Revista de Psicologia da Crianรงa e do Adolescente Journal of Child and Adolescent Psychology
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa – Catalogação na Publicação REVISTA DE PSICOLOGIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lisboa, 2010 Revista de psicologia da criança e do adolescente = Journal of child and adolescent psychology / propr. Fundação Minerva – Cultura – Ensino e Investigação Científica ; dir. Tânia Gaspar Sintra dos Santos. – N. 1 (Abril 2010)Lisboa : Universidade Lusíada, 2010-
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. - 24 cm. - Semestral
ISSN 1647-4120 I – SANTOS, Tânia Gaspar Sintra dos, 19771. Psicologia Infantil – Periódicos 2. Psicologia do Adolescente - Periódicos
CBC
BF712.R48
Ficha Técnica Título
Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente Journal of Child and Adolescent Psychology
Proprietário Directora Secretariado Conselho Científico
V. 4, N.º 1 (Janeiro-Junho 2013)
Fundação Minerva - Cultura - Ensino e Investigação Científica Tânia Gaspar Francisca Soares de Albergaria Adriana Baban (DP | Babeş-Bolyai University | Romania), Ana Isabel Martins Sani (Universidade Fernando Pessoa | Portugal), Antony Morgan (National Institute for Health and Clinical Excellence | United Kingdom), Aristides Isidoro Ferreira (IPCE | Universidade Lusíada de Lisboa | Portugal), Carmen Moreno Rodríguez (FP | Universidad de Sevilla | España), Celeste Simões (FMH | Universidade Técnica de Lisboa | Portugal), Daniel Sampaio (FM | Universidade de Lisboa | Portugal), Edwiges Mattos Silvares (IP | Universidade de São Paulo | Brasil), Eliane Falcone (Universidade do Estado do Rio de Janeiro | Brasil), Evelyn Eisenstein (FCM | Universidade do Estado do Rio de Janeiro | Brasil), Isabel Leal (Instituto Superior de Psicologia Aplicada | Portugal), Isabel Torres (IPCE | Universidade Lusíada do Porto | Portugal), José Alves Diniz (FMH | Universidade Técnica de Lisboa | Portugal), José Augusto Messias (FCM | Universidade do Estado do Rio de Janeiro), José Enrique Pons (FM | Universidad de la República | Uruguay), Jose Livia Segovia (Universidad Nacional Federico Villarreal | Peru), José Luís Pais Ribeiro (FPCE | Universidade do Porto | Portugal), Lúcia Williams (Universidade Federal de São Carlos | Brasil), Marcelo Urra (EP | Universidad de Artes y Ciencias Sociales | Chile), Margarida Gaspar de Matos (FMH | Universidade Técnica de Lisboa | Portugal), Mónica Borile (Instituto Médico de la Comunidad | Argentina), Paula Lebre (FMH | Universidade Técnica de Lisboa | Portugal), Paulo Moreira (CIPD | Universidade Lusíada do Porto | Portugal), Rosario Tuzzo (FM |Universidad de la República | Uruguay), Tânia Gaspar (IPCE | Universidade Lusíada de Lisboa | Portugal), Teresa Leite (IPCE | Universidade Lusíada de Lisboa | Portugal), Virgílio Estólio do Rosário (IHMT | Universidade Nova de Lisboa | Portugal), Zilda A.P. del Prette (DP | Universidade Federal de São Carlos | Brasil)
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301631/09
ISSN
1647-4120
Local Ano Periodicidade Editora
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Fotocomposição e capa
João Paulo Fidalgo
Publicação Electrónica
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Sumário
SUMÁRIO
Nota introdutória............................................................................................... 7 À conversa sobre violência entre especialistas: Tertúlia no âmbito do Congresso “Prevenção da criminalidade e dependências” na Universidade LUSÍADA DE LISBOA, ABRIL 2012 ............................................................................................................................... 11 Margarida Gaspar de Matos, Armando Leandro, Eurico Reis, Isabel Stilwell, Izabel Baptista e Jorge Negreiros O consumo de álcool pelos alunos do 9.º ano de escolaridade no distrito de Beja: fatores determinantes...... 21 Teresa Tavares, Jorge Bonito e Maria Manuela Oliveira Os Novos Caminhos da Reabilitação Alcoólica: Uma Proposta de Intervenção .............................................................................. 49 Sónia Ferreira e Lídia Moutinho PROGRAMAS DE PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA VIOLÊNCIA NOS RELACIONAMENTOS ÍNTIMOS: DA PRÁTICA INTERNACIONAL À PRÁTICA NACIONAL................................................................................................ 65 Rosa Saavedra e Carla Machado Delinquência juvenil: Da caracterização à intervenção .... 95 Teresa Braga e Rui Abrunhosa Gonçalves Perturbações do Comportamento na Infância e Adolescência: Uma Revisão da Literatura ...................................... 117 Anabela Rosa Amaral Rosando
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Sumário
La conducta antisocial adolescente a la luz de las ciencias del cerebro........................................................................................ 129 Alfredo Oliva Delgado Alienação parental: síndrome ou não, eis a questão ............ 149 Marta Costa e Catarina Saraiva Lima PREVENIR – um modelo de intervenção longitudinal .............. 183 Lorena Crusellas, Marta Costa da Cruz e Margarida Barbosa DETERMINANTES DO COMPORTAMENTO TABÁGICO E IMPLICAÇÕES PARA A PREVENÇÃO DO TABAGISMO ............................................................ 191 Paulo D. Vitória, Cátia Branquinho e Hein de Vries
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nota introdutória A Revista Psicologia da Criança e do Adolescente é uma revista científica multidisciplinar, que procura publicar resultados de novas pesquisas e intervenções no âmbito da Psicologia e ciências relacionadas, nestes grupos etários. Funciona como uma forma de divulgação da investigação e prática de diversos temas actuais e de elevada pertinência na área científica da Psicologia da Criança e do Adolescente. É um fórum de encontro e discussão da experiência, ideias e investigação científica fundamentais para o desenvolvimento profissional de Psicólogos, docentes, investigadores e outros profissionais, assim como discentes. A Revista envolve e integrar várias abordagens e quadros teóricos, incidindo essencialmente numa perspectiva desenvolvimental e ecológica. Procuramos artigos originais, artigos de revisão, artigos de investigação aplicada, cartas ao editor, comentários e ainda estudos de caso nas áreas de Psicologia da saúde, Clínica, Educacional, Trabalho e Organizações, Criminal entre outras disciplinas que trabalhem com ou estejam envolvidas com o desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente. Assumindo-se como uma Revista multidiciplinar e interdisciplinar, promove a diversidade, internacionalidade e qualidade, o que se reflecte na aceitação de artigos de temáticas e abordagens associadas a diversas linhas de investigação e intervenção. Recebemos artigos científicos em quarto línguas: Português, Espanhol, Inglês e Francês. A Revista contempla, também, trabalhos relacionados com a intervenção, desde que devidamente fundamentada e avaliada, assim como, possui espaço para resumos de tese de mestrado e de doutoramento. De modo a promover e manter a qualidade científica dos artigos e demais colaborações, contamos com um conselho científico de investigadores Nacionais e Internacionais, especializados directamente ou indirectamente na área da Psicologia da Criança e do Adolescente e áreas associadas. O Conselho Científico realizará a revisão cega entre pares dos trabalhos submetidos e dará o seu parecer. Esta revista é oficialmente publicada pelo Instituto de Psicologia e Ciências de Educação/ Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Lusíada de Lisboa e pelo Centro de Investigação em Psicologia para o Desenvolvimento
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(CIPD). Propõe ser uma publicação semestral, publica números de carácter genérico e, periodicamente, números de carácter temático. A Revista Psicologia da Criança e do Adolescente pode ser adquirida através de assinatura, pretende estabelecer um sistema de permuta com um elevado número de revistas nacionais e internacionais. Até ao presente número, a Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente tinha o “Número” como organizador dos vários grupos de contribuições/artigos. Contudo, a tipologia de organização das revistas mais consensual é uma tipologia com dois níveis: a categoria do “conjunto de artigos publicado num ano - Volume” e “conjunto de artigos agrupados no mesmo produto editado – Número”. Desta forma, o conjunto de artigos publicados ao longo de um ano tem a denominação de “Volume”, ao passo que o conjunto de contribuições publicado num determinado momento tem a denominação de “Número”. A distribuição que cada revista faz da edição de conjuntos de contribuições (Números) ao longo do ano define a sua “periocidade”. Assim, existem revistas anuais (concentram a edição de todas as contribuições/artigos num único momento anual), semestrais (publicam de 6 em seis meses), quadrimestrais, trimestrais, bi-semestrais e mensais (publicam todos os meses). A tipologia de organização adoptada tem implicações ao nível da identificação das contribuições (incluindo para as citações das mesmas). Com o objectivo de alinhar a sua organização com a vigente na generalidade das revistas científicas da sua área científica, a Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente passa a adoptar a tipologia de “Volume” e Número”. Assim, e uma vez que este é o 3º ano de publicação da revista, o Volume do ano de 2012 é Volume 3. Pelo facto de ser uma revista semestral, o conjunto de contribuições publicados no 1º semestre denomina-se Número 1 e o conjunto de contribuições publicado no 2º semestre denomina-se de Número 2. O presente número da revista resulta das contribuições das comunicações apresentadas no III Congresso Internacional de Psicologia da Criança e do Adolescente por investigadores relevantes ao nível nacional e internacional. Os trabalhos apresentados reflectem a riqueza e o caracter multidisciplinar da investigação e intervenção no âmbito da prevenção da criminalidade e das dependências. O estado da arte é apresentado e reflectido sobre os temas da violência em contexto escolar, a prevenção dos consumos de substâncias e outros comportamentos aditivos, e programas de promoção de competências pessoais e sociais na prevenção e reabilitação dos comportamentos de risco. Considera-se um importante contributo para a o conhecimento e apresenta implicações para a prática nestes domínios.
