Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente Journal of Child and Adolescent Psychology

Page 1




Revista de Psicologia da Crianรงa e do Adolescente Journal of Child and Adolescent Psychology


Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa – Catalogação na Publicação REVISTA DE PSICOLOGIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lisboa, 2010 Revista de psicologia da criança e do adolescente = Journal of child and adolescent psychology / propr. Fundação Minerva – Cultura – Ensino e Investigação Científica ; dir. Tânia Gaspar Sintra dos Santos. – N. 1 (Abril 2010)Lusíada, 2010-

. – Lisboa : Universidade

. - 24 cm. - Semestral

ISSN 1647-4120 I – SANTOS, Tânia Gaspar Sintra dos, 19771. Psicologia infantil – Periódicos 2. Psicologia do adolescente - Periódicos CBC

BF712.R48

Ficha Técnica Título

Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente Journal of Child and Adolescent Psychology

Proprietário Directora

Tânia Gaspar Sintra dos Santos

Secretariado

Francisca Soares de Albergaria

Conselho Científico

A. 5, N.º 1 (Janeiro-Junho 2014)

Fundação Minerva - Cultura - Ensino e Investigação Científica

Adriana Baban (DP | Babeş-Bolyai University | Romania), Ana Isabel Martins Sani (Universidade Fernando Pessoa | Portugal), Antony Morgan (National Institute for Health and Clinical Excellence | United Kingdom), Aristides Isidoro Ferreira (IPCE | Universidade Lusíada de Lisboa | Portugal), Carmen Moreno Rodríguez (FP | Universidad de Sevilla | España), Celeste Simões (FMH | Universidade Técnica de Lisboa | Portugal), Daniel Sampaio (FM | Universidade de Lisboa | Portugal), Edwiges Mattos Silvares (IP | Universidade de São Paulo | Brasil), Eliane Falcone (Universidade do Estado do Rio de Janeiro | Brasil), Evelyn Eisenstein (FCM | Universidade do Estado do Rio de Janeiro | Brasil), Isabel Leal (Instituto Superior de Psicologia Aplicada | Portugal), Isabel Torres (IPCE | Universidade Lusíada do Porto | Portugal), José Alves Diniz (FMH | Universidade Técnica de Lisboa | Portugal), José Augusto Messias (FCM | Universidade do Estado do Rio de Janeiro), José Enrique Pons (FM | Universidad de la República | Uruguay), Jose Livia Segovia (Universidad Nacional Federico Villarreal | Peru), José Luís Pais Ribeiro (FPCE | Universidade do Porto | Portugal), Lúcia Williams (Universidade Federal de São Carlos | Brasil), Marcelo Urra (EP | Universidad de Artes y Ciencias Sociales | Chile), Margarida Gaspar de Matos (FMH | Universidade Técnica de Lisboa | Portugal), Mónica Borile (Instituto Médico de la Comunidad | Argentina), Paula Lebre (FMH | Universidade Técnica de Lisboa | Portugal), Paulo Moreira (CIPD | Universidade Lusíada do Porto | Portugal), Rosario Tuzzo (FM |Universidad de la República | Uruguay), Tânia Gaspar (IPCE | Universidade Lusíada de Lisboa | Portugal), Teresa Leite (IPCE | Universidade Lusíada de Lisboa | Portugal), Virgílio Estólio do Rosário (IHMT | Universidade Nova de Lisboa | Portugal)

Depósito Legal

301631/09

ISSN

1647-4120

Local Ano Periodicidade Editora

Lisboa 2014 Semestral Universidade Lusíada Editora Rua da Junqueira, 188-198 1349-001 Lisboa Tel.: +351 213611500 / +351 213611568 Fax: +351 213638307 URL: http://editora.lis.ulusiada.pt E-mail: editora@lis.ulusiada.pt

Fotocomposição e capa

João Paulo Fidalgo

Publicação Electrónica

http://revistas.lis.ulusiada.pt/index.php/rpca

Impressão e Acabamentos Solicita-se permuta – On prie l’échange – Exchange wanted – Pídese canje – Sollicitiamo scambio – Wir bitten um Austausch Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa Rua da Junqueira, 188-198 – 1349-001 Lisboa Tel.: +351 213611617 / Fax: +351 213622955 E-mail: mediateca@lis.ulusiada.pt © 2014, Universidade Lusíada de Lisboa Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico incluindo fotocópia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia da Editora O conteúdo desta obra é da exclusiva responsabilidade dos seus autores e não vincula a Universidade Lusíada.


Sumário

SUMÁRIO

Nota introdutória ......................................................................................................... 9 tertúlia de abertura: O envelhecimento activo e saudável começa na infância, ou mesmo antes: sinergias transdisciplinares ........................................................................................................ 13 Margarida Gaspar de Matos, Francisco George, Telmo Batista, Pedro Cunha, Alexandra Bento, Arminda Monteiro e Rita Saramago

Estudos Empíricos/Empirical Studies............................................................... 27 Neurobehavioral profile of healthy term newborns according to the Neonatal Behavioral Assessment Scale ........ 29 Mariana Richartz, Sérgio A. Antoniuk e Maria Augusta Bolsanello Expressões de Criatividade na Emoção ......................................................... 41 Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: Findings from the national study of Portuguese Schoolchildren........................................................................... 57 Diana Frasquilho, J.M. Caldas de Almeida, Tânia Gaspar e Margarida Gaspar de Matos A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: A Transição entre Níveis de Ensino ...................... 73 Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória Do copo meio cheio à mente vazia: o impacto do consumo do álcool no funcionamento cognitivo .......................................................... 93 Sónia Ferreira, Lídia Moutinho e Paula Diegues Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

5


Sumário

Défices Cognitivos em Crianças e Adolescentes com Fenilcetonúria................................................................................................................ 107 Ana F. Laúndes, Enrique Vázquez-Justo e Carla M. Carmona Deteção da Mentira em Crianças .................................................................... 117 Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

Estudos de Caso/Case Studies.............................................................................. 135 Neuropsychological Rehabilitation for younger people: small group and single case studies exemplifying the assessment and treatment of cognitive, emotional and behavioural problems ............................................................................................. 137 Barbara A. Wilson Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola regular do concelho de Viana do Castelo .......................................................................................................... 147 Daniela Alves Silva Miranda Impacto da Reabilitação Neuropsicológica nas Neoplasias Encefálicas da Criança: Estudo de Caso ................................................... 165 Manuel Domingos e Catarina Calado Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso ................................................................... 177 Joana Rita Carvalho

Ensaios e projectos/Essays and Projects.................................................... 195 Programa de Competências Sociais Integradas (CSI) ....................... 197 Lucinda Correia, Sónia Esteves, Carina Faria, Joana Ramos e Sandra Valdeira Projecto Refazer: Uma Reflexão da Reprovação a Partir do Olhar do Aluno ............................................................................................................. 201 Katia Faissol e Maria Cristina Bastos O desenvolvimento cognitivo e tomada de decisão das pessoas surdocegas .................................................................................................... 211 António Rebelo

6

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Sumário

Dialogando sobre o autismo e seus reflexos na família: contribuições da perspectiva dialógica .................................................. 223 Poliana Pedrozo Mangia de Souza e Priscila Pires Alves O Impacto do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA) .......... 231 Cláudia Bandeira de Lima, Catarina Afonso, Ana Catarina Calado, Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos com Perturbações do Espectro do Autismo: Comparação entre escolas dos 2º e 3º Ciclos com e sem Unidades de Ensino Estruturado para crianças com PEA .......................................................................................................... 245 Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira El contexto familiar como factor fundamental en la violencia filio-parental ........................................................................................ 267 Estefanía Lema Moreira

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

7



nota introdutória A Revista Psicologia da Criança e do Adolescente é uma revista científica multidisciplinar, que procura publicar resultados de novas pesquisas e intervenções no âmbito da Psicologia e ciências relacionadas, nestes grupos etários. Funciona como uma forma de divulgação da investigação e prática de diversos temas actuais e de elevada pertinência na área científica da Psicologia da Criança e do Adolescente. É um fórum de encontro e discussão da experiência, ideias e investigação científica fundamentais para o desenvolvimento profissional de Psicólogos, docentes, investigadores e outros profissionais, assim como discentes. A Revista envolve e integra várias abordagens e quadros teóricos, incidindo essencialmente numa perspectiva desenvolvimental e ecológica. Procuramos artigos originais, artigos de revisão, artigos de investigação aplicada, cartas ao editor, comentários e ainda estudos de caso nas áreas de Psicologia da saúde, Clínica, Educacional, Trabalho e Organizações, Criminal entre outras disciplinas que trabalhem com ou estejam envolvidas com o desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente. Assumindo-se como uma Revista multidiciplinar e interdisciplinar, promove a diversidade, internacionalidade e qualidade, o que se reflecte na aceitação de artigos de temáticas e abordagens associadas a diversas linhas de investigação e intervenção. Recebemos artigos científicos em quarto línguas: Português, Espanhol, Inglês e Francês. A Revista contempla, também, trabalhos relacionados com a intervenção, desde que devidamente fundamentada e avaliada, assim como, possui espaço para resumos de tese de mestrado e de doutoramento. De modo a promover e manter a qualidade científica dos artigos e demais colaborações, contamos com um conselho científico de investigadores Nacionais e Internacionais, especializados directamente ou indirectamente na área da Psicologia da Criança e do Adolescente e áreas associadas. O Conselho Científico realizará a revisão cega entre pares dos trabalhos submetidos e dará o seu parecer. Esta revista é oficialmente publicada pelo Instituto de Psicologia e Ciências de Educação/ Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Lusíada de Lisboa e pelo Centro de Investigação em Psicologia para o Desenvolvimento

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

9


(CIPD). Propõe ser uma publicação semestral, publica números de carácter genérico e, periodicamente, números de carácter temático. A Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente pode ser adquirida através de assinatura, pretende estabelecer um sistema de permuta com um elevado número de revistas nacionais e internacionais. Até ao presente número, a Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente tinha o “Número” como organizador dos vários grupos de contribuições/artigos. Contudo, a tipologia de organização das revistas mais consensual é uma tipologia com dois níveis: a categoria do “conjunto de artigos publicado num ano - Volume” e “conjunto de artigos agrupados no mesmo produto editado – Número”. Desta forma, o conjunto de artigos publicados ao longo de um ano tem a denominação de “Volume”, ao passo que o conjunto de contribuições publicado num determinado momento tem a denominação de “Número”. A distribuição que cada revista faz da edição de conjuntos de contribuições (Números) ao longo do ano define a sua “periocidade”. Assim, existem revistas anuais (concentram a edição de todas as contribuições/artigos num único momento anual), semestrais (publicam de 6 em seis meses), quadrimestrais, trimestrais, bi-semestrais e mensais (publicam todos os meses). A tipologia de organização adoptada tem implicações ao nível da identificação das contribuições (incluindo para as citações das mesmas). Com o objectivo de alinhar a sua organização com a vigente na generalidade das revistas científicas da sua área científica, a Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente passa a adoptar a tipologia de “Volume” e Número”. Assim, e uma vez que este é o quarto ano de publicação da revista, o Volume do ano de 2014 é Volume 5. Pelo facto de ser uma revista semestral, o conjunto de contribuições publicados no 1º semestre denomina-se Número 1 e o conjunto de contribuições publicado no 2º semestre denomina-se de Número 2. O presente número da revista resulta das contribuições das comunicações apresentadas no IV Congresso Internacional de Psicologia da Criança e do Adolescente por investigadores relevantes ao nível nacional e internacional. Os trabalhos apresentados estão organizados em Tertúlia de abertura, Estudos Empíricos, Estudos de Caso e Ensaios e Projectos. Reflectem, assim, a riqueza e o caracter multidisciplinar da investigação e intervenção no âmbito da neuropsicologia e áreas associadas. Considera-se um importante contributo para a o conhecimento e apresenta implicações para a prática nestes domínios.

10

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Introductory Note The Journal of Child and Adolescent Psychology is a multidisciplinary scientific journal that aims to publish the results of new research and interventions in psychology and related sciences, in these age groups. It serves as a dissemination vehicle of research and practice on several current subjects of high relevance in the scientific areas related to Child and Adolescent Psychology. It is a forum to meet and discuss experience, ideas and research, fundamental to the professional development of psychologists, teachers, researchers and other professionals, as well as students. The Journal involves and integrates various approaches and theoretical frameworks, focusing mainly on an ecological and developmental perspective. We seek original articles, review articles, articles of applied research, letters to the editor, comments, and also case studies in the areas of Health Psychology, Clinical, Education, Work and Organizations, Criminal and other disciplines that work with or are involved with child and adolescent psychosocial development. Assuming itself as a multidisciplinary and interdisciplinary Journal, it promotes diversity, internationality and quality, which is reflected in the acceptance of article topics and approaches associated to different lines of research and intervention. We accept papers in four languages: Portuguese, Spanish, English and French. The Journal also envisages work on intervention, if properly justified and evaluated, as well as space for summaries of master’s thesis and doctoral programs. To promote and maintain the quality of scientific articles and other contributions, we have a scientific advisory board of national and international researchers who are specialized directly or indirectly in Child and Adolescent Psychology and related areas. The Scientific Council will hold a blind peer review on the submitted papers and give its opinion. This journal is officially published by the Institute of Psychology and Educational Sciences/Faculty of Humanities and Social Sciences of the Universidade Lusíada in Lisbon and by Research Center Psychology for the Development (CIPD). It has a biannual publication, publishing generic issues and, periodically, theme issues.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

11


The Journal of Child and Adolescent Psychology may be purchased by subscription, and will establish an exchange system with a large number of national and international journals. Up until now, the Journal of Child and Adolescent Psychology had the “number” as the organizer of all contributions/articles. However, the most consensual organization for scientific journals has two levels: the “set of articles published in a year – Volume” and “set of articles grouped in the same edited product – Number”. This way, the set of articles published through out a year is called Volume, and the set of articles published in a certain moment of the year has a certain number. The distribution that each journal makes of all the articles in a year defines its periodicity. Therefore, there are annual journals (with all the articles edited in one moment of the year), semiannual (published every 6 months), every four months (quarterly), every trimester, every two months and monthly. The adopted organization has implications in terms of the contributions, even for their citation. With the aim of aligning its organization with the one used by most of the scientific journals of our scientific area, the Journal of Child and Adolescent Psychology is adopting the Volume and Number typology. Since this is the fourth year that the Journal is published, the Volume of the year 2014 is Volume 5. Due to the fact that it is a semiannual Journal, the set of articles published in the 1st semester will be part of Number 1 and the set of articles published in the 2nd semester will be part of number 2. The present issue of the Journal is a result of the communications presented at the IV International Congress of Child and Adolescent Psychology by national and international relevant researchers. The presented works are organized into Opening Debate, Empirical Studies, Case Studies and Essays and Projects. This way, they present the richness and multidisciplinary character of research and intervention in the areas of neuropsychology and associated areas. We consider this to be an important contribution for knowledge and practical implications in these areas.

12

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


tertúlia de abertura: O envelhecimento activo e saudável começa na infância, ou mesmo antes: sinergias transdisciplinares opening debate: Na active and healthy aging starts in childhood or even before: transdisciplinar synergies Margarida Gaspar de Matos

Profª Catedrática da UL e CMDT (MGM)

Francisco George

Diretor Geral da Saúde (FG)

Telmo Baptista

Bastonário da Ordem dos Psicólogos (TB)

Pedro Cunha

Sub Director Geral da Educação (PC)

Alexandra Bento

Bastonária da Ordem dos Nutricionistas (AB)

Arminda Monteiro

Representante do Bastonário da Ordem dos Enfermeiros (AM)

Rita Saramago

Direção do Grupo de Interesse de Fisioterapia em Pediatria da Associação Portuguesa Fisioterapeutas (RS)

Contacto para Correspondência: margaridagaspar@netcabo.pt

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

13


Margarida Matos, Francisco George, Telmo Baptista, Pedro Cunha, Alexandra Bento, Arminda Monteiro e Rita Saramago

Resumo: O Projecto RICHE (www.childhealthresearch.eu ) pretendeu a criação de uma plataforma que organiza conhecimentos e práticas na área da saúde das crianças e dos adolescentes através da identificação 1) de uma taxonomia, 2) de lacunas no conhecimento, na investigação e nas práticas, 3) das trajectórias (roadmaps) para o futuro. Como conclusões finais deste documento, apresentado publicamente em Maio 2013 em Dublin (http://child2025.eu) e que pretende influenciar as políticas públicas no espaço europeu, sublinham-se algumas ideias que se põem aqui em debate: 1. O envelhecimento activo e saudável começa na infância ou mesmo antes do nascimento. 2. A abordagem da infância e da adolescência têm de se situar num espaço transdisciplinar. 3. As intervenções nesta área carecem de avaliação e validação sistemáticas 4. As crianças e jovens devem ter uma voz e ser considerados “parceiros” neste processo: está em causa a sua saúde e bem-estar físico e mental. Abstract: The project RICHE has the aim of creating a platform that organizes knowledge and practices in the child and adolescent health care area through the identification of 1) taxonomy, 2) gaps in knowledge, research and practice, 3) roadmaps for the future. The final conclusions of this document, publically presented in May 2013 in Dublin (http://child2025.eu), which aim to influence public policies in Europe, highlight some of the ideas debated in this article: 1. An active and healthy aging start in childhood or even before birth. 2. A childhood and adolescent approach must be transdisciplinary. 3. Interventions in this area lack systematic evaluations and validations. 4. Children and adolescents must be considered ‘partners’ in the process: it is their mental and physical health and wellbeing. Tertúlia Personagens de renome em várias áreas do conhecimento e da intervenção reflectem e, partilham a sua visão sobre estas questões: (MGM) Qual o papel do sector que representam na identificação de problemáticas e na intervenção, com crianças, adolescentes e jovens. (PC) A Educação está fortemente comprometida, desde logo por força da Lei de Bases do Sistema Educativo, com a garantia do desenvolvimento equilibrado de todas as potencialidades das crianças e jovens. A ênfase tem sido progressivamente colocada na prevenção, na intervenção atempada e na partilha

14

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Tertúlia de abertura: O envelhecimento activo e saudável começa na infância ..., pp. 13-25

de responsabilidades e de saberes. São bons exemplos: o forte investimento do MEC no SNIPI, nas CPCJ, as parcerias estabelecidas com Centros de Recursos para a Inclusão e o trabalho desenvolvido pelas escolas no âmbito dos serviços de psicologia e orientação, bem como dos projetos de educação e promoção da saúde. Em todos eles milhares educadores, professores e técnicos trabalham diariamente, quer na identificação de problemáticas, quer na intervenção com crianças, adolescentes e jovens. (AB) A ingestão alimentar da grávida influência o estado nutricional do feto, bem como o seu desenvolvimento. Além disso, sabe-se que ainda que o feto tem a capacidade de reconhecer os sabores voláteis da alimentação materna, o que se poderá traduzir em níveis de aceitação superiores destes alimentos aquando da introdução dos alimentos. Os hábitos alimentares adquiridos na infância são cruciais para a sua perpetuação ao longo da vida, pelo que é fundamental a promoção de hábitos alimentares adequados e saudáveis desde tenra idade. Na infância e adolescência verifica-se um aumento do desenvolvimento psicomotor, com um aumento das necessidades nutricionais, induzindo a uma adequação da alimentação às necessidades nutricionais. Vários são os fatores influenciadores dos hábitos e ingestão alimentar das crianças e dos adolescentes. Desde logo, o ambiente familiar, especialmente a educação parental, as tendências sociais, os pares, a doença, o ambiente escolar e os órgãos de comunicação social. Igualmente, vários são os estudos que têm evidenciado que os hábitos alimentares na infância e adolescência influenciam a saúde futura destes, sendo que por exemplo crianças com excesso de peso e obesidade poderão ser adultos com esta patologia.Neste sentido, o nutricionista enquanto profissional de saúde na área da alimentação e nutrição, assume um papel relevante na promoção da saúde de crianças e adolescentes e na prevenção de doenças. O nutricionista integra e aplica os princípios derivados da biologia, fisiologia, das ciências sociais e comportamentais e aqueles provenientes das ciências da nutrição, alimentação, gestão e comunicação para atingir e manter ao melhor nível o estado de saúde dos indivíduos. (AM) A Enfermagem é a profissão que, na área da saúde, tem como objetivo prestar cuidados de enfermagem ao ser humano, são ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele está integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-os a atingir a sua máxima capacidade funcional tão rapidamente quanto possível. O Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica trabalha em parceria com a criança e família/pessoa significativa, em qualquer contexto em que ela se encontre (em hospitais, cuidados continuados, centros de saúde, escola, comunidade, casa, …)., para promover o mais elevado estado de saúde possível, presta cuidados à criança saudável ou doente e proporciona educação para a saúde assim como identifica e mobiliza recursos de suporte à família/pessoa significativa. São áreas

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

15


Margarida Matos, Francisco George, Telmo Baptista, Pedro Cunha, Alexandra Bento, Arminda Monteiro e Rita Saramago

de actuação particular a avaliação e promoção do crescimento e desenvolvimento da criança e do jovem, com orientação antecipatória às famílias para a maximização do potencial de desenvolvimento infantil; a gestão do bem-estar da criança; a detecção precoce e encaminhamento de situações que possam afectar negativamente a vida ou qualidade de vida, nomeadamente comportamentos de risco, suicídio, violência e gravidez; a promoção da auto-estima do adolescente e a sua progressiva responsabilização pelas escolhas relativas à saúde. Dentre os profissionais de saúde os enfermeiros são os que têm maior frequência de contactos com as crianças e seus cuidadores. Uma das competências específicas dos Enfermeiros Especialistas que cuidam da Saúde das Crianças e dos Jovens consiste em assistir a criança/ jovem com a família, na maximização da sua saúde e prestar cuidados específicos em resposta às necessidades do ciclo de vida e de desenvolvimento da criança e do jovem. Na prossecução deste desígnio o enfermeiro procura sistematicamente oportunidades para trabalhar com a família e a criança/jovem no sentido da adopção de comportamentos potenciadores de saúde e estabelece e mantém redes de recursos comunitários de suporte à criança/família com necessidades de cuidados. No âmbito da saúde escolar colabora nos programas de saúde escolar no que diz respeito à promoção de comportamento saudáveis e prevenção de riscos e apoia os agentes educativos na inclusão de crianças e jovens com necessidades de saúde e educativas especiais. Também promove a auto-estima do adolescente e a sua autodeterminação nas escolhas relativas à saúde, identifica os estádios do processo de mudança na adopção de comportamentos saudáveis, reforça a tomada de decisão responsável e negoceia contratos de saúde com o adolescente. A Promoção do crescimento e do desenvolvimento infantil, são aspectos fundamentais considerados como alvo prioritário da intervenção dos enfermeiros nomeadamente nas consultas de saúde infantil e juvenil que, no novo Programa Nacional tem programadas 18 consultas dos 0 -18 anos, sendo que 11 ocorrem nos 1ºs 3 anos de vida. Promover o desenvolvimento infantil é ajudar a criança em parceria com a família, na sua circunstância de vida e no seu tempo, a desenvolver-se dentro dos padrões esperados para a sua idade, respeitando o seu ritmo. A prevenção, a promoção do desenvolvimento da criança, as orientações antecipatórias às famílias para a maximização do potencial de desenvolvimento infantil nomeadamente nas áreas educativa e social, bem como a detecção de possíveis alterações e o prognóstico das crianças com alterações do desenvolvimento depende, de forma directa, da identificação e intervenção precoces nessas alterações, o que faz da avaliação do desenvolvimento parte fundamental da actuação do enfermeiro na consulta de Saúde Infantil. Desse modo, as crianças poderão receber cuidados rápidos e adequados que minimizem os prejuízos para a criança / família e os custos na saúde, favorecendo a sua qualidade de vida. Os enfermeiros têm um papel preponderante na educação e aconselhamento aos pais. A compreensão do desenvolvimento da criança, a promoção da

16

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Tertúlia de abertura: O envelhecimento activo e saudável começa na infância ..., pp. 13-25

aprendizagem parental e o potencial de desenvolvimento da criança são áreas em que os pais necessitam de apoio para empreenderem o seu papel e as suas responsabilidades (Council of Europe, 2006). De entre os profissionais de saúde, o enfermeiro tem uma posição de destaque pela proximidade com os pais e porque a parentalidade é um foco de intervenção de enfermagem (International Council of Nurses, 2005 p. 43). É do domínio do conhecimento empírico que a consistência e a constância dos cuidados parentais á criança, a adequada interacção pais-criança e a vinculação segura aos pais são factores cruciais para o desenvolvimento psíquico e social da criança, com repercussões ao longo de todo o seu ciclo de vida. Os enfermeiros intervêm avaliando e capacitando para a parentalidade positiva, fundamental nos primeiros três anos da vida da criança para aumentar a sua auto-estima e autoconfiança e facilitar o seu desenvolvimento. Durante estes anos o cérebro humano tem grande potencial para a aprendizagem e os pais têm oportunidade para optimizarem o desenvolvimento do seu filho (American Academy of Pediatrics, 2005). Pelas suas características, a sociedade atual tem originado o aparecimento crescente de perturbações emocionais e do comportamento na infância e adolescência. A consulta de vigilância de saúde Juvenil constitui uma oportunidade privilegiada na atuação de triagem, avaliação, intervenção e orientação de situações psicopatologicas e de risco. O despiste precoce destas perturbações ou situações de risco e implementação de estratégias preventivas e terapêuticas devem tornar-se numa prioridade resultando numa articulação entre consultas hospitalares, Cuidados de Saúde Primários e equipas especializadas de saúde mental. Com o objectivo da promoção da saúde e da segurança infantil e juvenil os Enfermeiros que desenvolvem a sua atividade nos cuidados de Saúde Primários, além da actuação nas Consultas de Saúde Infantil e Juvenil, promovem visitas domiciliarias para avaliar o contexto de vida da criança/ família, para identificar a qualidade da habitação, o ambiente familiar, as condições que possam ser potenciadores de risco, nomeadamente de acidentes na criança, por forma a desenvolver sinergias com outros profissionais e estruturas da comunidade para intervir na prevenção e promoção de ambientes e espaços habitacionais facilitadores do crescimento e desenvolvimento seguros. (RS) Enquanto profissional de saúde o Fisioterapeuta centra-se na análise e avaliação do movimento e da postura, baseadas na estrutura e função do corpo, utilizando modalidades educativas e terapêuticas específicas, com base, essencialmente, no movimento, nas terapias manipulativas e em meios físicos e naturais, com a finalidade de promoção da saúde e prevenção da doença, da deficiência, de incapacidade e da inadaptação e de tratar, habilitar ou reabilitar indivíduos com disfunções de natureza física, mental, de desenvolvimento ou outras, incluindo a dor, com o objetivo de os ajudar a atingir a máxima funcionalidade e qualidade de vida. No exercício das suas funções o Ft. atua em

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

17


Margarida Matos, Francisco George, Telmo Baptista, Pedro Cunha, Alexandra Bento, Arminda Monteiro e Rita Saramago

conformidade com a indicação clínica, pré-diagnóstico, diagnóstico e processo de investigação ou identificação, cabendo-lhes conceber, planear, organizar, aplicar e avaliar o processo de trabalho no âmbito da respetiva profissão, com o objetivo da promoção da saúde, da prevenção, do diagnóstico, do tratamento, da reabilitação e da reinserção. A Fisioterapia Pediátrica é uma área de intervenção que requer conhecimentos e práticas específicas. Assume um papel fundamental no desenvolvimento infantil pela sua intervenção direta com crianças com atraso de desenvolvimento ou com patologias estabelecidas, no aumento da sua participação, mobilidade, autonomia e qualidade de vida, bem como na identificação e redução de barreiras ambientais/arquitetónicas que condicionem estes aspetos. Uma premissa da Fisioterapia Pediátrica é ter os pais/responsáveis destas crianças como parceiros da intervenção, implicando-os assim em todo o processo, o que se revela uma mais-valia para a continuidade da intervenção direta, assegurando assim uma maior eficácia. Tomando como exemplo uma das situações de risco de atraso de desenvolvimento, concretamente o caso dos bebés prematuros, a intervenção da FT na UCIN é indispensável, não só na resolução/diminuição de situações problema imediatas, concretamente no foro cardiorrespiratório, mas ainda com a utilização e disseminação de posicionamentos específicos como estratégia de intervenção promotora do desenvolvimento. Neste contexto é ainda competência do Ft trabalhar em parceria com a família no sentido de promover ou aumentar a vinculação com o bebé prematuro, através do ensino do toque e do handling. Após a alta hospitalar a continuidade da intervenção da FT é também recomendada e, frequentemente indispensável para a continuidade da estimulação do desenvolvimento mais adequado do bebé. Na intervenção com bebés, crianças mais velhas e jovens com situações neuromusculares, músculo-esqueléticas, cardiorrespiratórias ou tegumentárias, o Ft atua individualmente ou em grupo, utilizando técnicas específicas, tais como a facilitação do movimento, o treino de controlo postural, o fortalecimento muscular, a correção postural ou o treino de marcha. Esta intervenção pode ser realizada em diferentes contextos: hospitalar, centro de reabilitação, no domicílio, em contexto educativo (creche, JI, escola), em meio aquático, entre outros. O contributo do Ft centra-se na convicção de que os hábitos se criam desde pequenino, nas várias dimensões, nomeadamente no movimento, sendo que é este o enfoque da nossa atuação. Assim e atuando com base numa avaliação específica de cada criança/jovem e seus dos contextos de vida significativos, respeitando as suas prioridades e preferências/interesses, o Ft facilita a sua habilitação/reabilitação funcional, promovendo a sua participação ativa na sociedade, promovendo um envelhecimento mais harmonioso, com menos limitações. (MGM) De que modo um trabalho trans sectorial pode ser operacionalizado? (PC) Existem muito boas experiências no terreno. Para as tornar mais

18

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Tertúlia de abertura: O envelhecimento activo e saudável começa na infância ..., pp. 13-25

eficazes seria importante aprofundar o grau de especialização de cada uma das intervenções, numa lógica de subsidiariedade; garantir um maior equilíbrio na constituição e disponibilidade de tempo nas equipas e grupos de trabalho transdisciplinares; incluir a voz das crianças e jovens (e seus representantes legais) também na definição das estratégias macro e, finalmente, tornar mais precoce a nossa intervenção precoce. (AB) Atendendo, a que uma equipa de cuidados de saúde multidisciplinar pode ser definida como uma parceria entre profissionais de saúde de diferentes áreas, dentro e fora do setor da saúde e da comunidade, com o objetivo de providenciar qualidade contínua, abrangente e eficiente dos serviços de saúde, então nesta equipa o nutricionista deverá ser o ator da saúde através da alimentação, nesta parceria. São vários os exemplos de ganhos em saúde com a atuação de uma equipa multiprofissional. Na diabetes programas de gestão da doença permitem uma maior eficácia do tratamento individual no autocontrolo da doença e consequentemente melhor controlo da doença poderá induzir a diminuição dos custos nos cuidados de saúde. Apesar da estrutura clínica poder fornecer serviços diferenciados é a interação e coesão entre os elementos das diferentes equipas que acrescenta valor ao cuidado multidisciplinar. Também na doença renal são evidenciados programas de melhoria da qualidade com equipas multidisciplinares, onde a presença de um nutricionista é fundamental para a melhoria da qualidade dos serviços prestados nomeadamente aos doentes dialisados. Já na obesidade, que é uma doença multifatorial, estudos indicam que as equipas multidisciplinares com nutricionista, enfermeiro, médico, psicólogo, promotor de atividade física, entre outros, são fundamentais para o sucesso da terapia da criança obesa. (AM) O Artº 91º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros refere que os enfermeiros devem “Trabalhar em articulação com os restantes profissionais de saúde colaborando, nas decisões…sobre a promoção, a prevenção da doença, o tratamento e a recuperação”. A abordagem transdisciplinar sendo mais do que uma forma de organização de equipa, permite ultrapassar as limitações de cada formação disciplinar específica e ir ao encontro da criança complexa, mas una, e do seu contexto. Rentabiliza a ação dos profissionais e desenvolve sinergias nas diferentes equipas, com as famílias e a própria comunidade, no sentido de assegurar e otimizar a vigilância adequada da saúde das crianças e jovens. A utilização desta abordagem pode ser concretizada nos domínios da detecção, avaliação, intervenção e acompanhamento das crianças/jovens. No nosso entender para a operacionalização de um trabalho transectorial será necessário que em primeiro lugar se estabeleçam as prioridades de intervenção nas problemáticas que actualmente se colocam à saúde e segurança das crianças e jovens, o que deverá ser feito envolvendo os diferentes profissionais

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

19


Margarida Matos, Francisco George, Telmo Baptista, Pedro Cunha, Alexandra Bento, Arminda Monteiro e Rita Saramago

que trabalham com crianças e jovens nos diferentes contextos onde vivem e se desenvolvem. Também nos parece indispensável a criação nas estruturas da comunidade de grupos/comissões ou núcleos multidisciplinares com profissionais de referência de cada área que tomariam à sua responsabilidade o trabalho a realizar numa perspectiva transdisciplinar, impulsionando nos diferentes contextos os elementos necessários para a concretização dos objectivos a atingir. Por ex. Criar GRUPO para a Promoção de relações afectivas saudáveis na adolescência, envolver agrupamento escolar/ agrupamento C Saúde/ Instituições de Ensino superior – constituido por diferentes pessoas: dos Agrupamentos escolares alunos, professores, educadores, psicologos, outros conforme a temática; dos Agrupamentos dos Centro Saúde – médicos, enfermeiros, psicologos, outros consoante a temática e das Instituições do Ensino Superior para colaboração na investigação (diagnostico, intervenção e avaliação de custo/beneficio) e consultadoria. Nos CS Primários nas Consultas de vigilância de Saúde infantil e juvenil, a actuação do enfermeiro, nomeadamente do Enfº Especialista em saúde infantil e pediátrica deverá ser uma mais-valia pelas competências que detêm na avaliação do desenvolvimento das crianças nas “idade chave”, na detecção precoce de sinais de alarme e na orientação e capacitação dos pais para comportamentos promotores do desenvolvimento da criança. Esta actuação deve inserir-se num trabalho de equipa em que no caso de risco eminente ou problema, o enfermeiro referenciará a criança/família para um nível de acordo com protocolos previamente definidos. No caso das crianças com doença crónica ou com necessidades especiais de cuidados, para um trabalho trans sectorial eficaz, torna-se emergente uma operacionalização eficaz dos sistemas já existentes, que permita uma articulação eficiente entre os Cuidados Saúde Primários e Secundários/Terciários nomeadamente através das Unidades Coordenadoras Funcionais Neonatais e as Unidades Coordenadoras Funcionais de Pediatria que necessitam ainda de se desenvolver de modo a poderem constituir-se como um efectivo elo de ligação e continuidade de intervenção dos vários serviços. A eficiente operacionalização das UCF pediátricas permitiriam que em tempo real fossem referenciadas ao CS primários as crianças com necessidades especiais, ex. Criança com diagnóstico de diabetes 1 que precisa de intervenção do enfermeiro de Saúde escolar para educação e capacitação dos educadores/professores e assistentes operacionais para o cuidado da criança na escola promovendo deste modo a sua integração, continuidade terapêutica e o pleno desenvolvimento. (RS) A ciência do desenvolvimento da criança tem crescido consideravelmente nas décadas recentes. Este conhecimento em atualização contínua tem tido contributos de uma diversidade de disciplinas académicas, entre as quais a psicologia, a antropologia, a sociologia ou as neurociências.

20

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Tertúlia de abertura: O envelhecimento activo e saudável começa na infância ..., pp. 13-25

Embora muito do conhecimento atual das raízes precoces do desenvolvimento humano seja derivado das ciências sociais, uma recente onda de interesse na biologia do desenvolvimento cerebral e a medida em que este é influenciado pelas experiências individuais, tem sublinhado a necessidade de uma avaliação reflexiva e interdisciplinar daquilo que sabemos e de como o podemos aplicar construtivamente. (Meisels e Shonkoff, 2000. Early Childhood Intervention: A Continuing Evolution. In Meisels, S. J. e Shonkoff, J. P. (Edts.) Handbook of Early Intervention – 2nd Edition: 3-31) O trabalho em equipa é uma prática comum para os Fts, na maioria dos contextos profissionais em que desempenha a sua atividade, seja integrado em equipas multiprofissionais de saúde ou em equipas multidisciplinares, como, a título de exemplo, na intervenção na comunidade escolar com crianças com Necessidades Especiais, onde o Ft. é um elemento fundamental para estabelecer a ponte entre a Educação e a Reabilitação. Além do apoio terapêutico individual prestado aos alunos, é na passagem de informação da importância do handling, dos posicionamentos corretos e na sua variação ao longo do dia, da utilização adequada dos Produtos de Apoio, do valorizar as capacidades e não as incapacidades que está o seu papel fundamental: o de partilhar e fomentar estas atitudes que levam ao objetivo último da sua intervenção: o aumento da funcionalidade, da participação e a melhoria da qualidade de vida destas crianças. (MGM) Mas começamos por onde? Que “roadmap” para o Futuro? (PC) Já começámos. Os recentes avanços na investigação, designadamente nas neurociências, obrigaram-nos a questionar a conceção de infância e dos serviços a ela destinados. Por exemplo, a investigação sobre os “golden years”, a demonstração da capacidade e agência das crianças pequenas, do papel determinante que as oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem jogam no desenvolvimento ulterior obrigaram-nos (MEC e MSSS) a lançar as bases para a criação de orientações pedagógicas para as crianças até aos 3 anos que, independentemente de estarem ou não integradas em instituições educativas, têm o direito a beneficiar de um conjunto de experiências que hoje sabemos serem muito importantes para o seu desenvolvimento harmonioso. Estas orientações decorrerão do cruzamento dos saberes e experiências de vários setores e queremse participadas, desde logo pelos profissionais, investigadores e decisores com interesse no desenvolvimento na infância. (AB) Trabalhar as questões de alimentação e nutrição em crianças e adolescentes é inegavelmente necessário, visto o atual perfil de morbilidade e mortalidade da população, o qual indica um acréscimo das doenças crónicas não transmissíveis como a Diabetes Mellitus, a obesidade, as neoplasias, a hipertensão arterial e as hiperlipidemias, que por sua vez estão diretamente relacionadas com a alimentação e o estilo de vida da população. Atendendo a

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

21


Margarida Matos, Francisco George, Telmo Baptista, Pedro Cunha, Alexandra Bento, Arminda Monteiro e Rita Saramago

este quadro epidemiológico, a presença de nutricionistas nas equipas de saúde multidisciplinares assume-se como uma necessidade político-social relevante. Esse profissional deve complementar a equipe multiprofissional, com o objetivo de orientar a população e os equipamentos sociais, sensibilizando e promovendo mudanças dos hábitos alimentares. Além disso, a interação de nutricionistas com outros profissionais pode tornar mais efetivas as ações que visão a melhora da saúde e a qualidade de vida do indivíduo, da família, estendendo-se à comunidade, visando um trabalho com integralidade, qualidade, equidade e participação social. (AM) À ideia de criança está quase sempre associada a ideia de futuro, não é raro ouvir-se que «as crianças são os homens de amanhã». Sendo esta ideia verdade diríamos que o desafio e a urgência é, indubitavelmente, tornar a criança feliz «já», favorecer o seu crescimento e desenvolvimento nos contextos. As crianças e os adolescentes são hoje em dia reconhecidos como importantes actores da saúde pública global nomeadamente na promoção da qualidade de vida. A criança pelas suas características incontornáveis, é um ser vulnerável e temos de consagrar-lhe o maior respeito e o dever de proporcionar-lhe condições favorecedoras de um desenvolvimento global, reconhecendo os prestadores de cuidados directos como os principais promotores desse desenvolvimento. Pensamos ser necessário considerar os novos problemas que se colocam à Saúde infantil e juvenil, alguns deles embora sendo transversais a diferentes países ainda não estão identificados em Portugal, enquanto outros já estão identificados em Portugal, nomeadamente os maus tratos infantis que exigem atenção e prevenção sendo que, em 2007 e 2008, a negligência foi a forma mais prevalente e mais elevada de maus tratos no grupo etário dos 0 aos 5 anos (Alvarenga, 2008, Santos 2009). Segundo o Center for Disease Control and Prevention (2008) as crianças abusadas ou negligenciadas têm risco de desenvolverem problemas de saúde em adultos, pelo que é recomendada a promoção de competências de parentalidade positiva como estratégia de prevenção. São necessários projectos de investigação e monitorização, que pretendem ter impacto nas políticas de promoção e educação para a saúde. Torna-se necessário conhecer os comportamentos ligados à saúde e respectivos contextos e o desenvolvimento de programas. É necessária a articulação da investigação científica com a intervenção psicossocial, para construir com rigor instrumentos para auscultar e captar os sinais e indicadores do terreno onde se quer intervir. Apenas a caracterização sobre a qualidade de vida relacionada com a saúde das crianças e adolescentes tornará possível, no futuro, delinear, com mais rigor e precisão os programas de intervenção ajustados às necessidades do grupoalvo, para o desenvolvimento de boas práticas de promoção da saúde numa perspectiva desenvolvimental e ecológica. No que diz respeito às intervenções dos enfermeiros consideramos que

22

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Tertúlia de abertura: O envelhecimento activo e saudável começa na infância ..., pp. 13-25

estamos a promover o envelhecimento saudável quando: - Colaboramos em projectos de investigação e monitorização que permitam caraterizar a qualidade de vida das crianças e adolescentes e determinantes de Saúde que lhes são subjacentes - Integramos programas de intervenção decorrentes de necessidades empiricamente identificadas - Apoiamos e estimulamos o exercício adequado das responsabilidades parentais e promovemos o bem-estar familiar e em outros ambientes específicos - Promovemos o desenvolvimento pessoal e social e a autodeterminação das crianças e dos jovens, com progressiva responsabilização pelas escolhas relativas à saúde, prevenindo situações disruptivas ou de risco acrescido, promovendo a equidade do género Exemplo de programas: Promoção de parentalidade positiva com pais de crianças dos 0-3anos, através de Visita domiciliária: direccionado para os pais que vivam em condições de risco desde o periodo pré - natal até aos 3 anos de idade – objectivo: promover a parentalidade positiva, melhorar a interacção criança-pais, melhorar aos conhecimentos para a promoção de saude e para o desenvolvimento da criança, prevenir maus tratos e facilitar a otimização no uso dos recursos comunitários Em grupo, em espaço comunitário: dirigidos para mães e pais com o objectivo de permitir aos pais a construção de capital social e a aquisição de competências e atitudes de parentalidade positiva com 4 módulos - 1ºªas 6 semanas vida; até 1 ano; 1 aos 2 anos e 2 aos 3 anos. Promoção da parentalidade dirigida às mães e pais adolescentes – intervenção no espaço escolar... Campanhas de sensibilização nos órgãos de comunicação social e redes sociais dirigidas aos jovens, mostrando as consequências de comportamentos de risco nomeadamente os aditivos e sexuais e apelando à promoção de estilos de vida saudáveis e à sua importância para uma vida adulta sem problemas de saúde de modo a conseguir-se um envelhecimento activo e saudável. (RS) “O futuro de qualquer sociedade depende da sua capacidade de promover a saúde e o bem-estar da geração seguinte. Dito de uma forma mais simples, as crianças de hoje vão ser os cidadãos de amanhã, os trabalhadores e pais. Quando falhamos em dar às crianças o que elas precisam para construir fundações sólidas para a sua vida saudável e produtiva, pomos em risco o futuro da nossa prosperidade e segurança.” (National Scientific Council on the Developing Child, 2007. The Science of Early Childhood Development). O desenvolvimento infantil é um processo dinâmico e complexo, que vai determinar as capacidades e competências de cada criança na sua vida adulta. O que acontece com a criança nos primeiros anos é fundamental para a trajetória do seu percurso de vida, já

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

23


Margarida Matos, Francisco George, Telmo Baptista, Pedro Cunha, Alexandra Bento, Arminda Monteiro e Rita Saramago

que estes são cruciais para influenciar o desenvolvimento e a saúde. As suas vivências nestes primeiros anos de vida são os alicerces da sua vida futura, já que o desenvolvimento infantil – físico, emocional, social e moral, cognitivo e da linguagem influencia fortemente a saúde, a aprendizagem, o sucesso escolar e a participação ativa enquanto cidadão. Este desenvolvimento implica uma mudança, tem sempre uma dimensão temporal e nos primeiros anos de vida caracteriza-se pela progressiva aquisição de diversas competências, como por exemplo na função motora, o sentar, o gatinhar, a posição de pé e a marcha. Esta aquisição de competências está intimamente ligada à maturação do sistema nervoso central, que se iniciou ainda antes do nascimento, na vida intrauterina. O recente enfoque na intervenção até aos 3 anos como um período particularmente sensível ou crítico do desenvolvimento é problemático, não só porque é um período decisivo para o cérebro em desenvolvimento, mas porque muitas vezes começa muito tarde e acaba muito cedo. (Shonkoff e Phillips, 2000. From Neurons to Neighborhoods: The Science of Early Childhood Development) Quando existem circunstâncias que podem pôr em risco o desenvolvimento adequado da criança ou uma situação de deficiência comprovada, que se podem expressar por um atraso e/ou por uma disfunção de natureza física, cognitiva, emocional ou afetiva, com todas as consequências inerentes, o seu percurso de vida vai ser afetado pela conjugação de uma série de fatores que podem ser atenuantes ou potencializadores das dificuldades que daí advêm. Assim, quanto mais cedo se intervir, menor será o dano ou a sequela e mais adequado o desenvolvimento da criança, o que implica uma atuação transdisciplinar e concertada dos serviços de saúde, educação e proteção social. Esta abordagem ao longo da vida irá conduzir a uma utilização mais eficiente e eficaz dos recursos. (MGM) Em síntese sublinhámos a necessidade das intervenções serem relevantes, atempadas, ajustadas, articuladas e seguras nesta idade pediátrica. Defendeu-se que as crianças são um investimento social, cultural e económico para o país, assegurando a sua sobrevivência nacional. Lamentou-se a falta de “ memória das instituições” e o modo como tal prejudica o progresso. Reflectiu-se ainda sobre o que é o espaço pluridisciplinar: não pode ser “ todos saberem o saber dos outros”, mas “ todos terem consciência do que os outros sabem” Em Promoção da saúde as populações alvo são ao mesmo tempo consumidores e produtores (“proconsumidores”) tendo por isso também de ser consideradas parceiras. Por outro lado a estimulação tem na infância o papel da participação na adolescência e em ambos os casos se as intervenções não são atempadas, perdemse períodos férteis em termos de capacidade de mudança e de escolhas saudáveis. Sublinhou-se a importância de incluir os pais nas parcerias em saúde e a importância dos contextos sociais na possibilidade de escolhas saudáveis.

24

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Tertúlia de abertura: O envelhecimento activo e saudável começa na infância ..., pp. 13-25

Falou-se do peso de doença crónica e em como uma promoção da saúde precoce, com parceria das famílias, pode aliviar o peso social, económico e em termos de qualidade de vida dos cidadãos Falou-se na necessidade de abordar a promoção da saúde pela positiva, por um lado indirectamente através do robustecimento da coesão social e das redes sociais de apoio, por outro lado através da promoção de competências pessoais e sociais tais como a auto-regulação, a resiliência, a comunicação interpessoal, a resolução de problemas e a tomada de decisões. Discutiu-se o custo do trabalho em equipa, balanceado pelos custos da inacção. Sublinhou-se a importância dos circuitos de comunicação e de gestão de poder nas equipas pluridisciplinares. Reflectiu-se por fim da necessidade de avaliar o estado da arte e as intervenções de modo sistemático, estimando o respectivo custo-benefício.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

25



Estudos EmpĂ­ricos/Empirical studies



Neurobehavioral profile of healthy term newborns according to the Neonatal Behavioral Assessment Scale Perfil neurocomportamental de neonatos saudáveis nascidos a termo na escala Neonatal Behavioral Assessment Scale Mariana Richartz

Universidade Federal do Paraná

Sérgio A. Antoniuk

Doutor em Pediatria pela Universidade Federal do Paraná; Professor adjunto do Departamento de Pediatria da UFPR; Coordenador do Centro de Neuropediatria (CENEP/HC) da UFPR

Maria Augusta Bolsanello

Pós doutora pela universidade de Murcia, Espanha; Professora Associada do Setor de Educação, da Universidade Federal do Paraná; Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Atenção e Estimulação Precoce de Bebês (LABEBÊ)

Contacto para correspondência: Avenida Getúlio Vargas 2766, ap. 401. Bairro Água Verde. Curitiba-PR, Brasil. CEP 80.240-040 marianarichartz@yahoo.com.br

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

29


Mariana Richartz, Sérgio A. Antoniuk e Maria Augusta Bolsanello

This study was conducted in Curitiba, Paraná, Brazil. There is no conflict of interest to declare. Abstract: Objective: To describe the responses of healthy full-term Brazilian neonates in the Neonatal Behavioral Assessment Scale (NBAS), comparing the results to the current literature. Methods: In a cross-sectional study, 36 newborns, aged 1 to 3 days, were assessed using the NBAS. Results: The means of the behavioral items were in accordance with data reported by other studies, except for the Orientation cluster, which presented lower values. Boys presented significantly higher scores than girls in three items (pull-to-sit, hand-to-mouth and rapidity of build-up), which may indicate a better motor control. The NBAS showed good internal consistency regarding Orientation, Habituation and Regulation clusters (Cronbach´s alpha 0.94, 0.86 and 0.73, respectively). The reflex items indicate variability in the responses of healthy neonates, with hipoactivity in walking, placing, incurvation, crawling and tonic neck deviation. Conclusion: The present study contributed to an initial description of Brazilian neonates´ profile in the NBAS. Researches with larger samples are suggested. Key-words: Infant, newborn; Infant behavior; Neurologic examination; Neonatal screening; Neuropsychological Tests. Resumo: Objectivo: Descrever as respostas de neonatos saudáveis nascidos a termo na Neonatal Behavioral Assessment Scale (NBAS), comparando os resultados aos achados da literatura atual. Método: Em um estudo transversal, 36 neonatos de 1 a 3 dias de vida foram avaliados com a NBAS. Resultados: As médias dos itens comportamentais foram semelhantes aos dados relatados por outros estudos, com exceção do grupo Orientação, que apresentou médias menores. Os meninos apresentaram escores significativamente maiores que as meninas em três itens (puxar-para-sentar, habilidade mão-boca e rapidez de recomposição), o que pode indicar um melhor controle. Foi identificada boa consistência interna para os grupos Orientação, Habituação e Regulação (alfa de Cronbach de 0,94, 0,86 e 0,73, respectivamente). Os itens de reflexos indicam variabilidade nas respostas, com alguma hipoatividade em marcha reflexa, apoio plantar, encurvatura, engatinhar reflexo e desvio tônico do pescoço. CONCLUSÃO: O estudo contribuiu para uma melhor descrição das repostas de neonatos brasileiros na NBAS. Sugerem-se pesquisas com amostras maiores. Palavras-chave: Recém-nascido; Comportamento do Lactente; Exame Neurológico; Triagem Neonatal; Testes Neuropsicológicos.

30

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neurobehavioral profile of healthy term newborns according to the Neonatal ..., pp. 29-40

Introduction A global and comprehensive assessment of the newborn should include neurologic and behavioral examination. This should occur in a ludic and affective environment so that the baby can demonstrate all his potential. In general, the neurobehavioral assessment of the full- term neonate considers the following items: visual orientation and motor reactions, auditory orientation, level of attention, habituation, interaction with the environment, posture, spontaneous and elicited motor activity, muscle tone, trofism, reflexes, sleep, alertness, crying, excitability and skull characteristics (Moura-Ribeiro, 2010). In terms of neurobehavioral assessment, The Neonatal Behavioral Assessment Scale or NBAS (Brazelton & Nugent, 1995), originally published in 1973 by Terry B. Brazelton, is an interesting instrument for examining infants between birth and two months of life. It is used internationally and it is composed of different clusters, each one assessing a specific aspect of the child development, such as the central nervous system, the motor control, the level of consciousness and the interaction with the environment. It is an appropriate tool for detecting infant´s strengths and difficulties, in different areas, being considered a reliable instrument. It is important to point out that the development of instruments for neonatal neurobehavioral examination is relatively recent (El-Dib, Massaro, & Glass, 2011) and that Brazilian literature lacks researches about the neurobehavioral patterns of the newborn. In this context, the aim of this study was to describe the performance of full-term neonates in the first week of life using the NBAS, to compare the responses of boys and girls in relation to behavioral aspects and to analyze the internal consistency of the scale concerning the behavioral items. Finally, the study aimed to compare the results to the findings reported by researches of similar methods. Methods Participants The sample consisted of 36 healthy full-term (37 to 42 weeks of gestational age) neonates within days 1 and 3 of life, recruited in the maternity Victor Ferreira do Amaral (Curitiba, Paraná), which is part of Federal University of Paraná. Inclusion criteria were adequate weight and length of gestational age according to curves of the native population, requirement of routine post natal care only and consent of the parents. The following conditions were exclusion criteria: any neonatal pathology, high-risk pregnancy or Apgar score lower than 7 at 5 minutes. Participants were recruited by convenience sampling, according to the examiner´s availability to carry out the evaluations.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

31


Mariana Richartz, Sérgio A. Antoniuk e Maria Augusta Bolsanello

Instruments Medical records were used to obtain information about pregnancy, labor, mother´s health and child´s health. A structured questionnaire was used to conduct an interview with each mother in order to collect data about family income and education. All newborns were evaluated with the third edition of the NBAS (Brazelton & Nugent, 1995), which is composed of 27 behavioral items and 18 reflex items. The behavioral items are grouped into 6 clusters: Habituation (response decrement to light, response decrement to rattle, response decrement to bell; response decrement to tactile stimulation of the foot ); Orientation (orientation inanimate visual, orientation inanimate auditory, orientation inanimate visual and auditory, orientation animate visual, orientation animate auditory, orientation animate visual and auditory, alertness); Motor System (general tonus, motor maturity, pull-to-sit, defensive movements ; activity level); Autonomic Stability (tremulousness, startles, lability of skin color); Range of State (peak of excitement, rapidity of build-up, irritability and lability of State); and Regulation of State (cuddliness, consolability, self-quieting and hand-to-mouth). These items are scored in a linear scale, from one to nine. There are, however, nine items that are first scored in a curvilinear scale and then are recoded as linear on a 5, 6 or 8 point- scale. This way, a higher score always indicates a better performance. The reflex items are graded in a four -point scale, from 0 to 3 (meaning absence of response, hypoactive response, normal response and hyperactive response, in this sequence). For some items (ankle clonus, tonic neck reflex and nystagmus) scores 0 and 1 are considered normal. The manual offers a detailed description for scoring each behavioral and reflex item. Procedures This was an observational cross-sectional study approved by the Ethics Committee of Federal University of Paraná and by the director of the Maternity. Written consent was obtained from the parents after they were informed about the objectives and the procedures of the study. They were also invited to observe the examination and received a verbal feedback about the infant´s behavior. Each subject was assessed individually according to the standard conditions recommended by the NBAS´s manual: the newborn had to be between two feedings, in a calm room, and without any recent invasive procedure. One of the authors received a specific training for administering the scale. For the administration of some items the neonate must be in a specific state, such as sleep. Therefore, not all subjects were evaluated in every item of the scale. Statistical analysis was carried out using SPSS program (Statistical Package for the Social Sciences). Three of the 27 behavioral items (alertness, irritability and liability of states) were excluded from the analysis because they could only be administered for

32

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neurobehavioral profile of healthy term newborns according to the Neonatal ..., pp. 29-40

few subjects. The participants received a score for each behavioral item and also received a general score for each cluster. This general score was calculated using the arithmetic mean of the items. Measures of mean, median and standard deviation were calculated for the behavioral items individually and for the clusters. The means for boys and girls were compared using the non-parametric test Mann-Whitey U. Difference was considered statistically significant if p was < or = 0.05. The internal consistency of the behavioral items was measured using the Cronbach´s alpha coefficient. The analysis was made for the clusters in order to establish a better understanding of each area of the scale. Considering that some items were not included in the analysis and having the objective of not creating inappropriate interpretation, the measures of general score and/ or Cronbach´s alpha coefficient were not calculated for some of the clusters. The reflex items were analyzed as categorical variables. The sample was distributed according to the score (0, 1, 2 or 3) for each item. Results Description of the sample With regard to the sample, 69.4% of the 36 infants were girls and 61.1% were born of vaginal delivery. In relation to the Apgar, 94.4% scored 9 or 10 at minute 1, whereas all of the subjects had one of these scores at minute 5. With respect to the mothers, 47.7% were primipara, 36.1% initiated the elementary school and 25% completed it. Thirty three point three percent started or completed the secondary school. Among the fathers, 42.9% initiated or completed the elementary school and 54.3% the secondary school. The description of postnatal age, birth weight, birth length, head circumference, gestational age, mother´s and father´s age and family income are presented in table 01. Table 1. Description of the sample Description of the sample Variable

Mean

Standard deviation

Median

Age (hours)

45,53

7,06

44,00

Birth weight (grams)

3.104,44

506,85

3.185,00

Length (cm)

48,59

2,25

48,75

Head circumference (cm)

34,07

1,38

34,00

Gestational age – ultrasound (weeks)

39,51

1,02

40,00

Mother´s age (years)

22,25

5,72

21,50

Father´s age (years)

25,18

6,21

24,00

Family income (reais)

1.295,15

697,97

1000,00

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

33


Mariana Richartz, Sérgio A. Antoniuk e Maria Augusta Bolsanello

Behavioral items The results of each cluster (mean and standard deviation of the general score) and of the individual items are presented in table 02. Table 2. Means, standard deviations and medians of the sample in the behavioral items of the NBAS Means, standard deviations and medians of the sample in the behavioral items of the NBAS Cluster

Item

n

Mean

Standard deviation

Median

Habituation

Response decrement to light

28

7,39

1,73

8,00

Response decrement to rattle

28

6,71

2,42

7,50

Response decrement to bell

26

7,35

2,23

8,00

Response decrement to tactile stimulation – foot

21

7,33

2,27

8,00

M=7,53 / SD = 1,66**

Orientation

Orientation inanimate visual

21

4,86

1,88

5,00

Orientation inanimate auditory

21

5,43

1,57

5,00

Orientation inanimate visual and auditory

21

4,76

1,76

5,00

Orientation animate visual

21

4,86

1,59

5,00

Orientation animate auditory

21

4,81

1,03

4,00

Orientation animate visual and auditory

21

4,86

1,65

5,00

Motor System

General tonus*

24

5,79

0,51

5,00

Motor maturity

23

5,35

0,57

5,00

Pull-to-sit

22

5,09

1,19

5,00

Defensive movements

24

5,71

2,01

7,00

Activity level*

21

3,9

0,94

4,00

Range of State

Peak of excitement*

26

3.46

0,99

4,00

Rapidity of Build-up*

26

4,46

1,65

4,00

Regulation of state

Cuddliness

23

6,83

1,37

7,00

M=6,24/ SD=1,27

Consolability

28

4,93

1,86

5,00

Self-quieting

28

5,57

2,25

6,00

Hand-to-mouth

28

6,61

1,78

7,00

Autonomic Stability

Tremulousness *

24

6,58

2,81

8,00

M=5,88/ SD=1,27

Startles*

25

5,46

1,74

5,50

Lability of skin color*

29

5,55

0,83

6,00

M=5,20/ SD=0,52

*recoded item, ** M= Median, SD = Standard deviation

In relation to the internal consistency of the scale, the Cronbach´s alpha coefficient for the Habituation, Orientation, Motor system, Regulation of State and Autonomic Stability clusters are summarized in table 03.

34

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neurobehavioral profile of healthy term newborns according to the Neonatal ..., pp. 29-40

Table 3. Cronbach´s alpha coefficient of the behavioral clusters of the NBAS Cronbach´s alpha coefficient of the behavioral clusters of the NBAS

Number of items

Cronbach´s alpha

Cronbach´s alpha with standardized items

Habituation

4

0,86

0,87

Orientation*

6

0,94

0,95

Motor System

5

0,07

0,08

Regulation of State

4

0,73

0,72

Autonomic Stability

3

0,26

0,30

*Excluded the item Alertness

Gender differences in the behavioral items were identified in three items. In pull-to-sit, boys presented higher mean (n=8; Mean=6.00; SD = 0.19; Median = 6.00) when compared to girls (n = 14; Mean=4.57, SD =0.309, Median = 5.00). This difference was statistically significant (U=14.5; Z=-2.974; p <0,005). In hand-to-mouth, boys also performed better (n=9; Mean=7.67, SD = 0.17, Median = 8.00) than girls (n=19, Mean=6.11, SD = 0.45; Median = 7.00), with significant difference (U=42; Z= -2.232; p<0.05). The same pattern was found in rapidity of build-up, in which male participants showed higher scores (n=8; Mean=5.125; SD = 0.35; Median =5.50) in comparison to female subjects (n=18; Mean=4.17; SD = 0.44; Median = 4.00). In this case, the p value was also significant (U = 34,5; Z=-2,157; p< 0,05). Reflex items Table 04 shows the distribution of the sample according to the scores for each reflex item. Table 4. Percentage distribution of the sample according to the categorized scores of the reflex items Percentage distribution of the sample according to the categorized scores of the reflex items

Score 0

Score 1

Score 2

Score 3

Plantar grasp (n = 32)

0

0

100

0

Babinski (n=32)

0

100

100

0

Ankle clonus (n=23)

76,7

6,7

16,7

0

Passive movements - legs (n=31)

0

0

100

0

Passive movements - arms (n=31)

0

0

100

0

Rooting (n=31)

0

6,5

93,5

0

Sucking (n=31)

0

0

100

0

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

35


Mariana Richartz, Sérgio A. Antoniuk e Maria Augusta Bolsanello

Glabella (n=30)

0

0

100

0

Palmar grasp (n=31)

0

3,2

96,8

0

Placing (n=27)

0

11,1

88,9

0

Standing (n=26)

3,8

15,4

80,8

0

Walking (n=26)

19,2

34,6

46,2

0

Crawling (n=26)

7,7

23,1

69,2

0

Incurvation (n=25)

4

16

80

0

Tonic Deviation of head and eyes (n=22)

0

0

100

0

Nystagmus (n=24)

95,8

0

4,2

0

Tonic neck reflex (n=22)

0

50

50

0

Moro (n=25)

0

4

96

0

Discussion In the Habituation cluster, most of the items showed mean higher than 7. These values are similar to the data described by a Spanish study (Moragas, Deu, Mussons, Boatella Costa, & Zurita, 2007) and are higher than the results found in an American (McCollam, Embretson, Mitchell, & Horowitz, 1997) and in a Korean (Shin, Borzzette, Kenner, & Kim, 2004) research. A noticeable finding was that, in the present study, the response decrement to rattle was the item with the lowest mean score, whereas in the other three cited publications the lowest score was for decrement to tactile stimulation. The cluster´s general score was in accordance with those found in the literature (Canals, Fernandez-Ballart, & Esparo, 2003; Canals, Hernandez-Martinez, & Esparo, 2011; Hernández-Martínez, Canals, Aranda, Ribot, Escribano, &Arija, 2011; Moragas et al., 2007; Oyemade, Cole, &Johnson, 1994; Pressler, Hepworth, LaMontagne, Sevcik, & Hesselink, 1999). The means of the Orientation items were lower than the results described in other studies, which are normally higher than 6 or 7 (McCollam et al., 1997; Saraiva, 2002). However, Shin et al. (2004) also demonstrated poorer performance in their sample - composed of Korean newborns - with means ranging from 4.7 to 5. 9. The authors suggest that this could be related to the use of anesthetic medication by the mothers and to maternal extra-uterine experiences. There is also recent evidence that the mother´s educational level is associated to the full term´s performance in the orientation cluster (Perez-Pereira et al., 2013). It is important to point out that these variables were not controlled in the present study and that they could explain, in part, the inferior scores shown by the neonates. In the Motor System cluster, the means of the individual items were similar to what was described in other studies (Costa et al., 2010; McCollam et al, 1997;

36

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neurobehavioral profile of healthy term newborns according to the Neonatal ..., pp. 29-40

Moragas et al., 2007; Shin et al., 2004). The mean of the general score was also in accordance with studies from other cultural contexts, such as United States (Oyemade et al., 1994), Spain (Moragas et al., 2007; Canals et al., 2003) and China (Loo, Ohgi, Zhu, Woward, & Chen, 2005). With regard to the Range of the State cluster, the participants had a performance similar to the data provided by Spanish (Moragas et al., 2007) and Korean (Shin et al., 2004) studies. However, in rapidity of build-up the subjects presented a mean score slightly lower than these two researches. In the Regulation of State cluster, other studies have reported similar means for cuddliness (Moragas et al, 2007; Costa et al., 2010), consolability (Shin et al., 2004), self-quieting (Moragas et al., 2007; Shin et al., 2004); and hand-to-mouth (Shin et al., 2004). Concerning the general score, the participants showed a similar profile to Portuguese (Costa et al., 2010), Spanish (Canals et al., 2003) and American (Oyemade et al., 1994) neonates. Finally, in the Autonomic Stability cluster, the results of tremulousness and lability of skin color were congruent with the values described by Spanish researchers (Moragas et al., 2007). On the other hand, the mean of startles was similar to Korean newborns ‘score (Shin et al., 2004). The mean general score supports the data reported by other authors (Canals et al., 2003; Canals et al., 2011; Shin et al., 2004). In relation to the comparison between boys and girls in the behavioral items, the detected differences were not in accordance to the data provided by previous studies. In the present sample, boys scored higher in pull-to-sit, handto-mouth and rapidity of build-up, which may indicate better motor control in the first days of life. In contrast to these findings, it has been reported that girls have a greater capacity of Orientation and of State Regulation than male babies. (Boatella-Costa, Costas-Moragas, Botet-Mussons, Fornieles-Deu, & De CaceresZurita, 2007; Lundqvist & Sabel, 2000). However, it is worth noting that, as far as gender differences are concerned, there is no great consensus in the literature (Shin et al, 2004; Canals et al., 2003). In order to make a more detailed analysis of the internal consistency of the scale, the Cronbach´s alpha was calculated for each behavioral cluster individually. It was expected that Orientation (even when excluded alertness) and Habituation would have the highest coefficients as they both present a strong theoretical background to form a group of items (Costa et al., 2010). The results confirmed this hypothesis and also were congruent to data from another study (Moragas et al., 2007). On the other hand, the results for Motor System and Autonomic Stability were lower than the coefficients provided by other authors (Costa et al., 2010; McCollam et al., 1997; Moragas et al, 2007). In fact, there is evidence of poor internal consistency in the Motor System cluster and for weak correlation among items in the Autonomic Stability, Motor System and Regulation of State clusters (Pressler & Hepworth, 1997). In the reflex items all participants showed modulated responses for plantar

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

37


Mariana Richartz, Sérgio A. Antoniuk e Maria Augusta Bolsanello

grasp, Babinski, passive movements of the arms and legs, sucking, glabella and tonic deviation of head and eyes. No hyperactive responses were observed. With regard to the percentages of weakened or atypical responses, the profile of the sample was similar to the characteristics of Korean newborns in relation to placing, walking and palmar grasp reflexes (Shin et al., 2004) and it was similar to other Brazilian neonates concerning walking and crawling reflexes (Nogueira, 2001). In comparison to our sample, this same Brazilian study reported higher percentages of hypoactive responses for tonic neck reflex and similar values for the absence of ankle clonus and nystagmus and for modulated responses in Moro reflex. In relation to the percentage of diminished responses in the incurvation reflex and in relation to the percentage of modulated response in the stepping reflex, the subjects were in an intermediate level between the values reported by other authors (Nogueira, 2001; Shin et al., 2004). It is possible to state that the results of the reflex items are in the same direction of other studies, from similar and different cultural contexts. As previously discussed by Catarrala and Moya (2002), it was possible to identify the existence of variability in healthy neonates’ responses. It has been reported by other authors that primitive reflexes tend to be less intense at earlier post natal ages (Pedroso & Rotta, 2003) and our findings suggests that the weaker responses occur for walking, placing, incurvation, crawling and tonic neck reflexes. The small sample size and the fact that not all of the subjects were evaluated in all items of the scale were important limitations of the study. That being the case, the findings should not be generalized to a large extent, as this sample may not be representative of all Brazilian newborns. Conclusion In the studied sample, the behavioral items – individually and organized in clusters - showed means in accordance to the data reported by the current literature. The only exception was for the Orientation items, which presented lower means than what has been described by other authors. It is possible to infer that this discrepancy was due to maternal characteristics and physiological and environmental variables not controlled in this study. In the gender comparison, boys presented higher scores in three items, which may indicate a better motor control. Still regarding the behavioral items, NBAS presented a good internal consistency for Orientation, Habituation and Regulation of state clusters. The findings of the reflex items indicate the existence of variability in the responses of healthy neonates, with some hypoactivity in the first days of life. This study contributed to an initial description and comprehension of Brazilian neonates´ neurobehavioral profile using a specific instrument – the Neonatal Behavioral Assessment Scale. Finally, the authors intend to develop

38

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neurobehavioral profile of healthy term newborns according to the Neonatal ..., pp. 29-40

future researches with the NBAS considering the use of larger samples and the comparison between healthy and at risk newborns. References Boatella-Costa, E., Costas-Moragas, C., Botet-Mussons, F., Fornieles-Deu. A., De Caceres-Zurita, M.L. (2007). Behavioral gender differences in the neonatal period according to the Brazelton scale. Early Human Development, 83, 91-97. Brazelton, T.B., & Nugent, J.K. (1995). Neonatal Behavioral Assessment Scale, 3rd ed. London: Mac Keith Press, 1995. Canals, J., Fernandez-Ballart, J., & Esparo, G. (2003). Evolution of neonatal behavior assessment scale scores in the first month of life. Infant Behavior Development, 26, 227–237. Canals, J., Hernandez-Martinez, C., Esparo, G., & Fernandez-Ballart, J. (2011) Neonatal Behavioral Assessment Scale as a predictor of cognitive development and IQ in full-term infants: a 6-year longitudinal study. Acta Paediatrica, 100, 1331-1337. Catarrala, F., & Moya, M. (2002). Variabilidad de los reflejos neonatales en la exploración neurológica del recién nacido a término sano. Revista de Neurología, 34, 481-485. Costa, R., Figueiredo, B., Tendais, I., Conde, A., Pacheco. A, & Teixeira, C. (2010) Brazelton Neonatal Behavioral Assessment Scale: a psychometric study in a Portuguese sample. Infant Behavior & Delevopment, 33, 510-517. El-Dib, M., Massaro, A. N., Glass, P., & Aly, H. (2011). Neurodevelopmental assessment of the newborn: an opportunity for prediction of outcome. Brain & Development, 33, 95-105. Hernández-Martínez, C., Canals, J., Aranda, N., Ribot, B., Escribano, J., & Arija, V. (2011) Effects of iron deficiency on neonatal behavior at different stages of pregnancy. Early Human Development, 87: 165-169. Loo, K.K., Ohgi, S., Zhu, H., Howard, J., & Chen, L. (2005). Cross-cultural comparison of the neurobehavioral characteristics of Chinese and Japanese neonates. Pediatrics International, 47, 446-451. Lundqvist, C., & Sabel. K.G. (2000). Brief report: the Brazelton Neonatal Behavioral Assessment Scale detects differences among newborn infants of optimal health. Journal of Pediatric Psychology, 25, 577-582. Moragas, C.C., Deu, A.F., Mussons, F.B., Boatella Costa, E., & Zurita, M.L.C. (2007) Evaluación psicometrica de la Escala de Brazelton en uma muestra de recién nacidos españoles. Psicothema, 19, 140-149. McCollam, K.M., Embretson, S.E., Mitchell, D.W., & Horowitz, F.D. (1997) Using Confirmatory Factor Analysis to Identify Newborn Behavior Structure with the NBAS. Infant Behavior & Development, 20, 123-131. Moura-Ribeiro, M.V.L. (2010). Avaliação Neurológica do Recém-Nascido a termo.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

39


Mariana Richartz, Sérgio A. Antoniuk e Maria Augusta Bolsanello

In Moura-Ribeiro, M.V.L. e Gonçalvez, V.M.G. Neurologia do Desenvolvimento da Criança. 2nd ed. Rio de Janeiro: Editora Revinter, 2010: 203-223. Nogueira, R.M.D. (2001). Comparação do exame neurocomportamental entre recémnascidos pré-termo de muito baixo peso e recém-nascidos a termo segundo metodologia de Brazelton. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas. Oyemade, U.J., Cole, O.J., Johnson, A.A., Kinght, E. M.; Westney, O. E., Wll, H. L. G.; Fomufodj, E. C. A.; Westney, L. S.; Jones, S., & Edwards, A. C. H. (1994). Prenatal predictors of performance on the Brazelton Neonatal Behavioral Assessment Scale. The Journal of Nutrition. 124, 1000S-10005S. Pedroso, F.S., & Rotta, N.T. (2003) Neurological examination in the healthy term newborn. Arquivos de Neuropsiquiatria, 61, 165-169. Perez-Pereira, M., Fernandez, P., Gómez-Taibo, M., Gonzalez, L., Trisac, J. L., Casares, J., & Dominguez, M. (2013). Neurobehavioral development of preterm and full term children: Biomedical and environmental influences. Early Human Development, 89, 401-409. Pressler, J.L., & Hepworth, J.T. (1997) Behavior of macrosomic and appropriatefor-gestational-age newborns. Journal of Obstetric, Gynecologic, & Neonatal Nursing, 26, 198-205. Pressler, J.L., Hepworth, J.T., LaMontagne, L.L., Sevcik, R.H., & Hesselink, L.F. (1999). Behavioral responses of newborns of insulin-dependent and nondiabetic, healthy mothers. Clinical Nursing Reserach, 8, 103-118. Saraiva, J.N.S. (2002). Os efeitos do retardo de crescimento intra-uterino no comportamento de orientação do recém-nascido a termo, aos estímulos visuais e auditivos. Dissertação de mestrado. Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Shin, Y., Bozzette, M., Kenner, C., & Kim, T.I. (2004) Evaluation of Korean newborns with the Brazelton Neonatal Behavioral Assessment Scale. Journal of Obstetric, Gynecologic, & Neonatal Nursing, 33, 589-96.

