sofre direta influência do pensamento inspirado em M. Foucault (cf. A. Chambon & A. Irving (eds.), Reading Foucault for Social Work. New York: Columbia University Press, 2007). O exílio da categoria de exploração nas análises profissionais (exílio que, por outra parte, refrata a ambiência ideológica hoje dominante nas ciências sociais acadêmicas) é verificável praticamente na totalidade da teorização europeia mais avançada e mais pretensamente renovadora.
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Se esta linha de reflexão é correta, a preocupação em preservar, para desenvolver em outro e novo nível, o legado teórico-prático da consolidação do Serviço Social – legado que é condição para que a profissão, renovandose como tal e sobretudo se adensando também como área de produção de conhecimentos socialmente pertinentes – supõe, mais que nunca, exorcizar a recidiva do assistencialismo: supõe, urgentemente, operar a crítica radical da refilantropização da assistência e travar o combate às suas causalidades econômico-políticas, sociais e ídeo-culturais. A tarefa é hercúlea, só pode ser levada a cabo coletivamente e implica transcender o mesquinho possibilismo que, nos dias correntes, parece parametrar as práticas profissionais. Mas é tarefa que, pelo menos a meu modesto juízo, vale a pena.
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Inácia Maria Cabrita Navalhas Moisés Doutora em Serviço Social
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Resumo O estudo no qual se baseia o presente artigo teve por objectivo conhecer os impactos resultantes do processo de realojamento do bairro de habitação social Casal da Mira, localizado na Freguesia da Brandoa, Município da Amadora, através da forma como este foi vivido pelas mulheres e a consequente apropriação e adaptação ao novo contexto. Estes processos podem levar à transformação dos modos de vida das famílias numa lógica de promoção e mobilidade social ou, pelo contrário, podem desencadear problemas que dificultam a inserção social da população realojada. A prática dos assistentes sociais em contexto de bairro de habitação social constituiu, também objecto de estudo, no sentido de identificar modelos e estratégias de intervenção do Serviço Social nestes contextos. Palavras-Chave: Serviço Social, Bairro, Participação, Género e Empowerment
Introdução O artigo que se apresenta baseia-se na investigação com o título “Casal da Mira, UM BAIRRO DE DINÂMICAS PROTAGONIZADAS PELAS MULHERES – MODELOS E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL” e enquadra-se no âmbito de programa de doutoramento em Serviço Social. O estudo teve por objectivo analisar os factores que contribuíram para a construção social do bairro Casal da Mira, a partir do quotidiano das mulheres e as formas de apropriação do novo contexto socio-territorial. Pretendeu-se, também, identificar modelos e estratégias de intervenção para o Serviço Social, a partir da prática dos assistentes sociais em contexto de bairro de habitação social. A amostra do estudo foi constituída por vinte e três mulheres residentes no bairro Casal da Mira e onze assistentes sociais com intervenção em bairros de habitação social. Privilegiou-se o contacto directo com as mulheres, no seu contexto residencial e social, facilitando uma aproximação e conhecimento da realidade do bairro.
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O bairro Casal da Mira: aspectos de caracterização O bairro Casal da Mira constituiu a unidade de análise do estudo, sendo um bairro com origem no realojamento, no âmbito do PER1, da população residente em bairros de habitação degradada. Trata-se de um bairro de habitação social de grande dimensão, constituído por 760 fogos, cuja localização e configuração não favorecem o convívio e interacção entre as pessoas, desenvolvendo-se na população sentimentos de isolamento. Acresce ainda o facto de os equipamentos sociais serem escassos e não existirem espaços de convívio e lazer, nem comércio de proximidade, pois as lojas destinadas a esse fim continuam fechadas, o que desencadeou uma reacção de vandalização das mesmas2. A população residente apresenta, no geral, baixas habilitações escolares e profissionais, constatando-se a incidência de situações de crianças sinalizadas pelo Tribunal de Menores ou pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens e de mulheres vítimas de violência doméstica. Regista-se também, entre outros problemas, o abandono escolar por parte dos jovens, sendo visível a sua desocupação, permanecendo, durante o dia, em grupos, nas ruas do bairro. A população do bairro é bastante heterogénea do ponto de vista cultural, oriunda de diferentes bairros, surgindo o bairro da Azinhaga dos Besouros como o local originário do maior número de pessoas (64,74%). No que se refere à família é de salientar o elevado número de famílias monoparentais constituídas por mãe com filhos3. Para além dos cuidados com as crianças, as mulheres cuidam também dos idosos e de outros familiares dependentes. A importância do seu papel na transmissão de valores e saberes, assim como na educação dos filhos é notória4. As mulheres tratam da casa, saem de manhã cedo para irem trabalhar e assegurarem o sustento da família, constituindo, por vezes, o único rendimento5. Esses trabalhos são, na maioria dos casos, precários e mal pagos. Os homens, muitas vezes têm trabalhos precários e incertos - biscates. São elas que gerem o orçamento familiar e, em situações de insuficiência de rendimentos ou carência extrema nas famílias, são, também elas que, normalmente, recorrem aos serviços para pedir ajuda (RSI, Banco alimentar, 1 PER – Programa Especial de Realojamento, criado em 1993, através do Decreto Lei nº 163/93 de 7 de Maio, constituindo um Programa para a erradicação de barracas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. 2 De referir que o estudo reporta a 2007/2008 e que a partir de 2009, o bairro sofreu algumas alterações com a instalação de equipamentos sociais e o centro comercial Dolce e Vita Tejo, no entanto a situação descrita condicionou a forma como se desenvolveu a apropriação do bairro por parte da população realojada. 3 Constatam-se 172 famílias compostas por mãe com filhos, representando 22,9%. 4 Através das entrevistas às mulheres e do contacto com a Escola, verifica-se que, quando os encarregados de educação são chamados à escola, são normalmente as mães que comparecem. 5 Embora não exista uma sistematização dessas situações, as diferentes técnicas do Gabinete constatam com muita frequência situações desse tipo, através dos atendimentos e da organização de processos referentes a pedidos de redução de renda.
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Acção social /Seg. Social, pedidos de redução de renda). A participação das mulheres na vida do bairro também é muito relevante, traduzindo-se na sua presença em reuniões de prédio, nas actividades desenvolvidas no bairro e como representantes de prédio. Também no comércio informal as mulheres se afirmam (venda de peixe, de bebidas, pastéis, etc). Até à entrada em funcionamento do Centro Comercial Dolce Vita Tejo, o acesso do bairro Casal da Mira ao centro da freguesia e do município não estava facilitado, uma vez que não existiam transportes directos, constatando-se que a população se deslocava, predominantemente, para Lisboa. Para além dos impactos decorrentes da mudança habitacional resultante do realojamento, o estudo pretendia perceber como se estabeleceram a organização social e as dinâmicas locais, a construção das novas sociabilidades, as redes e a interacção social no bairro e identificar modelos e estratégias de intervenção do Serviço Social em contexto de habitação social, a partir das dinâmicas internas do bairro, protagonizadas pelas mulheres, nas vivências do seu quotidiano, tendo como referência as suas trajectórias e modos de vida. Constatações sobre os Processos de Realojamento Sabe-se que a mudança resultante do processo de realojamento tem como consequência alterações na vida das pessoas. Estas alterações verificam-se a diversos níveis, nomeadamente na reconfiguração da mobilidade geográfica, traduzida nas alterações das redes familiares e de vizinhança, na vivência em prédios, nas despesas familiares, relacionadas com a habitação. A própria localização do bairro implica, também, outro tipo de adaptações, designadamente a nível de transporte, nas deslocações para o trabalho, os equipamentos onde deixar as crianças, enquanto os pais estão a trabalhar ou até os estabelecimentos comerciais, onde se fazem as compras. Os bairros, cuja origem está no realojamento de populações, outrora residentes em bairros de habitação degradada, cresceram consideravelmente e constituem hoje uma paisagem social e urbanística nas cidades das regiões metropolitanas. Este fenómeno teve grande desenvolvimento a partir de 1993, com a implementação do PER. Partindo da ideia de que a habitação é, por um lado, um abrigo e, por outro, um sinal exterior da condição económica e da pertença a um determinado grupo e lugar, a um estilo de vida próprio, pode funcionar como instrumento de segregação socio-espacial ou exclusão social ou, pelo contrário, potenciar a integração social dos indivíduos. Podemos, também constatar que nos bairros de habitação social é dada pouca margem de escolha aos habitantes por parte das entidades responsáveis pelos realojamentos – o local do realojamento é imposto e os vizinhos também. As expectativas das pessoas não são trabalhadas e raramente se criam condições para evidenciar algum carácter distintivo e identitário do seu
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grupo ou estilo de vida, o que se manifesta, muitas vezes, em indiferença ou insatisfação da população realojada (Farina, 2001). À partida, o realojamento num bairro de habitação social parece ter um impacto positivo na vida das pessoas, na medida em que se traduz na mudança de uma habitação precária/degradada para uma casa com condições mais favoráveis. No entanto, a questão é bem mais complexa e justifica um aprofundamento pois, apesar de os processos de realojamento representarem, na maior parte dos casos, uma melhoria significativa nas condições de habitabilidade, podem ser sentidos como perdas significativas por se traduzirem, muitas vezes, num corte com um estado de equilíbrio ao nível das redes sociais, entendidas como conjunto organizado de relações (Pinto, 1994). Esta mudança, se por um lado pode ser vista como uma oportunidade de valorização social abrindo novas perspectivas de vida, por outro lado, não tem sido muito eficaz na quebra dos ciclos de pobreza e exclusão social, uma vez que o acesso a uma habitação, por si só, não rompe com as esferas da pobreza e exclusão social por se tratar de um fenómeno multidimensional. O confronto com os novos cenários habitacionais implica, assim, a reestruturação dos modos de vida das famílias. Essa reestruturação pode assumir dois sentidos distintos e contraditórios. Por um lado, podem constituir processos de transformação dos seus modos de vida numa lógica de promoção e mobilidade social ou, por outro, podem desencadear outros problemas sociais, que dificultam a inserção social da população realojada (Freitas, 1994). Nestes processos, salienta-se a importância das questões de género, na medida em que as mulheres desempenham, na maior parte dos casos, um papel de relevo, no seio da família e na comunidade, nomeadamente na educação dos filhos, recaindo sobre elas responsabilidades logísticas de toda a família, incluindo a própria gestão dos recursos domésticos. As mulheres assumem também um grande protagonismo na construção das redes de parentesco, vizinhança e de sociabilidade, na organização social da própria comunidade, ao nível da casa, do prédio e do bairro. É também de referir que, tal como afirma Grassi (2003), não pode existir desenvolvimento sem se ter em consideração a eliminação das desigualdades relacionadas com a problemática do género. Assim, “a pesquisa na área do género assume grande importância para a luta contra a pobreza e as discriminações, na medida em que o género constitui uma dimensão muito importante na formação da identidade colectiva de um grupo social, o das mulheres6” (Grassi, 2003, p.287). O multiculturalismo que caracteriza o bairro é também um aspecto a considerar no estudo, na medida em que coexistem populações de diferentes origens culturais, desenhando uma heterogeneidade cultural o que parece não 6 Segundo dados do PNUD – Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 1995, p. 4, as mulheres detêm menos de 1% da riqueza mundial e ganham menos de 10% do rendimento global, apesar de executarem dois terços do trabalho mundial.
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se verificar relativamente aos rendimentos, em geral reduzidos, e às baixas qualificações escolares e profissionais, o que torna as populações residentes nestes bairros vulneráveis a várias formas de pobreza e de exclusão social. Desta forma, os bairros de habitação social constituem, em boa parte, um problema social, sendo tema de grande mediatização. Efectivamente, “o problema surge com o início dos realojamentos massificados em grandes empreendimentos de habitação colectiva, localizados muitas vezes nas periferias das cidades e constituem muitas vezes “guetos” sociais, que apresentam rapidamente degradação física e vivencial, transformando-se em “bairros degradados social e urbanisticamente desintegrados da malha urbana” (Guerra, 1994, p. 11). O isolamento socio-espacial pode ter como consequência o desenvolvimento de sentimentos de insegurança por parte dos habitantes dos novos bairros, que passam a atribuir maior importância aos problemas de criminalidade, delinquência ou tráfico e consumo de drogas, que já existiam no bairro de habitat degradado onde residiam. Também os hábitos e necessidades de grande parte da população não se coadunam com o anonimato dos andares, o que aliado a carências económicas e a problemas sociais das famílias desenvolvem dificuldades de adaptação ao novo contexto. Verifica-se, também, uma visão estigmatizada e estereotipada destes contextos por parte da população em geral, pois estes bairros são vistos apenas como um problema, ignorando todo um capital humano e a diversidade de pessoas que migraram do interior do país, ou vieram de outros países à procura de melhor qualidade de vida, traduzindo esforço de mobilidade social. Esta situação agrava-se, em muitos casos, com a ausência de equipamentos locais, sobretudo sociais, de lazer, cultura, recreio e de comércio, pois compromete a possibilidade de colmatar o papel antes desempenhado pela sedimentada rede de relações de vizinhança, favorecendo o isolamento e insegurança. As características morfológicas e urbanísticas dos bairros sociais são indicadores que caracterizam a sua maior ou menor integração no espaço urbano da cidade e com influência na maior ou menor integração social por parte dos seus residentes. Em regra, este tipo de alojamento não satisfaz a desejada integração social e a ligação urbana, pois a sua construção é normalmente realizada em zonas periféricas da cidade e afastada dos centros de vida social e económica (Pinto, 1994, p.41). As questões de habitação interligam-se com o conceito de cidade7 e o crescimento urbano, em consequência de chegarem à cidade grandes fluxos de populações, motivados pelo incremento da industrialização, a partir dos anos 50, o que veio provocar um desfasamento entre o número de habitações necessárias e o crescimento da população. 7 Segundo a lógica do modelo ecológico, ligado à Escola de Chicago, a cidade desenvolve-se por sectores, que são caracterizados pelos diversos usos do solo e pelos níveis desiguais do rendimento urbano. Esses sectores desenham-se através de círculos concêntricos, desde o mais central às periferias pendulares que são ocupadas, de acordo com as diferenciações socio-económicas.
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Grande parte desta população, com escassos meios, recorre a soluções informais e precárias de habitação, pois dentro da oferta do mercado não é possível facultar a todos os que chegam à cidade uma habitação acessível economicamente. Surge, assim, a necessidade da intervenção do Estado com vista a uma distribuição mais justa de um bem tornado direito, assumindo o Estado o que se designa por “habitação social”. O Serviço Social em Contextos de Habitação Social: A indagação inicial Os bairros de habitação social resultantes do PER, sobretudo os de grande densidade e grande concentração populacional, representam uma concentração de pessoas que partilhavam uma situação comum, isto é, residiam em barracas. Quando o processo foi implementado em Portugal, outros países da Europa já tinham concluído que este sistema não resultava e que era desaconselhável do ponto de vista social e ecológico. Apesar disso, em muitos processos de realojamento, os decisores políticos, condicionados por questões como a falta de terrenos, têm dado preferência à vertente quantitativa e aos resultados numéricos para justificar o sucesso das medidas implementadas para a resolução do problema habitacional das famílias de baixos rendimentos. Estas medidas assentam fundamentalmente na construção massiva de habitação social para o realojamento de populações a viverem em bairros de habitação degradada. Com a implementação do PER e o aumento da população a residir em bairros de habitação social, os municípios têm vindo a assumir cada vez maiores responsabilidades no que se refere à gestão do seu parque habitacional, aumentando o número de assistentes sociais nos seus quadros de pessoal, a trabalhar nesta área. A intervenção dos profissionais de Serviço Social vê-se confrontada com múltiplas exigências. Estes profissionais têm de lidar com diferentes problemas sociais e actuar em várias dimensões - política, social, económica e cultural - com a população residente nos bairros de habitação social. Torna-se, pois, pertinente reflectir sobre a intervenção do Serviço Social neste campo de actuação. A pesquisa focaliza-se, em primeira instância nas implicações da mudança resultante do processo de realojamento da população no bairro Casal da Mira, através da forma como foi vivido pelas mulheres e a consequente apropriação e adaptação ao novo contexto (bairro), traduzida nas vivências, relações sociais e estratégias por elas desenvolvidas, como um processo social de criação de um quadro de interacção local. O realce dado às mulheres, que constituem a janela de observação do bairro, baseia-se na importância e papel desempenhado pelas mulheres na família e na comunidade em que estão inseridas, que se expressa na educação dos filhos, na gestão dos recursos domésticos e na construção das redes de parentesco,
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vizinhança e sociabilidade. Procurou-se, assim, perceber como se manifesta e quais as dimensões do seu protagonismo, no contexto do estudo. A prática dos assistentes sociais em contexto de bairro de habitação social teve ponto de partida, o modo como estes desenvolvem e perspectivam a intervenção do Serviço Social nos bairros de habitação social. Assim sendo, a pergunta de partida, que serviu de base ao desenho da investigação traduz-se na seguinte questão: A mudança resultante do realojamento no bairro Casal da Mira constituiu um factor de inclusão e mobilidade social ou de segregação e exclusão, tendo como referência a experiência de vida das mulheres e, neste contexto, que intervenção para o Serviço Social? Desta forma, o presente trabalho procura analisar e reflectir sobre as alterações verificadas na vida das famílias e a sua adaptação ao novo contexto bem como sobre o modo como se desenvolve a intervenção do Serviço Social com a população residente nos bairros de habitação social do município, onde se insere o presente estudo e, a partir da prática desenvolvida, identificar, do ponto de vista dos assistentes sociais, o tipo de intervenção do Serviço Social desenvolvida e a desenvolver nestes contextos. A Escolha Metodológica O campo empírico foi, então constituído pelas mulheres residentes no bairro Casal da Mira e por assistentes sociais que intervêm nos bairros de realojamento social do Município da Amadora e outros técnicos, cujo testemunho, pela posição que ocupam e/ou conhecimentos que possuem foram importantes contributos para o desenvolvimento da pesquisa. Para a escolha das mulheres definiram-se critérios, como: idade activa, diferentes culturas8, provenientes de diferentes bairros de origem; que se destacavam pelo seu perfil, iniciativa, percurso de vida ou pela sua participação na vida do bairro; com ocupações profissionais diferentes ou pertencentes a diferentes tipos de família. Foram efectuadas 23 entrevistas às mulheres, privilegiando-se o contacto directo, no seu próprio contexto residencial e social. As entrevistas decorreram em suas casas, no sentido de melhor compreender e percepcionar as trajectórias e modos de vida das entrevistadas. Este contacto estreito com as mulheres possibilitou, também, uma aproximação e melhor conhecimento sobre as dinâmicas do bairro. No que diz respeito à escolha das assistentes sociais, foram realizadas 11 entrevistas, utilizando-se como critérios de escolha para a sua selecção: a trabalhar com a população residente nos bairros de habitação social do Município da Amadora; com cargos de chefia no âmbito da habitação, designadamente as 8 Portuguesa, cabo-verdiana, angolanas, guineense e cigana.
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Chefes da Divisão de Habitação e Realojamento e da Divisão de Gestão do Parque Habitacional ou ligadas a outros serviços como a Segurança Social, a intervir com população do bairro. A pesquisa constitui um estudo de caso e assumiu o carácter de metodologia qualitativa e interpretativa, de tipo compreensivo pois a investigação qualitativa, embora esteja associada a diferentes posições teóricas “todas as perspectivas conceptualizam o modo como os sujeitos - com as suas experiências, acções, intenções – se relacionam com o contexto em que de diversas formas são estudados” (Flick, 2005, p.18). As entrevistas efectuadas às mulheres continham uma forte perspectiva etnográfica, através das narrativas de vida, utilizando-se o quotidiano como recurso analítico. Nas pesquisas qualitativas estudar o social significa compreendê-lo, tornando-se necessário e indispensável situar os sujeitos no seu próprio contexto, na sua própria estrutura, pois só assim o investigador pode entender os factos a partir da interpretação que estes fazem da sua própria vivência quotidiana. Martinelli (1999) reforça a importância das metodologias qualitativas, pois, na sua perspectiva, apenas este tipo de pesquisa permite ao assistente social perceber as concepções e os significados que os sujeitos/utentes atribuem à sua vida, aos seus problemas e experiências. Segundo a autora, o objectivo central deste tipo de pesquisa é trazer à luz do dia as interpretações que os sujeitos dão acerca do que o investigador necessita investigar, pelo que é uma condição “ o contacto directo com o sujeito da pesquisa” (Martinelli, 1999, p.22). Considerou-se que a abordagem mais adequada para este tipo de pesquisa seria baseada na construção cooperativa entre o investigador e os próprios sujeitos empíricos do estudo. Assim, a estratégia de tipo abdutivo pareceu a mais adequada, pois apresenta, também, algumas vantagens, na medida em que gera conhecimento científico, a partir do conhecimento quotidiano dos actores sociais (Blaikie, 2000). A realidade social é a realidade interpretada e experienciada pelos seus membros, cabendo ao investigador conhecer e descrever essa visão de dentro e na primeira pessoa. Ao pretender-se analisar as trajectórias biográficas das mulheres, centrando-se o tema da pesquisa em determinados acontecimentos do percurso das mulheres, recorreu-se à entrevista em profundidade (Pais, 2001), centrada no problema, coloquiais e empáticas (Flick, 2005)9, para recolha de informação, aproximando-se das conversas compreensivas. A primeira parte da entrevista centrava-se no percurso de vida das mulheres em que estas, livremente, relatavam os acontecimentos que precederam e determinaram a sua presença no bairro, uma vez que se pretendia atingir a subjectividade inerente às situações concretas dos percursos de vida das inquiridas. 9 “A entrevista centrada no problema caracteriza-se por três critérios nucleares: a centração no problema; a orientação para o objecto, ou seja, os métodos são elaborados ou modificados, tendo em atenção o tema da investigação; a orientação processual, tanto no processo de pesquisa como no modo de entender o objecto da investigação” (Flick, 2005, p.89).
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As entrevistas às mulheres constituíram um meio de aproximação e interacção com a comunidade, pela relação que se estabeleceu de empatia e confiança e, por outro lado, algumas trajectórias de vida, contadas na primeira pessoa, são reveladoras da força, tenacidade, autonomia, empreendedorismo e energia das mulheres para enfrentar as adversidades, manifestando esforço de auto-valorização, investimento e empenhamento no futuro dos filhos, desenvolvendo estratégias de sobrevivência para fazerem face a situações de pobreza e discriminação. No sentido de identificar modelos e estratégias de intervenção do Serviço Social em contexto de bairro habitação social, considerou-se pertinente incluir na pesquisa a perspectiva e prática de assistentes sociais, que desenvolvem a sua actividade directa ou indirectamente nos bairros de habitação social do Município da Amadora, confrontando a prática e óptica desses profissionais com algumas das teorias do Serviço Social. Pretendeu-se, também, identificar estratégias para o Serviço Social, que valorizem o papel das mulheres. A técnica de recolha de informação utilizada foi a entrevista semiestruturada ou semi-directiva. O enfoque das entrevistas era adaptado ao perfil profissional da/o entrevistada/o, centrando-se mais numa ou noutra questão, de acordo com a sua experiência profissional. O seu interesse reside na expectativa dos pontos de vista dos sujeitos serem mais facilmente expressos numa situação de entrevista relativamente aberta do que numa entrevista estruturada ou num questionário (Flick, 2005). Tanto nas entrevistas às mulheres, como nas entrevistas às assistentes sociais, o guião elaborado/utilizado não obedecia a uma estrutura rígida, nem era totalmente livre, uma vez que havia um conjunto de perguntas abertas, permitindo que o entrevistado fosse desenvolvendo o seu discurso de forma livre. Para além das entrevistas, foram também utilizadas outras técnicas de recolha e tratamento da informação, como: - Pesquisa e análise documental; - Contacto com as mulheres através do acompanhamento social prestado, como assistente social do Gabinete Local e no trabalho de rua, através de conversas informais com os moradores, em especial as mulheres; - As iniciativas desenvolvidas pelo Gabinete Técnico Local com a população e o contacto com as estruturas existentes no bairro10 também tiveram a sua expressão na compreensão das dinâmicas do bairro. Neste âmbito, as reuniões com os moradores eram, também aproveitadas para perceber os modos de vida e de estar, as dificuldades da população, as potencialidades e sentimentos relativamente ao bairro. Outros pontos de interesse para observação eram os cafés e supermercados, frequentados 10 Jardim de Infância da Associação Unidos de Cabo Verde, a Loja Mira Jovem, o grupo de Jovens e o Presidente da Associação de Moradores
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pelos moradores do bairro. A pesquisa consistiu num trabalho de campo prolongado no terreno, de proximidade com os sujeitos e assumindo um carácter de observação participante. Relativamente à análise e tratamento dos dados recolhidos aplicou-se a técnica da análise de conteúdo, quer em relação às entrevistas às mulheres, quer nas entrevistas às assistentes sociais. A técnica de análise de conteúdo assumiu uma dupla dimensão. Uma de carácter descritivo, na medida em que relata o que foi recolhido e outra interpretativa, em confronto com o quadro teórico. Procurou-se estabelecer um diálogo entre o material empírico recolhido e as abordagens teóricas de alguns autores para fundamentar a prática observada, com vista à produção de novos conhecimentos sobre o objecto de estudo. No que se refere às entrevistas às mulheres, construíram-se grelhas de análise consonantes com os objectivos da pesquisa. No primeiro objectivo11 incluise o registo das trajectórias de vida (percurso de vida, razão por que emigrou…), modos de vida/ estratégias de sobrevivência (do que vive – ordenado, negócio, do RSI….profissão, vulnerabilidades), como foi sentida a mudança (como era no bairro de barracas e como é no Casal da Mira, o que mudou, aumento das despesas, distância em relação ao emprego, convívio). O segundo objectivo12 abrangia as sociabilidades no novo bairro (redes familiares, de amigos, convívio), significados da casa, imagem e dinâmicas do bairro (ambiente, comércio, transportes) e expectativas para o bairro. Com base na informação trabalhada e agrupando os dados recolhidos por temáticas13, passou-se à terceira fase, a interpretação dos dados e, desta forma, procurando dar sentido ao material recolhido, tendo presente que esta última fase constitui o cerne da investigação qualitativa. (Flick, 2005, p.179). Ao filtrar a informação recolhida, procurava-se perder o menos possível dos significados subjectivos dos relatos das mulheres entrevistadas, tentando descobrir o social nas suas representações individuais. Relativamente às entrevistas às assistentes sociais, indo ao encontro do terceiro objectivo da pesquisa14, construíram-se, também, sinopses das entrevistas, para facilitar a interpretação dos dados recolhidos. O enquadramento teórico do estudo é constituído por três eixos: o primeiro está relacionado com os bairros de habitação social, enquanto espaços de interacção 11 Conhecer os impactos da mudança resultante do realojamento na vida das famílias, sob a perspectiva das vivências das mulheres e a consequente apropriação e adaptação ao novo contexto - bairro Casal da Mira, traduzido nas relações sociais, modos de vida e trajectórias das mulheres. 12 Compreender os significados da casa para as moradoras, a imagem e expectativas que têm do bairro e as suas dinâmicas, com a reconfiguração das redes sociais, de parentesco e vizinhança; 13 No caso das entrevistas às mulheres, temos: trajectórias de vida; modos de vida/estratégias de sobrevivência; vulnerabilidades; como foi sentida a mudança; sociabilidades no novo bairro; significados da casa e imagem, dinâmicas e expectativas sobre o bairro. 14 Identificar modelos e estratégias de intervenção do Serviço Social em contexto de bairro habitação social
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social e cultural, estruturadores de identidades pessoais e sociais. Como autores mais estruturantes do trabalho, embora haja outros não menos importantes referem-se, (Costa, 1999; Freitas, 1998; Grassi, 2003; Guerra, 1997; Pereirinha, 2007); O segundo eixo teórico prende-se com as questões de género e a sua importância para um conhecimento mais rico, assente na diversidade do ser humano, apontando-se como autores de referência (Dominelli, 2006; Gilligan, 1997; Habermas, 1990; Nash e Marre, 2001; Torres, 2010); O terceiro eixo teórico centra-se nas teorias e modelos de intervenção do Serviço Social, como suporte teórico para analisar a prática das assistentes sociais e identificar os modelos e estratégias a desenvolver. Destacamse os autores (Dominelli, 2002; Faleiros, 2005; Macdonough, 2001; Mondolfo, 2005; Payne, 2002; Viscarret, 2009; Weil & Gamble, 2005). A moldura teórica apresentada não se cingiu a um, mas a vários modelos de intervenção e teorias do Serviço Social que podem complementar-se e dar suporte teórico à intervenção a desenvolver nestes contextos. Procurou-se integrar várias concepções, como forma de dar resposta à complexidade e multidimensionalidade da realidade em estudo. Das teorias e modelos identificados, destacam-se, entre outras as teorias feministas, as teorias anti-discriminatórias e anti-opressivas e o modelo de intervenção comunitária. Para Dominelli (2008), a opressão é uma relação socialmente construída baseada na exclusão de algumas pessoas dos recursos sociais, do poder e das estruturas de tomada de decisão, privilegiando outras que são definidas como o seu oposto. A prática anti-opressiva procura mudar as realidades desfavoráveis aos destinatários da intervenção, trabalhando não só para eles, mas principalmente com eles. Assim, a base sobre a qual a prática anti-opressiva trabalha é intervenção centrada nos problemas das pessoas. Pretende reduzir as desigualdades e os desajustamentos sociais, bem como construir e transformar as relações sociais. O Serviço Social feminista liga o pessoal e o social, centrando-se na pessoa, analisando as interconexões entre as pessoas e as estruturas em que vivem e estão ligadas, tendo sempre em conta a necessidade de erradicar todas as formas de opressão e de discriminação das mulheres. Trata-se de um modelo de intervenção com um enfoque teórico voltado para a prática. Dominelli (1999) define o Serviço Social feminista como uma forma de prática de Serviço Social que tem a desigualdade de género e a eliminação da mesma como ponto de partida para trabalhar com as mulheres, tal como com os grupos e organizações, procurando promover o seu bem-estar, tal como elas o definem. O modelo de intervenção comunitária insere-se numa prática emancipatória, em que o Serviço Social assume uma postura política activa que visa promover a consciência política e social numa cultura de participação. Engloba a abordagem do empowerment da profissão e os valores da justiça social e incide nas actividades que vão aumentar a capacidade de liderança e organização das pessoas comuns, aumentando o bem-estar da comunidade, tornando as instituições mais democráticas.