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Introductory Note The Journal of Child and Adolescent Psychology is a multidisciplinary scientific journal that aims to publish the results of new research and interventions in psychology and related sciences, in these age groups. It serves as a dissemination vehicle of research and practice on several current subjects of high relevance in the scientific areas related to Child and Adolescent Psychology. It is a forum to meet and discuss experience, ideas and research, fundamental to the professional development of psychologists, teachers, researchers and other professionals, as well as students. The Journal involves and integrates various approaches and theoretical frameworks, focusing mainly on an ecological and developmental perspective. We seek original articles, review articles, articles of applied research, letters to the editor, comments, and also case studies in the areas of Health Psychology, Clinical, Education, Work and Organizations, Criminal and other disciplines that work with or are involved with child and adolescent psychosocial development. Assuming itself as a multidisciplinary and interdisciplinary Journal, it promotes diversity, internationality and quality, which is reflected in the acceptance of article topics and approaches associated to different lines of research and intervention. We receive papers in four languages: Portuguese, Spanish, English and French. The Journal also envisages work on intervention, if properly justified and evaluated, as well as offers space for summaries of master’s thesis and doctoral programs. To promote and maintain the quality of scientific articles and other contributions, we have a scientific advisory board of national and international researchers who are specialized directly or indirectly in Child and Adolescent Psychology and related areas. The Scientific Council will hold a blind peer review on the submitted papers and give its opinion. This journal is officially published by the Institute of Psychology and Educational Sciences/Faculty of Humanities and Social Sciences of the Universidade Lusíada in Lisbon and by Research Center Psychology for the Development (CIPD). It has a biannual publication, publishing generic issues and, periodically, theme issues.
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The Journal of Child and Adolescent Psychology may be purchased by subscription, and will establish an exchange system with a large number of national and international journals. Up until now, the Journal of Child and Adolescent Psychology had the “number” as the organizer of all contributions/articles. However, the most consensual organization for scientific journals has two levels: the “set of articles published in a year – Volume” and “set of articles grouped in the same edited product – Number”. This way, the set of articles published through out a year is called Volume, and the set of articles published in a certain moment of the year has a certain number. The distribution that each journal makes of all the articles in a year defines its periodicity. Therefore, there are annual journals (with all the articles edited in one moment of the year), semiannual (published every 6 months), every four months (quarterly), every trimester, every two months and monthly. The adopted organization has implications in terms of the contributions, even for their citation. With the aim of aligning its organization with the one used by most of the scientific journals of our scientific area, the Journal of Child and Adolescent Psychology is adopting the Volume and Number typology. Since this is the third year that the Journal is published, the Volume of the year 2012 is Volume 3. Due to the fact that it is a semiannual Journal, the set of articles published in the 1st semester will be part of Number 1 and the ser or articles published in the 2nd semester will be part of number 2. The present issue of the Journal is a result of the communications presented at the III International Congress of Child and Adolescent Psychology by national and international relevant researchers. The presented works show the richness and multidisciplinary character of research and intervention in the areas of the prevention of criminality and addictions. The current issues are presented through a reflection on themes such as violence in school context, the prevention of substance use and other addictive behaviors, programs for the promotion of personal and social skills and rehabilitation of risk behaviors. We consider this to be an important contribution for knowledge and practical implications in these areas.
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À conversa sobre violência entre especialistas: Tertúlia no âmbito do Congresso “Prevenção da criminalidade e dependências” na Universidade Lusíada de Lisboa, Abril 2012 A conversation about violence amoung specialists: a round table part of the international congress “Criminality and Addictions Prevention at Universidade Lusíada de Lisboa, April 2012 Margarida Gaspar de Matos
(coord.); Psicóloga; Professora Catedrática na UTL e CMDT
Armando Leandro
Juiz Conselheiro; Presidente Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco
Eurico Reis
Juiz Desembargador, Presidente Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida
Isabel Stilwell
Jornalista, directora do Jornal Destak
Izabel Baptista
Pedagoga na DGES, (ex-coordenadora do NES/ DGIDC- ME)
Jorge Negreiros
Psicólogo, Professor Catedrático da FPCE-UP
Autor para correspondência: margaridagaspar@netcabo.pt
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Margarida G. de Matos, Armando Leandro, Eurico reis, Isabel Stilwell, Izabel Baptista e Jorge Negreiros
Resumo: O objectivo deste debate foi aprofundar a compreensão sobre os comportamentos de violência entre alunos de escolas públicas em Portugal e identificar determinantes e correlatos, boas práticas e estratégias de intervenção, na opinião de especialistas em várias áreas deste sector. Sabemos do estudo HBSC em Portugal que de 2002 para 2010 diminuiu significativamente o número de alunos com envolvimento em situações de violência. As raparigas e os alunos mais velhos envolvem-se menos em situações de violência. Verificam-se diferenças regionais. Por outro lado estima-se que em 16.4% das escolas há um maior convívio com situações de violência e em 12,7% das escolas há um quase inexistente convívio com a violência. Este facto demonstra por um lado que a violência “problemática” ocorre num número reduzido (embora sempre preocupante) de escolas, por outro lado que é possível identificar a nível da escola, boas e más vivências e práticas em relação à violência. No entanto, é crença generalizada, corroborada pela comunicação social de que a violência juvenil está “ pior do que nunca e não para de aumentar”. O que fazer em termos de políticas públicas para lidar com a situaçao? Palavras-chave: violência; Determinantes; Pessoas; Contextos; Escola; Politicas Públicas. Abstract: The aim of this debate was to widen the understanding on violent behaviors from students in Portuguese public schools and identify determinants and correlations, good practices and intervention strategies based on specialists in this sector. From the Portuguese HBSC study, we know that the number of students involved in violent situations has decreased between 2002 and 2010. Girls and older students get less involved in violent situations and there are also regional differences. On the other hand, it is estimated that in 16.4% of schools there are more violent situations and that in 12.7% of schools there are almost no violent situations. This fact shows that on one hand that the ‘problematic’ violence occurs in a reduced number of schools (although always a concern), and on the other it is possible to identify, in school, good and bad experiences and practices regarding violence. However, it is believed and confirmed by the media that youth violence is “worse than ever and does not stop increasing”. What to do in terms of public policies to deal with the situation? Key-words: violence; determinants; people; contexts; school; public policies. MGM - O objectivo desta tertúlia foi aprofundar a compreensão sobre os comportamentos de violência entre alunos de escolas públicas em Portugal e identificar correlatos, boas práticas e estratégias de intervenção, na opinião de especialistas em várias áreas deste sector.