40

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Expressões de Criatividade na Emoção Expressions of Creativity in Emotion Inês Reis Davis Guedes Sara Bahia

Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa

Contacto para correspondência: seni.reis@gmail.com

Resumo: As emoções são frequentemente entendidas como fazendo parte da experiência quotidiana, uma vez que são indissociáveis do processamento cognitivo. Nos últimos anos, a ideia de que a experiência emocional não é preformada mas descoberta durante o ato de expressão permitiu à emoção emancipar-se do seu papel de catalisadora do processo criativo para começar a ser estudada enquanto produto da criatividade. Uma vez que as pessoas diferem na forma como experimentam e expressam emoções, procurámos neste trabalho analisar as diferenças individuais de um grupo de participantes de dois workshops sobre emoção e desenvolvimento relativamente à forma como criativamente representam as suas vivências emocionais. O grupo era constituído por estudantes no final da adolescência e por adultos que, na sua maioria, eram pais e/ou educadores permitindo compreender de forma qualitativa o modo como se expressam em termos emocionais. Foi pedido que elaborassem as suas emoções a partir de três diferentes atividades sobre reconhecimento e produção de emoções. As suas respostas foram cotadas à luz das dimensões de criatividade propostas por Torrance, nomeadamente fluência, flexibilidade, originalidade e elaboração. No geral, os participantes utilizaram palavras pouco diversificadas para descrever as emoções que iam sentindo ao longo das diversas actividades propostas. Os resultados mostram ainda que os participantes Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

41


Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia

diferem entre si em termos da quantidade, flexibilidade, originalidade e elaboração das respostas. Tendo em conta que estes resultados espelham as crenças, atitudes e práticas incutidos por educadores a crianças e adolescentes, conclui-se a necessidade de promover a compreensão e a educação das emoções na sociedade atual. Palavras-chave: emoção, criatividade, flexibilidade Abstract: Emotions are often understood as part of our daily experience, because we cannot separate from cognitive processing. In recent years, the idea that emotional experience is not preformed but discovered during the act of expression allowed emotions to be emancipated from their role as catalysts of creative processes and to be studied as a product of creativity. Assuming that under normal circumstances, people differ in the way they experience new emotions, a group of adolescents and a group of adult educators of two workshops on emotion and development were evaluated in terms of how creatively they represented their emotional experiences. Participants were asked to elaborate emotions during three different activities that were aimed at emotional recognition and production. The answers were evaluated in terms of Torrance’s dimensions of creativity, namely fluency, flexibility, originality and elaboration. In general, the participants used poorly diversified words to describe what they were feeling during the activities. They also differ in terms of the answers’ fluency, flexibility, originality and elaboration. Therefore the comprehension and education of emotion needs to be promoted in the actual society. Key-words: emotion, creativity, flexibility, task assessment Introdução Existe uma multiplicidade de perspetivas sobre a emoção, algo que se justifica pela complexidade da área de estudo, assim como a sua antiguidade. Barrett (2006) refere que o interesse pela emoção é tão antigo quanto a própria ciência psicológica. Contudo, é usual remontar-se à antiguidade clássica e a autores como Aristótles e Platão para encontrar os primórdios do interesse sistemático sobre o assunto (Moss, 2012). Neste período encontram-se, por exemplo, tentativas de identificação das emoções ou paixões paradigmáticas onde se arraigaria toda a experiência emocional da espécie humana. Esta linha não difere extraordinariamente de algumas teorias contemporâneas. Ortony & Turner (1990), numa ampla revisão bibliográfica, fazem notar que estamos longe de alcançar um consenso alargado a este respeito. Se as diferentes “listas” de emoções que resultam do trabalho dos diferentes autores não são sobreponíveis, então, deve existir um diferendo fundamental no que diz respeito aos critérios empregues, ou seja, na resposta à pergunta “O que é uma emoção?”.

42

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Expressões de Criatividade na Emoção, pp. 41-56

Lench, Flores & Bench (2011) reconhecem nesta inconsistência ontológica uma das razões que justificam um relativo atraso do estudo da emoção em relação a outros domínios de investigação da ciência psicológica. As implicações deste raciocínio não se circunscrevem, obviamente, ao círculo de estados a que legitimamente podemos chamar de emoções mas passam por colocar em questão a própria possibilidade de nomear emoções enquanto entidades relativamente fechadas. A questão pode colocar-se ao ponto de questionar se realmente o medo, a raiva e a tristeza existem de forma a que todas as instâncias de medo sejam suficientemente semelhantes entre si e suficientemente distintas das instâncias de raiva ou tristeza para que faça sentido isolá-las. Kagan (2007) argumenta que, muitas vezes, sentimos estados complexos ou mistos para os quais não existe correspondência no nosso reportório semântico. A nomeação não é, contudo, a única forma de aceder aos conteúdos emocionais havendo exemplos de investigação feita através da expressão visual e escrita (Gutbezahl & Averill, 1996). Exemplo desta linha de investigação é a literatura sobre criatividade emocional, invertendo o costumeiro interesse pela emoção enquanto mediador do processo criativo para o decalque do conceito de criatividade para a elaboração de respostas emocionais (Averill, 2005). Observações como as de Damásio (1999) de que a renúncia à emocionalidade pode destruir a racionalidade são ilustrativas de um novo entendimento. Barret (2006) fala de uma explosão virtual deste domínio de interesse para psicólogos, neurocientistas, filósofos, sociólogos, economistas, cientistas da computação e antropólogos. Já não é a cognição que aparece sobranceira a todos os processos psicológicos mas existe um novo alinhamento no universo científico, em consonância com o próprio clima da época, que subentende uma nova atenção sobre as condutas afetivas e emocionais (e.g. Sharp, 2001). Este novo posicionamento favorece a procura da virtude e da excelência emocional, tal como acontece para a cognição (Averill, 2011). Assim, a emoção é complexa e estabelece uma relação de reciprocidade com a cognição. A primeira influencia cognição e acção e pode ser por estas influenciada (Izard, 2007). Do refinar desta ideia fez-se bifurcar o objeto de estudo entre emoções básicas e esquemas emocionais (Izard, 2007; 2009). Estes últimos, autênticas estruturas afetivo-cognitivas, fazem-se de interações dinâmicas entre emoções e mecanismos percetivos e cognitivos, nomeadamente processos cognitivos superiores e avaliação complexa (Izard, 2007). Numa nota diferente, Clark (2009) fala de emoções básicas e emoções dependentes de processos cognitivos complexos. Ambas as designações parecem estar em acordo ao reconhecerem a sofisticação e capacidade de elaboração da vida emocional, a sua permeabilidade face aos processos culturais e a variabilidade interindividual em termos dos produtos da atividade afetiva. Para Izard (2007), os esquemas emocionais acompanham o processo desenvolvimentista e a vivência emocional nos primórdios da vida faz-se, sobretudo, de emoções básicas. Uma emoção básica é tida como um conjunto de componentes neuronais, corpóreos/expressivos, afetivos e motivacionais,

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

43


Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia

desencadeados rápida, automática e inconscientemente quando os processos cognitivo-afetivos interagem com o reconhecimento de um estímulo ecológico válido. Assim, as emoções que preenchem os critérios referidos são as de interesse, alegria, tristeza, raiva, nojo e medo. Para Ekman (1992), no entanto, uma emoção que queira ser básica deve ter origem evolutiva remota, algo que se reflete na continuidade com o comportamento de alguns primatas, deve possuir alguma coerência na sua expressão, o seu surgimento deve ser rápido e a sua duração curta (mais na ordem dos segundos que na dos minutos ou horas), deve ser capaz de ser ativada automaticamente e o seu surgimento não é algo que possamos controlar. Assim, de acordo com a sua assinatura específica, é possível distinguir entre as emoções de raiva, medo, surpresa, nojo, tristeza e alegria (e.g. Ekman et al., 1987). Criatividade Emocional Nos últimos anos, a ideia de que a experiência emocional não é preformada mas sim descoberta durante o ato de expressão conduziu ao início do estudo da emoção enquanto produto da criatividade. O termo Criatividade Emocional foi principalmente desenvolvido por James Averill a partir do início da década de noventa (e.g. Averill & Thomas-Knowles, 1991). Pode ser entendido como o processo através do qual as emoções se transformam no objeto dos empreendimentos criativos. Posto isto, a ideia das emoções como respostas biológicas e primitivas que não permitem qualquer liberdade de resposta parece apresentar limitações. Com o introduzir desta teoria é possível perceber a evolução das perspetivas sobre a emoção: a criatividade, um processo de ordem superior, começa a estar ligada à emoção que durante muito tempo foi considerada um processo biológico básico, ou seja, inferior (Averill, 2005). Mas afinal o que é a criatividade? É uma característica que nos distingue dos outros animais e que conduz não apenas a uma vida mais satisfatória mas também à evolução da espécie (Csikszentmihalyi, 1997). Vygotsky, em 1930, utilizou o conceito Atividade Criadora para designar a criação de qualquer coisa de novo. Esta criação podia estar relacionada quer com os objetos do mundo exterior, quer com construções mentais, quer com as emoções humanas (Vygotsky, 1930). Já nesta altura Vygotsky relacionava criatividade e emoção, e também Flanders (2004) o fez mais tarde, quando afirmou que o processo criativo consiste na exploração pessoal e do desconhecido, e na expressão emocional através de palavras, imagens, ou notas musicais. Em 1978, Vygotsky descreveu a criatividade como a adaptação a novas situações, contextos e tarefas. Seguindo esta linha de pensamento, Flanders (2004) afirmou que a criatividade consiste na expressão de uma nova ordem perante um estado de desorganização e/ou de desconhecimento. Para tal é essencial o domínio de um conjunto de ferramentas disponíveis no meio cultural. À aplicação deste conhecimento na exploração de novos significados denomina-se criatividade. Após esta introdução torna-se premente responder à pergunta “Como é a

44

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Expressões de Criatividade na Emoção, pp. 41-56

criatividade emocional possível?”. Para tal é importante entender as emoções como padrões organizados de respostas. Estes padrões são regidos por regras sociais a partir das quais as emoções são reconhecidas dentro de uma cultura (Averill & Thomas-Knowles, 1991; Averill, 2005). No entanto, a criatividade emocional tornase possível porque as emoções não são apenas regidas por regras, mas também constituídas por estas (e.g. a raiva envolve necessariamente manifestações de fúria e de frustração) (Gutbezahl & Averill, 1996). É a transformação destas regras que permite o improviso durante o episódio emocional e consequentemente a criatividade emocional (Averill, 1999). Perante a confusão inicial gerada pela experiência emocional segue-se um de dois processos aos quais podemos chamar assimilação e acomodação, numa clara analogia à teoria de Piaget. A assimilação envolve uma normalização da experiência emocional, ou seja, o indivíduo encaixa a emoção sentida numa categoria prédefinida que lhe dá significado (Averill, 2005). Na acomodação o indivíduo aceita a experiência emocional sem procurar encaixá-la numa categoria, ou seja, reconhece a dificuldade e a complexidade de descrever o que sente em termos emocionais (Averill, 2005). A criatividade emocional é principalmente evidente a um nível social amplo. Resulta de uma inovação emocional individual que se prova adaptativa e é imitada por outros, difundindo-se assim na sociedade (Averill, 2004). Para exemplificar este ponto, consideremos a influência mundial de Ghandi que, com a sua doutrina de não-agressão aquando do movimento de independência da Índia, influenciou não só a população indiana, mas também líderes mundiais como Nelson Mandela e Martin Luther King. Mas a criatividade emocional surge também a nível inter e intra-individual, pois cada pessoa difere na forma como experimenta as emoções. Situações extremas podem despertar novas emoções, mas situações comuns também, pois uma resposta emocional pode ser nova em comparação com o comportamento passado do indivíduo ou com o comportamento típico da sociedade (Averill, 2004). De uma forma mais clara, pessoas emocionalmente criativas tendem a encontrar desafios onde os outros veem ameaças; a serem capazes de revelar maior descentração das próprias experiências e a acomodar melhor as necessidades dos outros; a serem menos vinculadas a padrões sociais e mais tolerantes a traços conflituosos em si e nos outros; e a envolver-se na exploração do significado das próprias experiências emocionais (Averill & Thomas-Knowles, 1991). Por oposição ao dogma da universalidade da expressão emocional e da ideia de que as emoções se desenrolam à revelia da pessoa (e.g. Ekman, 1992), a noção de criatividade emocional salienta a sua agência perante o seu mundo afetivo. Se, como para Vygostky (1978), todas as pessoas são potencialmente criativas, será possível tornarmo-nos também mais criativos emocionalmente? O objetivo do presente trabalho foi o de melhor compreender as diferenças individuais de estudantes e educadores no reconhecimento e expressão emocional perante estímulos de diferentes ordens. No sentido de entender como cada pessoa

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

45


Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia

se distingue dos outros e de si mesma na forma como lida com as suas emoções, interessou-nos focar a criatividade como critério de diferenciação das competências de literacia emocional. Tendo em conta que as crianças e adolescentes são um espelho dos seus educadores, pretendemos também perceber até que ponto os educadores da amostra possuem as competências emocionais necessárias para ajudar os seus educandos a desenvolverem-se de forma emocionalmente adequada. Metodologia O presente trabalho visa responder à questão: Em que medida cada pessoa se distingue dos outros e de si mesma na forma como reconhece e expressa as suas emoções? Na medida em que a literatura refere que vivemos numa cultura emocionalmente iletrada, onde predomina a ênfase na razão em detrimento da emoção (e.g. Damásio, 1999; Sharp, 2001), propôs-se a dinamização de dois workshops intitulados “Viagem ao Centro das Emoções: Explorando o seu papel no Desenvolvimento” como forma de analisar o nível de reconhecimento e expressão emocional dos participantes e de proceder à apresentação e discussão de um corpo de conhecimentos sobre este tema. Um dos workshops foi realizado no âmbito do 4º Congresso Internacional da Psicologia da Criança e do Adolescente e foi principalmente dirigido a estudantes universitários; e o outro inseriu-se nas atividades realizadas pelo programa de enriquecimento da Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação (ANEIS) para os pais de crianças sobredotadas. Os dois workshops seguiram uma estrutura idêntica e envolveram três diferentes atividades nas quais se pediu aos participantes que reconhecessem e expressassem emoções: 1ª atividade: envolveu o registo das emoções sentidas ao longo do workshop; 2ª atividade: consistiu em desenhar durante 2 minutos o maior número de emoções possível. Cada emoção foi desenhada na forma de uma linha e sem levantar a caneta/lápis. Pediu-se aos participantes que identificassem por escrito a emoção patente em cada linha; 3ª atividade: foram apresentadas 3 imagens e 2 excertos e, para cada um destes, foi pedido aos participantes que escrevessem as emoções suscitadas. A imagem 1 era um quadro do artista Cy Twombly intitulado Leda e o Cisne (1962). A imagem 2 era readymade Bicycle Wheel (1913) de Marcel Duchamp. O quadro Les Amants (1928) de Rene Magritte finalizou a secção das imagens. Relativamente aos excertos, o primeiro consistia numa estrofe retirada do poema Tabacaria (1928) de Álvaro de Campos, e o segundo num excerto do livro Crime e Castigo” (1866) de Fiódor Dostoiévski. A observação das imagens decorreu em quarenta minutos e a dos excertos em um minuto.

46

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Expressões de Criatividade na Emoção, pp. 41-56

As imagens e os textos que serviram de inspiração emocional aos participantes foram escolhidos em função da sua capacidade de evocar emoções. Esses estímulos apresentavam-se em suportes e aspetos formais diversos, imagético e escrito, concreto e abstrato, figurativo e não figurativo, suave e forte, quente e frio, flexível e rígido, de modo a evocar variabilidade emocional. O conjunto de imagens integrou obras de artistas marcantes do século passado conhecidos pela multiplicidade de interpretações possíveis. Leda e o Cisne do classicista Cy Twombly mostra o ato de sedução de Júpiter, transformado em cisne. Entre garatujas oscilantes, riscos e espirais violentas e contundentes a voar em todas as direções, Twombly inclui corações e outros elementos humanos reconhecíveis de forma a proporcionar alguma estabilidade numa imagem doutro modo explosiva, aludindo assim a estados emocionais dicotómicos, revelando lado a lado amor e raiva, alegria e tristeza, serenidade e medo. Interpretada pelos críticos de diferentes formas, a obra surrealista Les Amants de Magritte tem sido analisada de muitas maneiras diferentes. A interpretação mais comum prende-se com a expressão do amor cego através dos rostos tapadas de almas gémeas apaixonadas; as interpretações menos comuns remetem para o mundo cinematográfico de fantasmas disfarçados com um pano na cabeça ou ainda para o suicídio da sua própria mãe quando o artista tinha apenas 15 anos, aludindo assim a emoções diversas: amor, alegria, surpresa, tristeza, raiva, nojo, medo. Em Bicycle Wheel, Duchamp retira a utilização funcional da bicicleta e do banco criando-lhes um novo sentido a partir do movimento. Além disso, instiga a reflexão sobre o mundo, mesmo que fantasiosa, pois para o artista a arte deveria suscitar criações pessoais passíveis de serem formuladas mesmo que não correspondessem necessariamente à realidade. Neste sentido, uma imagem à partida pouco explícita em termos emocionais pode suscitar diferentes emoções. O tom decadentista da escrita do engenheiro naval Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, caracteriza-se pela procura de um sentido para a vida, pela fuga à monotonia e pela expressão exagerada das sensações. O poema Tabacaria expressa o sentimento de frustração e transparece solidão, incapacidade de amar e descrença e evoca uma multiplicidade de emoções de diferentes tonalidades. Crime e castigo é um dos romances profundamente psicológicos de Dostoiévski que se foca na descrição e análise de comportamentos de destruição e humilhação, expressão da sua dura vida e revela os grandes valores de liberdade, integridade e responsabilidade que pautaram a vida do escritor. A sua obra dá azo a manifestações de emoções fortes como o nojo, a tristeza, o medo, a raiva.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

47


Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia

Participantes No conjunto dos workshops foram obtidas respostas de 20 sujeitos, dos quais 70% do sexo feminino (n=14) e os restantes 30% do sexo masculino (n=6). As habilitações literárias da amostra são diversas e vão desde o ensino secundário até ao ensino pós-graduado. Os estudantes universitários de psicologia são bastante representativos, constituindo cerca de 40% da amostra que preencheu este campo. Existem ainda psicólogos (n=3), professores (n=2) e outros profissionais em número singular cujas áreas vão desde operariado à gestão. A média de idades é de 33 anos (=33; s=11). Procedimento Os dois workshops decorreram num contexto formal tendo, no entanto, havido espaço para a discussão e troca de ideias entre oradores e audiência. Os participantes expuseram interesse pelo tema, levantando dúvidas e participando sempre que tal era sugerido. Mostraram-se entusiasmados perante as atividades, apesar de no início algumas pessoas terem revelado reações de vergonha. Após o início dos workshops, o ambiente tornou-se mais descontraído, reduzindo-se a comunicação unilateral e abrindo espaço ao debate. Avaliação da Atividade As três atividades acima apresentadas foram construídas com o intuito de avaliar a criatividade emocional dos participantes, razão pela qual se procedeu à análise das diferentes respostas aos vários estímulos dados. Relativamente às respostas às atividades que envolviam o registo escrito foram contabilizadas as palavras – adjetivos – utilizadas para descrever emoções. Nas atividades que remetiam para a expressão gráfica recorreu-se a critérios de análise comummente utilizados para este propósito (e.g. Bahia & Trindade, 2012). Tendo em conta que se tratavam de três tarefas de criatividade, foram utilizados critérios de criatividade que têm vindo a ser referidos e adotados em inúmeros estudos ao longo das últimas décadas (Torrance, 1966), nomeadamente, a Fluência e Adequação que se traduzem no número de ideias produzidas pelos participantes; a Flexibilidade e Perspetivação Múltipla, que remetem para a expressão de ideias a partir da utilização de diferentes materiais e meios; a Originalidade e Inovação, ou seja, a não utilização de estereótipos e a baixa frequência de respostas semelhantes; e a Elaboração e Expressividade que representam a riqueza e complexidade patentes na apresentação das ideias (e.g. Bahia & Trindade, 2012). As respostas dadas por cada participante a cada uma das atividades propostas foram cotadas numa escala de 1 a 5 (sendo 5 a cotação máxima) em relação a cada uma das dimensões acima descritas: fluência, flexibilidade, originalidade e, na maior parte dos casos, elaboração.

48

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Expressões de Criatividade na Emoção, pp. 41-56

Resultados Tal como referido acima, os resultados dos participantes foram classificados numa escala de 1 a 5 de modo a facilitar a análise, a comparação e a discussão de resultados. Calculou-se, para cada atividade, os resultados médios dos participantes em cada uma das dimensões propostas por Torrance (1966). Na atividade 1 estiveram envolvidos 18 participantes e os seus resultados médios são apresentados na tabela 1. Dada a atividade ser apenas de composição escrita, não envolvendo expressividade gráfica, considerámos que não seria adequada a avaliação da dimensão Elaboração, razão pela qual a tabela que se segue inclui apenas três dimensões. Tabela 1. Resultados médios obtidos na atividade 1 Fluência

Flexibilidade

Originalidade

3.0

2.4

2.7

A partir da tabela 1 conclui-se que os resultados médios mais elevados nesta atividade ocorreram ao nível da Fluência (3.0). As outras duas dimensões apresentaram resultados médios inferiores, sendo a Flexibilidade o critério onde se registaram os resultados mais baixos (2.4). É de salientar que de uma forma geral os resultados médios nesta atividade não alcançaram valores elevados. A atividade 2 foi realizada por 20 participantes. Dado o caráter gráfico da atividade, na tabela onde são apresentados os resultados médios da mesma (tabela 2), já se inclui a avaliação da dimensão Expressividade. Tabela 2. Resultados médios obtidos na atividade 2 Fluência

Flexibilidade

Originalidade

Elaboração

3.25

2.85

2.8

2.95

A análise da tabela 2 permite perceber que foi ao nível da Fluência que se registaram os resultados-médios mais elevados (3.25), tal como aconteceu na atividade anterior. Os resultados médios mais baixos ocorreram na Originalidade (2.8), no entanto, estes não são muito diferentes dos obtidos nas dimensões Flexibilidade e Elaboração. Na última atividade estiveram envolvidos 20 participantes, cujos resultados médios podem ser analisados na tabela 3. Também aqui não se avaliou a dimensão Elaboração dada a natureza desta atividade, que envolveu apenas composição escrita, deixando de lado a componente gráfica.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

49


Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia

Tabela 3. Resultados médios obtidos na atividade 3 Fluência

Flexibilidade

Originalidade

Imagem 1

2.75

2.4

2.4

Imagem 2

2.15

1.7

2.95

Imagem 3

2.35

1.7

3.3

Texto 1

2.8

1.8

3.5

Texto 2

2.1

1.65

2.65

A leitura atenta da tabela 3 revela que foi o texto 1 o que maiores resultados apresentou ao nível da Fluência e da Originalidade, no entanto, na Flexibilidade os resultados médios mais elevados pertencem à imagem 1. Por outro lado, foi esta mesma imagem que deu origem aos resultados mais baixos na dimensão Originalidade. O texto 2 foi responsável pelos resultados médios mais baixos nas dimensões Fluência e Flexibilidade. Analisando o número de adjetivos empregues, confirma-se que foi o texto 1 que suscitou maior número de emoções (59) e o texto 2 o que inspirou menos (40). Os adjetivos mais nomeados para o texto 1 foram a tristeza (7), o medo (4), a saudade (3) e a angústia (3). O texto 2 foi principalmente associado a adjetivos como ansiedade (11), medo (7), frustração (2), rejeição (2) e paixão (2). Apesar de ser o segundo estímulo que maior número de emoções evoca (54), a imagem 1 é a que apresenta maior convergência, ou seja, é um exemplo de estímulo que sugere um número elevado de emoções mas estas são muito próximas entre si. Os adjetivos confusão (16), tristeza (5), raiva (5) e amor (2) foram os mais comuns neste caso. Assim, para esta imagem apenas se registaram 26 emoções distintas, o que em termos de proporção é o valor mais reduzido e o que se reflete nos valores baixos de originalidade dos participantes. Diferenças Individuais Para além da análise ao nível das atividades, procedeu-se igualmente a um escrutínio do desempenho dos diferentes sujeitos. Para melhor compreender como os vários sujeitos se diferenciam entre si e como veem variar o seu próprio desempenho ao longo do tempo, analisamos de seguida os perfis dos 3 melhores cotados nas atividades. Participante 1 A participante que apresentou indicadores de criatividade mais elevados é uma estudante de Psicologia de 21 anos. Na primeira atividade, apesar de apresentar uma boa fluência (4), a pontuação nos restantes critérios não foi muito elevada (3). Na atividade 2 obteve uma pontuação de 4 em todos os

50

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Expressões de Criatividade na Emoção, pp. 41-56

parâmetros, exceto na originalidade (3). A participante destacou-se nesta atividade pois recorreu à utilização de diferentes cores e de diferentes formas, consoante as emoções representadas. Uma mesma emoção (tranquilidade) foi por ela expressa através de um traço recheado de curvas, de uma imagem de um sol, de uma nota musical e de uma flor. Utilizou alguns símbolos pouco estereotipados, como a nota musical, e outros bastante comuns, como o coração e flor. Mas foi na atividade 3 que mais se destacou, onde obteve uma pontuação de 4 em muitos dos parâmetros. Foi na fluência que obteve os resultados mais elevados, seguida da originalidade. A sua resposta ao texto 1 foi uma das melhores de toda a amostra. Participante 19 A segunda participante com melhores indicadores de criatividade é uma psicóloga de 38 anos. Foi a melhor cotada da amostra nas atividades 1 e 2. Na primeira destaca-se pela elevada fluência (5) embora não particularmente original (3). Na segunda atividade obteve uma pontuação de 4 em todos os parâmetros, destacando-se sobretudo na fluência e originalidade, critérios nos quais mais se afasta do valor médio da amostra. A sua representação gráfica distingue-se das restantes pela utilização de cor, a mesma para todas as emoções. A linha utilizada para representar as suas emoções é também a mesma, todavia distingue-as através da heterogeneidade das formas e movimentos expressivos que imprime no seu traçado. Demonstra também liberdade na utilização do espaço, ao ultrapassar os limites atribuídos para a atividade. Na atividade 3 destaca-se na resposta dada ao texto 1, Tabacaria, sendo a melhor cotada da amostra. Em contraste com o desempenho na atividade 1, o seu forte nesta atividade é a originalidade. Participante 5 O terceiro participante com melhores resultados é do sexo feminino, tem 20 anos e é estudante de Psicologia. Na atividade 1 apresentou uma boa fluência (4), apesar de a flexibilidade e originalidade se situarem apenas num nível moderado (3). A atividade 2 foi aquela onde revelou um pior desempenho, obtendo uma pontuação de 3 nos critérios fluência e flexibilidade e uma pontuação de 2 nas restantes dimensões. Apesar dos resultados pouco elevados, as linhas variadas e pouco contidas, as formas diferentes e adequadas a cada emoção são alguns dos seus pontos fortes nesta atividade. A sua melhor pontuação foi obtida na atividade 3. A sua cotação na dimensão fluência foi a melhor da amostra. Revelou também alguma originalidade, alternando entre as pontuações 3 e 4.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

51


Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia

Conclusão Apesar do interesse e envolvimento manifestados ao longo da realização das tarefas pelos participantes, análise dos resultados que obtiveram no conjunto das tarefas está aquém do que seria expectável. A soma dos resultados brutos obtidos em todas as dimensões de todas as atividades para cada participante é em média de 56 pontos, aquém dos esperando se cada participante obtivesse em média 3 de 5 pontos em cada exercício. Estes baixos resultados não vão ao encontro do que diversos estudos portugueses apuraram nas dimensões de criatividade de Torrance (1966), uma vez que estudos como o de Morais e Azevedo (2009), por exemplo, verificaram resultados superiores aos nossos em populações jovens e adultas. Os resultados deste estudo poderão ser, em parte, justificados com base nos estímulos imagéticos e textuais que foram apresentados ao longo do workshop. No que concerne os estímulos imagéticos, o Ready made de Duchamp parece ter suscitado um menor investimento emocional talvez por os estímulos serem objetos e poderem ser sentidos como mais frios ou pelo facto de suscitarem interpretações mais racionais. Por outro lado, o seu caráter único e pouco convencional poderá ter estado na origem da nomeação de inúmeras palavras pouco relacionadas com as emoções, como “movimento” e “estabilidade”, o que revela a dificuldade dos participantes em nomear emoções perante estímulos que fogem à normalidade. Os amantes tapados de Magritte parecem ter desencadeado um maior número de emoções diferentes talvez pela proximidade ao mundo cinematográfico a que somos constantemente expostos. No entanto, foi a interpretação emocionalmente carregada e rica de Cy Twombly que parece ter suscitado respostas mais elaboradas. Tal pode dever-se ao fato de o quadro apresentar inúmeros elementos, alguns de caráter oposto, pois tamanha diversidade remete para emoções pertencentes a diferentes categorias (e.g. amor, alegria, raiva, tristeza). Foi no texto 1 que se registou um maior investimento emocional, provavelmente devido à natureza do excerto, pois a sua riqueza estética é notória não apenas ao nível das palavras empregues, mas também dos recursos estilísticos utilizados, nomeadamente a imagem (“E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida”). A combinação destes dois elementos terá provavelmente conduzido a um maior fruir emocional, uma vez que a imagem apela às relações entre conhecimentos, resultando daí uma compreensão única dos fenómenos, o que vai motivar o processo criativo e a construção de novas metáforas (Paivio, 1971). O último texto suscitou respostas originais, mas pouco flexíveis, o que poderá estar relacionado com a convergência do mesmo que, ao referir a palavra “medo”, induz o leitor a sentir emoções relacionadas com esta categoria emocional. As respostas dos participantes não foram apenas influenciadas pelos estímulos acima descritos, mas também pelas características individuais e

52

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Expressões de Criatividade na Emoção, pp. 41-56

idiossincráticas de cada indivíduo. Estas terão provavelmente desempenhado um papel importante na forma como os participantes se expressaram emocionalmente perante as atividades apresentadas. Por exemplo, a participante 4 exibiu um perfil de resultados bastante heterogéneo com classificações entre o nível 2 e o nível 5, obtendo resultados mais elevados na fluência e na originalidade e mais baixos na flexibilidade. Assim, esta participante parece ter facilidade em enumerar emoções, mas dificuldade em reconhecer as diferentes categorias emocionais. Também a participante 1, apesar de ser uma das que apresenta indicadores de criatividade mais elevados, na dimensão flexibilidade exibiu resultados baixos, não obtendo classificações superiores ao nível 3. Por outro lado, a participante 3 revelou um perfil bastante homogéneo, não obtendo nenhuma classificação de nível 4 ou 5 nas três tarefas propostas. O mesmo aconteceu com os participantes 6 e 11. Tais resultados poderão ser indicadores de algumas dificuldades não apenas no reconhecimento de emoções, mas também na sua expressão. O fato de não existirem participantes com perfis unicamente constituídos por resultados elevados vai ao encontro da ideia de que vivemos numa cultura com sérias dificuldades no reconhecimento, expressão e controlo emocional (e.g. Sharp, 2001). Os baixos resultados podem também ser justificados com uma análise global das respostas. Muitas das representações gráficas parecem algo rígidas e convencionais, com muita proximidade entre sujeitos na utilização de estratégias de representação, assim como alguma inflexibilidade intra-individual. Da mesma forma, observou-se que alguns estímulos evocaram emoções bastante similares, ou de outro modo, as respostas foram demasiado estereotipadas. As respostas mais originais, porém, pecam frequentemente na adequação. Respostas como “estar preso”, “ilusão”, “prisão” ou “sufoco” não são palavras que designem tradicionalmente emoções, muito embora transmitam uma tonalidade emocional consonante com os estímulos apresentados. Por outro lado, respostas como “arte”, “imaginação”, “descrição” ou “simplicidade”, muitas vezes representam mais considerações estéticas ou associações livres do que estados emocionais. Estas dificuldades podem estar associadas a dificuldades na literacia emocional, tais como dificuldades no reconhecimento e expressão emocional, mas podem também estar associadas a défices no reportório lexical dos indivíduos. Faz sentido pensar, igualmente, na observação de Kagan (2007) de que muitas vezes é difícil atribuir um nome ao que estamos a sentir. Quem já tentou uma dieta mas não resistiu a assaltar o frasco das bolachas ou à clássica tentação da tablete de chocolate sabe bem qual é a sensação que se pode situar algures entre o prazer e a culpa. Este estado misto é uma amálgama emocional para a qual não existe um significante direto. Para além do mais, as tarefas propostas não são, provavelmente, algo que os participantes estejam habituados a encontrar no seu quotidiano, especialmente tendo em conta o facto de a emoção estar frequentemente arredada da nossa vivência e das nossas preocupações (Sharp, 2001). A devida exceção deve ser feita aos psicólogos, profissionais que lidam

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

53


Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia

mais frequentemente com emoções, as suas e as dos outros, e espera-se que sejam mais letrados neste domínio. Provavelmente terá reparado que os 3 perfis mais bem cotados, e que foram anteriormente descritos, pertencem a uma psicóloga e a duas estudantes de psicologia. Convém, no entanto, considerar esta observação com reservas dada a composição da amostra. A literacia emocional, definida como a capacidade para reconhecer, gerir e expressar emoções tem consequências a nível do bem-estar pessoal e também interpessoal (e.g. Sharp, 2001). Na medida em que muitos estudos portugueses mostram que em diferentes faixas etárias existem lacunas a este nível (e.g. Bahia, Freire, Estrela & Amaral, 2013), importa, mais uma vez investir neste domínio através de práticas de educação emocional, mesmo que de curta duração como foi o caso deste conjunto de workshops. Estas lacunas adquirem um caráter mais grave quando falamos de educadores, especialmente de pais, os primeiros modelos dos filhos. São os pais e, mais tarde, os professores que, através dos seus próprios comportamentos, permitirão às crianças desenvolver uma construção simbólica das ações, atitudes e valores a adotar, construção essa que irá guiar e dirigir o seu comportamento futuro (Bandura, 1977). Além disso, apesar de em termos educacionais os pais e professores estarem formatados para ensinarem as crianças e adolescentes a agir adequadamente face a situações emocionais, falham também muitas vezes na criação de situações passíveis de desenvolver e de pôr em prática competências emocionais e sociais (Franco, Beja, Candeias & Pires, 2011). Um problema maior se levanta quando encaramos os resultados deste estudo: se os adultos responsáveis pela educação das crianças e adolescentes ainda têm um longo percurso a percorrer em termos do seu próprio desenvolvimento emocional, como poderão ajudar a formar uma geração competente do ponto de vista social e emocional? Não serão estes adultos os que mais necessitam de assimilar, acomodar e treinar os fundamentos da educação emocional, para depois os transmitir às gerações seguintes? Referências Bibliográficas Averill, J. R., & Thomas-Knowles, C. (1991). Emotional Creativity. In K. T. Strongman (Ed.). International review of studies on emotion (pp. 269-299). London: Wiley. Averill, J. R. (1999). Individual Differences in Emotional Creativity: Structure and Correlates. Journal of Personality, 67 (2), 331-371. Averill, J. R. (2004). A Tale of Two Snarks: Emotional Intelligence and Emotional Creativity Compared. Psychological Inquiry, 15, 228-233. Averill, J. R. (2005). Emotions as Mediators and as Products of Creative Activity. In J. Kaufman & J. Baer (Eds.). Creativity across domains: Faces of the muse (pp. 225-243). Mahwah, NJ: Erlbaum. Averill, J. R. (2011, September). Emotions and Creativity. Paper presented at the

54

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Expressões de Criatividade na Emoção, pp. 41-56

12th Conference on Creativity & Innovation (ECCI XII), Faro, Portugal. Bahia, S., Freire, I., Estrela, M. T. & Amaral, A. (2013). The emotional dimension of teaching in a group of Portuguese teachers, Teachers and Teaching: Theory and Practice, 19 ( 3), 275-292. DOI:10.1080/13540602.2012.754160. Bahia, S. & Trindade, J.P. (2012). Entwining Psychology and Visual Arts: A Classroom Experience. Psychology Research, 2, 2, 89-98. Bandura, A. (1977). Self-efficay: Toward a Unifying Theory of Behavioral Change. Psychological Review, 84(2), 191-215. Barrett, L. M. (2006). Are Emotions Natural Kinds?. Perspectives on Psychological Science, 1 (1), 28-58. Clark, J. A. (2009). Relations of homology between higher cognitive emotions and basic emotions. Biology & Philosophy, 25, 75-94. Csikszentmihalyi, M. (1997). Flow and psychology of discovery and invention. New York: HarperCollins Publishers. Damásio, A. (1999). The feeling of what happens: Body and emotion in the making of consciousness. New York, NY: Harcourt Brace. Ekman, P. (1992). An Argument for Basic Emotions. Cognition and Emotion, 6 (3/4), 169-200. Ekman, P., Friesen, W. V., O’Sullivan, M., Chan, A., Diacoyanni-Tarlatzis, I., Heider, K., …Tzavaras, A. (1987). Universals and Cultural Differences in the Judgments of Facial Expressions of Emotion. Journal of Personality and Social Psychology, 53 (4), 712-717. Flanders, J. L. (2004). Creativity and emotion: Reformulating the Romantic theory of art. In B. Hardy-Vallée (ed.). Cognition: Matter and Mind. Montreal: Université du Québec. Franco, G., Beja, M. J., Candeias, A., & Pires, H. (2011). As Crianças Sobredotadas: Inteligência Emocional e Relações Afetivas. Diversidades, 34, 11-14. Gutbezahl, J., & Averill, J. R. (1996). Individual Differences in Emotional Creativity as Manifested in Words and Pictures. Creativity Research Journal, 9 (4), 327-337. Izard, C. E. (2007). Basic Emotions, Natural Kinds, Emotion Schemas, and a New Paradigm. Perspectives on Psychological Science, 2 (3), 260-280. Izard, C. E. (2009). Emotion Theory and Research: Highlights, Unanswered Questions, and Emerging Issues. Annual Review of Psychology, 60, 1-25. doi: 10.1146/annurev.psych.60.110707.163539 Kagan, J. (2007). What Is Emotion? History, Measures, and Meanings. Binghamton, New York: Yale University press. Lench, H. C., Flores, S. A., & Bench, S. W. (2011). Discrete emotions predict changes in cognition, judgment, experience, behavior, and physiology: A meta-analysis of experimental emotion elicitations. Psychological Bulletin, 137 (5), 834–855. doi:10.1037/a0024244 Morais, M. F., & Azevedo, I. (2009). Avaliação da criatividade como um contexto delicado: revisão de metodologias e problemáticas. Avaliação Psicológica, 8 (1), 1-15.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

55


Inês Reis, Davis Guedes e Sara Bahia

Moss, J. (2012). Pictures and passions in the Timaeus and Philebus. In R. Barney, T. Brennan & C. Brittain (Eds.)., Plato and the Divided Self (pp.259-280). New York: Cambridge University Press. Ortony, A. & Turner, T. J. (1990). What’s Basic About Emotions?. Psychological Review, 97 (3), 315-331. Paivio, A. (1971). Imagery and verbal processes. New York: Holt, Rinehart and Winston. Sharp, P. (2001). Nurturing emotional literacy, a practical guide for teachers, parents and those in the caring professions. London: David Fulton. Torrance, E. P. (1966). The Torrance tests of creative thinking: Technical- norms manual (research ed.). Princeton, NJ: Personnell Press. Vygotsky, L. S. (1930). A Imaginação e a Arte na Infância. Lisboa: Relógio D’Água. Vygotsky L. S. (1978). Mind in society: The development of higher psychological processes. Cambridge, MA: Harvard University Press.

56

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: Findings from the national study of Portuguese Schoolchildren A idade importa? Estatuto de emprego parental e a sua influência no bem-estar psicológico: resultados de um estudo nacional com crianças portuguesas em idade escolar Diana Frasquilho

Faculty of Medical Sciences/UNL, Aventura Social/ UTL, CMDT/ UNL, Portugal

J.M. Caldas de Almeida

Faculty of Medical Sciences/UNL, Portugal

Tânia Gaspar

Lisbon Lusíada University, Aventura Social/UTL, CMDT/UNL, Portugal

Margarida Gaspar de Matos

Technical University of Lisbon, CMDT/ UNL, Portugal

Contact for Correspondence: Diana Frasquilho, Aventura Social – Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, Estrada da Costa 1495-688 Cruz-Quebrada, Portugal diana.frasquilho@hbsc.org

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

57


Diana Frasquilho, J. M. Caldas de Almeida, Tânia Gaspar e Margarida Gaspar de Matos

Abstract: Portugal is facing an unprecedented economic recession and the highest unemployment rate ever recorded in the country (18%). Employment is a fundamental component of well-being and the main source of income for most people. When job loss hits home, families struggle with psychosocial stress which may influence the healthy development of adolescents. This paper aims to explore age-related differences of aspects of psychological wellbeing linked with parental employment status on a sample of 5050 Portuguese adolescents with a mean age of 14 years old (SD=1.85). We analysed data from the Portuguese Health Behaviour in School-aged Children study (HBSC/WHO) and performed qui-square tests and linear regression models regarding different parental employment status, controlling for gender and age. Results indicate that parental employment status is associated with psychological well-being of the adolescents and the effects differ with age and parent gender. Having both parents non-employed negatively influences low mood and irritability or bad temper of middle age adolescents (mean age 14). Secondly, having a non-employed father is statistically associated with low mood of younger and middle aged adolescents (mean age 12 and 14), and self-rated irritability or bad temper in all age cohorts (mean ages 12, 14 and 16 years old). Thirdly, having a non-employed mother was associated with low mood and irritability or bad temper in mid-adolescents. In conclusion the link between parental employment status and psychological well-being of adolescents varies with age and parental gender. Mid-age adolescents have higher rates of negative psychological wellbeing linked with parental non-employment. Key-words: adolescence, mental health, parental employment status, recession. Resumo: Portugal enfrenta uma recessão económica sem precedentes e a maior taxa de desemprego alguma vez registada no país (18%). O emprego é um determinante fundamental do bem-estar e a principal fonte de rendimentos para a maioria das pessoas. Quando a perda de emprego atinge as famílias, o stresse psicossocial daí resultante pode influenciar o desenvolvimento saudável dos jovens. Este trabalho tem como objetivo explorar as diferenças relacionadas com a idade do bem-estar psicológico em relação ao estatuto de emprego dos pais numa amostra de 5050 adolescentes portugueses com idade média de 14 anos (DP = 1,85). Foram analisados ​​os dados do estudo português Health Behaviour in School-aged Children (HBSC / OMS) e realizaram-se testes de qui-quadrado e modelos de regressão linear tendo em conta os diferentes estatutos de emprego dos pais e controlando género e idade. Os resultados indicam que a situação de emprego dos pais está associada ao bem-estar psicológico dos adolescentes e os efeitos diferem com a idade e o género dos pais. Ter ambos os pais sem emprego influencia negativamente o humor triste e irritado nos adolescentes com idade média de 14 anos. Ter o pai sem emprego está estatisticamente associado ao

58

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: ..., pp. 57-71

humor triste nos adolescentes mais jovens e nos de meia-idade (12 e 14 anos de idade) e à irritabilidade em todas as faixas etárias (12, 14 e 16 anos). Por último, ter a mãe sem emprego foi associado ao humor triste e irritado nos adolescentes de meia-idade (14 anos). Em conclusão, a associação existente entre a situação de emprego dos pais e o bem-estar psicológico dos adolescentes varia com a idade dos adolescentes e o género dos pais. Adolescentes de meia-idade referem frequências mais elevadas de mau-estar psicológico em relação à falta de emprego dos pais. Palavras-chave: adolescência, estatuto de emprego parental, recessão, saúde mental. Introduction Good mental health of a population is an essential factor for countries economic prosperity and social sustainability and can be threatened by economic recessions (Uutela, 2010). World Health Organization warned that developed countries that have required emergency assistance from the International Monetary Fund, are especially vulnerable (WHO, 2011). This is the case of Portugal where spending restrictions are being imposed during the loan repayment while coping with the imminent impact of one of the highest unemployment rates (18%) in Europe and the highest ever recorded by the national statistics body (INE, 2013). Health-related quality of life and mental health are expected to worsen as a consequence of the economic recession and unemployment rates (Cooper, 2011; Davalos & French, 2011). In a recent study from the Portuguese Socioeconomic Development Association (SEDES, 2012) almost half of the Portuguese (47%) reported high levels of stress as a result of the current crisis. The situation worsens when unemployment hits home. The same study (SEDES, 2012), reports that 55% of the unemployed respondents have high levels of stress and their families also reported to be highly stressed. These results are in accordance with contemporary evidence comparing to pre-recession periods. European countries are facing significant increases on the prevalence of psychological distress and poor health of their population (Katikireddi, Niedzwiedz, & Popham, 2012; Vandoros, Hessel, Leone, & Avendano, 2013). The prevalence of depression is rising (Economou, Madianos, Peppou, Patelakis, & Stefanis, 2013; Gili, Roca, Basu, McKee, & Stuckler, 2013; JianLi et al., 2010; Lee et al., 2010) and so are anxiety disorders (Gili, Roca, Basu, McKee, & Stuckler, 2013). Unemployed people are at higher risk. During the Asian recession, unemployed people were twice as likely to report poor health compared to controls (Kondo, Subramanian, Kawachi, Takeda, & Yamagata, 2008) and had

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

59


Diana Frasquilho, J. M. Caldas de Almeida, Tânia Gaspar e Margarida Gaspar de Matos

higher rates of occurrence of depression (Lee, et al., 2010). As well, data from Spain and Iceland shows a significant higher risk of depression and stress among unemployed during the crisis (Gili, et al., 2013; Hauksdottir, McClure, Jonsson, Olafsson, & Valdimarsdottir, 2013). The negative impacts of unemployment on physical and mental health are well acknowledged (Eriksson, Agerbo, Mortensen, & Westergaard-Nielsen, 2010; McKee-Ryan, Song, Wanberg, & Kinicki, 2005; Warr, 1987). When a parent loses its job, the negative consequences are likely to affect family as a whole (Dew, Penkower, & Bromet, 1991). Parents play an important role of emotionally guard their offspring from distress. Stressors in parents’ lives may disrupt healthy parenting. It has been shown in previous research that unemployment related distress and associated feelings of personal failure can result in loss of parental sensitivity and unsupportive parent-child relationships (Mogens Nygaard Christoffersen, 2000). Moreover, in economical challenging environments such as the situation of parental unemployment, children are likely to share parents’ distress leading to an increase of emotional and behavioural problems among children and adolescents (Christoffersen, 1994; Conger, Ge, Elder, Jr. Lorenz, & Simons, 1994; Harland, Reijneveld, Brugman, Verloove-Vanhorick, & Verhulst, 2002; Lundborg, 2002; Solantaus, Leinonen, & Punamaki, 2004; Sund, Larsson, & Wichstrom, 2003). Younger adolescents can be especially vulnerable to parental unemployment since parent-child interdependence and emotional support is stronger than in older ages (Fuentetaja & Masó, 2007). It is also known that early experiences to acute stress can affect the psychosocial developmental processes of children which in turn can rouse long-term limitations to their human and social capital. This poses several questions on the long-term and, possibly, adulthood health consequences of economic recession and parental unemployment on the youth which is known to be in a critical developmental stage. Growing up under such a challenging environment can pose higher risks to mental ill-health putting young people in a very exposed position. Nevertheless, healthy young people can make an important contribution to future economic growth of a country. Failing to capitalise their energy, by not caring about their development and health, Portugal can miss a critical opportunity to deal with the financial crisis. This study aims to research the impact of parental employment status on Portuguese adolescents’ psychological well-being indicators. Data from the Portuguese Health Behaviour in School-aged children (HBSCWHO) are used to estimate the consequences of parental non-employment on the likelihood of adolescents ranging from 10 to 21 years old (mean age of 14 years old, SD=1.85) experiencing negative emotions.

60

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: ..., pp. 57-71

Method This is cross-sectional research study (HBSC/WHO). Collected data from the Portuguese Health Behaviour in School-aged Children Survey/WHO was analysed to explore the links between parental employment status and adolescents’ low mood, irritability or bad temper. HBSC/WHO is a school-based, self-report questionnaire to assess schoolchildren and adolescents mental and physical health. The questionnaires were sent to schools and administered in the classroom, according to the international protocol (Roberts et al., 2007). All participating schools obtained informed parental consent, which were required by the committee of parents from each school. Confidentiality was ensure by anonymous response to the questionnaire and restricted access to questionnaires by HBSC/WHO research team members when computing and analysing data. Participants The total sample consisted of 4541 Portuguese adolescents (52.3% girls and 47.7% boys), with a mean age of 14 years old (SD=1.85) randomly selected from 139 Portuguese national public schools. In order to avoid a confounding effect of family composition with the parental employment status, only respondents living with both parents were included. Measures Four groups of parental employment status were considered: both parents employed, both parents non-employed; father non-employed (regarding father not having a job and mother being employed); and mother non-employed (regarding mother not having a job and father being employed). Psychological well-being data was collected from the HBSC/WHO symptom checklist scale (King, Wold, Tudor-Smith, & Harel, 1996). Two indicators of adolescents’ psychological well-being (feeling low and feeling irritability or bad temper) were examined in relation to parental employment status. Adolescents were asked how often they had experienced those feelings in the last six months. Data analysis The data was entered into the database of the Statistical Package for Social Sciences, version 19.0 for Windows. It was proceed with descriptive analysis of the sample, Chi-square tests and Multiple Linear Regressions to determine the

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

61


Diana Frasquilho, J. M. Caldas de Almeida, Tânia Gaspar e Margarida Gaspar de Matos

relationship and strength of association between adolescents’ feeling low and irritability or bad temper and parental employment status controlling for age. Results A percentage of 3.4 of the cases reported to have both parents in a nonemployed status (table 1). A higher percentage reported to have the mother or the father in a non-employed status. Table 1. Descriptive data

Using Chi-square tests, we examined the relationship between parental employment status and the psychological aspects adjusting for school grade (as a proxy for age). We compared both parent employment status (employed and nonemployed) and feeling low between three age cohorts. The first was composed of 6th grade school students (N=1556, mean age 11.8), the second of 8th grade students (N= 1594, mean age 13.8) and the third of 10th grade school students (N= 1900, mean age 15.9). The results for both parental employment status and feeling low (table 2) showed strong statistically significant correlation for the 8th graders [χ² (4) = 22.702, p≤0.001].

62

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: ..., pp. 57-71

Table 2. Bivariate analysis (χ² ) between Psychological Variables and Parental Employment Status (ES) by School Grade

Feeling rarely or never low was present in 64.6% of the sample with both parents employed, while feeling low every week and more than once a week was present in 20.9% of the sample with both non-employed parents. As for feeling irritability or bad temper and both parental employment status (table 2), results showed again strong statistically significant correlation for the 8th graders [χ² (4) = 15.330, p≤0.05]. Rarely or never feeling irritability or bad temper was present in 56.9% of the sample with both parents employed and more than once a week was present in 13.1% of the sample with both non-employed parents. We performed a multiple linear regression analysis (table 3) and examined

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

63


Diana Frasquilho, J. M. Caldas de Almeida, Tânia Gaspar e Margarida Gaspar de Matos

the strength of age, gender and parental employment status as predictors of feeling low and irritability or bad temper. Both psychological variables were standardized and transformed into z-scores. Table 3. Multiple linear regression analysis: Psychological variables and Parental Employment Status

Overall these variables explained 3.5% of feeling low [R2adj =. 035; F (3) = 56.24, p≤.001] and 2.8% of feeling irritability or bad temper [R2adj =. 028; F (3) = 44.50, p≤.001].

64

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: ..., pp. 57-71

When performing the same statistical treatment for 6th grade, 8th grade and 10 grade separately (table 3), an adjusted model for 8th graders and parental employment was achieved and the variables reliably predicted feeling low [R2adj =. 049; F(2) = 37.29, p <0.001] and irritability or bad temper [R2adj =. 022; F(2) = 17.31, p<0.001]. These adolescents tend to report lower frequencies of feeling low (β = -.099, p<0.001) and irritability and bad temper (β = -.099, p<0.001) when parents are both employed. On the contrary, the employment status of both parents shows no significant influence for these psychological aspects for 6th graders and 10th graders. th

Father’s Employment Status We performed Chi-Square tests to compare data concerning mother and father employment status separately and the three age cohort group. Table 4. Bivariate analysis (χ² ) between Father ES and Psychological Variables by School Grade

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

65


Diana Frasquilho, J. M. Caldas de Almeida, Tânia Gaspar e Margarida Gaspar de Matos

Father employment status and adolescents’ feeling low data (Table 4) shows that this association is significant for 6th graders [χ² (4) = 15.56, p =.004] and 8th graders [χ² (4) = 21.15, p =.000). Results show no statistical significant differences for 10th graders. Students in 6th grade report rarely or never feeling low when father is employed (75.4%) and feeling low about every week when father is not-employed (8.4%). As for 8th graders the strongest association was found between rarely or never feeling low when father is employed (63.2%) and feeling low about every day (11.0%) and more than once a week when father is not employed (15.4%). Irritability or bad temper was statistically significant associated with father employment status in all age groups. The 6th graders show statically significant associations [χ² (4)= 10.80, p =.029] mainly in rarely or never feeling irritated or bad tempered (67.4%) when father is employed and feeling irritability or bad temper about every week when father is not-employed (10.9%). The 8th graders show the strongest associations [χ² (4) = 24.38, p =.000]. Rarely or never feeling irritability or bad temper was present in 55.9% of the sample with employed father, while 26.5% of the respondents reported feeling irritability or bad temper more than once a week and about every day when father is not-employed. The 10th grade respondents [χ² (4) = 11.56, p =.021] show associations only between having father not-employed and feeling irritability or bad temper about every week (17.6%). Mother’s Employment Status Mother’s employment status and adolescents’ feeling low (Table 5) was only significant for 8th graders [χ² (4) = 13.82, p =.008]. The association was found between feeling low about every week (9.0%) when mother is not-employed and feeling rarely or never low when mother is employed (64.0%).

66

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: ..., pp. 57-71

Table 5. Bivariate analysis (χ² ) between Mother ES and Psychological Variables by School Grade

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

67


Diana Frasquilho, J. M. Caldas de Almeida, Tânia Gaspar e Margarida Gaspar de Matos

Moreover, irritability or bad temper was only statistically significant associated with mother’s employment status among the 8th graders [χ² (4) = 10.01, p =.040). The associations were found between having the mother employed and rarely or never feeling irritability or bad temper (55.9%) and feeling irritability or bad temper about every week (11%) and having the mother not-employed. Discussion Data showed that the associations between parental employment status and adolescents’ mood vary across age groups and with parent gender. Firstly, strong significant differences between feeling low and irritability or bad temper and parental employment status of both parents were only present among the 8th graders. Secondly, all independent variables (age, gender and parental employment status) were predictors of feeling low and irritability or bad temper. Although the strength of association is relatively weak it was especially relevant for the 8th graders. Thirdly, on one hand having non-employed father was associated with higher frequencies of feeling low among the younger cohort groups (6th and 8th graders) and had no influence in older respondents of the 10th grade. On the other hand, higher rates of irritability or bad temper were associated with having a non-employed father in all age groups. At last, having non-employed mother had no significant effects on younger and older (6th and 10th graders) adolescents’ psychological well-being indicators. However, 8th graders reported frequently feeling low and irritability or bad temper when mother is non-employed and rarely or never when mother is employed. Overall, age seems to act as a potential moderator between parental employment status and frequencies of psychological symptoms. Available evidence shows that younger adolescents use more family oriented coping strategies than the older adolescents (Plancherel, Bolognini, & Halfon, 1998), meaning that they may feel more distressed when parents are under the effects of job loss than their older counterparts. In this study the middle aged group (8th graders) is the only group that has reported high frequencies of feeling low and irritability with all parental nonemployment status. This evidence places 8th graders at a possible higher risk for negative influences of parental unemployment. This may be because midadolescents are starting to engage in peer support connections while still in need for family support. Parental disturbance can then create an increment of stress. However, further research is needed to give a better explanation for this difference. The results of this study suggest that parental employment status may play an important role of protection against low mood and irritability. Our results are similar to those reported by Myklestad and colleagues (2012) who found that parental unemployment and mental health were significantly associated with psychological

68

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: ..., pp. 57-71

distress among adolescents. Other authors also suggested that unemployed parents have to energetically cope with stressors and may be less supportive for their children and for that reason may be causing them distress (Christoffersen, 2000). Further research upon the quality of the relationship between parent-child and parental employment status is highly recommended. A clear limitation of the present study is its cross-sectional nature that makes it impossible to establish causality. Moreover, we did not control possible confounding factors such as education, income or duration of non-employment which should be also considered in future research. In spite of its limitations the fact that it is a national representative study in which parental employment status was not yet analysed in regard to age-related differences in a period of economic recession makes this a unique study to highlight the associations of macro-economic factors to psychological wellbeing of adolescents. Conclusion This study provides evidence for the influence of parental employment status in adolescents’ psychological well-being and suggests that age is an important mediator variable along with parent gender. Studies linking parental unemployment and its effects on their children are rare and this study gives additional information on the psychological consequences of parental employment status ranging from early teens to later adolescents. This evidence is relevant given the high rate of unemployment (18%) in Portugal and can be useful to acknowledge the need to support non-employed parents to better cope with the situation and prevent distress among their younger children. Adolescence is a decidedly period with regard to development and health influences. Having unemployed parents during this developmental stage can prone young people to negative effects on well-being that may influence further adult health. Because of the present socio-historical period of Portugal, research on the health consequences of adolescents with unemployed parents is urgently needed. Acknowledgements Frasquilho D. receives a grant from the Portuguese Foundation for Science and Technology (FCT), reference SFRH / BD / 80846 / 2011. None of the authors reported any further financial interests or potential conflicts of interest. We are grateful to Professor Gina TomÊ, Aventura Social/UTL, for the advice on means of analysing data.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

69


Diana Frasquilho, J. M. Caldas de Almeida, Tânia Gaspar e Margarida Gaspar de Matos

References Christoffersen, M. N. (1994). A follow-up study of longterm effects of unemployment on children: loss of self-esteem and self-destructive behavior among adolescents. Childhood, 2(4), 212-220. Christoffersen, M. N. (2000). Growing Up with Unemployment: A Study of Parental Unemployment and Children’s Risk of Abuse and Neglect Based on National Longitudinal 1973 Birth Cohorts in Denmark. Childhood, 7(4), 421-438. Conger, R. D., Ge, X., Elder, G. H., Jr. Lorenz, F. O., & Simons, R. L. (1994). Economic stress, coercive family process, and developmental problems of. Child Dev, 65(2 Spec No), 541-561. Cooper, B. (2011). Economic recession and mental health: an overview. Neuropsychiatr, 25(3), 113-117. Davalos, M. E., & French, M. T. (2011). This recession is wearing me out! Healthrelated quality of life and economic. J Ment Health Policy Econ, 14(2), 61-72. Dew, M. A., Penkower, L., & Bromet, E. J. (1991). Effects of unemployment on mental health in the contemporary family. Behav Modif, 15(4), 501-544. Economou, M., Madianos, M., Peppou, L. E., Patelakis, A., & Stefanis, C. N. (2013). Major depression in the era of economic crisis: a replication of a crosssectional study across Greece. J Affect Disord, 145(3), 308-314. Eriksson, T., Agerbo, E., Mortensen, P. B., & Westergaard-Nielsen, N. (2010). Unemployment and Mental Disorders: Evidence from Danish Panel Data. International Journal of Mental Health, 39(2), 56–73. Fuentetaja, A. M. L., & Masó, A. C. (2007). Adolescencia: Limites Imprecisos. Madrid: Alianza Editorial. Gili, M., Roca, M., Basu, S., McKee, M., & Stuckler, D. (2013). The mental health risks of economic crisis in Spain: evidence from primary care. Eur J Public Health, 23(1), 103-108. Harland, P., Reijneveld, S., Brugman, E., Verloove-Vanhorick, S., & Verhulst, F. (2002). Family factors and life events as risk factors for behavioural and emotional problems in children. European Child & Adolescent Psychiatry, 11(4), 176. Hauksdottir, A., McClure, C., Jonsson, S. H., Olafsson, O., & Valdimarsdottir, U. A. (2013). Increased Stress Among Women Following an Economic Collapse-A Prospective Cohort Study. Am J Epidemiol, 177 (9):979-988. INE. (2013). Estatísticas do Emprego: 1º Trimestre. JianLi, W., Smailes, E., Sareen, J., Fick, G. H., Schmitz, N., & Patten, S. B. (2010). The Prevalence of Mental Disorders in the Working Population Over the Period of Global Economic Crisis. Can J Psychiatry, 55(9), 598-605. Katikireddi, S. V., Niedzwiedz, C. L., & Popham, F. (2012). Trends in population mental health before and after the 2008 recession: a repeat cross-sectional analysis of the 1991-2010 Health Surveys of England. BMJ Open, 2(5). King, A., Wold, B., Tudor-Smith, C., & Harel, Y. (1996). The health of youth. A

70

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Does Age Matter? Parental Employment Status Influence on Psychological Well-Being: ..., pp. 57-71

cross-national survey. WHO Reg Publ Eur Ser, 69, 1-222. Kondo, N., Subramanian, S. V., Kawachi, I., Takeda, Y., & Yamagata, Z. (2008). Economic recession and health inequalities in Japan: analysis with a national sample, 1986-2001. J Epidemiol Community Health, 62(10), 869-875. Lee, S., Guo, W. J., Tsang, A., Mak, A. D., Wu, J., Ng, K. L., et al. (2010). Evidence for the 2008 economic crisis exacerbating depression in Hong Kong. J Affect Disord, 126(1-2), 125-133. Lundborg, P. (2002). Young people and alcohol: an econometric analysis. Addiction, 97(12), 1573-1582. McKee-Ryan, F., Song, Z., Wanberg, C. R., & Kinicki, A. J. (2005). Psychological and physical well-being during unemployment: a meta-analytic study. J Appl Psychol, 90(1), 53-76. Myklestad, I., Roysamb, E., & Tambs, K. (2012). Risk and protective factors for psychological distress among adolescents: a family study in the NordTrondelag Health Study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol, 47(5), 771-782. Plancherel, B., Bolognini, M., & Halfon, O. (1998). Coping strategies in early and mid-adolescence: Differences according to age and gender in a community sample. European Psychologist, 3(3), 192-201. Roberts, C., Currie, C., Samdal, O., Currie, D., Smith, R., & Maes, L. (2007). Measuring the health and health behaviours of adolescents through crossnational survey research: recent developments in the Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) study. Journal of Public Health, 15(3), 179-186. SEDES (2012). O Impacto da Crise no Bem-estar dos Portugueses. Lisbon: SEDES. Solantaus, T., Leinonen, J., & Punamaki, R. L. (2004). Children’s mental health in times of economic recession: replication and extension of the family economic stress model in Finland. Dev Psychol, 40(3), 412-429. Sund, A. M., Larsson, B., & Wichstrom, L. (2003). Psychosocial correlates of depressive symptoms among 12-14-year-old Norwegian. J Child Psychol Psychiatry, 44(4), 588-597. Uutela, A. (2010). Economic crisis and mental health. Curr Opin Psychiatry, 23(2), 127-130. Vandoros, S., Hessel, P., Leone, T., & Avendano, M. (2013). Have health trends worsened in Greece as a result of the financial crisis? A quasi-experimental approach. Eur J Public Health. Warr, P. B. (1987). Work, unemployment, and mental health: Clarendon Press. WHO (2011). Impact of economic crises on mental health. Retrieved from http:// www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/134999/e94837.pdf.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

71



A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: A Transição entre níveis de ensino Student and Teacher perception on the interdependence teacher-student: the transition between teaching levels Francisco Ramos Leitão

Universidade Lusófona

Helena Bilimória

Instituto Superior de Ciências da Informação e Administração

Contacto para Correspondência: bilimoriahelena@hotmail.com Resumo: O presente estudo analisa a forma como a percepção dos alunos e dos docentes sobre o apoio e suporte proporcionado pelos professores, evolui ao longo dos diferentes níveis de ensino. A amostra é constituída por 704 professores (do pré-escolar ao ensino secundário) e por 1908 alunos (do primeiro ciclo ao ensino secundário). Investigações anteriores, particularmente nos escalões etários entre os 5/7 anos e os 9/10 anos, concluíram por uma quebra abrupta e negativa na percepção dos alunos sobre o apoio prestado pelos docentes. Estes primeiros estudos foram criticados por não terem levado em consideração mudanças comportamentais relacionadas com as várias fases do desenvolvimento. Os dados do nosso estudo, que abrange alunos e professores de todos os níveis de ensino, apontam não para uma quebra abrupta na percepção dos alunos, mas para uma declínio lento e gradual que é acompanhado por uma curva evolutiva praticamente idêntica na percepção dos docentes. Estas

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

73


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

curvas evolutivas poderão dever-se não apenas a mudanças no envolvimento educativo ou a mudanças comportamentais próprias de determinadas fases do desenvolvimento, como a adolescência, mas fundamentalmente a uma dificuldade crescente em a escola ajustar as respostas educativas que proporciona, particularmente o apoio educativo e académico, às expectativas, necessidades e mudanças desenvolvimentais dos seus alunos. Para melhor compreender a evolução destes processos interactivos e seu impacto na qualidade do processo educativo, importa alargar estas análises a outras dimensões da relação pedagógica, nomeadamente a interacção alunoaluno, a relação professor-professor, os processos de negociação no contexto da sala de aula e a meta-aprendizagem. Abstract: The present research analyses the way students’ and teachers’ perceptions about support provided by teachers evolve through the different school levels. The sample includes 704 teachers (from kindergarten to high school) and 1908 students (from primary school to high school). Previous studies, namely between the age groups of 5/7 and 9/10 years old, concluded that there was an abrupt decrease in the perception of students regarding the support provided by teachers. However, these first studies were criticized because they didn’t take into account the behavioral changes associated to the different developmental stages. The data from the present study, that integrates students and teachers from all school levels, point, not to an abrupt decrease in the perception of students, but to a slow and progressive decline, followed by an evolutionary curve almost identical in the perception of teachers. These evolutionary curves can be attributed not only to changes in educational involvement or to behavioral changes due to certain developmental stages, as adolescence, but primarily to a increasing difficulty of school to adjust educational responses provided, namely the educational and academic support, to expectations, needs and developmental changes of students. For a better understanding of the evolution of these interactive processes and their impact on the quality of the educational process, it is relevant to extend this analysis to other dimensions of the pedagogical relationship, such as student-student interactions, teachers-teachers interactions, autonomy support and meta-learning. Introdução O processo de globalização a que actualmente assistimos manifestase, no plano das relações sociais, no alargamento e aumento dos níveis de interdependência bem como no aumento da diversidade/heterogeneidade dos elementos que integram os grupos. As escolas confrontam-se de forma cada vez

74

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

mais significativa com questões como a diversidade étnica e cultural, problemas de comportamento, gravidez não desejada em idades baixas, violência, toxicodependência, pobreza, deficiências e muitas outras problemáticas. Desta forma, uma das tendências que caracteriza o desenvolvimento dos sistemas educativos actuais é o alargamento das oportunidades educacionais a um universo cada vez mais heterogéneo de alunos. Como acto social, a aprendizagem parece estar mais relacionada com os processos de socialização que decorrem da forma como se estruturam as interacções no seio da comunidade de aprendizes e que emergem de factores ecológicos e contextuais, do que com a simples actividade de instrução do professor. Neste sentido, o trabalho de inclusão escolar centra-se no esforço de permanentemente reencontrar as estratégias e procedimentos que proporcionem a todos os alunos as melhores condições e oportunidades de aprenderem e interagirem, solidária e cooperativamente, desenvolvendo ao máximo as suas competências académicas e sociais. Por certo que é fundamental assumirmos, como ponto de partida, que a diferença é um valor, mas o verdadeiro desafio, o desafio que quotidianamente se coloca ao professor, é o de saber até que ponto as suas práticas, os seus comportamentos, as suas palavras, os seus gestos, os seus olhares, a cultura organizacional que ajuda a construir na sala de aula, influencia, condiciona e determina, a forma como os alunos olham uns para os outros, a forma como os alunos olham e convivem com as suas diferenças. Em termos globais a revisão da literatura sobre inclusão sugere que os professores são um elemento central na implementação de uma educação inclusiva, que as atitudes positivas dos docentes desempenham um papel relevante nesse processo, que funciona e é eficaz para todos os alunos, eficácia que aumenta na base de variáveis como o apoio e os recursos, a formação de docentes, a organização dos processos sociais de aprendizagem, o sentimento de pertença participação e partilha, mesmo quando alguns desses factores, face à presença de barreiras que sempre poderão ocorrer, não atingiram a sua máxima plenitude, se é que essa plenitude alguma vez poderá ser alcançada. Tendo por base algumas das mais recentes revisões da literatura sobre esta temática, particularmente as de Anke de Boer, Sip Jan Pijl e Alexander Minnaert (2011) e de Deirdre O´Brien, Martin Kudlácek e Peter David Howe (2009), este último no âmbito específico da Educação Física, passaremos a analisar alguns dos resultados mais significativos que essas revisões da literatura registaram. No que respeita às variáveis do professor, as questões da formação inicial e da formação em exercício, da experiência profissional, das atitudes, da percepção sobre as barreiras à aprendizagem e à participação, foram, indubitavelmente, as mais investigadas. No que toca às variáveis do aluno foram essencialmente estudadas as suas características e tipo de deficiência, bem como as percepções dos alunos sobre os

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

75


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

seus pares com ou sem características especiais (Coats & Vickerman, 2010). Quanto às designadas variáveis de produto, a investigação centrou a sua atenção no impacto do processo inclusivo no desempenho académico, no desenvolvimento de competências sociais e comunicativas, na construção de atitudes positivas dos alunos ditos normais e dos alunos com necessidades educativas especiais, apontando todos os estudos para o facto de a presença de alunos com necessidades educativas especiais, oriundas ou não de deficiências, não ter impacto negativo nos alunos ditos normais. Finalmente, múltiplos estudos deram uma atenção especial às variáveis de processo, aquelas que no contexto da presente investigação mais nos interessam, tendo sido investigadas questões tão diversas como a do desenvolvimento do sentido de pertença, da participação e partilha, do isolamento social, das oportunidades de interacção social, das estratégias de apoio, do tempo na tarefa, da colaboração e apoio entre alunos, estre professores e entre alunos e professores. De entre os estudos relativos às variáveis do professor, o tema das atitudes talvez tenha sido o que mais atenção mereceu por parte dos investigadores (Hodge, Ammah et al, 2009), que orientaram as suas linhas de investigação em três direcções distintas mas complementares. A do estudo das atitudes em relação à inclusão, da análise das variáveis com que essas atitudes estão relacionadas e se essas atitudes influenciam e de que forma os níveis de participação social dos alunos com necessidades educativas especiais. Os resultados, na sua globalidade positivos, sugerem como factores importantes, na implementação de processos inclusivos, os professores, a sua formação, experiência e atitudes, os recursos disponíveis, a legislação. Em termos de inclusão escolar as expectativas dos pais e dos profissionais vão no sentido de os alunos com Necessidades Educativas Especiais participarem plena e activamente nos grupos de que fazem parte. De referir que a investigação (Yu, 2005; Mand, 2007; Pijl, 2008, De Boer, 2011) tem mostrado que a integração física de alunos com Necessidades Educativas Especiais, só por si, não conduz automaticamente a uma maior aceitação desses alunos por parte dos seus pares, pelo que toda a literatura refere que a problemática da participação social dos alunos com N. E.E. merece maior atenção por parte da investigação. Em termos gerais esses e outros estudos (Chamberlain, 2007; Frostad & Pijl, 2007; Guralnik et al., 2007; Koster, 2010) parecem ter demonstrado que a maioria dos alunos com N.E.E. apresenta um grau satisfatório de participação social, embora alertem para o facto de estes alunos mostrarem maiores dificuldades na sua participação social, usufruírem de um menor número de amigos, de menos interacções com os seus pares e de mais interacções com os professores. Esses estudos referem também que os alunos com N.E.E. correm mais riscos de isolamento social e são menos aceites que os seus pares sem necessidades especiais. Uma educação inclusiva, uma educação de qualidade que a todos

76

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

valorize e respeite, requer uma diversidade de apoios, sendo essencial o papel dos professores na organização das interacções entre alunos. Numa altura de diminuição de recursos, de grandes pressões e exigências em alcançar metas e objectivos, torna-se particularmente importante o professor encontrar formas de apoiar todos os alunos, de promover o papel dos pares na organização do apoio mútuo, até porque uma vasta literatura (Leitão, 2010) sugere que os professores aumentam a qualidade das suas práticas quando promovem a cooperação entre alunos. Um número muito significativo de investigações, no domínio da aprendizagem cooperativa (Johnson & Johnson, 1989; Slavin, 1990, 1995; Putnam, 1998; Lew, 1984; Cosden, 1985; Hine, 1990), que incluem estudos que respeitam às interacções sociais entre alunos com e sem deficiência, informam-nos que trabalhar cooperativamente se traduz em resultados académicos mais elevados, aumento da auto-estima, maior aceitação do outro, reforço das relações de amizade, desenvolvimento das competências sociais e maior actividade e sentido crítico como aprendiz. Nos anos oitenta e noventa (Welch, Brownell & Sheridan; 1999; Welch, 2000) regista-se, face às políticas de integração e inclusão de alunos com Necessidades Educativas Especiais, um interesse crescente pela temática da colaboração entre professores. O interesse dos investigadores centrou-se essencialmente em questões como a forma e eficácia dessa colaboração, a preparação e apoio aos docentes, o tempo utilizado na planificação conjunta das actividades ou o grau de satisfação dos docentes. No entanto algumas questões têm sido levantadas a esses estudos, particularmente do foro conceptual e das formas específicas que essa colaboração assumia. Em termos gerais, os estudos sobre a colaboração entre docentes (Mastropieri et al., 2005; Friend, 2008; Friend et al., 2010), revelam que as temáticas mais estudadas são o papel dos professores, a forma como se organizam os processos comunicativos e interactivos entre eles, a sua percepção sobre a colaboração, o impacto dos mecanismos colaborativos na aprendizagem e comportamento dos alunos. Não sendo as interacções professor-aluno tão rotineiras como por vezes se pensa, a literatura especializada tem chamado a atenção para a importância de analisar, no contexto geral do processo de ensino-aprendizagem, a forma como se estruturam os diversos aspectos das interacções sociais, neste caso as particularidades da interacção professor-aluno. Até porque se sabe que a forma como se estruturam esses processos interactivos varia em função de todo um conjunto de factores de entre os quais poderemos salientar a cultura organizacional de escola, a experiência e formação dos docentes, o nível de ensino ministrado. Uma multiplicidade de estudos confirmam que a construção de envolvimentos de aprendizagem marcados por interacções sociais positivas, influencia a participação e o sucesso dos alunos, envolvimentos que em grande parte se organizam na base de um equilíbrio sempre instável entre estilos de

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

77


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

ensino que vão dos direct teacher-centred styles aos indirect children-centred styles. Os primeiros, mais centrados no professor, no comando e na tarefa, na normalização, num estilo mais autoritário e de maior controlo. Os segundos, mais centrados na descoberta guiada e na resolução de problemas, no apoio e no encorajamento, na confiança e nos cuidados, no empowerment dos alunos, na ideia de autonomy support. Mais próximas deste segundo pólo estão a liderança transformacional, concebida em 1998 por Bass, ou o que Noddings designa por caring pedagogy. Em termos gerais, a liderança transformacional, que encontra as suas origens na psicologia organizacional, centra a sua atenção no desenvolvimento do sentimento de competência e capacidade dos alunos, no encorajamento e maximização das suas potencialidades, na atenção a dar ao seu bem-estar, às suas necessidades, interesses e expectativas, no instigar os alunos a pensarem por si próprios, no optimismo, entusiasmo e construção de uma visão positiva do futuro. Estudos relativamente recentes (Sarrazin, 2006; Taylor & Ntoumanis, 2007; Bertucci et al., 2010; Bru et al., 2010; Beaucham & Morton, 2011; Wang et al. 2011; Wilson et al 2012) confirmam que as percepções dos alunos sobre os estilos de ensino usados pelos docentes, no caso os estilos que se aproximam do teaching style of autonomy support, se traduzem em níveis motivacionais, de controlo interno e de empenho na actividade, bem mais elevados. Da mesma forma, esse clima motivacional, de maior autonomia e suporte, parece ser o factor mediador entre as expectativas iniciais do professor e as percepções que posteriormente os alunos apresentam sobre as suas competências e capacidades. Pretende-se, com o presente estudo, analisar em que medida, na percepção de professores e alunos, se estrutura e evolui a interdependência professor/aluno em contexto de sala de aula, particularmente na dimensão do suporte e apoio proporcionado pelos docentes, tendo em conta a transição entre níveis de ensino. Investigações anteriores concluíram que a percepção dos alunos sobre o apoio proporcionado pelos docentes sofre uma quebra abrupta com a transição para os níveis de ensino subsequentes, passando os alunos a ter uma visão mais negativa da escola e em particular da forma como se organizam os processos de interdependência entre alunos e professores. No entanto, muitos destes estudos foram alvo de algumas críticas por parte de outros investigadores, por não terem levado em consideração, entre outros factores, o facto de, com a idade, com a aproximação e entrada na adolescência – esse grande organizador psicológico tão fortemente marcado por mudanças no plano dos mecanismos de comunicação, de identidade e identificação, da relação consigo mesmos e com as figuras de autoridade – a percepção desses alunos sobre o mundo que os rodeia mudar tão significativamente. Importa, assim, revisitar o assunto, levando em linha de conta não apenas a percepção dos alunos sobre a escola ao longo dos diferentes níveis de ensino, mas também a percepção dos próprios docentes.