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Os Resultados Quanto aos resultados do estudo, com base nas entrevistas às mulheres, identificaram-se, como factores positivos que influenciaram o modo como a mudança foi sentida, a melhoria das condições habitacionais, as características físicas do bairro e maior privacidade. Como factores negativos: aumento das despesas no orçamento familiar; alteração das redes familiares e de vizinhança; vivência em prédios; deficiente cobertura, a nível de transportes; ausência de comércio de proximidade e poucos serviços no bairro e, pontualmente, casos de desilusão relativamente à casa, relacionados com os critérios do realojamento. Sobre os modos de vida /estratégias de sobrevivência e à forma como as mulheres vêem e sentem o bairro, observou-se grande capacidade, versatilidade e iniciativa das mulheres para fazer face às adversidades e desenvolver estratégias de sobrevivência. Apesar disso, a opressão de género patente em muitos testemunhos das mulheres constitui, igualmente, um obstáculo ao exercício dos direitos para uma cidadania plena. Das actividades profissionais destacam-se o trabalho em limpezas e o comércio informal (48%). Os rendimentos são bastante baixos, as mulheres trabalham em vários locais; (50% das mulheres entrevistadas). O seu rendimento, muitas vezes, é o único na família. O problema da pobreza, como insuficiência de recursos, está muito presente no discurso das mulheres. De referir que 23% do número de famílias do bairro são monoparentais (mãe com filhos). As dificuldades das mulheres, a nível de mobilidade social, contrastam com o esforço de auto-valorização e investimento no futuro dos filhos, o que se prende com o plano dos direitos e cidadania. As mulheres imigrantes, para além dos problemas comuns às outras mulheres, têm também, dificuldades com a legalização no país, o que as impede de conseguir trabalho e de aceder a alguns apoios. A maioria das mulheres faz uma avaliação positiva da casa atribuída, tendo efectuado um grande investimento no seu equipamento (endividamento). No entanto, as mulheres que residiam no Bairro Novo manifestam desencanto e insatisfação, pois as casas anteriores tinham boas condições habitacionais e as pessoas conseguiam gradualmente melhora-las à sua medida e gosto. Neste caso, o realojamento não correspondeu a uma expectativa, mas surge como uma imposição. No quadro do processo de realojamento, a equipa técnica tentou manter a proximidade de familiares e vizinhos, no entanto algumas redes de sociabilidade deixaram de funcionar, contribuindo para isso a vivência em prédios. Os processos de realojamento de cada bairro de origem desenvolveram-se de modo diferente, o que desencadeou modos diferentes de apropriação. A origem de bairros diferentes é mais conflituosa na reconfiguração das relações sociais no bairro, do que a diversidade cultural das pessoas realojadas. Verificou-se a preponderância das pessoas oriundas da Azinhaga dos Besouros que resultou
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numa apropriação mais forte do espaço, por parte deste grupo relativamente aos outros. A localização, insuficiência de transportes e a falta de equipamentos e serviços dentro do bairro Casal da Mira, nomeadamente a ausência de comércio de proximidade traduzem-se em grandes dificuldades para as mulheres, desenvolvendo sentimentos de isolamento e segregação sócio-espacial. As mulheres manifestam também sentimentos de insegurança motivados por comportamentos juvenis agressivos no bairro. Quanto aos resultados do estudo relativamente às entrevistas às assistentes sociais, foram identificados como constrangimentos à prática profissional: - A frequência dos procedimentos rotineiros, de carácter administrativo, jurídico e fiscalizador, assumindo a intervenção um carácter de controlo sobre a população. - O desenvolvimento de um trabalho de proximidade e acompanhamento sistemático das famílias é reduzido e posto em causa pela sobrecarga burocrática - Pouca influência junto das instâncias de poder. As assistentes sociais, através dos seus testemunhos apontam como prioridades para a intervenção do Serviço Social: - Necessidade de um bom diagnóstico, como instrumento indispensável para um planeamento consequente, realçando as vulnerabilidades e potencialidades de desenvolvimento territorial; - O enfoque do Serviço Social deve ser nas pessoas, em especial nas mulheres; - A participação da população, como condição para a mudança e empowerment; - A responsabilização e autonomia da população para promover a cidadania; - Um trabalho de proximidade e acompanhamento das famílias, sobretudo as que apresentam disfuncionalidades; - Aumento de competências e desenvolvimento de capacidades pessoais; - Abertura de horizontes, criando nas pessoas outras expectativas e fomento de relações positivas de aceitação do outro; - Intervenção comunitária e constituição de grupos com base nas problemáticas existentes; - Constituição de equipas multidisciplinares e um trabalho em parceria; - Outro aspecto salientado nas entrevistas é que os assistentes sociais no seu exercício profissional se confrontam com dilemas éticos ao ter que mediar os interesses das famílias, a implementação das políticas e os interesses da autarquia.
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Considerações Finais Através da pesquisa, constatou-se que o bairro Casal da Mira constitui um exemplo paradigmático de realojamentos massificados. A sua localização, configuração e dimensão, associadas à deficiente rede de transportes, falta de equipamentos sociais, espaços de convívio e lazer, bem como a ausência de comércio local de proximidade, constituíram constrangimentos ao desenvolvimento de redes de convívio e sociabilidades locais, dificultando a adaptação e apropriação do novo espaço e a própria integração social da população no tecido urbano, evidenciando que o urbanismo e as políticas urbanas, aliados a processos não participados, podem dar lugar a uma segregação socio-espacial e a contextos de desigualdade. Assim, respondendo à pergunta de partida, pode afirmar-se que a mudança resultante do realojamento das pessoas no bairro Casal da Mira não constituiu um factor de inclusão e mobilidade social, embora no que respeita à casa, tenha sido um factor de valorização pessoal e familiar. Como considerações finais do estudo, a intervenção comunitária apresentase como uma prioridade do Serviço Social, atendendo a que se baseia nos valores da profissão e relaciona-se com a participação da população, num melhor planeamento e gestão dos serviços, na análise dos problemas sociais e implementação das políticas. No âmbito da intervenção comunitária deverá incluir-se um trabalho de proximidade e acompanhamento das famílias, assim como um enfoque nas mulheres, combatendo a opressão de género e valorizando o seu potencial. A metodologia de projecto e o trabalho em rede e em parceria representam uma mais valia, ao potenciar os recursos existentes, pois só com políticas integradas, com base em parcerias locais e supra locais, se promovem o desenvolvimento social local e maior igualização de direitos e oportunidades entre grupos desfavorecidos e a sociedade em geral, contribuindo para a cidadania e bem estar social. A intervenção do Serviço Social deve assentar numa abordagem holística, integrada, multidimensional e territorializada, com o envolvimento e participação dos actores locais, devendo privilegiar um enfoque nas mulheres, pelo papel que desenvolvem na família e na comunidade, promovendo o aumento das suas capacidades e competências, na perspectiva da sua capacitação e empowerment. Bibliografia Blaikie, Norman, (2000). Designing Social Reaserch. Cambridge. Polity Costa, António Firmino (1999), Sociedade de Bairro: Dinâmicas Sociais da Identidade Cultural, Oeiras, Celta Dominelli, Lena, (2002). Anti-Oppressive Social Work Theory and Practice. Palgrave.
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Ciências Sociais. (1ª edição de 2002). Payne, Malcolm, (2002). Teoria do Trabalho social Moderno. Coimbra. Quarteto editora Pereirinha, José A. et al., (2007). Género e Pobreza: Impacto e Determinantes da Pobreza no Feminino. Relatório Final. Pinto, Teresa Costa, (1994). Apropriação dos espaços em bairros sociais: o gosto pela casa e o desgosto pelo bairro. Sociedade e Território, nº 20. Porto. Edições Afrontamento. Torres, Anália Cardoso, (2010). Sociologia da Família, Teorias e Debates”. in Relatório da Unidade Curricular ISCTE-IUL. Viscarret, Juan Jesús, (2009). Modelos y métodos de intervención en Trabajo Social. Madrid. Alianza Editorial. Weil, Marie Overby & Gamble, Dorothy N, (2005). Community Practice Model for the Twenty-First Century. In end book, pp. 882-892.
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A Relação Profissional no quadro da intervenção do assistente social Maria João Barroso Pena
Doutorada em Serviço Social pelo ISCTE-IUL. Professora Auxiliar na Universidade Lusíada de Lisboa Professora Auxiliar no ISCTE-IUL. Assistente Social no Instituto de Apoio à Criança.
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Resumo A relação do assistente social com a pessoa utilizadora do serviço apresentase como fundamental e inquestionável na prática profissional do assistente social, mas não deixam de levantar-se questões quanto à sua configuração e às condições necessárias à sua efetivação. Propõe-se neste artigo uma reflexão sobre a relação profissional que se estabelece com a pessoa utilizadora do serviço no contexto da trajetória histórica do Serviço Social, enquadrando-a na perspetiva das forças, e sem deixar de ter em conta o olhar e análise dos utilizadores dos serviços. Palavras Chave: Relação Profissional, Utilizador do serviço, perspetiva das forças Abstract The relationship between the social worker and the user is unquestionable in the social worker professional practice but it still remain some questions about the framework ant the conditions that it will be required for that. We propose a reflection about the relationship that the social worker establish with the user on the context of the social work history, in the strengths perspective framework and also considering the users perspective about the relationship in which they are involved. Key-words: Professional Relationship, Users, Strengths Perspective
1. A centralidade da relação profissional em Serviço Social Ao longo da história do Serviço Social, a relação do assistente social com as pessoas utilizadoras dos serviços tem sido reconhecida pelos profissionais, estando presente nas práticas das fundadoras, Octavia Hill, Elizabeth Fry e Mary Richmond. Os pioneiros do Serviço Social, no século XIX, tinham um grande interesse nas pessoas e acreditavam que uma boa relação podia levar à mudança
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social. Octávia Hill acreditava que conhecer as pessoas utilizadoras dos serviços e o seu carácter melhorava a sua prática (Howe, 2009). Biestek (1960) refere que desde o período de Mary Richmond que os assistentes sociais dão importância ao relacionamento com a pessoa utilizadora dos serviços, mesmo que não aprofundem o seu significado, na crença de que “os assistentes sociais acreditam, e acertadamente, que estabelecer e manter um bom relacionamento em serviço social de casos é muito mais importante do que a habilidade para o definir”. (Biestek,1960, p.ix). De acordo com a perspetiva teórica adotada pelos assistentes sociais a relação passou a ser mais ou menos valorizada pelos profissionais, sendo privilegiada pela abordagem centrada na pessoa ou pelas abordagens humanísticas que continuavam a defender que a relação é a chave para uma boa prática, assim como os defensores da corrente psicodinâmica, mas, por outro lado, os comportamentalistas, embora não esquecendo a relação, punham a técnica em primeiro lugar. (Howe, 2009). Nos anos 60, Biestek valoriza o relacionamento e iguala-o ao conhecimento, pois é através do relacionamento que se mobiliza as capacidades do indivíduo e os recursos da comunidade e define-o como “uma interação dinâmica de atitudes e emoções entre o assistente social e o cliente, com o objetivo de auxiliar o último a atingir um ajustamento com o seu ambiente.” (Biestek, 1960, p.11). As origens destas emoções e atitudes fundamentais são sete necessidades humanas essenciais nas pessoas com problemas psicossociais e que vão originar sete princípios, considerados como qualidades necessárias ao assistente social para estabelecer o relacionamento (Biestek, 1960) e que são sistematizadas no quadro 1: Quadro 1- Características da relação no serviço social de casos NECESSIDADES
PRINCÍPIOS DE RELACIONAMENTO
Tratada como pessoa
Individualização
Expressar os seus sentimentos (negativos e positivos)
Expressão sentimentos tendo em vista um objetivo
Ser aceite como uma pessoa de valor, com dignidade
Envolvimento emocional controlado
Compreensão solidária
Aceitação
Não ser julgada
Atitude de não julgamento
Fazer as suas próprias escolhas
Auto determinação do cliente
Conservar informação confidencial
Descrição
Fonte: Adaptação livre de Biestek, Felix (1960)
Florence Hollis, uma das pioneiras do Serviço Social, destacou a importância da relação afirmando que “o fundamental, no tratamento, é a relação entre assistente social e o utente“ (Hollis, 1972, p.228) A autora acreditava que o
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serviço social de casos estava baseado no reconhecimento da interação de fatores internos e externos que levam a problemas nas relações sociais, apontando o tratamento na direção da relação do profissional com o utente (Hollis, 1972, p.228), sendo esta relação uma fonte de compreensão para o utente na medida em que poderia explorar os seus sentimentos atingindo uma melhor compreensão do seu comportamento. (Howe, 2008). Nos anos 70 as economias tornaram-se mais liberais, colocando a ênfase na responsabilidade individual e influenciando a prática do Serviço Social, aumentando a escolha e a responsabilidade pessoal. “A mudança de uma mentalidade coletiva para uma abordagem liberal, individualista e de liberdade de mercado definem os utentes como agentes racionais e independentes.“ (Howe, 2009, p.177). Ao aplicar os princípios da liberdade de mercado e da gestão ao Serviço Social os assistentes sociais são constrangidos com o aumento de procedimentos administrativos e prestação de contas, uma necessidade absoluta de mensuração, “mas nem tudo é facilmente mensurável e nessas ações incluem-se aquelas que proporcionam bem-estar, tais como relações, sentir-se emocionalmente apoiado, pertencer a um grupo e a uma comunidade, aquilo a que Jordan (2007) chama “economia interpessoal” (Howe, 2009, p.179). Neste contexto, a relação pode ser vista como um luxo ou mesmo como fraca, irrelevante ou pouco científica. (Howe, 2009). Quando os assistentes sociais poderiam ter colocado a relação numa dimensão secundária face às exigências das organizações onde estão inseridos, economistas e neurocientistas vêm colocá-la novamente no centro da intervenção. (Howe, 2009) Nos últimos anos economistas afirmaram que, tendo assegurado as necessidades básicas, a felicidade não depende apenas da riqueza. Se, por um lado, a diminuição da felicidade é justificada pelo desnível entre ricos e pobres, i. e., se o desnível for muito grande, os níveis médios de felicidade, satisfação e saúde física diminuem enquanto os níveis de crime, comportamento antisocial e doença mental aumentam. (Wilkinson, 2000, citado por Howe, 2009), por outro lado verificou-se que a felicidade não é apenas medida em termos do que as pessoas ganham ou possuem, mas também tem a ver com a saúde, relações e um sentido de comunidade. Os laços entre as pessoas podem criar um sentido de pertença. Viver em harmonia reduz o isolamento, ansiedade e stress e juntos criam um sentimento de bem estar, o que é corroborado com os estudos de Layard (2005) e Csikszentmihalyi (1998) citados por Howe (2009) em que se afirma que ter um envolvimento social, sentir-se emocionalmente ligado a família e aos amigos, vizinhos e colegas de trabalho contribui para o bem estar. A felicidade das pessoas depende, em grande parte, da qualidade da relação com os outros, da densidade dessas relações. Do ponto de vista neurológico Cozolino (2002) explica que as relações terapêuticas promovem um ambiente que favorece a regeneração, ajudando realmente o indivíduo. A ênfase colocada por estas ciências na qualidade da relação veio fortalecer uma dimensão da intervenção dos assistentes sociais que sempre se interessaram pelo “capital social”, os laços entre as pessoas, que leva ao aumento do sentido de
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pertença e consequentemente ao aumento do nível de felicidade. (Howe, 2009). “As relações são o espaço onde as pessoas vivenciam sentimentos subjetivos de bem estar” (Howe, 2009, p.180) Este autor refere que os assistentes sociais, sobretudo aqueles que situam a sua prática numa perspetiva ecológica, de desenvolvimento comunitário e baseada nas forças sempre tiveram um interesse pela noção de capital social e que o “Serviço Social trata de promover a interdependência.” (Howe, 2009, p.180), deixando compreender que a relação se apoia numa abordagem humanista cujos contornos se constroem nas especificidades das diferentes teorias. A abordagem teórica pode ser diversa, dependendo do conhecimento base do assistente social, da personalidade da pessoa utilizadora dos serviços, mas o centro da prática é a relação. Quando o assistente social se cruza com a pessoa o profissional tem de ligar-se, ser empático e procurar a compreensão, pois “a pessoa necessita de sentir-se compreendida, tem de haver uma procura de sentido, e com ele vem o controle, a recuperação da esperança, a construção da resiliência e a capacidade para lidar com a situação”(Howe, 2009, p.195). Temse consciência, no entanto que “Confiar na relação pode ser difícil para aqueles que estão ansiosos ou zangados, desesperados ou deprimidos (Howe, 2009, p.199) mas é essencial para que a intervenção aconteça, seja qual for a abordagem teórica. Embora todas as teorias de Serviço Social reconheçam a importância da relação, alguns profissionais acreditam que a relação é o elemento chave. Para uns a relação é o meio através do qual a mudança acontece, para outros não há necessidade de olhar para além da relação para compreender o que provoca a mudança sendo a qualidade da relação e não qualquer técnica específica que determina a satisfação e a eficácia na intervenção (Howe, 2009). 2. Uma proposta de compreensão da relação: a perspetiva das forças Uma das abordagens teóricas que valoriza a relação é a perspetiva baseada nas forças e Saleebey (2009) é um dos fundadores desta abordagem, preocupando-se em clarificar que esta é uma perspetiva, “um ponto de vista, uma forma de ver e compreender certos aspetos da experiência. É uma lente através da qual olhamos,” (Saleebey, 2009, p.15) e não poderá ser considerada uma teoria, enquanto tentativa de explicação dos fenómenos nem um modelo que procura representar alguns aspetos do mundo. Esta perspetiva surge nos anos 80 do século XX, em resposta a uma visão dos assistentes sociais que se concentrava nas deficiências dos utilizadores dos serviços. A uma prática que se concentrava nas patologias e nos problemas das pessoas esta perspetiva contrapõe que o indivíduo tem potências e forças. Com esta perspetiva passase de uma abordagem centrada no problema para uma abordagem baseada na solução. “A ênfase já não é a deficiência individual mas a responsabilidade pessoal. (…) Aproximando-se da abordagem ao Serviço Social de Octavia Hill
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e Charles Loch, que já desafiavam os seus utentes a serem independentes e a esforçarem-se.” (Howe, 2009, p. 105). Figura 1 – Elementos essenciais na perspetiva das forças
Fonte: (Saleebey, 2009, p.10)
C – competências, capacidades, coragem P – promessas, possibilidades, expectativas positivas, potencial R – resiliência, recursos Os assistentes sociais têm de procurar as capacidades das pessoas e estas são encorajadas a ver que são mais do que o seu problema. O assistente social tem de acreditar que as pessoas são capazes de fazer alguma coisa das suas vidas, pois são quem melhor conhece os problemas que estão a viver. Como afirma Howe (2009), a tarefa do assistente social é ajudar a pessoa a ultrapassar o problema e, a partir do seu relato, das suas respostas às questões ela pode começar a reconhecer e a creditar nela própria e nas suas forças. Todos nós temos ideias acerca de como é que a vida podia ser melhor e as pessoas possuem conhecimentos e são “especialistas da sua própria vida, relações e como sobreviver” (Howe, 2009, p.103). Esta perspetiva reconhece o valor da resiliência das pessoas que enfrentam situações de adversidade, considerada como “a capacidade das pessoas em lidar competentemente com o risco, para ultrapassar perigos e para continuar a funcionar, mesmo sobre pressão.” (Howe, 2009, p. 100). “O assistente social interessa-se por reconhecer forças, talentos, experiências, capacidades, recursos e suportes que o cliente dispõe para lidar com o stress.” (Howe, 2009, p.100). O ponto de partida é a crença nas capacidades do indivíduo, grupo, família e comunidade, pois as pessoas que são confrontadas com situações de stress desenvolvem ideias, capacidades e motivações que podem ser utilizadas para
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ajudá-las e cabe ao profissional, com base numa parceria colaborativa, clarificar e alargar o leque de escolhas da pessoa, com base nos seus recursos internos e externos, para chegar a decisões mais saudáveis (Saleebey, 2009). O assistente social está interessado em ouvir o que as pessoas têm para contar, pois é uma forma de descobrir as forças das pessoas, acompanhado de um conjunto de questões cuja tipologia se enquadra em questões de sobrevivência (quem os ajudou no passado), questões de exceção onde se convidam as pessoas a pensar o que acontecia quando as coisas estavam a correr bem, questões de possibilidade (as expectativas) e as questões relacionadas com a auto-estima. O assistente social vai estabelecer um compromisso com a pessoa, através de um diálogo genuíno, criando expectativas positivas e tornando-os mais participativos na vida de outras pessoas, instituições e comunidades e, segundo Saleebey “operar segundo a perspetiva das forças é bom, é a prática básica do Serviço Social. Não há nada nesta perspetiva que não seja coincidente com o núcleo de valores da profissão, trata-se de dar a estes princípios uma dimensão conceptual e prática” (Saleebey, 2009, p.94). Este autor realça que a esperança, as expectativas positivas e o próprio efeito placebo1 constituem dimensões importantes para promover a mudança. A relação sempre foi um aspeto crucial da prática profissional e ” durante anos os assistentes sociais enfatizaram a importância da relação de ajuda e o uso do “eu” como meio para obter a mudança e o crescimento”. (Shulman, 1992 citado por Saleebey, 2009, p.95). O mesmo autor afirma que Carl Rogers (1951) demonstrou que as verdadeiras relações que asseguravam a cura nasciam das qualidades de cuidar, empatia, olhar positivo, autenticidade e respeito. A qualidade das relações de ajuda é o fator mais importante no âmbito da psicoterapia, ao que os profissionais que defendem a perspetiva das forças juntam a importância da colaboração, desenvolvendo um projeto em comum. Saleebey (2009) cita Charles Rapp (1988) para definir as relações de ajuda como intencionais, recíprocas, amigáveis, confiantes e de empowerment. E acrescenta que a transformação, regeneração e resolução de problemas ocorre quase sempre na fronteira de uma relação pessoal, amigável e de suporte, orientada por cinco princípios: i) Adotar uma atitude otimista, ii) Focalizar-se nos recursos da pessoa, iii) Colaborar com outros utilizadores dos serviços, iv) Trabalhar em direção ao empowerment da pessoa e v) Estabelecer ligações entre a pessoa utilizadora dos serviços e os outros, numa perspetiva de criação de comunidades de auto ajuda. Saleebey (2009) considera que quase tudo pode ser considerado como forças sob certas condições. O que as pessoas aprenderam sobre si próprias, os 1 O efeito placebo tem a ver com um fenómeno nas experiências clínicas de administração de medicamentos. Consideram-se 2 grupos e enquanto a um é ministrado o medicamento a outro é dado um placebo. Nem as pessoas que administram nem os que tomam a medicação sabem qual é qual. Os resultados indicam que não há diferenças clínicas significativas entre os placebos e os medicamentos, realçando o poder da esperança, expectativas positivas e crença no que é ministrado.