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À conversa sobre violência entre especialistas: Tertúlia no âmbito do Congresso ..., pp. 11-20
Sabemos do estudo HBSC em Portugal 1que de 2002 para 2010 diminuiu significativamente o número de alunos com envolvimento em situações de violência. As raparigas e os alunos mais velhos envolvem-se menos em situações de violência. Verificam-se diferenças regionais. Por outro lado estima-se que em 16.4% das escolas há um maior convívio com situações de violência e em 12,7% das escolas há um quase inexistente convívio com a violência. Este facto demonstra por um lado que a violência “ problemática” ocorre num número reduzido (embora sempre preocupante) de escolas, por outro lado que é possível identificar a nível da escola, boas e más vivências e práticas em relação à violência. No entanto, é crença generalizada, corroborada pela comunicação social de que a violência juvenil está “ pior do que nunca e não para de aumentar”. MGM - O que se passa então? A violência entre jovens está mesmo a aumentar, como sugere a comunicação social e como parece ser o entendimento da opinião pública? AL - Julgo que não há dados objectivos que fundamentem essa sugestão. Verifica-se, porém, o aumento do eco na comunicação social de notícias de casos de violência praticados por jovens, com impacto na opinião pública, por vezes desproporcionado pela tendência para uma percepção errónea da amplificação do fenómeno. ER - Não tenho dados suficientes que me permitam concluir, em termos objectivos, se está ou não a existir um acréscimo na violência entre os jovens. Em todo o caso, a verdade é que essa é a percepção que nos é transmitida, moldando as nossas próprias percepções pessoais, e isso, em si mesmo, é um dado que não pode ser ignorado ou desconsiderado. Porque, para o mal e para o bem – mais o primeiro do que o segundo, adianto -, as nossas escolhas são orientadas e determinadas mais pelas nossas percepções do que pela Realidade. Permitam-me um conselho metodológico: perante a ausência de informação cientificamente validada e face à abundância/excesso de “notícias” que a maior parte das vezes não passam de “ruído”, raciocinem a partir das vossas experiências pessoais, mas estando sempre bem cientes que a nossa capacidade para perceber (e até apreender) o que se passa à nossa volta é limitada. E o que as minhas vivências pessoais, como jovem que fui, como pai que procurou, e procura, ser atento, e como Juiz, me ensinaram é que a violência entre os jovens não é maior agora, mas está diferente. Porventura menos primária. Nos meus tempos de juventude, em escolas que não eram mistas, a violência física externa também era evidente e verbalizada (e, entre rapazes, era considerada quase natural). Mais não seja aparentemente, hoje a Sociedade é mais sensível a estes 1
Relatório HBSC 2006 e HBSC 2010 em www.aventurasocial.com
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problemas e às suas implicações - estou em crer que o é efectivamente. Curiosamente, uma das coisas que talvez tenha mudado (mas avanço a ideia com muito cuidado, porque o pior dos vícios lógicos é a generalização abusiva) é a relação das raparigas com a violência, quer como vítimas, que continuam a ser, na sua maioria, quer como agentes. Apesar de tudo, felizmente, a independência das raparigas e jovens mulheres é maior do que era antigamente e elas já não têm de “aturar” tudo o que lhes aparece pela frente. IB - Neste momento, a comunicação social tem sido um pouco omissa em relação à Violência entre jovens em meio escolar. Tendo seguido os grandes títulos da imprensa diária generalista nos últimos tempos - desde o início do ano lectivo 2012/13, as situações de violência relatadas têm ocorrido entre adultos, cidadãos na vida activa e são marcadas por um elevado grau de agressão. Aparentemente e, numa 1ª leitura, a imprensa parece estar mais atenta ao evento que tem uma correlação directa ou indirecta com a crise socioeconómica que o país atravessa. Mesmo as notícias que surgem relacionadas com os jovens em meio escolar, prendem-se com “carências alimentares”, “ausência de pequeno almoço”, “escola que não alimentou uma criança por falta de pagamento”, ou seja: notícias, que reforçam e demonstram a crise do país e que a imprensa fez delas, o fio condutor da actualidade. Até admitimos a hipótese de que a Violência em meio escolar possa estar a assumir novos contornos, uma vez que, de acordo com a literatura, uma das causas do comportamento violento tem a ver com factores ambientais e interpessoais: a presença de condutas agressivas no contexto familiar e social próximo da criança e do adolescente podem servir de modelos na adopção de comportamentos agressivos por parte destes e funcionar como estratégia aprendida e reforçada de resolução de conflitos1. Ora, o ambiente envolvente não está pacífico, as assimetrias sociais são badaladas pela imprensa, o mal estar geral e silencioso é um dado; admitimos que todos estes factores ambientais pouco ou nada possam contribuir para a harmonia de uma parte dos jovens e adolescentes em contexto escolar. IS. Parece-me que o Eurico Reis tem razão quando afirma que somos hoje muito mais atentos e preocupados com as crianças e os jovens. E a Isabel (Baptista) também acerta completamente quando diz que a comunicação social acaba por dar um especial enfoque aos acontecimentos que vão ao encontro das convicções do momento: se estamos em crise económica profunda, então essa crise tem de explicar tudo, e da forma mais linear possível, que é sempre aquela que tem mais impacto. Crise igual a fome, ponto final. Mas, se de repente, acontecer uma “espécie-de-arrastão”, então durante dias, com um mimetismo assustador, todos os órgãos de comunicação falam incessantemente do assunto, e a parte transforma-se rapidamente no todo. Mas também não vamos cair na ideia, também ela fácil, de que os jornalistas são
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um “bando” de malfeitores, que está lá por trás do pano a manipular a realidade, de forma a servir interesses mais ou menos escondidos. Infelizmente a verdade é muito mais prosaica do que isso: os jornalistas são cidadãos como os outros, e acabam por ser “porta-vozes” do sentir e das preocupações de quem os rodeia, muitas vezes sem sujeitar a informação que recebem a uma reflexão e a uma crítica severa, como seria exigível. Ou seja, acabam por servir uma visão muito primária da realidade, e a opinião pública, agradece, porque sabemos bem que as pessoas preferem ouvir aquilo em que já acreditam, num círculo vicioso que só leva a perpetuar ideias feitas. E como os adultos têm desde tempos imemoriais – pelo menos desde o Sócrates, antes deste! – a convicção de que os jovens são ignorantes e violentos, estão mais do que receptivos a aceitar que a violência entre os mais novos continua a aumentar. Se aumentou ou não, terão de ser os investigadores a dizê-lo, haja financiamento para estudos! Mas os investigadores precisam de ter a coragem de dar as boas notícias, mesmo quando contracorrente, e de persistir no seu discurso, mesmo quando assistem frustrados ao empolamento dos fenómenos mais marginais. JN. Para se poder sustentar que a violência entre os jovens está a aumentar seria necessário dispor de dados fiáveis sobre a medida deste fenómeno ao longo do tempo. No entanto, a obtenção de dados fiáveis e rigorosos depende da qualidade das fontes de informação sobre a delinquência juvenil. Dum modo geral, são três os métodos que permitem delinear tendências sobre a extensão e evolução da actividade transgressiva nos jovens2: a) as estatísticas oficiais; b) os inquéritos de delinquência auto-revelada e; c) os inquéritos de vitimação. As questões sobre a validade da informação obtida através destes métodos tem sido objecto de um intenso debate. As estatísticas oficiais, por exemplo, ao fornecerem dados que são filtrados pela polícia ou outros agentes do sistema de justiça criminal, são consideradas um método que conduz a resultados incertos já que as taxas de delinquência exprimem unicamente os crimes que foram detectados pela polícia. Similarmente, os inquéritos de delinquência auto-revelada (como aliás os inquéritos de vitimação) apresentam um conjunto de limitações que decorrem, entre outros aspectos, do facto dos jovens que são inquiridos poderem distorcer ou mentir deliberadamente acerca do seu envolvimento em actos violentos. Consequentemente, a resposta à questão que consiste em saber se a violência entre jovens está a aumentar dificilmente poderá ser dada dum modo seguro e rigoroso já que, simplesmente, não é possível determinar quantas crianças e jovens, em Portugal, como em qualquer outro país, cometem actos delinquentes. Em conclusão, tem vindo a difundir-se a ideia de que a violência juvenil tem aumentado recentemente em Portugal. Essa percepção poderá explicar-se, eventualmente, pela maior visibilidade que certos 2
Negreiros, J. (2008). Natureza do problema e medidas do comportamento anti-social. In Delinquências Juvenis: Trajectórias, intervenção e prevenção. Porto: LivPsic.