78

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

Metodologia Participantes Tomaram parte neste estudo 704 professores, provenientes de diferentes zonas do país, com maior incidência na zona Norte e Centro. Desses professores, 550 (78,1%) eram do género feminino e 154 (21,9%) pertenciam ao género masculino. Quanto às idades, considerando o modelo do ciclo de vida profissional dos professores (Huberman, 1989), constatou-se que 183 (26%) se situavam entre os 29 e os 34 anos; 168 (23,9%) professores situavam-se na faixa etária entre os 35 e os 40 anos; 208 (29,5%) professores tinham idades compreendidas entre os 41 e os 50 anos e 145 (20,6%) apresenta uma idade superior a 50 anos. No que concerne ao nível de escolaridade lecionado, 51 (7,2%) eram educadores no ensino pré-escolar, 302 (42,9%) lecionam no 1º ciclo, 326 (46,3%) lecionam no 2º e 3º ciclo e 25 (3,6%) lecionam no Ensino Secundário. Em relação aos alunos, num contingente de 1908, 993 (52%) pertenciam ao género feminino e 915 (48%) pertenciam ao género masculino. Desses alunos, 574 (30,1%) frequentavam o 1º ciclo, 779 (40,8%), o segundo ciclo, 519 (27,2%) frequentava o terceiro ciclo e 36 (1,9%) frequentava o Ensino Secundário. Instrumentos Foi aplicado um inquérito por questionário ASA-PPP (Leitão, 2013), que consiste em duas escalas multidimensionais, sendo que a primeira pretende recolher dados sobre a percepção dos docentes e dos alunos sobre a interdependência professor/ aluno, em contexto de sala de aula, enquanto que a segunda permite recolher dados sobre a autoestima profissional dos docentes. Para o efeito desta investigação, apenas foram analisados os dados recolhidos com a escala sobre as percepções dos professores e dos alunos sobre a interdependência professor/aluno. Qualquer das duas escalas é composta por 25 itens, distribuídos por 5 dimensões: interdependência aluno/aluno (aprendizagem ativa e cooperativa); interdependência professor/aluno; negociação; meta-aprendizagem; e, interdependência professor/professor (ensino cooperativo). As respostas aos itens eram dadas de acordo com uma escala tipo Likert com 6 opções de resposta, variando entre 1 (raramente) e 6 (sistematicamente). No estudo aqui apresentado, apenas serão analisados os dados respeitantes à dimensão interdependência professor-aluno. Procedimentos Após obtenção da autorização das escolas para a administração dos inquéritos por questionário, solicitou-se aos diretores dos agrupamentos e/ou escolas não agrupadas, a distribuição e recolha dos mesmos num prazo de 15 dias. Após esse prazo, os inquéritos respondidos foram recolhidos junto das direções das escolas.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

79


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

Procedeu-se à análise e tratamento dos dados, tendo-se para tal recorrido ao programa PASW STATISTICS – versão 20. Uma vez que se detetou a ausência de distribuição normal em algumas das condições das variáveis analisadas, aplicouse o teste não-paramétrico Kruskal-Wallis para proceder à análise comparativa, entre os diferentes níveis de ensino quer no grupo dos docentes, quer no grupo dos professores. Para proceder à análise da interação entre o nível de ensino lecionado pelos professores e o nível de ensino frequentado pelos alunos foi necessário proceder a alguns processos de recodificação de dados e de criação de variáveis. Assim, dado que os professores selecionados ensinavam desde o nível pré-escolar, passando pelo 1ºciclo, 2ºe 3º ciclo e nível do Ensino Secundário e os alunos inquiridos eram do 1ºciclo, 2º ciclo, 3º ciclo e Ensino Secundário, houve necessidade de se proceder a uma recodificação com criação de uma nova variável. A esta variável designou-se por “nível de ensino” e foram considerados os seguintes níveis: préescolar, 1º ciclo, 2º e 3º ciclo e Ensino Secundário, implicando que os alunos que pertenciam a categorias diferentes (2º ciclo e 3º ciclo) passassem a ser incluídos na mesma categoria (2º e 3ºciclo). Posteriormente, eliminaram-se da análise os professores que lecionavam no pré-escolar, uma vez que no grupo de alunos não havia sujeitos nesta categoria. Com esta recodificação e criação de uma nova variável pretendeu-se equalizar os dois grupos (professores e alunos) de modo a permitir verificar o grau de interação entre o nível de ensino e o facto de ser professor ou aluno. Resultados Começamos por apresentar a tabela nº 1, na qual se encontram os valores das medidas descritivas da variável “interdependência professor-aluno”, quer na perspectiva dos alunos quer na perspectiva dos professores. Tabela 1. Medidas descritivas da variável interdependência professoraluno em sala de aula Interdependência professor-aluno

N

Média

Desvio-padrão

Min

Max

Alunos Professores

1904 703

4,38 4,74

1,012 0,694

1,0 2,60

6,0 6,0

Verifica-se que, no caso dos professores, a percepção sobre a interdependência professor/aluno, que fundamentalmente mede o apoio e suporte académico e emocional proporcionado pelos docentes, atinge valores bastante elevados (M= 4,74; DP= 0,694); no que respeita aos alunos, os valores mantêm-se relativamente elevados, ainda que o valor médio seja inferior ao apresentado pelos docentes (M=4,38; DP= 1,012). Assim, quer num caso quer

80

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

no outro, registam-se valores positivos no que respeita à percepção sobre a interdependência professo-aluno (acima do valor médio da escala de Likert – 3,5). De seguida procedeu-se a uma análise comparativa entre os resultados obtidos junto dos professores e dos alunos no que respeita à percepção destes sobre a interdependência professor-aluno em contexto educativo de sala de aula. Tabela 2. Análise comparativa das perceções de professores e alunos sobre a interdependência professor-aluno com teste não-paramétrico U de MannWhitney Interdependência professor-aluno

N

Ordenação das médias

Z

U

p

Alunos

1904

1237,2

-7473

542111,5

000

Professores

703

1484,9

A análise com o teste de U de Mann-Whitney, revela que as diferenças entre professores e alunos são estatisticamente significativas: U = 542111,5, N1= 1904; N2= 703; p= .000, revelando os professores uma perceção mais positiva do que os alunos. Analisámos, de seguida, da existência ou não de diferenças, no grupo dos professores, relativamente à percepção destes sobre a interdependência professor-aluno, de acordo com o nível de escolaridade que lecionam. Na tabela 3 apresentam-se as medidas descritivas respetivas. Tabela 3. Percepção dos docentes - medidas descritivas da variável interdependência professor-aluno tomando o nível de ensino lecionado pelos professores como variável diferenciadora Interdependência professor-aluno

N

Média

Desvio-padrão

Mínimo

Máximo

Pré-escolar

51

5,06

0,683

2,8

6,0

1ºciclo

301

4,91

0,581

2,8

6,0

2º e 3º ciclo

326

4,54

0,734

2,6

6,0

Ensino Secundário

25

4,47

0,666

2,8

5,6

Verifica-se que o nível de ensino que apresenta valores médios mais elevados relativamente à interdependência professor –aluno é o nível do préescolar (M= 5,06; DP= 0,683). O nível de escolaridade que se destaca pela média inferior é o Ensino Secundário. A aplicação do teste kruskal-Wallis, teste não paramétrico utilizado por ausência da condição de normalidade das distribuições, destacou que as diferenças observadas entre os níveis de ensino, dentro do grupo de professores, são estatisticamente significativas: χ2= 57,993, g.l= 3, p =.000.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

81


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

Tabela 4. Percepção dos docentes - análise comparativa dos valores da interdependência professor-aluno tomando o nível de ensino lecionado pelos professores como variável diferenciadora Interdependência professor-aluno

N

Médias ordenadas

Pré-escolar

51

453,86

1ºciclo

301

400,57

2º e 3º ciclo

326

297,41

Ensino Secundário

25

271,32

χ2

Graus de liberdade

p

57,993

3

.000

Uma avaliação de Post-hoc, recorrendo ao teste C de Dunnet (uma vez que não estava presente a condição de homogeneidade de variâncias), revelou que as diferenças estatisticamente significativas eram entre o 2º e 3º ciclo e, por um lado, o pré-escolar, por outro, o 1º ciclo. Semelhante situação foi encontrada ao nível do Ensino secundário: as diferenças estatisticamente significativas eram entre o Ensino Secundário e o pré-escolar e entre o Ensino Secundário e o 1º ciclo. Entre o pré-escolar e o 1º ciclo não foram encontradas diferenças com significado estatístico; o mesmo sucedendo entre o 2º e 3º ciclo e o Ensino Secundário. O mesmo tipo de estudo foi aplicado às respostas obtidas com o questionário aplicado aos alunos. Na tabela 5 apresentam-se as medidas descritivas da variável interdependência professor-aluno, tomando o nível de ensino frequentado pelos alunos como variável diferenciadora. Tabela 5. Percepção dos alunos - medidas descritivas da variável interdependência professor-aluno tomando o nível de ensino frequentado pelos alunos como variável diferenciadora Interdependência professor-aluno

N

Média

Desvio-padrão

Mínimo

Máximo

1º ciclo

574

4,91

0,730

2,0

6,0

2ºciclo

776

4,38

0,987

1,0

6,0

3º ciclo

518

3,82

1,032

1,0

6,0

Ensino Secundário

36

4,03

0,565

2,8

5,0

Constata-se que são os alunos do 1º ciclo que revelam médias superiores (M= 4,91, DP= 0,730). Os alunos do 3º ciclo são que apresentam as médias mais baixas relativamente à interdependência professor-aluno (M= 3,82; DP=1,032). Uma análise comparativa, recorrendo ao teste de Kruskal-Wallis, dada a ausência da condição de normalidade das distribuições, permitiu verificar que as diferenças observadas são estatisticamente significativas: χ2= 340,17, g.l.= 3, p=.000.

82

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

Tabela 6. Percepção dos alunos - análise comparativa dos valores da interdependência professor-aluno tomando o nível de ensino frequentado pelos alunos como variável diferenciadora Interdependência professor-aluno

N

Médias ordenadas

1º ciclo

574

1250,77

2ºciclo

776

949,08

3º ciclo

518

647,00

Ensino Secundário

36

666,21

χ2

Graus de liberdade

p

340,17

3

.000

Uma análise de Post-hoc, recorrendo ao teste C de Dunnet, dada a ausência da condição de homogeneidade de variâncias, permitiu verificar que as diferenças estatisticamente significativas eram entre o 1º ciclo e os restantes ciclos de ensino (2º ciclo, 3º ciclo e Ensino Secundário) e entre o 2º ciclo e os restantes ciclos de ensino (1º ciclo, 3º ciclo e Ensino Secundário). Entre o 3º ciclo e o Ensino Secundário, as diferenças encontradas não tinham significado estatístico. Pretendeu-se ainda verificar se existiriam fenómenos de interação entre o nível de ensino e o facto de ser o professor ou o aluno que influenciasse os resultados na variável interdependência professor-aluno. Para tal procedeu-se à realização de uma ANOVA two-way. Para a concretização desta análise, e como foi referido previamente, operou-se uma recodificação dos níveis de ensino, de modo a poder equalizar os dois grupos em termos de categorias. Assim, mantevese o pré-escolar (com o sujeitos no grupo de alunos) e o 1º ciclo; no grupo de alunos consideraram-se os 2º e 3º ciclos como um único grupo, tal como sucedia no grupo de docentes e, por fim, manteve-se o nível do Ensino Secundário. Dado não haver sujeitos do pré-escolar no grupo de alunos, optou-se, numa segunda fase, por eliminar da análise os professores que lecionassem neste nível de ensino. Apresentam-se, na tabela 7, as medidas descritivas da variável interdependência professor-aluno para os três níveis de escolaridade (1º ciclo, 2º e 3º ciclo e Ensino Secundário) tendo em consideração os dois grupos: professores e alunos.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

83


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

Tabela 7. Medidas descritivas da variável interdependência professoraluno tomando o nível de ensino e o grupo de professores e de alunos como variáveis diferenciadoras Interdependência professor-aluno

Grupo

N

Médias

Desvio-padrão

1º ciclo

Alunos

574 301

4,91 4,91

0,73 0,581

Professores 2º e 3º ciclo

Alunos Professores

1294 326

4,16 4,54

1,042 0,73

Ensino Secundário

Alunos Professores

36 25

4,03 4,47

0,565 0,666

Uma análise ANOVA two-way permitiu constatar a existência de uma interação entre o nível de ensino e o grupo de pertença: professores ou alunos: F(2, 2550) =11,224, p= .000, η2= .009. Efeitos principais devidos ao nível de ensino foram também detetados: F(2, 2550) =93,2, p=.000, η2= .068. Ainda foram encontrados efeitos principais por parte do grupo (professor ou aluno): F(1, 2550) = 11,17, p=.001, η2= .004. Tabela 8. Resultados da análise com ANOVA two way Teste de efeitos intersujeitos Fonte

Soma dos quadrados Tipo III

GL

Quadrado da Média

F

p

Eta quadrado parcial

Modelo corrigido

303,904a

5

60,781

77,199

,000

,131

Intercept

9528,211

1

9528,211

1,210E4

,000

,826

Nível de ensino

146,780

2

73,390

93,214

,000

,068

Grupo (professor ou aluno)

8,791

1

8,791

11,165

,001

,004

Nível de ensino* Grupo

17,674

2

8,837

11,224

,000

,009

Erro

2007,683

2550

,787

Total

53315,560

2556

Total corrigido

2311,586

2555

a. R ao quadrado = ,131 (R ao quadrado ajustado = ,130)

Uma comparação múltipla entre os três níveis de ensino permitiu verificar que as diferenças observadas são estatisticamente significativas entre o 1º ciclo e os outros níveis de ensino (2º e 3º ciclo e Ensino Secundário). Entre o 2º e 3º ciclo e o Ensino secundário as diferenças observadas não são estatisticamente significativas.

84

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

Embora estes resultados sejam relevantes, a sua interpretação reveste-se de alguma cautela, uma vez que não estava presente a condição de homogeneidade de variâncias. Além disso, a significância estatística é elevada, mas o poder do efeito não é grande. De facto, a interação entre o nível de ensino e o grupo (professores e alunos) explica apenas 0,9% da variância da interdependência professor-aluno. Discussão e reflexões finais A presente investigação mostra uma quebra ligeira e gradual, ao longo dos diferentes níveis de ensino, na percepção dos alunos sobre a interdependência com os professores, mas não uma mudança abrupta nessa percepção, o que não nos permite concluir que essa mudança afecte de uma forma negativa a percepção dos alunos sobre o apoio proporcionado pelos docentes. Mostra ainda esta investigação que uma linha evolutiva muito semelhante acompanha a evolução da percepção dos professores, registandose, efectivamente, uma mesma quebra gradual com a leccionação em níveis de ensino subsequentes. Com efeito, no que respeita à percepção dos alunos (Tabelas 5 e 6), registase uma quebra gradual do primeiro (M=4,91) para o segundo ciclo (M=4,38) e deste para o terceiro ciclo (M=3,82), quebra que é interrompida na transição para o ensino secundário (M=4,03), confirmando a estatística inferencial a existência de diferenças estatísticas significativas na transição entre o primeiro e o segundo ciclos, entre os segundo e terceiros ciclos, mas não entre o terceiro ciclo e o ensino secundário. No que à percepção dos professores diz respeito (Tabelas 3 e 4), onde os valores médios são ligeiramente superiores aos apresentados pelos alunos (M=4,74 nos professores e M=4,38 nos alunos), regista-se uma quebra global ligeira e constante entre o pré-escolar (M=5,06) e o ensino secundário (M=4,47), indicando a estatística inferencial a presença de diferenças estatísticas significativas entre o primeiro ciclo e os 2º/3º ciclos, mas não entre o pré-escolar e o primeiro ciclo nem entre os 2º/3º ciclos e o ensino secundário. As investigações realizadas neste domínio sugerem que com a transição entre níveis de ensino as características do envolvimento escolar, no que à organização do processo interactivo entre professores e alunos diz respeito, se tornam menos facilitadoras para a aprendizagem e desenvolvimento pessoal e social dos alunos, referindo esses estudos (Galton et al., 2000; Thuen & Bru, 2000; Hamre & Pianta, 2001; Ryan & Patrick, 2001) que essas mudanças podem afectar, negativamente, o desempenho académico dos alunos, a sua auto-imagem, as competências sociais, os níveis motivacionais e de concentração e empenho nas tarefas. No seu conjunto estas investigações apontam na direção de essa quebra no funcionamento dos alunos, que associam a uma percepção mais baixa sobre o apoio académico e emocional proporcionado pelos docentes, poder estar relacionada

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

85


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

com factores tão diversos como uma maior ênfase no desempenho e avaliação do aluno com as mudanças de ciclo, o aumento do número de professores e uma maior departamentalização do ensino, a relevância dos currículos para os alunos, a redução das oportunidades de individualização, um maior ênfase no controlo disciplinar a expensas da autonomia do aluno, o menor apoio (na percepção dos alunos) prestado pelos professores e maiores dificuldades em estes estabelecerem e manterem uma relação de maior proximidade com os alunos. Assim, confrontados com a falta de oportunidades para poderem tomar decisões, para mais plenamente poderem gerir e auto-regular a sua própria aprendizagem, os alunos dos níveis de ensino mais elevados sentiriam a escola como menos supportive, como menos adaptada à realização das suas necessidades básicas, vivenciando uma situação de menor satisfação com o apoio emocional e académico dos professores. No entanto, estudos mais recentes (Legaut et al., 2006; Reeve & Hyungshin, 2006; Weiss & Bearman, 2007; Chen, 2008; Folmer et al., 2008; Bru et al., 2010), criticam esses trabalhos por não terem levado em consideração mudanças comportamentais directamente relacionadas com a adolescência, argumentando que o problema não estaria tanto na transição de níveis de ensino e consequentes mudanças no envolvimento educativo, mas mais em aspectos desenvolvimentais inerentes à adolescência (hormonais, de comunicação, de identidade e identificação, cognitivos, aumento do sentido crítico, maior desejo de autonomia e auto-determinação), aspectos estes que poderiam ter um impacto negativo na percepção dos adolescentes sobre a escola em geral e, em particular, sobre a forma como vêm o apoio prestado pelos seus professores. Os dados por nós encontrados parecem ajustar-se melhor aos resultados e reflexões produzidas por estes últimos autores. Em primeiro lugar, no que respeita à percepção dos alunos, porque se regista uma quebra na transição do primeiro para o segundo ciclo e do segundo para o terceiro ciclo, mas não do terceiro ciclo para o ensino secundário. Curiosamente, mesmo não havendo diferenças estatísticas significativas entre as percepções dos alunos do terceiro ciclo e do ensino secundário, os valores médios registados sobem ligeiramente do terceiro ciclo (M=3,82) para o ensino secundário (M=4,03). Estamos longe, assim, da quebra abrupta registada nos primeiros estudos. Em segundo lugar, porque no que respeita à percepção dos professores, a quebra, constante do primeiro ciclo ao secundário, é igualmente lenta e gradual, não se registando mesmo diferenças estatísticas significativas nas percepções dos professores do 2º/3º ciclos do ensino básico (M=4,54) e do ensino secundário (M=4,47). Desta forma, a lenta diminuição da percepção dos alunos sobre o apoio académico e emocional que recebem dos seus professores, é como que confirmada pelos próprios docentes, já que estamos perante uma curva evolutiva decrescente sensivelmente idêntica nos professores e nos alunos. Os nossos resultados mostram uma tendência de descida, lenta e gradual, na transição entre níveis de ensino, quer na percepção dos alunos sobre o apoio

86

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

prestado pelos docentes, quer na percepção dos próprios professores sobre os processos interactivos professor/aluno. Tudo parece apontar, pois, para o facto de ao longo desta transição a escola se tornar menos supportive. No entanto, estas mudanças dificilmente poderão ser explicadas na base de factores mais directamente relacionados com o envolvimento educacional (estratégias do professor, currículo, avaliação, departamentalização…), da mesma forma que com dificuldade poderão ser explicadas na base de factores mais relacionados com mudanças desenvolvimentais próprias da fase da adolescência. Os dados por nós encontrados, ao apontarem para um declínio, lento e gradual, quer na percepção dos alunos, quer na percepção dos professores, parecem sugerir que estas transformações possam ser melhor explicadas na base da ideia de que ao longo dos diferentes ciclos de ensino a instituição escolar tem uma dificuldade crescente em ajustar as respostas educativas que proporciona, particularmente o apoio académico e emocional, à necessidades e mudanças desenvolvimentais dos seus alunos. Será que em Portugal, ao longo dos ciclos de escolaridade, o currículo valoriza the whole person, ou essa dimensão vai perdendo importância em detrimento da crescente intencionalização das aprendizagens, da ênfase dada à avaliação (bem presente no momento actual), de uma maior formalidade nas relações professor/ aluno, de uma atitude mais centrada na transmissão de conteúdos? Ou seja, será que a escola vai perdendo, progressivamente, aquelas características que definem o que Noddings designa de caring pedagogy? Será que estas mudanças potenciam a construção de contextos de aprendizagem com um cariz mais competitivo e a uma maior comparação entre alunos? Será que estes factores poderão dificultar a construção de uma relação mais positiva e construtiva, de maior proximidade, entre alunos e professores? Será que estes ambientes de aprendizagem acolhem a maior necessidade de autonomia e independência dos alunos? Será que são os contextos de aprendizagem mais adequados a uma fase do desenvolvimento em que os alunos, adolescentes, apresentam maiores dificuldades nos processos comunicativos e relacionais com as figuras de autoridade, nomeadamente pais e professores? Será que face a todo este conjunto de factores os alunos não poderão, mais facilmente, imputar as suas dificuldades e insucessos, aos próprios professores? Será que de alguma forma, este equilíbrio, sempre necessário, entre a ênfase dada aos aspectos relacionais e a ênfase dada à tarefa, em função dos diferentes escalões etários, entra em ruptura durante a fase de adolescência dos alunos, nomeadamente na transição do primeiro para o segundo e do segundo para o terceiro ciclo? É que, de acordo com os nossos dados, esta situação poderá estar minimamente equilibrada, na percepção dos alunos, no ensino secundário. Mas apenas no que respeita à dimensão específica abordada ao longo do presente artigo. A capacidade do professor para apoiar os seus alunos, seja no plano académico seja no plano emocional, é um elemento essencial da qualidade do processo educativo. No entanto, mesmo no que ao processo interactivo

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

87


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

diz respeito, outras dimensões são igualmente relevantes. Referimo-nos, em particular, às dimensões da interdependência aluno-aluno, dos processos de negociação entre professores e alunos (que na literatura inglesa muitas vezes é referida como autonomy support) e à meta-aprendizagem. As dimensões do instrumento que utilizámos na presente investigação permitem medir, mas ultrapassa o âmbito do presente estudo. Poderão, no entanto, revelar-se extremamente úteis para, no âmbito de um estudo mais alargado que estamos a desenvolver e ultrapassa a dimensão específica que analisámos no presente estudo, melhor podermos compreender a forma como poderão, as escolas e os professores, aumentar, ao longo dos diferentes níveis de ensino, a percepção que os alunos têm sobre o apoio prestado pelos docentes. Até porque esses dados parecem apontar para o facto de, particularmente em relação às dimensões da interdependência aluno-aluno e dos processos negociais, da crescente autonomização do aluno em termos da gestão e regulação da sua própria aprendizagem, ao contrário do que numa lógica de aprendizagem e desenvolvimento se esperaria, se registar igualmente uma quebra ligeira e gradual do primeiro ciclo para o ensino secundário. Com efeito, no que respeita à percepção dos professores sobre os mecanismos negociais no contexto da sala de aula (autonomy support), os valores médios decrescem lenta e progressivamente do pré-escolar (M=4,42) para o primeiro ciclo (M=3,89) e dos 2º/3º ciclos (M=3,55) para o ensino secundário (M=3,30), onde os dados já se situam abaixo do valor médio da escala de Likert (3,5). No entanto, estes dados não são acompanhados pela curva evolutiva relativa à percepção dos alunos sobre os processos negociais, valores médios significativamente mais baixos e quase não sofrem alteração do primeiro ciclo para o ensino secundário, já que no primeiro ciclo esses valores médios se situam em 2,74, para praticamente se manterem inalteráveis no segundo ciclo (M=2,75), descerem muito ligeiramente no terceiro ciclo (M=2,59) e subirem muito tenuemente, mantendo-se no entanto abaixo do valor médio da escala de Likert (3,5), no ensino secundário (M=2,71). A análise destes dados, conjuntamente com os dados referentes à interdependência aluno-aluno e à meta-aprendizagem, ajudar-nos-ão, certamente, a melhor compreender a forma como evolui a percepção dos alunos sobre a interacção professor-aluno ao longo dos diferentes níveis de ensino, e, portanto, sobre a qualidade do processo educativo em que estão activamente envolvidos. Traremos a público, oportunamente, esses dados. Referências Bibliográficas Beauchamp, M. & Morton, K. (2011). Transformational teaching and physical activity engagement among adolescents. Exercise and Sport Sciences Reviews, 39, 133–139.

88

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

Bertucci, A.; Conte, S.; Johnson, D. & Johnson, R. (2010). The Impact of Size of Cooperative Group on Achievement, Social Support, and Self-Esteem.The Journal of General Psychology, 137(3), 256–272. Bru, E.; Stornes, T.; Munthe, E. & Thuen, E. (2010). Students’ Perceptions of Teacher Support Across the Transition from Primary to Secondary School. Scandinavian Journal of Educational Research, 54 (6), 519–533. Coats, J. & Vickerman, P. (2010). Empowering Children with Special Education Needs to Speak up: Experiences of Inclusive Physical Education. Disability and Rehabilitation, 32(18), 1517-1526. Chamberlain, B.; Kasari, C., & Rotheram-Fuller, E. (2007). Involvement or isolation. The social networks of children with autism in regular classrooms. Journal of Autism and Developmental Disorders, 37, 230–242. Chen, J. (2008). Grade-level differences: Relations of parental, teacher, and peer support to academic engagement and achievement among Hong Kong students. School Psychology International, 29(2), 183–198. Cosden, M. & Bryant, T. (1985). The Effects of Cooperative and Individual Goal Structures on Learning Disabled and non-learning Disabled Students. Exceptional Children, 52, 103-114. De Boer, A.; Pijl, S. & Minnaert, A. (2011). Regular Primary Schoolteachers ‘attitudes toward Inclusive Education: a Review of Literature. International Journal of Inclusive Education, 15(3), 331-353. Folmer, A.; Cole, D;, Sigal, A.; Benbow, L.; Satterwhite, L. & Swygert, K. (2008). Age-related changes in children’s understanding of effort and ability: Implications for attribution theory and motivation. Journal of Experimental Child Psychology, 99(2), 114–134. Friend, M. (2008). Co-teach! A manual for creating and sustaining classroom partnerships in inclusive schools. Greensboro, NC: Marilyn Friend, Inc. Friend, M. & Cook, L. (2010). Interactions: Collaboration skills for school professionals. Columbus, OH: Merrill. Friend, M.; Cook, L.; Hurley-Chamberlain, D. & Shamberger, C. (2010). CoTeaching: An Illustration of the Complexity of Collaboration in Special Education Journal of Educational and Psychological Consultation, 20, 9–27. Frostad, P., & Pijl, S. J. (2007). Does being friendly help in making friends? The relation between the social position and social skills of pupils with special needs in mainstream education. European Journal of Special Needs Education, 22, 15–30. Galton, M.; Morrison, I. & Pell, T. (2000). Transfer and transition in English schools. International Journal of Educational Research, 33(4), 341–363. Guralnick, M, Neville, B., Hammond, M. & Connor, R. (2007). The friendships of young children with developmental delays. A longitudinal analysis. Journal of Applied Developmental Psychology, 28, 64–79. Hamre, B. & Pianta, R. (2001). Early teacher-child relationships and the trajectory of children’s school outcomes through eighth grade. Child Development, 72(2), 625–638.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

89


Francisco Ramos Leitão e Helena Bilimória

Hine, M., Goldman, S. & Cosden, M. (1990). Error Monitoring by Learning Handicapped Students Engaged in Collaborative Microcomputer-based Writing. Journal of Special Education. 23(4), 407-422. Hodge, S., Ammah, J. et al (2009). A diversity of Voices: Physical Education Teachers’ beliefs about Inclusion and Teaching Students with Disabilities. International Journal of Disability, development and Education, 56(4), 401-419. Johnson, D. & Johnson, R. (1989). Cooperation and competition: Theory and Research. Edina, M.N.: International Book Company. Johnson, D. & Johnson, R. (1999). Structuring Academic Controversy. In Handbook of cooperative Learning Methods. Shomo Sharan, Editor. Westport: Praeger Publishers. Johnson, D. & Johnson, R. (2005). New Developments in Social Interdependence Theory. Psychology Monographs, 131(4), 285–358. Johnson, D. (2009). Reaching out: Interpersonal Effectiveness and Self-Actualization. Needham Heights, M.A.: Allyn e Bacon. Koster,M.; Pijl, S.; Nakken, H. & Van Houten, E. (2010). Social Participation of Students with Special Needs in Regular Primary Education in the Netherlands. International Journal of Disability, Development and Education, Vol. 57(1), 59–75. Legault, L.; Green-Demers, I. & Pelletier, L. (2006). Why do high school students lack motivation in the classroom? Toward an understanding of academic amotivation and the role of social support. Journal of Educational Psychology, 98(3), 567–582. Leitão, F. (2010). Valores Educativos, Cooperação e Inclusão. Salamanca: LusoEspañola de Ediciones. Lew, M. & Bryant, R. (1984). The Effects of Cooperative Groups on Regular Class Spelling Achievement of Special Needs Learners. Educational Psychology, 4, 275-283. Mand, J. (2007). Social position of special needs pupils in the classroom: A comparison between German special schools for pupils with learning difficulties and integrated primary school classes. European Journal of Special Needs Education, 22, 7–14. Mastropieri, M., Scruggs, T., Graetz, J., Norland, J., Gardizi, W. & McDuffie, K. (2005). Case studies in co-teaching in the content areas: Successes, failures, and challenges. Intervention in School and Clinic, 40, 260–270. O´Brien, D.; Kudlacek, M. & Howe, P. (2009). A Contemporary Review of English Language Literature on Inclusion of Students with Disabilities in Physical Education: a European Perspective. European Journal of Adapted Physical Activity, 2 (1), 46-61. Pijl, S.; Frostad, P. & Flem, A. (2008). The social position of pupils with special needs in regular schools. Scandinavian Journal of Educational Research, 52, 387– 405. Putnam, J. (1998). The Process of Cooperative Learning. In J. Putnam (ed.) Celebrating Diversity in the Classroom - Cooperative Learning and Strategies for

90

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Percepção de Alunos e Docentes sobre a Interdependência Professor-Aluno: ..., pp. 73-91

Inclusion (pp. 17- 48). London: Paul Brookes Pub. Reeve, J. & Hyungshim, J. (2006). What teachers say and do to support students’ autonomy during a learning activity. Journal of Educational Psychology, 98(1), 209–218. Ryan, A. & Patrick, H. (2001). The classroom social environment and changes in adolescents’ motivation and engagement during middle school. American Educational Research Journal,38(2), 437–460. Sarrazin, D.; Bressoux, P. & Bois, J. (2006) Relation Between Teachers’ Early Expectations and Students’ Later Perceived Competence in Physical Education Classes: Autonomy-Supportive Climate as a Moderator. Journal of Educational Psychology, 98 (1), 75–86. Slavin, R. (1990). Cooperative Learning: Theory, Research and Practice. Upper Saddle, N. J.: Prentice-Hall. Slavin, R. (1995). Cooperative Learning: Theory, Research and Practice. Needham Heights, M. A.: Allyn e Bacon. Taylor, I. & Ntoumanis, N. (2007). Teacher Motivational Strategies and Student Self-Determination in Physical Education. Journal of Educational Psychology, 99 (4), 747–760. Thuen, E. & Bru, E. (2000). Learning environment, meaningfulness of schoolwork and on-taskorientation among Norwegian 9th grade students. School Psychology International, 21(4), 393–413. Wang, G.; Oh, I.; Courtright, S. & Colbert, A. (2011). Transformational leadership and performance across criteria and levels: A meta-analytic review of 25 years of research. Group Organization Management, 36, 223–270. Weiss, C. & Bearman, P. (2007). Fresh starts: Reinvestigating the effects of the transition to high school on student outcomes. American Journal of Education, 113(3), 395–422. Welch, M., Brownell, K. & Sheridan, S. (1999). What’s the score and game plan on teaming in school: A review of the literature on team-teaching and schoolbased problem-solving teams. Remedial and Special Education, 20, 36-49. Welch, M. (2000). Descriptive Analysis of Team Teaching in Two Elementary Classrooms: A Formative Experimental Approach. Remedial and Special Education, 21(6), 366-376. Wilson, A.; Liu, Y.; Keith, S.; Wilson, A.; Kermer, L.; Zumbo, B. & Beauchamp, M. (2012). Transformational Teaching and Child Psychological Needs Satisfaction, Motivation, and Engagement in Elementary School Physical Education. Sport, Exercise, and Performance Psychology. Advance online publication. doi: 10.1037/ a0028635. Yu, G.; Zhang,Y. & Yan R. (2005). Loneliness, peer acceptance, and family functioning of Chinese children with learning disabilities. Psychology in the Schools, 42, 325–33.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

91



Do copo meio cheio à mente vazia: o impacto do consumo do álcool no funcionamento cognitivo From the filled up to the empty mind: the impact of alcohol consumption in cognitive functioning Sónia Ferreira

Psicóloga Clínica; Terapeuta Familiar e Sistémico; Mestre em Psicologia Forense e da Exclusão Social Unidade de Tratamento e Reabilitação Alcoológica (UTRA) – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa

Lídia Moutinho

Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria Mestre em Psicologia Cognitivo-comportamental Unidade de Tratamento e Reabilitação Alcoológica (UTRA) – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa

Paula Diegues

Psicóloga Clínica Pós-graduação em Psicologia da Consciência Unidade de Tratamento e Reabilitação Alcoológica (UTRA) – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa

Contacto para correspondência: sonia.mferreira@sapo.pt

Resumo: A Síndrome de Dependência Alcoólica afecta negativamente o funcionamento cognitivo, nomeadamente ao nível da memória, atenção, funções executivas, entre outras. Frequentemente as alterações cognitivas melhoram com o tempo de abstinência e com a idade. No entanto, outras persistem. Estas alterações podem condicionar o tratamento, podendo conduzir à recaída, sendo por isso necessário incluir no processo terapêutico a sua avaliação, bem como a estimulação Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

93


Sónia Ferreira, Lídia Moutinho e Paula Diegues

e a reabilitação dessas funções. Realizaram-se dois estudos, com o intuito de discriminar as variáveis que influenciam a existência ou não de défices, nos indivíduos com consumo de bebidas alcoólicas. Constatou-se a existência de défices cognitivos, principalmente ao nível da Atenção e da Linguagem, verificando-se uma certa tendência para se encontrarem alterações mais significativas nesta área, nos mais velhos e naqueles com menos tempo de abstinência. Palavras-chave: Défices Cognitivos; Síndrome de Dependência Alcoólica; Tratamento; Abstract: The alcohol dependence syndrome negatively affects cognitive functioning, particularly in terms of memory, attention, executive functions, among others. Cognitive changes often improve with abstinence time and with age. However, others persist in time. These changes may influence the treatment and can lead to relapse, so it is necessary to include in the therapeutic process the assessment, as well as the stimulation and rehabilitation of these functions. Two studies were conducted in order to discriminate the variables that influence the existence or not of deficits in individuals with alcohol consumption. One of the findings consists in the existence of cognitive deficits, especially at an attention and language level, and to some extent changes in this area were more significant in older and those with less time of abstinence. Key-words: Alcohol Dependence Syndrome; Cognitive Deficits; Treatment.

Introdução O consumo abusivo e continuado de álcool tem consequências devastadoras a nível psicossocial, mas também ao nível da saúde, provocando vários danos, alguns irreparáveis, nomeadamente no funcionamento cognitivo. A literatura tem procurado analisar o impacto do consumo de álcool, em indivíduos com diagnóstico de Síndrome de Dependência Alcoólica, recorrendo frequentemente a técnicas imagiológicas, de modo a descrever alterações cognitivas, comportamentais e emocionais, bem como a qualidade do funcionamento mental (Edwards, Marshall & Cook, 1999). Estes estudos têm demonstrado marcadas alterações ao nível da memória a curto-prazo, na atenção, na capacidade de abstração e de resolução de problemas (Heffernan, Moss & Ling, 2002; Noel & colaboradores, 2005), aprendizagem, velocidade psicomotora, velocidade do processamento de informações, eficiência cognitiva e capacidades visuo-espaciais (Parsons, 1998). Para além destes aspectos, tem-se verificado que as funções executivas também se encontram comprometidas, existindo dificuldades no processo de inibição do comportamento e na coordenação de

94

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Do copo meio cheio à mente vazia: o impacto do consumo do álcool no funcionamento ..., pp. 93-105

informações armazenadas na memória (Noel & colaboradores, 2002), o que afecta o processo de tomada de decisão. Neste sentido, o álcool prejudica todas as funções cerebrais, incluindo o comportamento, cognição, discernimento, coordenação psicomotora, entre outras. Neste campo, existe um espectro de danos cerebrais que vão desde as alterações ligeiras, típicas dos abusadores de álcool, até aos défices mais graves, que podem ocorrer mais frequentemente nos dependentes de álcool (Cunha & Novaes, 2004). Em relação a estes últimos podem ser descritos quadros neurológicos como a Síndrome de Korsakoff, em que existe um transtorno amnésico, em que as perdas da memória recente são irreversíveis, com alterações na memória remota e com confabulações. Outro quadro possível é a Encefalopatia Alcoólica, também designada como Síndrome de Wernicke, em que o indivíduo perde a coordenação dos movimentos (ataxia), pode apresentar oftalmoplegia, nistagmo e desenvolver sintomas psicóticos. Pode surgir, ainda, a combinação destas duas síndromes, denominada por Sindrome de Wernicke- Korsakoff, estando associada aos défices de Tiamina (Kaplan & Sadock, 1997). Convém salientar que as alterações do funcionamento cognitivo podem ocorrer mesmo em situações de ingestão pontual de álcool e quantidades reduzidas (Pitel et al, 2009). No entanto, em alguns casos, grande parte dos défices cognitivos mencionados anteriormente podem se reverter com a abstinência (Moselhhy, Georgiou &Kahn, 1999), dependendo do padrão de consumo, do tempo de abstinência e da idade (Parson, 1998). Neste sentido, torna-se fundamental que os défices cognitivos possam ser diagnosticados o mais precocemente possível, para que a intervenção inclua medidas de estimulação e reabilitação cognitiva, impedindo ou retardando a evolução dos mesmos (Zlotnick e Agnew; 1997). No entanto, convém salientar que durante a desintoxicação alcoólica, devido ao tempo reduzido da abstinência, seja de esperar que as capacidades cognitivas estejam comprometidas e que melhorem à medida que o tempo sem consumo de bebidas alcoólicas aumente (Oliveira, Laranjeira & Jaeger, 2002). Alguns estudos alertam para melhorias na memória episódica no primeiro mês de cessação do consumo de álcool (Kish et al., 1980), ainda que outros estudos apontem para um intervalo de tempo maior, rondando os seis meses (Pitel et al., 2009). Estes estudos têm também demonstrado que os alcoólicos acabam por demonstrar capacidades ao nível da memória episódica semelhantes aos indivíduos que não tiveram consumos, após vários anos de abstinência (Fein et al., 2006). Em contrapartida, nas funções executivas parece que a recuperação é apenas parcial passado seis meses de abstinência (Munro et al., 2000), podendo esta situação prolongar-se até treze meses após a paragem do consumo (Yohman et al, 1985), ainda que se verifique uma tendência para a normalização das funções com o aumento do tempo (Fein et al, 2006). Pitel et al (2009) salienta que este processo de regularização das funções executivas seria mais rápido se a paragem do consumo ocorresse em idades mais jovens. Os indivíduos mais velhos, devido a uma menor plasticidade

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

95


Sónia Ferreira, Lídia Moutinho e Paula Diegues

do cérebro, apresentam menor capacidade de recuperação, principalmente nas funções executivas. As alterações cognitivas a curto e a média prazo parecem ser fundamentais quando se planeia a intervenção terapêutica. Glem & Parsans (1991) referem que um funcionamento cognitivo pobre seria indicador de dificuldade em manter a abstinência a longo-termo. No mesmo sentido, Duffy (1995) realça que os Alcoólicos com alterações cognitivas, principalmente nas regiões frontais do cérebro, apresentam pior prognóstico, recaindo mais facilmente. Para além disso, o facto de os alcoólicos apresentarem alterações nas funções executivas, que inclui a memória operativa e a inibição do comportamento, pode condicionar o seu tratamento. Isto é, estas capacidades são fundamentais no controle do comportamento “automático” de beber, o que demonstra que se falharem pode levar ao retorno do consumo. A par desta situação, as funções executivas determinam o funcionamento da vida diária, principalmente o processo de tomada de decisão. Assim, défices nesta área pode levar estes indivíduos a optarem por determinadas soluções por serem mais atractivas, em relação aos ganhos imediatos, não ponderando as consequências dessas mesmas decisões (Bechara et al., 2001), o que afecta facilmente o processo terapêutico. As funções executivas estão relacionadas com a capacidade de planear e prever formas de resolução de problemas, bem como com a capacidade de iniciar a acção e de monitorizar o seu comportamento (Lezack, 1995) e todos estes elementos revelam-se cruciais durante o tratamento do alcoolismo, de modo a desenvolver um projecto de vida sem álcool. Assim, se um indivíduo não tiver estas capacidades básicas, não vai compreender o seu problema, nem ter flexibilidade para encontrar estratégias que previnam o consumo de bebidas alcoólicas. Outros estudos têm demonstrado que os défices cognitivos não são só importantes para definir estratégias de intervenção, bem como para analisar o prognóstico, mas também permitem identificar a fase motivacional em que se encontram. Calheiros, Oliveira e Andretta (2006) concluíram num estudo que realizaram, que os indivíduos que se encontravam na fase de pré-contemplação, em que não têm consciência do problema, apresentaram piores resultados nos testes cognitivos. À medida que a capacidade intelectual verbal diminuía, maior era a dificuldade em reconhecerem o seu problema de dependência alcoólica. Demonstraram, ainda, que a coexistência de défices cognitivos e desmotivação para o tratamento conduzia a um baixo investimento no mesmo. Assim, a intervenção nesta área deve incidir na reabilitação cognitiva, em que se procura promover a consciência do indivíduo acerca dos seus défices cognitivos e a sua interligação com o consumo de álcool, bem como promover a recuperação das funções cognitivas, diminuindo o sofrimento desencadeado por elas e a inadequação psicossocial (Allen, Goldstein & Seaton, 1997). Quando se actua nesta área é necessário ter em conta que muitos dos défices cognitivos, nos alcoólicos, podem ser recuperados, muitas vezes num período até seis meses (Pitel et al, 2009). Este aspecto pode funcionar como um factor de motivação,

96

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Do copo meio cheio à mente vazia: o impacto do consumo do álcool no funcionamento ..., pp. 93-105

que pode conduzir a uma maior adesão ao tratamento, mas também alerta os técnicos de saúde para a necessidade de se intervir o mais rapidamente possível, recorrendo a técnicas de reabilitação cognitiva, como forma de fomentar a aquisição de novas competências no indivíduo, levando a um tratamento mais profícuo, facilitando, assim, a sua reinserção socioprofissional. Metodologia Estudo 1 No sentido de aferir o impacto do consumo de álcool nas capacidades cognitivas, nomeadamente na função visuo-espacial e executiva; memória; atenção; abstração; evocação diferida; linguagem; orientação temporal e espacial; realizou-se um estudo piloto com os utentes que foram internados na Unidade de Tratamento e Reabilitação Alcoológica (UTRA), para realizar a desintoxicação alcoólica e em que foram identificadas alterações nestas áreas. Esta sinalização foi efectuada no momento de planeamento da resposta interventiva para o período após a alta psiquiátrica, nomeadamente a inclusão no programa de Área Dia. Este estudo teve, assim, como objectivo descrever alterações no funcionamento cognitivo, de modo a ser planeada uma intervenção terapêutica intermédia para estes utentes, que procuram tratamento na UTRA, de modo a ultrapassar algumas dificuldades que têm surgido no contexto do programa terapêutico da Área Dia. Estas estão associadas a limitações na integração e compreensão do funcionamento do programa, bem como a realização das actividades propostas, lacunas na capacidade de pensar sobre o problema, projectando-se no futuro e, ainda, na capacidade de reflectir sobre as próprias emoções. Esta intervenção intermédia visa estimular os utentes ao nível de capacidades mais básicas, como a atenção, memória, funções executivas, entre outras, que facilitem a sua integração posterior no programa da Área Dia, onde estas capacidades vão ser fundamentais no processo reabilitativo. Amostra A Amostra foi constituída por 15 participantes, 8 elementos do sexo masculino e 7 do sexo feminino, em que foram sinalizadas alterações cognitivas. A média de idades para o sexo masculino foi de 43,5 (DP=12,64) e de 45,1 (DP=5,11) para o sexo feminino. Os participantes eram maioritariamente solteiros (75 % sexo masculino e 57.2% sexo feminino), com prevalência do 9º ano ao nível das habilitações literárias (50% sexo masculino; 71.4% sexo feminino).

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

97


Sónia Ferreira, Lídia Moutinho e Paula Diegues

Instrumentos Para a realização deste estudo, utilizou-se como medida de avaliação um questionário sociodemográfico, incluindo variáveis como idade, sexo, habilitações literárias, estado civil, situação laboral actual, agregado familiar e tempo de abstinência. Aplicou-se também o Montreal Cognitive Assessment – MoCA, que consiste num instrumento breve de rastreio da disfunção cognitiva ligeira. O teste tem uma pontuação máxima de 30 pontos, avaliando oito domínios cognitivos, nomeadamente função Visuo-espacial e Executiva; Nomeação; Memória; Atenção; Abstração; Memória de trabalho; Linguagem; Orientação Temporal e Espacial. Cada domínio é constituído por tarefas específicas. O score é calculado mediante o somatório dos resultados em cada dimensão. Posteriormente, a existência ou não de défices é identificada através da análise de uma tabela que inclui resultados padronizados e aferidos, tendo em conta a idade e as habilitações literárias. Resultados O resultado global do MoCA demonstrou que a média para o sexo masculino foi de 17,75 (DP=1.39), enquanto para o sexo feminino foi de 16 (DP= 1.11), verificando-se um melhor desempenho na dimensão da Orientação (MD sexo feminino= 5,43 (DP=0,53); MD sexo masculino= 5,13 (DP= 0.83), para ambos os sexos. Denota-se, ainda, um pior desempenho na Evocação Diferida (MD homens=0,75; DP=1,16; MD mulheres=0,85; DP=0,89) (Gráfico 1). Gráfico 1. Média dos resultados obtidos nas diferentes dimensões do MoCA

98

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Do copo meio cheio à mente vazia: o impacto do consumo do álcool no funcionamento ..., pp. 93-105

A média do tempo de abstinência foi de 12,88 (DP=7.33) no sexo masculino e de 11,71. (DP=12.63) no sexo feminino. Discussão dos Resultados Os dados sugerem, de um modo geral, que os resultados se encontram abaixo da média, comparativamente ao grupo de referência para a mesma faixa etária, o que sugere comprometimento cognitivo, estando de acordo com a literatura que aponta para o risco de défices cognitivos quando existe um consumo de álcool problemático (Edwards, Marshall & Cook, 1999). No entanto, é importante realçar que o tempo de abstinência era reduzido, o que poderia levar a um maior comprometimento das funções cognitivas e que estas poderiam melhorar com um maior período sem consumos de álcool. Segundo Moselhhy, Georgiou &Kahn (1999) os défices cognitivos provocados pelo consumo do álcool tendem a retroceder com a abstinência. Esta recuperação está dependente do padrão de consumo, do tempo de abstinência e da idade (Parson, 1998). Assim, neste caso faria todo o sentido reavaliar a situação incluindo diferentes tempos de abstinência. No entanto, parece-nos importante também procurar detectar estas limitações o mais breve possível, para que se possa intervir em termos de reabilitação cognitiva, evitando ou atrasando a evolução dos mesmos (Zlotnick e Agnew; 1997). Apesar de este estudo alertar para alterações do funcionamento cognitivo, demonstrando o interesse em desenhar uma intervenção que permitisse actuar nesta área, pareceu-nos pertinente realizar um estudo posterior que incluísse alguma variáveis que se demonstraram essenciais, tais como: incluir participantes com um maior tempo de abstinência, procurando relacionar o grau de dependência com os défices, bem como o padrão de consumo. Estudo 2 Metodologia Pretendeu-se com esta investigação aprofundar algumas variáveis que se revelaram pertinentes no estudo anterior, de modo a melhor compreender quais os factores que condicionam a perda das capacidades cognitivas, nos utentes que mantiveram um consumo problemático de álcool. Procurou-se, assim, articular o grau de dependência, o padrão de consumo, o tempo de abstinência e a existência ou não de défices. Amostra A amostra foi constituída por 31 elementos, 24 do sexo masculino e 7 do sexo feminino, cujo a média de idades foi 50,58 (DP=9,39) para o sexo masculino

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

99


Sónia Ferreira, Lídia Moutinho e Paula Diegues

e 48,43 (DP=8,02) para o sexo feminino. Verificou-se na amostra total uma prevalência do estado civil casado/união de facto (48,4%), seguido pelo separado com 25,8%. Quanto ao agregado familiar constatou-se que 29% coabita com a(o) companheira(o) e filhos e a mesma percentagem vive sozinho. Nas habilitações literárias cerca de 35,5% da amostra total tem a 4ª classe, 41,9% situa-se entre o 5º e o 9º ano, 16,1% tem o entre o 10º ano e o 12º ano e 6,5% frequentou o ensino superior. Actualmente, cerca 45,2% dos participantes encontram-se desempregados, sendo que 12,9 % já estão reformados. Instrumentos Neste estudo, utilizou-se o mesmo questionário sociodemográfico, bem como o Montreal Cognitive Assessment – MoCA, já descritos anteriormente. Acrescentouse o alcohol use disorders identification test -AUDIT, que avalia a existência ou não da dependência de álcool, classificando os indivíduos em 4 grupos possíveis, em função do tipo de consumo: os que não possuem dependência, os que apresentam comportamento de risco com o uso de álcool, os que manifestam dependência ou dependência severa, sugerindo a intervenção mais adequada para cada situação (Cunha, 2002). Procedimentos Na análise de resultados, apresentada seguidamente, os participantes foram divididos em dois grupos: os que apresentaram défices cognitivos identificados pelo MoCA (Grupo A) e os que não evidenciaram (Grupo B). Para além disso, os participantes foram ainda distribuídos por três grupos distintos relativamente ao tempo de abstinência, o primeiro grupo tinha um tempo de abstinência até 10 dias; o segundo até um mês e o terceiro com mais de um mês. Resultados A análise de resultados demonstra que relativamente à presença de défices cognitivos, avaliados através do resultado do MoCA, tendo em conta a sua idade e as habilitações literárias, cerca de 59,6% têm alterações cognitivas, enquanto que 41,4% não as revela. Constatou-se que 100% da amostra cotou dependência severa no AUDIT, não tendo sido possível estabelecer comparações com diferentes graus de dependência, no que se refere aos défices cognitivos. No entanto, o AUDIT fornece também informação acerca do padrão de consumo, tendo-se verificado que 61,3% da amostra tinha consumos diários. Para além disso, constatou-se que relativamente à quantidade ingerida, 48,4% tem uma a ingestão superior a 10 bebidas numa ocasião e 19,4% bebe mais de 7 bebidas por ocasião. A comparação entre sexos, no que respeita à quantidade de bebidas ingeridas, numa ocasião

100

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Do copo meio cheio à mente vazia: o impacto do consumo do álcool no funcionamento ..., pp. 93-105

demonstra que existem diferenças estatisticamente significativas (t(29) = 9,48; p= 0,005), sendo o consumo superior nos homens (MD=3,08; DP=1,1), em comparação com as mulheres (MD=2,29; DP=1,89). Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre sexos no que respeita ao número de dias de consumos. A comparação entre os grupos com e sem alterações cognitivas, identificadas pelo MoCA (Grupo A e Grupo B), e o seu padrão de consumos também não demonstrou diferenças estatisticamente significativas t(29)=0.96; p=0,08 ainda que se tenha verificado que os participantes com alterações cognitivas bebessem maior quantidade de bebidas por episódio (M=3,31;DP=1,13), em detrimento do grupo sem alterações (M=2,46;DP=1,40). Ainda na comparação entre o Grupo A e B não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos no que respeita às idades X2(23)=23.65; p=0.42. No entanto, o grupo que apresentou défices cognitivos tem uma média de idades superior (M=52,13; DP=10,17), comparativamente com o grupo que não apresentou défices. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos para o tempo de abstinência X2(2)=0,48; p=0.78. O tempo de abstinência foi menor nos A (M=34,5; DP=58,73), em detrimento do B (M=41,60; DP=62,56) (tabela 1). Tabela 1. Tempo de Abstinência nos grupos A e B Grupo A

Grupo B

Total

Abstinentes 10 dias

6

6

12

Abstinência entre 11-29 dias

6

4

10

1 mês de abstinência

4

5

9

Em relação às dimensões do MoCA foram encontradas diferenças estatisticamente significativas nos dois grupos para a Atenção t(29)=3,24; P=0.025 sendo esta superior no grupo B (M=5,00; DP=1,80), comparativamente com o grupo A (M=3,18; DP=1,8). Foram identificadas também diferenças estatisticamente significativas para a linguagem t (29) = 1,77; p= 0,04), tendo o grupo sem alterações apresentado melhores resultados (M=4,59; DP=0,04). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em nenhuma das restantes dimensões (tabela2). Tabela 2. Média dos resultados obtidos nas dimensões do MoCA nos grupos AeB Visuo-espacial

Linguagem

Abstração

Evocação

M

DP

Nomeação M

DP

M

Atenção DP

M

DP

M

DP

M

DP

Orientação M

DP

Grupo A

2,81

1,42

2,62

0,88

1,00

1,86

1,50

1,03

1,00

0,81

1,12

1,08

5,18

0,83

Grupo B

3,86

1,06

2,60

0,82

5,00

1,13

2,06

0,70

1,60

0,63

2,26

1,27

5,53

1,30

M=Média; DP= Desvio-padrão

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

101


Sónia Ferreira, Lídia Moutinho e Paula Diegues

Na comparação entre sexos não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em nenhuma das dimensões do MoCA (tabela 3), bem como em relação aos défices cognitivos e relativamente ao tempo de abstinência X2(2)=0,55; p=0,75), ainda que se tenha verificado um valor superior nos homens neste (MD=39,75 dias e DP=13,49) relativamente às mulheres (MD=31,71dias; DP=12,03). Tabela 3. Distribuição das dimensões do MoCA por género Visuo-espacial

Linguagem

Abstração

Evocação

Orientação

M

DP

Nomeação M

DP

M

Atenção DP

M

DP

M

DP

M

DP

M

DP

Masculino

3,25

1,35

2,66

0,76

4,08

1,90

1,79

0,97

1,33

0,76

1,58

1,34

5,25

1,18

Feminino

3,57

1,39

2,42

1,13

4,00

1,41

1,71

0,75

1,14

0,89

2,00

1,15

5,71

0,48

M=Média; DP= Desvio-padrão

Discussão dos Resultados Os resultados demonstram que existe comprometimento do funcionamento cognitivo nos indivíduos com Síndrome de Dependência Alcoólica, o que está de acordo com a literatura (Edwards, Marshall & Cook, 199). No entanto, identificaram-se participantes sem défices cognitivos, o que nos leva a pensar que este aspecto poderá estar relacionado com a remissão destes défices (Moselhhy, Georgiou & Kahn, 1999), o que segundo a literatura poderá estar dependente da idade e do tempo de abstinência (Parson, 1998). Em relação a estes elementos, ainda que o nosso estudo não permita aferir de forma conclusiva esta realidade, devido ao tamanho da amostra, o que não permite discriminar o impacto das variáveis, demonstrou que o grupo com défices cognitivos apresentou um menor tempo de abstinência, o que entra em consonância com o que foi anteriormente referido. Neste caso, também teria sido pertinente analisar o tempo de consumo para averiguar o seu impacto na existência dos défices, o que representa uma limitação do estudo, pois ainda que seja de esperar alterações cognitivas mesmo em consumos pontuais, no caso de consumos problemáticos as consequências em termos cognitivos são muitos mais severas (Cunha & Novaes, 2004). Os nossos dados, estão de acordo com esta perspectiva pois demonstram que os indivíduos com défices cognitivos apresentam consumos com quantidades mais elevadas e apresentam uma idade superior. Este último dado reporta-nos para Pitel et al (2000) que demonstra que indivíduos mais velhos podem ter mais dificuldade em recuperar, pois o cérebro tem uma menor plasticidade. Os participantes da nossa amostra apresentaram, todos, dependência severa, com uma percentagem significativa de um padrão de consumo superior a 10 bebidas por ocasião, verificando-se que os homens apresentam consumos superiores. Estes dados alertam para uma realidade preocupante, existindo a necessidade de se actuar nesta área com alguma urgência, para que seja possível

102

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Do copo meio cheio à mente vazia: o impacto do consumo do álcool no funcionamento ..., pp. 93-105

minimizar o impacto do consumo Zlotnick & Agnew, 1997). O facto de não existirem diferentes grupos com os variados graus de dependência, não nos permitiu aferir se um grau de dependência superior levaria a maiores défices cognitivos (Pitel e tal, 2000). No entanto, estes dados também demonstram que a procura de tratamento ocorre frequentemente quando o quadro de dependência já está instalado e quando as consequências já persistem a vários níveis, nomeadamente em termos intelectuais. Os dados desta investigação alertam para alterações cognitivas significativas, principalmente ao nível da Atenção e da Linguagem, o que vai ao encontro de investigações que têm sido realizadas nesta área (Heffernn, Moss & Ling, 2002; Noel & colaboradores, 2005). Neste sentido, é importante ter em conta que limitações ao nível da capacidade intelectual verbal podem dificultar o reconhecimento da doença, o que pode funcionar como obstáculo ao tratamento (Calheiros, Oliveira e Andretta, 2006). Conclusão Este estudo procurou, assim, analisar o impacto do consumo de álcool no funcionamento cognitivo, demonstrando que este pode causar défices, ainda que alguns desses possam desaparecer com o tempo. Segundo esta perspectiva, os tratamentos devem incluir a avaliação das alterações cognitivas, sendo fundamental proceder à estimulação e reabilitação cognitiva (Zlotnick & Agnew; 1997). Este aspecto é de extrema importância pois a persistência das alterações cogntivas podem limitar a manutenção da abstinência (Glem & Parsons, 1991), bem como a adesão ao tratamento (Calheiros, Oliveira e Andretta, 2006). Parecenos pertinente a actuação ao nível dos défices cognitivos numa primeira etapa, antes do individuo ser integrado num programa mais estruturado e exigente a nível intelectual, como é a Área Dia. Este aspecto pode permitir uma maior evolução no tratamento, promovendo a consciência do problema, bem como uma maior motivação para a mudança de comportamento. Um outro aspecto a considerar é a necessidade de se continuar a investigar esta área, para melhor se compreender esta realidade e para se desenhar intervenções mais adequadas e profícuas, de modo a minimizar os danos do consumo do álcool. O estudo presente apresenta algumas limitações que condiciona a interpretação dos resultados, nomeadamente seria necessária aumentar o tamanho da amostra, para que a comparação entre os vários grupos permitisse discriminar mais facilmente o impacto e a relação entre as variáveis, incluindo participantes com diferentes graus de dependência, para analisar os factores que condicionam a existência ou não dos défices cognitivos.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

103


Sónia Ferreira, Lídia Moutinho e Paula Diegues

Bibliografia Allen, D.,Goldstein, G. & Seaton, B.(1997).Cognitive rehabilitation of chronic alcohol abusers. Neuropsychol Rev, 7(1), 21-39. Bechara, A. et al (2001). Decision-making deficits, linked to a dysfunctional ventromedial prefrontal cortex, revealed in alcohol and stimulant abusers. Neuropsychologia, 39, 376-389. Calheiros, P., Oliveira, M. & Andretta, I.(2006). Comorbilidades Psiquiátricas no Tabagismo.Alethéia,23,65-74. Cunha, P. & Novaes, M. (2004).Avaliação Neurocognitiva no abuso e dependência do álcool: implicações no tratamento. Rev Bras Psiquiatria, 26. Duffy, J. (1995). The Neurology of Alcoholic Denial: Implications for Assessment and Treatment. Can J Psychiatry, 40, 257-263. Edwards, G.,Marshall, E. & Cook, C. (1999). O tratamento do alcoolismo: um guia para profissionais de saúde (3ª ed). Porto Alegre: Artes Médicas. Fein, G. et al (2006). Cognitive performance in long-term abstinent alcoholic individuals. Alcohol Clin Exp Res, 30, 1538-1544. Glenn, S. & Parsons, O. (1991). Prediction of resumption of drinking in posttreatment alcoholics. Int J Addict, 26, 237-254. Heffernan, T., Moss, M. & Ling, J.(2002). Subjective ratings of prospective memory deficits in chronic heavy alcohol users. Alcohol & Alcoholism, 37, 269-271. Lezak, M. (1995). Neuropsychological Assessment. New York: Oxford University Press. Kaplan, H. & Sadock,B.(1997).Compêndio de Psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clínica. Porto Alegre: Artmed. Moselhy, H., Georgiou, G.& Kabn, A.(2001).Frontal lobe changes in alcoholism: a review of the literature. Alcohol and Alcoholism.36, 357-368. Munro, C. et al.(2000).The neuropsychological consequences of abstinence among older alcoholics: a cross-sectional study. Alcoholism: Clinical and Experimental Research,24,1510-1516. Noel, X. & Colaboradores (2002). Contribution of frontal cerebral blood flow measured by TC-Bicisate Spect and executive function deficits to predicting treatment outcome in alcohol-dependent patients. Alcohol & Alcoholism, 37, 347354. Noel, X. & colaboradores (2005). Cognitive biases toward alcohol-related words and executive deficits in poliysubstance abusers with alcoholism. Addicton, 100, 1302-1309. Oliveira, M., Laranjeira, R. &Jaeger, A.(2002). Estudo dos prejuízos cognitivos na dependência do álcool. Psicologia, Saúde & Doença, 3(2),205-212. Parsons, O. Neurocognitive Deficits in Alcoholics and Social Drinkers: A continuum? Alcoh Clin Exp Research, 22(4): 954-961. Pitel, et al.(2009).Changes in the Episodic Memory and Executive Functions of Abstinent and Relapsed Alcoholics Over a 6-Month period. Alcoholism: Clinical and Experimental Research, 31, 1169-1178.

104

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Do copo meio cheio à mente vazia: o impacto do consumo do álcool no funcionamento ..., pp. 93-105

Simões, M., Freitas, S., Santana, I.,Firmino, H., Martins, C.,Nasreddine, Z., & Vilar, M. (2008). Montreal Cognitive Assessment (MoCA): Manual de administração e cotação (versão portuguesa). Serviço de Avaliação Psicológica da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Coimbra. Yohman, J. et al.(1985). Lack of recovery in male alcoholics’ neuropsychological performance one year after treatment. Alcoholism: Clinical and Experimental Research,9,114-117. Zlotnick, C., & Agnew, J. (1997). Neuropsychological function and psychosocial status of alcohol rehabilitation program residents. Addictive Behaviors, 22, 183194.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

105



Défices Cognitivos em Crianças e Adolescentes com Fenilcetonúria Cognitive Deficits in Children and Adolescents with Phenylketonuria Ana F. Laúndes e Enrique Vázquez-Justo Universidade Lusíada do Porto

Carla M. Carmona

Instituto de Genética Médica Doutor Jacinto de Magalhães, Porto

Autor para correspondência: Ana F. Laúndes Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto, Portugal. E-mail: pdpsi11036@fpce.up.pt

Nota de Autor Ana F. Laúndes e Enrique Vázquez-Justo, Instituto de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade Lusíada do Porto; Carla M. Carmona, Centro de Genética Médica Doutor Jacinto de Magalhães, Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Ana F. Laúndes está agora na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto. Resumo: A fenilcetonúria foi a primeira alteração metabólica a ser considerada como fator etiológico de atraso mental. A população fenilcetonúrica apresenta heterogeneidade na classificação da doença e na qualidade do Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

107


Ana F. Laúndes, Enrique Vázquez-Justo e Carla M. Carmona

controlo dietético, sendo estas variáveis fundamentais na compreensão do seu funcionamento cognitivo. O objetivo deste estudo consistiu em identificar défices cognitivos na população portuguesa de crianças e adolescentes com fenilcetonúria. Foram estudados 68 fenilcetonúricos, diagnosticados e tratados precocemente, com idades compreendidas entre os 6 anos e os 16 anos 11 meses e 30 dias. Foi utilizada a Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças para avaliar o quociente intelectual (QI) global e o respetivo perfil psicométrico dos subtestes. Os resultados remetem para grupos de risco nesta população. Na avaliação do nível de desenvolvimento mental global e em áreas cognitivas específicas, em função da classificação da fenilcetonúria ou em função da qualidade do controlo dietético, os resultados obtidos confirmam a existência de diferenças significativas no QI Global, no QI Verbal e no QI de Realização, bem como no perfil psicométrico dos subtestes. Em conclusão, enfatiza-se o cumprimento do tratamento dietético a longo termo, definindo-se um valor de segurança, ou seja, um valor a partir do qual se pode prever um desenvolvimento cognitivo normal. Palavras-chave: fenilcetonúria, défices cognitivos, quociente intelectual, qualidade do controlo dietético Abstract: Phenylketonuria was the first metabolic disease considered as an etiological factor for mental retardation. The population with phenylketonuria presents heterogeneity in the disease classification and in the quality of dietary control, which are important variables to understand their cognitive functioning. The aim of this study was to identify cognitive deficits in the Portuguese population of children and adolescents with phenylketonuria. We studied 68 PKU patients, diagnosed and treated early, aged from 6 years to 16 years 11 months and 30 days. We used the Wechsler Intelligence Scale for Children to assess the global intelligence quotient (IQ) and the respective psychometric profile in the subtests. The results found risk groups in this population. In the evaluation of the global level of mental development and the specific cognitive areas, depending on the classification of phenylketonuria or depending on the quality of dietary control, the results confirm the existence of significant differences in Global IQ, Verbal IQ and Achievement IQ as well as in the psychometric profile of the subtests. In conclusion, we emphasize the long term fulfillment of dietary treatment, defining a security value, a value that can provide a normal cognitive development. Key-words: phenylketonuria, cognitive deficits, intellectual quotient, quality of dietary control.

108

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Défices Cognitivos em Crianças e Adolescentes com Fenilcetonúria, pp. 107-115

Introdução A fenilcetonúria (PKU) foi a primeira alteração metabólica a ser considerada como fator etiológico de atraso mental. Consiste num erro autossómico recessivo que ocorre no metabolismo da fenilalanina (Phe). A PKU pode ser detetada na triagem neonatal, sendo a sua incidência de aproximadamente 1 em 10.000 nascimentos. O seu tratamento habitual consiste numa dieta iniciada precocemente, pobre em proteínas e em Phe, de forma a impedir o desenvolvimento de lesões no sistema nervoso central e, consequentemente, a deficiência cognitiva (Williams, Mamotte, & Burnett, 2008). Sendo a Phe um aminoácido essencial, necessário ao crescimento, não pode ser totalmente removida da dieta. Deste modo, os níveis de Phe no sangue deverão ser constantemente verificados e mantidos dentro do intervalo aceitável (2-6 mg/ dl) para prevenir os sintomas (Acosta, Fiedler, & Koch, 1968). Contudo, o número e a natureza das restrições dietéticas, as mudanças no comportamento alimentar necessárias, a natureza preventiva do tratamento e a ausência de sintomas imediatos visíveis fazem com que o tratamento da PKU tenha uma elevada probabilidade de não adesão (Carmona, 2007). A PKU pode afetar a neurotransmissão e, consequentemente, as funções cognitivas, uma vez que a Phe inibe a síntese dos neurotransmissores dopamina e serotonina. Como o córtex pré-frontal é rico em neurónios dopaminérgicos, Pennington, Doorninck, McCabe, e McCabe (1985) colocam a hipótese dos défices na função executiva, prevendo que as funções de controlo superior sejam afetadas por níveis elevados de Phe durante e após a liberalização da dieta. O quociente intelectual (QI) é a medida chave, geralmente usada, para avaliar a PKU tratada, por ser uma das consequências da qualidade do controlo dietético (QCD). No final da década de 70, os resultados do tratamento passaram a ser quantificados por instrumentos de avaliação neuropsicológica (Koff, Kammerer, Boyle, & Pueschel, 1979). Para este estudo foi estabelecida uma classificação da PKU baseada nas orientações definidas pela Comissão Nacional para o Diagnóstico Precoce. Considerando os valores de diagnóstico da Phe, obtidos ao rastreio e na análise de confirmação, os indivíduos que apresentam valores de Phe no sangue inferiores ou iguais a 20 mg/dl são englobados no grupo da PKU moderada. Indivíduos com valores superiores a 20 mg/dl inserem-se no grupo da PKU clássica. Défices cognitivos na fenilcetonúria A QCD é calculada a partir das medianas anuais de Phe obtidas nas colheitas mensais, bem como através dos valores de Phe atuais obtidos no momento da avaliação cognitiva. Considerando os consensos defendidos em Portugal, foi estabelecida para este estudo uma classificação da QCD. Os indivíduos que apresentam valores de

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

109


Ana F. Laúndes, Enrique Vázquez-Justo e Carla M. Carmona

Phe no sangue inferiores ou iguais a 6,0 mg/dl são contemplados no grupo que cumpre o tratamento. Indivíduos com valores superiores a 6,0 mg/dl inserem-se no grupo que não cumpre o tratamento. O nível de desenvolvimento mental global (QI) é uma das variáveis mais avaliada nos estudos sobre PKU. Investigações recentes procuraram, também, explorar funções cognitivas específicas (Griffiths, Tarrini, & Robinson, 1997). Enquanto a linguagem, a perceção, a memória e o funcionamento motor se encontram dentro dos parâmetros normais, algumas investigações documentam deficiências em domínios específicos, nomeadamente a atenção, o funcionamento percetivo-motor, a capacidade de planeamento e de organização, a aplicação flexível de estratégias e a formação de conceitos (Brunner, Jordan, & Berry, 1983; Pennington et al., 1985). O objetivo do estudo consistiu em caracterizar a população portuguesa de crianças e adolescentes com PKU diagnosticada e tratada precocemente em vários aspetos do seu funcionamento cognitivo, definindo fatores e grupos de risco para os défices cognitivos. Serão considerados os níveis de desenvolvimento global e, também, aspetos específicos de desenvolvimento neuropsicológico, através da análise do perfil psicométrico nos testes utilizados. As hipóteses colocadas serão relativas às diferenças esperadas no nível de desenvolvimento mental global e no nível de desenvolvimento mental em áreas cognitivas específicas das crianças e dos adolescentes, distribuídos pelos dois grupos de classificação da PKU, isto é, valores de Phe no sangue inferiores ou iguais a 20 mg/dl e valores de Phe no sangue superiores a 20 mg/dl, bem como distribuídos pelos dois grupos de QCD definidos, ou seja, cumprimento do controlo dietético e incumprimento do controlo dietético. Método Participantes Dos 181 casos de PKU diagnosticados e seguidos pelo Centro de Genética Médica Doutor Jacinto de Magalhães foram estudados 68 indivíduos. Para efeitos de elaboração da amostra foram considerados exclusivamente os fenilcetonúricos pertencentes ao grupo de diagnóstico precoce e que apresentam idades compreendidas entre os 6 anos e os 16 anos 11 meses e 30 dias. No controlo de variáveis parasitas, foram excluídos os individuos com outros diagnósticos para além da PKU, cujos atrasos de desenvolvimento poderiam ser explicados por outras condições clínicas. Atendendo aos critérios de inclusão apresentados na constituição da amostra, trata-se de uma amostragem por conveniência. Instrumentos No estudo do nível de desenvolvimento mental global e em áreas cognitivas

110

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Défices Cognitivos em Crianças e Adolescentes com Fenilcetonúria, pp. 107-115

específicas, foi utilizado, como instrumento de avaliação, a Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças - 3ª Edição (WISC-III). Com esta escala, o desempenho dos indivíduos pode ser sintetizado em três resultados compósitos, identificados como QI Verbal, QI de Realização e QI Global, permitindo ao avaliador determinar a qualidade do desempenho em diferentes aptidões intelectuais. A WISC-III é constituída por vários subtestes, cada um deles avaliando áreas específicas da inteligência. Os subtestes verbais linguísticos estão subjacentes ao QI verbal. Os subtestes visuo-espaciais estão subjacentes ao QI de realização. Procedimentos O tipo de desenho desta investigação enquadra-se nos estudos correlacionais prospetivos, onde se procura estabelecer uma base-line das variáveis independentes, primeiramente, o valor de rastreio e confirmação, e, posteriormente, os valores históricos e atuais de Phe. Depois da sua ação sobre as variáveis dependentes, nomeadamente, o nível de desenvolvimento mental global e em áreas cognitivas específicas, mede-se as variáveis dependentes para avaliar o impacto das variáveis independentes. No estudo de diferenças interindividuais, foi realizada uma análise estatística correlacional descritiva bivariada. Na comparação de médias entre grupos, foi utilizado um teste paramétrico (T de Student), uma vez que em cada uma das análises existia apenas uma variável dependente. Resultados Nível de desenvolvimento mental global e em áreas cognitivas específicas em função da classificação da PKU Tabela 1. Nível de Desenvolvimento Mental Global e em Áreas Cognitivas Específicas em Função da Classificação da PKU

Valores de rastreio e de confirmação

≤ 20 mg/dl

> 20 mg/dl

Dimensões

M

DP

M

DP

T

Gl

p

QI Global

97,1

18,87

78,94

18,74

3,316

60

0,00 *

QI Verbal

97,7

19,82

82,25

19,67

2,698

60

0,01 *

QI Realização

98,4

17,39

81,38

17,52

3,365

60

0,00 *

Informação

9,6

3,51

7,19

3,04

2,476

60

0,02 *

Semelhanças

10,8

3,75

8,31

4,38

2,172

60

0,03 *

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

111


Ana F. Laúndes, Enrique Vázquez-Justo e Carla M. Carmona

Aritmética

9,1

3,34

7,13

2,87

2,141

60

0,04 *

Vocabulário

10,0

4,25

7,38

3,44

2,225

60

0,03 *

Compreensão

9,3

3,97

7,06

4,46

1,884

60

0,06

Composição de Gravuras

10,2

3,72

8,13

4,57

1,787

60

0,08

Código

9,3

3,02

6,63

2,68

3,137

60

0,00 *

Disposição de Gravuras

10,7

3,64

7,94

4,55

2,442

60

0,02 *

Cubos

9,0

2,93

6,50

2,92

2,915

60

0,01 *

Composição de Objectos

10,2

2,77

7,63

2,50

3,216

60

0,00 *

* p ≤ 0,05.