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outros, o seu mundo e todas as suas experiências, ressalvando que as pessoas não aprendem apenas com os sucessos. Tudo o que as pessoas sabem acerca do mundo que as rodeia, incluindo o saber intelectual e as experiências de vida. Por outro lado as qualidades pessoais, os traços de personalidade e todas as virtudes que as pessoas possuem. Os talentos de que as pessoas dispõem podem surpreender-nos assim como a elas próprias, na medida em que muitas vezes estão adormecidos, mas todas as pessoas têm conhecimento, talentos, competências e recursos que podem ser utilizados para avançar da forma que consideram mais apropriada. As pessoas têm sempre um grau de consciência do que é melhor para elas e “alguns comportamentos mais desadequados são a procura das pessoas em relação à sua necessidade de respeito, controle, segurança, amor e sentido de pertença.” (Saleebey, 2009, p.94.) Reconhecer as forças nas pessoas e na sua situação implica dar crédito ao modo como as pessoas experienciam e constroem as suas realidades. Não se pode impor às pessoas a visão do mundo ou da instituição em que o profissional está inserido. Não se pode esquecer que as pessoas têm orgulho, em ter ultrapassado obstáculos, apesar de muitas vezes poder estar enterrado numa acumulação de culpa e vergonha, à espera de ser descoberto. “O orgulho conduz à mudança (…)”(Wolin & Wolin, 1994, citado por Saleebey, 2009, p.100). As histórias culturais, narrativas e mitos podem constituir fontes de sentido e inspiração em tempos de dificuldade, tornando-se forças, pois os heróis de natureza cultural podem tornar-se uma fonte de orientação. E a própria comunidade possui um conjunto de recursos a nível físico, interpessoal e institucional que embora possam ser mais abundantes em algumas comunidades do que em outras, há sempre recursos que se podem utilizar. Ao abordar a perspetiva baseada nas forças podem definir-se seis princípios de ajuda, de acordo com Saleebey (2009) e Kisthardt (2009): - O enfoque inicial do processo de ajuda é centrado nas forças, interesses, capacidades e conhecimento de cada pessoa e não nos deficits e fraquezas que são definidos por outros. As pessoas são mais do que os problemas, incluindo a sua capacidade de sobrevivência, criatividade e resiliência2, o que leva a que seja respeitado o que a pessoa quer da sua vida. “Há uma crença no desembaraço, determinação e resiliência de todas as pessoas, independentemente da doença, incapacidade ou história pessoal.” (Saleebey, 2009, p.53). O mesmo autor afirma que isto não significa que se ignore os comportamentos que levaram a uma situação de desequilíbrio, mas sim que se encontre um equilíbrio entre a atenção aos sintomas, problemas, deficits e a necessidade de desenvolver planos individualizados que demonstrem que a intervenção faz a diferença. Cada indivíduo, grupo, família e comunidade dispõem de forças, na 2 A teoria da resiliência deriva da Física e da Engenharia aplicada posteriormente à psiquiatria e psicologia. A teoria da resiliência define-se como a capacidade dos indivíduos em superar os fatores de risco aos quais são expostos, desenvolvendo comportamentos adaptativos e adequados. (Ferreira, 2011: 240)
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medida em que possuem conhecimento, sabedoria, tratando-se de identificar esses recursos e respeitá-los assim como o seu potencial para reverter a situação. É importante que o profissional esteja genuinamente interessado em detetar essas forças e isso é sentido pelos utilizadores dos serviços, que precisam de saber que o profissional se interessa por eles, acreditando que irão conseguir ultrapassar as dificuldades e prosseguir na sua transformação e crescimento. - Cada pessoa é responsável pela sua recuperação, pelos esforços de ajuda que se desenvolvem. As dificuldades são prejudiciais mas também são fontes de desafio e oportunidade, pois possibilitam que as pessoas desenvolvam capacidades. É possível observar que as pessoas que enfrentaram a adversidade têm mais capacidade de resiliência e de desenvolver recursos, estando mais motivadas para atingir os seus objetivos. É através dos comportamentos que as decisões se manifestam e as pessoas têm de ser ajudadas a tomar consciência das decisões que tomam e das consequências em relação aos objetivos estabelecidos. - Todos os seres humanos têm em si uma capacidade para aprender, crescer e mudar, mas muitas vezes há uma incapacidade de dizer o que se quer, o que leva à necessidade do profissional questionar e observar, pois é através do comportamento que se manifesta as preferências. Há que reconhecer que não se tem conhecimento dos limites de capacidade de crescimento dos indivíduos e que se tem de considerar muito seriamente as aspirações do indivíduo, grupo e comunidade. Frequentemente os profissionais assumem que o diagnóstico, a avaliação, o perfil ou as características demográficas fixam os parâmetros de possibilidade dos indivíduos, quando é preferível manter em alta as expectativas dos utilizadores dos serviços e ter em conta as suas esperanças, visões e valores. Tornou-se cada vez mais claro que as emoções têm um efeito profundo no bemestar e na saúde. O assistente social deverá procurar novas e diferentes estratégias para que o crescimento do utilizador do serviço ocorra, sendo criativo no desenvolvimento de planos de ajuda individualizados e que têm um verdadeiro sentido para as pessoas - A relação de ajuda torna-se colaborativa e de parceria. O profissional deve colaborar com o utilizador do serviço e os planos devem ser desenvolvidos com as pessoas e não para elas, numa perspetiva de partilha de poder. O papel de perito pode não constituir uma vantagem na perspetiva de valorizar as forças do utilizador do serviço. Saleebey (2009) cita Derezotes (2000, p.79) referindo que “numa relação recíproca, o cliente e o profissional partilham a responsabilidade pelo processo de trabalho (…) São considerados como iguais (…) definindo em conjunto os objetivos da prática e as tarefas.” (Saleebey, 2009, p.53). O assistente social deve ser deve ser definido como colaborador, que faz chegar a informação aos que precisam de conhecê-la, o que leva que o assistente social assuma uma
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abordagem de advocacia. - A comunidade é vista como um conjunto de potenciais recursos e esta é uma perspetiva fundamental na abordagem das forças. “A perspetiva das forças transcende o individual e é alargada até à vizinhança, organização e comunidade num sentido mais vasto” (Sullivan & Rapp, 2002 citado por Saleebey, 2009, p.57). Cada ambiente está cheio de recursos e há que considerar os sistemas informais e as associações de indivíduos, grupos e famílias como possuidores de energia, ideias, talentos e instrumentos que é possível utilizar. - As atividades de ajuda em cenários naturais na comunidade são encorajados e Saleebey (2009) apoiando-se em Bentley (2002) refere que “o trabalho com as pessoas num cenário natural contribui para uma prática efetiva e eficiente.” (Saleebey, 2009, p.56). Este tipo de trabalho permite observar a realidade da pessoa de uma forma mais profunda, levando a que as pessoas se sintam mais confortáveis e partilhem mais facilmente a informação. 3. A perspetiva dos utilizadores dos serviços sobre a relação profissional Só a partir dos anos 60, é que os investigadores começaram a perguntar às pessoas utilizadoras dos serviços o que sentiam acerca dos assistentes sociais e do serviço que lhes era prestado. Esta abordagem fazia parte de um movimento mais global das ciências sociais em que as pessoas deixaram de ser vistas como objetos e passaram a ser compreendidas como indivíduos que detinham uma visão pessoal do mundo (Howe, 1999, p.3) Para tal foi importante a emergência de um conjunto de organizações controladas pelos utentes, nomeadamente na área da deficiência e saúde mental, que levaram à criação de uma forma diferente de conhecimento, baseado sobretudo nos testemunhos de quem usufrui dos serviços (Wilson, 2008). O profissional tem de escutar a pessoa, valorizar o que é dito e sentido, ter em conta a sua vontade, mesmo que sejam incapazes de dar uma resposta positiva ao pedido. A relação que se estabelece passa pelo reconhecimento do valor da pessoa, pela importância do seu conhecimento, confrontados depois com outras fontes de conhecimento. “É importante que os assistentes sociais ouçam e respondam apropriadamente ao que os utilizadores têm a dizer, o que nem sempre é reconfortante para os profissionais” (Wilson, 2008,p.417) A relação que o assistente social estabelece com a pessoa é um elemento crítico na capacidade do profissional levar a cabo um bom trabalho com o indivíduo, ou seja, a qualidade da relação é vital para uma boa prática, mas mesmo assim muitos assistentes sociais apesar de convencidos acerca do valor da relação estão confusos acerca do propósito do seu envolvimento, do que é que pretendem atingir, numa confusão de meios e fins (Rees, 1978 citado por Howe, 1999, p.6). As pessoas utilizadoras dos serviços “gostam” dos assistentes sociais que
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sejam amigáveis, genuínos e honestos, e que dão explicações sobre os métodos de trabalho e a sua finalidade, uma vez que as ambiguidades constituem uma fonte de insatisfação para os utilizadores do serviço. O modo como os assistentes sociais respondem às necessidades da pessoa afeta a relação, e o facto de o profissional ouvir com respeito a pessoa, reconhecendo os seus desejos para o futuro favorece uma reação positiva por parte desta e aumenta o sentimento de autenticidade por parte do profissional. Howe (1999) assinala um estudo de Fischer (1978, p.222-3) que conclui que para serem eficazes os assistentes sociais devem ser bem-sucedidos em duas áreas: - Devem criar condições pessoais para conseguir estabelecer uma relação de confiança, cuidado e aceitação que facilita a influência; - Os procedimentos devem ser claros e explícitos. O propósito da intervenção deve ser compreendido pelo utilizador do serviço e pelo profissional. Os bons profissionais devem articular teoria e métodos de modo a organizar, ordenar e orientar a prática num sentido que seja reconhecido pela pessoa utilizadora do serviço e pelo profissional. As expectativas das pessoas sobre os assistentes sociais salientam a qualidade das relações, das competências e dos serviços nos resultados apresentados por Harding e Beresford (1995) e referidos por Wilson (2008). A nível das relações foram consideradas como fundamentais a credibilidade, o respeito, a confidencialidade, a cortesia, empatia, honestidade e confiança. E, já em 1967 Truax e Carkhuff citados por Howe (1999) identificavam o valor da empatia, autenticidade e cordialidade no sucesso da relação. As pessoas “desconfiam” dos assistentes sociais que impõem uma perspetiva teórica sem ter em conta a opinião das pessoas utilizadoras do serviço e as circunstâncias que os rodeiam, assim como se espera que os profissionais sejam capazes de ouvir, aconselhar, negociar e ter um conhecimento acerca dos serviços locais e capacidade de avaliação do risco (Wilson, 2008). Não se pode contudo, deixar de salientar que os atributos pessoais e as competências dos assistentes sociais são importantes. Os utilizadores dos serviços consideram importante que o assistente social seja visto como uma “pessoa” e um “amigo”, e que combine essa abordagem com ações concretas que provoquem mudanças nas circunstâncias que envolvem a pessoa e simultaneamente são valorizadas competências de negociação e advocacia. (Rees e Wallace, 1982 citados por Wilson, 2008). A ajuda que mencionam deve ser concretizada de modo a que os utilizadores dos serviços possam atingir os seus objetivos, tornando-se uma ajuda real e material, mas que muitas vezes é dificultada pelo facto de profissionais e utilizadores dos serviços serem incompatíveis na definição da natureza do problema (Wilson, 2008). E esta incompatibilidade assenta, por vezes, em divergências, quanto à finalidade da organização e aos papéis do assistente social. A perceção da qualidade dos serviços por parte das pessoas utilizadoras dos serviços é muito diversificada, oscilando entre a satisfação, a resignação por algo
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que não pode mudar e o desagrado. Mas mais unânime é o que Wilson (2008) realça referindo-se a um estudo de Mayer e Timms (1970) onde os utilizadores dos serviços mencionam que raramente eram chamados a avaliar a eficácia dos serviços recebidos, o que vem revelar uma das questões fundamentais na relação profissional que é a questão do poder, ou mais especificamente a desigualdade de poder entre assistente social e utilizador do serviço e o impacto que tem na relação. Os assistentes sociais que usam o seu poder criteriosamente são valorizados pelos utilizadores, entendido como respeito, atitude de não julgamento e capacidade para compreender a sua perspetiva (De Bóer e Coady, 2007 citados por Wilson, 2008). O mesmo estudo enfatiza ainda o que designam por uma aproximação humanista do profissional, de valorização e apoio, em que é ultrapassado o mandato legal e técnico que configura a prática profissional. Uma das questões mais pertinentes é conhecer as expectativas dos utilizadores dos serviços relativamente aos assistentes sociais, considerando: - Uso do tempo: A necessidade de uma boa estão do tempo incluindo a pontualidade e dar tempo aos utilizadores dos serviços de modo a trabalhar com eles de forma devida. Assegurar que o contacto é mantido; - Utilização da relação e comunicação: Prestação de contas aos indivíduos, grupos e comunidades sobre a sua prática. Ser bom a iniciar, continuar e finalizar as relações Respeitar a confidencialidade e explicar a necessidade de partilhar a informação com outros. Envolver nos encontros todos aqueles que possam ser afetados por eles; - Utilização das competências de avaliação: Avaliar as necessidades de forma devida certificando-se de que todas as opções são exploradas antes da tomada de decisão. Procurar opções quando os serviços necessários não estão disponíveis. Ser criativo, envolver todos no plano de ação. Ser honesto acerca das limitações de escolha. Avaliação do risco e correr o risco quando necessário; - Promover a independência e reconhecer a experiência: Orientar o trabalho para desenvolver ou manter a independência. Reconhecer a experiência dos utilizadores dos serviços acerca da sua situação e ter em consideração os seus desejos; - Estabelecer contactos com os serviços: Ajuda no acesso aos serviços e benefícios. Ligar os utilizadores dos serviços a grupos de apoio e redes de suporte aumentando a participação nesses grupos. A partir do estudo de jovens sem abrigo na Holanda (2003) foram definidas três formas através das quais a qualidade das relações entre os sem abrigo e os assistentes sociais poderiam ser melhoradas, o que passava pela melhoria da comunicação, maior confiança e uma maior participação nas decisões que lhes dizem respeito, sugerindo uma abordagem partilhada que leve a resultados de mais sucesso. (Winter e Noom, 2003 citados por Wilson, 2008, p.423-4). Estas ideias são reforçadas pelos resultados de outros estudos que acrescentam a
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transparência dos propósitos, receber ajuda concreta e prestar atenção mesmo ao que não é expresso (Sainsbury 1987, 1989 citado por Doel, 2010, p.199-200). Acrescentando uma outra dimensão ao interrogar as pessoas sobre as suas experiências positivas de Serviço Social, percebe-se que estão mais preocupadas com as características particulares do assistente social, honestidade, confiança e inteligência do que com o cumprimento de um código de ética abstrato ou um conjunto de normas morais. Doel (2010) ressalta que, do relato das experiências sobressaem alguns temas: - Informação e privacidade: É importante ter alguma sensibilidade na recolha de informação e como é usada. As pessoas valorizam a discussão sobre a noção de confidencialidade e honestidade sobre os seus limites; - Poder e controle: Não há apenas uma forma correta de fazer as coisas, mas os profissionais e os utilizadores dos serviços precisam de falar sobre o poder e encontrar maneiras de partilhar responsabilidades para as decisões que envolvem o controlo; - Aceitação e diferenças: Aceitação não é desistir da mudança, mas é resistir aos juízos de valor e compreender a pessoa e as suas dificuldades e só depois provocar as mudanças apropriadas; - Limites e risco: Os utilizadores dos serviços valorizam que os tratem com flexibilidade, reciprocidade e igualdade na relação até onde for possível, conhecendo os limites. Isto possibilita o desenvolvimento da confiança e a possibilidade de assumir riscos; - Suporte prático e inteligência emocional: Os utilizadores dos serviços valorizam a ajuda prática mas também o suporte emocional, o que leva a valorizar abordagens holísticas; - Ritmo e continuidade: Acessibilidade, intervenções precoces e respostas rápidas são apreciadas assim como a capacidade do profissional responder a diferentes ritmos dos indivíduos. Regularidade, confiabilidade e continuidade do serviço de um profissional para outro são igualmente importantes; - Planeamento e intervenção em rede: É importante que a ação seja organizada em parceria com a pessoa utilizadora do serviço assim como articulada com os serviços que possam responder adequadamente; - Relações suportadas na crença e no propósito. Já os estudos de Doel e Best (2008) assinalavam a importância do utilizador do serviço sentir que acreditam nele, que há uma possibilidade de mudança e que juntos podem fazer a diferença. A crença na possibilidade de mudança é talvez a base mais forte da relação entre utilizador e o profissional; - Contextos: As pessoas necessitam de ser vistas como um todo e não apenas o problema que apresentam para que o profissional os possa representar, dentro e fora do serviço É difícil conceber o serviço social sem o desenvolvimento de relações, tal
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como afirma Doel (2010) mas não significa que a relação seja fácil de concretizar numa perspetiva de satisfazer as expectativas das pessoas utilizadoras dos serviços, que procuram nas profissionais determinadas características pessoais, que permita o estabelecimento da relação, mas respondendo também a um problema ou necessidade concreta, o que exige competências que estão enquadradas por uma organização. A organização exerce um poder considerável sobre os assistentes sociais, controlando as suas decisões, colocando alguns constrangimentos nas informações que processam, limitando o leque de alternativas e ditando as regras através das quais o profissional se orienta. Isto exige uma negociação exigente, sem negar as diferenças no poder e de papel, mas a natureza e a dinâmica da relação entre assistente social e utilizador do serviço é de parceria e partilha de poder. A relação profissional tem de ter limites e o modo como estes são definidos, respeitados e negociados é significativo para o desenvolvimento da relação e, se a responsabilidade do estabelecimento dos limites é frequentemente associada ao profissional, os utilizadores dos serviços deveriam ter um papel maior, surgindo assim de “baixo para cima” e não de “cima para baixo” (Doel et al 2010, p.211). A relação do assistente social com a pessoa utilizadora do serviço apresentase como fundamental e inquestionável na prática profissional do assistente social, mas não deixam de levantar-se questões quanto à sua configuração e às condições necessárias à sua efetivação. Bibliografia Bentley, K. J. (Ed) (2002). Social Work practice in mental health care, Pacific Grove: CA Brooks / Cole. Biestek, Felix (1960). O relacionamento em Serviço Social de Casos, Porto Alegre: Pontífice Universidade católica do Rio Grande do Sul. Boer, C. dee N. Coady (2007). “Good helping relationships in child welfare: learning from stories of success”, Child and family Social Work, 12, pp. 32-42. Cozolino, L. (2002). The Neuroscience of Psychotherapy: Building and Rebuilding the human Brain, New York:W. W. Norton. Csikszentmihalyi, M. (1998). Living Well: The Psychology of Everyday Life, London: Phoenix. Dezerotes, D. S. (2000). Advanced generalist social work practice, Thousand Oaks: CA Sage. Doel, M e L. Best (2008). Experiencing Social Work: Learning from Service Users, London: Sage Publ. Doel, M. (2010). Service-User Perspectives on Relationships em Gillian Ruch et al (Ed) Relationship-Based Social Work, London: Jessica Kingsley Publishers. Fischer, J. (1978). Effective Casework Practice, New York: McGraw Hill. Harding, T. e P. Beresford (1995) What Service Users and Careers Value and
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Análise da Conversação etnometodológica e Investigação em Serviço Social: preliminares teórico-metodológicos Michel Gustave Joseph Binet
Doutor em Antropologia (FCSH-UNL). Mestre em Ciências Sociais (Univ. Paris 5 Sorbonne). Licenciado em Sociologia (Univ. Paris 5 Sorbonne). Professor Auxiliar no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa da Universidade Lusíada de Lisboa (ISSSL-ULL).
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Introdução Cada atendimento de ação social é o local de uma redefinição da profissão de assistente social, negociada com um utente, no decurso de uma interação assimétrica, institucionalmente enquadrada. Considerado a essa luz, um corpus de gravações de atendimentos sociais, constitui uma base empírica muito sólida para o estudo do Serviço Social, proporcionando a abertura de janelas de observação direta das práticas profissionais, num importante quadro interacional de intervenção social e de operacionalização local das políticas sociais. O presente artigo procura dar a conhecer e reconhecer a Análise Conversacional (AC) como paradigma de investigação susceptível de enriquecer a produção científica na área do Serviço Social, apoiando-se para o efeito no Projeto ACASS (Binet & Sousa (de), 2013), que possibilitou a recolha de um corpus de gravações de mais de 50 horas de atendimentos de ação social, principal base empírica da tese de doutoramento do autor: Microanálise etnográfica de interacções conversacionais: atendimentos em serviços de acção social (Binet, 2013). Longe de ser apenas uma mera técnica de análise de dados, a acrescentar a uma caixa de ferramentas de investigação já bem apetrechada, a Análise da Conversação etnometodológica pode reivindicar o estatuto de paradigma científico (Binet & Monteiro, 2012), que renova os questionamentos, conquista novos observáveis e redesenha os projetos investigativos reordenando as opções metodológicas a privilegiar. Os atendimentos de ação social: locais de redefinições da profissão de assistente social Como qualquer universo profissional, o Serviço Social é um sistema de atores que se (re)produzem ativamente mediante discursos que fixam as identidades profissionais dos seus membros, em referência a uma matriz de valores e de objetivos e a um conjunto de saberes e competências. Os nichos de produção destes discursos são, por exemplo, os da escrita académica de livros e artigos; do ensino e da formação; dos eventos e congressos; das discussões travadas na associação profissional; dos
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programas e planos de ação do governo central ou do poder local; dos debates partidários em torno da cidadania, dos direitos sociais e da segurança social; das normas escritas e dos manuais de boas práticas das instituições pertencentes às redes sociais; das conversas informais entre colegas; das reuniões de equipa de cada projecto de intervenção social, etc. O investigador que toma por objeto de estudo a profissão de assistente social, progride não num deserto silencioso, mas sim num campo discursivo repleto dos ecos de muitas vozes e de textos regulamentares, interligados a práticas profissionais que constituem uma das suas fontes e o objeto que procuram codificar e normalizar. As investigações podem recorrer a estudos documentais, questionários ou entrevistas para proceder à recolha de corpora de discursos e de textos que definem os quadros de exercício da profissão e fixam as normas que pretendem regular as práticas dos assistentes sociais. No entanto, o alcance destas investigações é limitado pelo fato destas definições normativas serem inacabadas ou seja: não configuram um quadro absolutamente padronizado e rigidificado de normas-prontas-a-aplicar-cegamente; não se trata de um programa comportamental único a replicar identicamente em todas as circunstâncias. Garfinkel equipara as regras de ação (aproximativas, incompletas e genéricas) às «quasi-laws» das ciências inexatas descritas por Olaf Helmer e Nicholas Rescher (1958). Note-se que esta objeção não se confina ao campo do Serviço Social. O enfoque na incompletude das regras (Garfinkel, 2007, p.79) é a primeira etapa de um movimento argumentativo conducente à delimitação de um campo de investigação de escala micro-analítica e à construção de um objeto de estudo: a acção situada, decomposta em práticas, métodos e procedimentos in loco. «(...) il est évident qu’il faut davantage que de simples références à l’existence de règles normatives, si l’on veut qu’une théorie de la société ne soit pas statique et qu’elle tienne compte des contingences de l’interaction quotidienne. Une théorie des normes exige donc un modèle de la façon dont l’acteur accumule et traite l’information» sur les «(...) scènes d’interaction négociées dans lesquelles se produit l’organisation sociale. (...) La production de contextes sociaux concrets est l’œuvre continue de ceux qui y participent». (Cicourel, 1979, p.106-107) O comportamento local não é completamente determinado e sobressocializado por regras sociais pré-definidas, que o agente se limitaria a aplicar passivamente à maneira de um autómato telecomandado (Wrong, 1961). A tese da incompletude das regras potencia o retorno do ator à agenda da investigação sociológica (Le Breton, 2004, p.59). Um actor situado, a quem compete agir em contextos inacabados, incompletamente definidos e regulamentados. «(...) a substantial number of ethnomethodological investigations carried out during the 1960s showed that a large and previously
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unsuspected range of contextual considerations could be invoked in constituting or modifying normal bureaucratic decisions or courses of action. Closely associated with this was the recognition that members of bureaucracies are not only able, but positively obliged, to invoke and interpret bureaucratic rules and procedures in ad hoc ways and that this, in turn, is an important source of discretionary power». (Heritage, 1987, p.252) As regras, introduzidas localmente pelas pré-definições socio-institucionais das situações, precisam de ser completadas por um trabalho interativo de coordenamento da interação, atento às suas contingências e singularidades (Phillips, 1978, p. 63; Wolf, 1979, pp. 145 & 147)”. A abordagem etnometodológica converte objetos e unidades de análise pre-definidos em « objetos organizacionais locais »: o comportamento organiza-se localmente, dentro da situação onde ocorre, situação cuja estruturação local, longe de operar num vazio social, convoca, de um modo muitas vezes tácito, estruturas sociais, mediante a co-ratificação localmente negociada de pré-definições socioinstitucionais, simultaneamente descritivas e prescritivas. Cada redefinição local da profissão assenta numa trama interacional singular, metodicamente organizada, passo a passo, por interactantes que se categorizam mutuamente como assistentes sociais e utentes, nas fronteiras espaciais e temporais de um atendimento, tornado diretamente observável mediante a sua gravação e transcrição. A Análise Conversacional: alguns marcos biográficos e bibliográficos Parece-me útil facultar alguns elementos de orientação biográfica / bibliográfica1, que identificam filiações e, desta forma, ajudam o leitor a localizar a presente proposta, no mapa histórico das abordagens investigativas em ciências sociais e humanas. Versão que qualifico da mais avançada do paradigma interacionista, a Análise Conversacional (AC), fundada pelo sociólogo americano Harvey Sacks (Silverman, 1998), inscreve-se numa filiação direta a dois sociólogos da geração anterior, cujas respetivas obras constituem os dois principais enquadramentos teóricos da AC: Erving Goffman e Harold Garfinkel. Em 1953, numa tese de doutoramento que traçou as linhas orientadoras de todos os seus trabalhos posteriores, Erving Goffman define as interações conversacionais como sendo o seu principal foco de análise sociológica: «The chief focus of attention of this study is conversational interaction among persons 1 Link para pesquisas bibliográficas no acervo bibliográfico-documental Zotero do GEACC: https:// www.zotero.org/groups/geacc/items/collectionKey/6586UFF5/order/creator/sort/asc
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immediately present to one another» (Goffman, 1953, p.115). No plano da metodologia de inquirição, Goffman regista num diário de campo as interações conversacionais que presenceia no terreno, no seu decurso, logo a seguir ou passadas várias horas. Ciente do carácter aproximativo e lacunar das suas anotações, registos bricolados com base em reconstruções memoriais, Goffman chega a ponderar o recurso a um gravador (Goffman, 1953, p. 4), passo que será dado por Harvey Sacks, que convidou Erving Goffman para ser o orientador da sua tese. A filiação que liga Sacks a Harold Garfinkel é ainda mais decisiva para a definição do objeto e do modus operandi da AC. Em 1967 (reed., p.1990), Sacks e Garfinkel publicam um artigo em co-autoria, que ancora a AC no programa investigativo da etnometodologia (Garfinkel, 1967). Orientada por Erving Goffman (até à sua entrega)2, a tese de doutoramento de Harvey Sacks, defendida em 1966, na Universidade de California (Berkeley), pode servir de marco para datar o surgimento da AC. A tese, intitulada The Search for Help: No One to Turn To (Sacks, 1966), tem por base empírica um corpus de gravações de chamadas para uma linha telefónica de prevenção do suicídio. Sacks é levado a debruçar-se sobre o valor e o alcance de dados conversacionais registados num tal corpus de gravações, na ótica da investigação sociológica, questão que dá matéria a um artigo publicado em 1972 (reedição: Sacks, 1990). Paralelamente, Sacks lecciona, nas Universidades de Califórnia de Los Angeles (UCLA) e de Irvine (UCI), ao longo dos anos 1964 – 1972, aulas sobre as interações conversacionais, que, a seguir à sua morte, ocorrida em 1975, foram transcritas e publicadas, por iniciativa de David Sudnow, Gail Jefferson e Emanuel Schegloff, seus colegas de turma e de investigação: Lectures on Conversation (Sacks, 1992a, 1992b). Além das suas aulas, dois artigos elaborados por Sacks em coautoria com Schegloff e Jefferson podem ser considerados fundadores. O primeiro incide sobre a gestão metódica da alternância de vez pelos falantes (Sacks, Schegloff, & Jefferson, 1974; Reeditado em português do Brasil: 2003); o segundo, sobre a gestão metódica da sinalização e correção de “erros” na conversação, a cargo dos próprios interactantes (Sacks, Schegloff, & Jefferson, 1977). Emanuel Schegloff (Prevignano & Thibault, 2003), com quem Harvey Sacks co-assinou outros importantes artigos (Sacks & Schegloff, 1973, 2007), é o autor do livro que constitui hoje a referência máxima para o estudo das interações conversacionais, na sua dimensão considerada mais fundamental pelos analistas da conversação: a sua organização sequencial, baseada em pares adjacentes de valores acionais definidos (ex.: pergunta/resposta, oferta/aceitação, saudação/ saudação, etc.), sujeitos a expansões (Schegloff, 2007a). Schegloff empenhase também em desenvolver outro eixo de análise, formulado e aprofundado 2 Erving Goffman não aprovou a tese de Harvey Sacks aquando da sua entrega, decisão que deu origem a controvérsias mal saneadas entre Goffman e os analistas da conversação (Schegloff, 1988).
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por Harvey Sacks: the Membership Categorization Analysis, análise dos sistemas de categorização e de referenciação mobilizados pelos membros de uma dada cultura, no quadro das suas trocas conversacionais (Schegloff, 2007b). Gail Jefferson dedicou-se ao aperfeiçoamento das convenções de transcrição (Jefferson, 2004) e à análise de sequências multiturnos, como, por exemplo, as macrosequências organizadas em torno da exposição de problemas (Jefferson & Lee, 1992), trabalho particularmente relevante do ponto de vista do Serviço Social. Este pequeno núcleo de colaboradores directos, formado em torno de Harvey Sacks, acabou por se expandir e por se tornar numa corrente de investigação de âmbito internacional, empenhada em constituir corpora de gravações ou de filmagens, que potenciam a análise detalhada da fala-em-interação (talkin-interaction), numa multiplicidade de quadros interacionais, potencialmente ligados a todas as esferas da vida social: audiências em tribunais (J. M. Atkinson & Drew, 1979; Lee, 2005); consultas médicas (Heritage & Maynard, 2006; Sarangi & Roberts, 2005); interações mediatizadas (ex.: uso do telefone ou da internet) (Hutchby, 2006; Schegloff, 2002); interações com pessoas vítimas de danos cerebrais (Goodwin, 2003); relações de serviço (ex.: atendimento comercial numa agência de viagem; Cf. Mazeland, Huisman, & Schasfoort, 1995); entre outras interações, ocorrendo em contextos institucionais, organizacionais e laborais (Boden, 1994; Drew & Heritage, 1992; Llewellyn, 2008). Surgido dentro das fronteiras da sociologia americana, este vasto programa de investigação alargou-se a outras disciplinas. Os antropólogos americanos participam ativamente no surgimento e no desenvolvimento da AC, em virtude das convergências de fundo, interligando as suas orientações de pesquisa (Moerman, 1996, 1992; Duranti, 1997; Erickson, 1992; Garcez, 1997; Binet, 2010). No contexto europeu, a linguística ganha grande protagonismo no acolhimento da AC, situação que também se verifica no Brasil (Gago, 2002; Garcez, 2008; Ostermann, 2002; Ostermann & Andrade, 2007). Em França, este processo é liderado pela Universidade de Lyon II (Kerbrat-Orecchioni, 1990, 1992, 1994; Mondada, 2001; Traverso, 2005). Sociólogos e antropólogos europeus abriram as portas das suas disciplinas aos contributos desta nova abordagem, a partir, nomeadamente, da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) de Paris (Fradin, Quéré, & Widmer, 1994; Fornel (de) & Quéré, 1999). A psicologia é outra disciplina que acompanha e contribui para dinamizar esta polinização transdisciplinar (Peräkylä, Antaki, Vehviläinen, & Leudar, 2008). A conversão dos investigadores ao paradigma da Análise da Conversação etnometodológica, acaba por desfazer as barreiras à comunicação interdisciplinar, remetendo para segundo plano a questão das suas respetivas formações de base. Ao comungar da matriz de questionamento, dos desenhos investigativos e da terminologia da AC, os investigadores integram uma comunidade investigativa fortemente unificada por uma mesma linguagem científica, em torno de um
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projeto científico preciso: estudar as interações conversacionais enquanto nicho ecológico natural da linguagem, palco de (re)produção performativa e continuada da cultura e infra-estrutura procedimental das macro-estruturas e instituições da vida social (Schegloff, 2006). Introdução da AC na investigação em serviço social Como já mencionei, chamadas para uma linha telefónica de prevenção de comportamentos suicidários constituíram o primeiro corpus de gravações transcritas com vista a serem estudadas na ótica da AC, pelo próprio Harvey Sacks, aquando da elaboração da sua tese de doutoramento, defendida em 1966. Os técnicos registados neste corpus, lidavam por telefone com utentes em estados de sofrimento, indissociáveis dos problemas sociais que afetavam as suas vidas. Estes atendimentos telefónicos eram parte integrante de uma rede de serviços sociais. No mesmo ano de 1966, Don H. Zimmerman, outro sociólogo que se reivindica da etnometodologia (Boden & Zimmerman, 1991), defende uma tese de doutoramento que tem por base empírica uma pesquisa de terreno numa agência de assistência social: Paper Work and People Work: A Study of a Public Assistance Agency. A etnografia (Pithouse, 1987; Montigny (de), 1995) bem como a narratologia construtivista de filiação fenomenológica e pós-moderna (Hall, 1993), a pragmática (Rawls, 2010), a hermenêutica (Quéré, 1999), a praxeologia (Amiel, 2004), entre outras abordagens, orientam pesquisas cada vez mais vocacionadas para integrar os contributos da etnometodologia e da AC (Montigny (de), 2007). Esta trajetória é liderada na Europa do Norte pelo Grupo DANASWAC (Discourse and Narrative Approaches to Social Work and Counselling; Cf. Hall, Juhila, Parton, & Pösö, 2003), cuja produção científica contempla um número crescente de publicações, incidindo sobre interações entre utentes e interventores sociais (Nijnatten (van), 2005; Suoninen & Jokinen, 2005) ou sobre interações entre profissionais, registadas em contextos de reunião (Riemann, 2005; Urek, 2005). É sob a égide da etnografia (Giuliani, 2005) e em estreita articulação com a análise goffmaniana dos quadros interacionais (Goffman, 1974) que, em França, a AC é introduzida na investigação em Serviço Social, no âmbito de um conjunto de estudos que incidem sobre a intervenção emergencial junto da população dos sem-abrigos, da iniciativa do Observatório do Samusocial de Paris (Gardella, Le Méner, & Mondémé, 2006; Breviglieri, 2008; Cefaï & Gardella, 2011). Pesquisas de terreno e estudos de corpora de gravações / filmagens são os fundamentos metodológicos desta dinâmica investigativa, que junta etnógrafos, sociólogos e uma linguista interacional3. 3 Chloé Mondémé, orientante de Lorenza Mondada, na Universidade Lyon II.