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actos violentos praticados por jovens têm merecido por parte da comunicação social. Com efeito, uma estimativa rigorosa sobre a extensão da violência e sua evolução e implicaria o registo sistemático de informação obtida através de diferentes indicadores da criminalidade juvenil, dados que, manifestamente, não estão ainda disponíveis no nosso país. Se sabemos como, porque é que não fazemos? MGM – Em avaliação nacional a nível das escolas 3, verificou que enquanto que para áreas como o consumo de substâncias, a alimentação/actividade física e a educação para uma sexualidade segura e saudável, as escolas promovem diversas medidas educativas e formativas para alunos, professores, funcionários e mesmo pais, no caso da violência as medidas são mais frequentemente prescritivas, tipo “regulamento” de escola, com enunciado de regras e punições para as respectivas infracções. Sabemos que estas medidas sendo importantes não são, todavia, suficientes porquanto se controla o comportamento violento mas não se trabalham as alternativas comportamentais e sócio-cognitivas, no confronto e na gestão dos conflitos interpessoais. Mas a escola surge sempre como um ambiente privilegiado para a implementação de programas de promoção da saúde/bem-estar (incluindo a prevenção da violência entre pares), em especial quando as intervenções enfatizam igualmente, o papel dos pares e da família. E a prevenção revela-se mais eficaz se ao mesmo tempo que se levam a cabo programas educativos escolares, se incide em outros factores sociais que afectam o comportamento dos jovens (a família, grupo de amigos, clube, redes de vizinhança, comunidade). Alguns estudos falam mesmo da responsabilidade ambiental da escola e da sociedade e da responsabilidade pessoal e social dos alunos e das famílias. E quanto mais precocemente melhor, porque a violência na escola causa danos à saúde mental positiva aumentando a ansiedade e o medo, conduzindo ao desenvolvimento de percepções de insegurança e falta de expectativas. Um programa de prevenção da violência em meio escolar deve também promover a qualidade na educação escolar, nomeadamente na obtenção de sucesso escolar, pela sua associação a um aumento de motivação e investimento na escola e a um aumento de expectativas de futuro e do papel da escola nestas expectativas, factores estes associáveis a um menor envolvimento em actos de violência. Nesta altura em que já tanto se sabe sobre a génese dos comportamentos violentos, nomeadamente em meio escolar, o que falta para que programas eficazes sejam implementados, monitorizados e avaliados com continuidade? O que falta para promover o convívio não violento entre cidadãos? e o que falta para prevenir a violência interpessoal?
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Relatório GTES - Ministério da Educação (2005 e 2007)
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AL - Parece-me indispensável que se intente radicar uma cultura de prevenção da violência através de políticas inter-sectoriais integradas e correspondentes estratégias e acções, numa perspectiva sistémica, ao nível da prevenção universal e da prevenção selectiva e indicada. Exige-se o empenhado, competente e criativo envolvimento do Estado, da Sociedade Civil, em geral e na dimensão de cada comunidade local, através, nomeadamente, das respectivas entidades socializadoras, com especial realce para a família, a escola e a comunicação social; e requer-se a indispensável participação activa de cada cidadão, incluindo o cidadão criança. Impõe-se o recurso às evidências, que a investigação propicia, e à elaboração, execução e avaliação sistemática de programas articulados de prevenção bem concebidos, a partir de diagnósticos rigorosos da realidade da violência e da determinação dos respectivos factores de risco, a eliminar ou diminuir significativamente, e dos factores de protecção, a fortalecer ou a implementar. Sublinha-se o carácter prioritário da prevenção muito precoce da violência infantil e juvenil, a partir logo dos primeiros anos de vida, ajudando, desde cedo, a criança a ir concretizando o direito, que Convenção sobre os Direitos da Criança reconhece, de educação para a não violência, a tolerância, o sentido do Outro e justiça, através da interiorização de um progressivo espírito crítico fundado em valores e regras e limites justos. Direito de que é titular a própria criança, a que corresponde o dever de as entidades socializadoras pugnarem pela sua concretização, de forma afectiva e dialógica, respeitadora dos demais direitos da criança, nomeadamente o direito ao carácter pedagógico de uma intervenção harmónica com o estádio e as exigências da fase concreta do seu desenvolvimento ER - Talvez seja bom recordar que, excepto alguns casos de perversidade intrínseca, a generalidade das pessoas violentas também o são porque aprenderam a sê-lo, nomeadamente junto das suas famílias; os jovens replicam o que vêem e assumem que esses comportamentos que entendemos como anti-sociais são, afinal os “normais”, porque é isso o que fazem àqueles que acabam por ser os seus “modelos de convivência” (role models). E se as famílias não conseguem desempenhar essa função de boa socialização, a outros deve ser permitido fazê-lo. O respeito pelo Outro, pelo Diferente, tem de ser ensinado, desde a mais tenra idade. Tal como o tem de ser o princípio da reciprocidade – porque ser tolerante com os intolerantes é perigoso e pode ser contraproducente. Porque sem esse respeito mútuo e essa tolerância recíproca nunca teremos uma sociedade equilibrada, leal, tendencialmente justa e capaz de lutar pela felicidade dos seus membros (de todos, preferencialmente). IS – Não tenho qualquer experiência científica para reportar, mas concordo com o Eurico Reis quando diz que a violência se aprende. E se os casos dramáticos que conhecemos pessoalmente, ou os Media nos trazem, falam invariavelmente de situações de pobreza e de famílias disfuncionais, tenho para mim que somos todos
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Margarida G. de Matos, Armando Leandro, Eurico reis, Isabel Stilwell, Izabel Baptista e Jorge Negreiros
muito mais violentos uns com os outros do que devíamos ser, se a ideia é de alguma maneira sermos “role models” para seja quem for. Que o papel dos Media, e estou aqui enquanto jornalista, é denunciar as injustiças e exercer o seu papel de contraponto ao poder, temos todos a certeza, mas já não é tão seguro que a coberto dessa missão, não cultive tantas vezes um discurso de inveja, de acusação não fundamentada, de justiça sumária na praça pública, que só pode fomentar o ódio e a violência. Se imaginamos que só nós é que estamos obrigados ao cumprimento das regras e das leis, e que os outros, os “ricos”, os “poderosos”, e mais grave ainda “os políticos” fazem o que querem, e ainda lhes sobra tempo, é óbvio que é ainda mais difícil que quem sente a desigualdade e a frustração, reaja a ela com violência. Pela minha parte, e enquanto cidadã, suporto já muito mal este discurso simplista e maniqueísta, e no entanto oiço-o frequentemente no interior das próprias escolas. Se há exemplos extraordinários de escolas e professores capazes de mobilizar os alunos, apesar da escassez de recursos que eventualmente tenham, há escolas onde os professores se queixam todo o dia, de tudo e de todos, argumentando que não podem fazer nada para mudar seja o que for, posicionando-se como vítimas impotentes. Ora é precisamente a sensação de impotência, de que não podemos mudar as circunstâncias em que nos encontramos, que levam ao “perdido por cem, perdido por mil”. Temos de conseguir, cada um de nós, ser melhor exemplo. IB - Em 2009-2010, o Ministério da Educação, através do Núcleo de Educação para a Saúde (NES), elaborou um questionário dirigido a Agrupamentos de escolas/ escolas não agrupadas, com o objectivo específico de, no âmbito de saúde mental, detectar a percepção do Agrupamento/escola sobre casos de “bullying”, “violência no namoro”, temas estes muito veiculados pela imprensa da altura. Verificou-se que: 52% dos agrupamentos/escolas considera haver situações de “bullying”; 17% dos agrupamentos/escolas considera que há sinais de “violência no namoro”; 52% dos agrupamentos/escolas considera que desenvolve projectos “promotores de saúde mental”. A maioria dos estabelecimentos de ensino identificou o “bullying” como uma situação mais recorrente do que a da “Violência no namoro”. Este mesmo questionário evidenciou que as escolas se equiparam de “gabinetes/ espaços de apoio/ suporte ao aluno” e que utilizam este espaço como uma estratégia de superação e/ou mediação de conflitos. Em nosso entender, a existência de “um espaço para o aluno e do aluno” é uma estratégia importante e, embora a personalidade do mediador, em caso de conflito, possa ser determinante, a existência de um espaço com o qual o aluno se identifique é um factor crítico de sucesso. Os resultados apontam que a maioria dos estabelecimentos de ensino opta por um conceito de gabinete entre o informal e o muito informal (67%), o que pode
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À conversa sobre violência entre especialistas: Tertúlia no âmbito do Congresso ..., pp. 11-20
facilitar a vinculação dos jovens adolescentes a esses espaços. Por outro lado, ainda segundo o mesmo questionário, a concepção dos mesmos tem por objectivo dar respostas integradas e multidisciplinares aos seus utentes, potenciando assim as suas valências. Uma outra estratégia, que nos parece determinante para um convívio saudável, é a organização de actividades/ projectos que tenham como requisito a cooperação de todos para se atingir um determinado objectivo previamente traçado e de forma inequívoca. Em contexto de adversidade, é difícil apontar direcções e indicar caminhos; mas, pior, é não seguir “caminho nenhum” ou “não traçar/imaginar” horizontes promissores com os quais nos identifiquemos. Assim, entendemos que a escola poderá ser um contexto privilegiado para aumentar o “espírito crítico” dos seus educandos e, ao mesmo tempo, através de estratégias adequadas, apoiá-los na gestão das emoções e na importância da resiliência. JN. O modo como se tem lidado com a questão do controlo da violência juvenil não decorre necessariamente dos progressos da investigação teórica ou empírica, mas de certas orientações ideológicas e políticas prevalecentes em diferentes contextos socio-culturais ou períodos históricos. Tais divisões ideológicas ainda hoje separam os que enfatizam o recurso a medidas de carácter mais punitivo ou, pelo contrário, os que defendem estratégias predominantemente orientadas para a reabilitação do jovem. Como o tema da prevenção da violência é vasto e complexo para que possa ser aqui sequer esboçado nas suas linhas gerais, gostaria de me centrar numa questão específica que tem vindo a assumir uma importância crescente na teoria, investigação e prática relacionadas com a violência juvenil: a das intervenções preventivas baseadas na evidência. Com efeito, nos últimos anos, assinaláveis progressos têm sido alcançados em matéria de prevenção da delinquência juvenil, expressos no desenvolvimento de programas de intervenção alicerçados em sólidos fundamentos teóricos e científicos os quais, paralelamente, têm sido implementados e avaliados recorrendo a métodos científicos rigorosos. Deste modo, tem sido possível identificar um conjunto de programas que a investigação demonstrou exercerem um impacto mensurável na redução da violência juvenil. Importa referir que os programas baseados na evidência deram início a um movimento que teve a sua génese nos EUA e se tem vindo a disseminar por outros países 4 . Esse movimento tem tido expressão não só no desenvolvimento de uma diversidade de programas eficazes de prevenção da violência, mas igualmente na elaboração de registos onde constam os programas que reúnem os padrões de qualidade para serem certificados, por uma instituição de investigação idónea, como estando baseados na 4
Small, S. A., Reynolds, A. J., O’Connor, C., & Cooney, S. M. (2005). What Works, Wisconsin: What science tells us about cost-effective programs for juvenile delinquency prevention. Madison, WI: University of Wisconsin–Madison.