Relativamente ao QI Global, verificou-se uma diferença significativa entre as médias dos fenilcetonúricos com valores de Phe no sangue superiores a 20 mg/dl e os fenilcetonúricos cujos valores são iguais ou inferiores a 20 mg/dl. Da mesma forma, verificaram-se diferenças significativas relativamente ao QI Verbal e ao QI de Realização entre as médias dos mesmos grupos. No estudo do perfil psicométrico das provas da escala verbal, verificaramse diferenças significativas nas provas de Informação, Semelhanças, Aritmética e Vocabulário, entre as médias dos fenilcetonúricos com valores de Phe no sangue superiores a 20 mg/dl e os fenilcetonúricos cujos valores são iguais ou inferiores a 20 mg/dl. No estudo do perfil psicométrico das provas da escala de realização, verificaram-se diferenças significativas nas provas de Código, Disposição de Gravuras, Cubos e Composição de Objetos, entre as médias dos fenilcetonúricos com valores de Phe no sangue superiores a 20 mg/dl e os fenilcetonúricos cujos valores são iguais ou inferiores a 20 mg/dl. Nível de desenvolvimento mental global e em áreas cognitivas específicas em função da QCD Tabela 2. Nível de Desenvolvimento Mental Global e em Áreas Cognitivas Específicas em Função da QCD

Valores históricos e actuais de Phe Cumpre

Não cumpre

Dimensões

M

DP

M

DP

T

gl

P

QI Global

102,5

12,76

69,53

14,98

8,888

60

0,00 *

QI Verbal

103,1

14,81

72,58

16,39

7,239

60

0,00 *

QI Realização

102,5

12,63

74,68

16,22

7,324

60

0,00 *

Informação

10,2

3,05

6,21

2,99

4,819

60

0,00 *

112

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Défices Cognitivos em Crianças e Adolescentes com Fenilcetonúria, pp. 107-115

Semelhanças

11,8

2,89

6,37

3,74

6,236

60

0,00 *

Aritmética

10,0

2,64

5,47

2,48

6,342

60

0,00 *

Vocabulário

10,9

3,82

5,74

2,45

5,413

60

0,00 *

Compreensão

10,1

3,45

5,68

4,18

4,320

60

0,00 *

11,1

2,84

6,37

4,42

5,050

60

0,00 *

9,7

2,44

6,16

3,24

4,747

60

0,00 *

11,5

3,21

6,58

3,72

5,288

60

0,00 *

9,5

2,28

5,63

3,06

5,578

60

0,00 *

10,6

2,40

7,11

2,54

5,129

60

0,00 *

Composição Gravuras

de

Código Disposição Gravuras

de

Cubos Composição Objectos

de

* p ≤ 0,05.

Relativamente ao QI Global, verificou-se uma diferença significativa entre as médias dos fenilcetonúricos que não cumprem adequadamente o tratamento e os fenilcetonúricos que cumprem adequadamente o tratamento. Da mesma forma, verificam-se diferenças significativas relativamente ao QI Verbal e QI de Realização entre as médias dos mesmos grupos. No estudo do perfil psicométrico das provas da escala verbal, verificaram-se diferenças significativas em todas as provas, ou seja, Informação, Semelhanças, Aritmética, Vocabulário e Compreensão, entre as médias dos fenilcetonúricos que não cumprem adequadamente o tratamento e os fenilcetonúricos que cumprem adequadamente o tratamento. No estudo do perfil psicométrico das provas da escala de realização, verificaram-se diferenças significativas em todas as provas, isto é, Composição de Gravuras, Código, Disposição de Gravuras, Cubos e Composição de Objetos, entre as médias dos fenilcetonúricos que não cumprem adequadamente o tratamento e os fenilcetonúricos que cumprem adequadamente o tratamento. Discussão Na avaliação do nível de desenvolvimento mental global, em função da classificação da PKU, os resultados obtidos confirmam a existência de diferenças significativas no QI Global, no QI Verbal e no QI de Realização. Os fenilcetonúricos que apresentam valores de Phe no sangue, ao rastreio e na análise de confirmação, superiores a 20 mg/dl registam desempenhos inferiores nas três dimensões, comparativamente com os fenilcetonúricos cujos mesmos valores se apresentam inferiores ou iguais a 20 mg/dl. Os valores de rastreio e de confirmação interferem na tolerância à Phe, ou seja, condicionam a gravidade da doença.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

113


Ana F. Laúndes, Enrique Vázquez-Justo e Carla M. Carmona

Relativamente ao nível de desenvolvimento mental em áreas cognitivas específicas, em função da classificação da PKU, os resultados obtidos confirmam a existência de diferenças significativas em subtestes específicos, nomeadamente Informação, Semelhanças, Aritmética, Vocabulário, Código, Disposição de Gravuras, Cubos e Composição de Objetos. Assim, em provas de cariz verbal, os fenilcetonúricos que apresentam valores de Phe no sangue superiores a 20 mg/dl registam maiores dificuldades ao nível do conhecimento factual geral, do conhecimento lógico-abstrato, do raciocínio aritmético e do conhecimento de palavras, comparativamente com os fenilcetonúricos cujos valores se apresentam inferiores ou iguais a 20 mg/ dl. Nas provas de realização, os fenilcetonúricos apresentam mais dificuldades na velocidade de processamento, na sequenciação temporal, na visualização espacial e na organização percetiva. Neste sentido, valores de Phe no sangue superiores a 20 mg/dl ao rastreio e, posteriormente, na análise de confirmação podem ser indicadores de défices cognitivos específicos. Na avaliação do nível de desenvolvimento mental global, em função da QCD, considerando os valores históricos e atuais de Phe no sangue, os resultados obtidos confirmam a existência de diferenças significativas no QI Global, no QI Verbal e no QI de Realização. Os fenilcetonúricos que não cumprem adequadamente o tratamento apresentam desempenhos inferiores nas três dimensões, comparativamente com os fenilcetonúricos que cumprem adequadamente o tratamento. Assim, um valor histórico e/ou um valor atual de Phe no sangue superior a 6 mg/dl influencia negativamente o nível de desenvolvimento mental global destes indivíduos. Conforme foi descrito por Smith, Hanley, Clark, e Klim (1998), os níveis elevados de Phe no sangue têm um impacto negativo sobre o QI não só até à idade de 10 anos, mas também nas idades seguintes, nomeadamente durante a adolescência. Relativamente ao nível de desenvolvimento mental em áreas cognitivas específicas, em função da QCD, os resultados obtidos confirmam a existência de diferenças significativas em todos os subtestes da WISC-III. Os fenilcetonúricos que não cumprem adequadamente o tratamento apresentam desempenhos inferiores em todas as provas avaliadas, comparativamente com os fenilcetonúricos que cumprem adequadamente o tratamento. Conforme foi descrito por Diamond (1994) os défices cognitivos específicos parecem surgir em tarefas que envolvem o controlo do comportamento e a flexibilidade cognitiva. Por este motivo, o autor recomenda níveis de Phe no sangue entre 2 e 6 mg/dl como concentrações ótimas para a idade pré-escolar e escolar. De facto, os défices cognitivos específicos foram encontrados em crianças e adolescentes com mau controlo dietético a longo-termo, bem como em crianças com bom controlo dietético a longo-termo e níveis de Phe atuais elevados. Em conclusão, os resultados remetem para grupos de risco nesta população. As crianças e os adolescentes com PKU, que apresentam ao rastreio e/ou na análise de confirmação valores de Phe no sangue superiores a 20 mg/dl, ou

114

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Défices Cognitivos em Crianças e Adolescentes com Fenilcetonúria, pp. 107-115

seja, PKU clássica, inserem-se neste grupo, pois manifestam um funcionamento cognitivo mais deficitário comparativamente com os fenilcetonúricos que apresentam valores de Phe no sangue inferiores ou iguais a 20 mg/dl. De igual modo, crianças e adolescentes com PKU que não cumprem adequadamente o tratamento, ou seja, que apresentam valores históricos e/ou atuais de Phe no sangue superiores a 6 mg/dl apresentam défices cognitivos específicos a um nível global e em áreas cognitivas específicas e também são contemplados no grupo. Estes grupos correm um maior risco de apresentar défices cognitivos específicos. De acordo com os resultados obtidos, pode-se afirmar que o cumprimento do controlo dietético é um fator protetor da deterioração cognitiva na PKU. Assim, sugere-se um valor de segurança, ou seja, um valor a partir do qual se pode prever um desenvolvimento cognitivo normal. Neste sentido, sugere-se o intervalo entre 2 a 6 mg/dl como o valor de Phe a seguir. Com uma intervenção dietética precoce os fenilcetonúricos podem ter uma vida relativamente normal, abrindo a possibilidade de um desenvolvimento cognitivo normal. Referências Bibliográficas Acosta, P. B., Fiedler, J. L., & Koch, R. (1968). Mothers’ dietary management of PKU children. Journal of the American Dietetic Association, 53, 460. Brunner, R. L., Jordan, M. K., & Berry, H. K. (1983). Early treated phenylketonuria: neuropsychological consequences. Journal of Pediatrics, 102, 831-835. Carmona, C. (2007). Fenilcetonúria clássica: aspectos psicológicos na abordagem de uma doença crónica. Dissertação de doutoramento não publicada. Escola de Psicologia. Universidade do Minho. Diamond, A. (1994). Phenylalanine levels of 6-10 mg/dl may not be as benign as once thought. Acta Paediatrica Supplement, 407, 89-91. Griffiths, P., Tarrini, M., & Robinson, P. (1997). Executive function and psychosocial adjustment in children with early treated phenylketonuria: correlation with historical and concurrent phenylalanine levels. Journal of Intellectual Disability Research, 41, 317-323. Koff, E., Kammerer, B., Boyle, P., & Pueschel, S. (1979). Intelligence and phenylketonuria: effects of diet termination. Journal of Pediatrics, 94, 534-537. Pennington, B. F., Van-Doorninck, W. J., McCabe, L. L., & McCabe, E. R. (1985). Neuropsychological deficits in early treated phenylketonuric children. American Journal of Mental Deficiency, 89, 467-474. Smith, M. L., Hanley, W. B., Clark, J. T., & Klim, P. (1998). Randomized controlled trial of tyrosine supplementation on neuropsychological performance in phenylketonuria. Archives of Disease in Childhood, 78, 116-121. Williams, R. A., Mamotte, C. D., & Burnett, J. R. (2008). Phenylketonuria: an inborn error of phenylalanine metabolism. Clinical Biochemist Review, 29, 31-41.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

115



Deteção da Mentira em Crianças Lie Detection in Children Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz

Contacto para correspondência: barbarofernandes@gmail.com

Resumo: A presente investigação tem como objetivo analisar se os indivíduos com formação em avaliação da credibilidade e veracidade do testemunho e se as forças de segurança (profissionais com experiência), conseguem detetar mais facilmente a mentira que indivíduos que não têm formação nem experiência. A amostra é constituída por 101 participantes onde 32 tinham formação em avaliação do testemunho e no instrumento CBCA mas não tinham experiência na área, 37 não tinham formação na avaliação da credibilidade e veracidade do testemunho nem qualquer experiência na área e 32 pertenciam às forças de segurança portuguesas, nomeadamente Guarda Nacional Republicada e Policia de Segurança Pública. Para isso, foram apresentados quatro vídeos, dois com relatos verdadeiros e dois falsos. Os participantes deveriam identificar se o testemunho era verdadeiro ou falso, o grau de confiança que tinham na sua resposta e referir quais os indicadores que utilizaram para justificar a mesma, sendo que no grupo com formação os indicadores utilizados foram os critérios do CBCA. Os resultados observados não mostram diferenças estatisticamente significativas, no entanto, verificou-se que quanto mais os participantes erravam menor era o seu grau de confiança na resposta. Relativamente aos indicadores em que baseavam as suas respostas, o grupo das forças de segurança baseouse maioritariamente em indicadores verbais, enquanto o grupo de sujeitos sem formação, baseou-se tendencialmente em indicadores verbais quando acertavam e em indicadores comportamentais quando erravam, corroborando a literatura Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

117


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

que indica que os indicadores comportamentais induzem mais vezes em erro. Palavras-Chave: Mentira, testemunho, crianças, CBCA Abstract: The present research aims to examine whether individuals with training in credibility and truthfulness evaluation of a witness and the security forces (experienced professionals) can better detect the truth that individuals who have no training or experience. The sample consists of 101 participants where 32 had training in evaluating the credibility and veracity of the witness as well as in the CBCA (criteria-based content analysis) instrument, 37 had no training in assessing the credibility and veracity of the witness or any experience in the field and 32 belonged to the Portuguese security forces. For this, participants were presented four videos, two truthful and two false reports, they should identify whether the testimony was true or false, and the degree of confidence they had in their response and what criteria they used to justify their answer, whereas in the group with training the utilized indicators were the CBCA criteria. The observed results do not present significant statistical differences, nevertheless it has been found that the more attendees made mistakes the lower the degree of confidence in the response got. Regarding the indicators in which they based their responses, the group of the security forces largely based their responses in verbal indicators, while the group of individuals with no training based in verbal indicators when they answered correctly and behavioral indicator when they were wrong, corroborating with the literature which indicates that the behavioral indicators induce more times in error. Keywords: Lying, witness, children, CBCA   Introdução Ao contrário do que se julga, o ser humano não é eficaz a detetar mentiras. Estudos realizados indicam valores entre os 50% e 60% na deteção correta da mentira, mesmo em grupos profissionais (Kraut, 1980, Vrij, 2000 citado por Hartwig, Granhag, Strömwall, & Vrij, 2004; Arriaga, & Rodrigues, 2010). Para uma compreensão clara da presente investigação, torna-se importante definir o que é a mentira. Para Ekman (2001, citado por Quinta, 2008, p. 4), na mentira “uma pessoa pretende enganar a outra, fazendo-o deliberadamente, sem notificação anterior do seu propósito, e sem ter sido explicitamente requisitada a fazê-lo pelo alvo”. Assim, é importante não apenas o conteúdo mas antes a intenção e o facto de se ter conhecimento de que aquilo que se diz não é verdade (Quinta, 2008; Wilson, et al., 2003, citado por Martins, 2007; Vrij, 2000). A mentira faz parte do desenvolvimento e das relações sociais (Martins,

118

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Deteção da Mentira em Crianças, pp. 117-134

2007; Arriaga, & Rodrigues, 2010), sendo que estudos naturalísticos sobre o comportamento de mentir revelam que as pessoas mentem em média uma vez em cada três interações sociais (Quinta, 2008). São vários os motivos apontados para mentir, nomeadamente: por ludismo - mentir para se divertir, assumindo a mentira como um jogo; para se “proteger”: justificando um comportamento ou para não ser responsabilizado pelo mesmo; por medo: de uma consequência; para evadir-se a um confronto; por “boa educação”: muitas vezes para justificar a sua recusa a um convite; e para ganhar algo: enganando alguém e obtendo lucro com isso (Frias, s.d; Freitas-Magalhães, 2011a). As crianças, por sua vez, tendem a mentir para evitar o castigo (Frias, s.d.; Gomes, & Chakur, 2005). Os autores referem que quando se mente, tende-se a mentir sobre um facto com uma base histórica verdadeira (Vrij, Granhag, & Porter, 2010). Assim, para mentir é necessário recordar corretamente a memória do que ocorreu, construir uma história alternativa e credível e recordar ambas para evitar contradições (Loftus, 1992, Memon, Vrij, & Bull, 1998, Stilff, & Miller, 1986, Vrij, Semin, & Bull, 1996, citados por Albuquerque, & Santos, 1999). Relativamente aos detalhes, alguns autores consideram que as mentiras podem ser muito detalhadas, tornando assim difícil a análise da sua veracidade (Vrij, et al., 2010). Por outro lado, Portes e Yuille (1996, citado por Walczyk et al., 2011) verificaram que em falsos testemunhos os participantes fornecem poucos detalhes, há pouca coerência no seu discurso e há menos referências à falta de memória. As Crianças e a Mentira Os estudos sobre a deteção da mentira têm-se centrado na capacidade da população em geral identificar mentirosos adultos, sendo poucos os estudos que se centram na deteção da mentira em crianças (Leach, Talwar, Lee, Bala, & Lindsay, 2004). Apesar de escassos, alguns estudos identificaram capacidades básicas nas crianças para mentir (Bottoms, Goodman, Schwartz-Kenney, & Thomas, 2002; Talwar, & Lee, 2002; Wilson, & Pipe, 1989, citados por Quas, Davis, Goodman, & Myers, 2007). Por exemplo, aos 6 anos de idade as crianças podem prestar declarações falsas para proteger os seus segredos. Outros estudos sugerem que as crianças podem, pelo menos em alguns contextos, manter pequenas mentiras quando instruídas para tal (Tye, Amato, Honts, Devitt, & Peters, 1999, citado por Quas, et al., 2007). Para Piaget, a criança até aos 7 anos não tem obstáculos morais à mentira, sendo que mente como brinca, chamando-lhe Stern (s.d., citado por Gomes, & Chakur, 2005) “pseudomentira” ou “mentira aparente” devido à espontaneidade da mentira infantil. Orcutt, Googman, Tobey, Batterman-Faunce e Thomas (2001, citado por Quas, et al., 2007) testaram a mentira em crianças dos 7 aos 9 anos e

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

119


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

verificaram que, apesar das crianças terem algumas capacidades para mentir intencionalmente, não está claro se estas são igualmente competentes, ou seja, se mantêm a mentira quando a história é completamente falsa e quando são questionadas repetidamente sobre o sucedido. Estudos indicam que a capacidade das crianças para controlar o seu comportamento e mentir melhora com a idade (Leach, et al., 2004). Neste sentido, tendo os adultos um maior autocontrolo, é provável que tenham mais facilidade em disfarçar as suas mentiras, ao contrário das crianças que tendem a ser mais impulsivas e espontâneas, podendo dessa forma ser mais fácil detetar as suas mentiras (Pereira, Brasileiro, Silva, Silva, & Albuquerque, 2006). Capacidade de Detetar a Mentira A percentagem de acertos a detetar a mentira em estudos experimentais (e.g. Ekman, 1996; Hartwig, Granhag, Strömwall, & Vrij, 2002; O’Sullivan, Ekman, & Friesen, 1988) raramente ultrapassa os 60%, sendo 50% considerado o acaso (Quinta, 2008). Um estudo português realizado por Arriaga e Rodrigues (2010), a 90 estudantes universitários portugueses, onde avaliaram as diferenças individuais a detetar a mentira e a honestidade, demonstrou que os participantes do sexo masculino foram significativamente mais precisos na deteção da mentira, enquanto os do sexo feminino foram mais precisos na deteção da honestidade. No entanto, num outro estudo realizado em contexto brasileiro, não foram encontradas diferenças relativamente ao sexo na identificação da mentira (Pereira, et al., 2006). No que concerne aos julgamentos de verdade ou mentira, estudos com a população em geral indicam que há mais facilidade de julgar a mentira como verdade do que o contrário, porque tendemos a pensar que as pessoas são honestas. No entanto, estudos desenvolvidos com amostras de profissionais do sistema de justiça (e.g. elementos policiais), indicam o inverso, ou seja, os profissionais do sistema de justiça tendem a identificar mais facilmente a verdade como sendo mentira. Os autores dos estudos (Ekman & O’Sullivan, 1991; Ekman, O’Sullivan & Frank, 1999) sugerem que este facto possa ser justificado por estes lidarem diariamente com população criminal, havendo assim uma maior desconfiança e um maior enviesamento na deteção da mentira (Rodrigues, & Arriaga, 2010). Segundo Leach e colaboradores (2004), estudos indicam que a maioria dos grupos profissionais que trabalham para o sistema de justiça, como os polícias, não distinguem melhor as declarações falsas, do que os estudantes universitários, demonstrando que a experiência e a formação não melhoram a precisão na deteção da mentira. Contudo, verificaram altos níveis de eficácia na deteção da mesma em alguns grupos como psicólogos clínicos e forenses (Leach, et al., 2004). Existem, assim, evidências de que alguns grupos de profissionais (polícias e psicólogos interessados na deteção da mentira) podem detetar mentiras com um

120

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Deteção da Mentira em Crianças, pp. 117-134

maior nível de precisão (Ekman & O’Sullivan, 1991, Ekman, O’Sullivan, & Frank, 1999, Mann, Vrij, & Bull, 2004, citados por Edelstein, Luten, Ekman & Goodman, 2006). Estudos efetuados por Vrij e colaboradores (Vrij, 1994; Vrij & Graham, 1997; Vrij, Mann & Robins, 2004, citado por Colwell, Miller, Lyons & Miller, 2006; Ekman, & O’Sullivan, 1991, citado por Colwell, et al., 2006) identificaram que alguns polícias foram capazes de detetar a mentira com 80% ou 90% de precisão enquanto os Serviços Secretos, demonstraram níveis entre os 70% a 100%. Garrido, Masip e Herrero (2004, citado por Walczyk, et al., 2011), compararam a eficácia na deteção da mentira entre 121 polícias e 146 estudantes. A precisão dos polícias foi semelhante à do acaso (50%), enquanto os estudantes demonstraram níveis de precisão mais elevados, ou seja, os estudantes detetaram mais corretamente a mentira do que os polícias. No entanto, os polícias apresentaram níveis elevados no grau de confiança na deteção da mentira. Relativamente à capacidade dos adultos para detetar a mentira em crianças pouco se sabe, contudo, um estudo realizado com crianças de 7, 8, 10 e 11 anos, que foram filmadas a mentir ou a dizer a verdade, a capacidade dos participantes para detetar a mentira ficou pelos 59%. Este estudo verificou ainda uma tendência dos participantes para mais facilmente julgar que as crianças estavam a dizer a verdade do que a mentir (Edelstein, et al., 2006). Um outro estudo efetuado por Crossman e colaboradores (2006, citado por Martins, 2007) verificou que os adultos são pouco capazes de detetar a mentira das crianças, bem como a sua honestidade, no entanto, pessoas que lidam habitualmente com crianças verifica-se o oposto, ou seja, detetam melhor a mentira. Por outro lado, Morency e Krauss (1982, citado por Edelstein, et al., 2006) verificaram que os adultos são altamente precisos na deteção da mentira em crianças do 1º ano. No entanto, a precisão para a deteção da mentira em crianças do 4º e 5º ano revelou-se menor (Allen, & Atkinson, 1978, Orcutt, Goodman, Tobey, Batterman-Faunce, & Thomas, 2001, Westcott, Davies, Graham, & Clifford, 1991, citados por Edelstein, et al., 2006). Para auxiliar a avaliação da veracidade dos testemunhos de crianças, foram elaborados instrumentos, sendo um exemplo o Criteria-Based Content Analysis (CBCA). O CBCA foi criado por Steller e Kohnken, em 1989, com o objetivo de avaliar a credibilidade do testemunho de crianças vítimas ou testemunhas de abuso sexual (Vrij, 2008, citado por Vrij, 2008; Vrij, 2005). Este é constituído por 19 critérios, que podem estar ausentes ou presentes, e se encontram divididos em 4 grupos: características gerais das declarações, conteúdos específicos, particularidades do discurso e conteúdos relativos à motivação. A presença de cada critério reforça a hipótese de que as declarações são baseadas em experiências pessoais reais, ou seja, declarações verdadeiras terão mais critérios presentes do que as declarações falsas, uma vez que cada um desses mesmos critérios avalia características típicas da verdade (quando presentes) ou da mentira (quando ausentes) (e.g. referência a determinados detalhes específicos,

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

121


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

sentimentos ou conhecimentos, que no caso de uma situação de abuso, não seriam do conhecimento de uma criança que não tivesse passado pela experiência). A capacidade para detetar a mentira e a verdade como base nos critérios deste instrumento foi examinado em 25 amostras até à data, sendo que em média, 70,47% das verdades e mentiras foram corretamente classificadas (Vrij, 2008). Indicadores na deteção da mentira Embora seja o discurso que está a ser analisado, consciente ou inconscientemente analisamos também a sua congruência com a linguagem corporal, sobretudo pela mímica da face e pelos movimentos oculares (Frias, s.d.). Os juízos sobre a mentira baseiam-se em indicadores verbais e comportamentais, sendo que os mais percebidos como denunciadores são: desviar o olhar, ansiedade, corar, exibir muitos movimentos corporais (sobretudo mãos e braços), hesitar, fazer pausas no discurso e ter um discurso incoerente, enquadrandose a maioria nos indicadores comportamentais. No entanto, estes indicadores poderão não ser os mais fiáveis, uma vez que estudos indicam que, quando as pessoas estão a mentir tendem a controlar as suas emoções, traduzindo-se na falta de espontaneidade, poucos movimentos corporais e poucos movimentos oculares e do pestanejar (Arriaga, & Rodrigues, 2010; Rodrigues, & Arriaga, 2010). Assim, apesar de se tentar controlar todos os indicadores verbais e comportamentais, há um foco no discurso, acabando por se controlar melhor o discurso e consequentemente descuidar o comportamento, embora o façamos de forma inconsciente. Este comportamento torna os indicadores comportamentais mais fiáveis na deteção da mentira (Freitas-Magalhães, 2011b; Vrij, 2008), como por exemplo, tapar a boca, comportamento apresentado desde tenra idade para disfarçar uma mentira. Existem, ainda, outros indicadores que podem denotar estados de ansiedade, como a contração e dilatação das pupilas, transpiração, aumento da contração ocular, tocar no nariz, esfregar os olhos, agarrar a orelha ou coçar o pescoço (Freitas-Magalhães, 2011b). Neste sentido, aquando a análise da capacidade de deteção da mentira, os polícias tendencialmente baseiam-se apenas no conteúdo do discurso, quando têm conhecimento sobre os factos que estão a ser discutidos e quando tem acesso a mais do que um testemunho (Vrij, 2008; Vrij, et al., 2010). Quando estes não têm qualquer informação sobre os factos ou quando não têm testemunhos para comparação, tendem a prestar mais atenção aos indicadores comportamentais (Vrij, et al., 2010). Os manuais de apoio à polícia, que abordam a questão da mentira, centramse nos indicadores comportamentais, sugerindo que estes são mais facilitadores da deteção da mentira do que o conteúdo do discurso. Este facto é reforçado pelos estudos que demonstram que 70% da linguagem entre as pessoas é nãoverbal (Inbau, Reid, Buckley, & Jayne, 2001, citado por Vrij, 2008). Contudo, os observadores que prestam atenção unicamente aos sinais

122

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Deteção da Mentira em Crianças, pp. 117-134

comportamentais são menos precisos em discriminar testemunhos verdadeiros e falsos, que aqueles que têm em consideração o conteúdo do discurso (Vrij, 2008; Bond, & DePaulo, 2006; Burgoon, Blair, & Strom, 2008; Lindholm, 2008 citado por Vrij, et al., 2010). Mann, Vrij e Bull (2004, citado por Vrij, et al., 2010), efetuaram um estudo com 99 polícias britânicos e verificaram que a maioria (78%) tende a basear-se em indicadores comportamentais. Estes resultados verificavam-se quando o conteúdo do assunto era discrepante com o comportamento (Vrij, 2008). Grau de confiança na deteção da mentira. A relação entre a certeza e a precisão na área do testemunho tem sido objeto de vários estudos (Pinto, 1986). Wells e Lindsay (1985, citado por Pinto, 1986) verificaram que em 13 estudos havia uma relação positiva entre a certeza e a precisão. Verificaram ainda em outros 18 estudos, que não havia relação ou que a mesma era negativa. Vários estudos têm mostrado que quando comparados os inexperientes e sem formação com profissionais, os profissionais são mais confiantes no que concerne aos julgamentos de veracidade, contudo não são mais precisos (DePaulo, & Pfeifer, 1986; Garrido, Masip, & Herrero, 2004; Kassin, Meissner, & Norwick, 2005; Meissner, & Kassin, 2002, citado por Vrij, et al., 2010). Esta tendência para o excesso de confiança não é exclusiva a polícias mas também a grupos de outros profissionais que exercem funções associadas a esta temática (Allwood, & Granhag, 1999, citado por Vrij, et al., 2010). Deste modo, os objetivos do presente estudo são: avaliar a capacidade de três grupos distintos (estudantes universitários sem formação; académicos com formação em credibilidade e veracidade do testemunho e no CBCA; e elementos das forças de segurança) em detetar a veracidade do testemunho de crianças do 1º ciclo; verificar se existem diferenças significativas na capacidade de identificar corretamente a verdade e a mentira, consoante o facto de terem ou não experiência profissional, formação na área /utilização de instrumentos e o grupo de controlo; e quais os indicadores, verbais ou comportamentais, mais utilizados para detetar a mentira. Método Participantes A amostra é constituída por 101 participantes, estando distribuídos por três grupos distintos: 32 com formação ao nível da avaliação da credibilidade e veracidade do testemunho e do instrumento CBCA, sendo estes docentes e discentes do 1º e 2º ano de Mestrado em Psicologia Forense e Criminal; 37 sem formação na avaliação da credibilidade e veracidade do testemunho, sendo estes

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

123


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

discentes de 1º e 2º ano de licenciatura em Psicologia Criminal; e 32 das forças de segurança, pertencentes à Guarda Nacional Republicana (GNR) e Polícia de Segurança Pública (PSP), de diferentes esquadras de Portugal. A escolha dos grupos prendeu-se com o facto de terem ou não formação na área da credibilidade e veracidade do testemunho (discentes de licenciatura e mestrado e/ou docentes) e com o desempenhar de funções profissionais na área do testemunho (forças de segurança). Relativamente à formação em avaliação da credibilidade e veracidade do testemunho, cerca de 62% da amostra não possui. A idade dos participantes varia entre os 19 e os 60 anos, sendo a média de idades de todos os participantes de 27 anos (M= 26.91; DP= 8.769). No grupo das forças de segurança, a média de idades é mais elevada sendo de 36 anos (M= 36.28; DP= 8.785) e no grupo dos sem formação, os mais jovens, a média de idades é 21 anos (M= 20.81; DP= 3.170), sendo que os com formação têm em média 24 anos (M= 24.41; DP= 4.079). Relativamente ao sexo, 56,4% da amostra é do sexo feminino e 43,6% do sexo masculino. No entanto, verificou-se que o grupo das forças de segurança é composto na sua maioria por elementos do sexo masculino, enquanto nos restantes grupos se verifica a tendência para uma maioria feminina. Quanto às habilitações literárias, a maioria tem o ensino secundário (57,7%), seguindo-se da licenciatura (30,9%). No grupo das forças de segurança, foram ainda analisados os anos de experiência, sendo a média 13 anos de serviço (M= 13.06; DP= 8.173). Quanto às funções desempenhadas, a mais frequente é operacional na modalidade de patrulha, com 67,9%, seguindo-se 17,9% polícia de trânsito, 10,7% de investigação criminal e os restantes elementos da unidade de segurança. Instrumento Em todos os grupos foi utilizada uma ficha de dados sociodemográficos, que diferencia de grupo para grupo, com o objetivo de se adequar à população alvo (e.g. forças de segurança – inclui funções desempenhadas). No grupo das forças de segurança e dos sem formação, a ficha de dados sociodemográficos era ainda acompanhada por um espaço em que os indivíduos se pronunciavam sobre quais os indicadores em que se basearam para identificar a verdade ou falsidade do testemunho e o seu grau de confiança na resposta. No grupo com formação, acrescentou-se o Criteria-Based Content Analysis - CBCA e retirou-se o espaço de resposta sobre os indicadores em que se tinham baseado, mantendo-se a posição sobre a veracidade do testemunho bem como o grau de confiança. Procedimento O estudo dividiu-se em duas partes: realização dos vídeos e posteriormente, apresentação dos mesmos aos grupos, para estes procederem ao preenchimento

124

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Deteção da Mentira em Crianças, pp. 117-134

da folha de respostas de acordo com as instruções solicitadas. Relativamente à primeira parte, foram realizados 4 vídeos com crianças do 1º ciclo (6, 7, 8 e 9 anos), duas do sexo feminino e duas do sexo masculino, em que duas dão um testemunho verídico e as outras duas crianças um testemunho falso. Para a realização dos mesmos foi pedida autorização aos tutores legais das quatro crianças. Para a realização dos 4 vídeos foi estabelecida a relação com as crianças e foram colocadas questões neutras sobre a escola, solicitando que descrevessem um evento ocorrido na escola que as tivesse marcado. Nos testemunhos falsos, antes da realização do vídeo, foi solicitado a familiares próximos das respetivas crianças (uma criança do sexo masculino e uma do sexo feminino), que as instruíssem a mentir às investigadoras quando fossem questionadas sobre o acontecimento ocorrido na escola. Nos testemunhos verdadeiros e falsos, após a realização do vídeo, o acontecimento relatado pela criança foi confirmado pelos familiares. Foi dito pelas investigadoras às quatro crianças que estariam a participar num trabalho de investigação, em que as investigadoras é que seriam avaliadas pela forma de condução da entrevista, minimizando possíveis constrangimentos das crianças. Após a realização dos vídeos, estes foram editados de forma a ficarem uniformes no tempo e de se focarem no acontecimento marcante ocorrido na escola. Desta forma, o tempo final dos mesmos foi: vídeo 1 – 02:23 min.; vídeo 2 – 02:30 min; vídeo 3 – 02:46 min; vídeo 4 – 02:10 min. Quanto à aplicação, esta foi diferente nos três grupos: no caso do grupo das forças de segurança, foram contactados vários elementos policiais, a fim de verificar a sua motivação e disponibilidade para participação no estudo, tendo sido enunciados os objetivos do mesmo. Aquando a aceitação por parte dos elementos, contextualizaram o estudo, permitindo o consentimento informado e esclarecendo que os dados seriam estritamente confidenciais, não sendo estabelecido tempo limite para a execução da tarefa. No grupo sem formação em avaliação da credibilidade e veracidade do testemunho, foram contactadas duas docentes da licenciatura em Psicologia Criminal, do Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, que permitiram às investigadoras realizar a tarefa nas suas aulas. O estudo foi contextualizado aos alunos, esclarecendo que os dados seriam estritamente confidenciais, tendo ainda as investigadoras informado ainda que só participaria no estudo quem estivesse interessado, não tendo estabelecido tempo limite para execução da tarefa. O grupo com formação em avaliação da credibilidade e veracidade do testemunho foi reunido nas instalações do Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, tendo sido esclarecidos da investigação e seus objetivos. Posteriormente observaram os vídeos e procederam ao preenchimento da ficha de resposta, não tendo sido estabelecido tempo limite para a execução da tarefa. Em todos os grupos as investigadores estiveram presentes aquando a visualização dos vídeos, mostrando-se disponíveis para o esclarecimento de dúvidas.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

125


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

Relativamente aos vídeos, estes foram apresentados na mesma ordem a todos os grupos: vídeo 1 – verdadeiro, sexo feminino, 6 anos, caucasiana; vídeo 2 – falso, sexo masculino, 7 anos, negroide; vídeo 3 – falso, sexo feminino, 8 anos, caucasiana; e vídeo 4 – verdadeiro, sexo masculino, 9 anos, caucasiano. Resultados Procedendo à análise dos 4 vídeos, comparativamente ao número de acertos e erros verificou-se que, o vídeo que apresentou um maior número de erros na identificação (60,4%) foi o vídeo 1. Quanto àquele que demonstrou mais acertos (69,3%) por parte dos participantes foi o vídeo 4. Nos restantes vídeos (2 e 3), 63,4% da amostra acertou. Verificou-se que a formação e a idade não se mostraram correlacionadas estatisticamente com a variável ter identificado corretamente a credibilidade do testemunho. Quanto à correlação entre a variável identificar corretamente a credibilidade do testemunho e o grau de confiança que os indivíduos detinham na sua resposta, foi possível verificar que existe uma correlação negativa (r=-,218; p=0,030) e significativa, entre ter identificado corretamente a credibilidade do testemunho no vídeo 4 e o grau de confiança na resposta ao mesmo. Ou seja, quanto menos os indivíduos acertavam, menor era o seu grau de confianças na resposta. Para estudar a relação entre a variável sexo e o número de vezes que identificaram corretamente a credibilidade dos testemunhos, efetuou-se um teste t-student, que permite testar hipóteses sobre a média de uma variável quantitativa em dois grupos diferentes de indivíduos, formada a partir de uma variável qualitativa, não se verificando diferenças significativas. Relativamente à correlação entre a variável ter identificado corretamente a credibilidade do testemunho e os grupos da presente investigação (indivíduos com formação, indivíduos sem formação e elementos das forças de segurança), foi possível verificar que não existem diferenças estatisticamente significativas. Foi realizada uma One-Way ANOVA, para analisar se, de facto, existem ou não diferenças significativas entre a idade dos participantes e o grau de confiança apresentado na resposta e foi possível verificar que existem diferenças entre o intervalo de idades [50-55] e o grau de confiança na resposta ao vídeo 3 (F=2.800; p=.021). Verificando-se assim que quanto maior a idade, maior o grau de confiança nas respostas. Num tratamento estatístico exclusivo aos elementos das forças de segurança, procedeu-se à correlação entre a variável experiência profissional e o ter identificado corretamente a credibilidade do testemunho, bem como o grau de confiança que apresentaram, não tendo sido encontradas diferenças estatisticamente significativas. Analisou-se ainda a relação da variável ter identificado corretamente a credibilidade e veracidade do testemunho e a função

126

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Deteção da Mentira em Crianças, pp. 117-134

operacional que desempenhava nas forças de segurança, no entanto, não se encontraram diferenças estatisticamente significativas. Foi realizada uma One-Way ANOVA, para analisar se, de facto, existem ou não diferenças significativas entre o grau de confiança que os sujeitos apresentam e os diferentes grupos em estudo. Procedendo-se à análise verificouse que, embora não existam diferenças no vídeo 1 (F=2.069; p=.132), existem diferenças significativas nos vídeos 2 (F=4.643; p=.009), 3 (F=13.643; p=.000) e 4 (F=4.421; p=.015), sendo que nos três vídeos as forças de segurança apresentam médias superiores, levando a inferir que o grupo das forças de segurança é quem demonstra um maior grau de confiança comparativamente com os outros grupos. Foi ainda realizada uma outra One-Way ANOVA, para analisar se, de facto, existem ou não diferenças significativas entre o sexo e grau de confiança que os participantes apresentaram nas respostas. Foi possível verificar, através da análise que existem diferenças estatisticamente significativas em todos os vídeos, ou seja, tanto no vídeo 1 (F= 4.896; p=.029), como no vídeo 2 (F= 7.505; p=.007), no vídeo 3 (F= 23.236; p=.000) e no vídeo 4 (F= 4.253; p=.042), apresentando o sexo masculino uma média significativamente mais elevada em todos os vídeos. Nos grupos sem formação e forças de segurança, procedeu-se à análise de conteúdo dos indicadores que levaram os sujeitos a pronunciar-se sobre a credibilidade do testemunho. Para se chegar às categorias criadas, os questionários foram analisados separadamente por cada uma das investigadoras tendo-se posteriormente debatido as diferentes opiniões e a nomenclatura a atribuir às categorias. No grupo com formação e sem experiência, não foi realizada análise de conteúdo uma vez que o preenchimento do CBCA em papel não era critério obrigatório e, deste modo, nem todos os participantes preencheram os critérios do CBCA nas folhas de resposta. Através da análise de conteúdo foram criadas 17 categorias, sendo 15 delas comuns aos dois grupos e uma distinta em cada um. Relativamente às 17 categorias, estas encontram-se em duas categorias gerais: indicadores verbais e indicadores comportamentais. Nos indicadores verbais, incluem-se: coerência do discurso (e.g. “discurso coerente”; “discurso lógico”; “discurso com cabeça, tronco e membros”); discurso incoerente (e.g. “saltava muito de assunto”; “atrapalhava-se”); fluidez do discurso (e.g. “as frases são simples”; “o discurso é sem pausas”; “não parava muito para pensar”); muitos detalhes (e.g. “dava muitos pormenores”); história realista (e.g. “era possível acontecer”; “é normal acontecer em crianças desta idade”); poucos detalhes (e.g. “diz muitas vezes não sei”; “diz muitas vezes que não se lembra”; “dá pouca informação”); hesitações no discurso (e.g. “muitas pausas”; “para muitas vezes para pensar”; “pensa antes de falar”); e discurso previamente preparado (e.g. “notava-se que tinha tudo decorado”; “parecia que estava a relembrar-se do que tinha para dizer”; “esqueceu-se do que lhe tinham mandado dizer e ficou à rasca”). Este último indicador apenas se verificou no grupo das forças policiais. Relativamente aos indicadores comportamentais, este incluem: expressa

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

127


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

serenidade (e.g. ”parecia muito calma”; “estava tranquilo”; “poucos movimentos corporais”); expressa sinceridade e confiança (e.g. “parecia sincero”; “notava-se que estava a dizer a verdade”; “estava a ser genuíno”); pouco/sem contacto visual (e.g. “olhava para cima”; “olhava muitas vezes para o lado”; “desvia o olhar quando responde”); linguagem corporal adequada ao discurso (e.g. “os gestos corroboram o que está a dizer”; “a linguagem corporal vai de encontro ao que está a dizer”); expressa insinceridade e insegurança (e.g. “estava nervosa”; “não parece confiante no que diz”; “nota-se que está a mentir”); agitação psicomotora (e.g. “mexia-se muito”; “mordia os lábios”; “tinha muitos tiques”); sorriso (e.g. “ria-se”; “sorriu algumas vezes”); e mantém contacto visual (e.g. “olha para a pessoa que faz as perguntas”; “olha para a câmara”; “mantem o olhar enquanto fala”). Este último indicador, apenas se verificou no grupo dos sem formação. Procedendo-se à análise dos indicadores gerais, verbais e comportamentais, em que os indivíduos se fundamentaram para pronunciar-se sobre a veracidade das declarações das crianças, verificou-se que quando acertaram (54,24%), basearam-se mais em indicadores verbais, sendo que os restantes (45,76%) basearam-se em indicadores comportamentais. No entanto, quando erraram, 50,46% baseou-se em indicadores comportamentais e 49,54% em indicadores verbais. Fazendo uma análise mais aprofundada relativamente aos grupos, foi possível constatar que o grupo dos sem formação, demonstrou uma tendência para se basear mais nos indicadores verbais (54,70%) quando acertava e mais nos indicadores comportamentais (56%) quando errava. Por sua vez, os indivíduos do grupo das forças de segurança basearam-se sempre tendencialmente em indicadores verbais, tanto quando acertavam (53,77%) como quando erravam (55,07%). No que concerne aos testemunhos dos vídeos, a interação entre as variáveis dá origem a quatro tipos possíveis de resposta: CV – Certo verdade - a criança diz a verdade e o participante acerta; CM – Certo mentira – a criança mente e o participante acerta; EV – Erro verdade – a criança diz a verdade e o participante erra; e por fim o EM – Erro mentira – a criança mente e o participante erra. Assim, quando surge o C significa que está correto e o E quando está errado. Analisando as categorias com maior prevalência, no grupo sem formação, para o CV (Correto – Verdade) foram: fluidez do discurso (26,32%), expressa sinceridade e confiança (18,41%) e expressa serenidade (15,79%). Para o CM (Correto – Mentira), as categorias que se salientam são: Agitação psicomotora (26,67%), poucos detalhes (22,86%) e hesitações no discurso (20,71%). Para a EV (Erro – Verdadeiro), destacam-se: poucos detalhes (20%) e fluidez do discurso (13,33%). Relativamente ao EM (Erro – Mentira), evidenciam-se as seguintes categorias: sorriso (20,95%), agitação psicomotora (19,04%) e Discurso incoerente (18,10%). Quanto ao grupo das forças policiais, no CV (Correto - Verdade) salientaramse as seguintes categorias: expressa sinceridade e confiança (22,72%), fluidez do

128

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Deteção da Mentira em Crianças, pp. 117-134

discurso (15,91%) e expressa serenidade (15,91%). No CM (Correto – Mentira), as categorias que se destacam são: agitação psicomotora (29,22%), poucos detalhes (18,46%) e Hesitações no discurso (13,84%). Quanto ao EV (Erro - Verdadeiro), evidencia-se a fluidez do discurso (28%). Por último, no EM (Erro – Mentira), predominam as seguintes categorias: agitação psicomotora (31,82%), discurso incoerente (18,18%) e hesitações no discurso (15,90%). Discussão Procedendo à análise da identificação correta da credibilidade e veracidade em cada vídeo, verificaram-se mais erros na identificação da credibilidade e veracidade da criança mais nova, tendo esta 6 anos (vídeo 1), sendo que apenas 38,6% acertou. Nos restantes vídeos, o vídeo 2 (63,4%), 3 (63,4%) e 4 (69,3%) verificou-se uma identificação correta da credibilidade e veracidade do testemunho, superior a 50%, sendo o vídeo com melhor identificação de credibilidade e veracidade o vídeo 4, em que a criança possui 9 anos (a mais velha das quatro crianças). Estes resultados contrariam a literatura que indica que é mais facilmente identificável a mentira ou verdade numa criança mais nova (Leach,, et al., 2004), ou seja, se as crianças mais novas têm menos capacidades para mentir, o que se esperava era que os participantes identificassem mais corretamente a verdade e a mentira, sendo que no presente estudo se verificou o oposto. Tal situação poderá ter ocorrido, devido ao facto de a criança, sendo a mais nova das quatro, apresentar-se muito descontraída, não fazendo pausas no discurso para pensar, apresentando um discurso fluido e simultaneamente desorganizado e balançando-se numa cadeira de baloiço, tendo estes sinais sido interpretados como de ansiedade. Quanto à utilização do CBCA, o insucesso na identificação correta da credibilidade e veracidade do testemunho, conforme se verifica pela ausência de diferenças significativas entre os grupos, contraria os estudos que utilizaram o CBCA e que obtiveram respostas corretamente classificadas na ordem dos 70,47%. Estes resultados podem ter ocorrido devido à desmotivação dos participantes, pressão de tempo aquando o preenchimento do questionário e o facto de os participantes não terem efetivamente baseado as suas respostas nos critérios do CBCA, fator que não foi possível controlar, impossibilitando a análise dos critérios. Uma outra possível explicação prende-se com a inexperiência dos mesmos na utilização do instrumento, tal como referido anteriormente. Quanto à análise das variáveis ter identificado corretamente a veracidade do testemunho e a formação dos participantes, não se verificou diferenças estatisticamente significativas. Este resultado corrobora os apresentados pelo estudo de Vrij (2008), que refere que ao comparar estudantes universitários com profissionais, a taxa dos estudantes é quase idêntica aos valores dos profissionais. Pelo contrário, existem outros estudos que não corroboram este resultado (Ekman,

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

129


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

& O’Sullivan, 1991; Ekman, O’Sullivan, & Frank, 1999; Mann, Vrij, & Bull, 2004, citados por Edelstein, et al., 2006), uma vez que referem que alguns grupos de profissionais (policias e psicólogos interessados na deteção da mentira) podem detetar mentiras com um maior nível de precisão do que outros. Quanto à relação entre o identificar corretamente a credibilidade do testemunho e o grau de confiança, verificámos que quanto mais os indivíduos erraram, maior foi o seu grau de confianças na resposta. Wells e Lindsay (1985, citado por Pinto, 1986) encontraram 18 estudos em que, tal como no presente estudo, não havia relação ou que a mesma era negativa, sendo que encontraram ainda 13 estudos em que havia uma relação positiva entre a certeza e a precisão, não corroborando os resultados obtidos. Estes resultados podem surgir pelo facto de que os indivíduos, em geral, quando não têm a certeza de que a sua resposta está correta, têm menos confiança nas suas respostas. Neste caso específico, sempre que não tinham certeza da resposta, porque de alguma forma o vídeo lhes gerava dúvidas, tendiam a ter menos confiança e, efetivamente, erravam mais na resposta. Quanto à análise das variáveis sexo e ter identificado corretamente a credibilidade do testemunho, não se verificaram diferenças significativas, sendo este resultado reforçado pelo estudo de Pereira e colaboradores (2006). Contudo, num estudo realizado por Arriaga e Rodrigues (2010), estes verificaram que os participantes do sexo masculino foram significativamente mais precisos na deteção da mentira, enquanto as mulheres foram mais precisas na deteção da honestidade. Estes resultados podem ter sido influenciados pelo facto de a prevalência de ambos os sexos não ser idêntica nos três grupos, isto é, o grupo das forças de segurança é maioritariamente constituído por homens e os restantes grupos por mulheres, não permitindo assim verificar, por exemplo, se as mulheres são mais precisas na deteção da honestidade. Quanto às variáveis ter identificado corretamente a credibilidade do testemunho e os grupos alvo do presente estudo (policias, participantes com formação e participantes sem formação), não se verificaram diferenças significativas, ou seja, a formação e a experiência não melhoram a capacidade de deteção da mentira, sendo estes resultados congruentes com os apresentados por Leach e colaboradores (2004). Contrariamente ao estudo realizado por Garrido, Masip e Herrero (2004, citado por Vrij et al., 2010), em que se verificou que os estudantes demonstram resultados superiores aos profissionais. O insucesso na identificação correta da credibilidade e veracidade do testemunho, conforme se verifica pela ausência de diferenças significativas entre os grupos, contraria os estudos que utilizaram o CBCA e que obtiveram respostas corretamente classificadas na ordem dos 70,47%. Estes resultados podem ser explicados pela ausência ou inexperiência na utilização dos critérios do CBCA, no grupo dos participantes com formação. Procedendo à análise do grau de confiança dos diferentes grupos em estudo, verificaram-se diferenças significativas, nomeadamente no grupo das forças de segurança, que mostraram níveis de confiança superiores nas suas

130

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Deteção da Mentira em Crianças, pp. 117-134

respostas. Vários estudos corroboram este resultado, mostrando que, quando comparados os profissionais e os inexperientes e sem formação, os profissionais são mais confiantes no que concerne aos julgamentos (DePaulo, & Pfeifer, 1986; Garrido, Masip, & Herrero, 2004; Kassin, Meissner, & Norwick, 2005; Meissner, & Kassin, 2002, citado por Vrij, et al., 2010). Este resultado pode estar relacionado com a instrução que estes participantes têm aquando a sua formação para polícias, isto é, a formação que detêm pode levá-los a ter mais confiança em si, mas especificamente nas suas decisões e nas análises que fazem a situações semelhantes às que se deparam diariamente na sua prática profissional. Procedendo a análise do sexo e grau de confiança nas respostas, foi possível verificar que existem diferenças estatisticamente significativas. Ou seja, os homens são mais confiantes nas suas respostas, mas tal pode dever-se ao facto do grupo dos polícias apresentarem um maior grau de confiança e este grupo ser maioritariamente masculino. De referir que, não foram encontrados estudos que relacionassem estas duas variáveis. Relativamente à relação entre a idade e o grau de confiança que os indivíduos detinham na sua resposta, foi possível verificar que quanto mais velhos os participantes, maior o grau de confiança nas suas respostas, nos vídeos 1, 2 e 3. Tal se pode dever ao facto de os polícias serem o grupo com maior grau de confiança nas suas respostas e simultaneamente possuírem uma média de idade superior aos outros grupos. No entanto, não foram encontrados estudos que analisassem a relação entre estas variáveis. Quanto à análise de conteúdo, considerando as categorias obtidas, verificou-se que o grupo das forças de segurança se baseou maioritariamente em indicadores verbais. No entanto, um estudo de Mann, Vrij e Bull (2004, citado por Vrij, et al., 2010) indica que a maioria dos polícias se baseia em indicadores comportamentais. De referir que Vrij (2008) indica que existe apenas enfoque nos indicadores verbais quando verificam que o conteúdo da narrativa é discrepante com o comportamento. Quanto ao grupo dos sem formação, estes basearam-se mais nos indicadores verbais (54,70%) quando acertavam e mais nos indicadores comportamentais (56%) quando erravam. No mesmo sentido, Vrij (2008) diz-nos que os estudos indicam que, quem tem em conta os indicadores verbais, ou seja, indicadores ligados ao discurso, tem mais sucesso na deteção correta da mentira. A literatura refere que os indicadores comportamentais são menos fiáveis, uma vez que quando as pessoas estão a mentir, tendem a controlar mais as suas emoções, traduzindo-se assim na falta de espontaneidade, poucos movimentos oculares e do pestanejar (Arriaga, & Rodrigues, 2010; Rodrigues, & Arriaga, 2010).

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

131


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

Conclusão Os resultados deste estudo mostram a ausência de diferenças significativas entre os grupos na identificação correta da credibilidade e veracidade do testemunho de crianças do 1º ciclo, contrariando o expectável. Era esperado que os indivíduos do grupo com formação, que tiveram acesso ao CBCA e com instrução para a utilização do mesmo, tivessem uma maior percentagem de acertos. A ausência de diferenças significativas pode dever-se à desmotivação dos participantes, às pressões temporais, limitações do contexto, nomeadamente ao nível do som e luminosidade, às crenças e, na sua maioria, inexperiência quanto à utilização do instrumento, sendo esta uma limitação do presente estudo. Foi ainda possível verificar que o grupo das forças de segurança tem tendência a basear-se maioritariamente em indicadores verbais. No grupo dos sem formação, verificou-se que estes tendencialmente tomam as suas decisões com base em indicadores verbais, quando acertam, e indicadores comportamentais quando erram, o que vai de encontro à literatura que refere que os indicadores comportamentais induzem mais vezes em erro. Relativamente às limitações podemos enumerar algumas, que poderão ter contribuído para um enviesamento dos resultados: as crianças estarem a ser filmadas, podendo ter inibido os comportamentos espontâneos e isso consequentemente ter influenciado a avaliação da credibilidade e veracidade; diferenças individuais das crianças, na capacidade de se expressar e mentir, podendo ter contribuído para um enviesamento nas respostas, bem como o desconhecimento dos participantes em relação às questões do desenvolvimento das crianças; contexto de aplicação que poderá ter influenciado a atenção dos participantes (e.g. barulho; pressão do tempo); estereótipos de raça da amostra, percecionado aquando a aplicação, nomeadamente com o vídeo 2; duração reduzida dos vídeos, o que poderá ter dificultado o preenchimento dos critérios do CBCA; e o facto de o CBCA estar direcionado para questões de abuso sexual e os eventos relatados pelas crianças estarem relacionados com a escola; e o facto de o grupo com formação não possuir experiência, nomeadamente na aplicação do CBCA. Como sugestões para estudos futuros, pensamos que deverão ser controladas as diferenças individuais das crianças na capacidade de se expressar e mentir e deverão ser filmados mentirosos “espontâneos”. Recomendamos, ainda, a avaliação das características dos entrevistadores bem como das dinâmicas entre os entrevistadores e as crianças. Os estudos futuros realizados neste âmbito devem procurar assegurar o treino e a experiência dos participantes na avaliação da veracidade e credibilidade do testemunho, nomeadamente no uso do CBCA.

132

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Deteção da Mentira em Crianças, pp. 117-134

Referências Albuquerque, P. B. & Santos, J. A. (1999). “Jura dizer a verdade? …”: traições e fidelidades dos processos mnésicos. Psicologia: Teoria, Investigação e Prática, 2, 257-2266. Retirado de http://www.direito.uminho.pt/uploads/Pedro%20 Albuquerque.pdf Arriaga P. & Rodrigues A., (2010). Haverá diferenças individuais na capacidade para destetar a mentira e a honestidade nos outros? Psicologia, 24 (2), 43-60. Colwell, L. H., Miller, H. A., Lyons, P. M. & Miller, R.S. (2006). The training of law enforcement officers in detecting deception: a survey of current practices and suggestions for improving accuracy. Police Quarterly, 9 (3), 275–290. DOI: 10.1177/1098611104273293 Edelstein, R. S., Luten, T. L., Ekman, P. & Goodman, G. S. (2006). Detecting lies in children and adults. Law and Human Behavior, 30, 1-10. doi: 10.1007/s10979006-9031-2 Freitas-Magalhães, A. (2011a). Expressão facial verdadeira e expressão facial falsa. In A. Freias-Magalhães (Ed.), O código de Ekman – o cérebro, a face e a emoção (pp-39-88). Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa. Freitas-Magalhães, A. (2011b). O cérebro da emoção. In A. Freias-Magalhães (Ed.), O código de Ekman – o cérebro, a face e a emoção (pp-39-88). Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa. Frias, M. J., (s.d.). O nariz da língua: um ponto de vista linguístico sobre a mentira. Actas de encontro comemorativo dos 25 anos. Gomes, L. R., & Chakur, C. R. (2005). Crianças e adolescentes falam sobre a mentira: contribuições para o contexto escolar. Ciências e cognição, 6, 33-43. Hartwig, M., Granhag, P. A., Strömwall, L. A. & Vrij, A. (2004). Police officers´ lie detection accuracy: interrogating freely versus observing video. Police Quarterly, 7 (4), 429-456. doi: 10.1177/1098611104264748 Leach, A., Talwar, V., Lee, K., Bala, N. & Lindsay, R. (2004). “Intuitive” lie detection of children´s deception by law enforcement officials and university students. Law and Human Behavior, 28 (6), 661-685. doi: 10.1007/s10979-0040793-0 Martins, D. S. (2007). As crianças e as mentiras: um estudo no 2º ciclo do ensino básico. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Pereira, M. E., Brasileiro, R., Ferreira da Silva, J., Silva, P. B., Brachi, D. & Albuquerque F. (2006). Estereótipos, mentiras e videotape: Estudos experimentais sobre a acurácia na identificação da mentira. Psicologia em estudo, 11 (1), 209-218. Pinto, A. C. (1986). Uma análise experimental sobre a credibilidade das identificações efetuadas por testemunhas oculares. Revista de Investigação Criminal, 21, 67-72. Retirado de http://www.fpce.up.pt/docentes/acpinto/ artigos/01_testemunho_ocular.pdf

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

133


Ana A. Ribeiro, Ana F. Romão, Bárbara A. Fernandes, Joana M. Pacheco e Susana D. Monteiro

Quas, J. A., Davis, E. L., Goodman, G. S. & Myers J. E. (2007). Repeated questions, deception, and children’s true and false reports of body touch. Child Maltreat, 12 (1), 60-67. doi: 10.1177/1077559506296141 Quinta, N. C. (2008). Efeito de contigências aversivas sobre o comportamento de mentir: Sinais e detecção. Dissertação de mestrado apresentada à universidade Católica de Goiás. Rodrigues, A. & Arriaga, P. (2010). Deteção da mentira e da veracidade em estudantes universitários: Diferenças de género e sua relação com a inteligência emocional. Atas do VII Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia, 3076-3088. Vrij, A. (2005). Criteria-Based Content Analysis: A qualitative review of the first 37 studies. Psychology, Public Policy, and Law, 2, 3-41. doi: 10.1037/10768971.11.1.3. Vrij, A. (2008). Nonverbal dominance versus verbal accuracy in lie detection: a plea to change police practice. Criminal Justice and Behavior, 35(10), 1323-1336. doi: 10.1177/0093854808321530 Vrij, A., Edward, K., Roberts, K. P., & Bull, R., (2000). Detecting Deceit via analysis of verbal and nonverbal behavior. Journal of Nonverbal Behavior, 24 (4), 239-263. Vrij, A., Granhag, P. & Porter, S. (2010). Pitfalls and Opportunities in Nonverbal and Verbal Lie Detection. Psychological science in the public interest, 11(3), 89–121. doi: 10.1177/1529100610390861 Walczyk, J. J., Griffith, D. A., Yates, R., Visconte, S. R., Simoneaux, B. E. & Harris, L. L. (2011). Lie detection by inducing cognitive load: eye movements and other cues to the false answers of “witnesses” to crimes. Criminal Justice and Behavior, 7 (39), 887-909. doi: 10.1177/0093854812437014

134

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Estudos de Caso/case studies



Neuropsychological Rehabilitation for younger people: small group and single case studies exemplifying the assessment and treatment of cognitive, emotional and behavioural problems Reabilitação Neuropsicológica para jovens: exemplos de avaliação e tratamento de problemas cognitivos, emocionais e comportamentais em pequenos grupos ou estudos de caso Barbara A. Wilson

The Oliver Zangwill Centre, Ely

Contact for correspondence: barbara.wilson00@gmail.com

Abstract: This paper focuses on children, adolescents and young adults who sustained brain damage due to a traumatic brain injury (TBI), encephalitis, stroke or anoxia leaving them with cognitive, emotional or behavioural problems. After presenting the results of a small group study of children recruited to a paging service, recent research to improve working memory in children is described. This is followed by accounts of four young people with: 1) visual object agnosia, 2) Balint’s Sydrome, 3) emotional difficulties and 4) behaviour problems. Assessment and rehabilitation procedures for these individuals are described. Key-words: rehabilitation; memory; perception; emotion; behaviour problems

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

137


Barbara A. Wilson

Resumo: Este artigo centra-se em crianças, adolescentes e jovens adultos que sofreram danos cerebrais devido a um acidente cerebral traumático, encefalite, acidente vascular cerebral ou anoxia que geram problemas cognitivos, emocionais e comportamentais. Depois de apresentar os resultados de um pequeno grupo de crianças, é realizada uma descrição sobre investigações recentes para a melhoria da memória de trabalho em crianças. Esta descrição é acompanhada com quatro estudos de caso com 1) agnosia visual de objectos, 2) Sindrome de Balint, 3) dificuldades emocionais e 4) problemas de comportamento. A avaliação e procedimentos de reabilitação para cada caso são apresentados. Palavras-chave: reabilitação, memória, percepção, emoção, problemas de comportamento Introduction Neuropsychological rehabilitation is concerned with the amelioration of cognitive, emotional, psychosocial and behavioural deficits caused by an insult to the brain. It is not synonymous with recovery (i.e getting back to what one was like before the injury or illness), and it is not synonymous with treatment (treatment is something we do to or give to people). Rehabilitation is a two way interactive process. The main purposes of neuropsychological rehabilitation are to enable people with disabilities to achieve their optimum level of well being, to reduce the impact of their problems on everyday life, and to help them return to their own most appropriate environments. It needs emphasising that the purpose of neuropsychological rehabilitation is not to teach patients to score better on tests or learn lists of words or be faster at detecting stimuli (Wilson, Evans, Gracey and Bateman, 2009a). In terms of rehabilitation for real life issues, Cicerone et al (2011) state that “ there is evidence from numerous studies indicating that cognitive rehabilitation is effective during the post acute period, even many years after the initial injury” (2011 p526). Survivors of any kind of injury or illness affecting the brain are likely to be faced with many problems including motor and sensory deficits, cognitive, behavioural, social and emotional difficulties, and problems with pain or fatigue. These are not mutually inclusive so some people will have many or all of these impairments. Typical cognitive problems seen in rehabilitation involve memory, attention, communication, planning, organisation, reasoning, perception and spatial awareness. The emotional difficulties survivors of brain damage exhibit include anxiety, depression, anger, fear, distress, grief, poor self esteem and lack of confidence. The behavioural consequences are temper outbursts, shouting, swearing, physical and verbal aggression, disinhibition, poor self control and refusal to co-operate. Khan, Baguley and Cameron (2003) report that cognitive and behavioral changes, difficulties maintaining personal relationships and

138

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neuropsychological Rehabilitation for younger people: small group and single case ..., pp. 137-146

coping with school and work are reported by survivors as more disabling than any residual physical deficits. All these problems need to be dealt with in rehabilitation. The NeuroPage system for children and adolescents with neurological deficits NeuroPage is a reminder system for people with memory and planning problems. It uses radio-paging technology to send messages to a simple device worn by the client. Reminders mostly concern routine events such as taking medication, information about the date, the preparation of meals and other regular chores, but are also used for one-off events such as appointments (Wilson, Emslie, Evans, Quirk and Watson 2009b). Designed for and used by people with memory and/or planning difficulties, NeuroPage can reduce everyday problems and lead to greater independence (Wilson, Emslie, Quirk & Evans 2001). Of the 143 patients who completed all stages of the 2001 study, 12 were school age children, ten boys and two girls aged between eight and seventeen years. Six had sustained a TBI, five had developmental problems and one had sustained anoxic damage at birth. All 12 young people showed significant improvements in carrying out everyday tasks between the baseline and treatment phases. Parents and children mostly liked the pager. One parent said “I never realised how beneficial the Neuropager was to someone with a head injury. When the study was finished and C had to return the pager I was amazed at how important it had been to him. I also found it gave him more confidence”. Another said “It has helped a lot with getting R up in the morning and taking the right things with him to school. It has also helped with his homework which I think is becoming more automatic and he isn’t relying on the pager so much. Of course sometimes he resents it and doesn’t do what it tells him to but at least he is making a choice. It also takes the pressure off me and I am really pleased with it”. One case illustrates the way the system was used with a 10 year old boy, Peter. His mother contacted the Oliver Zangwill Centre after seeing NeurPage on a television programme. Peter had been diagnosed as dyslexic with short-term memory problems which were becoming more of a problem as he got older and which restricted his independence. His mother said her son’s main problems were poor concentration, forgetting to take things to school and remembering to bring them home at night. He also forgot where he was supposed to go after school (sometimes, for example, he was supposed to go swimming). Sometimes when he was supposed to go straight home, he forgot to catch the bus. He also forgot to do his homework and to feed his pets. A two week baseline showed that Peter was forgetting to do what he was supposed to do between 25% and 30% of the time. Once the pager was given to him, Peter received five messages a day on a school day and two or three on Saturdays and Sundays. On Mondays, for example, his messages were: 1. 7.00 am: Hi Peter, it’s 7 o’clock on Monday

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

139


Barbara A. Wilson

2. 8.06 am: Homework, PE kit, sandwiches, bag 3. 3.25 pm: Sandwich box 4. 3.30 pm: Lee Centre today for swimming, wait at school to be picked up 5. 7.55 pm: Feed fish and hamster. There was a significant improvement between the baseline period and when Peter had the pager (p < 0.05). His failures were then in the region of 5%. These improvements were, on the whole, maintained when Peter returned the pager after 7 weeks as there was no difference between the time with the pager and the follow-up. The conclusions to the study using NeuroPage with children are that the pager can help school age children with memory and organisational problems; it makes them more confident and more independent; it will not make children do something if they do not want to and it does not work when there is no family routine (Wilson et al 2009b). Retraining working memory deficits in children There is no evidence that we can restore episodic memory deficits (Wilson 2009). Instead we have to help people to compensate for their problems and to help them learn more efficiently (ibid). There is, however, evidence that some restoration of working memory (WM) is possible with healthy adults (Jaeggi, Buschkuehl, Jonides & Perrig 2008; Dahlin et al., 2008), with patients with stroke (Westerberg et al., 2007) and with traumatic brain injury (TBI) (Serino et al., 2007; Lundqvist et al., 2010); as well as with children with poor WM (Holmes, Gathercole & Dunning 2009) and with Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) (Klingberg et al., 2005; Beck et al 2010). There is also evidence of generalization. For example, the Klingberg et al (2005) study reported reductions in parent ratings of ADHD symptoms following WM training. Holmes et al (2009) found that children with poor working memory performance improved on an ecologically valid, classroom-based WM task with training compared to the control group. They also found that at a six month follow-up, the training group had disproportionately improved scores on a Wechsler Objective Number Dimensions task, suggesting that their improved WM enabled children to engage more in lessons or to benefit more from their lessons. In conclusion to the WM training studies, there is good quality evidence in support of computerised WM training from several different studies, from different centres, and from different populations. There is also evidence of generalisation to other tasks or everyday behaviours. The main characteristics of beneficial training procedures include: first, adaptation to participant performance whereby task demands increase as the participant improves; and second, the tasks are varied in terms of modality and cognitive demands.

140

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Crianรงa e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neuropsychological Rehabilitation for younger people: small group and single case ..., pp. 137-146

Visual object agnosia Visual object agnosia is an inability to recognise objects despite adequate eyesight and naming ability. Thus, in order to diagnose someone with visual object agnosia, it is necessary to exclude poor eyesight, naming difficulties, poor comprehension and failure to cooperate. The case described here is Jenny who was 17 years old when she was involved in a serious horse riding accident (Wilson 1999). Jenny was in a coma/vegetative state for 3 months. Ten months after her accident she was admitted to a rehabilitation centre. She had cerebellar ataxia and dysarthria although she was quite intelligible. She had good understanding of language but could not read (despite being a good reader prior to her accident) or recognise objects. Her errors were unlike those seen in people with language difficulties. For example, when shown a picture of an iron she said it was a shoe; her errors were visually similar to the object being shown. She had less difficulty with real objects than with line drawings and photographs were the most difficult for her to identify. This was probably because photographs contain more shadows to confuse the person with object recognition difficulties. Jenny’s eyesight was good, she could see tiny spots but she could not read as she had lost the ability to read alphabetical letters. She could name to description, so if asked, “What is the name of a vegetable that makes our eyes water” she could immediately say, “an onion” but when shown an onion she thought it was an “apple” or “a ball”. Jenny could identify objects from sound, so although she thought a matchbox was a “playing card box”, when she heard a matchbox being shaken she knew immediately what it was. Again these responses are very different from those seen in people with word finding difficulties. Jenny received several months of rehabilitation including specific treatment for her reading and object recognition difficulties. She was taught to recognise the individual letters (a process that took many months) and she learned to read to the level of an eleven year old. However, she was always a letter-by-letter reader. Jenny was monitored for several years and she showed some recovery. Her object recognition of real objects improved significantly but she always had difficulty with toys and animals (Wilson 1999). Some people with visual object agnosia can identify manufactured objects but not living things. This was true of Jason (ibid). In his early 20s Jason developed herpes simplex encephalitis. This left him with severe amnesia, surface dyslexia and agnosia for living things. He could identify, describe and draw tools, vehicles and other manufactured things but he could not identify, describe or draw any animals including common ones like cats, dogs or fish. Balint’s Sydrome Balint’s Syndrome is named after a Hungarian neurologist who first reported the syndrome in 1909. There are three components to Balint’s Syndrome: first psychic paralysis of gaze or optic apraxia, which is an inability to look voluntarily

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

141


Barbara A. Wilson

into the peripheral field; second, optic ataxia, which is an inability to localise in space or manually point to visually presented objects; and third, simultanagnosia where, despite adequate visual acuity, it is difficult or impossible to process more than one visually presented object at a time. People with Balint’s Syndrome do not have an object recognition disorder and can recognise objects although they have difficulty reading because of the simultanagnosia. Sarah was a young woman who, at the age of 20 years, sustained severe anoxic brain damage some nine months before coming to a rehabilitation centre. The anoxia left her with Balint’s Syndrome & Apraxia. She could walk and talk but because she could not localise in space, she was unable to feed herself, she could not drink from a cup, nor could she sit on a chair as she could not orient herself in the right position, and she could not manage her clothes at the toilet. She was severely handicapped in everyday life. The first goal for treatment for Sarah was to drink from a cup alone. Through observations of how Sarah tried to drink, we came up with a plan. The task was broken down into steps as follows: 1. Find the table 2. Put your hand flat on table and slide it forwards 3. Put your thumb through the handle 4. Grasp the handle 5. Lift the cup to your mouth (later we added an extra step, “Put the red coloured rim to your mouth” as Sarah put the far rim of the cup to her mouth so the liquid spilled down her front). 6. Drink 7. Put the cup on the table 8. Open your fingers 9 Take your thumb out of the handle Each step was scored from 1- 4. Sarah was first asked to drink her coffee. If she found the table she scored one for that step. If that failed she was given a verbal prompt, “Find the table”. If she succeeded then she scored 2. If that failed, she was given a slight physical prompt (a nudge toward the table). If she succeeded then she scored 3 and if all else failed, her hand was physically guided to the table in which case she scored 4. The same scoring procedure was used for every other step. Sarah’s treatment took place in occupational therapy (OT): hers was a joint programme between the occupational therapist and the clinical psychologist. On the first day, the procedure was followed three times in the morning OT session. At first Sarah needed a great amount of help and her overall score was 30/36 for the nine steps (she could only do step 6, drink, without help). Fifteen minutes later, she had improved and scored 16/36 and fifteen minutes after that, she scored 9/36 which is the best score possible. Over the next three days, she varied a little ranging between 12/36 and 18/36 but always scored much better than she had when the procedure was first introduced. The weekend followed and Sarah was not observed drinking her coffee but the nurses on the ward were asked to follow

142

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neuropsychological Rehabilitation for younger people: small group and single case ..., pp. 137-146

the procedure and were shown how to do it. After the weekend Sarah scored 9/36 and from that day on she has been able to drink her coffee alone, albeit in a rather awkward manner. The same procedure was used to teach her to sit on a chair, put on and take off her coat, manage her clothes at the toilet and make a cup of coffee (although she was never allowed to pour the boiling water herself). Sarah learned enough self care skills to ensure that she could return home to her family rather than being admitted to long term care (Wilsonm, 1999). Emotional difficulties following a TBI Caroline was studying art when she was attacked on a train by a man with a hunting knife. Because the knife did not enter the brain stem, she did not lose consciousness during the attack and could recall all that happened to her. Evans and Williams (2009) give an account of Caroline’s memory of what happened: “There was a lot of people on [the train]. People got off, and I was alone. I [was] engrossed in a book ...I saw a man go past...he smiled and went to the next carriage. He came back two minutes later ... [& walked past] after 30 seconds I felt pain in my head and weight as if the carriage had fallen onto me. I got up and realized something terrible had happened...I went into the next carriage... another man told me to sit down, and that he would get help, and told me to stay still. I put my hand up and felt the knife. I asked if I had been stabbed, I asked if I was to die. He said no, and he’ll get help. At the next stop an ambulance arrived and took me to hospital.” (Evans and Williams, 2009 p228) The hunting knife entered the right parietal area leaving Caroline with cognitive and emotional problems. The cognitive problems were to do with memory and visuo-spatial difficulties, while the emotional consequences were with avoidance, depression and anxiety. Caroline avoided eye – contact, she had post traumatic stress disorder (PTSD) with associated flashbacks and nightmares. She attended groups at the rehabilitation centre as well as having individual therapy and psychological support for her emotional problems. One of the groups, “Understanding brain injury” helped her to recognise why she had the particular cognitive and emotional effects she was faced with. She was taught to use a memory compensation system and her PTSD was treated by helping her to imagine the man who attacked her as a cartoon character that she could manipulate and shrink. She was afraid of using public transport so this was addressed by breaking the task into small steps; step one, for example, was to travel one stop on a bus with her psychologist sitting beside her, in step two the psychologist sat in the row behind her, then he sat at the back of the bus. The steps were gradually increased until Caroline could travel alone by train from Ely to Cambridge, a journey of 17 minutes. At the end of the programme, Caroline easily made eye contact, she was more sociable, her PTSD symptoms had reduced, she could travel alone on public transport, she returned to complete her art course and two years later she had her own art exhibition.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

143


Barbara A. Wilson

Behaviour problems following a TBI Lisa, a 13 year old girl was knocked off her bicycle by a car. She sustained a severe TBI and a spinal injury. A few weeks later she was admitted to a rehabilitation centre. She had marked physical and visuo-spatial problems but before these could be addressed, it was necessary to deal with her behaviour problems. She screamed, shouted and swore loudly especially in physiotherapy. She was obviously frightened and in pain but she needed physiotherapy to stop or reduce contractures and to make sure she was mobile enough for her parents to help her into the family car and take her home when her time at the rehabilitation came to an end. Lisa’s screaming, shouting and swearing was very disruptive, not only to Lisa’s own rehabilitation, but to all the other patients at the centre too. A token economy programme (Kazdin, 1982) was introduced whereby if Lisa did not scream, shout or swear for five minutes she was given a large wooden bead which she kept on a necklace. When she had collected 20 beads she could exchange them for something she liked such as an extra trip to the hydrotherapy pool or a telephone call home. The time she was required to resist from screaming, shouting and swearing was slowly increased. Lisa responded well to this programme and liked collecting and exchanging the beads. Within a few weeks, her screaming had stopped, she engaged with her physiotherapy, became more mobile and her parents could take her for home visits or to go shopping. Conclusions Children, adolescents and young people, like older people, are likely to face cognitive, emotional and behavioural problems after any kind of illness or injury affecting the brain. Given that how we feel affects how we think, how we behave, and how we interact with others, all three functions need to be addressed in any rehabilitation program. Neuropsychological rehabilitation can reduce many of the problems faced by survivors of brain injury and all should have access to these services. It is important to provide appropriate assessment, treatment and evaluation of all therapeutic interventions. Finally, we need to be informed by a number of models and theories if we are to reduce the everyday problems faced by people who have survived brain injury and not be constrained by any one theory model or framework (Wilson, Winegardner and Ashworth, 2013). References Beck S.J, Hanson C.A, Puffenberger S.S, Benninger K.L & Benninger W.B (2010) A Controlled Trial of Working Memory Training for Children and Adolescents with ADHD Journal of Clinical Child & Adolescent Psychology 39 825-836

144

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Neuropsychological Rehabilitation for younger people: small group and single case ..., pp. 137-146

Cicerone KD, Langenbahn DM, Braden C, Malec JF, Bergquist T, Azulay J, Cantor J, Ashman T. (2011) Evidence-based cognitive rehabilitation: updated review of the literature from 2003 through 2008. Cicerone KD, Langenbahn DM, Braden C, Malec JF, Kalmar K, Fraas M, Felicetti T, Laatsch L, Harley JP, Bergquist T, Azulay J, Cantor J, Ashman T.Arch Phys Med Rehabil.2011 92: 519-30 Dahlin, E., Stigsdotter Neeley, A., Larrson, A., Bäckman, L., & Nyberg, L. (2008). Transfer of learning after updating training mediated by the striatum. Science, 320, 1510 – 1512. Evans J.J and Williams W.H (2009) Caroline: treating post traumatic stress disorder after traumatic brain injury. Chapter 15 in Wilson B.A, Evans J.J, Gracey F & Bateman A (2009a) Neuropsychological Rehabilitation: Theory, models, therapy and outcomes Cambridge: Cambridge University Press pp227 -236 Holmes, J., Gathercole, S., & Dunning, D.L. (2009). Adaptive training leads to sustained enhancement of poor working memory in children. Developmental Science, 12, 9-15. Jaeggi, S. M., Buschkuehl, M., Jonides, J., & Perrig, W. J. (2008). Improving fluid intelligence with training on working memory. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 105(19), 6829-6833. Kazdin A.E (1982) The token economy: a decade later. Journal of Applied Behavior Analysis, 15, 431-445. Khan, F, Baguley, IJ & Cameron, ID 2003, ‘Rehabilitation after traumatic brain injury’, Medical Journal of Australia, 178, 290-5. Klingberg, T., Fernell, E., Olesen, P. J., Johnson, M., Gustafsson, P., Dahlstrom, K., et al. (2005). Computerized training of working memory in children with ADHD—A randomized, controlled trial. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 44, 177–186. Lundqvist A, Grundstron K, Samuelson K, Rönnberg (2010) Computerized training of working memory in a group of patients suffering from acquired brain injury. Brain Injury 24 1173-1183 Serino A, Ciaramelli E, Di Santantonio A, Malagù S, Servadei F & Làdavas E (2007) A pilot study for rehabilitation of central executive deficits after traumatic brain injury. Bain Injury 21 11-19 Westerberg, H., Jacobaeus, H., Hirvikoski, T., Clevberger, P., Ostensson, M., Bartfai, A., & Klingberg, T. (2007). Computerized working memory training after stroke--a pilot study. Brain Injury, 21(1), 21-29. Wilson, B.A. (1999). Case Studies in Neuropsychological Rehabilitation. New York: Oxford University Press. Wilson B.A (2009) Memory rehabilitation: integrating theory and practice New York; Guilford Press Wilson B.A, Evans J.J, Gracey F & Bateman A (2009a) Neuropsychological Rehabilitation: Theory, models, therapy and outcomes Cambridge: Cambridge University Press

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

145


Barbara A. Wilson

Wilson B.A, Emslie H.C, Evans J.J, Quirk K & Watson P (2009b) The NeuroPage system for children and adolescents with neurological deficits Developmental Neuropsychology 12(6): 421–426 Wilson B.A, Winegardener J and Ashworth F (2013) Life After Brain Injury: Survivors’ Stories Hove: Psychology Press

146

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola regular do concelho de Viana do Castelo Inclusion of a child with autism, belonging to the gypsy community, in a school in the municipality of Viana do Castelo Daniela Alves Silva Miranda Universidade Católica Portuguesa Faculdade de Ciências Sociais Centro Regional de Braga

Contacto para correspondência: daniela.miranda@live.com.pt

Resumo: O presente estudo tem como principal objetivo verificar a inclusão de uma criança com autismo oriunda da comunidade cigana junto dos seus pares, tendo sido escolhidos pares pertencentes e não pertencentes à comunidade cigana. O autismo é um distúrbio global do desenvolvimento que se manifesta através de dificuldades ocorridas em três domínios: interação social, linguagem e comunicação, pensamento e comportamento. Com a Declaração de Salamanca (1994) todas as crianças, independentemente das suas características, origens e cultura, passam a ter direito à educação, estando todas incluídas nas classes regulares. A cultura cigana tem como tradições culturais mais relevantes a família; o casamento; o luto pelos mortos; e a língua própria. Utilizou-se uma metodologia qualitativa, tendo-se selecionado o estudo de caso como método de investigação. De forma a obter as informações que

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

147


Daniela Alves Silva Miranda

pretendidas, recorreu-se a análises documentais, observações e entrevistas. Os intervenientes principais deste estudo são a N. (criança com autismo) e os pares escolhidos para este estudo. Também estão envolvidos no estudo os pais da N. e os intervenientes em contexto escolar, nomeadamente as docentes de Educação Especial (EE), a Assistente Operacional e o Diretor de Turma. Conclui-se que dos seis pares pertencentes à comunidade cigana, apenas três tentam garantir a inclusão da N., verificando-se esta preocupação apenas nos contextos informais (cantina e recreio) e os pares não pertencentes à comunidade cigana tentam garantir a inclusão da N. mais no contexto formal (sala de aula regular) que nos contextos informais. Palavras-chave: Autismo; Inclusão; Comunidade Cigana. Abstract: The present study intends to verify the inclusion of a child from a Romanian ethnic group in the pair group. The pairs were chosen both from the Romanian and non-Romanian community. Autism is a global disorder of the development that implies impairments in three major areas: social interaction, language and communication, thought and behavior. With Salamanca Statement (1994), every child, irrespective of its personnel characteristics, ethnic background or culture, has a fundamental right to education in regular schools. The Romanian culture has as core values, the family, the marriage, the mourning of the dead and the language itself. In this study was used a qualitative research methodology, and chosen the case study as investigation method. In order to obtain all the data needed, was used documentation analyses, interviews, and observation. The main participants are N. (a child with autism), and the pairs that were involved in the study. Several other persons were also included in the study: the parents of N, the teachers of special education, the operational assistants and the teacher of the regular classroom. The major conclusions were that from the six pairs from the Romanian community, only half were interested in the inclusion of N., and only in informal context (at the canteen and playground); the non-Romanian pairs tried to include N. in the formal activities (inside the classroom), but weren’t so interested in the informal context. Key-words: Autism; Inclusion; Romani Ethnic Community.