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De forma convergente, a partir de 2007, em Portugal, a equipa do Projeto ACASS (Binet & Sousa (de), 2012), que envolve a dinamização de uma rede de colaboração com interventores sociais da Rede Social do Concelho de Sintra, junta um sociólogo/etnógrafo (Binet, 2013), uma assistente social (Isabel de Sousa) e três linguistas interacionais (Freitas, 2010; Almeida (de), 2010; Monteiro, 2011a), reunidos num grupo de investigação liderado por um sociólogo (Rodrigues, 2001), no seio do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa (CLUNL). Em fevereiro 2013, o Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS), associado desde o começo ao Projeto ACASS e ao seu corpus de gravações de atendimentos de ação social, passa a ser a Unidade de acolhimento de um novo Grupo, que pretende dar continuidade a esta linha de investigação: o Grupo de Etnometodologia e Análise Conversacional da Clusividade social (GEACC)4. Indiferença axiológica e perspetiva émica A AC potencia descrições detalhadas da pluralidade de práticas e de definições da profissão, sem exigir ou induzir a priori uma tomada de posição a favor ou contra um dado modelo de intervenção social. Trata-se de um ponto que importa clarificar. Pode com efeito parecer existir, à primeira vista, uma convergência ou conivência de fundo entre a etnometodologia e o “serviço social ativo” (de inspiração neoliberal) (Franssen, 2003; Ravon, 2008; Branco, 2009): em ambos os casos, opera-se uma focalização sobre a autonomia e a capacidade de ação dos sujeitos individuais, que levaria a promover, no plano do estudo e no da intervenção, a negociação local de acordos ajustados às singularidades de cada caso individual, com base numa exposição particularizada de problemas, bem como num levantamento de recursos próprios, passíveis de serem ativados. Estas linhas orientadoras configuram uma individuação dos problemas sociais, indissociável de uma crise de legitimidade dos direitos sociais “estatutários”, garantidos por políticas públicas de segurança social (Estado Social). Na verdade, a abordagem etnometodológica pode ser mobilizada para fundamentar o «pensamento crítico sobre as influências da lógica da activação na intervenção» (Branco & Amaro, 2011, p. 671), comprovando empiricamente o quanto as redefinições induzidas pelos imperativos de produtividade, de controlo e de formalismo burocráticos que as mudanças recentes, subsumidas pelo conceito de “serviço social ativo”, acabam por fazer recair sobre os assistentes sociais, são incompatíveis com os valores matriciais da profissão. O fato de ter uma consciência aguda dos contributos potenciais dos estudos etnometodológicos nos debates dentro/sobre o Serviço Social, não impede de 4 Link do website do GEACC: http://geacclissis.wordpress.com/
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adotar, no trabalho analítico propriamente dito, a postura indiferente de um investigador exclusivamente interessado em descrever e compreender, de perto e de dentro da trama das suas interações (perspetiva émica), os valores projetados e as definições ratificadas localmente por assistentes sociais e utentes. Políticas sociais, utentes e assistentes sociais são co-redefinidos em sede de atendimento, co-produção local (Lipsky, 1980; Kingfisher, 1998) que a AC permite analisar minuciosamente. A definição do Serviço Social não é levada a cabo a partir de uma posição exterior e sobranceira que seria ocupada pelo investigador, mas é sim, renegociada localmente pelos próprios interactantes. Este ângulo de abordagem émico convida a descrever de perto, uma moralidade em acto, nas interações que têm por quadro, atendimentos de ação social, que não se confunde (sem no entanto se dissociar por completo) com a moralidade institucional dos programas e dos regulamentos, nem com a moralidade reflexiva que tem por nicho momentos de discussão entre profissionais (Cefaï & Gardella, 2011, p. 34). Investigação coparticipativa e epistemologia social A abordagem etnometodológica, que se dota dos meios de superar a falsa antinomia da teoria e da prática, não pretende desautorizar os saberes nem desvalorizar as competências dos membros das comunidades profissionais, que procura estudar. Reconhecidos na sua autoridade epistémica (Bouvier & Conein, 2007), os atores não são destituídos do seu estatuto de profissionais peritos em operacionalizar os seus saberes em contextos locais de intervenção. O saber etnometodológico é um saber de 2º grau, que não é desenhado para se substituir aos saberes localmente operantes dos profissionais mas, ao contrário, destinado a conferir-lhes visibilidade e maior reconhecimento. Paradigma da ação situada, a etnometodologia dá a conhecer e a reconhecer os saberes profissionais, evitando a armadilha da sua descontextualização, mediante a descrição detalhada do modus operandi da intervenção social, diretamente observada no locus da sua realização. A validação dos saberes é da competência dos profissionais, no quadro das suas práticas locais bem como, no de uma discussão alargada de resultados de investigações que incidem sobre estas mesmas práticas. A coparticipação é vocacionada para acompanhar todas as fases dos inquéritos etnometodológicos (Binet & Sousa (de), 2012), desde a abertura de terrenos e recolha de gravações / filmagens, até à discussão e validação de resultados na ótica da prática: a primeira e a última palavra pertencem ao terreno (Cefaï, 2012, p. 56), ou seja, aos profissionais envolvidos em quadros locais de ação concertada, e isso, de um modo relativamente independente, da hierarquia de credibilidade que vigora nas estruturas institucionais que empregam os seus serviços (Becker, 1967, pp. 241–2; Trépanier & Ippersiel, 2003).
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A transcrição como microterreno de observação e análise indutiva Gravações e filmagens são transcritas e anotadas, de acordo com convenções que se esforçam por fixar e visualizar os detalhes dos comportamentos emicamente relevantes, ou seja, localmente tratados como tais, pelos interactantes para a copilotagem da sua interação (Jefferson, 2004)5. A prática da transcrição é a verdadeira escola de formação técnico-operativa e científica de um analista da conversação. Não se trata de uma tarefa rotineira mas sim de um laboratório de observação e de análise, rico em (re)descobertas. A transcrição é para o analista da conversação o que a observação de campo é para o etnógrafo: um terreno, microscópico, de observação detalhada dos comportamentos internacionais, indexados a uma situação social em constante redefinição local. A minucia da transcrição visa capturar os detalhes dos dados comportamentais, próprios de um evento interacional a respeitar na sua singularidade e integridade sequencial. O analista, ciente do carácter sempre aproximativo e lacunar do seu trabalho de transcritor, reescuta frequentemente as gravações, às quais atribui o estatuto de documentos primários, mais próximos dos eventos originais do que as transcrições. Sem se iludir sobre a dimensão intrinsecamente abdutiva das suas investigações (P. Atkinson, 2005, p. 22), o analista da conversação pode, em virtude da atenção extremamente detalhada que presta ao desenrolar momentby-moment de cada interação, reivindicar-se do método indutivo: «Another advantage of employing conversation analysis (...) is the emphasis on data-driven analysis in favour of a precategorised approach» (Church, 2009, p. 35). Cada evento interacional singular como local de aplicação de métodos comuns de ordenamento da ação concertada Cada interação singular é gerada localmente por meio de métodos de copilotagem interacional comuns a muitas, senão todas, as interações. O ordenamento metódico das interações humanas é diretamente observável e formalizável (método nomotético) mediante a descrição detalhada de cada interação particular (método “idiográfico”): a AC permite superar a falsa antinomia das abordagens “idiográfica” (descrição de eventos encarados na sua singularidade) e nomotética (formalização da ordem presente em cada ocorrência de um tipo de eventos).
5 Sobre as convenções de transcrição: http://geacclissis.wordpress.com/servicos/transcricao/
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Cada gravação regista um evento interacional único que, como tal merece ser transcrito e analisado com um grande respeito pela sua singularidade e integridade sequencial. E, ao mesmo tempo, cada gravação documenta uma possibilidade de organização interacional de um atendimento de ação social, que assenta em etnométodos conversacionais aplicados num vasto leque de situações interlocutivas: «(...) we can come up with findings of considerable generality by looking at very singular, particular things» (Sacks, 1992b, p. 298). Cada gravação, cujo valor documental é presumido (cada atendimento é ordenado de dentro como tal pelos interactantes que nele participaram), tem de ser analisada sem pré-considerações acerca das observações e descobertas que daí resultarão: «When we start out with a piece of data, the question of what we are going to end up with, what kind of findings it will give, should not be a consideration. (...) Treating some actual conversation in an unmotivated way, that is, giving some consideration to whatever can be found in any particular conversation we happen to have our hands on, subjecting it to investigation in any direction that can be produced from it, can have strong payoffs». (Sacks, 1984, p.27) As direções de pesquisa não precedem mas sim emergem no decurso de uma análise não motivada por pré-considerações. Este elogio da indução, hostil a qualquer pré-construção teórica da análise a desenvolver (Schegloff, 1996, p. 172; Monteiro, 2011b, p. 11)”, vai a par com uma forte ambição nomotética: a descrição densa e a análise detalhada de um acontecimento interacional singular, visam alcançar e evidenciar a co-produção metódica e procedimental da ordem, localmente observável (Schegloff, 1992, p. 1338). Generalizar e particularizar: uma dupla agenda A primeira agenda da investigação consiste em analisar detalhadamente numa interação local, os etnométodos conversacionais que habilitam os interactantes a organizar metodicamente o curso desta interação, e não só. Gravar e transcrever um atendimento de ação social, não implica necessariamente estudar esta interação na sua especificidade: o investigador pode interessar-se acima de tudo, por estudar múltiplas facetas da competência conversacional de base, que habilita os interactantes a participar apropriadamente numa grande diversidade de situações interlocutivas. Trata-se de um programa de investigação fundamental seguido pela análise intensiva de interacções que ocorrem numa grande diversidade de quadros interacionais particulares. Os conhecimentos de ordem geral acumulados sobre a competência conversacional de base dos interactantes, abrem o caminho a abordagens
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contrastivas, interessadas em particularizar os conhecimentos através de estudos intensivos de nichos e quadros interacionais específicos. Mais recente, esta segunda agenda, articulada com a anterior, corresponde a uma frente investigativa muito ativa, rica em descobertas e novos conhecimentos. O Projeto ACASS inscreve-se nesta dupla agenda que formaliza modos de operar simultaneamente trans-situacionais (context-free) e dotados de uma grande capacidade de adaptação às especificidades de cada contexto interacional (context-sensitive) (Sacks et al., 1974, pp. 699–700). Articulação de escalas e contextos em interligação (Micro-Macro Links) Numa primeira aproximação, a análise da conversação etnometodológica pode ser definida como sendo «a mais micro de todas as microssociologias» (Boden, 1990, p. 248), o que pode fazer recair sobre ela a suspeita, gravosa, de cometer o erro de perder de vista as questões referentes à organização de conjunto da sociedade, isolando os comportamentos que observa localmente das estruturas de grande escala. Esta suspeita gerou fortes controvérsias entre os sociólogos europeus aquando das primeiras tentativas de introdução na Europa desta abordagem analítica de origem americana. «(...) concentrando-se nas situações de pequena escala, os etnometodólogos descuram a relação com a estrutura social (...). A etnometodologia apresenta uma concepção subsocializada do homem e uma concepção subintegrada da sociedade. (...) A etnometodologia evita ver que o homem (...) pode ser fortemente limitado, coagido, pelas instituições, pela história (…)». (McSweeney, 1973, p. 152) O desarmar desta controvérsia consiste em comprovar pela análise empírica, que o estudo minucioso dos detalhes dos comportamentos interacionais pode, num paradoxo só aparente, ser o ou um dos caminhos a seguir para evidenciar as interligações que unem as escalas micro e macroscópica da organização social (micro-macro links; Cf. Alexander et al., 1987). A superação destas controvérsias passa por uma atenção prestada à interpenetração de contextos, patente nos detalhes do desenrolar das interações (Cicourel, 1992, 2008; Corcuff, 2008). Esta abordagem duplamente articulada (“micro/macrossociológica”) corresponde a uma orientação de pesquisa inscrita, desde longa data, no programa científico da sociologia e da antropologia, à luz da qual a AC se revela um empreendimento científico de grande alcance. O Serviço Social reivindica-se da abordagem holística dos fenómenos e problemas sociais. Importa por isso sublinhar, numa referência à escola sociológica durkheimiana e maussiana, reforçada pela AC, que a abordagem
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holística não passa por uma desatenção aos detalhes dos comportamentos, bem pelo contrário (Binet, 2013, pp. 35–53). O estudo intensivo de um corpus de “casos”: metodologia qualitativa e alcance dos saberes de 2º grau A inscrição da articulação de escalas num programa de investigação a desenvolver ao abrigo de uma divisão do trabalho científico, em equipas distintas, implica uma triangulação de métodos, incompatível com erros de sobre- ou subavaliação do alcance de cada opção metodológica. Não se trata de condenar o uso de métodos orientados para a quantificação da informação, mas, sim, a sua aplicação abusiva e hegemónica, fruto de uma sobre-avaliação do seu alcance. Um exemplo, relevante pela sua capacidade de reforçar a compreensão plena da questão aqui discutida: o estudo da condução automóvel. Um tema de pesquisa como este ganha a ser estudado em várias escalas analíticas, mediante recurso a diversos métodos. Numa perspetiva macrossociológica, os automóveis desempenham hoje um papel chave no seio dos sistemas de transportes que asseguram a mobilidade das pessoas dentro do território. Abordagens quantitativas são susceptíveis de proporcionar informações estatísticas de elevada relevância macrossociológica. A análise secundária de dados acessíveis a partir dos sistemas de informação ativos dentro da sociedade permitiria gerar muitas informações quantitativas. Assim, por exemplo, as datas de entrada em serviço e a potência média dos veículos dos parques automóveis das várias regiões do país, poderiam ser operacionalizadas como indicadores das disparidades de desenvolvimento regional. Ou, as multas de trânsito poderiam ser operacionalizadas como indicador da maior ou menor interiorização pelos condutores de normas de segurança fixadas por lei. Tais análises secundárias poderiam ser completadas por inquéritos por questionário, para medir, por exemplo, o peso das despesas com os automóveis nos orçamentos familiares. Grandes investimentos públicos e privados na infraestrutura rodoviária e no setor energético precisariam também de ser estudados. O estudo documental da evolução diacrónica da legislação e das reformulações do código de estrada, seria também imprescindível. Como podemos constatar, os estudos macrossociologicamente relevantes configuram um vasto programa de investigação. Mas, por mais interessantes e relevantes que sejam, estes estudos estariam longe de esgotar o seu objeto. Com efeito, não são desenhados nem habilitados para abordar a condução automóvel de um ponto de vista émico e interacional. São várias as questões que ficariam de fora da sua alçada, que podemos resumir nos seguintes termos: quais são as competências e o saber fazer situado dos condutores ? Conduzir é uma tarefa interacional, uma ação concertada, cujos métodos e procedimentos são muito incompletamente definidos pelos textos que
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pretendem regulamentar a condução automóvel. Muitos destes métodos, seguidos na prática da condução, constituem saberes de ação situada, mais do que saberes discursivos, separados da ação propriamente dita, que seria fácil de registar por mera entrevista e por meio de um questionário aplicado, fora do contexto de exercício das competências que se pretenderia estudar. Entrevistas e questionários privilegiam os saberes discursivos, em detrimento dos saberes articulados na ação situada, o que arrisca induzir uma sub-avaliação das competências dos condutores, efetivamente exercidas na prática da condução. A auto-observação; a observação flutuante e casual dentro do quotidiano; a observação encoberta proporcionada pelo recurso ao método do “cliente mistério” com motoristas de táxi; a observação direta subordinada a um pedido de consentimento, são métodos que habilitariam o investigador a observar diretamente em situação real os etnométodos da prática da condução. O recurso a um dispositivo auxiliar de registo (com várias câmaras intersincronizadas) possibilitaria a recolha de um corpus de filmagens, de um ou vários “casos”, cuja análise intensiva e detalhada permitiria consolidar e muito o estudo, ao ponto de habilitar o investigador a reapropriar-se da competência do “condutor-de-um-automóvel”, mediante descrição minuciosa do saber fazer situado, de um ou vários condutores singulares. Esta abordagem qualitativa converte os saberes de ação situada, em saberes discursivos, ricos em descrições circunstanciadas, muito detalhadas, potenciando um retorno reflexivo sobre a prática, a operar, em primeiro e ultimo lugar, pelos próprios “metodólogos da prática”. Em jeito de conclusão O nosso projeto de introdução da análise conversacional etnometodológica na investigação em Serviço Social, encontra-se numa fase já avançada de desenvolvimento e de produção de resultados, que o presente artigo, de carácter introdutório, não expõe. O próposito do artigo foi outro: preparar a publicação de futuros artigos, colocando à disposição do leitor um texto que delimita o seu quadro teórico-metodológico. Metodólogos práticos (Garfinkel, 2007b, p.284), assistentes e interventores sociais desempenham a sua profissão interagindo conversacionalmente entre si e com utentes. A análise detalhada das práticas observáveis nos principais quadros interacionais da profissão habilita o investigador a (re)conhecer, de perto e de dentro dos contextos onde se articulam, os saberes de ação situada dos profissionais. Bibliografia Alexander, J. C., Giesen, B., Münch, R., & Smelser, N. J. (Eds.). (1987). The MicroMacro Link. Berkeley / Los Angeles / London: University of California Press.
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Assistente Social Professora no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Lusíada de Lisboa, Fundação Minerva.
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Violência institucional e responsabilidade profissional na resposta ao abuso ..., pp. 93-119
Resumo Apresenta-se como um artigo de construção teórica, no qual se explora teoricamente o conceito de violência institucional na relação com os limites da responsabilidade profissional por omissão ou por incorrecto procedimento profissional. A reflexão é realizada tendo por base a análise do funcionamento do sistema de justiça na articulação com o sistema de protecção na resposta ao crime de abuso sexual intra-familiar de crianças na comarca de Lisboa. Apresenta-se um conjunto sistematizado de factores de atrito, identificados como principais elementos promotores de violência institucional no quadro da intervenção profissional realizada no contexto das entidades sociais de intervenção nos abusos sexuais de crianças, organizados segundo as categorias de dispositivos e procedimentos. Palavras-chave: Violência institucional; ética da responsabilidade; responsabilidade institucional e profissional; dispositivos e procedimentos; Abuso sexual de crianças. Abstract Presents itself as an article of theoretical construction, that explores the concept of institutional violence in relation to the limits of professional responsibility by omission or improper professional procedure. The reflection is based on the analysis of the Criminal justice system in conjunction with the child protection system in response to the crime of intra-familial sexual abuse of children (in Lisbon district). Present a systematic set of attrition factors identified as major promoter elements of institutional violence in the context of professional intervention performed in social agencies in response of child sexual abuse, organized according to the categories of devices and procedures. Key-words: Institutional violence; ethics of responsibility; institutional and professional responsibility; devices and procedures; sexual abuse of children.
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Introdução A violência institucional manifesta-se fundamentalmente por factores como: falta de actuação qualificada, competente e autónoma dos profissionais, pelos problemas de gestão dos programas e recursos das instituições, pela organização e dificuldades de acesso dos cidadãos aos sistemas educativos, sociais, de saúde, destacando o sistema de justiça na medida em que regista uma visão adultocêntrica, beneficiando os direitos do adulto em detrimento dos da criança e actua segundo a lógica do poder centrada na disputa (Faleiros, 2009). A nível das instituições de intervenção social, a violência institucional tende a passar despercebida, na medida em que surge associada a problemas estruturais e simbólicos. Estão ainda relacionados a procedimentos burocráticos que, por via do hábito, ganharam estatuto de práticas correntes, naturais, aceites ou pelo menos suportadas pelos próprios profissionais dessas instituições ou serviços, pelos destinatários de intervenção ou por outros parceiros profissionais ou institucionais. A análise da violência institucional realizada através do construto do atrito no fluxo de responsabilização criminal aos crimes de Abuso Sexual de Crianças (ASC), intrafamiliares, sustenta-se em estudos e reflexões temáticos maioritariamente internacionais (Furniss, 1993, Diesen, 2002; Fávero, 2003; Eastwood, Kift e Grace, 2006; Santos, 2007; Faleiros, 1991; Faleiros e Faleiros, 2001) mas também nacionais (GPACI, 2008; Torres, 2008, Costa Santos, 1996, Santos, 1996, 2009 e 2011; Ferreira, 2010). Apresenta-se um conjunto sistematizado de factores de atrito, considerados os principais elementos promotores de violência institucional no quadro da intervenção profissional realizada no contexto das entidades sociais de intervenção nos abusos sexuais de crianças, organizados segundo as categorias de dispositivos e procedimentos.
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Relacionando a expressão das desigualdades sociais que se enquadram na categoria de violência estrutural1, e a reflexão sobre a violência simbólica2 enquanto construto de inferioridade da infância e que estimula todas as formas de violência praticada sobre as crianças, contextualiza-se a reflexão sobre a violência institucional que, como refere Vicente e Eva Faleiros (2007, p. 31) corresponde na abordagem à violência sobre as crianças, à “ (…) falta de cuidados de quem deveria proteger”. Respeita à falta de condições (carências e negligências) dos contextos institucionais e organizacionais onde as crianças devem ser protegidas (família, escolas, serviços de saúde, lares e outras agências ou unidades de intervenção de protecção da criança, incluindo os Tribunais). No contexto destas condições destaca-se a escassez de recursos humanos, materiais, financeiros e de funcionamento interno das organizações sociais com responsabilidade em 1 A violência estrutural, é entendida como expressão (e poder) das desigualdades, vulnerabilidades sócio-económicas e de injustiça social. Devido às mudanças plasmadas pelo processo de industrialização e metropolização, o conceito de violência alargou-se, considerando-se como actos violentos todos aqueles que consciente ou inconscientemente, ignorem, impeçam ou atentem contra os direitos humanos ou de cidadania. Segundo Rodrigues (2007, p. 42), esta concepção abrange toda a estrutura social de privilégios e exclusões. Numa perspectiva estruturalista, Mullaly (1997, p. 150) entende que a violência é estrutural quando, “(…) is tolerated, accepted, or found unsurprising by the dominant group, or when perpetrators receive light or no punishment. (…) is a social practice when people from the dominant group seek out people from oppressed group to beat up, rape, or harass. To reform institutions and social practices that encourage, tolerate, or enable violence against members of specific groups will require a change in cultural images, stereotypes, and the day-to-day reproduction of dominance and aversion.” Nesta perspectiva, a violência estrutural expressa a relação directa com a vitimização mas também com o medo de vir a ser vitimizado. Ao contrário da violência pessoal, a violência estrutural é silenciosa e essencialmente estática, pertencente à esfera do instituído. Dá-se aqui destaque à dimensão das estruturas estruturadas enquanto condições objectivas de existência que funcionam como condicionamento social exterior. 2 Fundamenta-se no acordo entre as estruturas constitutivas do habitus (Bourdieu, 2003) dos dominados (que permitem perceber o dominante através das categorias que a relação de dominação produziu) e a estrutura da relação de dominação a que se aplicam, permitindo a concordância com os interesses dos dominados, aceitando estes tacitamente os limites impostos pelos dominantes. O sistema simbólico de uma cultura é, segundo Faleiros (2007, p. 31), “(…) uma construção social, sendo a sua manutenção imprescindível à interiorização da cultura dominante pelas pessoas”. Trata-se pois de um horizonte de referência, de poder (simbólico) invisível e que é exercido com a cumplicidade dos que não querem saber que lhe estão sujeitos ou que o exercem (Bourdieu, 2001, p. 7-8). Constitui-se um poder de construção da realidade que estabelece uma ordem gnoseológica (noção imediata do mundo social). Reflexão que foi integrada no estudo das relações de dominação entre crianças e adultos, tendo em conta a dependência estrutural da criança face aos adultos e a visão adultocentrica que permeiam as políticas e sistemas sociais. No caso do abuso sexual intrafamiliar, a submissão da criança às práticas violentas perpetradas pelo seu parente é manifestação de um capital simbólico de cariz negativo, onde o segredo e a culpa (estado de ansiedade privado) e a vergonha (estado de ansiedade público), ou a própria cumplicidade dos restantes membros da família é fruto de disposições comuns orientadas pelo “espírito de família” (Bourdieu, 2001, p. 93101, suportadas em compensações que garantem a sua manutenção. Surge então claro que, como bem explicita Bourdieu (1999, p. 33), “as paixões do habitus dominado” não são vencidas pela tomada de consciência ou pela vontade do mesmo, na medida em que estão inscritas nos corpos, na forma de disposições, como é o caso das relações de parentesco onde as lógicas do sentimento (amor filial, fraternal) ou do dever são não raras vezes confundidas pelo respeito e dedicação afectivas, prolongando o efeito da dominação.
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matéria de infância e juventude. Decorre desta concepção duas questões: 1) a quem cabe a protecção das crianças vítimas de abuso sexual intra-familiar? 2) que falta de condições institucionais existem? Como é referido por Kofi Annan (2006, p. x), a violência contra as crianças, para além de ocorrer nas ruas, espaços de entretenimento, decorre também nas suas casas, nas escolas, em centros de acolhimento ou centros de detenção. Por este motivo, de entre os perpetuadores incluem-se pais, outros membros da família, educadores, professores, cuidadores, tutores, membros de forças de segurança e outras crianças, entre outros. À excepção destas últimas, todos os restantes são presumivelmente adultos, no desempenho de funções sociais e papeis profissionais que desempenham. Ambas as questões têm subjacente a noção de responsabilidade dos adultos (pais, avós, tutores, professores, assistentes sociais, magistrados e outros profissionais) sobre a provisão de cuidados às crianças vítimas de abuso sexual. Não sendo as crianças responsáveis por si próprias por efeito da própria natureza humana, importa mais que tudo definir quer a responsabilidade sobre as normas instituídas, como para lá destas (Almeida, 2004). No contexto de uma sociedade de risco, permeada pelos efeitos da evolução da tecnológica, na qual o ser humano se vê em situações que põem em causa a sua própria existência, decorrente do seu papel de agente de transformação sobre a (sua) natureza, Hans Jonas (1995) defende uma ética de responsabilidade fundada na preocupação pelo frágil, pelo vulnerável e pela geração futura. Gerações futuras que integram quer as crianças já existentes como as que podem vir a nascer, assegurando o direito destas não só a viverem como poderem viver bem no futuro. No entanto pensar no futuro não é para Jonas (1995) o sentido de uma ética futura que é criada no presente, pensada para as gerações vindoiras; é sim uma ética do hoje olhando o futuro como preocupação o qual se deve proteger das implicações do agir actual. É reforçada a ideia de que o individuo deve agir tendo presente as consequências da sua acção, tomando consciência do poder da sua acção, prevenindo consequências nefastas para si e para os outros, mesmo os que ainda não existam (Figueiredo, 2005). Segundo Siqueira (2003, p. 42), o princípio da responsabilidade fundamentase pois na presença de uma ordem ética, “(…) não como realidade visível, mas como apelo previdente que pede calma, prudência e equilíbrio.” Na ética, a responsabilidade articula-se entre uma realidade subjectiva e uma realidade objectiva, forjada pela fusão entre o sujeito e a razão, a par do elemento que se revela na acção propriamente dita e nas suas consequências. A posição defendida por Levinas (1988, p. 65) é a que “positivamente, desde que o outro me olha, sou por ele responsável, sem mesmo ter que assumir responsabilidade a seu respeito, a sua responsabilidade incumbe-me. É uma responsabilidade que vai para além do que eu que faço. (…) sou responsável pela sua própria responsabilidade”. Nesta perspectiva afirma-se a identidade do ser humano a partir da responsabilidade por outrem; é observada como um dever que incumbe ao indivíduo como ser humano e que este não pode recusar. Esta responsabilidade
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sobre outrem, não cessante e insubstituível, engloba o que não fizemos mas que por inerência ao ser-se humano, a nós nos diz respeito. Combinando os contributos de Lévinas e Jonas, a responsabilidade de proteger um ser humano estruturalmente vulnerável como são as crianças, e portanto em maior risco de exposição a algum perigo, decorre do sentimento de dever de responsabilidade sobre outrem como solicitude e que conduz à acção para além do que é função/competência estatutária. Acção essa que é pensada em termos das suas consequências para a própria criança em questão mas também para outras, ultrapassando assim a dimensão individual/casuística. A protecção da criança e da infância é, nesta lógica, responsabilidade de todos os seres humanos…conscientes. No quadro dos dispositivos orientadores da intervenção profissional com objecto em situações de crianças em perigo, está legalmente definido que, “(…) todos os cidadãos que detectem uma situação de perigo, ou de maus-tratos (…) para uma criança, são obrigados a prestar-lhe auxílio imediato e/ou a comunicar o facto às entidades competentes de primeira linha ou às comissões de protecção de crianças e jovens” (Guia de Orientações para Profissionais da Acção Social na Abordagem de Situações de Perigo, 2010, p. 14). Faleiros e Campos (2003) consideram que o facto de se levar pouco em conta as redes familiar e comunitária, englobando a institucional, passa pela concepção, ainda vigente que situa o relacionamento interpessoal sexual parafílico no binómio vitimizador/vitimizado. Os autores consideram que essas mesmas redes sustentam muitas das situações de abuso de crianças, caracterizando-as como: “(…) redes de silêncio, tolerância, conivência, medo, impunidade, tanto de membros das famílias onde tal ocorre, como amigos, vizinhos, colegas de escola, trabalho e lazer, professores, pessoal dos serviços de saúde e de segurança. E essas redes revelam, nas situações de vitimização sexual, o que são, ou seja, sua cultura, sua dinâmica, sua ética, seus medos e fantasias, suas condutas, seu compromisso social, suas concepções de sociedade, de nacionalidade, de futuro, de humanidade” (Faleiros e Campos, 2000, p. 31-32).