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evidência. Um bom exemplo que poderia ser seguido no nosso país. MGM - Como referiu IB, “em contexto de adversidade, é difícil apontar direcções e indicar caminhos; mas, pior, é não seguir “caminho nenhum” ou “não traçar/imaginar” horizontes promissores com os quais nos identifiquemos”. Salienta também JN, que “tem sido possível identificar um conjunto de programas que a investigação demonstrou exercerem um impacto mensurável na redução da violência juvenil” (embora não especificamente no nosso país). Sublinha AL que “o Direito (de educação para a não violência) de que é titular a própria criança, a que corresponde o dever de as entidades socializadoras pugnarem pela sua concretização, de forma afectiva e dialógica, respeitadora dos demais direitos da criança, nomeadamente o direito ao carácter pedagógico de uma intervenção harmónica com o estádio e as exigências da fase concreta do seu desenvolvimento”. E IS, enquanto jornalista, confessa “que o culto da inveja e da ideia de que o poder político é necessariamente corrupto, que vê tantas vezes veiculado nos Media, e mesmo no interior das escolas, contribui certamente para respostas violentas, de quem assim se sente roubado da esperança e legitimado na sua raiva. Quando alguém se sente perdido por cem, pouco se importa de se perder por mil” Concluindo com ER, “O respeito pelo Outro, pelo Diferente, tem de ser ensinado, desde a mais tenra idade. Tal como o tem de ser o princípio da reciprocidade – porque ser tolerante com os intolerantes é perigoso e pode ser contraproducente”. Ficamos então aos vários níveis com algumas propostas para uma sociedade com mais práticas e melhores modelos não violentos e virados para um futuro com mais coesão social: Intervenção com os professores e as instituições escolares (formação permanente especifica, respeitando a heterogeneidade, promovendo a participação e responsabilização dos alunos) Intervenção com as famílias (envolvimento das famílias no percurso escolar, promoção de modelos parentais não -agressivos) Intervenção curricular: programas escolares (promoção do sucesso educativo) Intervenção directa com os agressores e as vítimas (promoção de competências cognitivas, emocionais e comportamentais, promoção da resiliência e da auto-regulação; promoção da participação dos alunos, promoção de actividades extracurriculares) Intervenção com decisores políticos (valorização do sistema educativo) Promoção da participação das populações e envolvendo-as em programas preventivos integrados, monitorizados e avaliados que acompanhem os cidadãos ao longo da vida. (Endnotes) 1 Matos, M.G., Baptista, M.I. et al (2010). Violência em contexto escolar. Ministério da Educação, DGIDC
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O consumo de álcool pelos alunos do 9.º ano de escolaridade no distrito de Beja: fatores determinantes The alcohol consumption by students from the 9th grade in the district of Beja Teresa Tavares
Professora da Escola Secundária com 3.º Ciclo D. Manuel I (Beja) E-mail: tsousatavares@gmail.com
Jorge Bonito
Professor Auxiliar da Universidade de Évora. Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores. E-mail: jbonito@ua.pt
Maria Manuela Oliveira
Professora Auxiliar com Agregação do Departamento de Matemática da Universidade de Évora. E-mail:mmo@uevora.pt
Resumo: O álcool é a droga mais procurada no mundo, tendo-se registado um grande aumento do consumo pelos jovens nos últimos anos. Este estudo, inserido num projeto de maior dimensão, pretende dar conta das representações que os alunos do 9.º ano de escolaridade das escolas do distrito de Beja têm acerca do consumo de bebidas alcoólicas, nos diferentes contextos sociais, para, posteriormente, conceber e implementar um programa de intervenção preventiva seletiva do consumo de álcool. A recolha de informação fez-se com recurso a um inquérito por questionário, construído pelos autores deste trabalho e validado por peritos externos e em testagem piloto. Procedeu-se à análise estatística descritiva e inferencial, usando-se o SPSS. Verificou-se que os alunos tendem a iniciar o consumo de bebidas alcoólicas por volta dos 13 anos. As variáveis “Com quem consumiu a primeira bebidaalcoólica” e “O local de consumo da primeira bebida alcoólica” foram identificadas como determinantes para o consumo de
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álcool; porém, a variável “Os contextos sociais/ocasiões onde consome bebidas alcoólicas” não se assumiu com a mesma relevância que as anteriores. Palavras-chave: álcool; alunos; dependência; prevenção. Abstract: Alcohol is the most popular drug in the world, having seen a large increase in consumption by young people in recent years. This study, part of a larger project, aims to identify the representations that the students of 9th grade schools in the district ofBeja have aboutthe consumption of alcoholic beverages indifferent social contexts, to then design and implement a selective preventive intervention program of alcohol consumption. The information collection was made using a survey questionnaire, constructed by the authors of this paper and validated by external experts and pilot testing. We conducted descriptive and inferential statistical analysis using the SPSS. We found that students tend to start drinking alcohol at about 13 years old. The variables “Who consumed the first alcoholic beverage” and “The place of first alcohol consumption” were identified as determinants of alcohol consumption, but the variable “Social contexts/occasions where consuming alcohol” is not assumed with the same importance than before. Key-words: alcohol; students; addiction; prevention.