Introdução O autismo é uma perturbação neurodesenvolvimental (Bosa & Callias, 2000; Tomkiewicz, 1987), um distúrbio global do desenvolvimento que se manifesta

148

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola ..., pp. 147-164

através de dificuldades ocorridas em três domínios: interação social, linguagem e comunicação, pensamento e comportamento (APA, 2002; Frith, 1989). As Perturbações do Espetro do Autismo (PEA) são um dos distúrbios mais investigados e menos conhecidos, sendo a sua etiologia uma questão complexa e controversa. Desde 1943, depois de ter sido identificado por Kanner, diversas teorias foram surgindo acerca da etiologia do autismo, desde as teorias comportamentais às teorias neurológicas e fisiológicas (Marques, 1998). Apesar dos inúmeros estudos realizados de modo a desvendar a etiologia do autismo e das descobertas feitas em algumas investigações, ainda não é possível definir ao certo uma causa, sendo assim o autismo uma síndrome multifatorial. Para Correia (1997) o conceito de inclusão refere-se à inserção dos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) nas classes regulares. Nestas classes, os alunos deverão receber serviços educativos adequados às suas necessidades, tendo o apoio de profissionais, pais, entre outros. Estes serviços educativos deverão ter em conta três níveis de desenvolvimento: académico, pessoal e socioemocional. O princípio fundamental da escola inclusiva é que todas as crianças, independentemente dos seus problemas e origens, devem aprender juntas sempre que seja possível (Unesco, 1994). Assim, mais facilmente se poderá incutir o conceito de solidariedade entre as crianças com NEE e os seus colegas. Para Chaves e Thorn-Hillig (2001) os elementos culturais fundadores e naturalizadores da cultura cigana são a virgindade da mulher, a língua própria (o “Romani”), a família extensa, o respeito pelos mortos, o luto, as “leis ciganas”, os homens de respeito, a música, o trabalho étnico, o respeito pelos territórios, o matrimónio étnico e as representações que têm da sociedade não cigana. A família é um dos pilares fundamentais deste povo (Correia, 2001; Chaves & Thorn-Hillig, 2001; Liégeois, 1976; Nunes, 1996). Esta é um dos fatores que contribuiu para a sua sobrevivência (Nunes, 1996). A educação das crianças é da responsabilidade da família, onde aprendem por interação uns com os outros, sendo criadas numa relação próxima com os primos (Correia, 2001). Os pais representam para os filhos a verdadeira autoridade, sem que para isso necessitem de ser autoritários. Para eles a finalidade da educação é tornar o filho um verdadeiro cigano, devendo preparar-se para observar os preceitos e conservar a sua independência face aos não ciganos (Nunes, 1996). Metodologia Para este estudo utilizou-se uma metodologia qualitativa, tendo-se selecionado o estudo de caso como método de investigação. De forma a obter as informações pretendidas recorreu-se a análises documentais, observações em diferentes contextos (cantina, recreio e sala de aula regular) e entrevistas aos elementos da amostra.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

149


Daniela Alves Silva Miranda

Objecto de estudo O objeto de estudo é a criança com autismo que se designou por N. A N. tem 12 anos, frequenta o 5º ano de escolaridade, estando inserida numa Unidade de Ensino Estruturado para Alunos com PEA (UEEA), e é oriunda da comunidade cigana. É a filha mais velha do segundo casamento de ambos os progenitores, tendo uma irmã com três anos de idade. O pai da N. tem uma filha do seu primeiro casamento, também esta com autismo. História clínica A N. nasceu com 2.520 kg, de parto normal e assistido no hospital. Quando nasceu tinha o cordão umbilical à volta do pescoço e estava roxa quando chorou. Começou a andar quase aos dois anos de idade e a comer sozinha por volta dos três. As primeiras vocalizações ocorreram a partir dos três anos e foram “papá” e “mamã”. Teve convulsões a partir dos três anos e, segundo refere a mãe, nessa altura a N. regrediu, sendo evidente ao nível da interação. Atualmente não se verificam problemas de saúde. Em 18 de junho de 2010, no relatório médico passado pela atual médica de família, vem referido o seguinte quadro clínico: “a N. apresenta deficiência permanente, autismo com défice intelectual, associado a grave atraso de linguagem e perturbação da relação interpessoal, associado a epilepsia”. Perfil de funcionamento da N. A N. beneficia de um Currículo Funcional, com introduções, substituições e eliminação de áreas, objetivos e conteúdos. O apoio pedagógico personalizado é efetuado pelas docentes de EE e outros docentes do ensino regular, visando o reforço e desenvolvimento de competências específicas e principalmente proporcionar e promover o equilíbrio emocional. Este apoio é prestado na UEEA, cantina, recreio e ainda na turma regular, mais precisamente nas disciplinas de Educação Musical, Educação Visual e Tecnológica (EVT), Educação Física e Formação Cívica. No que se refere à interação social, a N. apresenta grandes dificuldades em reconhecer a existência do outro como ser e parceiro de comunicação e não estabelece contacto ocular direto. A procura ativa do outro é apenas concretizada como instrumento ou objeto para atingir os seus objetivos e a partilha de emoções e sentimentos são acompanhadas de comportamentos socialmente desajustados. Apresenta muitas estereotipias verbais e corporais que indicam grandes défices no padrão de interação, utilizando-as como funções comunicativas, embora muito desajustadas às regras convencionais. Quando o contexto lhe agrada observa todos os pormenores, mas sem iniciar qualquer interação, para depois

150

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola ..., pp. 147-164

tentar imitar a tarefa, sendo muito exigente e persistente, só desistindo quando tudo está do seu agrado. Muitas das aquisições adquiridas são feitas através da interação com os objetos e na observação/imitação. Quanto à linguagem e comunicação a N. apresenta défice grave ao nível destas competências, não tem linguagem verbal, exprimindo-se por vocalizações mas sempre com entoações e envolvendo noções espaciais. Porém, ao nível da compreensão verbal não mostra dificuldades, entendendo o que lhe é dito. Não apresenta intencionalidade na sua comunicação verbal e apenas consegue emitir verbalizações que se assemelham às palavras “pai”, “mãe”, “menino”, “menina”, “aqui”, “não”, mas sempre descontextualizadas. No que diz respeito ao pensamento e comportamento a N. apresenta um défice ao nível das competências cognitivas, no entanto manifesta capacidades ao nível da concretização. Quando as atividades são do seu agrado consegue manter o foco de atenção e permanece tempo na tarefa, até a concluir. Quando é contrariada ou a atividade não é do seu agrado exterioriza este sentimento através de gritos e autoagressões (morde nas mãos). A capacidade de aquisição e competências são muito básicas e com caráter muito prático e funcional e a sua capacidade de concentrar/dirigir a atenção são muito limitadas, fugazes e canalizadas apenas para os seus pontos de interesse. Tem interiorizadas as rotinas da sala e em atividades de grande grupo ou individuais consegue terminar a tarefa que lhe é proposta, desde que seja do seu agrado, manifestando apenas alguns gritos de alegria, caso contrário manifesta comportamento perturbador através de gritos, fugas, deitando-se no chão e debaixo das mesas, sempre acompanhado com autoagressão. Graças ao apoio pedagógico personalizado que recebe por parte das docentes de EE, por parte de outros docentes do ensino regular e do apoio ao nível da psicologia, da terapia da fala e da terapia ocupacional, a N. tem evoluído, aos poucos, ao longo dos tempos no que se refere à sua autonomia e à interação com os outros, porém a cultura e convicções da família condicionam a sua participação em determinadas atividades. Amostra A amostra deste estudo é composta pelos pais da N.; os pares pertencentes à comunidade cigana, dos quais foram selecionados três crianças do sexo masculino e quatro crianças do sexo feminino; os pares não pertencentes à comunidade cigana, dos quais foram selecionados quatro crianças do sexo masculino e cinco crianças do sexo feminino pertencentes à turma regular da N.; e os intervenientes em contexto escolar, nomeadamente as docentes de EE, a Assistente Operacional e o Diretor de Turma da N.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

151


Daniela Alves Silva Miranda

Instrumentos Foram utilizadas as técnicas de observação naturalista e de entrevista, assim como de análise documental. De forma a realizar as observações, criaramse três grelhas, com similitudes entre si, com vista à observação das interações dos pares pertencentes à comunidade cigana e dos pares não pertencentes a esta comunidade com a aluna em questão, em três contextos distintos: sala de aula (contexto formal), cantina e recreio (contextos informais). Para realizar as entrevistas foram elaborados guiões de acordo com as pessoas que iriam ser entrevistadas. Assim, criou-se um guião para os pais, um guião para os pares e três guiões diferentes para os intervenientes em contexto escolar, visto que estes acompanham a N. em situações diferentes. Procedimentos Para o desenvolvimento desta investigação foram abordados, em primeiro lugar, os pais da N. acerca das intenções em realizar um estudo de caso sobre ela. Posteriormente, foi contactada a UEEA onde a N. está inserida e o respetivo Conselho Executivo. Também se pediu autorização à Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC) e aos pais dos pares envolvidos no estudo. Depois de todas estas autorizações partiu-se para a realização das observações e, posteriormente, para a realização das entrevistas. As observações foram realizadas com uma periodicidade de dois meses (Fevereiro e Março), observando-se separadamente cada conjunto de pares durante um mês cada um: primeiro observou-se os pares pertencentes à comunidade cigana e, depois de ter-se observado estes pares em todos os contextos, partiu-se para a observação aos pares não pertencentes à comunidade cigana. Foram realizadas quatro observações em cada um dos contextos informais (cantina e recreio) e oito observações no contexto formal (duas observações na aula de Expressão Musical, duas observações na aula de Educação Física, duas observações na aula de Formação Cívica e duas observações na aula de EVT). As entrevistas foram realizadas com uma periodicidade de três semanas (no mês de maio), entrevistando-se em primeiro lugar os pais da N. (as entrevistas decorreram na sua habitação), posteriormente entrevistou-se os pares pertencentes e não pertencentes à comunidade cigana (as entrevistas decorreram na escola) e, por fim, foram entrevistados os intervenientes em contexto escolar (as entrevistas decorreram na escola). Todas as entrevistas foram realizadas separadamente a cada um dos elementos. A recolha de dados foi ainda complementada por uma análise documental, que permitiu conhecer melhor as características da criança com autismo, assim como todas as barreiras e facilitadores físicos, sociais e atitudinais com os quais tem interagido ao longo do seu desenvolvimento.

152

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola ..., pp. 147-164

Resultados Depois de analisados os dados recolhidos através das observações efetuadas nesta investigação, pode-se verificar que dos sete pares pertencentes à comunidade cigana apenas três interagem, mostram entusiasmo e preocupação com a N. com regularidade Gráfico I. Interação em contexto de recreio

Gráfico II. Comunicação e preocupação dos pares em contexto de recreio

Gráfico III. Entusiasmo durante a interação em contexto de recreio

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

153


Daniela Alves Silva Miranda

Esta interação verifica-se apenas nos contextos informais (cantina e recreio) uma vez que estes pares não pertencem à turma regular da N. e assim não podem interagir com ela no contexto formal (sala de aula regular). Em contrapartida, verificou-se que um dos pares pertencentes à comunidade cigana, e que também pertence à turma regular da N., se afastava algumas vezes da N. quando ela passava. Gráfico IV. Atitudes na aproximação em contexto de recreio

Gráfico V. Atitudes na aproximação em contexto de sala de aula (aula de educação física)

Gráfico VI. Interação em contexto de sala de aula (aula de educação física)

154

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola ..., pp. 147-164

Gráfico VII. Ajudas e preocupação dos pares em contexto de sala de aula (aula de EVT)

Por sua vez verificou-se que os pares não pertencentes à comunidade cigana interagem e mostram preocupação com a N. mais regularmente no contexto formal que nos contextos informais (colocar aqui gráficos VI e VII). Não se verificou grande entusiasmo nas interações por parte deste conjunto de pares. Nunca se verificou que algum destes pares se afastava quando a N. passava. Também se conclui que a N. apenas interage com os pares pertencentes à comunidade cigana, não interagindo com os pares não pertencentes a esta comunidade, como se pode verificar nos gráficos I e VI. No que se refere às entrevistas, analisou-se em primeiro lugar as entrevistas realizadas aos pais da N. Na tabela abaixo pode-se verificar as categorias de perguntas que foram colocadas e quais as respostas obtidas. Categoria

Subcategorias

Indicadores

A - Autismo

A1 – Conceito

Não sabem exatamente o que é o autismo.

A2 – Caraterísticas

Desconhecimento (Pai); Ausência da fala, o envolvimento no seu próprio mundo e o nível do QI abaixo do normal para a sua idade (Mãe). Desconhecimento (Pai); Genética (Mãe). Acreditam numa cura.

A3 – Causas A4 – Cura B – Coisas que a N. faz em casa

B1 – Atividades

Vê DVD´s de casamentos.

B2 – Lida da casa

Quer ajudar a mãe na lida da casa

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

155


Daniela Alves Silva Miranda

C – Coisas que a N. não faz que gostavam que fizesse D – Perspetivas em relação à N.

Falar.

D1 – Casar

Não acreditam que a N. venha a casar.

D2 – Viver sozinha

Não acreditam que a N. venha a viver sozinha.

D3 – Até que idade a N. vai ficar na escola D4 – O que a N. vai fazer quando sair da escola E – Papel no desenvolvimento da N. F – Escola

Até quando for necessário. Vai ficar em casa com a mãe.

Não se vêm com responsabilidade no desenvolvimento da N. F1 – Importância no desenvolvimento da N. F2 – O papel de educar é exclusivo da escola

É importante. Sim.

Depois de analisadas as entrevistas conclui-se que, apesar dos pais aceitarem o problema da N., não fazem nada para que ela se desenvolva, notando-se que estes não se vêm com responsabilidade no desenvolvimento da filha e preocupam-se exclusivamente com o facto de ela não falar, não dando importância às atividades que a N. consegue realizar, como por exemplo jogos e puzzles. Seguidamente foram analisadas as entrevistas realizadas aos pares envolvidos neste estudo. Os pares pertencentes à comunidade cigana estão identificados com as letras PCC e o número correspondente à criança, os pares não pertencentes à comunidade cigana e pertencentes à turma regular da N. estão identificados com as letras PTR e o respetivo número, a criança pertencente à comunidade cigana e à turma regular da N. está identificada com as letras PTRCC.

156

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola ..., pp. 147-164

Categoria

Subcategorias

Indicadores

A – Autismo

A1 - Definição

São pessoas normais (PCC3); É uma doença (PTR3, PTR4, PTR7, PTR8 E PTRCC); São crianças diferentes (PTR1), São crianças com normas diferentes (PTR5); São pessoas que têm problemas (PTR6); São pessoas que têm muitas dificuldades (PCC1); Não pensam como as outras crianças (PCC4/PTR8); É uma deficiência (PCC6); É uma coisa muito triste (PTR9); É bom (PTR2); Dois pares não sabem (PCC2 e PCC5).

A2 – Características

A3 - Causas

Ausência da fala (PTRCC, PCC2, PCC3, PCC4, PCC 5 e PCC6); Gritar (PTR2, PTR5 e PTR7); Não pensam como as outras crianças (PTR1 e PTR8); Atirar-se para o chão (PTR5 e PTR8); Têm menos capacidades que as outras crianças (PTRCC e PTR8); Andar de forma diferente (PTR1); Morder-se na mão (PTR3); Problemas na cabeça (PTR3); Rasgar papéis (PTR5); Correr (PTR5); Fazer barulho (PTR6); Não saber o que faz (PTR7); Estar inquieto (PTR7); Bater (PTR9); Precisar de cuidados especiais (PTR8); Ser surdo (PCC3); Não ter juízo (PCC5); Não saber fazer as coisas (PCC6); Dois pares não sabem (PTR4 e PCC1). Problema ou doença da mãe (PTR4, PTR6, PTR8 e PCC1); Descuido da mãe (PTR9 e PTRCC); Pais alcoólicos (PTR5); Genética (PCC6); Ter doenças (PTR2); Um acidente (PCC4); Seis pares não sabem (PTR1, PTR3, PTR7, PCC2, PCC3 e PCC5).

B – Interação com as crianças com autismo

B1 – Brincadeiras

B2 – Ajudar as crianças com autismo B3 – Visitar a N. à Unidade

Brinco (PTR2, PTR4, PTR5, PTR6, PTR9, PTRCC, PCC1, PCC2 e PCC3); Brinco às vezes (PCC4, PTR3, PTR1, PTR7, PCC6 e PCC5); Não brinco (PTR8). Vou (PTR1/PTR9/PCC1/PCC3/ PCC4); Sim (PTR2/PTR3/PTR4/ PTR5/ PTR6/ PTR7/ PTR8/ PCC2/ PCC5); Claro (PTRCC/PCC6). Não a costumo visitar (PTR1, PTR4, PTR5, PTR7, PTR8, PTR9, PCC3, PCC4 e PCC5); Costumo visitar (PTR2, PTR6 e PCC1); Visito às vezes (PTR3, PTRCC, PCC2 e PCC6).

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

157


Daniela Alves Silva Miranda

C – Opinião dos pares

C1 – Se se aproximar das crianças com autismo acontece alguma coisa

C2 – O autismo é transmissível C3 – A N. ir à sala de aula regular C4 – A N. acompanha as disciplinas da mesma forma que os colegas C5 – As crianças com autismo frequentarem a escola

Não acontece nada (PTR1, PTR2, PTR3, PTR4, PTR5, PTR6, PCC2, PCC3, PCC4 e PCC5); As crianças com autismo podem bater (PTR7 e PTR9); Podem empurrar (PTR9); Arranhar (PTR9); Fazem miminhos (PCC1); Fico diferente (PCC6); Devo brincar com elas (PTR8); Pergunto às funcionárias (PTRCC). Não (PTR7, PTR8, PTR9, PTRCC, PCC1 e PCC5); Sim (PCC6). Um par não respondeu (PCC5); Todos os restantes pares referiram que é bom. Sim (PTR6 e PTRCC); Os restantes pares responderam que não.

As crianças com autismo que batem não deviam ir à escola (PCC2); As restantes crianças responderam que concordam com o facto de estas crianças frequentarem a escola.

Depois de analisadas as entrevistas conclui-se que grande parte dos pares atribui certas características às crianças com autismo, o que se poderá dever ao facto de contactarem com estas crianças na escola. De referir que o par PTRCC, apesar de na entrevista referir que brinca com as crianças com autismo e que vai visitar a N. à UEEA, durante as observações realizadas constatou-se exatamente o contrário, uma vez que nunca foram observadas interações dela com as crianças com autismo e quando via a N. afastava-se. Segundo alguns intervenientes educativos, este par quando ia à UEEA era acompanhada por colegas e não se aproximava das crianças com autismo. Assim, o discurso não corresponde à realidade. A questão acerca de se o autismo é transmissível não fazia parte do guião, porém, durante algumas entrevistas, surgiu esta questão. Apenas um par (PCC6) referiu que é transmissível. De referir que o par que deu esta reposta é primo da N. Por fim foram analisadas as entrevistas realizadas aos intervenientes em contexto escolar, nomeadamente a Docente de Educação Especial do horário da manhã (DEEM), a Docente de Educação Especial do horário da tarde (DEET), a Assistente Operacional (AO) e o Diretor de Turma (DT).

158

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola ..., pp. 147-164

Categoria

Subcategorias

Indicadores

A – Interação dos pares pertencentes à comunidade cigana

A1 – Pares que interagem com a N.

Meninas e o primo da N. (AO e docentes de EE).

A2 – Aproximação no recreio

Aproximam-se (AO e DEET); Aproximavam-se mais no 1º ciclo (DEEM).

A3 – Aproximação na cantina

Aproximam-se mais os pares pertencentes à comunidade cigana (AO); Não se aproximam muito (DEEM).

A4 – De que forma interagem com a N. A5 – Entusiasmo durante a interação

Cumprimentam (AO e DEEM); Falam (DEET). Mostram entusiasmo, mas nada de extraordinário (DEEM). Vão apenas as meninas (AO e docentes de EE).

A6 – Ida à UEEA B – Interação dos pares não pertencentes à comunidade cigana

B1 – Pares que interagem com a N.

Mais as meninas que os meninos (AO e DEEM); Não interagem (DEET).

B2 – Aproximação no recreio

Aproximam-se (AO); Não se aproximam muito (DEET); Não se aproximam (DEEM).

B3 – Aproximação na cantina B4 – De que forma interagem com a N.

B5 – Entusiasmo durante a interação B6 – Ida à UEEA C – Interação da N. com os pares

C1 – De que forma interage com os pares

Aproximam-se (AO); Não se aproximam muito (DEEM). Falam e abraçam (AO); Falam e cumprimentam (DEEM); Não a procuram (DEET); Tentam proporcionar à N. coisas que ela gosta de ter, como por exemplo papel (DT). Mostram entusiasmo (AO); Mostram entusiasmo, mas nada de extraordinário (DEEM); Não a procuram (DEET). Vão visitar (AO e DEEM); Não a visitam (DEET). Ri (AO e docentes de EE); Abraça (DEEM). Mostra entusiasmo (AO e docentes de EE).

C2 – Entusiasmo durante a interação

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

159


Daniela Alves Silva Miranda

D – Atitudes dos pares

E – Opinião dos intervenientes educativos

D1 – Perguntas acerca do autismo

Fazem perguntas, por exemplo “qual é a doença da N.”, “porque é que ela não fala” (AO, DEEM e DT); os pares pertencentes à comunidade cigana não fazem perguntas (AO); os pares da turma regular não fazem perguntas, só fazem perguntas os pares que não pertencem à turma regular (DEET).

D2 – Conflitos

Nunca houve conflitos (AO, docentes de EE e DT).

D3 – Afastam-se quando a N. passa

Não (AO); Sim, por medo e porque a N. agarrava os rapazes (docentes de EE).

D4 – Sentem-se incomodados com a presença da N. na sala de aula regular

Não (DT).

D5 – Preocupação com a N.

Mostram-se preocupados (AO, docentes de EE, DT).

E1 – Ida da N. à sala de aula regular

É positiva (AO, docentes de EE E DT).

Depois de analisadas as entrevistas conclui-se que muitas das atitudes por parte dos pares, verificadas durante as observações, correspondem ao relato dos intervenientes educativos. Porém, alguns dos relatos não coincidem uns com outros, como o facto da AO referir que os pares que se aproximam e interagem mais com a N. são os não pertencentes à comunidade cigana e a DEET referir que estes pares não procuram a N. Também se verificou nas observações que os pares pertencentes à comunidade cigana mostravam mais entusiasmo nas interações que os restantes pares. Discussão Durante a revisão bibliográfica que foi efetuada acerca da inclusão, podese refletir que nos dias de hoje todas as escolas deverão receber todo o tipo de crianças, porém nem sempre todos os alunos aceitam o colega diferente. Nas observações realizadas neste estudo verificou-se uma vez que um par (rapaz) se afastou da N. quando ela passou no recreio. Este par pertence à comunidade cigana, porém não faz parte deste estudo. Também se observou por três vezes que o par PTRCC se afastava quando a N. passava. Uma vez que esta aluna faz parte deste estudo, tentou-se perceber durante a entrevista o porquê desta atitude. Porém, a aluna referiu que brinca com todas as crianças com autismo e que elas são como irmãos para ela. Assim, ficou-se sem perceber o porquê desta

160

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola ..., pp. 147-164

atitude. Além destes dois casos, não se verificou que outros colegas se afastavam. A inclusão não traz só vantagens para os alunos com NEE, mas também para os seus pares, pois assim convivem com a diferença (Mantoan, 1997). Nas entrevistas que foram realizadas aos pares verificou-se que estes, apesar de não saberem exatamente o que é o autismo, conseguiram identificar diversas características, o que seria mais difícil se não convivessem com estas crianças na escola. Quanto às causas do autismo, vários pares afirmaram que o problema poderia ter a ver com os pais, mostrando que têm uma opinião formada em relação a este assunto, uma vez que se defende uma etiologia multifatorial, sendo um dos fatores a dimensão genética (Pereira, 2005). Nas conversas que foram estabelecidas com os pais da N. estes referiram que a N. era uma criança sem problemas até aos três anos, até lhe dar uma convulsão sem febre, momento em que começou a regredir. Como refere Mello (2005) muitas vezes esta regressão não existiu e que o facto de ter acontecido, neste caso uma convulsão, desencadeou uma maior atenção dos pais para o desenvolvimento atípico da filha. Apesar do autismo não ter cura os pais da N. acreditam que esta seja possível, porém não fazem nada em casa para estimular o desenvolvimento da filha, não dando importância às atividades que ela faz, como por exemplo jogos, puzzles, etc., nem têm nenhum tipo de jogos em casa para ela fazer. Além disso, como referiram nas entrevistas efetuadas, atribuem o papel de educar exclusivamente à escola. Como diz Correia (2001) a educação das crianças ciganas é da responsabilidade da família, onde são criadas numa relação muito próxima com os primos. Compreende-se que quando os pais da N. referem que o papel de educar é exclusivo da escola consideram que é na escola que ela deverá aprender a falar e a fazer atividades e com a família deverá aprender questões relacionadas com a cultura cigana. Como refere Nunes (1996) a finalidade da educação para o povo cigano é tornar o filho um verdadeiro cigano. No que se refere à etiologia do autismo, para a qual ainda não há uma resposta concreta, a mãe atribui a causa do autismo da N. como sendo genética, uma vez que o marido tem já duas filhas com autismo. O primo da N. (que também faz parte da amostra) também disse que o autismo da N. é genético, atribuindo o facto de os pais serem primos como sendo a causa do problema dela. Refere ainda que o casamento entre primos é proibido na cultura dos ciganos, porém não foi encontrada esta afirmação na revisão da literatura efetuada. Uma vez que um dos momentos mais importantes da comunidade cigana é o casamento (Gonçalves, 2010), questionou-se os pais se achavam que a N. um dia vai casar, ao que estes responderam que não, devido ao problema dela. Este facto poderá justificar a resposta à questão “Até que idade a N. irá ficar na escola?” ao que estes responderam que ficará até ser preciso. Numa das conversas informais com os pais da N., o pai referiu que a filha mais nova irá sair da escola quando completar a quarta classe, de forma a ir virgem para o casamento. Como refere

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

161


Daniela Alves Silva Miranda

Mendes (2005) na comunidade cigana as raparigas saem muito cedo da escola devido a este facto: preservar a virgindade para o casamento. O facto de a N. ficar na escola até mais tarde deve-se ao facto de ter autismo e, por isso, não casar. Como diz Nunes (1996), a virgindade para os ciganos tem um enorme valor, devendo ser o marido a tirar a virgindade da sua mulher. Ora se os pais da N. não acreditam que ela um dia irá casar, e assim poderá ficar na escola mais tempo que o normal para uma rapariga cigana, provavelmente também consideram que esta irá preservar para sempre a sua virgindade. Depois de uma contraposição daquilo que foi lido durante a revisão bibliográfica e daquilo que se verificou com as observações, entrevistas realizadas e análise documental, constata-se que grande parte do que os autores que foram citados na parte teórica referem corresponde à realidade deste estudo, encontrando-se apenas uma contradição no que se refere à importância dada pelas famílias ciganas à escola, uma vez que alguns autores referem que estas não dão importância à escola e a família envolvida neste estudo, ou seja os pais da N., atribuem à escola uma grande importância para o desenvolvimento da filha. Verificou-se ao longo deste estudo que a criança com autismo N. está incluída na escola que frequenta (apesar de ainda haver aspetos a melhorar, nomeadamente a ida mais regular ao recreio no mesmo horário que as restantes crianças e o almoço junto de pares sem autismo) e, segundo as informações dadas pelos pais, está incluída junto da sua comunidade. Considerações Finais Depois de analisados os dados recolhidos nesta investigação, pode-se agora tirar as respetivas conclusões. Verificou-se que dos sete pares pertencentes à comunidade cigana incluídos neste estudo apenas três interagem, mostram entusiasmo e preocupação com a N. com regularidade. Esta interação verificase apenas nos contextos informais (cantina e recreio) uma vez que estes pares não pertencem à turma regular da N. e assim não podem interagir com ela no contexto formal (sala de aula regular). Em contrapartida, verificou-se que um dos pares pertencentes à comunidade cigana, e que também pertence à turma regular da N. (PTRCC), se afastava algumas vezes da N. quando ela passava. Por sua vez verificou-se que os pares não pertencentes à comunidade cigana incluídos neste estudo interagem e mostram preocupação com a N. mais regularmente no contexto formal que nos contextos informais. Não se verificou grande entusiasmo nas interações por parte deste conjunto de pares. Nunca se verificou que algum destes pares se afastava quando a N. passava. Também se conclui que a N. apenas interage com os pares pertencentes à comunidade cigana, não interagindo com os pares não pertencentes a esta comunidade. Na escola que a N. frequenta verifica-se uma grande preocupação em que ela, e os restantes alunos com NEE, estejam incluídos nas suas turmas

162

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Inclusão de uma criança com autismo, pertencente à comunidade cigana, numa escola ..., pp. 147-164

regulares, disponibilizando um docente de cada disciplina para os acompanhar nas aulas junto das suas turmas. Assim, a N. aprende várias tarefas e modos na UEEA, para depois transferir esses saberes para outros contextos, e vai assistir às disciplinas que consegue acompanhar junto da sua turma regular. No que se refere aos pais da N. verificou-se que estes dão grande importância à escola, à qual atribuem exclusivamente o papel de educar (desenvolver capacidades), porém não dão importância às habilidades que a N. possui (por exemplo fazer jogos, puzzles), preocupando-se exclusivamente com o facto de ela não falar. No futuro deveriam ser realizados estudos que permitam compreender mais pormenorizadamente o grau de inclusão entre uma criança com autismo e pertencente à comunidade cigana, designadamente, analisar a forma como a escola contribui para a criação de politicas e cultura inclusiva que facilite a aceitação e inclusão das crianças autistas e/ou da comunidade cigana no grupo de pares. Referências Bibliográficas American Psychiatric Association (2002). DSM-IV-TR – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. 4ª edição. Texto Revisto. Lisboa: Climepsi Editores. Bosa, C. & Callias, M. (2000). “Autismo: breve revisão de diferentes abordagens”. Psicologia Reflexiva Crítica, 13, 167-177. Chaves, M. H. & Thorn-Hiling, A. (coord.) (2001). Que sorte, Ciganos na nossa escola! Lisboa: Secretariado Entreculturas. Correia, J. R. (2001). “A comunidade cigana face à educação” in: SOS Racismo. Sastipen ta li saúde e liberdade: ciganos – números, abordagens e realidades. Lisboa: SOS Racismo. Correia, L. M. (1997). Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares. 3ª Reimpressão. Porto: Porto Editora. Frith, U. (1989). Autism: Explaining the enigma. Cambridge: Blackwell Gonçalves, B. (2010). A História do Ciganinho Chico. Rede Europeia Anti-Pobreza e Fundação Calouste Gulbenkian. Liégeois, J. P. (1976). Mutation Tsigane: la revolution bohémienne. Bruxelles: Éditions Complexe. Mantoan, M. (1997). Inclusão escolar de deficientes mentais: que formação para professores?, A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Editora SENAC. Marques, C. E. (1998). Perturbações do Espectro do Autismo. Ensaio de uma intervenção construtivista desenvolvimentista com mães: Dissertação de Mestrado não publicada. Coimbra: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra. Mello, A (2005). Autismo: guia prático. 4ª edição. São Paulo: AMA; Brasília: CORDE.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

163


Daniela Alves Silva Miranda

Mendes, M. M. (2005). Nós, os ciganos e os outros. Lisboa: Livros Horizonte. Nunes, O. (1996). O Povo Cigano. 2ª edição. Águeda: Grafilarte. Pereira, M. C. (2005). Autismo – Uma perturbação evasiva do desenvolvimento; Autismo: a família e a escola face ao autismo. Vila Nova de Gaia: Gailivro. Tomkiewicz, S. (1987). “Autismo 1987”. Margem: Revista De Educação Especial, 52/54, 13-14. Unesco (1994). Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção na Área das Necessidades Educativas Especiais. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade. Salamanca: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e Ministério da Educação e Ciência de Espanha.

164

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Impacto da Reabilitação Neuropsicológica nas Neoplasias Encefálicas da Criança: Estudo de Caso Impact of Neuropsychological Rehabilitation in Child´s Brain Tumors: Case Study Manuel Domingos Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa /Unidade de Neuropsicologia Universidade Lusíada de Lisboa Universidade Europeia

Catarina Calado

Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa /Unidade de Neuropsicologia

Contacto para correspondência: manuel.neurocognidom@gmail.com Resumo: Os astroblastomas são tumores encefálicos com baixa prevalência e elevado grau de malignidade, que têm origem no tecido glial, mais especificamente nos astrócitos. Embora sejam mais frequentes em jovens adultos, há alguns casos infanto-juvenis sinalizados e a sua recuperação é, geralmente, incerta. O objetivo deste estudo é relatar os efeitos terapêuticos da reabilitação neuropsicológica num jovem de 11anos de idade após diagnóstico e remoção cirúrgica de um astroblastoma. Este manifestava algumas dificuldades em áreas específicas (capacidade de atenção - concentração, memória, motivação) e sintomatologia depressiva. O paciente foi submetido a um protocolo estimulação neuropsicológica, que consistia em sessões de 1 hora da prática monitorizada de tarefas de estimulação adaptadas às suas necessidades acompanhadas de atividades para Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

165


Manuel Domingos e Catarina Calado

realizar em casa. Verificou-se uma melhoria dos seus resultados globais bem como uma diminuição da sintomatologia depressiva. Os resultados sugerem que a intervenção neuropsicológica tem um impacto positivo no processo de reabilitação dos jovens. Palavras-Chave: gliomas; astroblastomas; intervenção neuropsicológica. Abstract: Astroblastoma is a rare brain tumor originated from astrocytes, known for its low prevalence and high degree of malignancy. Although being more common in young adults, there are some reports of occurrence in children and adolescents with a usually uncertain prognosis . The aim of this study is to report the therapeutic effects of neuropsychological rehabilitation in an 11 year old patient, undertaken in the sequence of diagnostic of an astroblastoma and its surgical removal. The patient demonstrated some difficulties in some specific features e.g. attention span - concentration, memory and motivation, as well as depressive symptomatology. The patient underwent a neuropsychological stimulation protocol which consisted of 1-hour of monitored stimulation tasks adapted to his needs, complemented with some prescribed home activities. It was possible to observe an improvement in his overall performance as well as a decrease of depressive symptoms. The results suggest that neuropsychological intervention has a positive impact on the rehabilitation process of young patients. Key-words: gliomas; astroblastomas; neuropsychological therapy.

Introdução Nos últimos anos a neuro-oncologia tem vindo a sofrer avanços surpreendentes, não só no que toca à pesquisa e investigação científica como também ao nível das terapêuticas utilizadas, permitindo uma resposta mais efetiva e uma melhoria na qualidade de vida dos sujeitos diagnosticados (Beaumont, 2008; Carter, Aldridge, Page & Parker, 2009; Gil, 2007; Siksou, 2008). As neoplasias encefálicas, podem ser definidas como proliferações celulares anormais nas quais as células em mitose perdem a capacidade de se diferenciar devido a mudanças nos genes que regulam o crescimento e a diferenciação celular (Cassidy, Bisset & Spence, 2002). Podem ser primárias (originárias do tecido encefálico) ou secundárias (como é o caso das metástases) e, as primeiras, ocorrem em aproximadamente 6 em cada 100 000 pessoas por ano (Lindsay & Bone, 2010). Podem ainda ser divididas em benignas ou malignas, estando a sua classificação dependente da rapidez com que se desenvolve a massa tumoral e da agressividade da mesma (Louis, Ohgaki, Wiestler & Cavenee, 2007).

166

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Impacto da Reabilitação Neuropsicológica nas Neoplasias Encefálicas da Criança: Estudo ..., pp. 165-175

Os critérios histológicos de cada neoplasia permitem que os tumores encefálicos sejam classificados em quatro graus, segundo a WHO (World Health Organization), desde tumores de prognóstico possivelmente mais favorável (grau I) a tumores de prognóstico reservado (grau IV). De entre os tumores mais agressivos (grau III e IV), que crescem geralmente rápido, apresentam maior probabilidade ressurgimento após a remoção cirúrgica e podem ainda apresentar metástases em outras regiões. Nestes casos específicos a sobrevivência do paciente, habitualmente, não ultrapassa 12 meses (Louis, Ohgaki, Wiestler & Cavenee, 2007). Devido à sua localização específica e ao desfecho predominantemente trágico, são encaradas pelos pacientes, pela sua família e pela comunidade médica como um grande desafio à medicina, sendo o seu diagnóstico fonte de angústia e, em muitos casos, despoletando problemas emocionais associados (que nem sempre estão associados à localização da massa tumoral) (Nobrega & Pereira, 2011). De entre os tumores encefálicos mais frequentes salientam-se os gliomas, com origem nas células da glia, que constituem 60% de todos os casos diagnosticados. Os gliomas são tumores provenientes do tecido glial, que têm como função a sustentação, nutrição, proteção e reparação do sistema nervoso central. Também no que toca à formação da mielina, o tecido glial assume uma importância significativa. Os gliomas abarcam uma panóplia de neoplasias com diferentes graus de diferenciação e de malignidade (Domingos,1997; Ferro & Pimentel, 2006). Embora sejam mais frequentes em adultos, estima-se que estas neoplasias possam estar na base de cerca de 20% das condições malignas antes dos 15 anos de idade (Lindsay & Bone, 2010). De entre os vários gliomas, os astroblastomas são considerados tumores gliais raros, de origem incerta (Bell, Osborn, Salzman et al, 2007) e de comportamento clínico imprevisível (Agarwal, Mally, Palande & Velho, 2012). Segundo alguns autores, a sua apresentação clínica, a sua patologia, o seu diagnóstico diferencial e, consequentemente, o seu tratamento são ainda alvo de discussão da comunidade médica e científica (Bell, Osborn, Salzman et al, 2007). Estima-se que esta condição tumoral represente apenas cerca de 0,45 a 2,8% de todos as neoplasias encefálicas sinalizadas (Agarwal, et al, 2012) e que possa ser encontrada em pacientes com idades distintas, com uma média de 20 anos no momento do diagnóstico inicial. De acordo com a literatura é ainda de salientar a preponderância marcante (11:1) destas neoplasias no sexo feminino (Bell, Osborn, Salzman et al, 2007). O primeiro caso de astroblastoma relatado na literatura data de 1930 e foi apresentado por Bailey e Bucy. De acordo com os autores, este tipo particular de tumor encefálico, com origem nos astrócitos, apresenta-se como um caso intermédio entre astrócitomas e glioblastomas (Bailey & Bucy, 1930; Agarwal, et al, 2012). Localizam-se com maior frequência nos hemisférios cerebrais embora possam também ser encontrados noutras estruturas parenquimatosas como corpo caloso, cerebelo, tronco encefálico e do nervo ótico (Agarwal, et al, 2012).

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

167


Manuel Domingos e Catarina Calado

Na exames de ressonância magnética (MRI), aparecem bem demarcados do tecido adjacente e sob a forma de uma lesão, simultaneamente, quística e sólida (Mastrangelo, Lauriola, Coccia, Puma, Massimi & Riccardi, 2010). De acordo com as suas características histológicas, os astroblastomas, podem ser classificados desde a variante de baixo grau ou relativa benignidade até à variante anaplástica que se apresenta particularmente maligna e clinicamente “agressiva” (sendo esta a mais frequente) (Khosla, Yadav, Kumar et al, 2012), embora a sua classificação e histogénese sejam ainda debatidas (Caroli, Esposito, Orlando & Giangaspero, 2004) e haja evidências da necessidade de mais dados clinico-patológicos (Mastrangelo, et al, 2010) Segundo alguns autores (Bonnin et al, 2007) os astroblastomas de baixo grau apresentam melhor padrão diferenciado e prognóstico pós-operatório favorável enquanto os de alto grau evidenciam características microscópicas anaplásicas com uma taxa de sobrevivência pós-operatória baixa. As lesões de alto grau evidenciam regiões focais ou multifocais de alta celularidade, características nucleares anaplásico, índices elevados de mitose, proliferação vascular e necrose com pseudopaliçadas (Agarwal, et al, 2012). Os astroblastomas, apresentam uma aparência radiológica rara e, embora partilhem muitas características semelhantes às de outros tumores cerebrais malignos primários, as suas particularidades morfológicas específicas, distinguem-nos das outras neoplasias (Bell, Osborn, Salzman et al, 2007) e facilitam o seu diagnóstico. De entre as suas características específicas salientase a imunorreatividade para GFAP1 e para a proteína S-1002 bem como, para a maioria dos casos, imunorreatividade citoplasmática focal para EMA3 (Agarwal, et al, 2012). Salienta-se ainda, como características distintivas que favorecem o diagnóstico diferencial, a demarcação da massa tumoral, a aparência heterogênea da neoplasia, a identificação da borda, uma aparência multiquística “borbulhante” e, embora com menor frequência, também a sua localização intraventricular e a frequente hemorragia intratumoral (Bell, Osborn, Salzman et al, 2007). A sintomatologia apresentada pelo paciente depende, em larga escala, da localização onde se encontra a neoplasia e do seu tamanho, podendo também ser despoletada pelas movimentações do encéfalo (resultantes do aparecimento da massa tumoral) e pelo aumento da pressão intracraniana (Domingos, 1997). Nestes casos a sintomatologia pode dever-se à pressão exercida pela massa 1 A GFAP (Glial fibrillary acidic protein ou, em português, proteína ácida fibrilar glial ) é uma proteína que se forma a partira dos filamentos intermédios do citoesqueleto e está implicada em processos importantes do sistema nervoso central, como a comunicação e o funcionamento da barreira hemato-encefálica. 2 A proteína S-100, cujo nome deriva do facto desta ser 100% solúvel em sulfato de amónio a pH neutro, está implicada numa variedade de funções intracelulares e extracelulares, nomeadamente, na regulação da fosforilação de proteínas, nas dinâmicas dos constituintes do citoesqueleto, nas atividades enzimáticas, no crescimento e diferenciação celular e na resposta inflamatória resposta 3 EMA (antígeno epitelial de membrana) é o principal antígeno (partícula ou molécula capaz de iniciar uma resposta imune) usado para apoiar o diagnóstico de meningioma.

168

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Impacto da Reabilitação Neuropsicológica nas Neoplasias Encefálicas da Criança: Estudo ..., pp. 165-175

tumoral junto de outros tecidos ou áreas cerebrais bem como pode provocar um efeito contralateral – o encéfalo do lado oposto ao do crescimento da massa tumoral é pressionado contra as paredes craniadas. Verificam-se com frequência dores de cabeça intensas e convulsões (Agarwal, et al) bem défices neurológicos focais, sintomas derivados ao aumento da pressão intracraniana e presença de convulsões (Louis, Ohgaki, Wiestler, Webstler & Cavence, 2007; Yudofsky & Hales, 1996). Embora os sintomas comuns da doença incluem náuseas, apreensão e vômitos, cefaleia e hemiparesia, o único sintoma mais comum é uma progressiva de memória, personalidade, ou défices neurológico devido ao envolvimento do lobo temporal e frontal. Os sintomas específicos estão mais relacionados com a localização do tumor que com a sua histologia ou propriedades patológicas (Domingos, 1997; Ferro & Pimentel, 2006; Louis, Ohgaki, Wiestler, Webstler & Cavence, 2007; Yudofsky & Hales, 1996). Quando o aparecimento da massa tumoral surge no lobo frontal a sintomatologia é inicialmente silenciosa sendo frequente, com o tempo, haver alterações de personalidade, distúrbio do juízo crítico, abulia, anormalidades de marcha, incontinência urinária, preferências do olhar e/ou reflexos primitivos. Se a neoplasia se localiza no lobo temporal à tendência para o aparecimento de crises convulsivas (variam de alucinações olfativas simples, sentimento de medo a crises parciais complexas), distúrbios visuais no campo temporal e/ou quadros de afasia. Os tumores parietais causam habitualmente perda sensitiva cortical, da perceção, anosognosia, hemiparesia e distúrbios das capacidades viso-espaciais. Quando a massa tumoral se localiza no lobo occipital provoca frequentemente alterações do campo visual e, mais esporadicamente, crises convulsivas visuais. Os tumores talâmicos acarretam distúrbios sensitivos contra laterais, alterações cognitivas e podem também se responsáveis por quadros de afasia enquanto os do tronco cerebral são habitualmente responsáveis por distúrbios dos nervos cranianos, soluços, vómitos e hemiparesia. Quando a massa tumoral surge numa destas regiões (ou em ambas) é ainda frequente que ocorram episódios de hidrocefalia. A hidrocefalia pode também ficar a dever-se às neoplasias intraventriculares, que também são responsáveis pelo aparecimento de problemas oculomotores. Tumores cerebelares provocam habitualmente e ataxias e, em casos mais ocasionais são também frequentes quadros em que ocorre rigidez da nuca, vertigens, aparecimento de nistagmos, hipotonia e sinais de nervos cranianos. Os sintomas podem ser específicos e inespecíficos, de curta e longa duração. A evolução clínica pode ocorrer de forma progressiva, insidiosa e com períodos de exacerbação. Embora pouco frequentes, remissões espontâneas também são descritas na literatura (Louis, Ohgaki, Wiestler, Webstler & Cavence, 2007). Nas crianças os gliomas manifestam-se pela síndrome de hipertensão intracraniana, cujos principais sintomas encontrados são cefaleia e vômitos seguidos de défices neurológicos, alterações cerebelares, défices visuais e crises convulsivas, podendo ocorrer também síndromes hipotalâmicas como a síndrome de Russel, embora estas sejam menos frequentes. Na maioria dos casos verifica-

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

169


Manuel Domingos e Catarina Calado

se uma difusibilidade semiológica com sinais contralaterais e, frequentemente, ipsilaterais por compressão (desvio da linha média) ou invasão (Louis, Ohgaki, Wiestler, Webstler & Cavence, 2007). Segundo Caroli e colaboradores (2004), a inexistência de uma correlação clinicopatológicas torna o prognóstico deste tumor imprevisível. Uma vez que são tumores habitualmente bem circunscritos é possível que sejam rescindidos, independentemente do grau de malignidade associado, permitindo que em alguns dos casos o prognóstico seja favorável (Unal, Koksal, Vajtai, Toy, Kocaogullar & Paksoy, 2008). A ressecção total aliada à radioterapia no pós-operatório têm demonstrado evidências de serem os meios mais eficazes para o seu tratamento (Caroli et al, 2004; Sino, Osborn, Salzman, Blaser, Jones & Chin, 2007). É ainda de referir que em pacientes sinalizados com astroblastomas de alto grau que não receberam radioterapia pós-operatória, o tempo de sobrevivência é menor (Unal et al, 2008). As provas do exame neuropsicólogo devem ser mais um elemento de diagnóstico. Durante o processo de avaliação, mais do que realizar a análise quantitativa dos dados é importante valorizar a análise qualitativa, sendo de extrema importância analisar o comportamento do paciente durante as provas, e não apenas analisar as pontuações finais de cada prova. O exame tem o intuito de obter os rendimentos cognitivo-operativos, comportamentais e emocionais recorrendo à aplicação de provas específicas para cada área funcional e anatómica, com o objetivo de controlar e conhecer as variáveis que intervêm em cada função, as características dos défices e as redes funcionais afetadas e as intactas, subjacentes ao processo patológico. De entre os objetivos do exame neuropsicológico salienta-se a confirmação da suspeita da deterioração, a diferenciação entre compromissos focais e difusos, a definição do grau de deterioração, a realização de controlos evolutivos, a apreciação do grau de impacto na vida diária e a esquematização do programa de reestruturação/reabilitação/reintegração. Dado o seu comportamento imprevisível, é fundamental que o paciente seja acompanhado após a rescisão clinica, mesmo nas variantes de baixa malignidade. A terapia adjuvante é recomendada em casos de alto grau de malignidade e/ou em situações recorrentes (Sino, et al, 2007). Os cuidados de suporte, prestado nos casos de pacientes com tumores cerebrais, são um elemento fundamental, para prevenir ou controlar as complicações inerentes às massas tumorais e para melhorar a sua qualidade de vida durante o tratamento. De entre os vários tipos de cuidados de suporte, salientam-se os tratamentos para controlar a dor e os sintomas associados ao tumor cerebral, os tratamentos para aliviar os efeitos secundários da terapia e os acompanhamentos para minimizar os problemas emocionais (Butowski, Sneed & Chang, 2006).

170

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Impacto da Reabilitação Neuropsicológica nas Neoplasias Encefálicas da Criança: Estudo ..., pp. 165-175

Apresentação do caso O paciente é um jovem de 11 anos a frequentar o 5º ano de escolaridade. De acordo com o próprio e corroborado pelos pais, foi uma criança saudável até aos 10 anos tendo apenas sofrido das doenças habituais de desenvolvimento. Em Junho de 2011 deu entrada no hospital na sequência de um episódio de dores de cabeça intensas, náuseas e vómitos que lhe duravam já à 1semana. Foi medicado para a enxaqueca e foi-lhe dado alta. Uma semana depois dirigiuse novamente ao hospital, devido à persistência e agravamento dos sintomas iniciais. Nessa data foi sujeito a vários exames e a ressonância magnética (MRI) revelou uma massa bem demarcada no hemisfério esquerdo, localizado na região temporoparietal esquerda. Foi encaminhado para a neurocirurgia, para a remoção endoscópica da massa tumoral através de craniotomia parietal esquerda. O período pós-operatório evoluiu sem intercorrências e o controlo imagiológico não mostrou evidência de lesão residual. O diagnóstico histopatológico foi de astroblastoma de alto grau. Dadas as características sugestivas de neoplasia de alto grau, ou seja, alta celularidade, características nucleares anaplásicas, elevados índices de mitose, proliferação vascular e necrose, o paciente foi submetido a radioterapia. O paciente chegou à consulta de neuropsicologia no seguimento de acentuadas dificuldades escolares, atribuíveis à neoplasia já que anteriormente era um aluno com bom desempenho. Foram referidas alterações da capacidade para manter a atenção nas tarefas em realização e recordar, de forma minimamente eficaz, a matéria estudada. Na sequência das queixas, e por sugestão do neurocirurgião, e foi sujeito a um exame neuropsicológico com o objetivo de detetar e caracterizar as alterações da atividade nervosa complexa compatíveis com as queixas referidas pelo paciente e corroboradas pelos pais. O referido exame evidenciou uma capacidade cognitivo-intelectual dentro da média do seu grupo de pares (MPCR percentil 55), bem como uma fluência verbal ajustada. Foram no entanto detetadas dificuldades moderadas ao nível da capacidade de atenção/concentração (Toulouse- Piéron, dispersão 75% e rendimento de trabalho/nível de desempenho 40%), da memória visual e da memória verbal e dificuldades ligeiras ao nivel da memória associativa (Wechsler Memory Scale - Wechsler, 1987) e do cálculo mental (MD-01). O paciente apresentava ainda sintomas depressivos identificados na anamnese e referidos pelos pais. A partir da análise dos resultados obtidos, as sessões de reabilitação neuropsicológica foram programadas semanalmente e com uma duração média de 60minutos, cada. De entre as várias atividades planeadas, procurou-

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

171


Manuel Domingos e Catarina Calado

se estimular a reorganização ecológica4 dos défices previamente salientados, nomeadamente através de estratégias dirigidas para a estimulação cognitiva. Para além das atividades computorizadas - Rehacom5 (Regel, Fritsch, 1997), foram utilizadas as tarefas em papel e lápis. De modo a potenciar uma intervenção holística, é ainda de salientar o apoio continuo junto da família no decorrer do processo de reabilitação, não só através suporte psicológico como também das estratégias compensatórias (instrumentais e emocionais) a implementar fora do ambiente hospitalar. A bateria de avaliação que foi aplicada na primeira sessão foi novamente administrada ao paciente cerca de 6 meses despois do início da reabilitação obtendo resultados mais satisfatórios nas várias provas, como podemos ver no gráfico 1, nomeadamente ao nível da capacidade de atenção concentração (TP, dispersão 61% e rendimento de trabalho 56%), da memória associativa e do cálculo e obteve resultados na média esperada para o seu grupo de pares na memória visual e da memória verbal. É ainda de referir que durante as sessões de reabilitação foram, intensamente, “trabalhadas” as alterações neuropsicológicas decorrentes da neoplasia, propriamente dita, e da radioterapia, bem como os objetivos vocacionais/planos de vida do paciente, levados (obviamente) em consideração desde o primeiro contacto entre ele e a equipa. Este encontrava-se (significativamente) mais motivado e com muito menor incidência disfuncional, à data da segunda avaliação, encontrando-se, também, muito mais estabilizado do ponto de vista emocional. Figura 1. Gráfico com os percentis comparativos dos dois momentos de avaliação.

4 A reorganização ecológica procura estimular o paciente nos vários domínios da sua vida, de forma holística, com intuito de o tornar mais funcional e ajustado às necessidades e potencialidades do seu meio 5 RehaCom é um sistema informatizado de reabilitação cognitivo-operativa

172

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Impacto da Reabilitação Neuropsicológica nas Neoplasias Encefálicas da Criança: Estudo ..., pp. 165-175

Discussão O caso apresentado foi diagnosticado com astroblastoma de alto grau aos 10 anos de idade e foi sujeito a uma exérese cirúrgica da massa tumoral. Ainda que os astroblastomas malignos possam apresentar infiltração desordenada e bastante agressiva do parênquima cerebral, estes tumores habitualmente estão bem circunscritos, facto que potencia a sua rescisão total (tal como no presente caso). A implementação de sessões de radioterapia, após a cirurgia, pode justificar a não recorrência do tumor durante os últimos 12 meses de “followup” (Agarwal, Mally, Palande, & Velho, 2012; Sughrue et al, 2011). No entanto, embora não tenha ocorrido recidiva da massa tumoral, as especificidades da intervenção a par com as crises epiléticas e com os sintomas depressivos manifestados pelo paciente, podem ser base, alargada, das dificuldades apresentadas à data da primeira avaliação neuropsicológica. As sessões de reabilitação incidiram principalmente na estimulação da capacidade de atenção/concentração e da capacidade mnésica (particularmente na evocação da informação) bem como na organização dos projetos de vida do paciente e no acompanhamento vocacional. O paciente evidenciou melhorias significativas ao nível da capacidade de atenção, da memória de trabalho e, consequentemente do seu desempenho académico. A salientar que o acompanhamento familiar foi uma “peça” indispensável ao processo de intervenção. Conclusão Uma das questões centrais no âmbito da reabilitação neuropsicologica prende-se com a plasticidade cerebral e com a capacidade de estabelecer ou potenciar as redes neuronais existentes com recurso a programas de treino estruturado (Kolb & Gibb, 2008). O “treino” neuropsicológico continuado permite exercitar as capacidades cognitivas (neste caso especifico, a memória, a atenção-concentração e o cálculo mental simples), estabilizar a dinâmica emocional, se os resultados se afigurarem positivos e, portanto, motivadores, podendo desencadear uma verdadeira cascata de eventos neuropsicoimunológicos protetores da homeostasia, e melhorar as rotinas da vida diária (Londos et al., 2008), com reflexos bio-psico-sociais, mais ou menos, evidentes. Sintetizando, de acordo com os resultados do processo de reabilitação do paciente e com base na literatura, há indícios significativos de que as atividades de estimulação/reabilitação neuropsicológica são uma mais-valia na recuperação funcional das lesões cerebrais adquiridas, não só porque permitem exercitar as áreas em défice e minimizar as perdas como também porque estimulam as áreas fortes e assistem os pacientes nos primeiros meses da mudança.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

173


Manuel Domingos e Catarina Calado

Referências bibliográficas Agarwal, V.; Mally, R.; Palande, A., & Velho, V. (2012). Cerebral astroblastoma: A case report and review of literature. Asian Journal of Neurosurgery. 7(2): 98–100. Bailey, P.; Bucy, P.C. (1930 Astroblastomas of the brain. Acta Psychiatrica Scandinavica 5(3):439-61. Beaumont, J. (2008). Introdution to Neuropsychology. 2nd edition. London: Guilford Press. Bell, J.W.; Osborn, A.G.; Salzman, K.L.; Blaser, S.I; Jones, B.V., & Chin, S.S. (2007). Neuroradiologic characteristics of astroblastoma. Neuroradiology. 49(3): 203-9. Bonnin JM, Rubinstein LJ Astroblastomas: a pathological study of 23 tumors, with a postoperative follow-up in 13 patients. Neurosurgery. 25:6-13. Butowski, N. A., Sneed, P. K., Chang, S. M. (2006). Diagnosis and treatment of recurrent high-grade astrocytoma, Journal of Clínical Oncology, vol. 24, no. 8, pp. 1273–1280. Caroli. E; Salvati, M.; Esposito, V.; Orlando, E.R. & Giangaspero, F. (2004) Cerebral astroblastoma. Acta Neurochirurgica (Wien). 146(6):629-33. Carter, R., Aldridge, S., Page, M., Parker, S. (2009). O livro do cérebro – um guia ilustrado sobre estrutura, funcionamento e perturbações. Porto: Dorling Kindersley – civilização editores. Cassidy, J. Bisset, D., Spence, R. (2002). Oxford Handbook of Oncology. Oxford University Press. Domingos, M. (1997). Alterações cognitivo/operativas consequentes às neoplasias do encéfalo: uma abordagem neuropsicológica. Psicologia – Teoria, Investigação e prática. Psicologia da Saúde, Volume 2, nº 2. Ferro, J., Pimentel, J. (2006). Neurologia – princípios, diagnóstico e tratamento. Porto: Lidel. Gil, R. (2007). Neuropsicologia. Elsevier España. Khosla, D.; Yadav, S.; Kumar, R.; Agrawal, P.; Kakkar, N.; Patel, D. & Sharma,C. (2012). Pediatric astroblastoma: a rare case with a review of the literature. Pediatric Neurosurgery. 48(2):122-5. Kolb, B., & Gibb, R. (2008). Principles of neuroplasticity and behavior. In D.T Stuss, G. Winocur & I.H. Roberston (Orgs.), Cognitive neurorehabilitation: evidence and application. Cambridge: University Press. Linsay, K., Bone, I. (2010). Neurology and neurosurgery illustrated. 50th Edition. Churchill Livingstone. Londos E., Boschian K., Lindén A., Persson, C., Minthon, L., & Lexell, J. (2008). Effects of a goaloriented rehabilitation program in mild cognitive impairment: a pilot study. Journal of Alzheimer’s Disease and Other Dementias, 23 (2), 177-183. Louis, D. N.; Ohgaki, H.; Wiestler, O. D., & Cavenee, W. K. (2007). Who Classification of tumours of the central nervous system. 4th edition. Lyon: Internationa Agency for Research on Cancer. Mastrangelo, S.; Lauriola, L.; Coccia, P.; Puma, N.; Massimi, L., & Riccardi, R.

174

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Impacto da Reabilitação Neuropsicológica nas Neoplasias Encefálicas da Criança: Estudo ..., pp. 165-175

(2010). Two cases of pediatric high-grade astroblastoma with different clinical behavior. Tumori, 96: 160-163. McLendon, R.E.; Enterline, D.; Tien R.; Thorstad, W.; Bruner, J.M. (1998) Astroblastomas. In: Bigner DD, McLendon RE, Bruner JM, editors. Russell and Rubinstein’s pathology of tumors of nervous system. 6 ed. London: Arnold, 419-26. Michael E. Sughrue. M. E.; Choi, J.; Rutkowski, M. J.; Aranda, D.; Kane, A. J.; Barani, I. J., & Parsa, A. T. ( 2011). Clinical features and post-surgical outcome of patients with astroblastoma. Journal of Clinical Neuroscience. Volume 18 (6 ), 750-754. Nóbrega, K., & Pereira, C. H. (2011). Qualidade de vida, ansiedade e depressão em cuidadores de crianças com neoplasia cerebral. Psicologia: Teoria e Prática, 13(1):48-61 Regel, H. & Fritsch, A. (1997): Evaluationsstudie zum computergestützten Training psychischer Basisfunktionen. Abschlußbericht zum geförderten Forschungsprojekt. Bonn: Kuratorium ZNS. Siksou, M. (2008). Introdução à Neuropsicologia. Lisboa: Climepsi Editores. Sino, J.W.; Osborn, A.G.; Salzman, K.L.; Blaser, S. I.; Jones, B.V., & Chin, S.S. (2007). Características neurorradiológica de astroblastoma. Neurorradiologia. 2007; 49:203-9. Sughrue. M. E.; Choi, J.; Rutkowski, M. J.; Aranda, D.; Kane, A. J.; Barani, I. J., & Parsa, A. T. (2011). Clinical features and post-surgical outcome of patients with astroblastoma. Journal of Clinical Neuroscience. Volume 18 (6 ), 750-754. Unal, E.; Koksal, Y.; Vajtai, I.; Toy, H.; Kocaogullar, Y., & Paksoy, Y. (2008). Astroblastoma in a child. Journal of the International Society for Pediatric Neurosurgery. 24(2):165-8. Yudofsky, S. C. & Hales, R. E. (1996). Compêndio de Neuropsquiatria. Artes Médicas. Wechsler, D. (1987). Wechsler Memory Scale—Revised manual. San Antonio: The Psychological Corporation.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

175



Fobia Social e Perturbação ObsessivoCompulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso Social Phobia and Obsessive-Compulsive Disorder in Adolescence: a Case Study Joana Rita Carvalho

Universidade do Porto

Contacto para Correspondência: Joana Carvalho Laboratório de Fala Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto Rua Doutor Manuel Pereira da Silva 4200-392 Porto joanadcarvalho@fpce.up.pt

Resumo: As Perturbações de Ansiedade são bastante frequentes durante a adolescência. Este estudo descreve um caso de Fobia Social (FS), generalizada, e Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC), segundo os critérios de diagnóstico DSM-IV-TR (APA, 2002). A avaliação decorreu com base numa entrevista semiestruturada realizada junto de uma adolescente e dos seus pais. Realizou-se uma intervenção de natureza cognitivo-comportamental com esta adolescente por se tratar de uma abordagem terapêutica empiricamente testada e considerada apropriada para o tratamento da FS e POC. A intervenção teve como principais objectivos: compreender a ansiedade, reduzir os sintomas físicos relacionados com a ansiedade, reduzir o medo de ser avaliada, eliminar comportamentos de segurança, desenvolver competências sociais, reduzir a ansiedade em situações

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

177


Joana Rita Carvalho

sociais específicas, eliminar o evitamento de situações sociais e alterar esquemas relacionados com a necessidade de ser aprovada e de se sentir inadequada ou incompetente. E, ainda, reduzir os pensamentos intrusivos, eliminar compulsões e modificar esquemas de perigo e responsabilidade. Por último, adquirir competências de prevenção de recaída. No sentido de alcançar os objectivos referidos, recorreu-se às seguintes estratégias/intervenções: formação psicoeducacional, técnicas de relaxamento, reestruturação cognitiva, exposição às situações sociais temidas, treino de competências sociais, exposição aos pensamentos intrusivos e prevenção da resposta, tarefas para casa e revisão. Após o processo psicoterapêutico a adolescente consegue interagir, com satisfação, nas mais diversas situações sociais e não executa rituais. Apesar desta intervenção se ter demonstrado apropriada, são necessários estudos que avaliem o impacto e a prevalência desta comorbilidade específica (FS e POC), bem como a eficácia deste tipo de intervenções. Palavras-chave: fobia adolescência; caso clínico.

social;

perturbação

obsessivo-compulsiva;

Abstract: Anxiety Disorders are very common during adolescence. This study describes a case of social phobia (SP), generalized, and Obsessive Compulsive Disorder (OCD), according to the diagnostic criteria of the DSM-IVTR (APA, 2002). The evaluation was based on a semi-structured interview with the adolescent and their parents. We conducted a cognitive-behavioral intervention with this teenager, because it is a therapeutic approach empirically tested and suitable for the treatment of SP and OCD. The main goals of this intervention were: to understand the anxiety, reduce physical symptoms related to anxiety, reduce the fear of being evaluated, eliminating safety behaviors, develop social skills, reduce anxiety in specific social situations, eliminate the avoidance of social situations and modifying schemas related with the need for approval and the feeling of be inadequate or incompetent. And also, reduce intrusive thoughts, eliminating compulsions and modify schemes of danger and responsibility. Finally, acquire skills to prevent relapse. In order to achieve the aforementioned objectives, we used the following strategies/interventions: psycho-education training, relaxation techniques, cognitive restructuring, exposure to feared social situations, social skills training, exposure to intrusive thoughts and response prevention, tasks home and review. After the psychotherapeutic process, the teenager can interact with satisfaction in several social situations and she doesn´t does not perform rituals. Despite this intervention has been shown appropriate, studies are needed to assess the impact and prevalence of this specific comorbidity (SP and OCD) and the effectiveness of such interventions. Key-words: social phobia; obsessive compulsive disorder; adolescence; case study.

178

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso, pp. 177-194

Introdução As Perturbações de Ansiedade são bastante frequentes durante a infância e adolescência. Vários estudos indicam que aproximadamente 2,5% a 5% das crianças e adolescentes preenchem, em algum momento, os critérios de diagnóstico para uma Perturbação de Ansiedade (e.g., Costello, Mustillo, Erkanli, Keeler, & Angold, 2003; Lewinsohn, Zinbarg, Seeley, Lewinsohn, & Sack, 1997). Estima-se que 40% a 60% das crianças que apresentam sintomatologia ansiosa preenchem os critérios de diagnóstico para mais do que uma Perturbação de Ansiedade (e.g., Benjamin, Costello, & Warren, 1990; Kashani & Orvaschel, 1990). No entanto, a comorbilidade entre a Fobia Social e a Perturbação Obsessivo-Compulsiva é um fenómeno que carece de investigação (Baldwin, Brandish, & Meron, 2008). O presente estudo descreve um caso de Fobia Social, generalizada, e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na adolescência. Apresentação do caso clínico Identificação A Anabela (nome fictício) tem 17 anos. É filha única e pertence a uma família de nível socioeconómico médio. Frequenta o 12º ano de escolaridade e nos tempos livres pratica remo. Namora há 3 anos com um colega de turma da mesma idade. Problema apresentado A adolescente foi orientada para a consulta de psicologia pela sua pedopsiquiatra. Segundo a informação clínica anexada ao pedido de consulta, trata-se de uma utente com Perturbação de Ansiedade grave, com episódios de agudização com sintomas psicossomáticos. A adolescente refere ter muitas dificuldades em estar diante de pessoas novas. Mesmo com os colegas de turma e do remo que já conhece há muito tempo não se sente à vontade. Diz que não se relaciona com eles e que o único amigo que tem é o namorado. Refere sentir-se ansiosa em diversas situações sociais, pois parece que toda a gente olha para ela. Tem medo de dizer ou de fazer alguma coisa errada e que pensem que ela é incompetente ou inadequada e isso seria a pior coisa que lhe poderia acontecer. Desvaloriza-se e sente-se inferior em relação aos outros. Os pais consideram que a filha é muito tímida, envergonhada e que tem baixa auto-estima. A mãe diz que a filha não fala com as pessoas. Relata, por exemplo, que quando vão a um café ou a um restaurante, são os pais que fazem o pedido porque a Anabela não o consegue fazer. Esta evita pedir coisas nos restaurantes e nas lojas; estar com pessoas da sua idade; ir a sítios novos; ter de falar com

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

179


Joana Rita Carvalho

alguém que não conhece ou alguém importante tal como o professor; fazer coisas importantes, como por exemplo informar-se sobre algo na secretaria da escola (porque tem medo de se enganar ou de lhe perguntarem algo que não saiba responder); falar ao telefone/telemóvel (porque tem medo que surjam silêncios e de ficar sem saber o que dizer, comunicando apenas através de mensagens escritas), etc... Perante estas e outras situações, relata que muitas vezes fica com a respiração ofegante, o coração acelerado e as mãos suadas e a tremer. A Anabela referiu ainda que quando está a fazer testes e trabalhos, não consegue evitar de ler quatro vezes a última frase que escreve, o que a faz perder muito tempo e deixa-a muito preocupada em relação aos exames nacionais. Também não consegue evitar bater com a mão na mesa (ou noutro objecto, de preferência feito de madeira) sempre que tem um “pensamento mau” (por exemplo: pensar que vai tirar uma má nota) porque se não o fizer, as coisas más podem acontecer. No mínimo tem o impulso de bater nalgum objecto duas vezes por dia. Nos dias em que está muito ansiosa, não tem noção do número de vezes que chega a bater num dado objecto, ficando muito preocupada com a possibilidade de se ter esquecido, em algum momento do dia, de executar esse ritual aquando a ocorrência de determinado “pensamento mau”. História do problema e tentativas prévias de tratamento A Anabela foi reencaminhada pelo médico de família para a consulta de pedopsiquiatria quando tinha 13 anos por apresentar perda do apetite e de peso e ocorrência de frequentes episódios de vómitos. Nessa altura estava muito preocupada com os resultados escolares (frequentava o 8º ano de escolaridade) e referia que era uma pessoa muito ansiosa, sempre preocupada e que se sentia feia. Os pais achavam-na muito insegura, introvertida e “respondona” (com irritabilidade). Quando começou a namorar (aos 14 anos) preocupava-se muito com a relação. Queixava-se que se sentia enjoada, chegando a vomitar antes e quando estava com o namorado. Também se sentia enjoada nos dias que antecediam as viagens de estudo. Aos 15 anos, após um traumatismo acidental na bexiga, a Anabela ficou muito preocupada e apresentou de forma exagerada várias queixas físicas, tendo-se dirigido várias vezes às urgências. A Anabela achava que tinha uma doença e que agora lhe custava comer e dormir por causa disso. Tinha medo que algum alimento lhe pudesse fazer mal ou de bater com alguma parte do corpo em alguma coisa e ficar doente. Apresentava pouca confiança na realização das actividades do dia-a-dia. Nos últimos 10 meses nota-se que a Anabela está muito resistente a situações novas e a pessoas que não conhece, apresentando muita ansiedade. Relativamente aos rituais relatados pela Anabela, estes ocorrem desde o 6ºano de escolaridade.