Reflectir sobre a violência institucional significa entrar no campo do que está instituído, ou seja, para a dimensão das formas sociais mais duradoiras nos seus objectivos, funções e manifestações. Berger e Luckman (1998, p. 81) indicam que “na experiência real as instituições se manifestam em coletividades que contêm um número considerável de pessoas”. Considerando a perspectiva construtivista destes autores, as instituições surgem no contexto de um processo de institucionalização, fruto da “tipificação recíproca de ações habituais por tipo de atores” (Berger e Luckman, 1998, p. 79), construída de forma historicamente partilhada e logo acessível a todos membros do grupo social específico e que constitui a instituição. No contexto da instituição, as acções estão tipificadas e
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relacionadas com indivíduos específicos que as exercem (papeis), também sendo estes, portanto, tipificados, representando através dessa tipificação a instituição. Esta representação não é apenas na acção “dos indivíduos vivos” (procedimentos/ condutas) mas também por objectivações linguísticas, pelas designações verbais ou por papéis (Berger e Luckman, 1998, p. 104-105). Portanto, as instituições implicam a historicidade e o controlo. Estes papéis são ratificados mediante processos intersubjectivos que incluem mecanismos dialécticos contínuos de exteriorização – objectivação – interiorização3, legitimados (mediante processos de explicação e justificação) pela ordem institucional que explica a validade cognosciva aos significados objectivados e justifica-a, fornecendo dignidade normativa aos seus imperativos práticos (Berger e Luckman 1998, p. 128). A característica objectiva das instituições deve-se à imposição externa de padrões antecipados de conduta (1ª geração), controlando assim o comportamento humano (2ª geração). Nesta medida, os referidos autores definem instituição social “como um padrão de controlo, ou seja, uma programação de conduta individual imposta pela sociedade.” (apud Garcia, 2000, p. 195). Neste processo está em questão a fidelidade na identificação (enquanto interiorização do mundo social na consciência individual) dos indivíduos com os seus papéis tipificados (reiteração) e representativos das instituições que integram. A identificação dos actores a quem cabe a responsabilidade de proteger as crianças no contexto da sua dependência estrutural está plenamente esclarecida, quer a nível mundial, quer nacional, mediante a formalização de dispositivos performativos, dos quais se destaca a Convenção das Nações Unidas para os Direitos das Crianças (1989). Os princípios e orientações da Convenção foram integradas em dispositivos nacionais como é o caso da Constituição da República Portuguesa, Lei de Protecção de Crianças e Jovens (Lei 147/99 de 1 de Setembro), Código Penal e do Processo Penal, para destacar aqueles que são dispositivos elementares na resposta ao abuso sexual de crianças, apresentando-se como enunciados performativos, produtos e produtores da alteração das subjectividades inerentes à noção de infância nas sociedades ocidentais. A par destes, e que integram também os princípios da Convenção, destaque para os códigos deontológicos de profissões de intervenção social e manuais ou guias de orientação de práticas profissionais que visam a uniformização das práticas de intervenção e concepções sobre situações de perigo que envolvem as crianças, nomeadamente o abuso sexual de crianças, de edição muito recente em Portugal4. Destaque para o documento 3 Qualquer análise do mundo institucional que é a sociedade tem em conta estes três momentos mantidos num processo dialéctico contínuo: Exteriorização=”a sociedade é produto humano”; objectivação=”a sociedade é uma realidade objectiva”; Interiorização= “o homem é um produto social” (Berger e Luckman, 1998, p. 87) 4 Guia dos Direitos da Criança [IAC,2009 (1ª ed. 1990)], Serviço Social e os Direitos da Criança - Um Manual de Formação sobre a Convenção das Nações Unidas (IFSW, 2002), o Guia de Orientações para Profissionais da Acção Social na abordagem de situações de perigo (CNPCJR, ISS, I.P., Outubro de 2010) e o Guia Prático de Abordagem, Diagnóstico e Intervenção, Acção de Saúde para Crianças e Jovens em Risco (DGSaúde, Fevereiro de 2011), o Guia de Orientações para Profissionais
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intitulado “Linhas Orientadoras para actuação em casos de indícios de abuso sexual de crianças e jovens” (Casa Pia de Lisboa, 2010). Este documento diferenciase de outros na medida em que não só pelo facto de se centrar na intervenção sobre o problema do abuso sexual de crianças mas fundamentalmente por expressar de forma clara a necessidade de uma actuação planeada e baseada numa abordagem multidisciplinar, que envolve “vários intervenientes com papéis distintos em momentos diferentes do processo” (Casa Pia, 2010, p. 23). Apresenta-se como guide line de apoio a “uma intervenção rigorosa, célere e eficaz” (Idem, p. 22), visando o favorecimento duma “abordagem concertada, coerente e cooperante” (idem, p. 23). É dirigida a todos os profissionais intervenientes no processo, considerando os vários papéis que lhes assiste, decorrente quer da relação que estabelece com a criança vítima, quer dos compromissos de deontologia profissional e de obrigações estatutárias decorrentes dos vínculos laborais que estabelecem com as instituições sociais a partir da qual realizam o seu trabalho de intervenção social – vínculos que lhes garantem a legitimidade e a responsabilidade de intervir no processo. Engloba assim “(…) as figuras de referência da criança e do adolescente, os profissionais de saúde física e mental, as equipas técnico-educativas, as comissões de protecção de crianças e jovens, os tribunais de família, os juristas, a polícia e a magistratura” (Idem). Destaque ainda para o reforço de uma intervenção numa lógica de intervenção terciária, redireccionada para a protecção e promoção dos direitos da criança e que integra a reparação e o tratamento dos danos causados (idem, p. 15). As crianças apresentam-se como seres humanos estruturalmente dependentes pelo que necessitam de protecção e cuidado dos pais ou de substitutos, mesmo que temporários, como é o caso dos profissionais de intervenção social e que têm a responsabilidade moral e política de promover uma acção centrada nos direitos das crianças. Facto é que esta dependência de terceiros (nomeadamente da vontade dos adultos) condiciona o acesso e exercício dos direitos pelas próprias crianças (titulares de direitos), “(…) uma vez que são regulados pelas capacidades das crianças para o seu exercício, pelas responsabilidades, direitos e obrigações dos pais e pelas responsabilidades dos Estados” (Fernandes, 2009, p. 31). Se por um lado controlo da vida privada realizado pelos especialistas, leva os pais a depositar uma confiança que assume em muitos casos, características de dependência face às orientações dos primeiros (Salles, 2005, p. 39), no inverso, este controlo pode contribuir para o fechamento e para a segregação das famílias no seu núcleo ou na sua extensão de laços de proximidade mais restritos, erigindo barreiras isoladoras face às restantes redes de relações sociais primárias e secundárias, isolando os seus membros do contacto social, enquanto expressão de violência institucional porque limitadora de acesso a experiências e serviços promotoras dos seus direitos humano-genéricos (Barroco, 2001; Carvalho, 2001).
das forças de segurança na abordagem a situações de maus-tratos ou outras situações de perigo (CPCJR, Novembro 2011).
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A violência nas relações familiares é tanto mais preocupante quando os profissionais do sector da justiça, da Segurança Social, da saúde e das IPSS que intervêm no sistema de protecção de crianças, a montante e a jusante da intervenção realizada pelas CPCJ, expressam como um dos principais problemas a excessiva aposta nas famílias biológicas e a ausência de reabilitação parental, sobrevalorizando-se o direito dos pais em detrimento das crianças (Torres, 2008, p. 90-108). No caso do abuso sexual, as crianças vítimas convivem muito frequentemente com o perigo, ainda que sem haver perfis de conduta sexualmente abusiva e logo tornando a sinalização destas situações mais dificultada. No caso da violência intrafamiliar, as pessoas não precisam sair de casa ou estão encurraladas pela proximidade física, emocional, social que os vínculos de parentesco acarretam, sendo vítimas muitas vezes durante muitos anos destes actos violentos e hostis agem contra a sua natureza e podem comprometer seriamente o seu futuro que é a condição de sobrevivência da espécie humana, civilizada. É portanto necessário contrapor aos factores de perigo que esta grave questão suscita, factores de protecção que transformem esta situação e que exige uma intervenção planeada e orientada não apenas para a protecção e promoção do bem-estar e esperança mas também para a reparação dos danos causados (Casa Pia, 2010). Quando a família é responsável por expor a criança à violência, cabe aos demais sistemas e microssistemas que formam a rede de intervenção social, de educação, protecção, tratamento e responsabilização criminal do abusador, actuar de forma protectora impedindo a incidência e prevalência do abuso sexual. A legitimidade de intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo é concedida quando “(…) o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.” (Artigo 3.º, nº 1 da LPCJP), sendo esta legitimidade reconhecida a”(…) todas as pessoas singulares ou colectivas públicas, cooperativas, sociais ou privadas que desenvolvem actividades nas áreas da infância e juventude. (Artigo 5.º LPCJP, 1999, revisão 31/2003 de 22/8). A nível das instituições de intervenção social, a violência institucional tende a passar despercebida, na medida em que surge associada a problemas estruturais e simbólicos que se acentuam em períodos de crises económicosociais globais e que atingem toda a estrutura social. Estão ainda relacionados a procedimentos burocráticos que, por via do hábito, ganharam estatuto de práticas correntes, naturais, aceites ou pelo menos suportadas pelos próprios profissionais dessas instituições ou serviços, pelos destinatários de intervenção ou por outros parceiros profissionais ou institucionais. Apresentado como “maltrato institucional, Chaparro e al. (2005), caracteriza-o como: “(…) qualquer legislação, procedimento, actuação ou omissão procedente dos poderes públicos ou derivada da actuação individual do profissional que comporte abuso, negligência, que ponham em causa a saúde, a
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segurança, o estado emocional, o bem estar físico, a correcta maturação ou que viole os direitos básicos da criança e da infância.” (Chaparro et al., 2005, p. 57). De acordo com os mesmos autores, a violência institucional expressa-se pelas seguintes formas: a) Profissionais da instituição: aos quais falta preparação específica e a supervisão é inadequada, a par de excesso de trabalho a par de um elevado nível de exigência ou onde se regista uma intervenção pouco ética ou profissional; b) Programas da instituição: que não cumprem níveis mínimos de qualidade, as suas metas estabelecem-se em detrimento do bem-estar infantil, apresentam recursos escassos ou mau uso dos recursos existentes; c) Sistema de protecção infantil: que não garante segurança às crianças e jovens, gerindo as situações de forma adversa ao desenvolvimento infantil; promotor da separação dos filhos do seu lugar familiar sem investimento na intervenção junto das famílias. d) Sistema sanitário: que é discriminatório, onde a saúde é considerada como contraponto a doença, não operacionalizando o conceito amplo de Saúde defendido pela OMS; e) Sistema educativo: que regista oportunidades desiguais de acesso e de progresso, que não atende a situações particulares de desenvolvimento, que discrimina por razões de género, nacionalidade, etnia, religião; f) Sistema judicial: falta de respeito pelas características da criança ou beneficiando o adulto. No global, é toda a expressão de serviço que desrespeita os direitos da criança. (Chaparro e al., 2005, p. 57-58). A existência de problemas de transmissão de informações entre profissionais, dentro de serviços, dentro do mesmo fluxo e/ou entre fluxos, devido à falta de clarificação de papeis e de padronização ou especialização parcelar de procedimentos técnicos, manifestando a configuração de conflitos nas redes, são exemplos de bloqueios à intervenção social, que configuram expressões de violência institucional que atinge os cidadãos utilizadores/utentes dos serviços sociais. Esta violência é responsável pelo processo de vitimização secundária da criança, já vítima de um crime de abuso sexual (acto). Este processo de vitimização secundária ou dupla vitimização, resulta pois de acções que abalam os direitos das vítimas ou de omissões de um conjunto de práticas promovidas por instâncias informais e formais, como é o caso das práticas judiciárias (Rodrigues, 2007). Face ao já exposto, é intimamente influenciada pelos processos promotores de uma pré-vitimização, genérica e de cariz estrutural e simbólica que influencia a maneira como é percepcionada a imagem e papel da criança e o poder da família sobre a mesma, influenciada pelo poder dos media e das condições sócioeconómicas; e da vitimização actualizada, enquadrada pelo jurídico, na qual os abusos sexuais sobre crianças expressam a condição de neo-criminalização, resultante de processos de reconhecimento social e catalogação judicial de uma dada comunidade, num dado tempo (Idem, p. 225). A violência institucional expressa-se então nos contextos de prestação dos seus serviços, nomeadamente face a dispositivos e a procedimentos institucionais e profissionais, intimamente ligado à responsabilidade profissional no seu uso e exercício.
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Na relação directa com os dispositivos e tendo por referência o trabalho desenvolvido por Ferreira (2010, p. 100) no âmbito do sistema de protecção e crianças, os assistentes sociais consideram que os modelos de protecção à criança em Portugal não promovem o bem-estar da criança, dando como exemplo as situações de abuso sexual cuja intervenção promove a saída de casa de família da criança em vez da saída do abusador sujeitando a criança a uma dupla vitimização. Destacam ainda o facto dos dispositivos que configuram os modelos de protecção serem dificultadores do agir profissional, na medida em que definem prazos mínimos para a intervenção que se tornam stressantes face à “(…) «burocracia e pressão de todas as instituições para com a CPCJ»”. Acrescentam ainda os “constrangimentos” que os mesmos trazem ao agir profissional em face da duplicação de processos e de intervenções por várias instituições sobre a mesma família, considerando que “não promovem uma articulação positiva nem na perspectiva dos técnicos nem na perspectiva da família” (Ferreira, 2010, p. 100). Este efeito de reprodução de actuações, que dificulta a integração das políticas publicas para a infância, é fruto de uma multiplicação de programas com incidência na promoção dos direitos das crianças e espelha a compartimentação da administração pública que, segundo Torres (2008, p. 164), “(…) nem sempre encontra (seja no plano nacional da definição das políticas, seja no plano local da sua operacionalização) a coordenação que lhe dê sentido, acuidade e eficácia”; com destaque para a ausência de instâncias de coordenação horizontal de âmbito local e regional. Ainda que ressalvando a importância da existência de várias soluções no âmbito da acção social, “(…) a diversidade não pode ser confundida com incoerências das estratégias de intervenção, nem com o desperdício de recursos (tanto mais que eles são escassos) colocados à disposição das crianças e das comunidades” (Torres, 2008, p. 164). Torres (2008) destaca ainda como factor promotor da dispersão de procedimentos a dificuldade de trabalhar em rede atendendo ao facto do funcionamento das instituições a partir das quais os profissionais exercem as suas profissões e funções, funcionarem segundo uma lógica de hierarquia vertical e pelo facto de cada entidade estar preocupada com as suas próprias faltas de recursos ou outros problemas estruturais, factores que explicam a prática do “empurrar para o outro”. A lógica de trabalho em rede tem uma perspectiva local e torna-se opaca para as instituições de origem e a tensão entre estas duas lógicas exige não apenas o investimento consciente noutras competências técnicas e relacionais mas também alterações formais das condições de legitimidade para a intervenção, caso contrário pode haver constrangimentos de intervenção devido a conflitos de lealdade entre entidades que representam (pondo em causa o seu posto de trabalho) e crianças que defendem. Ainda no estudo de Ferreira (2010), os assistentes sociais inquiridos, a trabalhar no quadro da intervenção promovida no sistema de protecção e promoção dos direitos da criança, reconhecem que os modelos de protecção e bem-estar social, como modelos que são, não constituem uma resposta directa e ajustada a cada situação em presença. Destacam contudo
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alguns problemas reveladores de bloqueios ao seu agir profissional, no que respeita ao cumprimento dos seus princípios e orientações metodológicas nomeadamente: Burocracia que dificulta o acesso dos menores aos serviços de primeira linha; o processo burocrático das entidades policiais «levam as pessoas a pensar que não vale a pena», destacando as situações de violência doméstica; propondo um maior protagonismo das ECMIJ por serem de primeira linha e portanto mais próximas das pessoas e que melhor podem se aperceber dos problemas das famílias; Os serviços de primeira linha não têm capacidade de resposta por falta de recursos humanos, materiais e logísticos, não cumprindo assim o princípio de subsidiariedade e levando as CPCJ a intervirem em situações de risco e não apenas de perigo (no âmbito da comissão restrita) “«Judicialmente continuam a ser dadas mais oportunidades aos pais, como proprietários dos filhos, do que às crianças»” (Ferreira, 2010, p. 101), não cumprindo o princípio do superior interesse da criança. Estes são também alguns dos problemas que também Torres (2008) identificou, desta feita no estudo realizado a pedido da CNPCJR, para avaliação do desempenho das CPCJ a nível nacional, identificando os problemas que se observam no âmbito de: a) da intervenção, b) recursos e c) de implementação e acompanhamento de medidas. a) No que respeita à fase de sinalização de casos, investigação e diligências sumárias, os principais constrangimentos observados foram: para além do incumprimento do princípio de subsidiariedade, a escassez de informação prestada aquando a sinalização dos casos ou realizada de forma inadequada às CPCJ dado sinalizarem situações que extrapolam as competências da CPCJ (exemplificativo de falta de conhecimento das competências das várias entidades); registam-se ainda falsas sinalizações motivadas não raras vezes por conflitos conjugais em situações de divórcio dos progenitores e para as quais se observa uma ausência de penalizações que motivem a redução deste tipo de denúncias; problemas de preservação do anonimato do autor das denúncias, nomeadamente quando nos casos que têm continuidade no tribunal ficando acessíveis aos seus intervenientes, o que limita a denúncia quer por cidadãos individualmente, quer por entidades que receiam represálias por parte dos pais das crianças ou porque receiam que prejudique a intervenção que realizam com os mesmos noutros domínios; interpretação diferenciada entre equipas técnicas das várias CPCJ sobre o tipo de diligências sumárias de investigação a realizar antes de obter o consentimento dos representantes legais da criança para a intervenção e as ambivalências que o pedido de consentimento em si revela. Neste âmbito destaca-se a questão da legitimidade do pedido particularmente nos casos que constituam crime e em que os pais são os supostos abusadores. Considera Torres (2008, p. 58) que o envio de casos grave para a CPCJ é um acto de desvalorização do caso, dado que estes deveriam ser imediatamente participados ao tribunal competente para serem alvo de investigação por esse
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órgão de soberania. Esta desvalorização expressa-se para os casos mais graves como os abusos sexuais intrafamiliares de crianças, na perda de eficácia das investigações criminais, na medida em que alerta o suspeito, comprometendo a prova do ilícito, do seu agente e das consequências para a vítima; por outro lado pode trazer bloqueios não apenas ao processo judicial como também ao processo terapêutico (acompanhamento psicológico ou pedopsiquiátrico) que já estivesse em curso junto da criança. No que respeita ao diagnóstico e dado que o mesmo se estabelece na articulação com entidades externas à CPCJ, os principais constrangimentos colocam-se ao nível da morosidade do processo (atingindo meses de espera de respostas por parte de escolas e entidades de saúde, principalmente), em especial devido a informação insuficiente (relatórios incompletos e com omissões de informação essenciais para encetar a intervenção), alegando estas entidades ou profissionais como é o caso de psicólogos, psiquiatras ou pedopsiquiatras, a obrigação de sigilo profissional e/ou receio de represálias (idem, p. 64); acresce a dificuldade de avaliação das situações de risco e perigo, por falta de critérios normalizados de avaliação e à insegurança dos profissionais, para o qual contribui a falta de formação específica, nomeadamente para intervir nos casos de abuso sexual de crianças, “os quais muitas vezes não passam de suspeitas difíceis de confirmar, causando elevado nível de incerteza e angustia aos membros da CPCJ” (Torres, 2008, p. 64); por último a débil articulação registada com as entidades externas que limita a eficiência de um trabalho que se pretende em rede, o que tem como consequência a sobreposição de intervenções entre várias entidades no terreno e o incumprimento de prazos legais (Idem), resultando no desrespeito pelo tempo útil da criança. b) No que respeita aos problemas identificados ao nível dos recursos, contribuem para agravar todos os factores de bloqueio referidos anteriormente, destacando-se o aumento de volume processual considerado “crónico e difícil de gerir” (Torres, 2008, p. 65). Neste campo, destaque é dado à existência de contextos de actuação demasiados complexos e problemáticos (quer do ponto de vista da densidade populacional, da multiculturalidade e da tipologia de problemas coexistentes nas famílias, sendo a existência de maior número de casos de abuso sexual considerado como elemento de dificuldade acrescida à actuação das CPCJ (Torres, 2008, p. 66); à escassez de recursos humanos em número face ao número de processos e tempo de afectação, acrescido dos limites de competências técnicas (falta de formação específica) e a rotatividade dos membros com impactos na alteração de linhas de organização e metodologias de trabalho (instabilidade e incerteza). Um outro dado que é destacado o facto dos elementos que integram as CPCJ em regime de cooptação como reforço técnico, se sentem “desvalorizados, com deficit de autonomia e de credibilização perante o seu trabalho” (Torres, 2008, p.70); por fim, a escassez de recursos logísticos, tais como instalações reduzidas e inapropriadas para o número de membros, equipamentos inadequados ou em número insuficiente (nomeadamente informático), ausência de viatura própria para diligências externas, fundo de
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maneio limitado e pouco flexível, elementos que prejudica o desempenho dos profissionais e constrange a qualidade dos atendimentos às famílias e limita a frequência dos acompanhamentos. Ainda ao nível dos recursos, destaca-se a inoperância da comissão alargada, explicitada no incumprimento do princípio da subsidiariedade relativa à comissão restrita, na indisponibilidade dos representantes das entidades que a constituem, na desvalorização que a mesma comissão é alvo pelas entidades externas, por falta de realização e promoção de acções de prevenção, pelo incumprimento da periodicidade das reuniões que devia promover, a falta de formação especialização dos seus membros que resulta como inibidor de iniciativas de trabalho agravado pela falta de recursos financeiros (Torres, 2008, p. 74). c) Quanto aos problemas registados na implementação de medidas, destaque para as dificuldades de ordem interna relacionada com o elevado número de processos vs escassez de recursos técnicos, e factores externos que englobam a insuficiência/inexistência de recursos sociais e de recursos educativos, como instituições/famílias de acolhimento de urgência e temporário e Creches, CATL, programas de ensino curricular alternativo (Torres, 2008, p.75). Já no que respeita ao acompanhamento das medidas, para além do recorrente aspecto da escassez de recursos humanos e logísticos em particular face ao número excessivo de casos que o gestor do processo tem a seu cargo, destaca-se a necessidade de realizar mais formação específica nomeadamente ao nível das metodologias de intervenção familiar e a vulnerabilidade da segurança da integridade física dos profissionais quer no espaço físico das CPCJ quer nas deslocações externas; regista-se ainda o constrangimento ao acompanhamento das medidas, o fraco envolvimento dos destinatários dos acordos de protecção e promoção devido à ausência de reconhecimento da legitimidade de intervenção das CPCJ e o incumprimento dos acordos; o défice de relação de parceria com as entidades externas, revela-se um obstáculo ao trabalho das CPCJ. O estudo de Jorge (2010), vem confirmar a falta de formação especializada dos professores: apenas um profissional, dos 77 professores inquiridos indicou ter tido formação específica sobre abuso sexual, factor que em muito compromete a prevenção deste problema (fundamentalmente a terciária mas com influência a qualquer dos seus graus) e, por consequência, a defesa dos direitos da criança: protecção e participação. A existência de mitos e crenças relativas ao abuso sexual de crianças (como expressão de violência simbólica), tem tendência a permanecer e a inibir a intervenção de pessoas e entidades, se não houver mais formação na área, especialmente dirigida a profissionais das instituições de “primeira linha” ou designadas de “entidades com competência em matéria de infância e juventude” (art.º 7º da Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro). De acordo com o estudo de Ana Jorge (2010, p. 44) sobre os mitos professores face ao abuso sexual de crianças, face à hipótese dos profissionais lidarem com um caso de abuso sexual de uma criança, nomeadamente face à pergunta “quais as reacções perante a suspeita?”, a autora verificou que 44 inquiridos não registaram qualquer opção de resposta. Dos que responderam, um dos profissionais ignorou
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a situação (1,4%), face a 36 que não ficaram indiferentes (36,6%). No entanto, 21,1% (15) não valorizou a situação, e 2,8% (2) deixaram que outro profissional encaminhasse a situação, a par de 21,1% (15) que indica não ter tido um papel activo no encaminhamento da situação. 26,8% (19) denunciaram a situação, face a 11,3% (8) que não denunciaram. Não obstante a denúncia, 16,9% (12) não escutaram a criança e 33,8% (24) não procuraram provas físicas, ou tiveram outra reacção (35,2%/25 profissionais), o que pode fazer corresponder a uma participação pouco fundamentada, ou como designa Furniss (1993) de suspeita de primeira linha, considerada como acção promotora de abuso, acarretando “severos danos secundários para crianças e famílias” (Furniss, 1993, p. 100), na medida em que a podem expor face ao procedimento criminal que depois é interrompido por falta de provas ou por não prova de ter acontecido tal abuso. Relacionando tais posições com as respostas à pergunta “quais as dificuldades perante essa suspeita?”, dos 55 profissionais que responderam, apesar de 57,7% (41) indicarem que não sentiram nenhuma dificuldade, 46,5% (33) não sabiam o que fazer, face a 31% (22) que indicaram saber o que fazer face a uma possível situação de abuso. Acresce o facto de 61,9% (39) dos profissionais inquiridos terem respondido que não conhecem os recursos sociais de apoio às crianças e adolescentes vitimizadas sexualmente (Jorge, 2010, p. 46). Destaca-se o facto de 71,8% (51) indicarem ter “medo do alegado agressor”, assim como 50,7% (36) manifestarem “dificuldade em controlarem sentimentos e impulsos negativos” (Jorge, 2010, p.45). Estas limitações podem contribuir para a não denúncia ou pelo menos dificultar a obtenção de prova testemunhal a apresentar no âmbito do processo-crime, dado que as possíveis testemunhas pretendem permanecer anónimas. Estas reacções podem assim comprometer o trabalho em rede profissional, na medida em que a acção de um profissional num determinado fluxo pode vir a impedir ou a limitar a realização da acção de outro profissional noutro fluxo, colocando-se aqui a necessidade de pensar a responsabilidade profissional não só em termos da intervenção do profissional (individual), a partir do espaço institucional, como abranger o impacto mais colectivo, atendendo às consequências da sua intervenção sobre a intervenção de outro profissional que, em última análise, prejudica a intervenção global sobre a criança vitimizada (Furniss, 1993, p. 104). O despreparo de conhecimentos, os mitos e estereótipos que resultam na falta de compreensão e entendimento sobre o abuso sexual intra-familiar de crianças, despoletam com frequência quer em agências de saúde como no sistema de justiça, intervenções inadequadas resultando em prejuízos significativos especialmente para a criança (Azambuja, 2006, p. 16-17). A revelação do abuso normalmente pela criança cria não apenas na família uma grave crise como a mesma se reflecte na rede profissional incrementada pelo próprio pânico dos profissionais, e que se pode reflectir na omissão ou em procedimentos de intervenção cega (Furniss, 1993, p. 200). Como refere Furniss (1993, p. 7) a intervenção profissional no abuso sexual da criança, enquanto fenómeno de síndrome de segredo (para a criança e família) e adição (para quem abusa),
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conectado com questões de saúde e de direitos humanos não consegue ser realizada numa lógica monodimensional estatutária em referência a apenas uma das áreas/domínios de intervenção a abranger. Uma intervenção simétrica e antagonista, não raras vezes fixada por leis e regulamentos que promovem a exclusão mútua de exigências institucionais e profissionais é uma das origens dos conflitos nas redes profissionais (Furniss,1993, p. 88). Segundo o mesmo especialista, estes conflitos constituem cinco níveis responsáveis pela vitimização secundária das crianças e mesmo das suas famílias, designado por traumatização secundária no processo interdisciplinar (Furniss,1993, p. 23). Decorre dos “conflitos-por-procuração institucionalizados” e por “conflitos institucionais estruturais”. Os primeiros expressam-se por métodos de trabalho solidificados (burocráticos e decorrentes de regras de competência formal de diferentes profissionais e agências), bloqueadores de modos de cooperação interdisciplinar. Os segundos, que são fixados por leis e regulamentos, com especial relevo para a falta de adaptação de procedimentos e parâmetros do sistema legal ao movimento de reconhecimento da criança como sujeito de direitos perante a lei, nomeadamente face ao manejar das estruturas de comunicação qualitativamente diferenciada das crianças e do síndrome de segredo e adição que especifica o abuso sexual de crianças, em particular o perpetrado no contexto familiar; resultam em intervenções legais fracassadas. Destaque ainda ao facto de a vitimização secundária reportar a uma intervenção prematura e descontextualizada: pais presos visando apenas a sua posterior libertação, não se considerando “o efeito promotor-de-crime” de tal intervenção designada de “evitadora-de-crime”; crianças que são retiradas do seio familiar, resultando uma intervenção promoção-de-abuso, principalmente se o acolhimento for de longa duração e se a reintegração familiar da criança não seja precedida de um trabalho efectivo com a família; ou ainda processos de intervenção não coordenados, interrompidos ou incompletos (entre sistemas de protecção, punição e tratamento terapêutico), face aos quais as famílias se voltam exclusivamente para o seu espaço privado, agravando o síndrome do segredo e adição face ao qual a criança pode ser submetida a novo abuso, agravado (Furniss, 1993, p. 24). A vitimização secundária é assim produto de acções de “prevenção do crime promotora de crime” ou “protecção da criança promotora de abuso” (Furniss,1993, p. 11, 23). A resposta ao problema exige uma abordagem genuinamente multidisciplinar, coordenada entre os vários sistemas, capaz de identificar os vários conflitos nas redes profissionais. “São mediações complexas e contraditórias que precisam ser trabalhadas nas entrevistas, reuniões e mobilização das redes primária e secundária, nas relações institucionais” (Faleiros, 1999, p. 65) Face ao exposto foram sistematizados um conjunto de factores, considerados os principais elementos promotores de violência institucional no quadro da intervenção profissional, organizados segundo as categorias de procedimentos e dispositivos. Ao nível dos recursos organizacionais, destacam-se os seguintes tipos de problemas ao nível dos procedimentos profissionais (quadro 1):
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Quadro 1 – Procedimentos promotores de violência institucional Procedimentos dos profissionais – Negligência1/(ir) Responsabilidade profissional na defesa e promoção dos direitos da criança (des)Qualificação
Falta de qualificação adequada/especializada ao desempenho das funções desempenhadas: Inadequada formação profissional inicial e/ou contínua.
(des) Competência teórico-metodológica
Falta de competências teórico-metodológica adequada ao desempenho das funções: Não garante da reserva de espaços sociais de participação e protecção das crianças: escolha de espaços e instrumentos e estratégias de audição da criança; falta de informação dos momentos processuais e dispositivos de garantia de direitos (ex. protecção, assistência e formalização do pedido de indemnização civil à vítima). Divergência de interpretação dos modelos de protecção entre organizações e profissionais (Ferreira, 2010, p. 100); Falta de estratégias de trabalho em equipa (decisões individuais); falta de articulação/pedido de parecer multidisciplinar (assessoria). Desconhecimento prévio de outras intervenções já realizadas e fluxo de intervenção posterior. Falta de reflexão considerando “predição de um bom ou mau resultado” (a realizar a partir da sua específica perícia profissional e da responsabilidade institucional) (Furniss, 1993, p. 106); Falta de contactos directos com outros profissionais de outras agências/fluxos de intervenção para discussão e definição de estratégias de intervenção e avaliação (eficácia, eficiência e efectividade). Fixação exclusiva a orientações e instruções formais Falta de experiência no manejo de casos de abuso sexual de crianças: (falta de treino em estratégias e metodologias de trabalho interdisciplinar de equipa, parceria; falta de treino na aplicação prática dos dispositivos) Confusão entre sigilo profissional e segredo. Confusão de competências e responsabilidades sobre o âmbito dos diferentes níveis de responsabilidades e domínios profissionais: pretenção de intervenção em sistemas para os quais não tem competência (Furniss, 1993) Não aposta na formação contínua periódica (informal, participação em espaços formativos e de reflexão de experiências - supervisão); Não produção de conhecimento e sua divulgação (Vieira, 2003) Desmotivação profissional e pessoal (Falta de empenho e investimento nos casos/ falta de vontade de transformar as praticas profissionais em prol da criança) (Bertaux, Schleret, Bernardi, 2000); Carência de sensibilidade/perfil para a área/sector de actividade. Trajectórias e experiências pessoais limitadoras de uma visão parcial – estereótipos e mitos. Omissão de situações de abuso (não actuação). Medo de represálias;
(des)Autonomia
Falta de autonomia na relação directa ao desempenho das funções profissionais: produção e divulgação de conhecimento na área específica de intervenção, como compromisso ético-político.