Introdução O consumo de bebidas alcoólicas tem sido, manifestamente, muito bem tolerado pela sociedade portuguesa. É associado à diversão, a brindes e comemorações, a cerimónias religiosas, a hábitos sociais, a tradições, à medicina e até como fonte de inspiração. Pese embora o preceito legal que estabelece a proibição de venda e consumo de bebidas alcoólicas a menores de 16 anos (Decreto-Lei n.º 9/2002, de 24 de janeiro), o consumo deste tipo de bebidas não é visto, pela mesma sociedade, como se de uma droga se tratasse. Consequentemente, não é difícil observar no quotidiano da nossa vida a venda de bebidas alcoólicas a crianças com idade inferior a 16 anos, nos vários tipos de estabelecimentos comerciais, assim como notar alguma falta de fiscalização por parte das entidades competentes. Por outro lado, encontramos, amiúde, a ideia de que algumas pessoas são dependentes do consumo de bebidas alcoólicas mas, ainda assim, esta dependência é encarada como um estado de vontade, mais ou menos passageira, que pode vir a desaparecer apenas pela mudança de atitude. Não é comum associar-se esta dependência a um problema de saúde mental, quando, de facto, não existe qualquer dúvida que o seja (Schuckit, 1991, 1998). Uma simples curiosidade, ou um mero hábito social, pode conduzir a estados futuros de dependência, cujas consequências a níveis biológico, social, psicológico,
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económico, conseguem condicionar todo o percurso de uma vida pessoal. Para além disso, o consumo está intimamente enraizado a determinados mitos e conceções alternativas acerca dos efeitos do álcool no organismo, que dificultam a mudança de pensamento, de sentimento e, consequentemente, os juízos de valor necessários para a mudança do estilo de vida. Se dirigirmos o olhar para o nível familiar, percebe-se que o consumo de álcool é mais aceite que o de tabaco. Por vezes, é a própria família a estimular o seu consumo. A investigação detetou que filhos, sobrinhos e netos consomem bebidas alcoólicas (principalmente, vinho ou cerveja) para se “emanciparem” na sua masculinidade, frequentemente incitados pelos homens da família (Marti, 1996). Diz-se, em jargão: “É de homem! E homem que é homem bebe!”. A escola tem sido apontada como um dos locais de privilégio para trabalhar no fortalecimento das escolhas positivas para a saúde e na promoção das mudanças dos comportamentos e estilos de vida não saudáveis ou de risco. E, junto com esta mesma escola, coexiste uma comunidade que seduz as crianças e jovens para a antítese do saudável. Esta dissociação de valores (Passão Lopes, 2009), entre o comportamento que se sabe desejado e aquele que se gera por antítese, cria nos jovens com acesso a dinheiro e a liberdades, que outrora eram de menor dimensão, estilos de vida noturnos (contagiando, posteriormente, os diurnos), onde a presença de bebidas alcoólicas é constante. Novas experiências e fenómenos surgem sem demora, incluindo, por exemplo, o bingedrinking, cujo objetivo é produzir um estado de rápida embriaguez. E nesta dissociação comunitária, percebe-se a tolerância para o consumo e a condenação dos comportamentos que o mesmo gerou. A consciência acerca do abuso de álcool em Portugal foi aumentando gradualmente, função do consumo inadequado ou excessivo que se registava entre crianças, jovens e adultos. Em 1999 foi criada uma comissão interministerial (Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/99, de 8 de maio) com os objetivos de analisar e integrar os múltiplos aspetos associados à luta contra o consumo de álcool e de propor um plano de ação que constituísse um reforço e aprofundamento do disposto na estratégia da saúde. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2000, de 29 de novembro, foi aprovado o Plano de Ação contra o Alcoolismo, com a meta principal de contribuir contra o “consumo excessivo ou o abuso de bebidas alcoólicas, envolvendo, simultaneamente, uma componente de estudo e investigação do fenómeno do álcool e do seu consumo tendo em vista a promoção e a educação para a saúde”. O Decreto-Lei n.º 9/2002, de 24 de janeiro, procura contribuir para o esforço de implementação das várias medidas preconizadas no plano de ação referido, aprofundando a cooperação interministerial. De acordo com um estudo realizado por Gameiro (1998), na população jovem (15-24 anos) cerca de 500 mil jovens já consumiam bebidas alcoólicas três vezes por semana ou mais. Feijão e Lavado (2003), no trabalho sobre consumo de álcool, tabaco e droga (ECATD) referem que cerca de 9% dos rapazes e 5% das raparigas de 13 anos, e cerca de 60% dos rapazes e 42% das raparigas de 18 anos, já experienciaram, pelo menos uma vez, intoxicações alcoólicas (“bebedeiras”).
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Em 2003, segundo o World Drink Trends (WARC, 2005), Portugal ocupava o oitavo lugar no consumo mundial de álcool, com um valor estimado de cerca de 9,6 litros de etanol per capita, correspondendo ao consumo acumulado de 58,7 litros de cerveja, 42 litros de vinho e cerca de 3,3 litros de bebidas destiladas. Os dados do Inquérito Nacional de Saúde de 2005-2006 (INSA, 2006) apontam para um crescimento da percentagem de consumidores de álcool no Alentejo, comparativamente ao período entre 1995-1996, enquanto nas demais regiões do país a tendência é inversa. A taxa de prevalência de consumo de álcool pelos alunos do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário aumentou, entre 2001 e 2006, sendo mais elevada no Alentejo (os dados do inquérito de 2010 do HBSC/OMS confirmam esta tendência, que se regista, também, ao nível do consumo de tabaco). Há a destacar os distritos de Portalegre, Évora e Beja, sendo este último, o que se apresenta com maior taxa de prevalência de consumo de bebidas alcoólicas. É, também, no Alentejo onde se verificou a maior taxa de embriaguez entre os alunos de 3.º ciclo e do secundário (Feijão, 2010). O II Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral de Portugal, em 2007, abrangeu uma amostra total de 15 000 indivíduos do continente e das ilhas, com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos de idade. Segundo Balsa, Vital, Urbano, Barbio e Pascueiro (2008), de 2001 para 2007 a prevalência de consumo de bebidas alcoólicas aumentou de 75,6% para 79,1%. Em 2001, cerca de 30% da proporção da população iniciou o consumo de bebidas alcoólicas entre os 15 e os 17 anos, tendo essa proporção aumentado para 40% em 2007. O Instituto da Droga e da Toxicodependência realizou em 2001 e 2006 os estudos do Inquérito Nacional em Meio Escolar (INME), onde se caracterizaram os consumos dos alunos do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário, das diferentes regiões do território português (Feijão, 2008). Os dados apontaram no sentido de uma diminuição da percentagem de alunos que já consumiu alguma bebida alcoólica: no 3.º ciclo diminuiu de 67% para 60% e no ensino secundário passou de 91% para 87%. Detetou-se, no mesmo período, uma certa estabilidade da quantidade de consumidores nos “últimos 12 meses” – 49% e 48% (3.º ciclo) e 76% e 79% (Secundário). Verificou-se, contudo, um aumento na prevalência dos consumos nos “últimos 30 dias”, de 25% para 32%, no 3.º ciclo, e de 45% para 58%, no ensino secundário. Por outro lado, os resultados de 2002 e 2006 do inquérito Health Behaviour in School-aged Children(Matos, Carvalhosa, Reis & Dias, 2001; Matos, 2008), estudo da Organização Mundial de Saúde com alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos de escolaridade, sugerem que, no geral, tanto os jovens que já experimentaram, como os consumidores regulares e abusivos de álcool, revelam um perfil de afastamento em relação à família, à escola e ao convívio com os colegas em meio escolar, apresentando com mais frequência envolvimento com experimentação e consumo de tabaco e substâncias ilícitas e envolvimento em lutas e situações de violência na escola. De acordo com o mesmo inquérito de 2010 (Matos et al, 2012), cerca de 40%
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dos adolescentes portugueses refere ter consumido álcool pela primeira vez entre os 12 e os 13 anos de idade e cerca de 60% refere que se embriagou pela primeira vez, por volta dos 14 anos. Tendo em conta a totalidade dos países participantes no ESPAD (2007), pelo menos dois terços dos estudantes ingeriram álcool pelo menos uma vez ao longo da sua vida, com uma média próxima dos 90%, no inquérito de 2007. Os valores médios correspondentes relativos aos consumos de álcool nos últimos 12 meses e nos últimos 30 dias são de 82% e 61% respetivamente. Estes números mantiveram-se praticamente inalterados entre 1995 e 2007 no que se refere aos níveis de prevalência ao longo da vida e nos últimos 12 meses, enquanto os números referentes aos últimos 30 dias aumentaram até 2003, diminuindo depois ligeiramente em 2007, especialmente entre os rapazes. Portugal revela uma tendência ascendente contínua no consumo esporádico excessivo, durante os últimos 30 dias desde 1995 até 2007, sendo este bastante mais comum entre os rapazes do que entre as raparigas. Contudo, esta diferença diminui bastante em 2007. O aumento mais pronunciado entre 2003 e 2007 verifica-se em Portugal, onde a percentagem de estudantes que referem o consumo esporádico excessivo durante os últimos 30 dias aumentou de 25% para 56%. Os resultados do inquérito Health Behaviour in School-aged Children de 2010 (Matos et al., 2012), com uma população de 5050 alunos, indicam que 89,8% dos inquiridos declararam raramente ou nunca terem consumido bebidas destiladas; 7,1% todos os meses consumiram (13,7% no 10.º ano de escolaridade); 2,8% todas as semanas; 0,3% todos os dias. A incidência do consumo mantém-se superior entre os rapazes comparativamente às raparigas Este estudo parte da motivação de melhor compreender o fenómeno do consumo de álcool entre jovens escolares, para se poder intervir sobre essa realidade, no domínio da prevenção seletiva. Desenvolveu-se com alunos do 9.º ano de escolaridade em escolas e agrupamentos do distrito de Beja e teve como objetivo identificar os fatores que induzem os adolescentes a iniciar o consumo de bebidas alcoólicas. Metodologia Participantes A população de alunos do 9.º ano de escolaridade, no distrito de Beja, era no ano letivo de 2010/2011 constituída por cerca de 1 051 alunos. Não sendo este trabalho um estudo de Censos, selecionámos uma amostra que se pretendia superior a 100 alunos. Para aumentar a probabilidade de taxa de retorno, e saturar a amostragem, aplicámos questionários a 30,4% da população, num total de 312 alunos, distribuídos por 12 turmas de escolas básicas de 2.º e 3.º ciclos e escolas secundárias c/ 3.º ciclo, do distrito de Beja. A taxa de retorno foi cerca de 44,9%, com 140 questionários válidos.