180

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso, pp. 177-194

A Anabela frequenta a consulta de pedopsiquiatria desde há 4 anos, tendo realizado várias terapêuticas psicofarmacológicas até à data. Encontra-se medicada com Sertralina 75mg/dia, uma vez que com 100mg/dia não obteve melhorias adicionais. História médica Não existe história passada ou actual de patologia médica relevante. A Anabela realizou vários exames clínicos (endoscopia, análises ao sangue, uma tomografia axial computorizada e uma ressonância magnética cerebral) que não revelaram a existência de qualquer problema do foro orgânico. De referir que não existe história familiar de doenças do foro psicológico. História biopsicossocial A Anabela foi um bebé desejado e esperado, nascido a termo e de uma gravidez sem intercorrências. Segundo os pais, a Anabela teve um desenvolvimento normal, tendo começado a andar e a falar por volta dos 12 meses. Foi amamentada com leite materno no primeiro mês e nos seguintes passou a usar o biberão. Segundo a mãe, deixou de utilizar a chupeta e o biberão muito cedo. Fez o controlo de esfíncteres (de dia e de noite) por volta dos dois anos. A mãe considera que a Anabela foi um bebé “fácil”. Frequentou o infantário a partir dos 3 anos, com uma boa adaptação. Até essa idade, ficava aos cuidados da avó. A mudança para a primária ocorreu sem problemas. Manteve praticamente os mesmos colegas (alguns grandes amigos) desde o infantário até ao 9º ano. Quando transitou para o 10º ano mudou de escola, mas não se verificaram grandes dificuldades de adaptação (embora nunca se tenha sentido à vontade com os novos colegas de turma nem depois com os colegas do remo). Começou a namorar nesse ano e entretanto acabou por perder o contacto com os seus antigos amigos. Foi sempre uma aluna com bom rendimento escolar (apesar de achar que tudo o que faz, é mal feito), muito preocupada com os estudos e exigente consigo própria. Relata que fica muito ansiosa na apresentação de trabalhos e que é muito cuidadosa na escrita dos mesmos e a responder nos testes. Raramente tem erros porque lê 4 vezes a última frase que escreve (apesar do tempo limitado dos testes) e é por isso que não tem notas mais baixas. A Anabela considera que sempre foi uma pessoa muito ansiosa. Nos últimos tempos imensas situações causam-lhe mal-estar, ao ponto de querer fugir delas e de as evitar sempre que pode. Admite também ser uma pessoa extremamente organizada, teimosa e perfeccionista. E que apesar de se esforçar por fazer as coisas bem, acha sempre que as coisas vão correr mal. E, por isso, sempre que ocorre um “pensamento mau”, bate com a mão nalgum objecto de madeira, pois sempre que o faz os “pensamentos maus” não se concretizam.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

181


Joana Rita Carvalho

Tem um bom relacionamento com os pais, apesar de serem muito protectores e de imporem regras inflexíveis. Refere que os pais não a deixam sair de casa depois de uma dada hora, ao contrário dos colegas que saem a partir dessa hora. Sempre foram muito relutantes em a deixar ir a visitas de estudo e em fazer actividades extracurriculares. Quando era mais nova irritava-se muito com eles, agora sabe que não vale a pena discutir. A Anabela diz que o namorado também é muito envergonhado, refere que ele não gosta de fazer coisas novas e é muito ciumento. Considera o namorado a única amizade que tem. Quando saem (nunca em grupo) vão sempre aos mesmos sítios e se é necessário ter de fazer algo que a deixe ansiosa, o namorado faz por ela. É o seu primeiro namorado, tendo sido uma surpresa quando ele a pediu em namoro. Na altura chegava a vomitar antes e enquanto estava com ele, com a preocupação de poder correr alguma coisa mal entre eles. Actualmente sentese muito mais à vontade e tranquila (nunca tiveram relações sexuais porque a Anabela para já não se sente preparada), contudo não consegue, por exemplo falar com ele ao telemóvel (ou com os seus pais) com medo de ficar sem saber o que dizer. Refere que os seus pais confiam e gostam muito dele. Preferem que ela esteja com ele em vez (da possibilidade) de ela sair com outros colegas. Também já conheceu os pais dele e sempre que está com eles, fica muito envergonhada e passa o tempo todo em silêncio. Estado mental Nas consultas iniciais, a Anabela apresentou-se bastante ansiosa, com muita dificuldade em manter contacto ocular, adoptando uma postura cabisbaixa e esfregando constantemente as mãos, uma na outra. Apesar do evidente nervosismo sentido pela adolescente, esta foi sempre muito colaborante e esforçada, demonstrando elevado insight e vontade de mudar. Revelou-se ser uma pessoa simpática e agradável, com um discurso rico e fluente, bem orientada no espaço e no tempo, e com humor e afecto congruente e adequado ao conteúdo do seu discurso. Apresenta uma aparência cuidada e vestuário discreto. Avaliação A avaliação decorreu com base numa entrevista semi-estruturada realizada junto da Anabela e dos pais. Desta entrevista destaca-se a problemática da ansiedade da Anabela como principal preocupação dos pais e da própria Anabela: “Sempre fui assim, quem me dera não ser…”

182

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso, pp. 177-194

Proposta de diagnóstico Eixo I 300.23 300.3 Eixo II V71.09 Eixo III Nenhum. Eixo IV Nenhum. Eixo V AGF = 55 AGF = 85

Fobia social, Tipo Generalizado [F40.1] Perturbação Obsessivo-Compulsiva [F12.8] Sem diagnóstico [Z03.2] (no momento da avaliação) (actual)

Justificação do diagnóstico Utilizou-se o sistema multi-axial proposto pelo DSM-IV-TR (APA, 2002) para avaliar a problemática da Anabela: Eixo I: Verificou-se que a Anabela apresenta todos os critérios de diagnóstico para a Fobia Social, generalizada e a Perturbação Obsessivo-Compulsiva. O diagnóstico de Fobia Social justifica-se, uma vez que a Anabela apresenta um medo acentuado e persistente de várias situações sociais nas quais está exposta à possível observação de outras pessoas. A exposição às situações sociais temidas provoca quase sempre ansiedade e, consequentemente são evitadas ou enfrentadas com intenso mal-estar, o que interfere de forma significativa com o seu funcionamento a vários níveis. Recorreu-se ao especificador “generalizada”, na medida em que a Anabela se sente ansiosa na maioria das situações sociais, e consequentemente, evita sempre que pode situações de desempenho público e de interacção social. De mencionar a Anabela apresentou uma ansiedade social exacerbada nos 10 meses que antecederam o momento de avaliação, pelo que se encontra cumprido o Critério F. (duração de pelo menos 6 meses em sujeitos com idade inferior aos 18 anos). O que caracteriza a Perturbação Obsessivo-Compulsiva é a presença de obsessões (as quais causam mal-estar e ansiedade) e compulsões (usadas para neutralizar a ansiedade) recorrentes. As obsessões da Anabela tomam a forma de pensamentos intrusivos que provocam mal-estar (“vai correr mal”; “vou ter má nota”), por sua vez as compulsões da Anabela tomam a forma de comportamentos (bater com a mão) e verificações (ler 4 vezes a ultima frase que escreve), que executa em resposta aos pensamentos intrusivos. As obsessões e compulsões da Anabela provocam mal-estar e interferem com o seu funcionamento ocupacional e académico. Eixo II: Excluiu-se o diagnóstico de Perturbação Evitante da Personalidade (que se caracteriza por um padrão de inibição social, sentimentos de inadequação e hipersensibilidade à avaliação negativa) e o de Perturbação ObsessivoCompulsiva da Personalidade (caracterizada por um padrão de preocupação com

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

183


Joana Rita Carvalho

a ordem, perfeccionismo e controle). Ambos caracterizados por padrões estáveis de experiência interna e comportamento que se desviam marcadamente do que seria esperado para o indivíduo numa dada cultura, inflexíveis, globais e estáveis ao longo do tempo. A Anabela sempre foi uma pessoa tímida e envergonhada, contudo só nos últimos 10 meses é que se evidenciou uma inibição social marcada, causadora de incapacidade funcional significativa. Relativamente à Perturbação Obsessivo-Compulsiva da Personalidade, o perfeccionismo da Anabela e a preocupação com pormenores (nos trabalhos escolares) não são prejudiciais ao ponto de se perder a finalidade e o cumprimento das tarefas a realizar. E, portanto, considerou-se que a Anabela não apresenta nenhuma Perturbação da Personalidade. Eixo III: O Eixo III destina-se a indicar situações clínicas do estado físico geral que são relevantes para a compreensão ou a atitude clínica a tomar face à perturbação mental do indivíduo. A Anabela não apresenta nenhuma situação desta natureza. Eixo IV: Não se detectou a existência de problemas psicossociais e ambientais de relevo que pudessem interferir com o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico das perturbações mentais, com base nas categorias propostas pelo DSM-IV-TR (APA, 2002). Eixo V: Foi proposto um AGF inicial de 55, uma vez que a sintomatologia ansiosa da Anabela interfere de forma moderada com o seu funcionamento social, ocupacional e escolar. Actualmente considera-se um AGF de 85, dada a sintomatologia mínima que apresenta e o bom funcionamento em todas as áreas. Diagnóstico diferencial Para o diagnóstico diferencial teve-se em consideração os seguintes pontos: • Excluir etiologia relacionada com substâncias No caso da Anabela não é apropriado o diagnóstico de Perturbação Induzida por Substância, pelo facto de nenhuma substância (droga de abuso, medicação ou exposição a tóxico) estar etiologicamente relacionada com as perturbações de ansiedade que apresenta. • Excluir etiologia relacionada com estado físico geral Exclui-se a Perturbação de Ansiedade Secundária a Um Estado Físico Geral, dado os sintomas de ansiedade e as obsessões e compulsões da Anabela não serem consequência fisiológica directa de um estado físico geral específico.

184

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso, pp. 177-194

• Determinar a Perturbação primária específica Apesar de a Anabela apresentar um historial de ansiedade antecipatória face a diversas situações (por exemplo, as visitas de estudo, o namoro…) e preocupações excessivas em relação ao seu desempenho escolar (que ocorriam mesmo quando não estava a ser avaliada pelos outros), não se encontram cumpridos os critérios necessários para o diagnóstico de Perturbação de Ansiedade Generalizada (caracterizado por uma ansiedade e preocupação exagerada relativamente a um conjunto de acontecimentos/actividades que ocorre em mais de metade dos dias por um período de pelo menos 6 meses). A Anabela apresenta alguns sintomas que caracterizam o Ataque de Pânico (dificuldades em respirar, ritmo cardíaco acelerado, suores e tremores), no entanto estes não são critérios suficientes para se considerar a existência de Ataques de Pânico situacionais ou situacionalmente predispostos e por isso exclui-se o diagnóstico de Perturbação de Pânico. As situações evitadas na Fobia Social envolvem a possível observação por parte de outras pessoas, já na Agorafobia sem História de Perturbação de Pânico as situações evitadas podem ou não implicar a observação de outros (por exemplo: estar sozinho em casa ou fora de casa). De um modo geral, os sujeitos com evitamento agorafóbico preferem estar com um companheiro de confiança perante a situação temida, por outro lado as pessoas com Fobia Social podem sentir-se ainda mais ansiosas devido à observação adicional do companheiro, como acontece por vezes com a Anabela. Esta (tal como outras pessoas com o diagnóstico de Fobia Social) apesar de ter medo do embaraço, tem capacidade e interesse nos relacionamentos com as pessoas que conhece, já as pessoas com Perturbação Global do Desenvolvimento ou Perturbação Esquizóide da Personalidade evitam situações sociais devido à falta de interesse no relacionamento com os outros. A Perturbação Obsessivo-Compulsiva não é diagnosticada se o conteúdo dos pensamentos ou actividades estiver exclusivamente relacionado com outra perturbação mental, por exemplo preocupação com a aparência na Perturbação Dismórfica Corporal; preocupação com os alimentos na Perturbação de Comportamento Alimentar; preocupação com um determinado objecto na Fobia Específica; e arrancar cabelos na Tricotilomania. A Perturbação Obsessivo-Compulsiva diferenciase também das Parafilias, Jogo Patológico e Perturbações de abuso ou dependência de substâncias, porque o sujeito retira das actividades prazer e pode desejar resistir apenas pelas consequências nefastas da actividade. Distingue-se ainda da Hipocondria, uma vez que os pensamentos perturbadores recorrentes estão exclusivamente relacionados com o medo de ter uma doença grave com base numa interpretação errada dos sintomas somáticos (de referir que a Anabela chegou a apresentar no

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

185


Joana Rita Carvalho

passado sintomas físicos exagerados relacionados com o medo de ter uma doença). Como as obsessões não atingem proporções delirantes (a Anabela apresenta elevado insight), não se considerou o diagnóstico adicional de Perturbação Delirante ou Perturbação Psicótica Sem Outra Especificação. Relativamente às compulsões que a Anabela apresenta, estas distinguemse dos tiques (na Perturbação de Tiques) e dos movimentos estereotipados (na Perturbação de Movimentos Estereotipados) porque ambos são tipicamente menos complexos e não têm como objectivo neutralizar uma obsessão; distinguem-se também dos comportamentos estereotipados bizarros (na Esquizofrenia), pelo facto de não serem egodistónicos e não serem sujeitos ao teste da realidade. • Considerar a Perturbação de Adaptação ou categoria sem outra especificação Não se justifica o diagnóstico de Perturbação de Adaptação, pois os sintomas da Anabela não ocorrem em resposta a um stressor. Dado preencher todos os critérios de diagnóstico para Perturbação ObsessivaCompulsiva e Fobia Social, generalizada não se recorre a nenhuma categoria residual (Perturbação Sem Outra Especificação). • Considerar a não existência de Perturbação A ansiedade e o evitamento da Anabela interferem de forma significativa com o seu funcionamento social, ocupacional e escolar e gerem evidente mal-estar. Por estas razões, considera-se o diagnóstico de Fobia Social, generalizada. Relativamente ao diagnóstico de Perturbação ObsessivoCompulsiva, este deve ser atribuído se as superstições e os comportamentos de verificação repetitivos forem particularmente consumidores de tempo (ler sempre 4 vezes a ultima frase que escreve) e resultarem em malestar (ter de bater em algum lado sempre que pensa em algo mau e ficar muito preocupada perante a possibilidade de se esquecer de o fazer e as consequências que daí advêm). • Excluir a Perturbação Factícia e a Simulação As Perturbações Factícias são caracterizadas por sintomas físicos ou psicológicos que são produzidos ou fingidos intencionalmente no sentido de o sujeito assumir o papel de doente. Na Simulação, o sujeito também produz os sintomas de um modo intencional mas tem um objectivo que se torna obvio uma vez conhecidas as circunstância envolventes. Nenhuma das Perturbações se apropria ao caso da Anabela. Conceptualização A Anabela desde muito cedo que apresenta sintomatologia ansiosa face a diversos estímulos. Alguns estudos genéticos e neurobiológicos apontam para

186

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso, pp. 177-194

uma possível vulnerabilidade biológica no desenvolvimento de Perturbações de Ansiedade, nomeadamente no desenvolvimento da Fobia Social (e.g. Kendler, Neale, Kessler, Heath, & Eaves, 1992; Pollack, 2001) e da Perturbação ObsessivoCompulsiva (e.g. Stekettee, 1993). Outros estudos etiológicos analisam a relação entre algumas características temperamentais como o afecto negativo e a inibição comportamental e as Perturbações de Ansiedade. As crianças com elevado afecto negativo revelam uma tendência para apresentar maior sensibilidade a estímulos negativos e uma certa dificuldade em regular as suas emoções negativas (Kovacs & Devlin, 1998), bem como uma maior percepção de imprevisibilidade e nãocontrolabilidade dos acontecimentos. De facto, a Anabela tende a apresentar respostas ansiosas que poderão estar associadas à incapacidade de predizer e controlar os acontecimentos. Por sua vez, a inibição comportamental relacionase com a introversão, a timidez, a fuga e o medo a pessoas e a objectos estranhos (Kagan & Snidrnan, 1999). A Anabela sempre foi considerada uma criança introvertida e com pouca iniciativa. Estas características têm sido associadas a respostas exageradas de protecção e de controlo por parte dos pais (Rubin, Nelson, Hastings, & Asendorpf, 1999). Segundo consta, os pais da Anabela sempre foram muito protectores e inflexíveis, o que poderá ter dificultado o seu comportamento exploratório e reforçado o seu retraimento, limitando a sua autonomia e a exposição a determinadas situações ameaçadoras. Outros factores ambientais têm sido associados ao desenvolvimento de um padrão de funcionamento ansioso. Rachman (1977) explica o desenvolvimento das perturbações ansiosas através do condicionamento directo, da aprendizagem por observação e por transmissão de informação. A associação de acontecimentos aversivos com situações previamente neutras pode fazer com que estas situações sejam, também elas, geradoras de ansiedade (principio do condicionamento), assim a experiência pessoal da Anabela pode explicar em parte a ansiedade sentida em determinadas situações. A aprendizagem por observação mostra que através da modelagem, os medos podem ser adquiridos a partir da simples observação de outras pessoas a reagir de modo medroso e ansioso. Também podem ser aprendidos através da transmissão directa de informação negativa verbal por parte dos pais e de outros significativos. A Anabela fica muito ansiosa na antecipação de várias situações de natureza social, apresentando expectativas negativas acerca da concretização satisfatória dessas situações (“acho que não vou conseguir”; “vai correr mal”; “toda a gente fica a olhar para mim”; “vão achar que sou estúpida.”), o que a impulsiona a evitá-las. Este evitamento, por sua vez, dificulta o desenvolvimento de certas competências sociais (ao se privar de diversas experiências) fomentando sentimentos de insegurança, incompetência e inadequação social. A falta dessas competências, a par com a percepção de “incapacidade” pode levar a Anabela a experienciar um maior número de situações negativas de interacção social. Desta forma, aumenta ainda mais a ansiedade e a apreensão que sente face às situações sociais temidas, sentindo-se cada vez menos capaz de lidar com elas

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

187


Joana Rita Carvalho

e com tendência a adoptar comportamentos de segurança (que a protejam das situações ameaçadoras), nomeadamente evitar o contacto ocular com os outros, falar o menos possível e tentar passar despercebida. Gerando-se, assim, um ciclo de reforço de comportamentos desajustados. O evitamento da Anabela é também reforçado negativamente pelas pessoas próximas. Por exemplo, como a Anabela não se sente à vontade para fazer o pedido no café/restaurante, os pais pedem por ela (protegendo-a da ansiedade de ter de pedir), evitando dessa forma um possível embaraço. Sempre que a Anabela revela mal-estar, os pais (e o namorado) tendem a intervir por ela e a demonstrar uma certa preocupação, contribuindo para a sua vulnerabilidade. As situações que a Anabela não consegue evitar são enfrentadas com muito mal-estar. A ansiedade sentida perante as situações sociais pode ser percebida como um sinal de ineficácia, o que poderá levar a expectativas irrealistas e perfeccionistas acerca do comportamento social considerado adequado à situação. Desta forma, a Anabela tende a focalizar-se em si própria, centrando-se nas suas “incapacidades” (intensificando a percepção de sintomas ansiogénicos) face ao modo como deveria comportar-se, pois acredita que há um risco muito elevado de agir de forma inadequada (por exemplo, “dizer alguma coisa errada”) e, consequentemente ser avaliada negativamente pelos outros. As pessoas com Fobia Social tendem a ser extremamente sensíveis a pistas que sugerem a possibilidade de uma avaliação negativa (Ito, Roso, Tiwari, Kendall, & Asbahr, 2008). E, por isso, depois de enfrentada a situação social, a pessoa pode sentir necessidade de rever em detalhe o acontecimento como forma de se tranquilizar perante o medo de ter sido avaliada negativamente e das implicações terríveis dessa avaliação (por exemplo, ser excluída para sempre). Contudo, a percepção distorcida de informação seleccionada (por exemplo: um silêncio na interacção social percepcionada como culpa dela), juntamente com a recordação de aspectos emocionalmente intensos (mal-estar) e a associação a outras situações semelhantes percepcionadas como fracasso social contribui para que as situações sociais enfrentadas aumentem a ansiedade, a autocrítica exagerada, o sentimento de incompetência social e de vergonha e o evitamento de situações semelhantes (de convívio social). Assim, as situações de sucesso e de bom desempenho tendem a ser ignoradas, subestimadas e pouco valorizadas pela Anabela e os estímulos neutros erroneamente interpretados como negativos. E, por isso, crenças relacionadas com o medo de cometer erros e ser rejeitada, de ser incapaz, incompetente e inferior vão se manter (pois a pessoa tende a procurar factos que as confirmem e a ignorar os que contrariam). Daí, a sua baixa auto-estima e desvalorização pessoal (“Serei mesmo pior que os outros?”; “Tudo o que faço tem de ser mal feito por mim, porquê?”; “Porque arranjo defeitos em mim por qualquer coisa?”; “Porque razão serão para mim os outros mais do que eu?”). Além das situações sociais, os pensamentos intrusivos podem também ser causadores de ansiedade devido aos sentimentos de culpa, vergonha, repugnância ou insegurança que despoletam. Com o tempo, esses pensamentos

188

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso, pp. 177-194

podem ficar de tal maneira associados à ansiedade (por condicionamento clássico), que tais pensamentos passam a provocar intenso mal-estar (Salkovskis & Kirk, 1989). A pessoa começa então a ter medo desses pensamentos e a estar cada vez mais atenta a eles (hipervigilância), surgindo a necessidade de tentar evitá-los. Contudo, quanto mais uma pessoa tenta não pensar sobre determinado objecto, mais pensa sobre ele (Wegner, 1989), aumentando desse modo o seu malestar. Como não consegue controlar a sua ansiedade ao evitar os pensamentos problemáticos, a pessoa tende a procurar outras estratégias, nomeadamente a adopção de determinados comportamentos (compulsões) que reduzem temporariamente a ansiedade sentida e o desconforto associado às obsessões. Por exemplo, se uma pessoa tem medo de escrever com erros (e, consequentemente, ter má nota no teste), então deve ler no mínimo 4 vezes a frase para se certificar que a escreve bem e que terá uma boa nota. O comportamento adoptado consegue por momentos reduzir a ansiedade e o medo da pessoa (através da verificação repetitiva, a pessoa tranquiliza-se que realmente não vai ter erros) e, por isso, esta tende a repeti-lo (a acção é negativamente reforçada). Assim, a pessoa executa comportamentos específicos sempre que ocorre determinado pensamento até que as acções tomadas se tornam rituais que devem ser sempre cumpridos, pois aliviam o mal-estar provocado pelos pensamentos intrusivos e de certa forma parecem evitar a concretização desses pensamentos (“é raro ter erros nos trabalhos”; “apesar de poder ser coincidência, quando bato com a mão na mesa as coisas más não se realizam”). Com a repetição deste ciclo, os rituais e o possível evitamento a objectos ou situações que desencadeiam as obsessões, tornam-se cada vez mais frequentes e repetitivos. Os sujeitos com Perturbação Obsessivo-Compulsiva tendem a hiperestimar a probabilidade da ocorrência de eventos negativos e as consequências nefastas resultantes desses eventos (Salkovskis & Kirk, 1997). Por exemplo, a Anabela bate com a mão na mesa para evitar que um “pensamento mau” se concretize (fusão entre pensamento e acção). Se não o fizer, a Anabela fica muito preocupada, pois receia a concretização dos pensamentos negativos, que a realizarem-se serão culpa sua (“esqueci-me de bater e por isso aconteceu aquilo”), pois tende a responsabilizar-se pela concretização dos tais eventos, receando as possíveis consequências de admitir e assumir essa responsabilidade (sentimentos de culpa, vergonha…). A necessidade da Anabela de ter uma certeza absoluta (de que as situações negativas não vão acontecer) associada ao seu perfeccionismo pode despoletar dúvidas e preocupações excessivas. Como não é possível eliminar todos os riscos e incertezas, as situações podem ser percepcionadas como demasiado perigosas (e, por isso, todos os riscos devem ser evitados) e serem da sua responsabilidade (deveria conseguir controlar os meus pensamentos; se acontecer alguma coisa má, vai ser culpa minha) (Guidano & Liotti, 1983). Assim, através dos rituais (que funcionam como acções preventivas) a Anabela consegue obter algum controle sob as situações temidas.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

189


Joana Rita Carvalho

Intervenção Optou-se por uma intervenção de natureza cognitivo-comportamental, por se tratar de uma abordagem terapêutica empiricamente testada e considerada apropriada para o tratamento da Fobia Social e da Perturbação ObsessivoCompulsiva. A intervenção realizou-se ao longo de 13 sessões e teve como principais objectivos: compreender a ansiedade, reduzir os sintomas físicos da ansiedade; reduzir o medo de ser avaliada; eliminar comportamentos de segurança; desenvolver competências sociais; reduzir a ansiedade em situações sociais específicas; eliminar o evitamento de situações sociais; alterar esquemas relacionados com a necessidade de ser aprovada e de se sentir inadequada ou incompetente. E, ainda, reduzir os pensamentos intrusivos; eliminar compulsões; modificar esquemas de perigo e de responsabilidade; bem como adquirir competências de prevenção de recaída. No sentido de alcançar os objectivos referidos, recorreu-se às seguintes estratégias/intervenções: • Formação psico-educacional Este ponto foi muito importante no processo inicial de intervenção porque a Anabela compreendeu a função adaptativa das respostas da ansiedade e a natureza dos pensamentos intrusivos; aprendeu a reconhecer a sua ansiedade através da identificação de vários sintomas (fisiológicos, cognitivos e comportamentais); e desmistificou-se algumas ideias da Anabela, nomeadamente a de ser um caso único e que a ansiedade não é possível de ser controlada. Explicou-se ainda como iria decorrer o processo terapêutico, tendo-se acordado alguns objectivos. Também se abordou com a mãe outras formas da família e o namorado ajudarem a Anabela a lidar melhor com a sua ansiedade. • Técnicas de relaxamento Utilizou-se o relaxamento muscular progressivo de Jacobson e a respiração diafragmática de forma a Anabela sentir um maior controlo sob as respostas fisiológicas próprias da ansiedade. Ao longo das sessões, a Anabela refere que o relaxamento a faz sentir bastante descontraída e que quando praticado à noite adormece com maior facilidade. Relata também que a respiração diafragmática a ajuda muito, por exemplo quando está prestes a fazer apresentações de trabalhos. • Reestruturação cognitiva Destaca-se algumas técnicas cognitivas utilizadas: descentração e observação do comportamento dos outros (estar atenta a sinais de ansiedade nos outros e como as pessoas em redor reagem a eles); duplo critério (por exemplo, “o que pensarias se uma colega tua se enganasse

190

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso, pp. 177-194

durante a apresentação?”); análise do custo-benefício (“qual é a vantagem de pensar que as coisas vão sempre correr mal?”); examinar a fantasia temida (“o que de pior pode acontecer se te atrapalhares a pedir a ementa?); estabelecer ponto zero nas comparações (“quem é o pior e o melhor aluno da tua turma? Entre eles, entre 0 e 100, onde é que tu estás?); descatastrofiação (“e então?”); questionar a sobrestimação de probabilidades (de acontecer algo negativo e das consequências da ocorrência desse acontecimento) e identificar predições alternativas, recorrendo à análise da evidencia (dados concretos); entre outras…. • Exposição às situações sociais temidas Em conjunto identificou-se todas as situações evitadas pela Anabela, que as classificou hierarquicamente de acordo com o grau de ansiedade que geram, desde as mais suportáveis até às situações mais temidas. A exposição foi feita segundo a ordem estabelecida, em imaginação e ao vivo. Através da exposição repetida (frequente e prolongada no tempo), a Anabela adquiriu o gosto pela realização das actividades temidas: “adoro ir almoçar com os meus colegas à cantina; agora estou sempre a telefonar para o meu namorado”. • Treino de competências sociais Os momentos de role play foram extremamente importantes para o treino de competências sociais (manter contacto ocular, tolerar silêncios, iniciar conversas…). Em vários momentos, a Anabela admirou-se perante a facilidade com que alguns comportamentos poderiam ser executados, sentindo-se muito confiante a experimentá-los fora do contexto de consulta. • Exposição aos pensamentos intrusivos e prevenção da resposta A exposição repetida aos pensamentos intrusivos sem os tentar evitar ou neutralizar através de rituais permitiu à Anabela aperceber-se que é possível tolerar a passagem desses pensamentos e gradualmente acabou por extinguir todas as suas compulsões. • Tarefas para casa Os trabalhos de casa foram uma constante durante todo o processo terapêutico. A título de exemplo, destaca-se a prática das técnicas de relaxamento, o planeamento de actividades de lazer e de convívio social, o preenchimento de uma grelha de registo na qual a Anabela desafiou muitos dos seus pensamentos ansiosos, a elaboração de uma lista de qualidades pessoais com a ajuda das pessoas mais próximas…

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

191


Joana Rita Carvalho

• Revisão De modo a finalizar o processo terapêutico procedeu-se a uma revisão e consolidação das aprendizagens realizadas até ao momento e uma retrospectiva de todo o processo. Avaliação do processo terapêutico A Anabela refere sentir-se “muito feliz” com o que consegue fazer agora (“coisas que antes não conseguia fazer e que nunca pensei conseguir fazer e que agora faço com naturalidade”): falar ao telefone, fazer os pedidos no restaurante/café, ir a sítios novos, pedir informações (numa loja, na rua), fazer coisas importantes (candidatura para a universidade), sair com os amigos, etc… Na última sessão relatou de modo entusiástico a forma como conseguiu reunir e liderar um grupo de aproximadamente 300 pessoas do seu liceu para um concurso entre escolas (tendo sido muito elogiada devido à sua iniciativa e desempenho). Refere que agora não dá grande importância aos “pensamento maus”, pois já não pensa que as coisas vão sempre correr mal. Refere que antes era muito negativa e que agora se sente bem mais descontraída. Também deixou de ler repetidamente as frases dos trabalhos e dos testes, pois conforme se verificou, não era por isso que tinha melhores resultados. Os pais referem que a filha agora consegue fazer coisas de forma independente e que já não tem medo das situações do dia-a-dia. Os colegas acham que a Anabela está muito mais à vontade e que convive com eles. Os professores também notaram que ela está muito mais tranquila nas apresentações e participativa nas aulas. Relativamente à medicação, o processo de desmame está a ser progressivo e orientado pela pedopsiquiatra. Discussão e conclusões A intervenção terapêutica adoptada revelou-se apropriada a este caso clínico concreto. No entanto, são necessários estudos que avaliem o impacto e a prevalência desta comorbilidade específica (Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva), bem como a eficácia deste tipo de intervenções (cognitivo-comportamental) no tratamento conjunto de ambas as perturbações. Referências bibliográficas American Psychiatric Association (2002). DSM-IV-TR Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (4ª ed.). Lisboa: Climepsi Editores. Baldwin, D. S., Brandish, E. K., & Meron, D. (2008). The overlap of obsessive-

192

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Fobia Social e Perturbação Obsessivo-Compulsiva na Adolescência: um Estudo de Caso, pp. 177-194

compulsive disorder and social phobia and its treatment. CNS Spectrums, 13(14), 47-53. Benjamin, R. S., Costello, E. J., & Warren, M. (1990). Anxiety disorders in a pediatric sample. Journal of Anxiety Disorders, 4, 293-316. doi: 10.1016/08876185(90)90027-7 Costello, E., Mustillo, S., Erkanli, A., Keeler, G., & Angold, A. (2003). Prevalence and development of psychiatric disorders in childhood and adolescence. Archives of General Psychiatry, 60, 837-844. doi:10.1001/archpsyc.60.8.837 Guidano, V. F., & Liotti, G. (1983). Cognitive processes and emotional disorders. New York: Guilford Press. Ito, L. M., Roso, M. C., Tiwari, S., Kendall, P. C., & Asbahr, F. R. (2008). Terapia cognitivo-comportamental da fobia social. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30(2), 96-101. doi:10.1590/S1516-44462008000600007 Kagan, J., & Snidrnan, N. (1999). Early childhood predictors of adult anxiety disorders. Biological Psychiatry, 46(11), 1536-41. doi:10.1016/S00063223(99)00137-7 Kashani, J. H., & Orvaschel, H. (1990). A community study of anxiety in children and adolescents. The American Journal of Psychiatry, 147, 313-318. Kendler, K. S., Neale M. C., Kessler R. C., Heath A. C., & Eaves, L. J. (1992). The genetic epidemiology of phobias in women. The interrelationship of agoraphobia, social phobia, situational phobia, and simple phobia. Archives of General Psychiatry, 49(4), 273-81. doi:10.1001/archpsyc.1992.01820040025003 Kovacs, M. & Devlin, B. (1998). Internalizing disorders in childhood. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 39(1), 47-63. doi:10.1017/S0021963097001765 Lewinsohn, P. M., Zinbarg, R., Seeley, J.R., Lewinsohn, M., & Sack, W. H. (1997). Lifetime comorbidity among anxiety disorders and between anxiety disorders and other mental disorders in adolescents. Journal of Anxiety Disorders, 11, 377-94. doi: 10.1016/S0887-6185(97)00017-0 Pollack, M. C. (2001). Comorbidity, neurobiology, and pharmacotherapy of social anxiety disorder. Journal of Clinical Psychiatry, 62(12), 24-9. Rachman, S. (1997). The conditioning theory of fear acquisition: A critical examination. Behaviour Research and Therapy, 15(5), 375-387. doi:10.1016/00057967(77)90041-9 Rubin, K. H., Nelson, L. H., Hastings, P., & Asendorpf, J. (1999). The transaction between parents` perceptions of their children’s shyness and their parenting styles. International Journal of Behavioral Development, 23(4), 937-957. doi: 10.1080/016502599383612 Salkovskis, P. M., & Kirk, J. (1997). Obsessive-compulsive disorder. In D. M. Clark & C. M. Fairburn (Eds.), Science and practice of cognitive behaviour therapy (pp. 179-208). Oxford: Oxford University Press. Salkovskis, P. M., & Kirk, J. (1989). Obsessional disorders. In K. Hawton, P. M. Salkovskis, J. Kirk, & D. M. Clark (Eds.), Cognitive behaviour therapy for psychiatric problems: A practical guide (pp. 179-208). Oxford: Oxford University Press.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

193


Joana Rita Carvalho

Stekettee, G. S. (1993). Treatment of obsessive compulsive disorder. New York: Guilford Press. Wegner, D. M. (1989). White bears and other unwanted thoughts: Suppression, obsession, and the psychology of mental control. New York: Guilford Press.

194

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Crianรงa e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Ensaios e projectos/essays and projects



Programa de Competências Sociais Integradas (CSI) Integrated Social Competences Program Lucinda Correia, Sónia Esteves, Carina Faria, Joana Ramos e Sandra Valdeira

Casa Pia de Lisboa

Contacto para correspondência: cristina.fangueiro@casapia.pt Resumo: A promoção do desenvolvimento de competências pessoais e sociais desde a infância ajuda a prevenir comportamentos de risco. Neste sentido, a Casa Pia de Lisboa, I.P (CPL,IP) desenvolve o programa CSI - Competências Sociais Integradas em contexto de sala de aula (desde o Pré-escolar até aos Cursos Profissionais /Ensino Secundário), em acolhimento residencial, em Centro de Atividades de Tempos Livres (CATL) e em contexto de reabilitação. A aplicação deste programa, ao longo de uma média de vinte sessões por ano é da responsabilidade de professores, psicólogos, técnicos de serviço social, educadores, entre outros técnicos superiores da CPL I.P. A avaliação de resultados deste programa, encontra-se presentemente em desenvolvimento, como forma de garantir a melhoria continua da intervenção desenvolvida.

Introdução O estudo dos problemas de comportamento social, nomeadamente ao nível da intervenção, deslocou-se de uma perspectiva de diminuição dos comportamentos considerados inadequados para outra, mais concentrada em ajudar os indivíduos a desenvolver ao máximo as suas capacidades pessoais e Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

197


Lucinda Correia, Sónia Esteves, Carina Faria, Joana Ramos e Sandra Valdeira

relacionais, através da aquisição de novas competências sociais (Goldstein et al, 1980, 1989; Spence, 1980 cit por Matos et al, 1997). Neste sentido, a Casa Pia de Lisboa, I.P. tem apostado no desenvolvimento de metodologias de intervenção que apelam à participação e envolvimento dos diversos intervenientes no processo socioeducativo através da implementação de programas de promoção de competências pessoais e sociais. São exemplo destas metodologias de trabalho, os programas de Prevenção do Abuso Sexual – PIPAS desde 2003, de Prevenção do Consumo de Substâncias Psicoativas - SPA desde 2006, de Promoção de Competências que permitam realizar escolhas vocacionais mais conscientes, com maior maturidade, tendo em conta o conhecimento de si próprio, do mundo do trabalho e de formas de planeamento vocacional – MIOEP desde 2007, de Prevenção da Violência (PREVIO), de Promoção da Segurança – ESMEAR e de Promoção de uma Alimentação Saudável – Alimentação e (m) movimento desde 2010 entre outros. Em 2011, e como forma de se evoluir para a implementação de um programa único e coeso de desenvolvimento de competências pessoais e sociais, foi elaborada uma proposta no sentido de se articular os programas já existentes, incluindo-se outras temáticas ainda não abrangidas, como por exemplo outros temas da cidadania, nascendo assim um único programa promotor de competências pessoais e sociais a aplicar a todos os educandos. Surgiu assim, o Programa de Competências Sociais Integradas (CSI), com implementação nas respostas educativas e formativas desde 2011 e no acolhimento residencial e no CATL desde 2012. Desta forma, passou a haver uma articulação entre as diferentes metodologias, de modo a ser proporcionada uma metodologia única de formação, de acompanhamento, de monitorização e de avaliação integradora do trabalho desenvolvido neste âmbito das competências pessoais e sociais, já implementado nos Centros de Educação e Desenvolvimento (CED) da CPL, I.P. Neste programa são promovidas competências nos domínios referidos anteriormente, nomeadamente, Educação Sexual, Desenvolvimento Vocacional e outros temas da Cidadania. Destinatários O Programa CSI destina-se a todos os educandos da CPL, I.P. com mais de 4 anos de idade em Acolhimento Residencial (à exceção da Casa de Acolhimento Temporário), em Resposta Educativa e Formativa e de Reabilitação e em Centro de Atividades de Tempos Livres (CATL).

198

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Programa de Competências Sociais Integradas (CSI), pp. 197-200

Metodologia A aplicação do Programa CSI implica momentos de planeamento, de execução e de avaliação por parte dos aplicadores. Como suporte a esta metodologia de intervenção, criou-se um grupo de trabalho designado por grupo de referência CSI, que apoia o trabalho desenvolvido pelos aplicadores. Este grupo de referência CSI assume diferentes funções de acompanhamento, Formação e Avaliação. Grupo de aplicadores O Programa CSI é dinamizado por um par de aplicadores, por cada grupo de educandos. Em ambiente de acolhimento residencial, a equipa responsável pela aplicação do Programa CSI em cada Residência de Acolhimento é constituída por dois elementos – 1 elemento da Equipa Educativa (educador) e 1 elemento da Equipa Técnica, com formação em Psicologia. Em ambiente escola / formação profissional, a equipa responsável pela aplicação do Programa CSI em cada sala/turma/ação, é também composta por dois elementos, um docente e um elemento da Equipa Técnica, sendo que a responsabilidade da dinamização de sessões do domínio de Desenvolvimento Vocacional, dada a natureza dos seus conteúdos, fica a cargo do(a) Psicólogo(a). Temas e Materiais As temáticas desenvolvidas em todos os grupos passam pela educação sexual e pelo desenvolvimento vocacional. As restantes temáticas são desenvolvidas conforme a caracterização do grupo (comportamento, relação e nível emocional), são exemplo delas: prevenção de substâncias psicoativas, alimentação, educação para os media, prevenção da violência, direitos e deveres de um cidadão, entre outras. Para as temáticas de educação sexual, desenvolvimento vocacional e de prevenção de substâncias psicoativas existem um conjunto de manuais e materiais (histórias, música, jogos e dinâmicas). Em relação às outras temáticas existem um conjunto de orientações de forma a objectivar os materiais a selecionar. Número de sessões Tendo em conta o carácter específico de cada intervenção, os planos realizados para a aplicação do programa regem-se de diferentes formas, no que concerne à temática e ao número de sessões. No entanto, a média de sessões por ano é vinte por cada grupo e as temáticas incidem sempre na educação sexual e desenvolvimento vocacional, sendo que os outros temas de cidadania são escolhidos consoante a especificidade do grupo. Avaliação Para o presente ano, a avaliação do Programa CSI corresponde a uma

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

199


Lucinda Correia, Sónia Esteves, Carina Faria, Joana Ramos e Sandra Valdeira

avaliação de processo. Esta avaliação tem como principal objectivo a monitorização por parte do grupo de aplicadores face à sua percepção relativa à execução das sessões, permitindo avaliar o desenvolvimento do programa. A avaliação de impacto está a ser desenhada com colaboração da Universidade Lusíada através da orientação científica da Dr.ª Tânia Gaspar. Referências Bibliográficas Casa Pia de Lisboa, I.P. (2007). A Carta – Um Compromisso para a Ação. Lisboa: Autor. Matos, M., Simões, C., Carvalhosa, S. (2000). Desenvolvimento de Competências de Vida na Prevenção do Desajustamento Social. Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana/Instituto de reinserção Social.

200

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Projecto Refazer: Uma Reflexão da Reprovação a Partir do Olhar do Aluno Project Refazer (Re-Do): A reflection on the failure rates from the student’s point of view

Katia Faissol e Maria Cristina Bastos

Colégio Pedro II – Rio de Janeiro, Brasil

Contacto para correspondência: katiafaissol@gmail.com

Resumo: A preocupação com o fracasso escolar não parece ser atual. Há muito que vem sendo motivo de estudo e investigação. Na tentativa de entendimento da questão, a pedagogia e a psicologia se alternam nas explicações e formas de atuação, tentando dar conta de algo que tanto preocupa o universo escolar. No Colégio Pedro II (Escola Pública Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil), o SESOP (Serviço de Supervisão e Orientação Pedagógica) do Campus Humaitá II (um dos 14 Campi que o Colégio possui no Estado) tem trabalhado a questão, oferecendo aos alunos a participação em um Projeto – REFAZER - criado em 2007, para dirimir um pouco a angústia dos mesmos e de seus familiares diante do fracasso escolar, possibilitando, assim, uma reinserção do aluno no campo do saber. A compreensão do conceito de motivação é fundamental, pois é justamente em suas tênues fronteiras que o jovem irá buscar seu caminho em direção à Educação formal. O Refazer se propõe a incentivar o jovem a buscar subsídios para lidar com a reprovação e restabelecer sua motivação para o enfrentamento dos desafios do ano letivo iniciado. Palavras-chave: Fracasso escolar; motivação; reinserção.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

201


Katia Faissol e Maria Cristina Bastos

Abstract: The worry about academic failure doesn’t seem to be current. It has been the object of study and research for a long time. In the attempt of understanding the case, pedagogy and psychology alternate in the explanation and ways of acting, trying to resolve something that worries so much the academic universe. In Colégio Pedro II (Federal Public School of the State of Rio de Janeiro, Brazil), SESOP (Pedagogic Supervision and Orientation Service) of Campus Humaitá II (one of the 14 campuses that the school has in the State of Rio de Janeiro) have been working in that subject, offering to the students the participation in a project – “REFAZER” (re-do) - , born in 2007, in order to settle a bit the anxieties of them and their relatives, due to the academic failure, enabling, in that way, a re-insertion of the student in the subject of knowledge. The comprehension of the motivation subject is essential, because it is right in its tenuous boundaries that the youth will find its way in direction to the formal education. The Refazer project proposes to encourage the student on finding subsidies to deal with the academic disapproval and restore its motivation on facing the difficulties of the started school year. Keywords: Academic failure; motivation; re-insertion.

Introdução O desempenho escolar, isto é, seu sucesso ou fracasso, tem sido um tema constante na literatura científica e até agora sem uma resolução positiva para a maioria dos casos de baixo desempenho escolar (Rossini e Santos, 2001). Estudos apontam para a questão do desempenho e fracasso escolar como resultado de uma trama de inter-relações que também deve levar em consideração as condições familiares, as características do professor e da escola, as dificuldades de aprendizagem, assim como o contexto social mais amplo (Gatti, Patto, Costa, Kopit & Almeida, 1981). Podemos afirmar que o fracasso escolar é um processo complexo que desafia a todos os envolvidos na educação de crianças e de adolescentes. A internalização de regras, pressões e valores externos é um continuum natural do ser humano em qualquer ação intencional. No fracasso escolar podemos apontar um excesso de desmotivação – ausência de intenção para agir. Nesse momento, há um estremecimento no continuum natural. Assim, a compreensão do conceito de motivação é fundamental para entendermos a complexidade que envolve o fracasso escolar, na medida em que algumas pesquisas apontam para o caráter adaptativo de ambos os tipos de motivação (intrínseca e extrínseca), o que, em última análise, indica uma relação complementar entre elas (Martinelli e Genari, 2009).

202

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Projecto Refazer: Uma Reflexão da Reprovação a Partir do Olhar do Aluno, pp. 201-210

Para buscarmos os possíveis vieses que determinam o fracasso ou sucesso escolar, utilizamos como alicerce pesquisas neurocientíficas, tais como a Teoria da Autodeterminação (TAD), que indica que a motivação pode ter duas orientações: intrínseca e extrínseca (Simões e Alarcão 2001). Por motivação intrínseca compreendemos o interesse em si, tanto na aprendizagem como no conhecimento (curiosidade, preferência,...). O aprendiz cria, a partir dessa aprendizagem e conhecimento, estratégias de compensações pessoais (Martinelli e Genari, 2009). A motivação extrínseca (que apresenta quatro etapas distintas: a regulação essencialmente externa; a regulação introjetada; a regulação identificada e a regulação integrada) é caracterizada quando o aprendiz, em seu processo de aquisição de conhecimento formal, age visando às possíveis consequências que daí podem advir – punições, recompensas, etc. (Bzuneck et al, 2007). Outro viés possível na investigação sobre desempenho escolar é o da autoregulação. A ideia de auto-regulação pressupõe uma autonomia do aprendiz no processo de auto-monitoramento interno e externo. Isso significa que os pais e a escola podem gerar bastante influência neste tipo de mecanismo para a aprendizagem. A auto-regulação da aprendizagem pode ser definida como qualquer pensamento, sentimento ou ação criada e orientada pelos próprios alunos para a realização dos seus objetivos (Zimmerman, 2000). Outra maneira de conceituar a auto-regulação é como, “as capacidades do sujeito para gerir ele próprio seus projetos, seus progressos, suas estratégias diante das tarefas e obstáculos” (Perrenaud, 1999). Segundo Freire (2009) seria necessário à escola, na atualidade, uma mudança de paradigma, incluindo no processo educacional não apenas conteúdos formais, mas também estratégias de aprendizagem que gerem a auto-regulação do aluno, como o controle do processo cognitivo, a motivação e a metacognição. Portanto, seria papel da escola uma atualização do “mundo” (ideia de globalização) para que a aprendizagem seja parte de um processo maior e coerente com a realidade atual. Estudos têm demonstrado que os alunos que dominam os processos de aprendizagem através de um maior controle das motivações e dos aspectos cognitivos e contextuais são mais auto-regulados, e obtêm melhores resultados acadêmicos (Silva et al., 2004; Duarte, 2002; Simão, 2002). Neste sentindo, o “fluxo” (flow), conceito criado por Csikszentmihalyi (1990), pode ser útil para uma melhor compreensão da motivação intrínseca e da auto-regulação. Este autor denomina de “fluxo” o estado de interesse pelo conhecimento realizado pelas pessoas, ou seja, um estado de atenção sem esforço. As pessoas que experimentaram o fluxo o descreveram como um estado de concentração tão profundo que se esquecem de si mesmas, do tempo e de seus problemas. A esta experiência, Csikszentmihalyi (1990) chamou de “experiência ótima”. Este “estado” ou “experiência” incluem o trabalho cognitivo/intelectual, artístico, atividade física, esporte, assim como qualquer tarefa ou atividade que

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

203


Katia Faissol e Maria Cristina Bastos

tenha um esforço deliberado da atenção e concentração na tarefa. Isto significa que quando se entra no “fluxo” não é necessário empenho do autocontrole, liberando este esforço para a atividade em questão e desta forma tornando-a mais prazerosa (Kahneman, 2011). A partir do conhecimento sobre a cognição humana, se o processo educacional consegue levar o aluno a um nível de consciência de seus processos cognitivos permitindo-o a este tipo de “experiência ótima”, todos os envolvidos na educação (a sociedade como um todo) só tem a ganhar. Dentro dessa perspectiva, nosso projeto escolar propõe uma reflexão junto ao aluno e à sua família, sobre o processo da reprovação e do fracasso escolar levando em consideração os conceitos da TAD (motivação intrínseca e extrínseca), auto-regulação e fluxo. O Projeto REFAZER O Projeto Refazer foi pensado e estruturado a partir da preocupação dos profissionais do Serviço de Supervisão e de Orientação Pedagógica (SESOP) do Colégio Pedro II, Campus Humaitá II (Escola Pública Federal, situada no Rio de Janeiro, Brasil), por possuir no seu Estatuto, o instituto da jubilação, no qual se estabelece que: o aluno não pode fazer uma mesma série mais de duas vezes consecutivas. Caso isso ocorra, o aprendiz terá que sair do Colégio. Nesse contexto, é natural que, para não perderem suas vagas, os alunos passem o ano letivo que estão refazendo, com um sentimento de fracasso, além de muito angustiados com a grande responsabilidade que lhes é imposta. Essa angústia, muitas vezes, dificulta a inserção nessa nova realidade que lhes é apresentada. O Refazer é um projeto que se propõe a trabalhar com os alunos que estão refazendo a série do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, a fim de que eles possam melhor refazê-la. Assim, o alto índice de reprovação foi um fator determinante para o SESOP pensar esse Projeto que funciona desde 2007. Ele é desenvolvido no primeiro trimestre do ano letivo, em aproximadamente dez encontros, no turno oposto ao turno de estudo do aprendiz. Em cada encontro, é realizada uma técnica de dinâmica de grupo, tendo sempre como objetivo maior o trabalho para o restabelecimento da motivação, o aumento da auto-estima dos alunos, em suma, o restabelecimento do “fluxo” (flow) como nos fala Csikszentmihalyi. Para tentarmos conseguir o tipo de “experiência ótima” são propostas algumas dinâmicas de grupo para facilitar uma reconstrução do percurso acadêmico do jovem. O REFAZER é desenvolvido com repetentes do 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental e das 1º e 2º séries do Ensino Médio do Colégio Pedro II, Campus Humaitá II. Para a realização do Projeto e, considerando os diferentes interesses dos jovens em função da larga faixa etária que varia entre 12 e 18 anos, os alunos são divididos em três grupos distintos: grupo 1 – 6º ano; grupo 2 - 7º e 8º anos;

204

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Projecto Refazer: Uma Reflexão da Reprovação a Partir do Olhar do Aluno, pp. 201-210

grupo 3 - 9º ano, 1ª e 2ª séries do Ensino Médio. O critério estabelecido para participar do Refazer é a disponibilidade dos alunos em comparecerem ao Colégio no turno oposto ao qual estudam e a autorização de suas famílias para participarem do Projeto. Nosso grupo é composto por adolescentes e podemos considerar a adolescência como uma etapa importante e vulnerável do desenvolvimento humano, que envolve um complexo processo caracterizado pela passagem da criança de seu mundo infantil para o mundo adulto. Essa passagem se estende por quase dez anos. Assim, estamos lidando com “(u)m indivíduo com o corpo na puberdade e a mente descobrindo o pensamento – este é o adolescente. Nessa idade, duas coisas acontecem simultaneamente e ocupam quase todo o espaço psíquico: a descoberta da capacidade de pensar e a sexualidade, focalizada nos genitais.” (Gherpelli , MB , 1996:62) . O projeto REFAZER tem como objetivo geral minimizar o sentimento de fracasso que uma reprovação pode trazer ao aluno. Os objetivos específicos, não menos importantes para nosso projeto, são: despertar a motivação dos jovens; dar condições, através de reflexões, para que o adolescente reconquiste sua autoestima; fomentar a autoconfiança do aluno para o enfrentamento de sua nova situação; fazer com que cada aluno reflita, individualmente, sobre as consequências de suas escolhas. Isso favorece, assim, o (re)surgimento do interesse acadêmico do aprendiz, dando-lhe condições de ir além das possíveis adversidades por eles encontradas neste contexto. Em última análise, nossa meta final é despertar no jovem o comportamento de estado de “atenção sem esforço”, possibilitando o surgimento da fluidez no complexo processo de ensino-aprendizagem. O desempenho e o fracasso escolar estão intrinsecamente relacionados aos contextos nos quais o aprendiz está inserido. Dentre eles o REFAZER elegeu como parceiro de trabalho as famílias, pois as consideramos como a instituição de transmissão da cultura na qual o adolescente está inserido desde a tenra idade, sendo assim, o local onde foram estabelecidos os mais antigos dos laços humanos - laços familiares. Logo, a família é convidada a participar do Projeto através de reuniões mensais com a equipe, vivenciando algumas dinâmicas de grupo das quais seus filhos participaram. Ao final de cada reunião, com aquiescência dos alunos, fazemos um pareamento com o que emergiu nos encontros dos jovens, para mostrar-lhes os pontos de interseção entre as fantasias e buscarmos minimizar o impacto desse ano atípico, buscando possíveis soluções. O projeto apresenta aos alunos e às suas famílias sugestões para possíveis reflexões sobre o processo da reprovação para que possam, dessa forma, elaborálo, favorecendo a semeadura de um novo ano letivo. Essa semeadura estará vinculada sempre à disponibilidade tantos dos jovens como de suas famílias de percorrerem um novo caminho com um novo olhar, sem, contudo, deixar de considerar o velho caminho e o velho olhar. Em referência a um dos instrumentos por nós utilizado, o texto literário, um fragmento do belo texto de Ana Maria Machado que ilustra as barreiras a serem transpostas por nossos alunos, nesse

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

205


Katia Faissol e Maria Cristina Bastos

ano absolutamente atípico, considerando a realidade de nossa Instituição, em seu texto “No Meio do Caminho”: “No meio do meu caminho tem coisa que não gosto Cerca, muro, grade tem No meio do seu, aposto, tem muita pedra também Pedra? Ou ovo?” Fim do caminho? Ou caminho novo?” Com a atenção voltada para a percepção dos diferentes caminhos que a vida lhes apresenta, juntos o adolescente, a escola e a família buscam possibilidades singulares para que o jovem compreenda e atravesse esse momento turbulento de sua vida acadêmica. Assim, o Projeto Refazer utiliza, no seu desenvolvimento, como recurso nas dinâmicas de grupo a linguagem artística – poesia, desenho, música, vídeos, entre outros. Assim, o Projeto Refazer busca reascender junto aos alunos a motivação necessária ao processo ensino-aprendizagem, a partir do desenvolvimento de pensamento crítico e reflexivo acerca dos aspectos que julgaram importante na determinação de sua reprovação, favorecendo dessa forma a possibilidade de uma nova leitura, por parte do jovem e de sua família, da vida acadêmica. Metodologia A metodologia empregada no Projeto Refazer é qualitativa, tendo sido utilizadas dinâmicas de grupo tanto para os alunos como para seus pais/ responsáveis. A partir das discussões daí originadas, o objetivo era propiciarlhes reflexões sobre a nova realidade que estavam experienciando. As dinâmicas de grupo escolhidas a fazerem parte do Refazer consideravam a possibilidade dos participantes expressarem seus sentimentos de fracasso e de angústia e vislumbrarem caminhos a serem percorridos para o restabelecimento do “fluxo”, e consequentemente da motivação intrínseca. Resultados e Discussão Ao longo dos anos a reprovação vem sendo motivo de preocupação e estudos, pois ela não é apenas um fator escolar, mas também um fator sociológico, que modifica a realidade da escola e dos que nela transitam.

206

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Projecto Refazer: Uma Reflexão da Reprovação a Partir do Olhar do Aluno, pp. 201-210

O IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2011 apresentou resultados que indicam que o Brasil atingiu as metas estabelecidas em todas as etapas do ensino básico (anos iniciais e finais do ensino fundamental e do ensino médio). Isso demonstra a grande preocupação, não só com a evasão escolar como com o aumento que a reprovação vinha tendo ao longo dos anos e a implementação de políticas para dirimir essa problemática. No universo do Colégio Pedro II isso não é diferente e, pensando nos índices apresentados no Campus Humaitá II (que abrange os anos finais do ensino fundamental e ensino médio, com aproximadamente 1.500 alunos), um grupo de psicólogas lotadas no Serviço de Supervisão e de Orientação Pedagógica (SESOP) da Instituição iniciou o Projeto Refazer como tentativa de diminuir esse número crescente de reprovação, possibilitando um novo olhar sobre a questão. A concepção semântica do termo reprovação está aliada à rejeição, condenação, incapacidade, em uma abordagem complexa e muito delicada, que nega um ideal de sucesso, angustiando todos os envolvidos no processo. Como o Projeto visa minimizar esse sentimento de fracasso, aumentando a autoestima, possibilita, assim, o restabelecimento do “fluxo” e da motivação intrínseca. Tabela 1. Quantitativo de alunos reprovados no Colégio Pedro II – Campus Humaitá II Alunos Reprovados

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Ensino Fundamental

132

106

97

144

83

170

Ensino Médio

88

83

91

102

123

63

TOTAL

220

189

188

246

206

233

As tabelas apresentadas mostram o quantitativo de alunos reprovados por segmento (tabela 1) e o número de alunos participantes do REFAZER (tabela 2), de 2007 a 2011, período em que o Projeto vem sendo desenvolvido. Em 2012 o Projeto não foi realizado, em função de uma greve prolongada. Tabela 2. Quantitativo de alunos participantes do projecto Alunos participantes

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Ensino Fundamental

40

30

35

30

20

*

Ensino Médio

20

15

10

15

10

*

TOTAL

60

45

45

45

30

* Por questão de greve, não houve Projeto no ano letivo de 2012. Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

207


Katia Faissol e Maria Cristina Bastos

Pudemos verificar que o índice de aprovação dos alunos participantes do projeto foi de 80% em relação àqueles que não participaram, levando em consideração um universo de 1.500 alunos. No ano letivo seguinte à sua aprovação, com o restabelecimento da motivação e o aumento da autoestima, esses alunos obtiveram um resultado acadêmico satisfatório, tendo sido aprovados por mérito. Reflexão Final Ao longo desses sete anos de desenvolvimento do Projeto atendemos 225 alunos. Todos, sem exceção, no início do ano letivo, apresentavam as mesmas características em relação à sua situação escolar, ou seja, um sentimento de fracasso, e com esse, uma grande desmotivação em relação à continuidade de sua vida acadêmica. Dessa forma, com a premência em resgatar o continuum natural necessário em qualquer ação intencional do Homem - na medida em que, nesse continuum estão contidas as internalizações de regras, de pressões e de valores externos -, buscamos trabalhar o restabelecimento tanto da motivação intrínseca como da extrínseca. Com o projeto Refazer procurou-se dar condições aos alunos e suas famílias de se posicionarem criticamente a respeito do risco que corriam: perder o Colégio. Dentro da realidade escolar brasileira isso significa uma grande perda, pois nossa instituição é considerada de excelência e uma exceção no cenário educacional brasileiro, tendo como peculiaridade o fato de ser a única Instituição, em Território Nacional, que oferece Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, sem estar vinculada a nenhuma Universidade e sem oferecer Educação voltada, até então, para a área técnica. Mantem-se desde sua fundação, no século XIX, na vanguarda da educação brasileira mostrando, além de inovações, qualidade no oferecimento de educação pública, por vezes, tão desacreditada. Assim, pudemos constatar, através das dinâmicas apresentadas tanto para nossos alunos como para suas famílias, que fizeram a reflexão crítica que foi realizada pelos dois lados da ponta que trabalhamos – alunos/família – comprometendo todos os envolvidos, como forma de trabalho integrado. Trabalhar para restabelecer a autoestima e a motivação intrínseca exige uma primeira reflexão acerca das razões que levaram a sua perda ou à sua diminuição. Diversos são os fatores, no mundo tecnológico de hoje, que desviam a atenção e a concentração dos aprendizes. Fazê-los pensar sobre seus objetivos e suas prioridades pode ser um início para a compreensão da premência de uma mudança interna. As dinâmicas de grupo utilizadas como forma lúdica de reflexão são estratégias para se trabalhar questões tais como: sentimentos vivenciados pelos alunos e suas famílias quanto à reprovação; hábitos e atitudes relacionados à vida acadêmica; prospecções para o ano letivo corrente, entre outras. Isso propicia um trabalho com vistas ao restabelecimento do “continuum natural”, fazendo gerar

208

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Projecto Refazer: Uma Reflexão da Reprovação a Partir do Olhar do Aluno, pp. 201-210

no aprendiz a auto-regulação como forma de melhor aprender. Trabalhar para que a motivação intrínseca possa ser restabelecida é trabalho árduo e exige uma parceria da tríade aluno-escola-família. Em nossa experiência, podemos constatar que quanto maior é o envolvimento da família no Projeto, melhores são os resultados obtidos ao seu final.

Referências Bzuneck, J.A., Guimarães, S.E.R. in Estilos de Professores na Promoção da Motivação Intrínseca: Reformulação e Validaçãode Instrumento1. Disponível in http://www.scielo.br/pdf/ptp/v23n4/07.pdf acesso em 15/03/2013. Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: the psychology of optimal experience. Nova York: Harper. Freire, L. Auto-regulação da aprendizagem. Ciênc. cogn. [online]. 2009, vol.14, n.2 [citado 2013-06-12], pp. 276-286. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180658212009000200019&lng=pt&nrm=i so. ISSN 1806-5821. Gatti, B., Patto, M. H. S., Costa, M. L., Kopit, M., & Almeida, R. M. (1981). A reprovação na 1a série do 1o grau: um estudo de caso. Cadernos de Pesquisa, 38, 3-13. Gherpelli, M. B. V. A Educação Preventiva em Sexualidade na Adolescência. São Paulo: FDT, 1996. Kahneman, D. (2012). Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva. Machado, A.M. (2006). Abrindo Caminho. Rio de Janeiro: Ática. Martinelli, S.C., GENARI, C.H.M. in Relações entre desempenho escolar e orientações motivacionais. Disponível in www.scielo.br/pdf/epsic/v14n1/ a03v14n1.pdf acesso em 15/03/2013. Perrenoud, P. (1999). Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed. Pocinho, M.M.F.D., in Psicologia, cognição e sucesso escolar: concepção e validação dum programa de estratégias de aprendizagem, disponível in http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010279722010000200019&ang= pt&tlng= acesso em 31/10/2012. Silva, A.; Duarte, A.; Sá, I. E Simão, A. (2004). Aprendizagem auto-regulada pelo estudante: perspectivas psicológicas e educacionais. (pp. 11-39). Porto: Porto Editor. Rossini, S. D. R., & Santos, A. A. A. (2001). Fracasso escolar: estudo documental de encaminhamentos. In F. F. Sisto, E. Boruchovitch, L. D. T. Fini, R. P. Brenelli & S. C. Martinelli (Orgs.), Dificuldades de aprendizagem no contexto psicopedagógico (pp. 214-235). Petrópolis: Vozes. Simões, F. e Alarcão M, in Avaliação da motivação intrínseca na aprendizagem: validação de duas escalas para crianças e adolescentes, disponível in http://

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

209


Katia Faissol e Maria Cristina Bastos

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141382712011000300003&lang= pt&tlng= acesso em 31/10/2012. Zimmerman, B. (2000). Attaining self-regulation: a social cognitive perspective. Em: M. Boekaerts; P. Pintrich e M. Zeidner (eds.). Handbook of Self-Regulation (1339). New York: Academic Press. http://www.portaleducacao.com.br/pedagogia/artigos/33605/reprovacao-na -educacao-brasileira-a-visao-por-parte-de-docentes-e-discentes#ixzz2djtF88sQ

210

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


O desenvolvimento cognitivo e tomada de decisão das pessoas surdocegas Cognitive development and decision making in blind-deaf people António Rebelo

Universidade Lusíada de Lisboa

Contacto para Correspondência: rebelo.a@mail.telepac.pt

Resumo: No essencial, uma decisão é uma escolha entre possibilidades. Envolve a disponibilidade para a avaliação da ocorrência de acções e a decisão a tomar. Esta ocorre quando alguém tem necessidade de a tomar para satisfazer um desejo. Intuitivamente, uma boa decisão é a que escolhe o melhor caminho de entre os disponíveis em face da incerteza sobre as consequências. Se atentarmos na capacidade sensorial e linguística das pessoas surdocegas, podemos interrogar sobre a capacidade e a possibilidade de avaliação de situações sobre as quais é necessário tomar decisões. Toda a frase que ouvimos ou lemos é composta por muitas informações diversas de entre sons ou letras, sílabas e palavras. Todas estas peças se interligam como um puzzle em que os diferentes componentes contribuem para o entendimento final da frase. Pensemos então como evolui este processo nas pessoas que não ouvem os sons nem vêem as letras para poderem organizalos em palavras, depois em proposições, pensar sobre esses conceitos, decidir a acção, interagir com os elementos do grupo social e avaliar a consequência. Palavras-chave: surdocegueira.

comunicação

linguística;

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

conceitos;

interacção;

211


António Rebelo

Abstract: In its essence, a decision is a choice among possibilities. It involves the disposition to evaluate actions and the decision to make. This occurs when someone has the need to fulfill a desire. Intuitively, a good decision is the best choice among uncertainty and consequences. If we consider the sensorial ability and language in blind-deaf people, we may question the possibility and ability to evaluate situations where decisions must be made. A sentence we hear or read offers different information between sounds, letters, syllables and words. All these parts are connected like a puzzle where each component contributes to the final understanding of its message. Let us think on how this process evolves in people who cannot hear sounds or see letters in order to organize words, propositions, concepts, decide action, interact in a social environment and evaluate consequences. Key-words: linguistic communication; concepts; interaction; deaf-blindness. Introdução A criança surdocega nasce privada de audição e da visão e, por consequência, limitada na comunicação receptiva que por sua vez influencia a comunicação expressiva. O facto de a criança não ouvir e não ver ou quando ouve algum som, não ter a capacidade de discriminação sonora que lhe possibilita a compreensão, dificulta a comunicação receptiva. Por outro lado a criança surdocega congénita usa como comunicação receptiva e expressiva a língua gestual o que lhe facilita a compreensão das mensagens e das interacções com as famílias, grupo de pares e grupo social. A relação de “bonding” e de “attachement” que se desenvolve entre os pais ouvintes que têm um filho surdocego e que utilizam com ele língua oral e os que usam a língua gestual tem resultados diferentes: nos primeiros a relação é de solilóquio enquanto nos segundos é de interacção. Também o desenvolvimento da interacção linguística tem relação diferente em cada um dos grupos referidos: os que utilizam a língua gestual desenvolvem a comunicação linguística em todas as valências - sintaxe, morfologia e semântica - enquanto as crianças que utilizam a língua oral não têm essa possibilidade (Rebelo, 2011). O desenvolvimento cognitivo é um processo dinâmico que se desenvolve desde o nascimento até à maturidade: - os conceitos que se desenvolvem ao nível da percepção, os de acção que se situam ao nível sensório-motor e que designamos por “abstracção empírica” e o conceito de “operação” que resulta da construção conceptual, “abstracção reflexiva” - ajudam o indivíduo a obter uma rede conceptual de estruturas coerentes (Rebelo, 2011). O conhecimento sensório-motor manifesta-se por acções, enquanto o conhecimento conceptual se exprime através de símbolos. Pela impossibilidade de ouvir e ver ou pela impossibilidade de entender o pouco que possa ouvir,

212

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


O desenvolvimento cognitivo e tomada de decisão das pessoas surdocegas, pp. 211-221

a língua gestual táctil é o motor da formação de símbolos indispensáveis ao desenvolvimento cognitivo da criança surdocega. Considerando a teoria etológica de Bowlby, as crianças surdocegas em que os pais comunicam com língua gestual táctil desde o berço desenvolvem uma forte relação afectiva com os pares e o meio social em que a comunicação é biunívoca e a relação de “attachement” desenvolve-se com laços afectivos mais fortes; se tivermos presente o maturacionismo de Gessel, a diferença coloca-se através da metodologia linguística: as crianças cujos pais utilizam língua gestual com todas as valências que a utilização de uma língua implica - semântica, sintaxe, morfologia - desenvolvem uma língua e não apenas comunicação através da associação simples de nome – objecto; a explicação “behaviorista” de Skinner em que o conceito de condicionamento pela acção operante do sujeito se fundamenta no “estímulo - resposta comportamental” e, também, a teoria sobre a importância das experiências diversificadas do meio em que o indivíduo se insere e que constituem a base da aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo, as crianças surdocegas privadas da língua gestual táctil, interpretam os estímulos exteriores de maneira “sui generis” porque não compreendem a razão imediata do estímulo ou não compreendem a sua finalidade; a perspectiva psicossocial de Wallon não se limita ao estudo da génese da cognição, mas pretende englobar o desenvolvimento da criança numa perspectiva que integra, também, os aspectos cognitivos e sociais da personalidade que, para este autor, são indissociáveis; a psicologia construtivista de Piaget interessa-se por acompanhar a origem e a construção gradual do conhecimento sustentada nas trocas dialécticas entre o indivíduo e o meio de inserção, num desenvolvimento progressivo, em que a base de conhecimentos anteriores prepara os conhecimentos futuros e estão na origem da abstracção reflexiva. As crianças surdocegas que utilizam a língua gestual tactil revelam melhor aproveitamento da maturação e consequentemente do melhor desenvolvimento das estruturas cognitivas, consequência da melhor integração nos grupos familiar, de pares e social proporcionando-lhe experiências que facilitam a acomodação e a assimilação de novos conceitos. A criança surdocega: Comunicação linguística e locus social O impacto da surdocegueira de um bebé na sua primeira socialização com os pais ouvintes não se limita à importância relativa da vocalização ou toque maternos como instrumentos para acalmar um recém-nascido inquieto. Os pais ouvintes de crianças ouvintes passam muito tempo a apreciar as variadas reacções do bebé às vocalizações de adultos. Quando o bebé é surdocego, essas interacções são diferentes e dependem da ligação das vocalizações paternas a comportamentos não vocais. Eles não se orientam pelo som da voz da mãe, nem se aquietam ao som da sua aproximação. À medida que os meses passam, os pais ouvintes apercebem-se que o comportamento do seu bebé se desvia cada vez

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

213


António Rebelo

mais daquilo que é considerado normal. Porém, as estratégias de interacção social resultantes e adquiridas pelas crianças podem ser relativamente idiossincráticas e limitadas na sua capacidade de generalização a pessoas fora do núcleo familiar. Em geral, a natureza da interacção familiar é, provavelmente, até mais importante para as crianças surdocegas do que para os seus pares ouvintes porque a família representa uma parte muito maior da sua experiência social. Esta situação coloca a família num papel muito mais central no que respeita a modelos sociais para a criança. Porém, a identificação e os modelos dependem muito das avaliações que a criança faz das semelhanças com os modelos e o feedback sobre essa semelhança, como refere van Dijk, (1999). “ …o que os educadores de crianças surdocegas sentem através dos movimento co-ativos é um aspecto essencial na relação com a criança. Ao fazer as coisas em conjunto, seguindo os seus movimentos com cuidado, e tocar os músculos dos seus membros para descobrir o tonos ​​muscular da criança, apercebe-se se o enrijecimento foi positivo ou se indicou um desejo de se retirar, dando a entender ao educador o seu estado emocional .” A afeição psicológica não é algo que possa ser visto mas que é deduzido de comportamentos específicos da criança. As crianças surdocegas não têm a possibilidade de estabelecer contacto vocal mas enriquecem a sua interacção através do contacto gestual. Têm menor tendência do que as crianças ouvintes a receber explicações dos pais no que se refere às emoções, razões das acções, papéis esperados e consequências de vários comportamentos. Podemos salientar que o verdadeiro educador da criança surdocega é a pessoa que é capaz de compartilhar esse mundo e que consegue pôr de lado o mundo da audição e da visão em que se está a viver. Comunicar significa trocar ideias, sentimentos e experiências entre pessoas. É um complexo sistema simbólico constituído por sinais verbais, sinais escritos e sinais não-verbais. Ao considerar o desenvolvimento de crianças surdas, Schlesinger (1978, 160) sugeriu que: “Durante a fase de ligação afectiva da infância, a comunicação entre a mãe e a criança (ouvinte) ocorre primeiramente através de meios não verbais como a qualidade da voz, o toque e o sorriso”. A afirmação salienta o contraste dos primeiros aspectos da ligação afectiva nas crianças surdas com a sua componente mais sofisticada da comunicação linguística. Porém, ao mesmo tempo, a discussão anterior indica que a vocalização materna pode desempenhar um papel mais amplo na primeira fase do desenvolvimento do que poderiamos ter imaginado. A comunicação pode ser silenciosa (gestos, roupas), mas é sempre intencional, isto é, passamos sempre uma mensagem - Não podemos não comunicar, como refere Paul Watzlawick (1993, 44/45): “...Ora, se está aceite que todo o comportamento, numa situação interaccional, tem valor de mensagem, isto é, é comunicação, segue-se que, por muito que o indivíduo se esforce, é-lhe impossível não comunicar”

214

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


O desenvolvimento cognitivo e tomada de decisão das pessoas surdocegas, pp. 211-221