[Adaptado de Torres (coord.), 2008; Costa Santos, 1996; Santos, 1996, 2009 e 2011; GPACI, 2008; Fávero, 2003: 114 e 115; Vieira, 2003; Ferreira, 2010; Furniss, 1993; Faleiros, 1999; Faleiros e Faleiros, 2001]
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São indicadores de procedimentos de actuação dos profissionais e expressão de tomada de decisões particulares, geradores de violência institucional. Revelam um deficiente desempenho profissional (não uso ou uso inapropriado de recursos), promovidos no quadro da intervenção terciária). Configuram uma intervenção social promotora de dupla vitimização, contrária à defesa dos direitos das crianças. No contexto do paradigma de correlação de forças (Faleiros, 1999), a responsabilidade da actuação profissional é partilhada e definida na lógica do princípio precaucionário (Martins, 1998), em referência a um conjunto de dispositivos que se impõem aos profissionais (factores externos). Estes dispositivos, nas suas diferentes dimensões (recursos físicos, financeiros, legislativos e de gestão administrativa) também são promotores de violência institucional, quando evidenciam algumas das características indicadas no quadro 2.
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Quadro 2 – Dispositivos promotores de violência institucional, face a recursos físicos, financeiros, legislativos e de gestão administrativa dos recursos humanos. Dispositivos Físicos e Materiais
Não existência ou carência de equipamento tecnológico (gravação vídeo e áudio, sistema de videoconferência, redes de comunicação informatizada entre agências), mobiliário, recursos didácticos (bonecos anatomicamente correctas), material de desgaste, adequado às metodologias quotidianas de intervenção (Ferreira, 2010; Soeiro, 2003; Torres, 2008) Falta de espaços físicos (quantidade) nas entidades. Falta de espaços físicos adequados ou degradação dos mesmos; desadequação face ao tipo de práticas que acolhem (qualidade): salas de atendimento, salas de espera -ambiente amigável/acolhedor (GPACI, 2008) Deficiente acessibilidade física ao espaço da instituição pelos sujeitos da intervenção ou colaboradores/parceiros (distância dos serviços, falta de transportes; bloqueios à mobilidade motora dos usuários) (Faleiros, 1999).
Financeiros
Falta de dinheiro para pagamento de salários e outras despesas correntes ou para investir nos recursos anteriormente indicados.
Legislativos/ normativos
Multiplicidade de programas e serviços (multissistémicos); multiplicidade, sobreposição e conflito de leis; falta de clareza dos normativos e incoerência entre normas legais e de procedimentos; Falta de legislação ou legislação recente (falta de experiência da aplicabilidade a casos concretos). Reforço de alguns sistemas de resposta ao problema em detrimento de outros (ex. falta de dispositivos de tratamento para agressores e serviços de mediação familiar agressor-vítima). Inexistência de dispositivos normativos (falta de guide lines e manuais de “boas práticas”, modelos de actuação inter-sistemas, multidisciplinares e inter-agências); Falta de formalização e explicitação de regulamentos internos (objectivos e regras de funcionamento)
Gestão administrativa de Recursos Humanos
Carência de pessoal (postos não ocupados; ausências persistentes do pessoal ao serviço); distribuição adequada de recursos humanos por géneros de acordo com o âmbito da resposta (ex. atendimento de vítimas de abuso sexual femininas por profissionais do mesmo sexo) Rotação persistente de pessoal (não fixação de recursos) Horários inadequados e/ou limitados de atendimento; Falta de clareza na atribuição de funções entre o pessoal; Não realização formal de reuniões de trabalho ou outros encontros e espaços para planeamento e avaliação intercalar ou final do trabalho (intra-equipa ou inter-equipas dentro na mesma instituição ou com externas); falta de supervisão administrativa. Elevado número de processos a cargo dos profissionais; Filas de espera (não agendamento, tempo de espera elevado para atendimento) Não cumprimento dos prazos estabelecidos para emissão de respostas de pedidos por ultrapassagem dos tempos de resposta aos pedidos Falta de controlo e coordenação dos circuitos de expediente dos serviços: cronologia de entradas e saídas dos processos (entre serviços e instituições); cumprimento dos horários agendados para as diligências; sequência das diligências; controlo dos percursos internos a evitar cruzamentos entre vítimas e suspeitos, por exemplo. (GPACI, 2008, p. 33) Falta de articulação e falha de informação (não existente ou incompleta) entre entidades e profissionais dos vários sistemas; Trabalho emergencial, baseado na lógica casuística e sectorizada.
[Adaptado de Torres (coord.), 2008; Costa Santos, 1996; Santos, 1996, 2009 e 2011; GPACI, 2008; Fávero, 2003: 114 e 115; Vieira, 2003; Ferreira, 2010; Furniss, 1993; Faleiros, 1999; Faleiros e Faleiros, 2001].
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Todos estes factores são expressão de violência institucional e potencialmente promotores de vitimização secundária sobre os sujeitos da intervenção profissional. Surgem vulgarmente associados a acções isoladas entre profissionais e/ou dos sistemas e serviços diversificados (nomeadamente de protecção, tratamento e de punição) e ou descoordenadas, e que que resultam em procedimentos desadequados e excessivos ou de omissão (não raras vezes accionada por pânico dos profissionais). A análise da violência institucional através do construto do atrito no fluxo de responsabilização criminal aos crimes de ASC intrafamiliares, sustenta-se em estudos e reflexões maioritariamente internacionais realizados especificamente sobre a temática (Furniss, 1993, Diersen, 2002; Fávero, 2003; Eastwood, Kift e Grace, 2006; Santos, 2007; Faleiros, 1991; Faleiros e Faleiros, 2001) mas também nacionais (GPACI, 2008; Torres, 2008, Costa Santos, 1996, Santos, 1996, 2009 e 2011; Ferreira, 2010). Com base nestes trabalhos e face ao objecto de estudo, identificados um conjunto de factores de atrito dos quais se destacam: a) As características do próprio fenómeno do ASC intrafamiliar e a dependência estrutural da criança que reforça as lógicas de acomodação e Secretismo gerado quer pela falta de consciência das crianças ao facto de estarem a ser submetidas a uma relação abusiva sexual, quer pela vergonha, medo de represálias e pela dependência afectiva, social e económica da criança face ao abusador ou seus cúmplices; b) Crenças e esterótipos e desconfiança face à eficácia, eficiência e efectividade do SJC; c) Escassez de recursos e falta de qualificação e competência profissional especializada (teórica e treino prático) por parte dos profissionais envolvidos ao longo do circuito de intervenção; d) Falta de coordenação e cooperação multidisciplinar e falta de equipas multidisciplinares especializadas; e) Longo tempo de investigação, face à morosidade dos resultados de perícias psiquiátricas e outros relatórios; problemas de gestão de equipas face a faltas, férias, transferências de profissionais; falta de instrumentos de trabalho e espaços físicos com ambiente adequado à recepção de crianças e que assegure o não contacto com o agressor; f) Dificuldade de prova em tribunal dos abusos ocorridos face ao peso diferencial entre a lógica da prova objectiva e subjectiva; g) Repetição de questionários à criança por vários profissionais e em diferentes espaços físicos de diferentes entidades; h) Falta de suporte social, psicológico, psiquiátrico e jurídico à criança e à família vítima ao longo do processo-crime (viabilizando uma melhor investigação) mas também posteriormente e até ao tempo necessário de recuperação da criança. h) falta de comunicação sobre resultados de avaliação dos médicos forenses do INML; falta de conhecimento entre conclusões de decisões judiciais entre Tribunal Criminal e TFM – bloqueios à capacidade reflexiva dos profissionais. i) Falta de trabalho em rede interinstitucional e interdisciplinar de forma articulada e sistemática. Como refere Furniss (1993) a responsabilidade em não viabilizar a acção do outro (não fazer, ou pretender fazer pelo outro ou pretender ser responsável pelo o que outro faz ou não) e as consequências de vitimização da criança,
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quer seja a nível da protecção promotora de abuso quer da prevenção do crime promotora de crime, reporta-se às dimensões de responsabilização profissional e institucional, que no contexto de incertezas, exigem processos e estratégicas reflexivas (Giddens, Beck, Lash, 1997). A análise do risco e das respostas para o perigo do abuso sexual de crianças, obriga ao compromisso com a imprevisibilidade, exigindo competências de ponderação face a opções, realizando escolhas fundamentadas. O processo reflexivo viabiliza o estabelecer relações de “confiança activa” (Giddens e Lash, 1997) para com as crianças vitimizadas, suas famílias e para com a sociedade em geral (compromisso com a justiça social). Confiança essa que deriva da desconstrução e reconstrução da confiança básica que “estranhos” estabelecem com a criança e família, com outros profissionais intra e/ou inter-fluxos e que garantirá a legitimação da intervenção pública baseada na afirmação da responsabilidade profissional fundada no compromisso com a defesa dos direitos da criança e do cidadão (Lash, 1997,p. 239). A perspectiva da circularidade defendida por Furniss (1993) remetenos para os aspectos interaccionais (relação interpessoal) da participação e da responsabilidade no que respeita aos interventores sociais na resposta aos casos de abuso sexual intra-familiar de crianças. Neste enquadramento, e tendo por referência a relação interpessoal (abusador-parente e abusado-criança) estabelecida numa situação abusiva, a criança mesmo que lhe seja reconhecido um papel passivo e não-iniciador de vítima, é elemento participante (activo) nessa interacção. Tal não é passível de ser confundido com iniciativa ou responsabilidade da criança, dada a sua dependência estrutural face aos pais e aos adultos, em geral. Ainda que pensado para a dimensão interpessoal (Furniss, 1993, p.15), esta perspectiva é aqui transportada para os actores profissionais de intervenção (parceiros) de acordo com o contexto específico de intervenção e seus fluxos. A participação passiva dos profissionais ou mesmo do geral dos cidadãos (não promoção da sinalização pública e/ou da denúncia) descreve uma participação activa na relação abusiva, reforçando o síndrome do segredo e contribuindo para a manutenção de relações abusivas e opressoras do pleno desenvolvimento da criança. Por consequência é uma acção não promotora da segurança (safety). A intervenção emergencial, restrita à dimensão do caso e limitada a um campo/sector de actuação, orienta-se na lógica do “security”. A acção profissional do interventor social responsável, combina a interrelação das dimensões da eficácia, eficiência e efectividade, guiadas pelo princípio defendido por Faleiros (1999, 2001, 2007) que estabelece a promoção de mudanças efectivas nas trajectórias de vida dos sujeitos sociais envolvidos directamente na relação de abuso sexual (vítima, abusador, outros familiares) assim como das redes culturais, políticas e de solidariedade. Existe consenso entre vários dos autores, nomeadamente os já citados (Canha, 2003; Furniss,1993; Faleiros e Faleiros, 2007; Soeiro, 2003; Santos e al., 1996 e outros) na aposta na formação contínua, na especialização dos profissionais e na partilha de
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experiências entre os diferentes profissionais que, na mesma área científica ou de outros ramos das ciências médicas, sociais e judiciais, apresentam interesses comuns. Estas estratégias combatem a tendência de uma especialização exacerbada que deu origem a acções e visões parcelares, não servindo à tendência globalizadora do mundo. Segundo Carvalho (2001, p. 342), a acção social requer hoje, “(...) a combinação de saberes múltiplos, convertidos em processo, argumento, conteúdo e relação.” Sendo elementos que possuem “(...) atributos políticos de mobilização, de gestão, de atenção e igualmente aqueles atributos clássicos ao Serviço social consubstanciados no trato psicossocial, na pedagogia emancipatória, na afetividade, no cuidado”. O que está então em evidência é a necessidade de orientar a intervenção social segundo uma razão comunicativa, situando a razão instrumental como decorrente da primeira. Segundo a mesma autora, “(...) a boa ação é feita de competência ética, política, técnica, processual e comunicativa”, adiantando que um “agir competente numa sociedade complexa” exige a partilha de saberes, mediante a construção de uma acção em redes, combinando e articulando saberes (científicos, técnicos, mas também ontológicos) e acções inter-programas, intersectorial e interdisciplinarmente. Esta é a solução para quebrar o isolamento e assegurar uma “(...) intervenção agregadora, totalizante e includente” (Carvalho, 2001, p. 342-343). Esta ruptura não pode resultar, como indica Bourdieu (2001) de uma simples tomada de consciência dos pais, dos profissionais, dirigentes, dos cidadãos e da sociedade em geral. Neste sentido, as mediações da construção da criança como cidadã (no quadro das relações sujeito/Estado), e portanto livre de toda e qualquer forma de violência estão intimamente articuladas com o imaginário e as redes culturais (relações simbólicas-identidade) e com a autonomia (relações de solidariedade, família, trabalho). Articulações multideterminadas que Faleiros (1999, p. 57) identifica como as mediações que estão em jogo nas intervenções sociais. Bibliobrafia Almeida, Filipe Nuno Alves dos Santos (2004). Ética em pediatria: uma nova dinâmica num relacionamento vital?. Porto, Universidade do Porto. Tese de doutoramento. Azambuja, Maria Regina (2006). “Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança?”, Revista Virtual Textos & Contexto. Porto Alegre. 5 (2006) 1-19. Barroco, M.L.S. (2001), Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. São Paulo, Cortez. Berger, Peter ; Luckman, Thomas (1998). A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 15.ª ed. Petropólis, Vozes. Bertaux, Roger; Schleret, Yvon; Bernardi, Sylvain (2000). “Logiques profissionnelles, logiques institutionnelles, logiques de mission”. In CHOPART,
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Assistência, Acção Social e Municípios: apontamentos históricos e desafios actuais
Júlia Cardoso Doutora em Serviço Social, docente no ISSSL_UL e no ISCTE-IUL
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Resumo Em Portugal, a importância do ente municipal parece ter um significado especial se se compara a sua história com a de outros países europeus. A sua centralidade na articulação da sociedade nacional foi assinalada originalmente pela historiografia romântica liberal – em especial na obra fundamental de Herculano, cujo primeiro volume foi publicado em 18461 e que, segundo os especialistas da área, inaugura a historiografia científica no nosso país. A mesma centralidade constata-se em estudos mais recentes2 e, sobretudo, nas atribuições, competências e papel sociopolítico que aos municípios vêm sendo conferidos no quadro da democracia instaurada a partir de 25 de Abril de 1974. O artigo que se apresenta3, recuperando sinteticamente a constituição histórica da instância municipal, tem por finalidade oferecer uma perspectiva da evolução da assistência social no âmbito local, do quadro legal contemporâneo que define a Acção Social no sistema de protecção nacional e o do lugar que nele é reservado às autarquias, bem como dos desafios que enfrentam os municípios na coesão social territorial. Palavras-chave: Municipios; Acção Social; Assistência; Segurança Social. Abstract In Portugal, the importance of the municipal entity seems to have a special significance when one compares his story to other European countries. Its centrality in the articulation of the national society was originally marked by liberal Romantic historiography - especially in Herculano’s fundamental work, whose first volume was published in 1846 and which, according to specialists, inaugurates the scientific historiography in our country. The same centrality is 1 O conjunto da História de Portugal (originalmente publicado em quatro volumes), teve edição recente (Herculano, 2007-2008), com anotações críticas de José Mattoso. 2 Por exemplo, na obra colectiva dirigida por César de Oliveira (Oliveira, dir., 1996), que constitui fonte fundamental para o desenvolvimento de alguns dos pontos deste trabalho. 3 O artigo constitui parte da tese de doutoramento apresentada no ISCTE-IUL, sobre o tema “Acção Social nos Municípios Portugueses – potencialidades e limitações”.
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noted on some more recent studies and especially, on assignments, skills and socio-political role that municipalities have been granted within the framework of democracy brought from April 25, 1974. Recovering synthetically the historical constitution of municipal instance, the article presents aims to provide an overview of the evolution of social welfare at the local level, the contemporary legal framework that defines the Social Action in the national protection system and the place that it is reserved for local governments as well as the challenges facing municipalities in territorial cohesion. Key-words: Municipalities; Social Action; Assistence; Social Security.
1. O Município e a Organização Assistencial A organização do território, desde os primeiros anos da fundação da nação portuguesa, foi sofrendo ajustamentos concomitantes com a evolução e a transformação do poder político e administrativo do país. Não é nossa intenção debruçarmo-nos sobre a vertente assaz complexa dessa evolução mas, tão só, identificar, nessa instância de concretização do poder político e administrativo do Estado, as entidades e formas de organização de poder territorial que, ao longo dos tempos, foram exercendo a sua acção sobre as necessidades sociais identificadas nos territórios municipais. A rede de concelhos que se foi constituindo ao longo dos tempos foi sendo sempre objecto de regulação político-administrativa, podendo identificar-se cinco períodos históricos precisos quanto às formas de relação entre o poder político e o territorial e quanto à qualidade e ao papel dos intervenientes na divisão do poder na rede concelhia nacional4, sejam as populações, sejam os grupos representantes dos diferentes poderes – administrativo, económico e religioso. O primeiro período, o mais longo, o Antigo Regime (Oliveira, dir., 1996, p.10), vai desde as primeiras formas de organização territorial contemporâneas à formação de Portugal e à consolidação do território mas, e sobretudo, desde o século XV até ao fim do regime monárquico absolutista. Trata-se de período vasto, em que se dão alterações no desenvolvimento da instituição municipal, a principal decorrente do estabelecimento das monarquias absolutas no séc. XV, em que “o elemento monárquico foi gradualmente anulando os elementos aristocrático e democrático”5, isto é, os elementos feudal e municipal, anulandoos não como existências sociais, mas como forças políticas. 4 Segundo o critério de Oliveira, op. cit, são identificados cinco períodos na história dos municípios portugueses: o do Antigo Regime, o período liberal monárquico, o republicano, o corporativo ou do Estado Novo e o democrático, surgido na sequência do 25 de Abril de 1974. 5 Alexandre Herculano, citado por Monteiro, N.G., in Oliveira, dir. (1996, p.153).
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Para além da complexidade ao nível da formação e da composição das oligarquias municipais e das formas de intervenção e tutela da coroa sobre as câmaras municipais (Monteiro, in Oliveira, dir., 1996), importa identificar os principais protagonistas da ajuda social territorial: as confrarias, entidades de carácter laico e de natureza associativa na sua origem, mas que, a partir do Concílio de Trento, se dividem em dois tipos: o laico e o religioso (Sá, 1996, p.55). As confrarias religiosas, de base paroquial ou ligadas a ordens religiosas, constituíam um universo heterogéneo, quer ao nível das suas competências, quer dos seus rendimentos e se algumas se limitavam a manter a igreja paroquial, o culto, a pagar obras da igreja, a organizar as procissões e festas religiosas e a acompanhar velórios e funerais dos confrades, outras desenvolveram actividades assistenciais diversas, desde funerais de mendigos e forasteiros, ajuda a viúvas, contributo para os dotes de casamentos das filhas, administração de hospitais, hospícios, gafarias e mercearias e, até, empréstimo de dinheiro a juros (Sá, 1996, p.57). A sua proliferação, entre os séculos XII e XV, e os “frequentes desmandos e abusos […] bem cedo determinaram a intervenção disciplinadora do poder real” (Maia, 1985, p.8) De natureza laica são, também, deste período, as confrarias de base ocupacional, como as dos mareantes, de mesteres, de lavradores, de estudantes, todas com o seu santo padroeiro (Sá, 1996, p.58). É nas confrarias de natureza laica que se inserem, também, as misericórdias6, entidades com características muito diferentes das demais quer quanto à sua base geográfica, quer quanto ao modo de recrutamento dos seus membros: gozando de protecção régia e sendo de vocação elitista, apenas admitiam como membros homens recrutados nas elites locais – nobres, membros dos cabidos episcopais ou colegiais, profissões liberais, grandes negociantes, lavradores proprietários e mestres de oficina ou do mar, que dentro da organização detinham posições estatutárias diferentes; uns eram os irmãos nobres, outros os irmãos mecânicos (Sá, 1996, p.58). A base geográfica das misericórdias é o concelho e a sua actividade assume carácter complementar ao da actividade municipal, nomeadamente no apoio aos presos e aos condenados à morte no momento da execução, na administração dos expostos e dos hospitais das câmaras destinados aos pobres – quando contratualizada com as câmaras, já que esta era sua atribuição. As misericórdias administravam os hospitais locais mais importantes em capacidade e rendimento, os recolhimentos femininos, faziam os funerais de cadáveres de crianças e adultos encontrados nas ruas e dos doentes pobres falecidos nos hospitais (Sá, 1996, p.59), sendo das poucas confrarias que podiam fazer peditórios destinados a obras de misericórdia, isto é, 6 A primeira misericórdia foi criada pela Rainha D. Leonor, em 1498, constituindo a primeira reforma da assistência social que, “tomando como único critério da protecção social a existência de comprovada situação de necessidade, impõe a todos um irrecusável dever de contribuir para remediar os efeitos da carência de recursos no plano individual ou familiar, para acolher os órfãos e os idosos, para assistir os doentes, enfim para melhorar as condições de existência dos necessitados” (Maia,1995, p.9).
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destinados a presos, entrevados e pobres envergonhados […]. A multiplicidade de funções das misericórdias e a sua importância ao nível local transforma-as nas confrarias mais importantes do Antigo Regime português, sem menosprezar o papel de enquadramento social e religioso que a grande quantidade de outras irmandades parece ter desempenhado para as camadas menos privilegiadas da população (Sá, 1996, p.60). O seu poder, bem como o de outras irmandades, manteve-se até ao liberalismo, época em que se dá “início a uma crise de confiança entre elas e o Estado […] que se manteve por cerca de um século” (Maia, 1995, p.9). O segundo período, o do liberalismo monárquico constitucional, é marcado pela revolução liberal de 1820, pela consagração dos direitos civis na Constituição de 1822 mas, também, pela instabilidade causada pela contra-revolução que reforçou o poder absoluto real e teve como principal consequência uma fase de conturbações políticas durante mais de 50 anos, incluindo a guerra civil entre 1826 e 1843 (Oliveira, dir., 1996, p.181). Período marcado, igualmente, pelo início da era capitalista em Portugal – que expressava a “lenta, sinuosa, complexa e tardia implantação do capitalismo em Portugal” (Oliveira, dir., 1996, p.184) – e pela introdução de diferentes reformas administrativas com repercussão ao nível das autarquias e do poder local. Segundo os estudos reunidos em Oliveira (dir., 1996), apesar de ter instituído no país os fundamentos do moderno Estado português, ao nível da administração do território o liberalismo implantou uma administração centralista e hierarquizada, assente na nomeação de representantes locais do Estado e no controlo das comunidades locais – que permaneceu, no essencial, até ao período democrático –, que mereceu a contestação de alguns importantes liberais, entre eles Alexandre Herculano e Almeida Garrett7. Neste período, as câmaras constituem, mais do que um corpo administrativo ao serviço das populações e com capacidade para agir localmente, um organismo de âmbito sobretudo político que se limitava a manter a ordem […] e a proceder como o principal canal de negociação entre o centro e a periferia. […] No entanto, a construção do aparelho escolar, a pacificação e, mais tarde, a inclusão dos padres no regime e na administração liberal8, o aumento da importância do Estado e da administração na reprodução económica e social das populações […] foram alterações de peso, nas quais as câmaras desenvolveram esforços importantes (Silveira e Sousa, 1996, p.236). As câmaras, para as populações comuns das periferias, eram o Estado, em paralelo com o padre, o mestre-escola, a justiça e os impostos (idem, p.241). É desta época a tentativa de criação da assistência social pública, marcada por dois eventos: a fundação da Casa Pia de Lisboa, no final do século XVIII, e a 7 Também Almeida Garrett se mostrou crítico quanto à estrutura administrativa local e ao desempenho das autoridades locais, governadores civis e administradores de concelho que não tinham tempo para ouvir nem prover às necessidades dos povos (Oliveira, 1996). 8 Com a administração do Marquês de Pombal, o clero viu diminuído o seu poder de intervenção pública, o mesmo acontecendo na primeira fase do liberalismo.
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criação do Conselho Geral da Beneficência, em 1835. A partir de 1836 são criados diversos estabelecimentos públicos nas cidades e nas pequenas vilas: asilos de infância, asilos de mendicidade, asilos para velhos e inválidos, casas de correcção, estabelecimentos para cegos e, também, creches, lactários e dispensários (Maia, 1985, p.10). Apesar do peso cada vez maior do Estado no campo da assistência, as mudanças na sociedade portuguesa originadas pelo início do processo de industrialização, pela concentração de grandes massas nas zonas urbanas e pela degradação das suas condições de vida exigiam um investimento e organização administrativa que ficou aquém do necessário. A possibilidade dessa acção ser complementada com a das misericórdias e outras irmandades era restrita, em face da extinção, em 1834, das ordens religiosas e da aplicação, em 1866, das leis da desamortização9, que viriam a diminuir a capacidade financeira das misericórdias e outras confrarias (Maia, 1985, p.10). Logo, sendo a assistência pública restrita, o facto de as misericórdias serem de âmbito concelhio mas terem a sua acção limitada em função de menores recursos e de terem passado a ser tuteladas pelo Estado, teve como consequência a diminuição da ajuda social nos territórios municipais. Tal como viria a acontecer nos períodos seguintes - o da 1ª República e o do Estado Novo - as administrações locais mantiveram-se na dependência do Estado central: se, na 1ª República, e sobretudo por razões ligadas à instabilidade políticosocial, não foram concretizadas as promessas de diminuição da intervenção da administração central e de maior participação das populações na vida política e social locais, com o regime instaurado em 28 de Maio de 1926 assistiu-se ao reforço do centralismo, consubstanciado no Código Administrativo de 19361940, definido sob a égide de Oliveira Salazar e num quadro político global marcado pela Constituição Política de 1933, pela legislação corporativa (Estatuto do Trabalho Nacional, legislação criando os Sindicatos Nacionais, as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores) (Oliveira, dir., 1996, p.305). É segundo este enquadramento – em que o presidente da câmara era nomeado pelo governo – que se passa a organizar o processo eleitoral para as câmaras municipais, e em que uma das vias para a eleição dos vogais municipais era a participação das “corporações de assistência e associações de classe, com mais de cinquenta associados na sede do concelho” (idem, p.305)10. 9 Estas leis – a primeira promulgada nas Cortes de Coimbra, em 1211 - tinham por objectivo acautelar a concentração de bens fundiários de mão-morta, proibindo a compra de bens de raiz e a herança de bens aos eclesiásticos e corporações religiosas, na tentativa de controlar o seu crescimento. No Antigo Regime, estas leis foram objecto de sucessivas alterações e nem sempre cumpridas. Foi na época liberal que uma larga percentagem dos bens destas entidades foi alienada e incorporada na Fazenda Nacional, situação que viria a ser reposta em 1910, com a lei republicana de separação do Estado e da Igreja. 10 Constituíam, também, eleitores dos vogais municipais os eleitos das freguesias, pelos cidadãos homens “maiores de 21 anos sabendo ler, escrever e contar ou que estivessem colectados, para efeitos fiscais, em quantia não inferior a 100$00 e pelos cidadãos de sexo feminino, maiores de 21 anos, com curso secundário ou superior comprovado pelo diploma respectivo” (Oliveira, dir., 1996, p.305).
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As relações entre a administração central e a local e o poder de interferência que o Estado detinha sobre os municípios tiveram expressão concreta no estado de carência económica da sua maioria: com competências definidas ao nível da realização de obras para o abastecimento de águas, redes de esgotos, higiene pública, construção e manutenção de vias urbanas e caminhos municipais, construção de escolas, mas com comparticipações do Estado residuais, o desenvolvimento dos municípios dependia, muitas vezes, da capacidade de influência de algumas figuras locais ligadas ao regime e da “iniciativa associativa dos habitantes e/ou naturais das freguesias que criavam comissões e ligas de melhoramentos para angariar financiamentos ou exercer pressões para solucionar problemas e carências” (Oliveira, dir., 1996, p.312). Apesar de estarem definidas no Código Administrativo as receitas municipais, oriundas da sua participação nos impostos cobrados pelo Estado mas, também, da capacidade que os municípios detinham para lançar impostos próprios ou adicionais aos do próprio Estado, os fracos índices de desenvolvimento do país, em geral, e da maioria dos concelhos, em particular, constituíram factores de estrangulamento ou de diminuição das possibilidades de intervenção municipal (Oliveira, dir., 1996, p.315). Mas a escassa intervenção municipal dependia, também, da própria configuração ideológico-política do Estado Novo, que ao longo de 48 anos criou e suportou – e de que se serviu para se manter – grupos de notáveis e de caciques locais que, vivendo do e à sombra do regime, mantinham as populações, sobretudo as rurais, dependentes e controladas do ponto de vista social e político É neste meio que, tal como nos períodos anteriores, são recrutados os elementos dos corpos sociais das misericórdias e das irmandades, entidades que tinham o papel principal na ajuda social e na prestação de cuidados de saúde. A assistência social no Estado Novo nunca foi considerada uma função prioritária: a criação de uma Secretaria de Estado da Assistência Social teve lugar apenas em 1940 e o primeiro Estatuto da Assistência Social foi aprovado em 194411. As áreas da Saúde e da Assistência, ambas inseridas no Ministério do Interior – a mesma entidade orgânica que tutelava as autarquias – só se autonomizaram em 1958, ano da criação do Ministério da Saúde e da Assistência12,. A assistência social deteve sempre um papel supletivo por parte do Estado, sendo as suas actividades asseguradas pelas entidades de fins assistenciais privadas e sob o primado da orientação para a família e não para o indivíduo em si. Entre estas entidades, as misericórdias assumem importância maior, tendolhes sido conferido o papel coordenador da assistência a nível local, especialmente no âmbito da assistência materno-infantil e hospitalar (Maia, 1995, p.11). A sua 11 O primeiro Estatuto da Assistência é aprovado pela Lei nº 1998, de 15 de Maio de 1944; em 1963, através da Lei nº 2010, de 19 de Julho, é definido um novo estatuto. 12 Em 1973, a assistência, desenvolvida através da Direcção-geral da Assistência Social, é integrada no Ministério das Corporações e Segurança Social, numa perspectiva de articulação com o sistema previdencial.