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Instrumentos de recolha de informação Foi construído um questionário, de raiz, dividido em três dimensões: sóciocultural, pessoal e representações sociais (Tabela 1). Apenso ao questionário, juntou-se o Alcohol Use Disorders Identification Test- AUDIT (Babor, HigginBiddle, Saunders e Monteiro, 2001), com vista à determinação do tipo de consumo dos alunos. Tabela 1. Matriz dimensões/objetivos/questões Dimensão Parte I Parte II
Parte III
Sub-dimensão
Objetivos Perguntas
Sócio-cultural
-
a)
1-9
Pessoal
Representações, atitudes, comportamentos e crenças
b)
1-9, 16, 17, 19-21, 24-40
Hábitos de consumo e contextos sociais c)
1-34, 36, 37
Fatores que induzem os consumos
d)
5-9, 34, 37, 39
b)
1-74
Representações Representações, atitudes sociais comportamentos e crenças
Hábitos de consumo e contextos sociais c)
8-15, 64, 71, 72
Fatores que induzem os consumos
7-15, 18-24, 36, 39
d)
Para o processo de validação, o questionário foi sujeito à apreciação de um painel de quatro especialistas: António Neto (Universidade de Évora), Domingos Neto (Faculdade de Ciências Médicas – UNL); Jorge Bonito (Universidade de Évora) e Margarida Gaspar de Matos (Faculdade de Motricidade Humana – UTL). Depois de realizadas as devidas alterações, o questionário-piloto foi aplicado a uma amostra de 27 alunos da Escola Secundária c/ 3.º Ciclo D. Manuel I, de Beja, permitindo perceber a reação dos respondentes e obter outra informação acerca da formulação das próprias questões. Foi obtida autorização da DireçãoGeral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação e dos diretores das escolas para aplicação do questionário. A aplicação foi feita entre maio e junho de 2011. A análise da informação dos questionários foi tratada com recurso ao SPSS (versão 18.0).
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Resultados Caracterização da amostra No que diz respeito à caracterização da amostra, cerca de 55,7% dos inquiridos são do sexo feminino. A média das suas idades é de 14,9 anos (DP 0,891), sendo o valor mais frequente de 15 anos. O erro padrão da média é de 0,075, revelando uma pequena dispersão entre as idades médias obtidas em amostras semelhantes do mesmo universo. Descrição das variáveis De seguida, apresentam-se os resultados para as variáveis “Idade com que consumiu a primeira bebida alcoólica”, “Local onde consumiu a primeira bebida alcoólica”, “O que o levou a consumir a primeira bebida alcoólica”, “Contextos sociais onde costuma consumir álcool”, “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica”, “O que procura no consumo de bebidas alcoólicas”, “Qual a idade mínima em que deve ser permitido o consumo de bebidas alcoólicas”, “Do seu grupo de amigos, quantos consomem bebidas alcoólicas” e “Quais os principais efeitos que o álcool exerce sobre si”, com vista à caracterização do início do consumo de álcool por parte dos alunos. Numa primeira fase foi analisado o alfa e a correlação de todos os itens da parte II do questionário. Esta dimensão apresenta um Alfa de Cronbach para a escala total de 0,746, o que significa que o instrumento apresenta boa consistência interna (Pestana & Gageiro, 2008). Neste estudo, apenas 12 alunos (8,6%) referiram que nunca consumiram bebidas alcoólicas; consequentemente, não responderam (NR), sob nossa indicação, às questões sobre os seus hábitos de consumo, pelo que consideramos um total de 128 alunos e não os 140. Relativamente à variável “Idade com que consumiu a primeira bebida alcoólica” os resultados apresentam-se na Tabela 2.
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Tabela 2. Frequências absolutas e percentagens da variável “Idade com que consumiu a primeira bebida alcoólica” Anos de idade
Total Missing Total
f
%
4
1
0,8
5
2
1,6
6
1
0,8
7
1
0,8
9
3
2,3
10
6
4,7
11
6
4,7
12
25
19,5
13
35
27,3
14
32
25,0
15
12
9,4
16
2
1,6
126 2 128
98,4 1,6 100,0
Os dados da Tabela 2 permitem perceber que para um pouco mais de 1/4 da amostra inquirida o primeiro contacto com a bebida alcoólica fez-se aos 13 anos de idade, ainda que, cerca de 20% a tivesse experimentado um ano antes, pese embora o preceito legal que estabelece os 16 anos como idade mínima para consumir bebidas alcoólicas. A média das idades do 1.º consumo é de 12,7 anos (DP = 2,056 e erro standard da média = 0,183). Lemos com alguma inquietude o facto de 5,6% dos estudantes declarar ter experienciado o álcool antes dos 10 anos de idade e, particularmente, um deles afirmar que fora aos 4 anos e outros dois aos 5 anos. Os nossos resultados estão de acordo com o inquérito Health Behaviour in School-aged Children de 2010 (Matos et al, 2012), onde cerca de 40% dos adolescentes portugueses refere ter consumido álcool pela primeira vez entre os 12 e os 13 anos de idade. Na Tabela 3 apresentam-se os dados da variável “Local onde consumiu a primeira bebida alcoólica”.
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Tabela 3. Frequências absolutas e percentagens da variável “Local onde consumiu a primeira bebida alcoólica”. Locais
Total Missing Total
f
%
escola
3
2,3
café
14
10,9
discoteca/bar
52
40,6
casa pais
20
15,6
casa amigos
18
14,1
outro - festa
8
6,3
descampado
4
3,1
Ovibeja
4
3,1
casa de avós
2
1,6
restaurante
2
1,6
127 1 128
99,2 0,8 100,0
Verifica-se serem as discotecas/bares os locais onde a maior parte dos alunos diz ter consumido a sua primeira bebida alcoólica (40,6%), seguidos da casa dos pais (15,6%) e de amigos (14,1%) e dos cafés (10,9%). No que diz respeito às razões que os levaram a iniciar o consumo, a “curiosidade” consistiu na razão principal apontada pela maioria dos alunos (59,4%). A combinação com outros variados motivos constitui a razão para o resto da amostra, estando a “curiosidade” agregada em 75,1% dos casos. Na Tabela 4 apresentam-se os principais contextos sociais onde os jovens costumam consumir bebidas alcoólicas.
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Tabela 4. Resultados relativos aos principais contextos onde os jovens costumam consumir bebidas alcoólicas Contextos sociais
Total Missing Total
f
%
festas
31
24,1
saída amigos
8
6,3
fins de semana
3
2,3
fim de período
1
0,8
diariamente
2
1,6
saídas com amigos, fins de semana
2
1,6
festas, saídas com amigos e fins de semana
25
19,5
festas e saídas com os amigos
30
23,4
festas e fins de semana
3
2,3
todas as opções
1
0,8
festas, saídas com os amigos, fins de semana e final de período
16
12,5
final de ano
1
0,8
festas, saídas com amigos, final de período
2
1,6
festas, fins de semana, final período
1
0,8
126 2 128
98,4 1,6 100,0
De acordo com os dados da tabela 4, verificamos que a maioria dos consumos de álcool pelos jovens (79,5%) está associada a contextos festivos, com amigos e principalmente ao fim de semana. Cerca de 69% dos inquiridos afirmaram ter consumido a sua primeira bebida alcoólica com os amigos e, cerca de 23% refere tê-lo feito na presença da família. Cerca de 74% das companhias para o primeiro consumo estão associadas aos amigos. De entre a enorme diversidade de efeitos que os jovens procuram obter através do consumo de álcool, há a destacar a procura de diversão e alegria, que estão associados 75,8% dos principais efeitos procurados. Na Tabela 5 são apresentados os dados relativos à opinião dos jovens, acerca da idade mínima para ser permitido o consumo de bebidas alcoólicas.