A importância crescente do conceito de comunicação e da consequente proliferação de estudos neste domínio assentam na natureza intrínseca ao ser humano, através da qual sente necessidade de estabelecer trocas comunicativas que possibilitem um desenvolvimento global harmonioso. A comunicação é uma necessidade do ser humano e este é, essencialmente, um ser comunicativo. É um processo interactivo de carácter recíproco em que os parceiros partilham entre si a forma ou o modo de comunicação, o tópico ou assunto da comunicação e o contexto onde se estabelece. Além de ter um fim determinado, a comunicação exige uma troca de papéis, alternada e sucessiva em que um dos parceiros toma o lugar de emissor e dá a deixa ao receptor para que este tome a vez. O ser humano está desde o seu nascimento pronto a adquirir uma linguagem (Chomsky 1982) e esta não vai ser uma linguagem qualquer, mas aquela que a criança vai poder constituir a partir da sua experiência, isto é, a partir do meio ambiente em que está imerso. Desde que a criança nasce é um ser portador de um equipamento básico que lhe fornece a característica socializante que lhe é inerente através da aptidão para estabelecer trocas comunicativas (Brunner 1988). Independentemente da sua origem, esperar-se-ia que as diferenças na participação e direcção maternas nas interacções influenciassem o desenvolvimento de estilos cognitivos reflexivos (versus impulsivos) e de locus internos (versus externos) de controlo. Assim, o estabelecimento de um sistema de comunicação mãe-filho eficaz e recíproco deveria ajudar não só a promover uma ligação afectiva segura, mas também a facilitar o desenvolvimento social futuro, tornando a mãe mais “disponível” para a criança e proporcionando a transmissão explícita de informação social. É através da interacção com a mãe que se inicia o despertar da criança para a comunicação. As primeiras fases de ligação afectiva ocorrem durante a primeira infância e são indicadas simplesmente pela reacção selectiva do bebé a um ou dois adultos significativos. As interacções mãe-bebé permitiram reconhecer desde os primeiros tempos as competências comunicativas que o bebé demonstra desde o nascimento aparecendo as necessidades de troca e comunicação como aspectos tão importantes como a própria alimentação. Nesse sentido, Bouvet (1996, 63) diz: “ Na sua preocupação de responder às necessidades comunicativas da sua criança, a mãe sabe falar-lhe de modo adaptado às suas possibilidades (...). A situação de comunicação tem um grande papel nesta troca (...). É na dimensão pragmática e discursiva que a mãe adapta a sua linguagem levando de algum modo a criança a compreender com os olhos”. É no contexto de uma situação de troca, isto é, no contexto de toda a interacção estabelecida com a mãe, que a criança desenvolve toda esta competência comunicativa. Desde o primeiro ano de vida do bebé são estabelecidas desde muito cedo trocas comunicativas para as quais não é necessariamente obrigatório o uso de linguagem apenas; parece-nos, então, permitido afirmar que estas formas de comunicação são básicas face ao estabelecimento de interacções comunicativas. De facto, esta ideia está bem patente em D. Hynes (1972; cit. in Bouvet, 1996, 116): “ Na multiplicidade de canais aos quais ela recorre para compreender

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

215


António Rebelo

e se fazer compreender descobre-se que a criança desenvolve muito antes de falar toda uma competência comunicativa A relação comunicativa é a porta de entrada para o mundo social e, para entrar neste, é necessário desenvolver conceitos que facilitarão a partilha com os elementos do grupo interactivo. Uma criança surdocega terá dificuldades para poder desenvolver ideias precisas sobre o mundo a menos que tenha, pelo menos, uma relação confiável, significativa e importante que sirva de centro de partida para explorar o mundo em círculos cada vez maiores. O processo de desenvolver conceitos é uma aventura compartida entre a criança e os companheiros de comunicação. Implica a criação conjunta de significados entre ela e os seus companheiros de forma conjunta (Nafstad & Rodbroe, 1999). Procuremos desenvolver capacidades de conversação hábil e de atenção apoiadas em conceitos significativos e de partilha de interesses e sentimentos como elementos base da interacção e das relações interpessoais. As crianças surdocegas necessitam de interlocutores de conversação que entendam bem o meio comunicativo em que a maioria das vezes é de movimento e tacto. Terá o retorno dos sentimentos da criança e dos seus esforços de comunicação de modo que a criança saiba que foi entendida. A base do desenvolvimento de conceitos é ter momentos incontáveis de conversação significativa (Miles & Riggio, 1999). Ao partilhar um sentimento, um movimento, um som, um ritmo ou uma actividade a criança deverá estar ciente que esse interesse é partilhado por ambos os intervenientes. O interesse comum partilhado várias vezes converte-se na base para o desenvolvimento de conceitos e de linguagem. Os sons e os ritmos podem ser convertidos em objectos de interesse e, frequentemente, partilha-los é a melhor maneira de por em comum sentimentos que ajudarão a criança a desenvolver um conceito mais forte de si mesma (Miles, 1999). Quando nos apercebemos que a criança está contente, criamos um gesto para expressar esse sentimento; ou criamos um outro para designar um objeto em que estamos a tocar; ou ainda para identificar emoções para ser capaz de exprimir os sentimentos de tristeza, frustração, alegria. O uso de vocabulário preciso bem como a sincronização de acção entre ambos são essenciais no desenvolvimento do uso de uma linguagem simples mas útil devendo utilizar formas simples que a criança diria se pudesse falar (Riggio, 1999). A memória e o desenvolvimento dos conceitos são inseparáveis pelo que se torna importante para a criança surdocega exercitar a memória com conversações sobre as experiências comuns. Um simples gesto pode designar a intenção de comunicar algo. Se considerarmos os movimentos ou vocalizações de uma criança surdocega como intenção comunicativa e lhe prestarmos a nossa atenção, estaremos a dar-lhe oportunidade de expressar sempre o que deseja. Ajuda-a a criar significados, a desenvolver conceitos e a aprender sobre as experiências do mundo (Kristeesen & Larsen, 2004). A melhor maneira de facilitar o acesso ao ambiente é fornecer à criança a informação que ela, devido à dupla deficiência sensorial, não tem sobre os

216

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


O desenvolvimento cognitivo e tomada de decisão das pessoas surdocegas, pp. 211-221

objectos. Seja através do toque nos objectos ou da língua gestual na palma da mão, a interpretação da informação visual e a transmissão dessa informação acidental e adicional de qualquer situação e objectos será o mais fiel possível para proporcionar a construção exacta de conceitos (Smith, 1994). Atribuir significado à interacção social Mesmo antes de nascer, o bebé já é considerado pelos familiares um elemento com o qual se estabelecem relações sociais, sendo a qualidade destas uma das responsáveis pelo seu desenvolvimento global. Nesta tentativa de inserção da criança surdocega no mundo social, temos de a capacitar a desenvolver habilidades de atenção a estímulos sensoriais e determinar o seu significado. Uma relação entre as suas capacidades e o domínio do meio, ajudamna a adaptar-se a novas situações e, apesar de não se poder falar de linguagem antes dos dois anos, ela é produto do desenvolvimento cognitivo, baseado em funções sensório-motoras de espaço, tempo e construção de permanência de objecto. Ao tentar nomear objectos familiares, quando os vê novamente, a criança está a desenvolver a capacidade de representação, Piaget (1973). Aimard (1986) revela-nos que é através da associação repetida de uma experiência com a sua equivalente verbal, que é possível à criança uma posterior recordação, a partir de uma produção verbal. É importante que aceite que uma produção verbal pode tomar o lugar de uma experiência e vice-versa. A criança ouvinte é capaz de entender que à medida que aumenta o som dos passos de alguém é porque se aproxima ou, mesmo, que é a pessoa que interage e lhe dá conforto. O mesmo acontece ao virarmos a cabeça na direção de uma pessoa, acompanhando visualmente os seus movimentos, ouvindo e seguindo os sons dos seus passos que cada vez se tornam mais audíveis (efeito Doppler), são acções que aumentam a densidade sináptica cortical. É evidente a desvantagem de uma criança surdocega pela impossibilidade do reconhecimento de qualquer das situações apresentadas ficando, por isso, impossibilitada de graduar a importância que tal situação terá para si. Podemos ainda especular sobre se os sentidos do tacto e do olfacto desenvolvem a densidade sináptica de forma semelhante à audição e à visão, mas não encontrámos estudos que, de forma científica, nos demonstrem esse efeito. Os estudos com crianças surdocegas totais demonstram que vibrações muito fortes ou objectos demasiado rugosos, podem levar a situações de evitação por parte da criança, o que evidencia que ela lhe atribuiu um significado. Na nossa interpretação destas situações deveremos considerar ainda o estilo de temperamento da criança (van Dijk, 1999). Outro efeito que é fundamental para a criança estabelecer uma relação com o mundo em que vive é o da sua capacidade para estabelecer a relação de efeito gratificante que faz com que algo seja guardado ou deva ser ignorado. Se a criança responde e existe uma consequência positiva, é provável que ambos os estímulos sejam relacionados e se estabeleça uma ligação entre eles e sejam

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

217


António Rebelo

armazenados no cérebro, operação que ocorre em segundos. Pode dizer-se que o significante representa o significado mas é, segundo a expressão de Wallon, uma «representação em acto». Despegado do contexto, durante a sua finalidade adaptativa, o gesto imitativo “Produz um significante diferente, é já uma forma diferente de símbolo que obtém o seu interesse... O interesse destes gestos «descontextualizados» (Bates et al., 1979) pelo que analisa a emergência da representação na tentativa de salientar uma semiotização progressiva evoluindo de uma forma «presencial» para uma forma «representacional» (Pinol- Douriez, 1984, 137, in Virolle, 1993, 71; 72). Em crianças que vêem e ouvem normalmente, as ligações acontecem de forma contínua, muitas vezes sem qualquer intervenção por parte do educador. A imitação diferida visa sobretudo as condutas simples, o fingir que come, dorme, o que pressupõe o uso de gestos simples e isolados mas não sendo menos importantes para o desenvolvimento da personalidade da criança, porque eles são os antecessores da fase do «como se», indissociável do desejo de socialização dos actos. Isto é particularmente evidente logo que a criança começa a imitar o adulto: finge que cozinha, que limpa o pó, que conduz o automóvel. Há uma relação significativa entre a capacidade linguística e a brincadeira de tal modo que as crianças com melhores capacidades linguísticas despendem mais tempo em brincadeiras imaginativas e tendem mais a usar uma linha de história planeada e a imitar comportamentos, do que os pares com menores capacidades linguísticas. “A imitação não é simplesmente o desejo de assimilar o gesto do adulto, mas o de lhe dar uma “representação” do seu significado - eu leio como tu - de se interrogar e de agir sobre si [...]. Com efeito, sobre os planos da motivação, ele age como o outro.” (Virolle, 1996 72). Para a criança surdocega o efeito mais devastador é o facto de este tipo de aprendizagem ocasional dificilmente poder ocorrer. A atenção aos processos de avaliação que o profissional tem de ter, centra-se na determinação da ocorrência das aprendizagens, quais os melhores reforços e como, muitas vezes, os estímulos devem ser repetidos até que a conexão entre o estímulo e a consequência ocorra. Esta planificação levará a que se estabeleça um sistema organizado de conhecimentos no cérebro da criança surdocega (van Dijk, 1999). A atenção a dar aos padrões de sono e vigilância, excitação e relaxamento do ser humano ajudam-no a lidar com o seu mundo físico e social. O saber lidar com estes mecanismos e estabelecer um ritmo de ocorrência de modo a saber determinar a sua repetição, é essencial para fornecer ao ser humano a capacidade suficiente de adaptação ao meio. De um ponto de vista neuro-biológico, afigura-se que a rotina da vida diária de um indivíduo com surdocegueira deve ser cuidadosamente organizada de tal forma que os períodos de actividade intensiva sejam seguidos por períodos de relaxamento possibilitando a aquisição e automatização de processos mentais de

218

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


O desenvolvimento cognitivo e tomada de decisão das pessoas surdocegas, pp. 211-221

adaptação, A fim de se adaptar às novas exigências e desafios do meio ambiente, o nosso mecanismo de defesa deve estar ligado e imediatamente disponível em todas as situações de estimulo. Este é um problema que ocorre com muita assiduidade nas pessoas que são surdocegas porque, assim que o ambiente social exige adaptação imediata, o sistema neuro-biológico parece não se adaptar. Muitas vezes, esse comportamento pode ser explicado porque a pessoa surdocega não aborda hierarquicamente as situações semelhantes ocorridas anteriormente, o que a pode levar a ter comportamentos socialmente inapropriados. No entanto, às vezes as exigências do “ouvir e ver” que o mundo coloca a cada momento a uma pessoa com surdocegueira são muito grandes. As pessoas vêm e vão, tocam, cheiram, falam, gritam, pedem, solicitam, empurram e puxam, tudo em questão de segundos, tempo demasiado rápido para quem é surdocego. Provavelmente, durante muitos anos da sua vida, a pessoa surdocega não tem por parte do educador uma abordagem que o leve a desenvolver a capacidade de decidir entre um “sim” e um “ não”. (van Dijk, 1999). Citando Kamii, (1995, 22) “... o estímulo não se torna estímulo senão quando o indivíduo age sobre ele, e se acomoda a ele, assimilando-o aos seus conhecimentos anteriores (...) Quanto mais os conhecimentos são elaborados e estruturados, mais a sua leitura da realidade será precisa e rica. “ verificamos como é difícil para as pessoas surdocegas interpretar correctamente o “mundo” de estímulos exteriores enviados pelo grupo social e pelo ambiente que o rodeia, que continuamente se abatem sobre ele e que apenas consegue interpretar uma pequena parte, à qual pode atribuir um significado. Para a maioria das pessoas surdocegas, o mundo começa e acaba na palma das suas mãos. Conclusão A reflexão sobre este tema de desenvolvimento linguístico e cognitivo nas pessoas surdocegas leva-nos a consciencializar sobre quão longe estão de um mundo que queremos entender mas em que a interacção é dificultada pela interpretação da mensagem. Desde afirmações especulativas e confusas sobre os comportamentos autistas destas pessoas, ao exercício de mera troca de informação sem caris linguístico, leva a que alguns educadores e profissionais da reabilitação desinvistam num modelo de desenvolvimento cognitivo baseado na criação de conceitos que proporcionem capacidades de decisão às pessoas surdocegas. No nosso dia-a-dia, algumas decisões são fáceis de tomar e, na verdade, nem sempre parecem “decisões” porque a escolha é demasiado óbvia. Temos muitas vezes uma opção dominante que parece claramente melhor que outras tendo em conta o nosso interesse. Mas seja para as decisões difíceis ou para as fáceis, estes dois factores, o valor que cada opção tem para nós e o resultado provável, são cruciais. Para uma decisão, antecipamos uma consequência. Esta capacidade de

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

219


António Rebelo

antecipação exige a ponderação das diferentes variáveis de cada situação, o que é muitas vezes impossível para quem está privado da visão e da audição. Referências bibliográficas Aimard, P. (1986). A linguagem da criança. Porto Alegre, Brasil: Artes Médicas. Bouvet, D. (1996). Le corps et la métaphore dans les langues gestuelles.Paris : L’Harmattan. Brunner, J.(1988). Desarollo cognitivo y education. Madrid: Morata. Chomsky, N. (1982). Théories du langages, théorie de l’aprentissage. Le débat entre Jean Piaget et Noam Chomsky. Paris: Centre Royoumont pour une Science de l’Homme. Europeia da DbI sobre sordocegueira. Madrid: ONCE. Glaserfeld, E. (1996). Construtivismo radical. Lisboa: Instituto Piaget. Janssen, M..; Riksen-W, Van Dijk, (2003). Toward a Diagnostic Intervention Model for Fostering Harmonious Interactions Between Deaf-Blind Children and Their Educators -- JOURNAL OF VISUAL IMPAIRMENT AND BLINDNESS, vol. 97, #4, April 2003, pp.197-214. (2003) Kamil, C. y Vries,R. ( 1995 ). La Teoria de Piaget y la Educatión Preescolar. Madrid : Visor. Kristensen, E. y Larsen,J. ( 2004).Communicacion mutua entre un adulto con sordoceguera congenita. In 13º conferencia internacional DbI. Canada: Toronto. Milles, B.; Riggio, M. (1999). Conversacionees extraordinarias: Una guia para desarrollar una communicacion significativa com ninos y jovenes sordociegos. EUA:Watertown: Perkins school. Nasftad, A.; Rodbroe, I.(1999). Creando conjuntamente communication: perspectivas de la education de diagnostic para individuos que son sordociegos congenitos. Denmark: Dromingund: Forlaget Nord-Press.. Piaget, J. (1973). La psychologie de l’enfant. Paris: PUF. Piaget, J. (1998). La Naissance de l’intelligence chez l’enfant. Paris: Delachaux et Niestlé. Rebelo,A. (2011). Comunicação e interacção da pessoa surdocega. In Comunicar e interagir. (2011). Lisboa: Universidade Lusófona Riggio, M.(1999). Understanding deafblindness. EUA: Watertown :Perkins school for the blind Schellingerhout, R., Smitsman, A.W. & Van Galen, G.P.(1997) Exploration of surface textures in congenitally blind infants. Child Care,Health Dev.23(3)247G4. Schlesinger, S., (1978). The acquisition of bimodal language. Sign language of yhe deaf: phsycological linguistic and sociological perspective. New York: Academic Press. Simon, J. dirigée par (1993). Le Dévellopment psychologique de l’enfant et de l’adolescent. Toulouse: EUS.

220

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


O desenvolvimento cognitivo e tomada de decisão das pessoas surdocegas, pp. 211-221

Smith, T. (1994). Consejos praticos para trabajar y socializar con personas sordociegas. EUA: Maryland: Sign Media Van Dijk, J. (1999). Development through relationships: entering the social world. World DbI conference. Lisbon: Casa Pia Virole, B.(1996). Psychologie de la surdité. Paris: DeBoek Université Watzlavick, P., Beavin, J., Jackson, D. (1993). Pragmática da comunicação humana. São Paulo: Cultrix.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

221



Dialogando sobre o autismo e seus reflexos na família: contribuições da perspectiva dialógica Dialoguing about autism and its reflections in family: contributions from dialogical perspectives Poliana Pedrozo Mangia de Souza e Priscila Pires Alves Universidade Federal Fluminense – Volta Redonda, Rio de Janeiro

Contacto para correspondência: Rua Desembargador Ellis Hermydio Figueira, 783, Aterrado, Volta Redonda, RJ; CEP 27213-415. Tel: (24) 3076-8733. E-mail: priscilaalvves@vm.uff.br

Resumo: Os transtornos globais do desenvolvimento têm sido definidos como uma síndrome que envolve o comprometimento em três áreas do desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, habilidades de comunicação e presença de comportamentos e atividades estereotipadas. A pesquisa estuda o processo de interação entre os familiares e o indivíduo autista a partir de uma perspectiva dialógica, na qual um relacionamento é sempre entendido como um encontro entre dois seres através de uma relação EU-ISSO, fundamentalmente caracterizada por uma natureza objetiva, ou uma relação EUTU, que envolve a inclusão da realidade do outro na existência do EU, alcançando aspectos peculiares da vivência da criança autista e ampliando a capacidade de sua família de estabelecer uma relação cuja funcionalidade produza qualidade de vida para todos os seus membros. Esse paradigma revela que nossa existência enquanto membro de uma família depende do reconhecimento da existência de

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

223


Poliana Pedrozo Mangia de Souza e Priscila Pires Alves

cada integrante, realizando a inclusão dialógica do EU no OUTRO e do OUTRO no EU. Palavras-chave: autismo; família; dialogia. Abstract: The pervasive developmental disorders have been defined as a syndrome that involves the commitment in three areas of development: reciprocal social interaction skills, communication skills and presence of stereotyped behaviors and activities. This research studies the process of interaction between the family and the autistic individual from a dialogical perspective, in which a relationship is always understood as a meeting between two beings by way I-IT fundamentally characterized by an objective nature, or a way I-OTHER which involves the inclusion of another reality of the existence of the I, reaching peculiar aspects of the experience of the autistic child and increases the ability of your family to establish a relationship whose functionality produces quality of life for all its members. This paradigm reveals that our existence as a member of a family depends on the recognition of each member, realizing the true dialogical inclusion in the I-OTHER and OTHER In I. Key-words: autism; family; dialogy.

Introdução O autismo consiste em uma perturbação no neurodesenvolvimento que compromete as competências de comunicação e sociais do indivíduo. Diferentemente do que se julgava antigamente, sua ocorrência tem sido registrada nos últimos anos com muita frequência. No Brasil, estima-se que os transtornos do espectro do autismo tenham sua incidência em duas milhões de pessoas. Esses dados denotam uma importante mudança no que tange aos dispositivos de diagnóstico, avaliação e intervenção existentes. As implicações práticas que esses recursos produzem para o desenvolvimento de procedimentos e cuidados clínicos aos portadores destes transtornos afetam diretamente sua dinâmica relacional, especificamente no que concerne à família. Os estudos sobre o impacto do autismo na família tem revelado que o estresse e as incertezas quanto as habilidades para o cuidado com a criança autista, tem se apresentado como importantes índices para o desenvolvimento de recursos e suporte no trabalho com a dinâmica familiar. Se por um lado a família possui um conjunto de papéis e responsabilidades sociais que lhe são delegadas pela sociedade, por outro, a compreensão dos fatores subjetivos singulares das dinâmicas estabelecidas na relação com seu membro com diagnóstico de autismo, são fundamentais para o estabelecimento de uma dinâmica familiar funcional.

224

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Dialogando sobre o autismo e seus reflexos na família: contribuições da perspectiva dialógica, pp. 223-230

A perspectiva dialógica constitui-se no voltar-se para o sentido do humano, que se estabelece, essencialmente, na relação com o outro, com o mundo. Consiste numa elaboração que possibilite a produção do sentindo dos valores concernentes ao humano conduzindo ao estabelecimento de encontros autênticos que relevem o encontro EU-TU ao pressupor a inclusão da realidade do OUTRO na existência do EU. O presente trabalho visa apresentar, a partir da perspectiva dialógica, algumas possibilidades da família desenvolver estratégias de coping que favoreçam o desenvolvimento da criança autista considerando suas potencialidades e limitações. Inicialmente apresenta-se o conceito de desenvolvimento humano a partir da perspectiva dialógica, em seguida, tematiza-se o impacto do diagnóstico do autismo na família para se apresentar nas considerações finais as possibilidades de contribuição desta perspectiva para favorecer o estabelecimento de relações familiares dinâmicas funcionais. Desenvolvimento humano a partir de uma perspectiva dialógica Para a perspectiva dialógica, é a partir da relação que nos constituímos enquanto sujeitos no mundo. O homem é compreendido como resultado de um conjunto de relações sociais. Desse modo, o homem não pode mais ser estudado como ser isolado, sob a perspectiva de uma postura individualizante que não olha para além de uma constituição física, como no caso de crianças com deficiência. A tônica desta perspectiva não se volta para as capacidades ou incapacidades da criança em termos de seu desenvolvimento, mas no modo como ela, naquele ambiente, pode se desenvolver e oferecer a oportunidade inequívoca de que as pessoas do seu entorno também se desenvolvam e se transformem. De acordo com Aguiar (2005), o biológico e o social não são vistos de forma isolada, e sim em constante interação. Após o nascimento, o desenvolvimento ocorre a partir da relação, pois o bebê necessita dos cuidados da mãe, e não se diferencia desta ou do ambiente. O bebê passa, então, por um processo de introjeção a partir do qual receberá a base para diferencial o “eu” do “não eu”, ocorrendo, portanto, a construção de suas fronteiras de contato com o mundo. As funções de contato correspondem aos nossos cinco sentidos, juntamente com a linguagem e os movimentos corporais que nos permitem experienciar o mundo. A forma como as relações de contato serão vivenciadas mudam em cada indivíduo e, consequentemente, a maneira como este irá experiênciá-la, fazendo com que os indivíduos possam se desenvolver de formas distintas uns dos outros. A partir desta abordagem, podemos considerar que a criança autista pode ter experienciado alguma relação de forma não satisfatória, o que conduziu a uma limitação em suas fronteiras de contato, fazendo com que a capacidade da criança de se relacionar fique comprometida. Na perspectiva dialógica, importa considerar o desenvolvimento como

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

225


Poliana Pedrozo Mangia de Souza e Priscila Pires Alves

um processo, como propõe Amescua (1997) ao considerar que neste contexto, é fundamental compreender a forma como a experiência de interação da criança autista ocorre. Sendo o autismo um enrijecimento dos limites das fronteiras de contato, que bloqueia a comunicação do organismo com seu ambiente, levando a criança a isolar-se, como conseqüência, seu crescimento e desenvolvimento estarão funcionalmente afetados. A interação é uma função crucial para o desenvolvimento do potencial do ser humano. Se este processo é interrompido por bloqueios da fronteira de contato ao longo do processo de desenvolvimento, o potencial para tornar-se pode ficar estagnado em uma variedade de formas. Quando as crianças param de interagir, a construção de sua condição humana fica atravessada pelos relacionamentos objetivos, pragmáticos, próprios da função EU-ISSO. Compreendendo a pessoa humana como ser de relação, Buber (1979), a caracteriza segundo as palavras-princípio que ela pronuncia – EU_TU ou EUISSO, modos de existência que refletem dois pólos da mesma humanidade e a sua dupla atitude face ao mundo, compreendida como posição fundamental de se colocar a qualquer dos existentes. A relação Eu-Tu, reflete a atitude do encontro com o outro, expressão do significado mais profundo da existência humana, que se revela no engajamento, na solidariedade com o mundo; reflete o comprometimento incondicional com o outro, enquanto o relacionamento EuIsso expressa o distanciamento, a objetividade; reflete a atividade do saber, do experimentar, do utilizar. Nesse sentido o conceito de dialogia torna-se fundamental pois aponta para a possibilidade de se pensar estratégias de intervenção e de compreensão do desenvolvimento da criança autista a partir da concepção dinâmica do ser humano como agente, isto é, ele não apenas é influenciado pelo meio, como também age ativamente sobre o mesmo, transformando-o. Estabelecer contato com a criança autista consiste em um desafio permanente que demanda uma atitude empática e sobretudo que favoreça o engajamento de um encontro tal como ele pode se estabelecer, sem que a expectativa do diálogo, tal como convencionalmente se espera, seja estabelecida. Os transtornos do espectro do autismo e seus reflexos na família O nascimento de um filho produz sempre expectativas com relação ao seu futuro e ao seu processo de crescimento. Como nos revela Buscaglia (1993), a deficiência não é da ordem do desejo dos pais. Na grande maioria das vezes, a notícia de um diagnóstico que comprometa o desenvolvimento da criança promove a desconstrução do ideal alimentado pela família gerando sofrimento, desconforto, confusão e também gastos financeiros. No caso dos transtornos do espectro do autismo, pelo fato do diagnóstico acontecer a partir dos 18 meses, o processo de luto vivenciado pela família promove alterações significativas na dinâmica familiar. Glat e Duque (2003)

226

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Dialogando sobre o autismo e seus reflexos na família: contribuições da perspectiva dialógica, pp. 223-230

apontam para um importante fenômeno que consiste na perda da identidade dos membros da família e a necessidade de se reconfigurar uma interação na qual a pessoa deficiente fica no centro. Os pais se tornam pais do autista, os irmãos do autista e com isso, todos em seus espaços singulares necessitam reorganizar-se a partir desta configuração. É importante considerar que a despeito do diagnóstico existe, por parte dos familiares, sempre uma busca para a cura. Da notícia à aceitação da realidade, percorre-se muitos caminhos para superar o luto do filho saudável. Ainda que cada integrante do sistema familiar vivencie a presença do autista de uma forma diferente, frequentemente a sobrecarga emocional recai sobre as mães. Conforme indica Serra (2010), algumas, inclusive paralisam sua vida profissional para viver em função do filho autista. De fato a aproximação de uma criança com o diagnóstico de autismo, torna complexa a relação, tendo em vista que na medida em que as fronteiras de contato são diminuídas, surge o silêncio, a frustração e a incerteza sobre o vir-a-ser. O enrijecimento da criança pode refletir-se no endurecimento das relações entre a família, levando a uma coisificação no cuidado. Nesse contexto, ao transpormos os conceitos da perspectiva dialógica podemos considerar que a relação EU-ISSO, pode ser emulada pela relação entre família e seu membro familiar que possui uma doença, para quem se deve socialmente destinar a atenção e cuidado. Já o componente EU-TU, envolve o relacionamento de um membro da família com outro membro da família. Um membro que procura então, entender o ser e o seu contexto e sentido de vida. A relação não é mais coisificada num papel social apenas. Afirmar como especificidade humana a relação EU-TU, não significa negar a importância do relacionamento EU-ISSO, cujo significado no campo do conhecimento objetivo, no trato com o mundo, é inegável. É uma atitude sem a qual o homem não pode viver, mas que se torna nociva quando se converte na forma preponderante de expressão humana, e engloba a totalidade da verdade, impossibilitando o emergir de respostas nos níveis mais profundos que só podem surgir dos encontros EU-TU. Para uma criança autista o ambiente exterior é invasivo. Em função da manifestação sindrômica do transtorno do espectro autista, sua capacidade para introjetar o mundo exterior pode variar, mas é fato que o modo com que esse processo se estabelecerá acontecerá sempre de forma lenta. A criança autista, por não confiar no ambiente externo, revela dificuldades em estabelecer uma relação e uma clara diferenciação entre o EU e o TU, entre os objetos internos dos externos, O objetivo da perspectiva dialógica no trabalho com as famílias de crianças autistas consiste em favorecer o desenvolvimento de estratégias de coping de forma que se privilegie para além da instrumentalidade EU-ISSO, a relação EUTU. A abertura para o favorecimento do encontro dialógico está relacionada à possibilidade do reconhecimento da abertura e espontaneidade com que cada

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

227


Poliana Pedrozo Mangia de Souza e Priscila Pires Alves

membro pode se voltar para o indivíduo autista. A relação EU-TU alcança aspectos peculiares da vivência da criança autista e amplia a capacidade de sua família de estabelecer uma relação cuja funcionalidade produza qualidade de vida para todos os seus membros. Esse paradigma de relação proposto pela perspectiva dialógica nos revela uma constatação inexorável: nossa existência enquanto membro de uma família depende do reconhecimento da existência de cada integrante dessa constelação, realizando a verdadeira inclusão dialógica, tal como nos aponta Buber (1982), do EU no OUTRO e do OUTRO no EU. Considerações Finais Compreendendo a pessoa humana como ser de relação, Buber (2001), a caracteriza segundo as palavras-princípios que ela pronuncia: EU-TU ou EUISSO, modos de existência que refletem dois pólos da mesma humanidade e a sua dupla atitude face ao mundo, compreendida como posição fundamental de se colocar a qualquer dos existentes. A relação EU-TU, reflete a atitude do encontro com o outro, expressão do significado mais profundo da existência humana, que se revela no engajamento, na solidariedade com o mundo; reflete o comprometimento incondicional com o outro. Já o relacionamento EUISSO expressa o distanciamento, a objetividade; reflete a atividade do saber, do experimentar, do utilizar. Ambas atitudes constituem a existência do ser e delineiam o modo como se operacionaliza a construção de sua condição humana. A relação EU-TU não deve ser associada a uma experiência que requeira uma intuição especial, circunscrita a seres especiais, ela é uma possibilidade que se coloca a toda humanidade, possibilitando um encontro real, que se situa na própria vida cotidiana. Demanda uma abertura para um encontro autêntico entre dois seres inteiros com suas possibilidades e limitações. Na perspectiva dialógica, a condição humana se estabelece a partir da relação. O humano é compreendido a partir de uma antropologia do interhumano. Valoriza-se o entre, o espaço onde se realiza o diálogo, o encontro entre EU e TU. Não se trata de relacionamento dos homens entre si, mas de um comportamento que se estabelece a partir da reciprocidade. Estabelecer a reciprocidade coloca ao homem um grande desafio: o de se incluir. É a partir dessa premissa que pensamos a inclusão, em meio ao desafio de relacionarse com o autista. Propomos que a inclusão possa ser pensada a partir de uma abertura para o encontro com a pessoa autista, viabilizando no espaço do entre, uma relação e, consequentemente, o estabelecimento do diálogo que na esfera do TU, não demanda do outro nada além do que ele (o outro) pode no momento revelar em seu contexto. A família da criança autista, ao deparar-se com o diagnóstico, configura em sua dinâmica, uma demanda de favorecer o desenvolvimento psicossocial de seu

228

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


Dialogando sobre o autismo e seus reflexos na família: contribuições da perspectiva dialógica, pp. 223-230

ente, muitas vezes criando expectativas de que ele se inclua ao habilitar-se com o desenvolvimento da fala e melhoria de suas habilidades sociais. No entanto, não se perspectiva nesse processo, uma dinâmica de se alcançar a criança a partir de suas possibilidades de contato e diálogo, mas sim espera-se que ela atinja o que se estabeleceu normativamente como o desenvolvimento “normal”. A perspectiva dialógica amplia o olhar dessa questão, convidando-nos a refletir sobre a possibilidade de pensar o sentido de uma relação e a abertura ao diálogo a partir do entre. Assim, compreender o humano como ser de relação significa, por sua vez, a impossibilidade de tomá-lo isoladamente, mas apenas na sua relação com o mundo: sua família, seu trabalho, suas responsabilidades e obrigações, experiências que nos permitem caracterizar o humano como ser essencialmente vinculado à sua comunidade. O reconhecimento de que o homem não pode ser compreendido fora da sua relação com o mundo, indica o desafio contínuo de estender a comunidade aos mecanismos da vida. Trata-se de uma resposta prática (dimensão ética) a tais exigências. Assim, ao favorecer a criança autista que possa se revelar com suas possibilidades e limitações, que nos incluamos na abertura para a compreensão de seu TU a partir de nosso EU, amplia as oportunidades do engajamento e desenvolvimento das relações que daí derivam no contexto de sua existência relacional. Dessa forma, mais do que pensar em uma experiência apartada das esferas sociais, Buber (1991), se propõe a pensar na possibilidade de uma maior penetração dessas relações nessas esferas orientando assim a um agir voltado fundamentalmente calcado na dialogia, minimizando assim as tendências totalizadoras de apreender o OUTRO sobredeterminando-o a partir do ISSO. O respaldo da inclusão dialógica está no fazer-se presente e constituir uma posição ética-política a partir da valorização do que se dá no entre do EU-TU. Com isso podemos pensar uma práxis que conceda o devido valor ao OUTRO a partir do que nele se revela. Referências Bibliográficas: American Psychiatric Association (2002) – DSM-IV-TR: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. 4ª edição. Lisboa: Climepsi Aguiar, Luciana.(2005). Gestalt-Terapia com crianças: teoria e prática. Editora Livro Pleno, S.P., 2005. Amescua, Guadalupe. (1999). Autismo na teoria Gestalt – em direção a uma teoria Gestalt da personalidade. Gestalt Review, 3(3):226-238. Buber, Martin. (1982). Do diálogo e do dialógico. São Paulo: Perspectiva, . Buber, Martin. (1991). Encontro – fragmentos autobiográficos. Petrópolis: Vozes, 1991. Buber, Martin. (2001). Eu e Tu. 5.ed. São Paulo: Centauro, 2001.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

229


Poliana Pedrozo Mangia de Souza e Priscila Pires Alves

Buscaglia, L. (1993). Os deficientes e seus pais. Um desafio ao aconselhamento. Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, 1993. Glat, R. e Duque, M. A.(2003). Convivendo com filhos especiais: o olhar paterno. Rio de Janeiro: Sette Lettras. Serra, Dayse (2010) . Autismo, família e inclusão. Polêmica, v. 9, n. 1, p. 40 – 56, janeiro/março.

230

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


O Impacto do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA) The impact of Autism Integrated Program (PIPA) Cláudia Bandeira de Lima

Psicóloga Clínica

Catarina Afonso

Terapeuta da Fala

Ana Catarina Calado

Psicomotricista

Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento

Pediatras do Neurodesenvolvimento

Equipa do Centro de Desenvolvimento Infantil, LógicaMentes, Lisboa, Portugal Contacto para correspondência: cbandeiradelima@logicamentes.com

Resumo: Introdução: A Perturbação do Espectro do Autismo é uma patologia que atinge a maioria das áreas do desenvolvimento normal de uma criança. É uma doença crónica que exige um acompanhamento ao longo da vida. A Academia Americana de Pediatria recomenda que a intervenção seja iniciada o mais precoce possível, multidisciplinar e de carácter intensivo. Neste sentido, o Centro de Desenvolvimento Infantil LógicaMentes criou um Programa Integrado Para o Autismo (PIPA). Trata-se de um Programa de carácter intensivo e multidisciplinar dirigido a crianças e a famílias.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16.indd 231

231

16-05-2014 11:52:20


Cláudia Bandeira de Lima, Catarina Afonso, Ana Catarina Calado, Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento

Objectivo: Apresentação do Programa PIPA e avaliação do seu impacto na intervenção do Autismo. Metodologia: Terapia intensiva através do Programa PIPA - programa multidisciplinar com a participação de quatro especialidades: Pediatria do Neurodesenvolvimento, Psicologia, Terapia da Fala e Psicomotricidade. O PIPA inclui intervenção directa com a criança, a família e a escola. Apresenta-se uma revisão de 21 casos que frequentaram o Programa PIPA, com resultados estatísticos de dois momentos distintos de avaliação (antes e após intervenção). Resultados: Após sete anos de aplicação, os resultados do Programa PIPA têm sido muito positivos, quer ao nível da promoção das competências pessoais de cada criança, quer ao nível da sua melhor integração familiar, educacional e social. Os resultados revelam uma diferença estatisticamente significativa no perfil cognitivo e linguístico das crianças e uma diminuição da frequência do diagnóstico da perturbação autista. Conclusão: Os resultados realçam a eficácia do Programa PIPA e da terapia de carácter intensivo na intervenção com crianças com autismo e no suporte psicológico às suas famílias. Palavras-chave: Autismo; Programa PIPA; Intervenção Multidisciplinar. Abstract: Introduction: The Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder that affects many areas of children’s development. The American Academy of Pediatrics recommends that intervention should start as early as possible and should be multidisciplinary and intensive in nature. The Child Development Clinic LógicaMentes has created the Autism Integrated Program (PIPA) for intervention in ASD - a multidisciplinary and intensive Program for children and their families. Purpose: To evaluate the effect of multidisciplinary intensive therapies in intervention of autism, through the implementation of the Autism Integrated Program (PIPA). Methodology: Intensive therapy with the PIPA Program. This is a multidisciplinary intervention consisting of four specialized areas Neurodevelomental Pediatrics, Psychology, Speech and Language Therapy and Psychomotor Therapy. It includes direct intervention with the child, family and school. We reviewed 21 cases, all diagnosed with ASD (DSM-IV-TR criteria), who participated in the PIPA program. The results were analyzed statistically in two different assessment moments (before and after intervention). Results: After seven years of implementation, the results of PIPA Program have been very positive in the promotion of each child’s personal skills, and in family, educational and social integration. The results show statistically significant changes in linguistic and cognitive profile of these children and a decrease in the diagnosis of autistic disorder. Conclusion: The results highlight the efficacy of PIPA program and its

232

16.indd 232

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16-05-2014 11:52:20


O Impacto do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA), pp. 231-244

intensive therapy nature in the intervention of autistic children and in the psychological support of their families. Key-words: Autism; PIPA program; Multidisciplinary intervention

Introdução O Autismo foi definido até 2013 pelo DSM-IV-TR enquanto uma Perturbação Global do Desenvolvimento, que se subdividia em três subtidos: Perturbação Autística, Perturbação de Asperger (SA) e Perturbação Global do Desenvolvimento não especificada. Com a publicação do DSM 5 o Autismo passa a denominar-se Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), retomando uma ideia de Wing sobre o conceito de “Spectrum” (Wing & Gould, 1979). De facto, os três subtipos identificados anteriormente unem-se numa única entidade. Assim, e de acordo com o DSM5, a PEA é uma patologia do neurodesenvolvimento onde estão alteradas as áreas da socialização/comunicação e comportamento. Outra importante mudança relativamente à classificação anterior remete para o facto de se deixar de considerar o atraso na aquisição e desenvolvimento da linguagem como um critério de diagnóstico. De facto, ao longo dos tempos verificou-se que o atraso do desenvolvimento da linguagem não era um critério único de diagnóstico de autismo, estando presente em outras perturbações do neurodesenvolvimento, nomeadamente no Défice Cognitivo e na Perturbação Especifica de Linguagem. Para além disso verificava-se que este atraso não existia em todas as crianças com autismo (nomeadamente nas crianças com S. Asperger). Neste sentido, a nova classificação vem chamar a atenção para a importância de definir as comorbilidades enquanto diagnósticos paralelos, nomeadamente a perturbação do desenvolvimento intelectual e a perturbação de linguagem (APA, 2013). A PEA é uma doença crónica que exige um acompanhamento ao longo da vida. A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda que a intervenção seja iniciada o mais precoce possível, multidisciplinar e de carácter intensivo. Neste sentido, o Centro de Desenvolvimento Infantil LógicaMentes criou um Programa Integrado Para o Autismo (PIPA) para intervenção na PEA. Trata-se de um Programa de carácter intensivo e multidisciplinar dirigido a crianças e a famílias (Bandeira de Lima, 2012). A necessidade de o Programa PIPA incluir técnicos com formação em diferentes especialidades de base advém do facto de esta problemática afetar as várias áreas do neurodesenvolvimento e de as alterações existentes terem uma especificidade que apenas uma técnica com formação especializada poderá dar resposta. Esta multidisciplinaridade e especificidade de diferentes áreas terapêuticas torna-se ainda mais pertinente com a nova classificação do DSM-5, onde a importância de diagnosticar as co-morbilidades se torna imprescindível.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16.indd 233

233

16-05-2014 11:52:20


Cláudia Bandeira de Lima, Catarina Afonso, Ana Catarina Calado, Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento

Objetivos de intervenção por especialidades: Pediatria do Neurodesenvolvimento Ao Pediatra do Neurodesenvolvimento (ND) cabe o papel, numa primeira consulta, de efetuar uma história clínica pormenorizada, a fim de obter o diagnóstico de PEA, de obter pistas quanto à sua etiologia e de identificar comorbilidades. Deve incluir a história familiar e social, a história da gestação, nascimento e período neonatal, a história alimentar e a identificação de dificuldades alimentares, a história do desenvolvimento psicomotor e identificação de desvios, a identificação de perturbações do sono e de perturbações comportamentais, como birras, agressividade, estereotipias, hiperactividade ou défice de atenção, e a identificação de regressões do neurodesenvolvimento. Também deve incluir as doenças anteriores e comorbilidades, como a epilepsia, assim como o percurso educacional da criança. O exame físico completo permite detetar problemas associados ou dismorfias sugestivas de síndromes específico, como o X Frágil. A avaliação sumária do neurodesenvolvimento permite obter a hipótese de diagnóstico. Cabe também ao Pediatra do ND pedir exames complementares caso se justifiquem, como o estudo genético ou o EEG, e obter, sempre que necessário, a colaboração de outras especialidades, como Oftalmologia, Otorrinolaringologia/ Audiologia ou Neuropediatria. É da responsabilidade do Pediatra do ND a prescrição, quando indicado, de terapêutica farmacológica em casos de desvios importantes do comportamento, défice de atenção e hiperactividade, perturbações do ritmo do sono e epilepsia. É papel do Pediatra do ND a referenciação para os diferentes técnicos – Psicólogo Clínico e Educacional, Terapeuta da Fala, Psicomotricista – a fim de serem avaliadas as competências da criança em cada área. Uma vez obtido o diagnóstico, mesmo provisório, de PEA, cabe ao Pediatra do ND recomendar aos pais o início imediato de um programa de intervenção especializado e adaptado à sua criança. Nas consultas subsequentes, é monitorizada a evolução da criança, é reformulado o diagnóstico e são efetuados os ajustes terapêuticos quando necessário. Psicologia A intervenção na área da psicologia tem por base um modelo cognitivocomportamental e visa a estimulação/promoção de várias competências nomeadamente a socialização, comunicação, cognição, competências pré-académicas e académicas, atenção, comportamento, desenvolvimento emocional e autonomia pessoal. A prioridade das áreas a serem intervencionadas varia de criança para criança, em função do seu perfil pessoal, que é avaliado numa fase inicial. A avaliação formal recorre a vários instrumentos de avaliação cuja escolha depende de cada caso. Assim, alguns dos instrumentos são: Escala de desenvolvimento mental de Ruth

234

16.indd 234

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16-05-2014 11:52:20


O Impacto do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA), pp. 231-244

Griffiths (GRIFFITHS), Escala de Inteligência de Weschler para crianças, Childhood Autism Rating Scale (CARS), M-CHAT, Autism Diagnostic Interview, Escalas Conners para pais e professores, entre outros. Paralelamente à avaliação formal, é feita uma avaliação informal do perfil funcional de cada criança e um levantamento das necessidades de cada família. A intervenção tem por base uma metodologia americana para intervenção no autismo - Metodologia TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children), mas integra outras técnicas consoante a necessidade de intervenção observada. No trabalho dirigido com a criança são trabalhados de forma direta os objetivos definidos nos programas, através de sessões com a aplicação de materiais especificamente adaptados às necessidades de cada criança (Bandeira de Lima, 2012). Um dos primeiros objetivos da intervenção prendese com a adequação do comportamento, pois a aprendizagem da auto-regulação da criança é imprescindível para que esta esteja disponível para as aprendizagens futuras. A promoção da socialização, relação interpessoal e emocional é imprescindível para que a criança aprenda a relacionar com os seus pares e com os adultos. Por fim, a aquisição de competências específicas, como o desenvolvimento de funções executivas (planeamento, generalização, discriminação, flexibilidade, atenção, etc) adequadas à sua idade irá permitir uma integração escolar mais eficaz. Para além da intervenção direta com a criança, cabe ao psicólogo o apoio aos pais e este tipo de intervenção traduz-se num Programa de Competências Parentais onde são dadas um conjunto de conselhos e orientações à família sobre atitudes e comportamentos a terem. Pretende-se com este trabalho munir a família com um conjunto de estratégias alternativas que melhor se adequam às capacidades e necessidades da criança, de modo a promover a aprendizagem de novos conhecimentos, a autonomia pessoal, a adequação de comportamentos em contexto familiar e a comunicação entre pais e filhos. Este apoio tem também como objetivo o suporte psicológico para os pais, ajudando-os a lidar com o diagnóstico de Autismo, a conhecer melhor a patologia, as suas potencialidades e as suas limitações. A intervenção com a escola é um tipo de apoio que tem como primeiro objetivo a uniformização de estratégias de intervenção e métodos de ensino dos vários apoios existentes, para que os conhecimentos sejam transmitidos/ensinados à criança da mesma maneira, poupando assim os esforços exigidos. Pretende-se promover a integração escolar da criança com PEA, esclarecendo dúvidas e a partilhando os conhecimentos técnicos (Bandeira de lima, 2012). Terapia da Fala O trabalho do Terapeuta da Fala (TF) junto das crianças com PEA tem como objetivo primordial proceder a uma avaliação rigorosa de todos os domínios linguísticos e comunicacionais e proceder, à posteriori, a uma intervenção individualizada em cada caso. No que se refere à avaliação, em Portugal não existe nenhuma bateria específica de avaliação para esta população, sendo necessário recorrer a testes aferidos para a população com desenvolvimento típico e proceder a avaliações qualitativas. Atualmente, para a avaliação da linguagem, aplica-se o Teste

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16.indd 235

235

16-05-2014 11:52:20


Cláudia Bandeira de Lima, Catarina Afonso, Ana Catarina Calado, Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento

de Avaliação da Linguagem na Criança (TALC) (Sua-Kay, E. & Tavares, M., 2006) dado ser uma prova que avalia os diferentes domínios linguísticos. Para a avaliação da comunicação é frequentemente utilizada uma tradução da Pre-Verbal Communication Schedule (Kierman, C. & Reid, B., 1987), a qual permite, elaborar um perfil comunicacional da criança. São ainda aplicados instrumentos de avaliação nas áreas da motricidade oro-facial, articulação verbal, consciência fonológica e discriminação auditiva. Para além de todos as provas formais que podem ser aplicadas a crianças com PEA torna-se imprescindível a aplicação de baterias informais de avaliação da linguagem, tendo em consideração que muitas vezes estas crianças apresentam dificuldades em itens que não são contemplados nas provas supracitadas, como seja a associação de imagens/objetos iguais ou a associação de um objeto à uma ação. Desta forma, no nosso centro anualmente as crianças são avaliadas formalmente e informalmente com o objetivo de se conseguir aferir um conjunto de informações específicas de cada caso e assim determinar quais as competências a trabalhar para que os objetivos sejam atingíveis e sejam alcançadas evoluções. Após realizada uma análise rigorosa aos resultados obtidos em todas as provas aplicadas é elaborado um programa anual de intervenção, o qual visa estimular as áreas onde foram observadas dificuldades. Tendo por base a metodologia TEACCH, o terapeuta da fala realiza uma intervenção direta e dirigida a cada criança. Segundo a literatura, uma das áreas mais afetadas nas crianças com PEA é o domínio da semântica (Flippin, M, Reszka, S, & Watson, L., 2010; Ozonoff, S., Rogers S & Hendren R., 2003), sendo esta o principal foco de intervenção nas fases iniciais, dado se verificarem dificuldades na codificação de material verbal bem como na identificação de palavras num dado contexto. Assim, um dos principais objetivos da intervenção é identificar em que nível é que a criança se situa no que se refere a tarefas de associação, identificação, compreensão de ordens e nomeação de imagens. Devese verificar não só que tipos de imagens pictográficas são as mais favoráveis para cada caso (ex. símbolos pictográficos com ou sem cor, fotografia representativa do item a ser trabalhado ou imagem real) e em que nível cada criança se situa de forma a se poder determinar o número de itens adequados. No decorrer de cada sessão de intervenção é utilizada uma metodologia de “input” linguístico constante bem como de modelagem, no sentido de se procurar que a criança adquira as competências esperadas através da observação do técnico e de toda a informação auditiva, visual e cinestésica que este lhe proporciona. Os domínios da morfossintaxe, da pragmática e da fonologia tendem a ser trabalhados a partir do momento em que as crianças adquirem uma capacidade oral minimamente funcional. Importa salientar que em todas as sessões são trabalhadas as competências comunicacionais, seja através do gesto (ex. afastar um item quando não quer realizar tal atividade ou apontar para a tarefa que pretende executar) ou do uso de um sistema de comunicação aumentativo, nomeadamente o Picture Exchange Communication System (PECS). Por último, há ainda a referir um trabalho que é feito ao nível do treino alimentar. De facto, as alterações na alimentação são

236

16.indd 236

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16-05-2014 11:52:20


O Impacto do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA), pp. 231-244

muito comuns: desde a hipersensibilidade aos sabores, temperaturas, texturas, às dificuldades na mastigação. Assim, é importante não só o trabalho direto com a criança através de estratégias específicas de intervenção, mas também um trabalho indireto com a família e escola para que sejam adotadas estratégias eficazes na alimentação. Psicomotricidade O técnico de psicomotricidade tem como responsabilidade a avaliação e intervenção nas alterações psicomotoras observadas na criança com PEA. Na Avaliação Psicomotora, utiliza-se a Bateria Psicomotora de Vítor da Fonseca (BPM), que consiste numa bateria de observação, que permite ao avaliador observar várias componentes do comportamento psicomotor da criança, de uma forma estruturada (Fonseca, 2007). As tarefas desta bateria encontram-se distribuídas por sete fatores psicomotores, que procuram analisar o perfil psicomotor da criança em idade pré-primária (4 a 6 anos) ou do 1º e 2º ciclo (6 até 12 anos). Além desta bateria formal, também se utiliza a Bateria de Avaliação Psicomotora do Centro de Desenvolvimento Infantil LogicaMentes, que pretende avaliar as áreas do Equilíbrio, Praxia Global, e Praxia Fina, em crianças com idades compreendidas entre os 0 e os 12 anos. A intervenção em psicomotricidade nas PEA tem por objetivo a estimulação de áreas motoras que se encontram alteradas. Segundo Fonseca (2007), o desenvolvimento psicomotor está dividido em fatores psicomotores específicos: tonicidade, equilíbrio, lateralização, noção de corpo, estruturação espácio-temporal, praxia global e fina. A Tonicidade tem um papel fundamental no desenvolvimento motor, pois, assegura a preparação da musculatura para as múltiplas e variadas formas de atividade postural e práxica. Geralmente, nas PEA, verificam-se anormalidades no tónus muscular (Filipek et al, 1999), que vão desde a rigidez tónica (hipertonicidade) à flacidez tónica (hipotonicidade). A Equilibração é uma função determinante na construção do movimento voluntário, condição indispensável de ajustamento postural e gravitacional, dividindo-se em Equilíbrio Estático, em que se verifica dificuldade em permanecer em determinadas posições, observando-se um aumento de instabilidade postural, principalmente quando retirado o input visual (i.e., de olhos vendados ou fechados) (Travers et al, 2013), e Dinâmico, no qual de destaca a dificuldade em adquirir o salto a pés juntos. Na Lateralização, que retrata a organização inter-hemisférica em termos de dominância, observa-se que as crianças com PEA poderão demonstrar uma lateralidade ambígua, i.e., utilizam ambos os lados numa tarefa (Fein et al, 1984; McManus et al, 1992; Satz, Green & Lyon, 1989; Satz, Soper, Orsini, Henry & Zvi, 1985; Soper et al, 1986; cit in Hauck & Dewey, 2001). A Noção do Corpo, que compreende a receção, análise e o armazenamento das informações vindas do corpo, sobre a forma de tomada de consciência estruturada e armazenada somatotopicamente, é uma área particularmente afetada na PEA pela dificuldade na noção de esquema corporal, sobretudo na identificação de partes

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16.indd 237

237

16-05-2014 11:52:20


Cláudia Bandeira de Lima, Catarina Afonso, Ana Catarina Calado, Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento

do corpo no próprio. A Estruturação Espacio-temporal envolve funções de receção, processamento e armazenamento espacial e rítmico, área em que também se observam dificuldades no cumprimento de ordens, tanto espaciais, como rítmicas. Na Praxia Global, que diz respeito à capacidade de realizar o movimento voluntário para alcançar um objetivo, verifica-se que as crianças com PEA apresentam dificuldades na coordenação motora e na planificação da ação (Hughes, 1996; Baranek, 2002). Por fim, a Praxia Fina compreende tarefas de dissociação digital e de preensão construtiva, com significativa participação de movimentos dos olhos, da coordenação óculo-manual e da fixação da atenção visual. As crianças com PEA apresentam, nesta área, dificuldades ao nível da oponência polegar-indicador, que por sua vez, influencia o grafismo. É importante também salientar as alterações sensoriais observadas nas crianças com PEA, principalmente ao nível auditivo e tátil. Segundo vários estudos realizados (Elliott, 1990; Kientz & Dunn, 1997; Le Couteur et al, 1989; cit in Filipek et al, 1999) na audição, poderá observar-se uma hiposensibilidade, em que se verifica um alheamento ao envolvimento, com falta de interesse em sons produzidos por objetos, ou uma hipersensibilidade, em que se observa uma reação brusca a determinados sons (e.g., telefone, campainha, vozes altas). Ao nível do tato, poderá observar-se uma hiposensibilidade, responsável pela resistência à dor e à temperatura, ou uma hipersensibilidade, com reação bruscas a determinadas texturas. Na Intervenção Psicomotora, uma das metodologias utilizadas é a divisão de tarefas, que se define como o processo de identificação das variáveis de uma mesma atividade, de forma a tornarem-na mais complexa ou mais simples, de forma a ajustar-se ao nível de desempenho do executante e aos objetivos pretendidos. Isto significa que esta estratégia pode ser feita em qualquer atividade e para qualquer executante, tornando-se por isso um critério de qualidade no ensino e desempenho de atividades motoras (Rodrigues, 2006). Assim, esta divisão de tarefas permite graduar as atividades, aumentando o nível das mesmas, à medida que as crianças mostram apetência para isso. Objetivo Pretende-se apresentar o Programa PIPA na intervenção do autismo e os resultados de sete anos de intervenção no Centro de Desenvolvimento LógicaMentes. Metodologia Aplicação do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA) ao longo de sete anos. Trata-se de um Programa de intervenção para o Autismo, multidisciplinar com a participação das seguintes especialidades: Pediatria do Neurodesenvolvimento,

238

16.indd 238

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16-05-2014 11:52:20


O Impacto do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA), pp. 231-244

Psicologia (Clínica e Educacional), Terapia da Fala e Psicomotricidade. O PIPA inclui intervenção direta com a criança, a família e a escola. A intervenção direta com a criança é de carácter estruturado seguindo a metodologia TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children). Os pais são aqui considerados como co-terapeutas (Bandeira de Lima, 2012). Cada criança usufrui de um Programa intensivo que pode ir desde 16h a 80h mensais. A intensidade do programa é aconselhada em função das necessidades de cada criança e família. A frequência da intervenção de cada uma das especialidades terapêuticas é igualmente definida em função das necessidades de cada criança. É apresentada uma revisão de 21 casos todos diagnosticados com PEA, através dos critérios de DSM-IV-TR. Todas as crianças foram avaliadas no início do programa através de vários instrumentos, sendo que destacamos aqui para apresentação os resultados da aplicação da Griffiths, CARS, BP e o TALC. Nos casos que foram acompanhados por um período superior a 1 ano, são apresentados resultados das evoluções observadas. É feita uma análise estatística dos resultados. Resultados A amostra é composta por 21 crianças com uma idade média de 3,6 anos à data do início da intervenção, com uma idade mínima de 1,3 anos e máxima de 9,8 anos. A maioria dos sujeitos é do sexo masculino (90,5%) e têm um diagnóstico de Perturbação Autística (81%) de nível ligeiro a moderado (CARS=33,02). A nível da presença ou não da oralidade podemos verificar que 42,9% da amostra não tem oralidade. Em termos médios a amostra de crianças usufruiu de um programa com uma intensidade de 25 h mensais e com uma duração de 2 anos. Tabela 1. Evolução do nível cognitivo após intervenção. Pair 1

Mean

Std. Deviation

Std. Error Mean

Sig. (2-tailed)

QG1

70,2841

20,70950

5,02279

,017

QG2

75,0453

20,33131

4,93107

Impacto da intervenção no perfil cognitivo, linguístico e psicomotor O impacto da intervenção no perfil cognitivo, linguístico e psicomotor foi muito positivo, sendo que em algumas áreas é possível observar uma evolução significativa. A nível cognitivo podemos verificar na tabela nº1 que a amostra tem um nível cognitivo (QG) de 70,56, mas com uma variabilidade significativa (26,09; 102,67). Assim podemos verificar que a maioria da população (52,4%) não tem défice cognitivo e que 23,8% tem um défice cognitivo moderado a grave.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16.indd 239

239

16-05-2014 11:52:20


Cláudia Bandeira de Lima, Catarina Afonso, Ana Catarina Calado, Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento

Tabela 2. Médias dos resultados da Escala Ruth Griffiths por áreas antes e depois da intervenção. Mean

Std. Deviation

Std. Error Mean

MG1

82,5375

21,66558

5,41639

MG2

78,7238

18,60538

4,65135

PS1

62,5750

19,08376

4,77094

PS2

65,2875

19,79629

4,94907

AF1

56,9938

27,01144

6,75286

AF2

64,1369

29,75998

7,44000

Pair 4

MF1

69,8000

24,00628

6,00157

MF2

75,0813

20,65837

5,16459

Pair 5

R1

79,9125

24,83462

6,20866

R2

79,7394

24,75724

6,18931

RP1

47,0769

36,19296

10,03812

RP2

66,1415

40,46667

11,22344

Pair 1

Pair 2

Pair 3

Pair 6

Em termos de caracterização de perfil psicomotor podemos verificar (tabela nº2) que à data da primeira avaliação as crianças apresentam um perfil em que as áreas mais investidas são a Motricidade Grosseira e a Realização e as áreas onde se observam maior défice são a audição/fala e o raciocínio prático. Quando comparados os resultados da avaliação cognitiva inicial com a afinal (após intervenção mínima de 1 ano) verificamos que o nível cognitivo evoluiu significativamente (QG= p0,017), com uma diminuição de prevalência de défice cognitivo de 47,6% para 38,88% no segundo momento de avaliação. As áreas com uma evolução mais significativa foram a linguagem (AF= p0,005 se retirados os casos que permaneceram sem oralidade no segundo tempo de avaliação) e o raciocínio prático (RP= p0,013). Na motricidade fina podemos observar uma evolução favorável (MF1=69,80; MF2=75,08), ainda que não significativa (MF= p0,079). Impacto na Linguagem Após intervenção verificamos que se observa uma diminuição da prevalência de casos sem oralidade (42,9% para 28,6%). Nos casos com oralidade e com competências para a avaliação da linguagem através de testes formais de linguagem (TALC), podemos verificar que à data do início do Programa PIPA a área forte é a semântica (recetiva e expressiva) e as áreas onde se encontram maior défice são a morfossintaxe e a comunicação (tabela nº3).

240

16.indd 240

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16-05-2014 11:52:20


O Impacto do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA), pp. 231-244

Tabela 3. Médias dos resultados do teste TALC por áreas antes e depois da intervenção. Pair 1

Pair 2

Pair 3

Pair 4

Mean

Std. Deviation

Std. Error Mean

S_LingRecetiva1

18,0000

4,42719

1,80739

S_LingRecetiva2

26,0000

2,82843

1,15470

S_Ling_Expressiva1

13,0000

5,51362

2,25093

S_Ling_Expressiva2

20,1667

5,30723

2,16667

Morfossintaxe1

7,0000

6,63325

2,70801

Morfossintaxe2

18,3333

3,82971

1,56347

Comunicação1

3,3333

5,85377

2,38979

Comunicação2

6,8333

4,99667

2,03988

Quando comprados os dados do primeiro momento de avaliação com o segundo momento, podemos verificar que existem evoluções muito significativas em todas as áreas avaliadas, especificamente na semântica recetiva (p0,000), semântica expressiva (p0,006), na morfossintaxe (p0,006). A única área onde não se observaram evoluções significativas foi a comunicação (p0,153). Impacto no perfil psicomotor Os resultados da aplicação da BPM aplicada a crianças com idade a partir dos 4 anos permitem verificar que a nível psicomotor as áreas mais investidas são a Tonicidade e a Lateralidade, as áreas menos investidas são a Espácio-temporal e a Praxia Fina (tabela nº4). Tabela 4. Média dos resultados da Bateria Psicomotora por áreas antes e depois da intervenção. Minimum

Maximum

Mean

Std. Deviation

Tonicidade1

2,00

3,00

2,3750

,51755

Tonicidade2

2,00

3,00

2,7143

,48795

equilibrio1

1,00

3,00

1,8750

,64087

equilibrio2

2,00

3,00

2,4286

,53452

Lateralidade1

1,00

3,00

2,3750

,74402

Lateralidade2

2,00

4,00

3,0000

,57735

noçãocorpo1

1,00

3,00

1,8750

,83452

noçãocorpo2

1,00

3,00

1,8571

,89974

Espacio_temporal1

1,00

2,00

1,2500

,46291

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16.indd 241

241

16-05-2014 11:52:20


Cláudia Bandeira de Lima, Catarina Afonso, Ana Catarina Calado, Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento

Espacio_temporal2

1,00

3,00

1,5714

,78680

Praxia.global1

1,00

3,00

1,8750

,64087

Praxia.global2

1,00

4,00

2,4286

,97590

Praxia.fina1

1,00

2,00

1,1250

,35355

Praxia.fina2

1,00

3,00

1,4286

,78680

Total PM1

8,00

19,00

12,7500

3,10530

Total PM2

12,00

21,00

15,4286

3,69040

Quando comparados os resultados entre o primeiro e segundo momento de avaliação podemos verificar que existe uma evolução positiva em todas as áreas, exceto nas áreas de Noção de Corpo e Espácio-temporal. Contudo, esta evolução não é significativa (p0,140). Impacto no diagnóstico de PEA Relativamente ao impacto no diagnóstico de PEA verificamos que também houve uma evolução positiva com uma diminuição da prevalência do diagnóstico de Perturbação Autística (PA) (PA1=81% para PA2=66,7%). Conclusões O programa PIPA teve um impacto significativo enquanto metodologia terapêutica na intervenção das Perturbações do Espectro do Autismo. Após sete anos de aplicação, os resultados do Programa PIPA têm sido muito positivos, quer ao nível da promoção das competências pessoais de cada criança, quer ao nível da sua melhor integração familiar, educacional e social. A nível cognitivo podemos concluir que se verificou uma evolução significativa após intervenção. Apesar de alguma heterogeneidade, a maioria das crianças mostrou evoluções significativas sobretudo nas áreas da Linguagem e da Cognição Verbal e sobretudo no seu perfil funcional, melhorando na sua socialização, comunicação e comportamento. As evoluções no perfil cognitivo foi mais evidente nas crianças com um nível cognitivo ligeiro e nas crianças com um défice moderado a grave foram onde se observaram menos evoluções. Na área da linguagem e relativamente aos casos de PEA com oralidade, é possível constatar que o domínio da semântica foi o domínio linguístico em que as crianças apresentaram melhores resultados e contrariamente, foi a pragmática que apresentou resultados mais baixos. Em todos os casos foram observadas melhorias significativas após um ano de intervenção, tendo-se verificado que o aumento das competências semânticas origina uma evolução do domínio morfossintático e consequentemente uma melhoria nas competências de comunicação, ainda que

242

16.indd 242

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16-05-2014 11:52:20


O Impacto do Programa Integrado Para o Autismo (PIPA), pp. 231-244

estas últimas permaneçam com percentagens bastante baixas após um, dois ou mais anos de intervenção. De facto, a área da comunicação/pragmática é a mais difícil para intervir, o que se deve às dificuldades que estas crianças apresentam em comunicar os seus interesses e preferências, estando mais dependente da sua patologia do Autismo. Quanto às crianças sem oralidade, é possível constatar que, regra geral, estas crianças apresentam capacidades linguísticas muito limitadas no que se refere a competências elementares para a comunicação, como sejam a identificação ou compreensão de itens. Na grande maioria das situações são crianças que precisam de suporte visual para a realização das diferentes tarefas. Importa salientar que apesar das dificuldades observadas aquando a primeira avaliação, regra geral, após um ano de intervenção, é possível observar evoluções na linguagem compreensiva ainda que a aquisição da oralidade seja mais difícil de ser alcançada. Na Intervenção em Psicomotricidade, as áreas em que se observam maiores evoluções são o Equilíbrio e a Praxia Global, uma vez que são compostas por tarefas mais concretas e práticas, o que facilita a aquisição de competências. Por outro lado, verificam-se dificuldades nas áreas da Noção do Corpo, da Estruturação Espacio-temporal. Estas duas áreas implicam a aquisição de conceitos abstratos (e.g., distinção dos lados direito/esquerdo, esquema corporal, conceitos espaciais, entre outros), o que, nas PEA, se revela bastante difícil. Consideramos ainda que a dificuldade em obter significância nos resultados apresentados se deve ao facto de o instrumento de avaliação aplicado (BPM de Vitor da Fonseca), não ser suficientemente sensível às pequenas evoluções, avaliando apenas grandes marcos do desenvolvimento psicomotor. Os resultados realçam a eficácia do Programa PIPA e da terapia de carácter intensivo na intervenção com crianças com autismo. A integração escolar foi promovida, tornando-se mais personalizada às necessidades de cada criança e a dinâmica familiar melhorou significativamente. Referências Bibliográficas American Psychiatric Association (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5. Washington DC: American Psychiatric Association. Associação Portuguesa de Psicomotricidade (2009). Para uma melhor compreensão da Psicomotricidade. Consulta realizada no dia 31 de Maio de 2009 em http://www. appsicomotricidade.org/entrada.htm. Bandeira de Lima (2012). Perturbações do Espectro do Autismo – Manual prático de intervenção. Lisboa: Lidel. Baranek, G. T. (2002). Efficacy of Sensory and Motor Interventions for Children with Autism. Journal of Autism and Developmental Disorders. Volume 32. Nº 5. Pp.397-422. Brandão, M. T. (2007). As disfunções motoras como indicadores precoces das

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16.indd 243

243

16-05-2014 11:52:20


Cláudia Bandeira de Lima, Catarina Afonso, Ana Catarina Calado, Fernanda Torgal, Rosa Gouveia e Catarina Nascimento

perturbações do espectro do autismo. In Barreiros, J., Cordovil, R. & Carvalhosa, S. (Eds) (2007). Desenvolvimento Motor da Criança. Cruz Quebrada. FMH Edições. Pp. 219-226. Comité Permanent de Liaison des Orthophonistes-Logopèdes de l’EU. Professional Profile of the Speech and Language Therapist. Disponível a 16 de Agosto de 2013 em http://www.cplol.eu/documents/finish/12-professional-profile/32professional-profile.html. Filipek, P. A., Accardo, P. J., Baranek, G. T., Cook, Jr., E. H., Dawson, G., Gordon, B., Gravel, J. S., Johnson, C. P., Kallen, R. J., Levy, S. E., Minshew, N. J., Prizant, B. M., Rapin, I., Rogers, S. J., Stone, W. L., Teplin, S., Tuchman, R. F. & Volkmar, F. R. (1999). The Screening and Diagnosis of Autistic Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders. Volume 29. Nº 6. Pp.439-484. Flippin, M, R. & Watson, L. R. (2010). Effectiveness of the Picture Exchange Communication System (PECS) on communication and speech for children with autism spectrum disorders: A meta-analysis. American Journal of Speech-Language Pathology, 19, 179-185. Fonseca, V. (2007). Manual de Observação Psicomotora – significação psiconeurológica dos factores psicomotores. 2ª edição. Lisboa. Âncora Editora. Hauck, J. A. & Dewey, D. (2001). Hand Preference and Motor Functioning in Children with Autism. Journal of Autism and Developmental Disorders. Volume 31. Nº 3. Pp.265-277. Hughes, C. (1996). Brief Report: Planning Problems in Autism at the Level of Motor Control. Journal of Autism and Developmental Disorders. Volume 26. Nº 1. Pp.99107. Kierman, C. & Reid, B., (1987). Pre-verbal communication schedule (PVCS). Windsor: NFER-Nelson. Ozonoff S, R. & Hendren R. L. (2003). Perturbações do espectro do autismo: perspectivas de investigação actual. Lisboa: Climepsi Editores. Reynell, J.K. & Gruber, C. P. (1987). Reynell Developmental Language Scales. Windsor: NFER-Nelson. Rodrigues, D. (2006). As Dimensões de Adaptação de Actividades Motoras in David Rodrigues (Eds) Actividade Motora Adaptada. São Paulo. Artes Médicas. Sua-Kay, E. & Tavares, M.D. (2006). TALC – Teste de Avaliação da Linguagem na Criança. Lisboa: Oficina Didática. Travers, B. G., Powell, P. S., Klinger, L. G. & Klinger, M. R. (2013). Motor Difficulties in Autism Spectrum Disorder: Linking Symptom Severity and Postural Stability. Journal of Autism and Developmental Disorders. Volume 43. Pp.1568–1583. Wing & Gould (1979). Severe impairments of social interaction and associated abnormalities in children: epidemiology and classification. J Autism Dev Disord.9 (1):11-29.

244

16.indd 244

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

16-05-2014 11:52:20


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos com Perturbações do Espectro do Autismo: Comparação entre escolas dos 2º e 3º Ciclos com e sem Unidades de Ensino Estruturado para crianças com PEA Cooperative Learning and Teaching as inclusive practices in the education of children with Autism Spectrum Disorder: comparison between schools with the 2nd and 3rd cycle of studies with and without Structured Teaching Units for children with Autism Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira Escola Superior de Educação de Jean Piaget – Arcozelo

Contacto para correspondência: catarinaflorim@hotmail.com

Resumo: As Perturbações do Espectro do Autismo caraterizam-se por disfunções graves do neurodesenvolvimento, conduzindo a um desenvolvimento atípico na interação social, na comunicação e na imaginação/comportamento do indivíduo. De acordo com o princípio da escola inclusiva, esta deverá responder com meios adequados de forma a promover o sucesso do processo ensino / aprendizagem. No entanto, e para que este se desenvolva, é pertinente refletir sobre uma eficaz interação professor-aluno, pois para além da preocupação com o domínio das áreas do saber, o professor deverá dar, da mesma forma, ênfase ao

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

245


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

desenvolvimento das atitudes que lhe permitem aceitar a mudança e a inovação, sendo ele próprio o agente de mudança. Não obstante, torna-se emergente que os professores recorram a outras práticas inclusivas, nomeadamente a aprendizagem cooperativa, a negociação, a meta-aprendizagem e o ensino cooperativo. Para tal, recorremos a uma amostra de noventa e cinco professores, de três agrupamentos de escola. Tendo em conta a nossa problemática, optou-se pelo método quantitativo diferencial, utilizando como instrumento de recolha de informação uma escala de resposta tipo likert. Os dados obtidos através desta escala permitem verificar que as escolas estudadas recorrem a práticas inclusivas. Tendo em conta a aprendizagem cooperativa e o ensino cooperativo como práticas inclusivas, verificamos um maior recurso, por parte dos docentes (de acordo com a sua perceção), nas escolas com Unidades de Ensino Estruturado para crianças com PEA, em detrimento das escolas sem Unidades de Ensino Estruturado para crianças com PEA. Palavras-Chave: Inclusão, Práticas Inclusivas, Perturbações do Espectro do Autismo, Unidades de Ensino Estruturado. Abstract: The autism spectrum disorders characterize itself by severe neurodevelopmental disorders, leading to atypical development in social interaction, communication and imagination / behavior of the individual with autism. According to the principle of the inclusive school, it should respond with appropriate means in order to promote the success of teaching and learning. However, and this is developed, it is pertinent to reflect on effective teacherstudent interaction, as well as concern for the field of disciplines, the teacher should give the same manner, emphasizing the development of attitudes which allow embrace change and innovation, and he is the agent of change. Nevertheless it is emerging that teachers go to other inclusive practices, including cooperative learning, negotiation, meta-learning and cooperative learning. Thus, a perspective of inclusive school, teachers must be proficient in the use of interactive strategies, so that their intervention promotes the success of these children. For this purpose, we used a sample of ninety-five teachers, three groups of school. Having regard to our problem, we opted for differential quantitative method, using as a tool for gathering information a scale of Likert-type response. The data obtained from this scale, show that the studied schools resort to inclusive practices. Having regard to cooperative learning and cooperative learning as inclusive practices found greater use by teachers (according to your perception), schools with Structured Teaching Units for children with Autism Spectrum Disorders, to the detriment of free schools Teaching Units structured for children with Autism Spectrum Disorders. Key-words: Inclusion, Inclusive Practices, autism spectrum disorders, Units of Structured Teaching for Autistic.