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acção era coordenada, tutelada e fiscalizada por vários organismos estatais, dispersos por diferentes ministérios, o que contribuiu para o seu limitado alcance e, também, para a constatação da necessidade de revisões do sistema organizativo da assistência social pública, a mais importante aprovada no período marcelista, em 1971 13, em que são criados, no âmbito da Direcção-geral da Assistência Social, o Instituto da Família e de Acção Social (IFAS) e a Inspecção Superior de Tutela Administrativa, organismo que passou a tutelar a actividade das instituições particulares de assistência (Maia, 1995, p.13). No âmbito do IFAS foram criados serviços técnicos de acordo com as principais problemáticas sociais e fins privilegiados, entre outros, os Serviços de Acção Social Familiar, de Protecção à Infância e Juventude, de Reabilitação e Protecção aos Diminuídos e Idosos, os Centros de Observação e Orientação Médico-pedagógica e os Centros de Formação Pessoal. Ao nível municipal, a representação do Estado no campo da assistência social passou a ser assegurada pelos Serviços de Acção Directa, traduzindo a intenção de promoção da vida na comunidade e o desenvolvimento comunitário, para além da intervenção nas “situações de carência económica e social nos planos individual e familiar” (Maia, 1995, p.14), e a assumpção de novas finalidades no campo da assistência: a preventiva, a promocional e a do desenvolvimento da acção social. Apesar destas intenções, o carácter limitado da assistência – em termos de recursos materiais e amplitude de acção - não deixou de se manter face à dimensão da precariedade e desprotecção social, sobretudo ao nível da carência de equipamentos e assimetrias na sua distribuição territorial (Maia, 1995, p.14). A instauração da era democrática em Portugal em 25 de Abril de 1974, constitui o início de um período de ruptura com o sistema corporativo municipal, concretizado na instalação de comissões administrativas nas câmaras municipais, na consagração do poder local democrático na Constituição promulgada em 1976 e na Lei Eleitoral para as Autarquias, também do mesmo ano. Datam deste período as mais veementes defesas do reforço do municipalismo por via da descentralização do Estado e como forma de garantia de maior participação dos cidadãos na governação local, que vieram a ter expressão na instituição de dois princípios na nova Constituição, contidos em título específico daquele documento: a descentralização e a autonomia das autarquias locais (Oliveira, dir., 1996, p.353). As primeiras eleições autárquicas realizaram-se em Dezembro de 1976 e em 3 de Janeiro de 1977 tomam posse os novos órgãos municipais democráticos 13 Decreto-lei nº 413/71, de 27 de Setembro. Do seu ponto 10º constava que não era “uma mera mudança de designação o que se tem em vista. Pretende-se, antes, abranger e disciplinar algumas importantes funções do domínio da política social que não se encontram cobertas por outros departamentos do Estado. Procura-se, mais concretamente, contribuir para a integração social dos indivíduos, pela sua educação e participação na vida da comunidade, tendo em especial atenção a infância e a juventude, e a população idosa, ocorrendo às suas carências e diminuições, e aproveitando, sempre que possível, o enquadramento familiar para o fomento do bem-estar individual e colectivo”.
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- as assembleias municipais, as câmaras municipais e as juntas de freguesia – iniciando-se, assim, o período do poder local democrático. Em Outubro de 1977 é publicada a 1ª Lei das Autarquias Locais 14, onde são definidas as atribuições e competências dos seus órgãos: além da administração de bens próprios e sob sua jurisdição, competências ao nível do abastecimento, da cultura e assistência e de salubridade pública. No entanto, o carácter vago e a natureza ambígua de muitas das disposições da Lei nº 79/77, em parte devidas à pouca experiência acumulada de um poder local democrático com poucos meses de existência e uma prática de caciquismo local dificilmente destrutível, vieram tornar indispensável um novo enquadramento jurídico global para as autarquias portuguesas (Oliveira, 1996, p.364). Sucessivos diplomas legais foram revendo e alterando a prática dos órgãos de governo local, assim como foi regulamentada a sua capacidade financeira para executar o quadro de competências definido através da 1ª Lei das Finanças Locais, a Lei nº 1/79, publicada em 2 de Janeiro, também esta objecto de posteriores revogações. Do ponto de vista social, os primeiros anos de construção do poder local democrático são marcados pelo surgimento de novos actores locais, as associações de base popular que não só tomaram a iniciativa da organização de respostas de natureza social, como funcionaram como grupos de pressão e de reivindicação junto das autoridades locais para a resolução de algumas das necessidades sociais com que se debatiam e que vieram a suscitar a tomada de medidas por parte quer do Estado, quer das autarquias: referimo-nos, principalmente, aos movimentos sociais de base para resolução do problema da habitação15, para a criação de equipamentos para a infância, para a organização de sistema de transportes públicos que servissem as localidades. Trata-se de um processo que trouxe para o centro da organização das respostas sociais novos protagonistas que passam a dividir com as tradicionais instituições de ajuda social, principalmente as misericórdias e as “fábricas das igrejas”, o campo de intervenção nas necessidades sociais das populações. O período do poder local democrático é marcado, também, por profundas alterações na estrutura económica e social portuguesa, pela emergência de um novo conceito de cidadania e pela vigência de quadros culturais mais amplos por via das relações de abertura ao mundo e, sobretudo, à Europa. Os primeiros anos de vida democrática são, também, os da instituição de um novo sistema de protecção social nacional que se traduzirá na organização de um sistema de Acção Social que terá efeitos na vida local e nas relações entre o Estado e as autarquias.
14 Lei 79/77, de 25 de Outubro. 15 Neste âmbito, o artigo de Andrade (1995), “O Estado, a sociedade e a questão da habitação em Portugal - o direito de habitar”, Intervenção social nº 11/12, Lisboa, ISSSL.
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2. Quadro Legal da Acção Social – o Nacional e o Municipal A Acção Social constitui um patamar transversal dentro do sistema de protecção social, atravessando cada uma das grandes áreas de risco – família, saúde, emprego, velhice, deficiência –, agrupando prestações individuais ou globais, monetárias ou em espécie, dirigidas aos agregados em situação de carência permanente ou pontual. Herdeira da assistência pública, a Acção Social traduz-se em direito pessoal, subjectivo, ligado à necessidade e subordinado ao défice de recursos, mas tem vindo a assumir contornos mais delicados, mais vastos e, também, imprecisos: não se apoia numa função precisa nem se dirige a uma população bem tipificada de beneficiários, como não se apoia numa categoria homogénea de técnicos especializados, num tipo único de instituições nem num procedimento único de financiamento. O seu campo varia em função dos fenómenos da exclusão, tanto dos que estão ligados à exclusão económica – inactividade, desemprego, deficiência – como à exclusão por via da legislação social em vigor (Tymen e Nogues, 1988, p.26). O alargamento do campo da Acção Social constitui uma realidade, deixando de estar limitada às formas tradicionais de atendimento dos mais pobres e dos mais isolados: aos subsídios para os mais carenciados e aos equipamentos para protecção de crianças, idosos e deficientes, a Acção Social tem vindo a constituirse como mecanismo de actuação integrado em políticas de realojamento social, em acções de qualificação escolar e profissional, em programas transversais de luta contra a pobreza, em programas de prevenção na área da infância e da juventude, enfim, um campo variado de formas de intervenção e de destinatários que congrega, também, um diversificado conjunto de instituições e actores sociais: no caso português, para além dos serviços locais da administração pública, as autarquias locais, as misericórdias, as instituições particulares de solidariedade social e, até, associações de natureza cultural e desportiva, constituem o conjunto de parceiros da acção social local. Da necessidade de congregação e articulação de intervenções e de melhor utilização de recursos, resultou, por exemplo, o Programa Rede Social16, bem como novas formas de trabalho assente no partenariado, na parceria e em redes de acção locais17. No entanto, não é óbvio que tal desenvolvimento e formas de cooperação tenham resultado numa Acção Social mais coerente e eficaz, que vá além de “um conjunto de práticas mais ou menos interdisciplinares e intersectoriais, um conjunto de projectos de expressão mais ou menos localizada, um conjunto de programas mais ou menos financiados por apoios suplementares, um conjunto de serviços sociais mais ou menos ajustados à população destinatária, um pacote 16 Programa Rede Social, criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 197/97, de 18 de Novembro, rectificada em 30 de Maio de 1998 (Declaração nº 10-0/98), que adiante abordaremos. 17 Sobre os conceitos de parceria e partenariado e os modelos de cooperação que lhes estão adstritos, o trabalho de Rodrigues e Stoer constitui uma análise do que têm representado estes modelos de cooperação no âmbito da intervenção social ao nível local (Rodrigues e Stoer, 1998).
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de subsídios mais ou menos eventuais e de montante precário (Rodrigues, 1999). No quadro vigente pós 25 de Abril de 74 e, em especial, no resultante das primeiras eleições autárquicas em 1979, assim como do dinamismo das associações de base popular, surgiu uma nova forma, mais próxima e participada, de dar conta dos problemas com que se deparava a população. O processo de resolução de necessidades e aspirações passou a contar com a implicação política e social de diversos actores de que resultou a criação de creches, jardins de infância, centros de convívio para idosos, postos de saúde e inúmeras acções no campo do desporto e da cultura (Rodrigues e Stoer, 1993, p.27). Com o passar dos anos este cenário foi sofrendo alterações e, com a publicação da Lei de Bases da Segurança Social em 1984, ficou definida a responsabilidade do Estado no campo da Acção Social, nomeadamente, no financiamento e fiscalização das actividades desenvolvidas nas áreas da infância, velhice e deficiência, acção desenvolvida com o apoio das autarquias e das instituições particulares de solidariedade social. Pode afirmarse que, a uma fase de grande participação e dinamismo das organizações de base local e de algum protagonismo por parte das autarquias locais, sucedeu um período de (re)arrumação das intervenções e das atribuições, com a concentração destas últimas no Estado central e a posterior – embora tímida – transferência para o Estado local de algumas competências. O enquadramento da Acção Social nos diplomas legais do período democrático demonstra a evolução foi sofrendo ao nível da perspectiva quanto aos princípios, campo material, objectivos e principais intervenientes na sua execução. A primeira Lei de Bases da Segurança Social, aprovada em 14 de Agosto de 1984 (Lei 28/84), instituía como princípios básicos do sistema, entre outros, o da igualdade e o da descentralização18 e enquadrava a acção social como um componente do sistema de segurança social19 concretizado em prestações tendencialmente personalizadas, devendo o seu desenvolvimento orientar-se para a progressiva integração de prestações no campo de aplicação material dos regimes de segurança social (nº 2 e nº 3 do artº 10º), numa filosofia que remonta ao proposto por Beveridge. As prestações previstas no sistema tanto poderiam ser pecuniárias ou em espécie, englobando estas a utilização de serviços e equipamentos sociais (nº1 e nº 2 do artº 11º). A mesma Lei define como objectivos da acção social a prevenção de situações de carência, disfunção e marginalização social e a integração comunitária (nº 1, artº 33º), bem como a protecção aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente crianças, jovens, deficientes e idosos, bem como a outras pessoas em situação de carência económica ou social ou sob o efeito de disfunção ou marginalização 18 Constituíam princípios do sistema a universalidade, a unidade, a igualdade, a eficácia, a descentralização, a garantia judiciária, a solidariedade e a participação (nº 1, artº5º). 19 O sistema de segurança social considerava como um dos seus objectivos a protecção das pessoas em situação de falta ou diminuição dos meios de subsistência e encontrava-se organizado em dois regimes (contributivo e não contributivo) e na acção social (Capítulo II, Secção I, artº 10º), sendo que os dois regimes se concretizavam em prestações garantidas como direitos (nº 1 do artº 10º).
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social, na medida em que estas situações não sejam ou não possam ser superadas através dos regimes de segurança social (nº 2, artº 33º), concretizando-se em prestações cujos critérios de prioridade e directrizes são definidos pelo Governo, salvaguardando, nomeadamente, quer a satisfação das necessidades básicas das pessoas e famílias mais carenciadas, quer as assimetrias geográficas na implantação de serviços e equipamentos (alíneas a) e b) do artº 35º). A Lei 28/84 definia, ainda, que o exercício da acção social era da responsabilidade das instituições de Segurança Social20, executando-a directamente ou através da celebração de acordos com outras entidades, públicas ou particulares não lucrativas (nº 1, artº 36); quando exercida por outras entidades, designadamente autarquias locais, instituições particulares de solidariedade social, casas do povo e empresas, a acção social estava sujeita a normas legais (nº 1, artº 37º). Dezasseis anos após a constituição legal do Sistema de Segurança Social, a Lei 28/84 é revogada durante a vigência de um governo do Partido Socialista, com a aprovação pela Assembleia da República, em 8 de Agosto de 2000, da Lei 17/2000, que define as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social em Portugal. Para além de considerar como um dos seus objectivos prioritários a promoção da melhoria das condições e dos níveis de protecção social e o reforço da respectiva equidade (alínea a), artº 2º), são introduzidos novos princípios orientadores do sistema: o da equidade social, o da diferenciação positiva, o da inserção social, o da conservação dos direitos adquiridos e em formação, o do primado da responsabilidade pública e o da complementaridade (artº 4º). O sistema de solidariedade e segurança social criado passou a ser composto por três subsistemas: o de protecção social de cidadania, o de protecção à família e o previdencial (artº 23º). A acção social, inserida no subsistema de protecção social de cidadania, tem como objectivos a promoção da segurança económica dos indivíduos e das famílias e o desenvolvimento e integração comunitárias, bem como garantir a cobertura das eventualidades relacionadas com as situações de pobreza, disfunção, marginalização e exclusões sociais, tendo em vista a sua prevenção e erradicação; dirige-se, especialmente, aos grupos de cidadãos mais vulneráveis, tais como crianças, jovens, portadores de deficiência e idosos (nº 1, artº 34º) e deve ser conjugada com outras políticas sociais públicas, bem como ser articulada com a actividade de instituições não públicas e fomentar o voluntariado social (nº 2, artº 34º). A acção social rege-se por um conjunto de princípios, dos quais se destaca o da satisfação das necessidades básicas dos indivíduos e das famílias mais carenciadas, o da prevenção perante os fenómenos económicos e sociais susceptíveis de fragilizar os indivíduos e as comunidades, o do desenvolvimento social através da qualificação e integração comunitária dos indivíduos e o da 20 As instituições de segurança social são pessoas colectivas de direito público, constituindo o sector operacional do aparelho administrativo da segurança social (nº2, artº 7º).
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utilização eficiente dos serviços e equipamentos sociais, com a eliminação de sobreposições, lacunas de actuação e assimetrias na disposição geográfica dos recursos envolvidos (alíneas a), b), c) e g), artº 35º). Afirma, também, como princípio o da personalização, selectividade e flexibilidade das prestações e dos apoios sociais, de modo a permitir a sua eficácia (alínea f), artº 35). Afirma-se, também, o carácter eventual e em condições de excepcionalidade das prestações pecuniárias e, no que diz respeito à organização da rede nacional de serviços e equipamentos sociais de apoio às pessoas e famílias, a participação das autarquias, das IPSS e de outras instituições de reconhecido interesse público sem fins lucrativos. O exercício público da acção social é uma atribuição do Estado, através da sua realização directa ou em cooperação com as entidades cooperativas e sociais e privadas não lucrativas, de harmonia com as prioridades e os programas definidos pelo Estado com a participação das entidades representativas daquelas organizações (nº1, artº 38º); tal exercício rege-se pelo princípio da subsidiariedade, considerando-se prioritária a intervenção das entidades com maior relação de proximidade com os cidadãos (nº 3, artº 38º). Em 2002 e em 2007 foram efectuadas novas alterações à lei21 , embora, de modo geral, mantenham os mesmos princípios do diploma legal anterior, excepto ao nível dos sistemas que a compõem: em 2002, passa a ser constituída pelo sistema público de segurança social22, pelo sistema de acção social e pelo sistema complementar. No caso do sistema instituído em 2007, a estrutura inclui, também, três sistemas: o sistema de protecção social de cidadania23, o sistema previdencial e o sistema complementar. Nas bases gerais de 2002 observa-se a introdução de novos princípios orientadores do exercício da acção social: a promoção da maternidade e paternidade como valores humanos inalienáveis, a intervenção prioritária das entidades mais próximas das pessoas carenciadas, o desenvolvimento de uma articulação eficiente entre as entidades com responsabilidades sociais e os serviços de saúde e assistência (alíneas c), d) e m) do artº 83º). Para além da eficácia do sistema, ao princípio da personalização, selectividade e flexibilidade das prestações e dos apoios sociais é acrescentada a noção de adequação como justificação para a definição deste princípio (alínea h) do artº 83ª). Além de competir ao Estado garantir a boa administração do sistema de acção social, o diploma legal define, ainda, que ele deve promover e incentivar a organização de uma rede nacional de serviços e equipamentos sociais de apoio às pessoas e às famílias, envolvendo a participação e colaboração dos diferentes organismos da administração central, das autarquias locais, das instituições 21 Lei 32/2002, de 20 de Dezembro e Lei 4/2007, de 16 de Janeiro. 22 Do sistema público de segurança social fazem parte o subsistema previdencial, o subsistema de solidariedade e o subsistema de protecção familiar. 23 O sistema de protecção social de cidadania, cujos objectivos são a garantia dos direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, assim como a promoção do bem-estar e a coesão sociais, é constituído pelos subsistemas de acção social, de solidariedade e de protecção familiar.
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particulares de solidariedade social e outras instituições, públicas ou privadas, de reconhecido interesse público sem fins lucrativo (nº 1, artº 85º), podendo o acesso à rede de serviços e equipamentos ser comparticipado pelo Estado, quer através da cooperação com as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), quer através do financiamento directo às famílias (nº 2, artº 85º). Identificando como entidades que desenvolvem a Acção Social, para além do próprio Estado, as autarquias e as IPSS, a Lei afirma que o seu desenvolvimento está eminentemente ligado às prioridades e programas definidos pelo Estado, sendo que tal desenvolvimento não prejudica o princípio da responsabilidade das pessoas, das famílias e das comunidades na prossecução do bem-estar social (nº 2, artº 86ª). Contudo, é, de facto, dada elevada relevância ao papel das IPSS no exercício da acção social, porquanto, para além da identificação já apontada em matéria de entidades que a desenvolvem e cuja actividade o Estado deve promover e incentivar, o diploma especifica que o apoio à acção social pode ser desenvolvido através de subvenções, programas de cooperação e protocolos com as instituições particulares de solidariedade social ou por financiamento directo às famílias beneficiárias (nº 3, artº 86º), que o Estado apoia e valoriza as instituições particulares de solidariedade social, e que estas podem ser diferenciadas positivamente nos apoios a conceder, em função das prioridades de política social e da qualidade comprovada do seu desempenho (nº 2, artº 87º). Para além do reforço do componente do voluntariado social como envolvimento efectivo da comunidade no desenvolvimento da acção social, passa a ser considerado o estímulo que o Estado deve dar às empresas para o desenvolvimento de equipamentos e serviços de acção social, em especial no domínio do apoio à maternidade e à infância (nº 1, artº 92º), estímulo que pode traduzir-se em incentivos ou bonificações de natureza fiscal e da utilização de recursos de fundos estruturais europeus (nº 2, artº 92º), revelando uma clara tendência para a privatização de funções que, até 2002, eram responsabilidade pública ou delegadas em organizações não lucrativas. A bases do sistema de Segurança Social aprovadas em 2007 passam a considerar, para além dos serviços de saúde e assistência, os serviços de educação no que diz respeito ao desenvolvimento de uma articulação eficiente entre as entidades com responsabilidades sociais (alínea h) do artº 31º), bem como a referência à concretização da Acção Social, no âmbito da intervenção local, com base no estabelecimento de parcerias instituídas no quadro do funcionamento da Rede Social, envolvendo a participação e a colaboração dos diferentes organismos da administração central, das autarquias locais, de instituições públicas e das instituições particulares de solidariedade social e outras instituições privadas de reconhecido interesse público (nº 6, artº 31º). É consagrado um artigo específico sobre Responsabilidade Social das Empresas que, não diferindo substancialmente do definido no artº 92º da Lei 32/2002, é, ainda assim, mais abrangente: o Estado estimula e apoia as iniciativas das empresas que contribuam para o desenvolvimento das políticas sociais, designadamente através da criação de equipamentos sociais
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e serviços de acção social de apoio à maternidade e à paternidade, à infância e à velhice e que contribuam para uma melhor conciliação da vida pessoal, profissional e familiar dos membros do agregado familiar (artº 35º). 3. Desafios e compromissos na Acção Social municipal É no nível local que têm maior visibilidade os problemas da actualidade relacionados com o aumento das vulnerabilidades sociais associadas, entre outras, às mudanças no sistema familiar, ao envelhecimento das sociedades, aos movimentos migratórios e, nas fases de crise económica como a que se vive desde 2008, ao desemprego. Algumas destas problemáticas estão cobertas por políticas nacionais, políticas de integração “animadas pela busca de grandes equilíbrios, pela homogeneização da sociedade a partir do centro” (Castel, 1995, p.538), operacionalizadas na diversidade de prestações e de eventualidades consideradas, de uma forma geral, no componente previdencial do sistema de Segurança Social, o qual tem vindo a registar alterações ao nível dos critérios de elegibilidade de acesso tornando-o um domínio da política social que “homogeneiza por baixo”, não cumprindo, de facto, aquele que foi o princípio primeiro da sua constituição: o da protecção dos cidadãos perante os riscos da vida em sociedade. Os riscos sociais e as vulnerabilidades que lhes estão associadas, geradoras de “um mundo de não integrados” requerem, também, tratamento diferenciado, atenção à individualidade, actuação em contexto de proximidade, isto é, requerem políticas de inserção assentes numa “lógica de discriminação positiva: definem com precisão a clientela e as zonas singulares do espaço social e desenvolvem estratégias específicas para elas [e são] compreendidas como um conjunto de empreendimentos de reequilíbrio para recuperar a distância em relação a uma completa integração” (idem, p.538). Constituem instrumentos de gestão territorial dos problemas, contendo, porém – por via da escala em que se desenvolvem e da natureza dos parâmetros da acção – limitações ao nível da “transformação dos dados que estruturam, de fora, a situação” (Castel, 1995, p.551). O sistema de Segurança Social contém as bases das políticas de inserção e da lógica de discriminação positiva que lhes subjaz, mas não só os recursos que lhes afecta são cada vez mais residuais, como e entidade responsável, o Estado, tem vindo a evidenciar a responsabilidade de outros intervenientes nesse domínio, nomeadamente, as organizações da sociedade civil e as famílias. Os municípios são, tal como as instituições de solidariedade social, agentes parceiros do Estado na gestão territorial dos problemas e das intervenções, constatando-se, contudo, que o nível de responsabilidade que lhes é atribuído é tanto indefinido quanto vasto. Em termos concretos, as instituições particulares de solidariedade, de base local, detêm uma participação mais activa na concretização da acção social por
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via, essencialmente, da gestão de alguns programas e dos equipamentos sociais contratualizados e financiados pelo Estado e pelas famílias; a orientação e controle da execução da actividade destas organizações passa, exclusivamente, por organismos do Estado central, de base local ou não, remetendo-se para as autarquias apenas o papel de parceiro das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e de entidade licenciadora dos edifícios destinados ao funcionamento de equipamentos sociais. É certo que, tal como a lei prevê, podem as autarquias desenvolver os seus próprios programas e projectos e gerir equipamentos sociais, desde que o façam com recursos financeiros próprios. O quadro de competências e atribuições contempla a intervenção no domínio social, remetendo para a Lei das Finanças Locais a participação do Estado nos seus custos, através do designado Fundo Social Municipal. Mas tal pressupõe a transferência efectiva de competências para actuação e financiamento da actividade no município – própria ou contratualizada – na esfera da acção social, por forma a conferir um novo protagonismo e maiores responsabilidades às autoridades locais, tal como aconteceu com a área da Educação. Ao longo dos anos de construção do poder local democrático, foram sendo feitas tentativas de negociação entre o Estado e a Associação Nacional de Municípios Portugueses para a transferência de competências nas áreas da Acção Social e da Saúde, até à data sem concretização. No ano de 2007 as negociações tiveram por base uma proposta concreta por parte do governo, objecto de debate e aprovação em sede de Congresso da Associação Nacional de Municípios (ANMP), cujo âmbito de competências abrangia cinco áreas de competência: planeamento, investimento e construção de equipamentos, subsídios às Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), apoios pontuais à pobreza (atribuição de subsídios a indivíduos e famílias), gestão de equipamentos sociais quando não possível a sua gestão por IPSS. As três primeiras funções encontram-se vinculadas a um instrumento de planeamento a realizar por concelho, a Carta Social, actualmente da responsabilidade da Segurança Social e com dimensão nacional. Volvidos quase sete anos sobre este processo negocial que não teve epílogo, mantêm-se os municípios sem responsabilidades legais claras em matéria, por exemplo, de apoios financeiros a indivíduos e famílias, num contexto de crise que tem empurrado para a pobreza muitas famílias e para as quais são cada vez mais escassas as respostas por parte do sistema de protecção social nacional. Já em Fevereiro de 2009 o editorial do Boletim Mensal da ANMP sob o título “Exigir novas competências na Acção Social e Saúde” dava conta das preocupações dos municípios perante a crise e seus efeitos nas famílias e do esforço financeiro na resposta às situações de fragilidade dos munícipes, reclamando mais competências e apoios financeiros da parte do Estado para melhor poderem assegurar a coesão social nos territórios por si geridos Os municípios são as entidades públicas mais próximas dos cidadãos, logo, as que sentem maior pressão para resolução dos problemas. O espaço de
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constituição da política social é um espaço de tensões, conflitos e negociações que se dão numa ordem política democrática e onde se situam diferentes protagonistas: o Estado, as organizações representativas de grupos políticos, de grupos profissionais e do patronato, organizações da sociedade civil, os quadros técnicos da administração pública e os próprios cidadãos, enquanto visados por ela e enquanto eleitores. As autarquias locais têm vindo a constituir-se, enquanto entidade pública com legitimidade própria, um dos elementos participantes nas dinâmicas de constituição e de operacionalização da política social. A sua posição neste quadro é bidimensional: por um lado, tem de negociar com as instituições do Estado - por vezes em quadros de tensão – por outro, assume ele próprio, no espaço local, o controle nas negociações com os protagonistas específicos territoriais, gerindo os conflitos e as tensões delas decorrentes; em matéria de Acção Social, encontramse, também, dependentes das IPSS, constatando-se a preferência pelo modelo de privatização das funções, reproduzindo a tendência seguida pelo Estado. No actual quadro de atribuições e competências e dado que não se concretizaram, formalmente, as transferências que o diploma legal prevê, o Estado central mantém não só o poder de definição como também o de gestão da política social; nessa medida, o modelo de funcionamento e de relação entre os dois níveis de Estado é caracterizado por uma lógica de complementaridade tutelada, reservando-se aos municípios um papel supletivo, contribuindo para que a política de Acção Social autárquica seja uma área menor no quadro das políticas locais, particularmente dependente da capacidade financeira dos municípios, da sensibilidade e importância que os órgãos executivos autárquicos lhe conferem no domínio do desenvolvimento local e, por vezes, também das pressões de munícipes e de organizações, as quais assumem maior importância em períodos eleitorais. Contudo, o quadro de atribuições e competências não pode constituir, por si só, fundamento para uma acção residual no campo da intervenção social, na medida em que os municípios dispõem de receitas próprias sobre as quais recaem opções e decisões políticas quanto à sua distribuição pelas diferentes áreas de actuação territorial. A Acção Social dos municípios tem vindo a adquirir um carácter cada vez mais abrangente, mas também cada vez mais disperso; a sua acção baseia-se num trabalho em rede com os organismos locais do Estado e com as IPSS e a sua diversidade reflecte-se na tipologia de projectos e acções, alguns deles transversais a outras áreas de intervenção municipal. Apesar de não se identificar um modelo padrão de Acção Social municipal – nem a sua tradução em investimento financeiro – existem afinidades ao nível das funções de atendimento e encaminhamento da população quer para os serviços da Segurança Social, quer para as IPSS, nos projectos na área do envelhecimento no âmbito do convívio e recreação, assim como num conjunto de actuações que se vão reproduzindo em municípios e freguesias: lojas sociais, cartões 65+ , apoio alimentar em situações pontuais.
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Poder-se-á afirmar que a variedade de actuações e de medidas é, apenas, uma - entre outras - consequência da ausência de competências regulamentadas, o que permite variações nos tipos de intervenção de acordo com as sensibilidades políticas. Constata-se, também, que um número considerável de municípios privilegia respostas que assentam numa abordagem selectiva, numa matriz individualista de análise da situação social dos sujeitos, em critérios de pedido/resposta, significando esta resposta, por vezes e tão somente, o encaminhamento para outra entidade, quase sempre uma IPSS. A maioria dos municípios gere programas de âmbito nacional descentralizados e financeiramente comparticipados pelo Estado, caso das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens e dos Gabinetes de Inserção Profissional. Numa conjuntura de agravamento das expressões da questão social (ou das novas expressões da questão social), a Acção Social tem de se realizar numa maior proximidade aos sujeitos, focalizando as acções nos seus espaços, assegurando a resposta imediata às necessidades, mas, também, a na prevenção das situações de fragilidade social e na intervenção de continuidade com objectivos de mudança, o que requer poderes, saberes e opções adequadas aos contextos territoriais. O envolvimento de políticos e técnicos das autarquias no planeamento e no exercício da Acção Social constituirá, também, condição para a atribuição do estatuto de direito social à dimensão assistencial da política social – estatuto que se tem vindo a perder em face da retracção do Estado e, também, de uma interpretação minimalista das competências autárquicas. Da Acção Social municipal espera-se, sobretudo, que actue no sentido da articulação entre o sujeito e a sociedade, conferindo ao indivíduo o direito a ser um membro efectivo da comunidade a que pertence através da resolução das suas necessidades mais elementares, accionando os recursos necessários para satisfazer as suas aspirações quando não podem ser respondidas por outros níveis da política social. Por isso, o seu papel no quadro de gestão territorial não pode estar dependente quer de um conjunto de atribuições formais, quer de uma percepção limitativa da intervenção social dos municípios e do seu contributo para a coesão social territorial, sob pena do regresso ao período anterior à democracia e ao modelo de assistência protagonizado, quase exclusivamente, por entidades de cariz religioso e solidário e a uma Acção Social local imediatista e assistencialista, concentrada, essencialmente, no apoio pontual e na resposta a situações de emergência, entendida e operacionalizada como um favor e não como um direito. Bibliografia Castel, Robert (1995). Les métamorphoses de la question sociale. Une chronique du salariat. Paris: Fayard. Fernandes, Tiago M., (2007). “Descentralizar é fragmentar?”, Poderes Locais em perspectiva comparada, Revista Crítica de Ciências Sociais.