246

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

Introdução O aluno com Perturbação do Espectro do Autismo tem singularidades e especificidades muito próprias, pelo que há que responder à diversidade através de estratégias de aprendizagem e de adequação de métodos para possibilitar o sucesso educativo destes e de todos os alunos. A escola tem, portanto, um papel decisivo a desempenhar na formação e desenvolvimento da criança, no sentido de minimizar as diferenças e proporcionar a todos os alunos uma plena inclusão na escola e, posteriormente, na sociedade. O facto de se incluir os alunos com PEA na sala de aula leva-os a um maior desenvolvimento trazendo, também, vantagens significativas para o restante grupo. De facto, esta diversidade é sempre uma mais-valia para todos e todos podem e devem beneficiar dela. Aliás, o princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em que todos os alunos aprendam juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem, promovendo a cooperação e ajuda entre crianças com necessidades educativas especiais e os seus colegas. Este estudo incide, particularmente, nas práticas inclusivas a que os professores recorrem para o ensino destas crianças, nomeadamente na aprendizagem cooperativa e no ensino cooperativo. Deste modo, o estudo seguidamente apresentado pretende focar o recurso a estas práticas, tanto em escolas com Unidades de Ensino Estruturado para crianças com PEA como em escolas sem Unidades de Ensino Estruturado para crianças com PEA (UEEA), de forma a compreendermos se a existência ou não desta estrutura de ensino influencia as práticas dos professores. A escolha desta temática advém do facto de ser reconhecido o direito à educação em escolas de ensino regular para todas as crianças. Deste modo, é necessário verificar se as crianças com Perturbações do Espectro do Autismo (PEA), para além de estarem incluídas nas escolas, têm acesso a práticas inclusivas dentro da sala do ensino regular. Neste sentido, esta investigação visa verificar se os professores recorrem a práticas inclusivas, tentando comparar professores de escolas com UEEA e sem UEEA, em particular no que concerne às estratégias de aprendizagem cooperativa e ensino cooperativo. Assim, inicialmente, proceder-se-á a uma revisão bibliográfica sobre a Perturbação do Espectro do Autismo, bem como à exploração do modo como o autismo atinge e envolve o indivíduo. Para que estas crianças se desenvolvam de forma integral e equilibrada, é pertinente refletir sobre uma eficaz interação professor - aluno. Assim sendo, é imperativo que os docentes consigam refletir sobre as suas práticas, sobre a importância da cooperação, da participação e da partilha (aprendizagem cooperativa), do valor do sucesso de todos os alunos independentemente das suas necessidades educativas e da qualidade da educação para todos. Relativamente ao estudo empírico, a amostra é constituída por 95 indivíduos que lecionam os 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico. Trata-se de uma amostra que envolve os professores de algumas Escolas Básicas localizadas nas cidades de

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

247


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

Vila Nova de Gaia, Gondomar e Mem Martins. Esta amostra foi selecionada por conveniência, tendo sido retirada de uma base de dados mais ampla. A esta amostra aplicou-se uma escala sobre as perceções dos professores sobre a aprendizagem na sala de aula. Deste modo, o presente artigo estrutura-se em duas partes, a primeira referente à revisão da literatura e a segunda que incide sobre o estudo empírico. Perturbações do Espectro do Autismo “As Perturbações do Espectro do Autismo são disfunções graves e precoces do neurodesenvolvimento que persistem ao longo da vida, podendo coexistir com outras patologias” (Pereira, 2008, p. 9). De forma a perceber o modo como as Perturbações do Espectro do Autismo (PEA) atingem e envolvem um indivíduo, é pertinente considerar a tríade de incapacidades: a Comunicação, a Socialização e a Imaginação / Comportamento, tal como definido por Wing e Gould (1979, referido por Lima, 2012). Numa filosofia de escola inclusiva, o professor como profissional permanentemente questionador das suas práticas educativas e profissional reflexivo, deverá pautar a sua atuação pelos princípios da cooperação e da partilha, de modo a fomentar uma linguagem comum, a confiança entre os agentes educativos, uma responsabilidade comum e uma organização e planificação conjuntas. Desta forma, para Leitão (2010), o ensino cooperativo permite: a diversificação e flexibilização de atividades; a dinamização de atividades, onde os alunos se mantêm em aprendizagem cooperativa; a diferenciação de tarefas e papéis; e a promoção da inclusão de todos os alunos. Para se atingir uma escola onde o conceito de inclusão vigore, é necessário implementar estratégias e procedimentos que proporcionem a todos os alunos as melhores condições e oportunidades para aprenderem, interagindo de forma solidária e cooperativa, de modo a desenvolverem ao máximo as competências académicas e sociais. Neste sentido, a aprendizagem cooperativa é uma estratégia de ensino que se centra no aluno e no trabalho cooperativo em pequenos grupos e “recorre a uma diversidade de atividades, formas e contextos sociais de aprendizagem, para ajudar os alunos (...) construírem e aprofundarem a sua própria compreensão do mundo em que vivem” (Leitão, 2010, p. 10). Possibilitar às crianças com PEA a convivência com os seus pares estimula o desenvolvimento de competências de interação social prevenindo, de certa forma, a tendência ao isolamento. Assim, mesmo que o aluno apresente dificuldades cognitivas significativas, face a uma inclusão adequada, este pode usufruir de experiências sociais e tirar partido delas, potenciando certos domínios como a autonomia e a independência conquistando, assim, o seu lugar na escola, na família e, à posteriori, na sociedade. De acordo com o decreto-lei 3/2008, de 7 de janeiro, as Unidades de Ensino Estruturado constituem uma resposta educativa especializada para alunos

248

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

com PEA. Segundo Pereira (2008), o recurso a ambientes estruturados facilita o processo de ensino e de aprendizagem, atenua as dificuldades de organização e sequencialização e promovem sentimentos de confiança e segurança. Espera-se, portanto, que a escola promova o desenvolvimento equilibrado e harmonioso de todos os alunos, potenciando, desta forma, o seu sucesso e a equidade social. A Inclusão da Criança com PEA na Escola Regular Nos dias de hoje, a escola recebe alunos com conhecimentos diversificados e graus de dificuldade diferentes; assim, para responder às necessidades com que se depara deve recorrer a estratégias diversificadas. No que diz respeito aos alunos com Perturbações do Espetro do Autismo (PEA), os pontos-chave para uma inclusão eficaz no ambiente educacional regular são: - Estabelecer uma comunicação regular e de compreensão casa/escola. - Respeitar integralmente a experiência parental e o conhecimento especializado que têm do seu filho. - Efectuar reuniões intercalares de revisão de relatórios. - Integrar objectivos específicos e exequíveis nos PEI (num máximo de três ou quatro). - Estabelecer os PEI para os novos períodos lectivos durante o processo de familizarização. - Mostrar flexibilidade e ter em consideração a forma de pensar única e alternativa de alguém com PEA, quando se planearem as suas escolhas profissionais” (Hewitt, 2006, p.106). As PEA interferem no desenvolvimento da criança, especificamente no modo de pensamento e de funcionamento, sendo caraterizadas pelas dificuldades na compreensão e de resposta adequada às situações do meio ambiente, na seleção e processamento da informação e na resposta a estímulos sensoriais (Pereira, 2008). Segundo o mesmo autor, estes alunos carecem de respostas educativas diferenciadas que atendam às suas especificidades e que possam estimular a aprendizagem, ajudo-os a superar dificuldades. As crianças com PEA apresentam determinadas caraterísticas específicas, como também, na maioria das vezes, dificuldades cognitivas que influenciam a sua aprendizagem. Para além destas dificuldades, estes alunos podem, igualmente, apresentar problemas ao nível da autonomia pessoal e social, comunicação, relações socio-afetivas, na adequação ao contexto a que pertencem, entre outros. De acordo com a expetativa da escola inclusiva, para que todas as crianças beneficiem da inclusão, a escola deverá responder com os meios e recursos adequados e ajustados a todos para que estes promovam o sucesso do processo de ensino / aprendizagem. No que diz respeito à criança com PEA, esta deverá beneficiar do apoio individualizado no sentido de serem otimizadas as suas

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

249


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

condições de aprendizagem, não obstante e como já pudemos constatar é igualmente importante que a criança usufrua de tempo para estar com o seu grupo de pares, quer em contexto social como de sala de aula. “Em cada classe os alunos representam uma fonte rica de experiências, de inspiração, de desafio e de apoio que, se for utilizada, pode insuflar uma imensa energia adicional às tarefas e actividades em curso” (Ainscow, 2002, p.16). No entanto, o descrito depende, naturalmente, da atitude e sensibilidade do professor para aproveitar essa energia para a formalização das aprendizagens que pretende. Para além disso, torna-se pertinente recriar e estruturar o espaço sala de aula, os materiais e as atividades para que este se adapte ao seu nível cognitivo e de comunicação (Lima, 2012). Organizar um espaço de ensino pode reduzir as dificuldades emergentes dos alunos com autismo uma vez que, por norma, respondem bem a ambientes estruturados. A conceção de situações de ensino e de aprendizagem organizadas diminuem as dificuldades de organização, facultando a segurança, a confiança e a ajuda à criança com PEA. Sendo o modelo estruturado flexível, este permite ao docente encontrar estratégias ajustadas de forma a poder responder adequadamente à maneira de pensar e de aprender dos indivíduos com PEA, e assim ajudá-los a melhorar os seus desempenhos e capacidades adaptativas para desta forma atingir o máximo de autonomia ao longo da sua vida. De um modo geral, o ensino estruturado carateriza-se por um conjunto de estratégias e princípios orientadores que, “com base na estruturação externa do espaço, tempo, materiais e actividades, promovem uma organização interna que permite facilitar os processos de aprendizagem e de autonomia das pessoas com PEA, diminuindo a ocorrência de problemas de comportamento” (Pereira, 2008, p.17). Deste modo, o recurso a ambientes estruturados facilita o processo de ensino e de aprendizagem, atenua as dificuldades de organização e sequenciação e promovem sentimentos de confiança e segurança. O professor deverá ter sempre em conta que o programa educativo de cada aluno depende de fatores como a idade, as capacidades e as necessidades da criança e que o processo de ensino e de aprendizagem é construído por etapas. Identificar todas as especificidades e caraterísticas individuais é reconhecer que as crianças com PEA carecem de respostas educativas diferenciadas de forma a superarem as suas lacunas na comunicação, interação e comportamento. A intervenção deverá iniciar logo que são sinalizadas as primeiras alterações no desenvolvimento da criança. Na prática, algumas das estratégias que poderão colmatar estas dificuldades passam por: adoção de “horário fixo”; utilização da rotina diária; usar e tirar proveito das pistas visuais; utilização de cadernos adaptados; recurso ao computador; escolher um lugar fixo e central; aplicação de testes adaptados (pouca informação por página; instruções claras e objetivas; auxílio de pistas visuais e espaço para escrever ou desenhar bem demarcado); articulação entre profissionais de forma a programar com eficácia; criação de situações de comunicação; utilização de um discurso claro e com conceitos que a criança consiga compreender, reduzindo a extensão das afirmações; uso de gestos,

250

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

expressões faciais, tom, ritmo e volume da voz de forma exagerada; empregar o reforço positivo. Para além do apoio individualizado, torna-se importante que a criança beneficie de momentos em contexto social e recreativos como também em sala de aula, onde “poderá pôr em prática os conhecimentos aprendidos na terapia individual” (Lima, 2012, p.75). O processo de ensino / aprendizagem dos alunos com PEA deverá também ser contemplado pelo esforço e reforço de uma equipa que deverá trabalhar segundo as orientações dos conceitos de partilha e colaboração. Assim, e atendendo à implementação do Plano Educativo Individual e às necessidades e especificidades do aluno, constata-se que esta equipa deverá ser constituída por todos os intervenientes no seu processo educativo como o educador/professor da turma onde está inserido o aluno, o professor de educação especial, o psicólogo da escola, o assistente social, o terapeuta da fala, o fisioterapeuta, o terapeuta ocupacional, outros profissionais e consultores, o diretor da escola e os pais. Estes professores e técnicos são convocados consoante as necessidades do aluno de forma a obter informações e apoio. Conforme declara Sousa (2009, p.8), “as práticas de diferenciação abrangem a distribuição de diferentes alunos por grupos e a organização sistemática, por parte do docente, de diferentes padrões de abordagem ao currículo em função das características que identifica em cada grupo.” A inclusão implica e exige mudanças na escola, em termos de organização, de currículo, de metodologias de ensino e de formas de avaliação e, em alguns casos torna-se necessário o recurso a currículos e/ou instituições especiais, embora deva sempre manter-se a ligação com a escola regular. A atenção à diversidade está focada no direito de acesso à escola e visa a melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para todos, bem como as perspetivas de desenvolvimento e socialização. O princípio fundamental das escolas inclusivas defende que todos os alunos aprendam juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem, promovendo, assim, a cooperação e o espírito de interajuda. Para que a educação inclusiva seja, então, uma realidade, deve atender-se, também, ao ambiente das salas de aula, às estratégias de aprendizagem adoptadas, às técnicas de gestão de turmas usadas, à articulação e colaboração de todos os profissionais. Para além disso, criar novos modelos de avaliação adequando-os às diferentes realidades, apostar na formação de todos os profissionais envolvidos e enriquecer as ligações e vínculos contextuais com a família e a comunidade. Assim, todos os alunos sairão beneficiados, pois a convivência com a diversidade de crianças de uma turma do regular permitelhes aumentar as capacidades de atenção, de comunicação e de participação nas atividades educativas propostas, num espaço de tempo melhor do que se estivessem numa sala de aula segregada. Na perspectiva de Leitão (2010, p.1-3), a inclusão baseia-se nos seguintes aspectos fundamentais: “No direito de todas as crianças poderem frequentar a escola da sua comunidade, com os seus vizinhos, amigos ou irmãos; utilizar a

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

251


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

diversidade dos recursos que essa mesma comunidade prevê para o conjunto dos seus membros; participar em actividades de recreação e lazer com outras pessoas da comunidade em que se inserem; exercer, enquanto adulta, uma actividade laboral, num contexto normal de trabalho, num envolvimento o menos restritivo possível; usufruir de uma «vida de qualidade»; Na diferenciação pedagógica, no sentido de reconhecer e responder às necessidades individuais, promovendo oportunidades de cooperação e participação social, valorizando os procedimentos interactivos e contextos sociais de aprendizagem na sala de aula; Na cooperação entre profissionais, na partilha de objectivos e de projectos, na preparação e planificação conjunta dirigida a toda a classe, na colaboração em equipa; Na promoção do trabalho cooperativo entre alunos, por parte dos docentes. Os professores aumentam igualmente a qualidade das suas práticas quando promovem a cooperação entre alunos; Numa formação de base e da formação contínua, nomeadamente em contexto de escola, no desenvolvimento de práticas inclusivas e cooperativas e no desafio que sempre constitui a procura colaborativa das melhores soluções para as problemáticas mais complexas, contribuindo, igualmente, para o desenvolvimento profissional dos docentes; Na promoção dos valores da cidadania, da aceitação e respeito pela diferença, da solidariedade e ajuda mútua”. Neste sentido e face a um aluno com PEA, que apresenta caraterísticas e singularidades muito próprias e peculiares, torna-se pertinente colmatar a diversidade existente no seu meio através de estratégias e pedagogias diferenciadas, bem como a adequação de métodos para possibilitar o sucesso educativo destes e de todos os alunos. A escola tem, assim, um papel elementar na formação da criança com PEA, recorrendo às diferenças individuais e construir uma escola onde todos tenham sucesso na aprendizagem. O conjunto de todos estes aspetos, o reconhecimento do papel elementar e decisivo da escola em todo este processo e a força de todos para o alcance de uma escola realmente inclusiva, respondem às particularidades de todos os alunos, podendo intensificar a importância dos apoios e recursos técnicos característicos de que alguns dos membros dessa comunidade necessitam. De um modo geral, verifica-se que os alunos com estas perturbações apresentam a necessidade de concretizar a sua vida académica num ambiente muito estruturado no qual se sintam bem. Para além disso, é pertinente um ambiente que também facilite a perceção de causalidades entre as suas respostas e as do meio que os rodeiam, tomando a consciência das consequências do modo como atua (Carvalho & Onofre, 2007). Aprendizagem e Ensino Cooperativos Aprendizagem cooperativa Segundo Correia (2008), a educação inclusiva arrasta os professores para a criação de ambientes de interajuda entre alunos, ou seja, através de aprendizagens

252

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

cooperativas, onde a confiança e o respeito mútuos são características essenciais. Estes ambientes exigem estratégias que fomentam a consolidação das áreas fortes dos alunos, dando respostas adequadas às suas necessidades (ibidem). “Os professores aumentam a qualidade das suas práticas quando promovem a cooperação entre alunos. Importa desenvolver a interdependência positiva entre alunos, as interações face-a-face, a responsabilidade individual no seio do grupo, a avaliação dos procedimentos usados no trabalho de grupo, maximizando desta forma a participação activa e construtiva de todos os alunos na construção do seu próprio desenvolvimento” (Leitão, 2010:3). A aprendizagem cooperativa é uma estratégia de ensino que se centra no aluno e no trabalho cooperativo, em pequenos grupos. Grupos estes que se devem basear nas diferenças dos seus membros. Desta forma, a diferença é encarada como um valor e o recurso à diversidade de atividades uma certeza. É necessário proporcionar ao aluno contextos que o ajudem a construir o conhecimento de forma crítica e reflexiva. Assim, no contexto da aprendizagem cooperativa “ Os alunos são encorajados a partilhar os seus saberes, as suas experiências e pontos de vista, a tomar iniciativas e decisões em relação a múltiplos aspectos da vida da escola, a controlarem e regularem as suas próprias aprendizagens. São incentivados a participar activamente em processos auto, hetero e co-avaliação, a decidir sobre a constituição dos próprios grupos” (Leitão, 2006, p. 50). Efectivamente ensinar conjuntamente, numa mesma sala de aula, alunos diferentes, tal como exige a escola inclusiva, implica introduzir uma organização de aprendizagem colaborativa, em detrimento de uma organização individualista. De facto, só poderão progredir, se a sala de aula estiver organizada de forma cooperativa, em que todos cooperam, e se ajudam mutuamente, de modo a alcançar o mesmo fim, progredir na aprendizagem, maximizando, desta forma, as suas potencialidades (Maset, 2011). Na perspectiva de Sanches (2005, p. 134), “com o trabalho cooperativo, da competição passa-se à cooperação, privilegiando o incentivo do grupo em vez do incentivo individual, aumenta-se o desempenho escolar, a interacção dos alunos e as competências sociais”. Neste sentido, devemos realçar que através da aprendizagem cooperativa os professores criam condições para que os alunos respeitem o trabalho realizado e desenvolvam estratégias próprias de resolução de dificuldades, recorrendo à ajuda dos seus colegas. Contudo, é essencial refletir a seleção das estratégias dadas aos grupos, de modo a que todos os alunos possam participar ativamente nas atividades e nas aprendizagens. “Se, na perspectiva da aprendizagem cooperativa, é importante assegurar a heterogeneidade dos grupos, não deixa de ser igualmente importante garantir a participação activa de todos os alunos no contexto dos seus grupos de trabalho. Assegurar essa participação activa passa fundamentalmente pelos cuidados a ter na divisão das tarefas e dos materiais, na atribuição de papéis e responsabilidades individuais aos vários membros dos grupos e pela rotatividade, diversidade e

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

253


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

flexibilidade com que esses papéis devem ser desempenhados” (Leitão, 2006, p. 36). Como os alunos beneficiam de uma interajuda e interdependência irão criar uma melhor relação uns com os outros, quebrando-se preconceitos e estereótipos, o que contribui para uma melhor inclusão de todos. A partilha de saberes e de experiências, bem como a construção das aprendizagens em conjunto, são um benefício para todos, visto potenciar a motivação. “Este clima de solidariedade e ajuda mútua, as actividades de aprendizagem cooperativa podem proporcionar oportunidades únicas para o desenvolvimento de competências como o pensamento crítico, a resolução criativa de problemas, a escuta activa, a comunicação interactiva, a aceitação e acomodação às diferenças individuais, entre muitas outras” (Leitão, 2006, p. 34). De facto, os professores são a chave principal para que a educação inclusiva seja efetivamente uma prática. Como professores, devemos ter a preocupação e devemos compreender que cada aluno é único e que cada um tem a sua forma de aprender, sendo necessário encontrar estratégias para que cada um se enquadre, da melhor forma possível, dentro de uma turma. Se cada aluno tem as suas competências e as suas dificuldades, então todos podem contribuir da sua forma para a aprendizagem dos outros. Para Maset (2011) na construção de ambientes positivos de aprendizagem, os professores do ensino regular devem incluir nas suas aulas, de forma articulada e convergente, momentos de caráter expositivo e de relações de interdependência. Na óptica de Sanches (2005), os professores ao promoverem a aprendizagem cooperativa ficam com mais disponibilidade na aula para responderem de uma melhor forma aos que têm mais necessidades e dificuldades. No entanto, os professores terão de despender de mais esforço e mais tempo para as suas planificações e para acionar o trabalho no grupo. Assim, podemos dizer que promover uma maior gestão cooperativa da sala de aula poderá ser uma experiência positiva para os todos os alunos. Esta estratégia deverá criar “ (…) um clima de aula estimulante numa perspectiva de desenvolvimento de autonomia, da responsabilidade, da iniciativa… construindo ou ajudando a construir elementos dinamizadores do seu projecto de vida e actuantes no projecto de construção da comunidade em que se inserem” (Sanches, 2001, p. 184). Pode-se então considerar que com a aprendizagem cooperativa “ (…) aprendemos uns com os outros, todos os contributos são importantes, nenhum aluno deve ser privado da oportunidade de poder contribuir para as aprendizagens dos outros, nenhum aluno deve ser privado da oportunidade de poder apreciar os contributos dos seus colegas” (Leitão, 2006, p. 35). Neste âmbito, a aprendizagem cooperativa assume especial relevo exatamente porque coloca a tónica numa perspetiva de inclusão escolar, centrandose no procurar e implementar estratégias e procedimentos que proporcionem a todos os alunos as melhores condições e oportunidades para aprenderem,

254

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

interagindo de forma solidária e cooperativa, de modo a desenvolverem ao máximo as competências académicas e sociais. O ensino cooperativo Morgado (1998, p.43) define cooperação como “o sucesso da relação pedagógica, considerando os múltiplos intervenientes e os seus diferentes papéis, torna imprescindível uma atitude de cooperação que julgamos ser entendida e assumida como um imperativo de natureza ética”. Tendo em conta a Declaração de Salamanca (Unesco, 1994), as escolas inclusivas atendem um elevado grau de heterogeneidade da população. Tal facto implica que para promoção do sucesso educativo de todos os alunos ocorram mudanças, designadamente, a nível do currículo, das instalações, da organização escolar e da prática pedagógica. Neste sentido, torna-se evidente a necessidade de uma articulação entre todos os intervenientes no processo educativo. “Se tivermos em conta que os professores representam um conjunto apreciável de conhecimentos e competências especializadas de alto nível, então mais se justificaria que houvesse trocas de saberes e de conhecimentos aumentando o fluxo de circulação da informação” (Hutmacher, 1992, p. 68). No ensino cooperativo, a colaboração e a partilha podem ser encaradas, por alguns docentes, como uma ameaça à sua realização pessoal e autonomia profissional (Leitão, 2010). Em contrapartida, Kronberg (citado por Correia, 2008, p. 50), defende que nas “escolas inclusivas, os professores frequentemente referem a importância do trabalho de equipa, assim como rapidamente reconhecem a importância da colaboração no processo de inclusão”. O trabalho em equipa é, pois, indispensável na educação de alunos com NEE. De acordo com Porter (1997), quando nos referimos a uma educação inclusiva é inevitável falarmos de trabalho em equipa. Isto porque para a escola responder com adequação à diversidade tem de se organizar com base no apoio cooperativo. Na perspetiva do mesmo autor, o professor de Educação Especial (EE) transforma-se num recurso e atua como consultor de apoio junto do professor do ensino regular. Neste sentido, o professor de EE em parceria com o professor do ensino regular desenvolvem estratégias e atividades que contribuem para a inclusão dos alunos com NEE. Assim sendo, deverá existir um trabalho cooperativo entre o professor do ensino regular e o professor de EE. Segundo Bautista (1997, p. 49) entre os professores deve existir uma comunicação permanente, em que se aborde e coopere na elaboração das adaptações curriculares e / ou programas, bem como no acompanhamento dos mesmos programas. A cooperação entre professores, para Gisbert, Mardomingo, Cabada, Sánchez Moiso, Rodríguez-Ramos, Solís-Muschketov, Claramunt, Toledo e Valverde (1986), pode espelhar-se através da utilização de uma linguagem comum, da confiança entre os mesmos, da relação de interdependência, da participação e

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

255


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

responsabilidade comuns e da organização e planificação conjuntas. A planificação de actividades, bem como a sua implementação, entre professores facilita possibilidades que o trabalho isolado não permite. Neste sentido, para Leitão (2010), o ensino cooperativo permite: i) a diversificação e flexibilização de atividades; ii) a dinamização de atividades, onde os alunos se mantêm em aprendizagem cooperativa; iii) a diferenciação de tarefas e papéis; iv) a promoção da inclusão de todos os alunos. Verificamos então que a cooperação entre o professor de EE e professor do ensino regular é fulcral para o sucesso escolar dos alunos com NEE. Vaz (1995) vai ao encontro desta afirmação mencionando que a intervenção, que advém de um trabalho cooperativo, fomenta a eficácia das funções docentes, assim como a possibilidade de mudanças, passo que é imprescindível para a inclusão escolar das crianças com NEE. Leitão (2010) corrobora com este ideal referindo que a colaboração ente docentes de EE e os docentes do ensino regular deve ter sempre a preocupação de proporcionarem boas condições de aprendizagem a todos os alunos. Modelo Cognitivo Comportamental: Ensino Estruturado A metodologia do Ensino Estruturado teve a sua origem na década de 70, criada por Eric Chopler e seus colaboradores, no departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Carolina do Norte nos Estados Unidos (Lima, 2012). “O ensino estruturado, que é aplicado pelo modelo TEACCH, é posto em prática em Portugal desde 1996, como opção do Ministério da Educação enquanto resposta educativa para os alunos com PEA nas escolas do ensino regular” (Lima, 2012, p.42). Tendo em conta as Normas Orientadoras para as Unidades de Ensino Estruturado para alunos com PEA, do Ministério da Educação (Pereira, 2008, p.17), trata-se de um modelo que se adequa à forma específica das pessoas que manifestam Autismo, adaptando-se à sua forma de pensar, de agir e aprender, ajudando-o a melhorar o seu desempenho e capacidade de autonomia para a sua vida. Com esta metodologia “também se trabalha a linguagem, a comunicação e a interação de forma estruturada”, desde que seja necessário (Carvalho & Onofre, 2007, p.9). Segundo Marques (2000), esta intervenção baseia-se em alguns importantes princípios orientadores, tais como: a) melhoria da adaptação ao meio; b) acesso a uma avaliação e intervenção individualizadas; c) a estruturação do ensino, designadamente das atividades e espaços; d) o reforço das competências emergentes; e) treino dos profissionais e f) apelo à colaboração parental enquanto parceiros ativos. De um modo geral, o ensino estruturado carateriza-se por um conjunto de estratégias e princípios orientadores que, “com base na estruturação externa do espaço, tempo, materiais e actividades, promovem uma organização interna que

256

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

permite facilitar os processos de aprendizagem e de autonomia das pessoas com PEA, diminuindo a ocorrência de problemas de comportamento” (Pereira, 2008, p.17). Neste sentido, é importante que a estrutura física assente numa forma de organizar e apresentar o espaço de modo estruturado com áreas bem definidas (Áreas da Transição, Reunião, Aprender e/ou Trabalhar, Brincar, Trabalhar em Grupo e Computador) (Carvalho & Onofre, 2007; Pereira, 2008), permitindo, assim, que o aluno desenvolva a sua autonomia, garantindo a sua estabilidade e a aquisição das suas aprendizagens. “A delimitação clara das diferentes áreas ajuda o aluno com PEA a entender melhor o seu meio e a relação entre os acontecimentos, permitindo-lhe compreender mais facilmente o que se espera que realize em cada um dos espaços” (Pereira, 2008, p.18). A estrutura física é um aspeto de fulcral importância a ser trabalhado com a criança com Perturbações do Espectro do Autismo, pois estruturar significa organizar, “colocar limites físicos e visuais muito claros para que o ambiente possa «falar» por si só” (Lima, 2012, p.50). Esta estruturação deverá adequar-se à necessidade e especificidade de cada criança, atendendo às suas caraterísticas cognitivas, comunicacionais e de comportamento, pelo que não deve ser da mesma forma para todos. Deverá também ter um caráter flexível de forma a poder sofrer alterações consoante a evolução da criança - na sua aprendizagem ou autonomia. A estruturação é feita no espaço, não obstante dever-se-á ter em conta a organização dos materiais a serem utilizados pelo aluno, como também as atividades devem ser construídas e adaptadas às necessidades de cada criança. Devido às dificuldades que normalmente demonstram relativamente à motricidade fina, estas deverão ser manipuláveis com recurso ao velcro, a etiquetas e/ou materiais destacáveis (Lima, 2012, p.51). A organização do tempo é, igualmente, muito importante para uma criança com autismo. Ter acesso a um horário bem estruturado ajuda o aluno a compensar a sua dificuldade em sequenciar e em se manter organizado e desta forma conseguir minimizar a sua ansiedade e os comportamentos disruptivos. O horário individual é elaborado de forma a indicar a cada aluno com autismo o que realizará ao longo de cada dia e a sequência em que o fará, tendo em atenção às especificidades e particularidades de cada criança. Permite saber o antes e o depois. Essa informação poderá ser transmitida através de palavras escritas, objetos, fotografias, imagens, símbolos pictográficos. Esta rotina premeditada fará com que a criança tenha um conhecimento prévio da atividade, o que levará a um favorecimento da sua estabilidade emocional, à aprendizagem e, consequentemente, ao sucesso académico e pessoal (Carvalho & Onofre, 2007). A noção temporal é um conceito abstrato e desta forma difícil de adquirir à criança com autismo. Assim, esta previsibilidade ajuda a informar a criança, a introduzir suaves mudanças no seu dia-a-dia, a adequar os seus comportamentos permitindo a adaptação a novas situações (Lima, 2012).

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

257


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

Outro aspecto importante a ter em conta é o Plano de Trabalho que deverá estar exposto na parede através de cartões que expõem e orientam a criança autista na realização das tarefas a cumprir em determinada área. Pretende-se que, desta forma, o aluno trabalhe autonomamente podendo-se avaliar se as aprendizagens ficam consolidadas. Da mesma forma que o horário, o plano de trabalho deverá também ser adaptado e ajustado a cada aluno e de forma sequencial que lhe permita ter a noção de princípio e do fim. “Tem por objetivo estabelecer uma relação de causa-efeito e transmitir uma noção de sequência (início/meio/fim)” (Lima, 2012, p.53). O aumento das capacidades funcionais e a redução das limitações e comportamentos desajustados de crianças e jovens com PEA requerem a utilização de métodos educacionais específicos que criem ambientes estruturados através da aplicação de programas diários individuais. Metodologia A relação dos indivíduos com PEA com o mundo obriga-nos a pensar em questões da sua educação. A escola, como instituição universal, deve dar resposta a estas crianças. Na qualidade de agente ativo da educação, o professor deve tentar compreender e explorar todos os recursos e a sua criatividade, de modo a ajudar as crianças com PEA, através da educação. Assim deve ajudálos a ultrapassar a ausência de motivação que impede a comunicação e o relacionamento interpessoal. Com o DL. 3/2008, de 7 de Janeiro, foram criadas as Unidades de Ensino Estruturado para crianças com PEA (UEEA), em algumas escolas, de modo a dar melhores respostas a estas crianças. Como nem todas as escolas possuem este recurso surgiu o interesse de analisar e comparar as práticas inclusivas das escolas com UEEA e sem UEEA. Assim, propomo-nos investigar estas práticas em diferentes escolas, designadamente dos 2º e 3º Ciclos, de modo a podermos obter conclusões e, desta forma, a pergunta de partida que se coloca é a seguinte: Existirão diferenças na forma como os professores do ensino regular dos 2º e 3º Ciclos promovem a inclusão de crianças com PEA, consoante lecionam em escolas com e sem UEEA? A eleição desta temática para o estudo de investigação a realizar teve por base o interesse pessoal e profissional dos investigadores. De facto, trabalhar com crianças com PEA despoletou o interesse de conhecer melhor o trabalho que se realiza com estas crianças nas UEEA, mas sobretudo a sua inclusão em sala de aula. As orientações referidas foram o mote para se poder determinar os objetivos específicos da corrente investigação: 1º Verificar o recurso a práticas de aprendizagem cooperativas; 2º Verificar a existência de práticas de ensino cooperativo; 3º Comparar as práticas pedagógicas, ao nível da aprendizagem

258

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

cooperativa, entre professores dos 2º e 3º ciclos de escolas com e sem UEEA; 4º Comparar as práticas pedagógicas, ao nível do ensino cooperativo, entre professores dos 2º e 3º ciclos de escolas com e sem UEEA. No que diz respeito à opção metodológica utilizada foi a metodologia quantitativa, de cariz diferencial e correlacional uma vez que esta permite ao investigador aumentar a sua experiência, aprofundar o seu estudo e, por conseguinte, adquirir um maior conhecimento a respeito do problema. Este trabalho insere-se num projeto coordenado pelo professor Doutor Francisco Ramos Leitão, sendo que de uma base de dados maior, obtivemos uma amostra total de 95 inquiridos de Mem Martins, Gondomar e Vila d’Este. No entanto, tendo em conta a problemática deste estudo tivemos de selecionar esta amostra por conveniência. Sendo assim, selecionámos os inquiridos que lecionam em escolas com UEEA e, posteriormente, por um processo de balanceamento, selecionámos professores que trabalham em escolas sem UEEA, tendo em conta alguns critérios: estatuto sociocultural da zona onde a escola está localizada, género, idade dos professores, se são ou não Diretores de turma, se têm ou não experiência com alunos com NEE e o nível de ensino que lecionam. Após o procedimento de balanceamento e para levar a cabo a nossa investigação constituiu-se uma amostra formada por um total de noventa cinco professores do Ensino Básicos, dos 2º e 3º ciclos, sendo que cinquenta e um professores lecionam em escolas sem UEEA e quarenta e quatro professores lecionam em escolas com UEEA. Esta amostra é constituída por docentes que aceitaram participar de forma voluntária e que, depois de esclarecidos, se disponibilizaram para participar na nossa investigação. O instrumento aplicado foi uma escala sobre “As perceções dos professores sobre a aprendizagem na sala de aula”, da autoria de Leitão (2012), ainda em processo de validação, processo para o qual os dados desta dissertação também contribuem. Consideramos que este instrumento é o mais adequado ao tipo de estudo que pretendemos efetuar, na medida em que nos pareceu ser a maneira mais acessível de chegar aos docentes de diferentes escolas. Por outro lado, é uma técnica que nos permite o anonimato dos indivíduos inquiridos, facto este que poderá ser positivo para a credibilidade dos dados obtidos, uma vez que a pessoa questionada poderá sentir-se mais à vontade. A presente escala avalia o construto “aprendizagem na sala de aula”, construto multidimensional que a escala avalia através de vinte e cinco itens distribuídos por cinco dimensões: i) Interdependência aluno / aluno (aprendizagem ativa e cooperativa); ii) Interdependência professor / aluno; iii) Negociação; iv) Meta-aprendizagem; v) Interdependência professor / professor (ensino cooperativo). Tendo em conta a problemática deste trabalho, decidimos estudar o fenómeno analisando diferentes perspetivas: as dos professores que lecionam em escolas com UEEA e as de outros professores que, por sua vez, lecionam em escolas sem UEEA. Deste modo, tal como já foi referido, optámos por escolher como instrumento de recolha de informação uma escala tipo likert.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

259


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

Resultados e Discussão Relativamente ao nosso 1º objetivo “Verificar o recurso a práticas de aprendizagem cooperativa”, analisando as respostas obtidas podemos verificar que os dados indicam uma posição favorável à prática de aprendizagem cooperativa e, assim, confirmamos a nossa primeira hipótese. Constatamos assim que os docentes do Ensino Regular dos 2º e 3º ciclos, dos Agrupamentos de Escolas de Mem Martins, Vila D’Este e Gondomar, recorrem a práticas de Aprendizagem Cooperativa como prática inclusiva. Este facto vem corroborar a opinião de Leitão (2010), o qual nos refere que os professores, envolvidos no paradigma da inclusão, estão cada vez mais sensíveis relativamente às práticas inclusivas. Assim, recorrem a estas práticas no seu dia-a-dia, como professores, sem hesitações. Podemos então chegar à conclusão que os docentes inquiridos promovem a aprendizagem cooperativa o que, para Leitão (2010, p. 3), aumenta a qualidade das suas práticas, pois maximizam a “participação ativa e construtiva de todos os alunos na construção do seu desenvolvimento”. O estudo de Rebelo (2011) também refere que a presença de alunos com NEE em escolas do ensino regular, trazem benefícios para os mesmos e para as crianças sem NEE, pois ajuda mutuamente estes alunos a desenvolverem atitudes sociais de integração e defesa da igualdade de oportunidades. Estas atitudes irão ser visíveis primeiramente no contexto escolar e, posteriormente, no mundo do trabalho. Quanto ao 2º objectivo “Verificar a existência de práticas de ensino cooperativo”, apuramos que os resultados confirmam a nossa segunda hipótese, havendo uma atitude favorável ao ensino cooperativo. Podemos referir que “uma conclusão recorrente dos estudos sobre a eficácia da educação inclusiva (…) revela que a liderança dos órgãos que gerem o agrupamento ou a escola e a cooperação entre os profissionais assumem um papel determinante” (Costa, Leitão, Morgado, Pinto, Paes & Rodrigues, 2006). Através dos resultados obtidos, verificámos que os docentes do Ensino Regular dos 2º e 3º ciclos, dos agrupamentos de escolas em estudo, recorrem a práticas de Ensino Cooperativo de modo a partilharem as suas práticas como forma de melhorar as mesmas. Podemos assim referir que, tal como Leitão (2010) afirma, estes professores em estudo têm a preocupação de proporcionarem melhores condições de aprendizagem a todos os alunos, partilhando informações entre si. Corroborando os dados recolhidos com a opinião de Kronberg, citado por Correia (2008), consideramos que os Agrupamentos de Escolas estudados têm em consideração o paradigma da escola inclusiva, visto os professores evidenciarem o recurso ao ensino cooperativo, trabalhando em equipa e reconhecendo a importância da cooperação no processo de inclusão. Rodrigues (2011) acrescenta ainda que para atender a diferença na sala de aula os docentes devem flexibilizar as práticas pedagógicas. O autor afirma que as práticas cooperativas proporcionadas por programas de educação inclusiva tornam os professores

260

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

mais envolvidos, confiantes e seguros nas suas capacidades de intervenção. Para finalizar, tendo em conta o estudo qualitativo de Rebelo (2011), uma professora afirma que para além da inclusão ser vantajosa para os alunos, também o é para os docentes do ensino regular pois, na sua opinião, promove parcerias entre pares, nomeadamente com os docentes de Educação Especial (tanto dentro como fora da sala de aula). Correia (2008) concorda com a opinião desta professora, pois afirma que a escola inclusiva estimula o diálogo entre os professores do ensino regular e professores de educação especial, de onde poderão surgir planificações educativas melhoradas, bem como materiais pedagógicos, tanto para os alunos com NEE, como para os alunos sem NEE. Relativamente ao 3º objectivo, “comparar as práticas pedagógicas, ao nível da aprendizagem cooperativa, entre professores dos 2º e 3º ciclos de escolas com e sem UEEA”, verificou-se que os docentes de escolas com UEEA recorrem mais a esta prática. Nas escolas onde existem UEEA os docentes praticam com mais frequência a aprendizagem cooperativa, de modo a promover a inclusão de crianças com PEA. Frequentar uma UEEA não significa que há mais uma turma na escola, pois os alunos que a frequentam têm uma turma de referência (Pereira 2008) - UEEA como recurso pedagógico especializado. Concluímos que a existência de uma UEEA, nas escolas em estudo, leva a que os professores recorram mais à aprendizagem cooperativa, podendo estar mais sensibilizados devido às características dos alunos com PEA. Os docentes estão sensibilizados para as questões da inclusão e para o impacto que esta pode ter na vida destes alunos, o que vem confirmar os nossos dados (Morais, 2012). Educar crianças com necessidades especiais juntamente com os seus pares nas escolas regulares é importante, não apenas para fornecer oportunidades de socialização e de mudar o pensamento estereotipado das pessoas sobre as limitações, mas também para ensinar o aluno a dominar habilidades e conhecimentos necessários para a vida futura dentro e fora da escola (Mendes, 2004). Quanto ao 4º objectivo, “Comparar as práticas pedagógicas, ao nível do ensino cooperativo, entre escolas com e sem UEEA”, verificou-se que os docentes das escolas com UEEA em estudo recorrem mais a práticas inclusivas, ao nível do ensino cooperativo, em relação aos docentes do ensino regular dos 2º e 3º ciclos de escolas sem UEEA. Entre os docentes das escolas com UEEA verifica-se uma comunicação permanente, em que se aborda e coopera na elaboração das adequações curriculares, bem como no acompanhamento dessas mesmas adequações (Bautista, 1997). Este facto implica a utilização de uma linguagem comum, a confiança nos seus colegas de trabalho, participando e a responsabilidade comuns na organização e planificação das suas práticas (Gisbert, Mardomingo, Cabada,

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

261


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

Sánchez-Moiso, Rodríguez-Ramos, Solís-Muschketov, Claramunt, Toledo e Valverde, 1986). Para tal, devem realizar-se reuniões regulares onde se fornecem informações, se reflete sobre as conquistas e dificuldades e se “formulam e reformulam estratégias sempre que necessário, numa permanente atitude de reforço construtivo” (Carvalho & Onofre, 2007, p.6). A colaboração entre professores permite diversificar e flexibilizar atividades, o que poderá ser uma mais-valia para os alunos das escolas com UEEA estudadas. Para finalizar, trabalhar com colegas em escolas, proporciona que se encorajem uns aos outros e reflitam sobre as suas práticas, podendo modifica-las (Ainscow, 2000). Considerações Finais Como sabemos, a quantidade e a qualidade das interações proporcionadas a uma criança vão ser determinantes no seu desenvolvimento social e emocional e vão influenciar todo o seu funcionamento cognitivo. A sociedade em que vivemos exige, mais do que antes, a capacidade de responder a situações novas, devendo os professores abandonar as metodologias predominantemente apoiadas no trabalho individualizado, na memorização e na aquisição de conhecimentos. São diversos os caminhos que se abrem com novas práticas, como a aprendizagem cooperativa e o ensino cooperativo, em direção à inclusão de alunos com NEE. Porém, isto depende da disponibilidade dos professores para aceitar a alteração do modelo tradicional da aula, o que lhes exige abrir a sua mente à aceitação e possibilidade de trabalho com a criança diferente e investimento na promoção do seu sucesso educativo. A problemática que nos propusemos estudar – A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos com Perturbações do Espectro do Autismo: Comparação entre escolas dos 2º e 3º Ciclos com e sem UEEA – permitiu-nos, através de uma análise bibliográfica cuidada, refletir acerca das implicações do uso destas práticas inclusivas com estas crianças. Visto que o recurso a práticas inclusivas constitui uma forma diferente de aprendizagem, é necessário que haja, também, uma visão diferente do desenvolvimento da criança, tanto na sua dimensão cultural, como na social. Sendo assim, é fundamental que a escola desenvolva processos de inovação e mudança, devendo estes incidir na diferenciação, adaptação e flexibilização curricular, adequando às necessidades e características de cada criança. É necessário que os docentes tenham consciência de que as PEA são uma das mais severas perturbações pervasivas do desenvolvimento, que afeta o indivíduo para toda a vida (Siegel 2008). Afeta-o de tal forma, que faz com que ele tenha dificuldade na compreensão dos diferentes estímulos e sinais vividos no ambiente que o rodeia. Por isso, as crianças com PEA necessitam realmente de

262

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

um enorme acompanhamento, não só familiar, mas também educativo. Partimos para este estudo com o objetivo de perceber se os professores dos 2º e 3º ciclos, de escolas com e sem UEEA, recorrem a práticas educativas, de modo a promover a inclusão de crianças com PEA. Através da revisão bibliográfica e da aplicação de escalas a noventa e cinco profissionais reunimos um conjunto de dados que, com base na sua análise e interpretação, se traduziram nas seguintes conclusões: os docentes do Ensino Regular dos 2º e 3º ciclos, dos Agrupamentos de Escolas estudados, recorrem a práticas de Aprendizagem Cooperativa como prática inclusiva; existe uma preocupação com a inclusão dos alunos, visto os docentes recorrerem à aprendizagem cooperativa nas suas aulas; os docentes do Ensino Regular dos 2º e 3º ciclos, dos mesmos agrupamentos de Escolas, recorrem a práticas de Ensino Cooperativo, de modo a partilharem as suas práticas como forma de melhorar as mesmas; existe uma preocupação na troca de conhecimentos e informações, visto os profissionais recorrerem ao ensino cooperativo; os docentes do Ensino Regular dos 2º e 3º ciclos de escolas com UEEA recorrem com mais frequência à aprendizagem cooperativa, em relação aos docentes do Ensino Regular dos 2º e 3º ciclos de escolas sem UEEA. De facto, nas escolas estudadas, onde existem UEEA, os docentes praticam com mais frequência a aprendizagem cooperativa, de modo a promover a inclusão de crianças com PEA; os docentes do Ensino Regular dos 2º e 3º ciclos de escolas com UEEA recorrem com mais frequência ao ensino cooperativo, em relação aos docentes do Ensino Regular dos 2º e 3º ciclos de escolas sem UEEA. Tendo a presente investigação como um dos pontos fulcrais a escola inclusiva e corolária educação inclusiva, após a realização da mesma e perante os resultados obtidos, podemos concluir que o facto de se trabalhar numa perspetiva de educação inclusiva é um caminho para a mudança nas práticas educativas. Sem dúvida, a inclusão é um fator essencial para que as crianças possam crescer e desenvolver-se da melhor forma possível. A educação inclusiva, a aprendizagem cooperativa e o ensino cooperativo devem ser uma realidade das nossas escolas pois só trarão vantagens para as crianças (Rodrigues, 2003; Correia, 2008). A prática pedagógica dos professores deve incidir na pedagogia centrada na cooperação, pois tais estratégias permitem dar resposta a todos os alunos. Os professores são a chave principal para que a educação inclusiva seja efetivamente uma prática (Bennet, 1997, citado por Matos, 1999). Em forma de síntese, vamos ao encontro de Lima-Rodrigues e seus colaboradores (2007) quando referem que as “boas práticas” em Educação Inclusiva não são “as melhores práticas existentes”, nem a receita perfeita para todos os males. Serão, antes de mais, os percursos percorridos pelas escolas na intenção de se tornarem mais inclusivas. Assim, podemos sugerir para futuros trabalhos realizados na linha deste, que seja tida em conta a opinião de pais e Encarregados de Educação acerca da problemática em estudo, visto que o envolvimento e a participação ativa da família

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

263


Anabela Esteves, Ana Cláudia Reis e Liliana Teixeira

na escola são cada vez mais indispensáveis. Por outro lado, também gostaríamos de sugerir que houvesse um cruzamento de opiniões entre as respostas dadas pelos docentes e as respostas dadas por alunos. Finalmente, gostaríamos de terminar com um incentivo a todos os profissionais que abraçam o ensino no sentido de proporcionarem a todos os alunos uma escola plena de oportunidades, que continuem a aceitar desafios e que façam disso pontes para construir novos caminhos e formas de ensinar. Referências Bibliográficas Ainscow, M. (2000). “O processo de desenvolvimento de práticas inclusivas em sala de aula”. In Simpósio Improving the Quality of Education for all. Cardiff. British Education Research Association, pp. 1-16. Bautista, R. (1997). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Dinalivro. Carvalho, A.; Onofre, C. (2007). Aprender a Olhar para o Outro: Inclusão da Criança com Perturbação do Espectro Autista na Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico. Lisboa. DGIDC - Ministério da Educação. Correia, L. (2008). Inclusão e necessidade Educativa Especiais: um guia para educadores e professores. 2ª Edição. Porto: Porto Editora. Costa, A., Leitão, F., Morgado, J., Pinto, J., Paes, I. & Rodrigues, D. (2006). Promoção da Educação Inclusiva em Portugal. Disponível em http://redeinclusao.web. ua.pt/files/fl45.pdf, consultado a 20/10/ 2011. Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro. Diário da República. 1ª série - n.º 4. Ministério da Educação. Gisbert, J.; Mardomingo, M.; Cabada, J.; Sanchez-Moiso, M.; Rodriguez-Ramos, P.; Solis-Muschketov, R.; Claramunt, F.; Toledo, M.; Valverde, J. (1986). Educación Especial. Madrid: Cincel. Hewitt, S. (2006). Compreender o Autismo - Estratégias para alunos com autismo nas escolas regulares. Porto: Porto Editora. Hutmacher, W. (1992). “A Escola em Todos os seus Estados”. in Nóvoa, A. (Coord.). As Organizações Escolares em Análise. Lisboa: Publicações Dom Quixote, pp. 49-68. Leitão, F. (2006). Aprendizagem Cooperativa e Inclusão. Lisboa: Edição do autor. Leitão, F. (2010). Valores Educativos, Cooperação e Inclusão. Salamanca: LusoEspañola de Ediciones. Lima, C. (2012). Perturbações do Espectro do Autismo – Manual Prático de intervenção. Lisboa: Lidel Edições. Lima-Rodrigues, L. (Coord.); Ferreira, A.; Trindade, A.; Rodrigues, D.; Colôa, J.; Nogueira, J.; Magalhães, M. (2007). Percursos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso. Lisboa: Fórum de estudos de Educação Inclusiva. Marques, C. (2000). Perturbações do Espectro do Autismo. Ensaio de uma Intervenção Construtivista e Desenvolvimentista com Mães. Coimbra: Quarteto Editora.

264

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


A Aprendizagem e o Ensino Cooperativos como práticas inclusivas na educação de alunos ..., pp. 245-265

Maset, P. (2001). Aulas Inclusivas e Aprendizagem Cooperativa. In David Rodrigues (org.) Educação Inclusiva Dos Conceitos às Práticas Inclusivas. Lisboa. Instituto Piaget, pp. 45-89. Matos, L. (1999). Atitudes dos Professores face à Deficiência: movimento inclusivo de alunos com multideficiências. Dissertação de licenciatura. Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto: Porto. Mendes, E. (2004). Construindo um “lócus” de pesquisas sobre inclusão escolar. In Mendes, E.; Almeida, M.; Williams, L. Temas em educação especial: avanços recentes. São Carlos: EdUFSCAR, pp. 221-230. Morais, T. (2012). Modelo TEACCH – Intervenção pedagógica em crianças com Perturbações do Espectro do Autismo. Dissertação de Mestrado. Escola Superior de Educação Almeida Garrett. Morgado, J. (1998). Inclusão e Diferenciação Pedagógica. In Actas do Encontro “A Deficiência e a Escola Inclusiva”. Loures: Câmara Municipal de Loures, pp. 43-45. Pereira, F. (Coord.) (2008). Unidades de ensino estruturado para alunos com perturbações do espectro do autismo - Normas orientadoras. Lisboa: DGIDC Ministério da Educação. Porter, G. (1997). “Organização das escolas: conseguir o acesso e a qualidade através da inclusão”. In Ainscow, M.; Porter, G.; Wang, M. (Eds.). Caminhos para as Escolas Inclusivas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional. Rebelo, S. (2011). Conceção e práticas de professores do 2º e 3º Ciclo do Ensino Básico face à inclusão de crianças com Necessidades Educativas Especiais. Dissertação de Mestrado. Instituto de Politécnico de Lisboa: Escola Superior de Educação. Rodrigues, D. (Org.) (2003). Perspectivas sobre Inclusão. Da Educação à Sociedade. Porto: Porto Editora. Rodrigues, D. (Org.) (2011). Educação Inclusiva – Dos conceitos às práticas de formação. Lisboa: Instituto Piaget. Sanches, I. (2005). Compreender, agir, mudar, incluir. Da investigação-acção à Educação Inclusiva. Revista Lusófona de Educação. Nº 9, pp. 127-142. Siegel, B. (2008). O Mundo da Criança Autista – Compreender e tratar perturbações do espectro do autismo. Colecção Referência. Porto: Porto Editora. Unesco (1994). Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção na Área das Necessidades Educativas Especiais. Salamanca: Unesco. Vaz, M. (1995). O Professor de Apoio de Educação Especial. Um Agente de Mudança em Contexto de Colaboração. Coimbra: Fora do Texto Editora.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

265



El contexto familiar como factor fundamental en la violencia filio-parental O contexto familiar como fator fundamental na violência filio-parental The family context as a critical factor in child-to-parent violence Estefanía Lema Moreira Universidad de A Coruña

Contacto para correspondência: fannylmlj@gmail.com

Resumen: La violencia filio-parental, en adelante VFP, se trata de una forma de violencia en la que los progenitores son víctimas directos de sus hijos. Es sabido que el seno familiar es un contexto de socialización sumamente importante (Musitu Ochoa, Estévez López, y Jiménez Gutiérrez, 2010) y por ello la influencia de este proceso en el desarrollo emocional es indiscutible (Sprinthall, y Collins, 1988, Justicia, Benítez, Pichardo, Fernández, García, y Fernández, 2006, Valverde Molina, 1993, Vargas Gallego, 2009). Este estudio trata de averiguar qué puntos comunes se dan en aquellos hogares en los que se da VFP según los resultados expuestos en las investigaciones publicadas desde 2009 hasta la actualidad. Los principales resultados obtenidos señalan elevados índices de violencia intrafamiliar previa, así como estilos parentales inadecuados. Se da, por lo tanto, una mayor probabilidad de VFP en aquellas familias con dinámicas inadecuadas o violencia en el seno familiar.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

267


Estefanía Lena Moreira

Palabras-clave: Violencia filio-parental; violencia intrafamiliar; dinámicas familiares; contexto familiar; hijos violentos. Resumo: A violência das crianças para os pais, a seguir VFP, que é uma forma de violência em que os pais são vítimas diretas de seus filhos. Sabe-se que a família é um contexto de socialização muito importante (Musitu Ochoa, Estevez López, e Jimenez Gutiérrez, 2010) e, por conseguinte, a influência deste processo no desenvolvimento emocional é incontestável (Sprinthall e Collins, 1988, Justiça et al 2006, Valverde Molina, 1993, Vargas Gallego, 2009). Este estudo tenta descobrir o que pontos em comum são dadas nos lares em que da VFP de acordo com os resultados apresentados na pesquisa publicada de 2009 até o presente. Os principais resultados obtidos mostram altas taxas de violência doméstica, bem como o insuficiente estilos parentais. É, portanto, uma maior probabilidade de VFP, as famílias com insuficiência dinâmica ou a violência no seio da família. Palavras-chave: A violência das crianças para os pais; violência familiar; dinâmica familiar; contexto familiar; crianças violentas. Abstract: Child-to-parent violence, hereinafter VFP, it is a form of violence in which the parents are direct victims of their children. It is known that the family is a context of socialization extremely important (Musitu Ochoa, Estevez López, and Jimenez Gutiérrez, 2010) and therefore the influence of this process in the emotional development is indisputable (Sprinthall, and Collins, 1988, Justice et al 2006, Valverde Molina, 1993, Vargas Gallego, 2009). This study tries to find out what common points are given in those homes in which da VFP according to the results presented in the published research from 2009 until the present. The main results obtained show high rates of prior domestic violence, as well as inadequate parental styles. It is, therefore, a greater likelihood of VFP in those families with inadequate dynamic or violence within the family. Key-words: Child-to-parent violence; domestic violence; family dynamics; family context; children violent.

Introducción La violencia filio-parental se refiere a cualquier daño perjudicial por un adolescente con la intención de ganar poder y control sobre sus padres (Cottrell, 2001). Se trata de un fenómeno relativamente reciente, y menos habitual que otras formas de violencia intrafamiliar. Aún a pesar de la novedad del fenómeno,

268

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


El contexto familiar como factor fundamental en la violencia filio-parental, pp. 267-275

ya Harbin y Madden en un estudio piloto realizado en 1979 con 15 familias en las que se había dado VFP, realizaron una primera descripción del fenómeno, advirtiendo de su importancia. La importancia del contexto familiar en el desarrollo del menor es un aspecto ampliamente investigado (Torío López, Peña Calvo, y Rodríguez Menéndez, 2008, Musitu Ochoa, Estévez López y Jiménez Gutiérrez, 2010), y por ello cabe pensar que las dinámicas que en él se establecen repercuten, igualmente, en esta forma de violencia de hijos hacia sus padres. Un estudio realizado por Romero, Luengo y Gómez Fraguela (2000), en el que participaron 820 adolescentes, señala correlaciones entre las características familiares (apego del adolescente a sus padres y prácticas educativas parentales) y grupales y la conducta delictiva, cuya influencia es recíproca, y que, a su vez, contribuye a la cronificación del estilo de vida antisocial. García, Fuentes y García (2010) en una investigación ulterior con 1017 adolescentes, han obteniendo que aquellos jóvenes con mayores problemas de conducta, y por lo tanto con menor ajuste social, mostraban haber sido educados en estilos parentales autoritarios y negligentes. Los cambios en la estructura familiar son otras de las variables relevantes dentro de este contexto tan complejo. Así lo demuestran diversos estudios, donde los cambios significativos como la separación afectan directamente al desarrollo de los hijos (Pons-Salvador y Del Barrio, 1995, Mirón Redondo, Luengo Martín, Sobral Fernández y Otero López, 1988, Gallagher, 2004). Esta situación de ruptura conyugal es vivida por los hijos de forma estresante, implicando cambios en los roles parentales, y una mayor predisposición a problemas de disciplina en los hijos que en familias intactas (Cortés Arboleda y Cantón Duarte, 2010) La violencia dentro del seno familiar se entiende como unos de los factores con mayor repercusión en la estabilidad emocional del joven y en su futuro desarrollo (Justicia, Benítez, Pichardo, Fernández, García, y Fernández, 2006, Patró Hernández y Limiñana Gras, 2005, Montero Gómez, 2006, Villar Torres et al, 2003). En este sentido, Carlson (1990) realizó un estudio con 101 adolescentes, cuyos resultaron indicaron que el efecto de la violencia marital en los hijos es modesto, aunque señala que, para el caso de los hijos varones, existe una mayor tendencia de golpear a la madre en aquellos adolescentes expuestos a esta forma de violencia que aquellos no expuestos. Justicia Galiano y Cantón Duarte (2011), en un reciente estudio realizado con 332 hijos y sus madres, señalan que la mayor prevalencia de conflictos maritales se asocia con una mayor tendencia a problemas de adaptación en los hijos. En estos casos, la violencia directa o indirecta influye en la manifestación de conductas agresivas en la adolescencia (Patró Hernández y Limiñana Gras, 2005, Montero Gómez, 2006, Villar Torres et al, 2003); así como en la transmisión intergeneracional del maltrato (Montero Gómez, 2006). En los casos de violencia indirecta, la relación entre los padres puede provocar ansiedad en los hijos (Pons Salvador, y del Barrio, 1995), siendo frecuente la aparición de estrés postraumático (Ropeti Páez-Bravo, 2006)

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

269


Estefanía Lena Moreira

Debido a la importancia del factor familiar en el posterior desarrollo de los hijos, señalado en multitud de estudios, y el aumento significativo de casos de VFP; hemos querido observar en qué medida las dinámicas y violencia familiar influyen en la VFP. Del mismo modo, se pretende conocer qué aspectos de estas dinámicas familiares presentan un mayor predominio en esta forma de violencia. Metodología Para realizar la revisión bibliográfico, se realizó una búsqueda a través de las principales bases de datos y buscadores especializados, tales como PsyInfo, ProQuest Psychology Journals, PsycARTICLES, PsycCRITIQUES, Web of Science. Los descriptores que se utilizaron fueron: Child to parent violence, adolescence violence toward parents, violencia filio-parental, parent abuse, battered parents. Del total de investigaciones obtenidas en relación con la VFP se seleccionaron aquellas publicaciones en las que se obtenían datos específicos sobre el ámbito familiar, acotándose temporalmente los artículos publicados desde el año 2009 hasta la actualidad. El total de muestra sometida a revisión bibliográfica está compuesta por 10 estudios publicados. Resultados En las 10 investigaciones analizadas hemos encontrado que en la mayor parte de los casos de VFP se dan otros conflictos en el seno familiar de diversa índole, tal y como vemos en la Tabla 1. Tabla 1. Estudios revisados desde 2009 hasta la actualidad

Autor y año de publicación

Tipo de metodología empleada

Principales conclusiones

Gamez-Guadix, M. y Calvete, E. (2012)

Cuantitativa

Mayor probabilidad de VFP psicológica en casos en los que previamente se ha dado violencia psicológica tanto directa como indirecta. La VFP se vincula con la agresión de padres a hijos, tanto física como psicológica, y también con la agresión física marital.

Biehal, N. (2012)

Cuantitativa

Es 3 veces más probable que los jóvenes que hayan sido testigos de violencia marital ejerzan posteriormente VFP.

Gámez-Guadix, M., Jaureguizar, J., Almendrós, C. y Carrobles, J. A. (2012)

Cuantitativa

Los jóvenes con mayor probabilidad de VFP son aquellos cuyos padres presentan estilos educativos negligentes y autoritarios.

270

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


El contexto familiar como factor fundamental en la violencia filio-parental, pp. 267-275

Calvete, E., Orue, I. y Sampedro, R. (2011)

Cuantitativa

La disciplina de castigo y la supervisión parental correlacionan negativamente con la VFP verbal e física. Tanto la violencia verbal como la violencia física correlacionan significativamente con la exposición a la violencia familiar. La conducta delincuente correlacionó significativamente con VFP fisica y VFP verbal.

Ibabe, I. y Jaureguizar, J. (2011)

Cuantitativa

La violencia marital y la violencia de padres a hijos correlacionan significativamente en el caso de los hijos varones, tanto en violencia física como psicológica. En violencia emocional, la violencia marital y la violencia de padres a hijos correlacionó significativamente para ambos sexos.

Cuervo García, A. L. y Rechea Alberola, C. (2010)

Cualitativa

Falta de comunicación entre padres e hijos. Inconsistencia en el cumplimiento de castigos.

Ibabe, I. y Jaureguizar, J. (2010)

Cuantitativa

En los casos de VFP se da una mayor probabilidad de convivencia en familias monoparentales.

Kennedy, T. D., Edmonds, W. A., Dann, K. T. J. y Burnett, K. F. (2010)

Cuantitativo

En los casos de VFP se da una mayor probabilidad de relaciones pobres con su familia, así como una mayor probabilidad de exposición a la violencia doméstica.

Boxer, Gullan y Mahoney (2009)

Cuantitativa

Aluden a una relación lineal entre VFP física y agresión familiar, señalando que se da una mayor probabilidad de VFP en aquellos casos en los que se da violencia intrafamiliar.

Ibabe, I, Jaureguizar, J. y Díaz, O. (2009)

Cuantitativa

Familias en VFP con mayor proporción de monoparentalidad. Baja concordancia entre los estilos parentales de ambos progenitores en casos de VFP frente a otras formas de violencia ejercida por adolescentes.

En cuanto a la violencia intrafamiliar vemos que está presente en 6 de los 10 estudios analizados, siendo esta la mayor concordancia expuesta. En cuanto a los estilos parentales no se da una concordancia, destacando quizás el estilo autoritario, aunque los datos son insuficientes. En aquellas investigaciones en las que se alude a dinámicas parentales más allá de los estilos parentales a modo general, se habla de castigos inadecuados, así como inconsistencia en la imposición de normas. Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

271


Estefanía Lena Moreira

Conclusiones En las investigaciones analizadas vemos que en todos los casos se dan dificultades familiares. En su mayoría, estas dificultades se refieren a violencia, sea directa, indirecta o ambas. En cuanto a las dinámicas parentales, los estilos educativos parecen no ser adecuados, se vinculan con una mayor probabilidad de VFP. La falta de comunicación entre hijos y padres, así como la mayor frecuencia de monoparentalidad, resultan otras de las características de esta forma de violencia. Teniendo en cuenta los resultados expuestos, se hace evidente la influencia del ámbito familiar en la VFP, principalmente en lo que se refiere a la influencia de la violencia, sea directa o indirecta. Así mismo, el ejercicio de la parentalidad es otro factor influyente dentro del ámbito familiar. Discusión Tal y como veníamos presuponiendo, los conflictos familiares tienen una importante influencia en la violencia filio-parental. Como señalan Patró Hernández y Limiñana Gras (2005), Montero Gómez (2006), Justicia Galiano y cantón Duarte (2011) y Villar Torres et al (2003) en sus respectivos estudios, la violencia intrafamiliar afecta al posterior desarrollo de conductas violentas. Se corrobora lo expuesto por Carlson (1990), al señalar que la exposición a la violencia marital se vincula con una mayor probabilidad a ejercer violencia sobre los progenitores. En cuanto a los estilos parentales, no existe información suficientemente clara que nos permita conocer cuáles son aquellos estilos parentales con una mayor influencia sobre la VFP. Los cambios en la estructura familiar parecen tener cierta relación con la VFP, pero, al igual que en el caso anterior, se carece de datos suficientes para hacer estar afirmación. Por ello, aunque sea conocido que el proceso de separación influye en los hijos, tal y como señalan diversos autores (Pons-Salvador y Del Barrio, 1995, Mirón Redondo, Luengo Martín, Sobral Fernández y Otero López, 1988, Gallagher, 2004), no es posible afirmar en este caso que sea precisamente el proceso de separación el que influya en la VFP, sino que debemos de tener en cuenta la posible existencia de otros cambios como por ejemplo el fallecimiento de uno de los progenitores. Limitaciones En cuanto a las limitaciones encontradas, cabe destacar la escasez de estudios sobre esta temática. Aunque actualmente el interés científico por esta forma de violencia está en aumento, los datos actuales son escasos. Por otro

272

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


El contexto familiar como factor fundamental en la violencia filio-parental, pp. 267-275

lado, existe diversidad de metodologías, lo que hace que difícil compara dichas investigaciones, ya que existen cuestiones relativas a las propias investigaciones que habría que tener en cuenta, tales como las variables analizadas, no siendo coincidentes en todos los estudios. En todas las investigaciones se da un carácter retroactivo, por lo que los resultados pueden tener un cierto sesgo, y ser muy distintos si se toma desde la perspectiva opuesta. Por lo tanto, es necesario continuar investigando sobre la VFP, ya que actualmente existen demasiadas lagunas que hacen imposible una visión completa de este fenómeno. Bibliografía Boxer, P., Gullan, R. L., Mahoney, A. (2009). Adolescents’ physical aggression toward parents in a clinical-referred sample. Journal of Clinical Child and Adolescent Pshychology, 30 (1), 106-116. Calvete, E., Orue, I. y Gámez-Guadix, M. (2013). Child-to-parent violence: Emotional and behavioral predictors. Journal of Interpersonal Violence, 28 (4), 755-772. Calvete, E., Orue, I. y Sampedro, R. (2011). Violencia filio-parental en la adolescencia: caracterísitcas ambientales y personales. Infancia y Aprendizaje, 34 (3), 349-363. Carlson, B. E. (1990). Adolescent observers of marital violence. Journal of Family Violence, 5 (4), 285-299. Castañeda, A., Garrido-Fernández, M., y Lanzarote, M. D. (2012). Menores con conducta de maltrato hacia los progenitores: un estudio de personalidad y estilos de socialización. Revista de Psicología Social, 27, 157-167. Cortés Arboleda, M. R. y Cantón Duarte, J. (2010). Familias monoparentales. En Arranz Freijo, E. y Oliva Delgado, A. (Eds.), Desarrollo psicológico de las nuevas estructuras familiares, (pp. 35-50). Madrid, Pirámide. Cottrell, B. (2001). Parent abuse: the abuse of parents by their teenage children. The Public Health Agency of Canada. Recuperado el 7 de marzo de 2010 de http://www.phac-aspc.gc.ca/ncfv-cnivf/pdfs/fv-2003parentabuse_e.pdf Cuervo García, A. L. y Rechea Alberola, C. (2010). Menores agresores en el ámbito familiar: un estudio de casos. Revista de Derecho penal y Criminología, 3, 353-375. Gallagher, E. (2004). Parents victimised by their children.n Autralian and New Zealand Journal of Family Therapy, 25 (1), 1-12. Gámez-Guadix, M. y Calvete, E. (2012). Violencia filioparental y su asociación con la exposición a la violencia marital y la agresión de padres a hijos. Psicothema, 24 (2), 277-283. Gámez-Guadix, M., Jaureguizar, J., Almendrós, C. y Carrobles, J. A. (2012). Estilos de socialización familiar y violencia de hijos a padres en población española. Behavioral Psychology, 20 (3), 585-602.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

273


Estefanía Lena Moreira

García, E., Fuentes, M. C. y García, F. (2010). Barrios de riesgo, estilos de socialización parental, y problemas de conducta en adolescentes. Intervención Psicológica, 9 (3), 265-278. Harbin, H. T. y Madden, D. J. (1979). Battered Parents: a new syndrome. American Journal of Psychiatry, 136 (10), 1288-1291. Ibabe, I, Jaureguizar, J. y Díaz, O. (2009). Adolescent violence against parents. Is it a consequence of gender inequality?, The European Journal of Psychology Applied to Legal Context, 1 (1), 3-24. Ibabe, I. y Jaureguizar, J. (2010). Child-to-parent violence: profile of abusive adolescents and their families. Journal of Criminal Justice, 38, 616-624. Ibabe, I. y Jaureguizar, J. (2011). ¿Hasta qué punto la violencia filio-parental es bidireccional?. Anales de Psicología, 27 (2), 265-277. Justicia Galiano, J. M. y Cantón Duarte, J. (2011). Conflictos entre padres y conducta agresiva y delictiva en los hijos. Psicothema, 23 (1), 20-25. Justicia, F., Benítez, J. L., Pichardo, M. C., Fernández, E., García, T., y Fernández, M. (2006). Aproximación a un modelo explicativo del comportamiento antisocial. Revista Electrónica de Investigación Psicoeducativa, 9 (4,2), 131-150. Kennedy, T. M., Edmonds, W. A., Dann, K. T. J., y Burnett, K. F. (2010). The clinical and adaptive features of young offenders with histories of child-parent violence. Journal of Family Violence, 25, 509-520. Mirón Redondo, L., Luengo Martín, A., Sobral Fernández, J. y Otero López, J. M. (1988). Un análisis de la relación entre ambiente familiar y delincuencia juvenil. Revista de Psicología Social, 3, 165-180. Montero Gómez, A. (2006). Adolescencia y violencia. Adolescencia y comportamiento de género Revista de estudios de juventud, 73, 109-116. Musitu Ochoa, G., Estévez López, E., Jiménez Gutiérrez, T. (2010) Funcionamiento familiar, convivencia y ajuste en hijos adolescentes Madrid: Ediciones Cinca. Patró Hernández, R. y Limiñana Gras, R. M. (2005). Víctimas de violencia familiar: consecuencias psicológicas en hijos de mujeres maltratadas. Anales de Psicología, 21 (1), 11-17. Pons-Salvador, G y Del Barrio, V. (1995). El efecto del divorcio sobre la ansiedad de los hijos. Psicothema, 7 (3), 489-497. Romero, E., Luengo, M. A. y Gómez Fraguela, J. A. (2000). Factores psicosociales y delincuencia: un estudio de efectos recíprocos. Escritos de Psicología, 4, 78-91. Ropeti Páez-Bravo, E. (2006). Padres víctimas, hijos maltratadores. Pautas para controlar y erradicar la violencia en los adolescentes. Madrid: Espasa. Sprinthall, N. A., y Collins, W. A. (1988). Adolescent psychology. A developmental view. New York: McGraw-Hill. Torío López, S., Peña Calvo, J. V. y Rodríguez Menéndez, M. C. (2008). Estilos educativos parentales. Revisión bibliográfica y reformulación teórica. Teoría Educativa, 20, 151-178. Valverde Molina, J. (1993). Proceso de inadaptación social. Madrid: Editorial Popular.

274

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


El contexto familiar como factor fundamental en la violencia filio-parental, pp. 267-275

Vargas Gallego, A I. (2009). Los jóvenes maltratadores ante la justicia. Juventud y violencia de género. Revista de estudios de juventud. El papel de la Fiscalía, 86, 12-136. Vilar Torres, P., Luengo Martín, M. A., Gómez Fraguela, J. A. y Romero Triñanes, E. (2003). Una propuesta de evaluación de variables familiares en la prevención de la conducta problema en la adolescencia. Psicothema, 15 (4), 581-588.

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

275



NÚMERO ANTERIOR actitudes

y

comportamiento

sexual

de

riesgo

de

embarazo

en

jóvenes

................................................................................................................. 11 Marta Yubero, Elisa Larrañaga, Santiago Yubero

universitarios

O

papel dos estilos educativos parentais na sintomatologia ansiosa de

3º ciclo do ensini básico ................................................................. 31 Vanessa Azevedo, Sónia Simões, Mariana Marques e Marina Cunha adolescentes do

educação sexual em meio escolar: percepção dos alunos ......................................... 51 Sandra Dias e Margarida Gaspar de Matos estudo das propriedades psicométricas das escalas de resiliência de prince-

embury.............................................................................................................................. 73

Sílvia Filipe e Celeste Simões

avaliação

da

auto-compaixão

em

adolescentes:

psicométricas da escala de auto-compaixão

Marina Cunha, Ana Xavier e Inês Vitória

adaptação

e

qualidades

............................................................... 95

resiliência e adolescência: estudo da relação entre factores de resiliência e qualidade de vida em adolescentes com deficiência motora

Ana Sereno e Celeste Simões

................................ 119

crianças com pais ou mães encarcerados: uma revisão da literatura.................... 141 Gabriela Reyes Ormeño, Joviane Marcondelli Dias Maia e Lúcia Cavalcanti Albuquerque Williams características psicométricas da versão portuguesa do inventário da percepção dos professores acerca da melhoria da escola (Leithwood e col., 2006) ............. 163 Adelaide Dias, João Tiago Oliveira e Paulo A. S. Moreira

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

277


estilos parentais e desenvolvimento positivo em crianças e adolescentes com doença crónica ........................................................................................................... 185 Teresa Santos, Margarida Gaspar de Matos, Maria Celeste Simões, Inês Camacho, Gina Tomé e María Carmen Moreno prevenção e promoção da saúde: um desafio na formação de psicólogos

............. 205 Suzane Schmidlin Löhr, Márcia Helena da Silva Melo, Caroline Guisantes de Salvo e Edwiges Ferreira de Mattos Silvares

278

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


UNIVERSIDADE LUSÍADA EDITORA Últimas publicações ENSAIOS Pires, Manuel Pires, Rita Calçada Segurança e ConfiançaLegítima do Contribuinte - 2013 Rueff, Maria do Céu (Coordenação) Direito da Medicina - Eventos adversos, Responsabilidade, Risco - 2013 Silva, Paulo Brito da Geometria da Iluminação Natural na Arquitectura - 2013 MANUAIS Sarmento, Maria Manuela Metodologia Cíentifica, para a elaboração, escrita e apresentação de teses - 2013 Pavia, José Francisco e Monteiro, Manuel A Política Externa nos Programas de Governo do Portugal Democrático (1974-2013) - 2013 Rodrigues, Paula Cristina Lopes Marketing em contexto de mudança - 2012 Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

279


TESES Campos, Ana Paula C. Ordenamento Vocacional Susutentado - 2012 Pinheiro, Ricardo Futre Jazz fora de horas: Jam sessions em Nova Iorque - 2012 Manoel, Bernardo d’Orey Fundamentos de Arquitectura em Raul Lino – 2012 REVISTAS Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente Volume 4, n.º 2 (2013) Revista de Economia & Empresa Serie II, n.º 17 (2013). Lisboa Revista de Política Internacional e Segurança Serie I, n.º 9 (2013). Lisboa Revista de Design Arlíquido – Opúsculo #1 (2013). Lisboa ACTAS Ollero, Rodrigo (Coordenação) (2012) Actas 3º Encontro ESTEJO. CITAD (Universidade Lusíada) TEXTOS JURÍDICOS Santos, António Miranda Pinheiro dos (2013) Código Penal (anotado) - Uma perspectiva policial

280

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014


LUSÍADA DE BOLSO Pinto, Ricardo Leite (2013) A Democracia Constituciional nos E.U.A. - Inclui a Declaração de Independência e a Constituição Norte Americana

Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 5(1) 2014

281




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.