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Fook, Jan (2002). Social Work: Critical Theory and Practice. SAGE. Forst, Rainer (2010). Contextos da justiça. São Paulo: Boitempo. Gough, Ian e Therborn, Göran (2010). The Global Future of Welfare State, in Castles, Francis G. e Stephan Leibfried, Jane Lewis, Herbert Obinger (eds.) The Oxford Handbook of the Welfare State. New York: Oxford University Press. Grassi, Estela (2003). Políticas y problemas sociales en la sociedade neoliberal, Otra década infame. Buenos Aires: Espacio. Hamzaoui, Mejed (2005). El Trabajo social territorializado: Las transformaciones de la acción pública en la intervención social. Valencia: PUV, Nau Llibres. Herculano, Alexandre (2007-2008). História de Portugal (edição anotada por José Mattoso). Lisboa: Bertrand. Ladsous, Jacques (2004). L´action sociale aujourd´hui. Toulouse: Érès. Lascoumes, Pierre e Patrick Galès (2007). Sociologie de l´action publique. Paris: Armand Colin. Löchen, Valérie (2010). Comprendre les politiques d’action sociale. Paris: Dunod. Maia, Fernando (1985). Segurança Social em Portugal — Evolução e Tendências, Madrid, Organización Iberoamericana de Seguridad Social, Departamento de Publicaciones y Divulgación. Mondolfo, Philip (2005). Conduire le développement social. Paris: Dunod. Montalvo, António Rebordão (2003). O processo de mudança e o novo modelo da gestão pública municipal. Coimbra: Almedina. Mozzicafreddo, Juan, Isabel Guerra, Margarida A. Fernandes e João Quintela (1991). Gestão e Legitimidade no Sistema Político Local. Lisboa: Escher. Oliveira, César (1996) (dir.). História dos municípios portugueses. Lisboa: Círculo de Leitores. Otayek, René, (2007). “A descentralização como modo de redefinição do poder autoritário?”, Poderes Locais em perspectiva comparada, Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, Centro de Estudos Sociais. Rodrigues, Fernanda e Stephen Stoer (1993). Acção local e mudança social em Portugal. Lisboa: Fim de Século. Sá, Isabel dos Guimarães (1996). “As Confrarias e as Misericórdias”, em Oliveira, César (org.). História dos Municípios Portugueses. Lisboa: Círculo de Leitores. Sá, Luís (2000). Introdução ao direito das autarquias locais. Lisboa: Universidade Aberta. Silveira e Sousa, Paulo (1996). “A literatura, a política e os municípios no Portugal liberal”, em Oliveira, César (dir.), História dos Municípios Portugueses. Lisboa: Círculo de Leitores. Tymen, Jacques e Henry Nogues (1988). Action Sociale et Décentralization – tendances et prospectives. Paris : L’Harmatan. Úcar i Martínez, Xavier e Asun Llena Berñe (2006) (coord.). Miradas y diálogos en torno a la acción comunitária. Barcelona: Graó.
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RECENSÂO
Ostermann, A. C. & Meneghel, S. N. eds., (2012). Humanização Gênero Poder: Contribuições dos estudos de fala-em-interação para a atenção à saúde, Campinas, SP / Rio de Janeiro: Mercado de Letras / Fiocruz. Como e em que aspectos a análise conversacional (análise da conversa, em português do Brasil) pode contribuir para os avanços da investigação aplicada no domínio da saúde? Uma linguista interaccionista (Ana Cristina Ostermann) e uma médica (Stela Nazareth Meneghel) juntaram-se para editar uma obra coletiva, que proporciona uma resposta rica e multifacetada a esta pergunta. Ana Cristina Ostermann e Stela Nazareth Meneghel co-assinam os dois capítulos que abrem e encerram a obra. O primeiro capítulo (pp.11-31) sinaliza à atenção do leitor três questões que ganham em ser abordadas mediante estudos da fala-em-interação (análise conversacional): (1) a humanização dos cuidados de saúde, (2) a construção interacional das identidades de género e (3) a questão do poder na relação médico–paciente. O capítulo retrata, a partir do Brasil, o histórico das investigações e dos programas de intervenção que contribuiram em levantar e abordar estas questões, dados contextuais que facilitam a avaliação pelo leitor da relevância dos estudos que compõem o livro, «(…) primeira coletânea de estudos de interações gravadas de atendimentos à saúde» (2012, p. 17). A questão da aplicabilidade dos resultados investigativos sobre/nas próprias práticas de trabalho e de atendimento estudadas, mediante a sua reapropriação situada pelos profissionais da saúde, é tratada como de primeira importância por Ana Cristina Ostermann, como atesta a sua autodefinição como «(…) linguista aplicada interessada em estudar a linguagem em contextos sociais e com vistas a propor resoluções de problemas práticos de comunicação (…)» (Ibid.). O primeiro capítulo faculta igualmente indicações autorais e metodológicas. Ana Cristina Ostermann, que assina ou co-assina todos os capítulos do livro,
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coordenou os dois projetos de investigação ao abrigo dos quais foram recolhidos os dados que servem de base empírica a cinco dos seis estudos que compõem a obra. O principal corpus, de 144 gravações de consultas entre médicos ginecologistas e obstetras e pacientes, foi recolhido entre março e dezembro de 2006, no Sul do Brasil, com o consentimento, livre e informado, de todos os interatantes. Estas gravações são completadas por notas de observação direta das consultas, que registaram comportamentos não verbais, não captados pela gravação. Os dados reproduzidos na obra, sob a forma de trechos de transcrição, foram devidamente anonimizados. O segundo capítulo (pp.33-43), da autoria de Ana Cristina Ostermann, constitui uma introdução teórica e metodológica à análise conversacional (AC), redigida com concisão e precisão. A sua leitura, imprescindível, habilita o leitor sem formação prévia em AC, a compreender melhor o teor e o alcance dos estudos empíricos que se seguem. As convenções de transcrição, adaptadas de Gail Jefferson, são apresentadas na pág. 40. O primeiro estudo empírico que compõe o terceiro capítulo do livro, coassinado por Ana Cristina Ostermann e Débora Rejane da Rosa, intitula-se: Do que não se fala: assuntos tabus e momentos delicados em consultas ginecológicas e obstétricas (pp.47-63). O estudo documenta como certos assuntos são emicamente tabus, ou seja, como são sinalizados e tratados como tais pelos próprios interatantes, por meio de perturbações da sua fala: marcas de hesitação, atrasos e pausas, evitamento ou omissão de certos termos e substituição de outros, cortesia verbal, indireção, metáforas, etc. Os dados analisados demonstram a necessidade de não admitir como inquestionável a definição institucional da consulta médica como quadro interacional capaz de neutralizar e suspender, logo à partida, os tabus vigentes na sociedade, no domínio da sexualidade. O estudo convida, pelo contrário, a preparar os profissionais de saúde a identificar e gerir melhor as estratégias interacionais (ex.: riso em situações de auto-exposição julgadas desfavoráveis) usadas pela/os pacientes para lidar com assuntos que, ao falar com o médico, continuam a tratar como tabus e ameaçadores, para a gestão da sua face identitária. Ao dificultar o desenrolar e a precisão da troca conversacional médico–paciente, a fala perturbada, mal compreendida e gerida, constitui um risco para a saúde, e, enquanto tal, um desafio para o profissional de saúde. Reforçar a sua competência conversacional, por exemplo, a colaborar na co-produção da fala do paciente, em momentos julgados e tratados por ele como sensíveis para a salvaguarda da sua face, surge como possível contributo da AC no domínio da formação dos profissionais de saúde. Os dados analisados neste primeiro estudo (ex.: interligação entre estado civil e atividade sexual da paciente, pressuposta pelo médico) mostram e demonstram a existência de um pano de fundo de normas e categorizações sociais, convocadas e ratificadas pela fala-em-interação, por ambas as partes, pacientes e médicos. Trata-se de uma questão fundamental, que será novamente abordada pelos dois últimos estudos. O quarto capítulo (pp.65-81), da co-autoria de Ana Cristina Ostermann
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Ostermann, A. C. & Meneghel, S. N. eds., (2012). Humanização Gênero Poder: ..., pp. 143-147
e de Renata Ruy, incide sobre as relações de poder no quadro das consultas ginecológicas e obstétricas. Reconhecendo a interação como locus de exercício de poder, Ostermann e Ruy evidenciam a assimetria da relação médico–paciente mediante um estudo detalhado da sequência IRA (Iniciação – Resposta – Avaliação), bem atestada no corpus. Esta sequência tem por nicho ecológico de referência as salas de ensino, contexto interacional definido por uma assimetria epistémica separando os saberes do formador e os do formando. Original, o estudo que compõe este quarto capítulo vem mostrar e demonstrar que esta sequência é também mobilizada pelos interatantes, em sede de consulta médica. A distribuição desigual dos papéis interacionais, definidos pelo direito de perguntar para efeitos de controlo e pelo dever correlativo de responder sob a alçada de uma avaliação, é um traço constitutivo da assimetria de poder efetivada e tornada patente pela ativação desta sequência: «Esses papéis jamais se alternam no extenso conjunto de dados aqui analisados» (2012, p.78). As autoras discutem o recurso pelos profissionais de saúde à sequência IRA, enquanto estratégia didática de monitorização do grau de compreensão do discurso médico pelos pacientes, que, paradoxalmente, comporta um risco de indução de uma assimetria, que dificulta o diálogo e a circulação de saberes. O capítulo seguinte (pp.85-98), co-assinado por Ana Cristina Ostermann e Joseane de Souza (co-autoras do breve Glossário que encerra o livro; pp.163-165), prolonga e completa o anterior, ao descrever algumas das estratégias usadas pelas pacientes para comunicar a título hipotético as suas teorias explicativas, que vão atribuindo causas aos seus problemas de saúde e/ou sintomas. O recurso a estas estratégias evidencia a existência, emicamente sentida e ratificada pelas pacientes, de uma assimetria epistémica. Em vez de assumir abertamente as suas atribuições causais, a paciente tende a facultar ao médico «informação a mais ao responder uma pergunta» (2012, p.91), que aos seus olhos vale como pista susceptível de levar o médico a concluir o seu diagnóstico em conformidade com a sua teoria explicativa. Esta estratégia coloca o médico, de um modo tácito e pouco coercivo, em posição de avaliar a relevância destas informações na elaboração do seu diagnóstico, sem fazer recair sobre ele a obrigação de avaliar sistematicamente estas “informações a mais” e de validar ou invalidar as teorias explicativas que apontam mais do que explicitam. As autoras chamam a atenção sobre a possível coexistência, problemática, de duas organizações sequenciais das consultas: «(…) nos dados coletados, (…) observa-se que as pacientes procuram posicionar suas atribuições de maneira que possibilitem ao médico continuar a anamnese. Os médicos, por sua vez, parecem preferir responder às atribuições no momento do diagnóstico ou da prescrição do tratamento» (2012, p.87). Em outros casos, as pacientes formulam perguntas diretas ou elicitam avaliações por meio de perguntas-tag («né?»). As pacientes atribuem recorrentemente a terceiros a autoria da atribuição causal, estratégia que neutraliza ou minimiza a carga ofensiva da sua eventual refutação pelo médico. A preocupação com a humanização e a eficiência da relação médicopaciente encontra aqui, na questão da atenção prestada pelos médicos aos saberes e às atribuições causais dos pacientes, um ponto fundamental,
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susceptível de ser trabalhado em sede de formação. O sexto capítulo (pp.99-115), redigido por Ana Cristina Ostermann em co-autoria com Caroline Rodrigues da Silva, aborda o papel humanizador, comunicativo e cognitivo das sequências de formulação, que permitem a cada interatante, médico ou paciente, de explicitar, para efeitos de (des)confirmação, a sua compreensão da fala do outro: «Quando ambas as partes da interação têm o “direito” de realizar formulações, ou seja, quando tanto médicos quanto pacientes podem expressar seus entendimentos e solicitar confirmação, a assimetria do atendimento tende a ser minimizada e a consulta tende a ser mais colaborativa» (2012, p.113). As autoras descrevem as operações de preservação, apagamento e transformação efetuadas para a produção de uma formulação. Os dois últimos estudos empíricos, que correspondem aos oitavo e nono capítulos (pp.119-132 & 133-149), abordam de novo o pano de fundo de saberes que os interatantes pressupõem como evidentemente partilhados na economia interaccional da sua troca conversacional. Estas operações de pressuposição reificam categorias identitárias, de género, por exemplo, que são predefinidas socialmente, bem como interacionalmente renegociadas, no aqui e agora de cada consulta. Ambos os capítulos constituem uma excelente introdução a uma abordagem microconstrutivista das identidades-na-interação, empoderada pela AC, na interligação entre estruturas macrossociais e interações locais (macro-micro links). Nas considerações finais do oitavo capítulo, as autoras, Ana Cristina Ostermann e Aline Jaeger, escrevem: «Atuando numa esfera “micro” (o da fala-em-interação), a operacionalização da heteronormatividade, observada nas consultas investigadas, não apenas naturaliza aquelas pacientes como de identidades afetivo-sexuais heterossexuais. Também contribui para a naturalização da heterossexualidade como princípio organizador e normatizador da sociedade como um todo» (2012, p.130). No capítulo seguinte, Ana Cristina Ostermann e Marilléia Sell aplicam a análise das categorias de pertença (Membership Categorization Analysis), elaborada por Harvey Sacks, em trabalhos fundadores da AC, a uma consulta psicológica de um homem que se candidatou para se submeter a uma operação cirúrgica de esterilização: «conforme demonstrado na análise, percebe-se como se dá a negociação de aspectos identitários que são tomados pelo senso comum como homogêneos e naturais e que, na fala-em-interação, são tensionados e desestabilizados» (2012, p.146). Num último capítulo (pp.153-161), as duas coordenadoras da obra, Ana Cristina Ostermann e Stela Nazareth Meneghel, apresentam uma recapitulação e um balanço dos estudos desenvolvidos nos capítulos anteriores, sob a forma de uma resposta à seguinte pergunta: E então, quais as contribuições dos estudos de falaem-interação para a atenção à saúde? As autoras defendem a introdução da Análise Conversacional nos cursos de formação dos profissionais da área da saúde, salientando, com razão, «(…) o ineditismo da obra aqui apresentada na literatura em língua portuguesa (…)» (2012, p.158), que descreve, com grande riqueza de detalhes, a complexa trama interacional do fazer clínico.
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Ostermann, A. C. & Meneghel, S. N. eds., (2012). Humanização Gênero Poder: ..., pp. 143-147
Ao encerrar a presente recensão, de uma obra que, seguramente, merece ser lida e discutida em Portugal (e não só), faço questão de devolver, por meio de uma derradeira citação, a palavra à Ana Cristina Ostermann e à Stela Nazareth Meneghel: «Ora, se é por meio da interação que desempenhamos grande parte de nossas ações no mundo (…), então é também para a própria interação que devemos nos voltar para que possamos alargar nossa compreensão sobre o “fazer atender” (…)» (2012, p. 158). Michel G. J. Binet Doutor em Antropologia ISSSL-ULL
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REVISTA on-line em SERVIÇO SOCIAL
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Revistas on-line en Serviço Social, pp. 149-151
Portuguesas Locus Soci@l - Locus Social - www.locussocial.cesss-ucp.com.pt/ Brasileiras a) Revistas indexadas Serviço Social em Revista - www.ssrevista.uel.br/ Revista Katálysis - www.katalysis.ufsc.br/ Serviço Social & Sociedade - www.scielo.br/ b) Outras revistas Textos & Contextos - www.pucrs.br/textos/ Serviço Social e Realidade - http://www.franca.unesp.br/ Libertas - www.ufjf.br/revistalibertas/ Ser social - revista de Serviço Social - vsites.unb.br/ih/dss/publica.htm Serviço Social & Saúde - www.hc.unicamp.br/ Inglesas Social Work & Society - www.socwork.net/ British Journal of Social Work - Oxford Journals - bjsw.oxfordjournals.org/ content/by/year European Journal of Social Work - www.ingentaconnect.com/content/ routledg/eurswk Espanholas Revista Electrónica de Trabajo Social - www2.udec.cl/ Revista Regional de Trabajo Social - www.revistatrabajosocial.com/ Revista Humanismo y Trabajo Social - www4.unileon.es/trabajo_social/ revista.asp Portularia - Revista de Trabajo Social - www.uhu.es/publicaciones/ revistas/portularia/ Trabajo Social Global. Revista de Investigaciones en intervencion social revistashipatia.com/index.php/tsg/article/download/32/41 Colombia Revista de Trabajo Social - www.revistas.unal.edu.co/index.php/tsocial
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REVISTA INTERVENÇÃO SOCIAL TEMAS DE SERVIÇO SOCIAL E INTERVENÇÃO SOCIAL Publicação científica semestral Produção da Universidade Lusíada de Lisboa Instituto Superior de Serviço Social Portugal Directora Professora Doutora Maria Júlia Faria Cardoso Subdirector Professor Doutor Duarte Rei Vilar Secretariado Mestre Paula Isabel Marques Ferreira Mestre Helena Maria Belchior Campos Costa Lourenço Rocha
POLITICA EDITORIAL – A Revista Intervenção Social destina-se à publicação de trabalhos sobre temas actuais e de pertinência cientifica no âmbito do Serviço Social e da Intervenção Social, áreas afins e suas relações interdisciplinares. As edições são organizadas por temáticas ou com temas diversos, de interesse profissional e académico, previamente definidos pela Direcção da Revista. – Os trabalhos propostos para publicação deverão ser inéditos, não sendo permitida a sua apresentação simultânea a outra revista, tanto do texto, quanto de figuras e tabelas. – Todos os direitos editoriais são reservados para a Revista Intervenção Social e nenhuma parte das publicações pode ser reproduzida, plageada por qualquer
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sistema ou transmitida por quaisquer meios ou formas existentes ou que venham a ser criados, sem prévia permissão por escrito da Direcção da Revista, de acordo com a lei de direitos autorais vigentes em Portugal. – Quanto ao processo de apresentação de artigos, o(s) autor(es) deverá(ão) assinar e enviar a Declaração de Responsabilidade e a Transferência de Direitos Autorais (modelos integrados nas normas de apresentação de trabalhos para publicação). – Os trabalhos submetidos para publicação serão analisados por pares (dois por artigo), Membros do Conselho Científico Nacional, ou membros do Conselho Cientifico Internacional, os quais arbitrarão sobre a pertinência, ou não, da sua aceitação, podendo sugerir aos autores reformulações ou adaptações. As eventuais modificações de estrutura e conteúdo serão acordadas com os autores. A apreciação das proposta terá em conta o rigor, a clareza e precisão quanto à produção científica, redação e conteúdo e a probidade ético-teórica. A decisão final sobre a publicação dos trabalhos recebidos será da Direcção da Revista, com base no programa editorial. Não serão admitidos acréscimos ou alterações ao texto, após a avaliação e aceitação final. A Direcção assegura o anonimato para o(s) autor(es) no processo de avaliação, como também assegura aos avaliadores o sigilo da sua participação, permitindo liberdade para apreciações e avaliações. – Todos os trabalhos resultantes de pesquisa, ou relato de experiências práticas, que envolverem sujeitos humanos terão a sua publicação condicionada ao cumprimento dos princípios éticos, que deverá ser claramente descrito no último parágrafo da secção Metodologia do artigo. Deverão indicar se os procedimentos respeitaram o constante na Declaração de Helsinki (1975, revista em 1983). – Excepcionalmente serão aceites trabalhos já publicados (seja em versão impressa ou virtual) desde que devidamente acompanhados da autorização escrita e assinada pelo autor e pelo Director da publicação onde o trabalho tenha sido originalmente publicado. – A Revista Intervenção Social publica trabalhos nos idiomas Português, Espanhol, Francês e Inglês. – As opiniões e os conceitos emitidos nos trabalhos, bem como a exatidão, adequação e procedência das citações e referências, são da exclusiva responsabilidade do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição da Direcção da Revista. – A apresentação de propostas de publicação implicará a aceitação, por parte do(s) autor(es), das normas da revista. – A Revista Intervenção Social não remunera o(s) autor(es) pela publicação dos seus trabalhos, enviando-lhes porém um exemplar da edição com o seu texto publicado. 156
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Normas para Apresentação dos trabalhos – Os trabalhos deverão estar adequados à respectiva edição, podendo ser estudos ou resultados de pesquisas aplicadas, teóricas, experiências da prática profissional, ensaios, resenhas, entrevistas, notas prévias, comunicações e apresentação de programas ou linhas de investigação inovadoras. – Notas prévias devem ter, no máximo, duas páginas; resenhas, quatro páginas. Comunicações, no máximo, oito páginas. Os trabalhos em formato de artigo deverão ter, no máximo, quinze páginas, incluindo desenhos, figuras, tabelas, fotografias e referências (se forem utilizadas fotografias com pessoas, mesmo não identificadas, devem vir acompanhadas da permissão por escrito das pessoas fotografadas; para utilização de fotografias com crianças ou jovens, deve ser respeitada a legislação vigente). – Figuras, tabelas e fotografias com boa definição, somente a preto e branco, devendo ser entregue o original, com cabeçalho (se for o caso) e legendas. Se as ilustrações enviadas já tiverem sido publicadas, mencionar a fonte e apresentar a autorização para reprodução. – Os trabalhos deverão respeitar as normas gramaticais em vigor. – O(s) auto(res) deve(m) enviar por correio ou correio electrónico: 1. Carta de apresentação do trabalho a publicar; 2. Declaração de Responsabilidade; 3. Transferência de Direitos de Autor. – Os trabalhos podem ser enviados pelo correio electrónico, como anexo. – Deve ser utilizado o Editor Word for Windows, com a seguinte formatação: fonte Times New Roman tamanho 12, página tamanho A-4, espaço de 1,5 cm, todas as margens com 2,5 cm. A partir do 2º parágrafo em cada ponto ou subponto do texto deve obedecer à indexação de 1ª linha de 1.25cm. Autorização de apresentação – Nome completo do (s) autor (es), habilitações académicas, cargos e nome da instituição á qual está (ão) vinculado(s), morada domiciliária completa, telefone e e-mail, em folha separada do texto do artigo. – Título e resumo no idioma do respectivo artigo. a - O título deve ter no máximo, 12 palavras. b - O resumo deve ter aproximadamente 140-150 palavras e com três a cinco palavras-chave, descritivas do conteúdo do trabalho. O resumo deve ser informativo. c - Título, resumo e palavras-chave em português e noutra língua de edição da revista.
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Citações e referências (bibliografia) – Citações, conforme o ISO 600, que, para a Revista Intervenção Social. Temas de Serviço Social e Intervenção Social, foi sistematizada da seguinte forma: As citações devem ser indicadas no texto pelo sistema de autor-data. • Citação de até três linhas: dentro do corpo do texto, entre aspas, fonte igual à do texto. Citação de mais de três linhas: fora do corpo do texto, fonte 11, recuada para a linha do parágrafo, sem aspas (ou qualquer outro destaque), espaçamento interlinear simples, margem direita igual à do texto. • Nome do autor da obra, para os dois casos atrás referidos: 1. no conteúdo do texto (caligrafia normal para nomes próprios). Exemplo: Segundo Ferreira (2005, p. 23), “O conhecimento académico [...]”; 2. entre parênteses, em caixa alta. Exemplo: “O conhecimento académico [...]” (Ferreira, 2005, p. 23). – Referências, conforme a ISO 600,no sistema autor-data – somente dos documentos efectivamente citados no trabalho. – Para fins de sistematização da Revista, utilizar somente o itálico como recurso tipográfico. Exemplos de Referências a) Livro: sobrenome do autor / a / a /, Iniciais. (Ano). Título do livro em itálico. Local de publicação: Editora. Exemplos: Ferreira, Jorge M. L. (2011). Serviço Social e Modelos de Bem-Estar para a Infância. Modus Operandi do Assistente Social na Promoção da Protecção à Criança e à Família. Lisboa: Ed Quid Juris. b) Revistas: sobrenome do autor / a / a /, Iniciais. (Ano). Título do artigo. Nome da revista em itálico, número ou volume (número) páginas que compõem o artigo dentro da revista. Exemplos: Ferreira, Jorge M. L. (2010). Sistema de protecção à infância em Portugal – Uma área de intervenção e estudo do Serviço Social. Revista Katálysis. “Serviço Social e Pobreza”. Volume 13, nº 2 – Julho/Dezembro – 2010. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. Editora UFSC. Brasil. c) Capítulo de livro: sobrenome do autor / s, iniciais. (Ano). Título do capítulo sobrenome do autor / a, AO editor / coordenador / a do livro. Título do livro em itálico. Cidade: Editora, páginas que compõem o capítulo do livro. Exemplos: García,F. Tomás; Parra, A. António (2002). Gestión de los processos de información y comunicación. García; Parra (Coords). Servicios Sociales: Dirección, 158
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gestión y planificación. Madrid: Alianza Editorial, pp. 147 – 167. Referências em formato electrónico: a) Os documentos electrónicos: autor / a / as / é (data de publicação). Título [tipo de suporte]. Local da publicação: editor. Disponível: Especifique URL [data de acesso]. Exemplos: Comissão das Comunidades Europeias (2000). Eficiência e equidade [online]. com: Bruxelas. Disponível em: [acesso 2001 Setembro 20]. b) Artigos em periódicos electrónicos: Autor / a data (mostrado na publicação). Título do artigo. Nome da publicação [tipo de meio], volume, número de páginas ou a localização do artigo. Disponível: Especifique URL [data de acesso]. Exemplos: Marques, P. (2001, Julho). Educação a distância hoje. IRRODL [online], 2.2. Disponível em: http://www.irrodl.org/content/v2.1/marques.pdf [acesso Junho de 2002 5]. Lei nº 147/99 de 1 de Setembro. Disponível em: http://www.cncjr.pt [consulta:5/07/2011]. Tipos de Textos Editorial: apresenta comentário crítico e aprofundado, preparado pelos editores e/ou por pesquisadores de amplo conhecimento sobre o assunto abordado. Artigos: • Construção teórica: Deverão conter introdução, desenvolvimento e conclusão. Apresentam temas sustentados em paradigmas teóricos, abordagens metodológicas e discutem questões ético-politicas que contribuem para formular novas hipóteses e novos caminhos de estudo e investigação. • Estudos aplicados: textos originais que apresentam resultados obtidos em determinado problema apresentando as referências teóricometodológicas utilisadas. São contribuições destinadas a divulgar resultados inéditos de natureza empírica, experimental, constituindo trabalhos completos, contendo informações relevantes para o Ensino e a prática profissional. Devem apresentar a seguinte ordem: introdução, método (sujeitos, material, procedimentos) resultados e discussão. • Apresentação de experiências profissionais e ou de boas práticas: apresentam estudos de caso com análise de implicações conceptuais, ou descrição de procedimentos ou estratégias de intervenção, descrevendo o quadro metodológico apropriado e de interesse para a intervenção do profissional em diferentes áreas. • Artigos de opinião: consistem em textos de opinião e/ou análise que possam contribuir para a reflexão e o aprofundamento de questões relacionadas ao tema desenvolvido na edição.
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Temas, Política Editorial e Normas
Resenhas: revisão crítica de livros recém-publicados, orientando o leitor quanto às suas características e potencialidades. Devem ser breves, elaboradas por especialistas da área, constituindo um resumo comentado, com opiniões que possam dar uma visão geral da obra, (12 a 15 páginas). Comunicações em reuniões científicas: Textos apresentados em eventos científicos que constituam mais-valia para o conhecimento da temática tratada. Divulgação/ Informação: espaço destinado à divulgação de publicações, realizações de eventos, programas inovadores, formação pós-graduada. Produção de conhecimento: espaço destinado à divulgação de teses e dissertações de Doutoramento e Mestrado realizadas. Devem conter: o tema, tipo de estudo; objectivos; metodologia e apresentação síntese do autor. Limite de 4 páginas, ou seja: -título em português, francês, inglês e espanhol; -nome completo do autor, habilitações académicas, cargo e instituição á qual está vinculado; - nome do orientador; - endereço completo, telefone, fax e e-mail. Modelo de Declaração de Responsabilidade (deve ser assinada por todos os autores) Título: Autor(es): Certifico que participei na concepção do trabalho, em parte ou na íntegra, que não omiti quaisquer ligações ou acordos de financiamento entre os autores e companhias que possam ter interesse na publicação deste artigo. Certifico que o texto é original e que o trabalho, em parte ou na íntegra, ou qualquer outro trabalho com conteúdo substancialmente similar, de minha autoria, não foi enviado a outra revista e não o será enquanto a sua publicação estiver sendo a ser analisada pela Revista Intervenção Social. Temas de Serviço Social e Intervenção Social, quer sejam no formato impresso ou electrónico. Assinatura: Data: Modelo de Termo de Transferência de Direitos de Autor (deve ser assinado por todos os autores) Título: Autoria: O autor abaixo-assinado transfere todos os direitos de autor do artigo para a Revista Intervenção Social. Temas de Serviço Social e Intervenção Social, sendo vedada qualquer reprodução, total ou parcial, em qualquer outra parte ou meio de divulgação, impressa ou electrónica, sem que a prévia e necessária autorização seja solicitada e, se obtida, farei constar o competente agradecimento à revista. Assinatura: Data: 160
Lusíada. Intervenção Social, Lisboa, n.º 41 [1º semestre de 2013]
Temas, Política Editorial e Normas, pp. 153-161
Endereços para o envio dos textos: – Online para: secretariadoris@edu.ulusiada.pt Pelo Correio postal para: Revista Intervenção Social. Temas de Serviço Social e Intervenção Social Universidade Lusíada Lisboa Instituto Superior Serviço Social Rua da Junqueira nº 188 a 195 1349 – 001 Lisboa Portugal
Lusíada. Intervenção Social, Lisboa, n.º 41 [1º semestre de 2013]
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