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O consumo de álcool pelos alunos do 9º ano de escolaridade no distrito de Beja: ..., pp. 21-48
Tabela 5. Frequências absolutas e percentagens da variável “Idade mínima que considera ser permitido consumir bebidas alcoólicas” Idade mínima
Missing Total
f
%
10
3
2,1
11
1
0,7
13
1
0,7
14
17
12,2
15
22
15,7
16
78
55,7
17
4
2,9
18
10
7,2
20
1
0,7
21
1
0,7
Total
138 2
98,6 1,4
140
100,0
Verifica-se que um pouco mais metade dos alunos (55,7%) considera que a idade mínima permitida para consumir de álcool deva ser 16 anos; todavia, os resultados encontrados (Tabela 2) revelaram que apenas 1,6% dos inquiridos consumiu a sua primeira bebida com essa idade; todos os demais o fizeram precocemente. É com alguma preocupação que verificamos que 35,7% dos jovens considera que mais de metade dos seus amigos consomem álcool e 32,1% considera que todos os seus amigos o consomem. Estes resultados estão em coerência com outros que encontrámos, pois cerca de 69% dos jovens consome álcool com os amigos, donde se infere que a maior parte dos seus amigos consome álcool. Tendo em conta os principais efeitos relatados que o álcool exerce sobre os jovens, verifica-se que a alegria está associada a 76% das consequências. Cruzando estes dados com os encontrados sobre os principais efeitos que se procuram no consumo, os alunos relatam essencialmente diversão e alegria, sendo esta um dos efeitos que o álcool mais exerce sobre os jovens. Medidas de associação Para avaliar a dependência entre as diferentes variáveis em estudo, recorremos ao estudo do grau de associação através de medidas adequadas para variáveis nominais, tais como as baseadas no Teste do Qui-quadrado (Maroco, 2010). Considerou-se uma probabilidade de erro de tipo I (α) de 0,05 em todas as análises inferenciais. As hipóteses em estudo são: “H0 – As variáveis em estudo são independentes” e “H1 – Existe uma relação entre as variáveis”.
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A Tabela 6 apresenta a análise da associação das variáveis “Sexo” e “Idade com que consumiu a primeira bebida alcoólica”, cujos resultados revelam que são independentes. Tabela 6. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “Idade com que consumiu a primeira bebida alcoólica”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
15,465a
11
0,162
Likelihood Ratio
17,583
11
0,092
Linear-by-LinearAssociation
0,517
1
0,472
N.º de casos válidos 126 a. 16 células (66,7%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,44.
Da análise do gráfico da Figura 1 verificamos que as raparigas tenderam a iniciar o consumo de bebidas alcoólicas entre os 12 e os 14 anos, havendo um pico maior aos 14 anos. Já os rapazes iniciaram o consumo de bebidas alcoólicas aos 13 anos.
Figura 1. Gráfico de frequências das variáveis “Sexo” e “Idade em que consumiu a primeira bebida alcoólica”. Na Tabela 7 apresentam-se as análises para a associação das variáveis “Sexo” e “Local onde consumiu a primeira bebida alcoólica”. Os resultados encontrados revelam que as variáveis consideradas são independentes.
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Tabela 7. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “Local onde se consumiu a primeira bebida alcoólica”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
10,751a
9
0,293
Likelihood Ratio
12,977
9
0,164
Linear-by-LinearAssociation
0,610
1
0,435
N.º de casos válidos 127 a. 12 células (60,0%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,87.
No gráfico da Figura 2, observa-se que, para os dois sexos, os dois principais locais de consumo de bebidas alcoólicas foram as discotecas/bares, seguidos da casa dos pais. Para as raparigas, o café assume-se como o terceiro local de escolha, enquanto para os rapazes o substituem pela casa dos amigos.
Figura 2. Gráfico de frequências das variáveis “Sexo” e “Lo Os resultados dos testes de associação entre as variáveis “Sexo” e “O que o levou a consumiu a primeira bebida alcoólica” apresentam-se na Tabela 8, concluindo-se que são independentes. Tabela 8. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “O que o levou a consumir a primeira bebida alcoólica”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
13,153a
11
0,515
Likelihood Ratio
16,804
11
0,267
Linear-by-LinearAssociation
0,008
1
0,929
N.º de casos válidos 128 a. 25 células (83,3%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,43.
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De acordo com os dados da Figura 3, a maioria dos rapazes e das raparigas consumiu a primeira bebida alcoólica por curiosidade.
Figura 3. Gráfico de frequências das variáveis “Sexo” e “O que o levou a consumir a primeira bebida alcoólica”. Na Tabela 9 registam-se os testes de associação entre as variáveis “Sexo” e “Contextos sociais/ocasiões onde consome bebidas alcoólicas”. Os resultados encontrados para p-value revelam que as variáveis consideradas são dependentes. Tabela 9. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “Contextos sociais/ocasiões onde consome bebidas alcoólicas”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
23,464
13
0,036*
Likelihood Ratio
27,649
13
0,010
Linear-by-LinearAssociation
0,029
1
0,864
a
N.º de casos válidos 126 a. 20 células (71,4%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,42. * - p-value< 0,05
De acordo com os dados do gráfico da Figura 4, as raparigas consomem bebidas alcoólicas preferencialmente em festas, saídas com amigos e fins de semana, enquanto que os rapazes costumam consumir bebidas alcoólicas em festas, saídas com amigos, fins de semana e finais de período.
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Figura 4. Gráfico de frequências das variáveis “Sexo” e “Contextos sociais/ ocasiões onde consome bebidas alcoólicas”. Os resultados dos testes de associação entre as variáveis “Sexo” e “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica” apresentam-se na Tabela 10, concluindo-se que são independentes. Tabela 10. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
9,602
6
0,142
Likelihood Ratio
12,897
6
0,045
Linear-by-LinearAssociation
3,198
1
0,074
a
N.º de casos válidos 128 a. 10 células (71,4%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,43.
A análise do gráfico da Figura 5 permite-nos perceber que a maior parte dos rapazes e das raparigas consumiu a primeira bebida alcoólica com amigos e de seguida com a família.
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Figura 5. Gráfico de frequências das variáveis “Sexo” e “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica”. Na Tabela 11 registam-se os resultados dos testes de associação entre as variáveis “Sexo” e “O que procura no consumo de bebidas alcoólicas”. Os resultados encontrados para p-value revelam que as variáveis consideradas são independentes. Tabela 11. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “O que procura no consumo de bebidas álcoólicas” Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
37,098a
33
0,286
Likelihood Ratio
49,732
33
0,031
Linear-by-LinearAssociation
0,903
1
0,342
N.º de casos válidos 126 a. 64 células (94,1%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,42.
Da análise do gráfico da figura 6 observamos que tanto os rapazes como as raparigas procuram obter diversão e alegria, o que está de acordo com os dados do gráfico da Figura 9, sendo estes os principais efeitos do álcool.
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Figura 6. Gráfico de frequências das variáveis “Sexo” e “O que procura no consumo de bebidas alcoólicas”. Na Tabela 12 apresenta-se as análises para a associação das variáveis “Sexo” e “Na sua opinião, qual a idade mínima em que deve ser permitido o consumo de bebidas alcoólicas”. Os resultados encontrados revelam que as variáveis consideradas são independentes. Tabela 12. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “Na sua opinião, qual a idade mínima em que deve ser permitido o consumo de bebidas alcoólicas” Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
10,683a
9
0,298
Likelihood Ratio
13,324
9
0,148
Linear-by-LinearAssociation
1,172
1
0,279
N.º de casos válidos 138 a. 13 células (65,0%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,44.
O gráfico da Figura 7 indica-nos que a maioria dos rapazes e raparigas considera que o primeiro consumo de bebidas alcoólicas deve ocorrer apenas aos 16 anos. Contudo, de acordo com os dados do gráfico da Figura 1, estes jovens iniciaram o consumo de bebidas alcoólicas entre os 12 e os 14 anos, ou seja, antes da idade que consideram razoável para o seu início.
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Figura 7. Gráfico de frequências das variáveis “Sexo” e “Na sua opinião, qual a idade mínima em que deve ser permitido o consumo de bebidas alcoólicas”. Os resultados dos testes de associação entre as variáveis “Sexo” e “Do seu grupo de amigos quantos consomem bebidas alcoólicas” apresentam-se na Tabela 13, concluindo-se que são independentes. Tabela 13. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “Do seu grupo de amigos quantos consomem bebidas alcoólicas” Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
11,738a
6
0,068
Likelihood Ratio
12,291
6
0,056
Linear-by-LinearAssociation
0,326
1
0,568
N.º de casos válidos 140 a. 7 células (50,0%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 1,33.
De acordo com a análise do gráfico da Figura 8, tanto os rapazes como as raparigas consideram que mais de metade ou todos os seus amigos já consumiram bebidas alcoólicas.
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Figura 8. Gráfico de frequências das variáveis“Sexo” e “Do seu grupo de amigos quantos consomem bebidas alcoólicas”. Na Tabela 14 apresentam-se as análises para a associação das variáveis “Sexo” e “Quais os principais efeitos que o álcool exerce sobre si”. Os resultados encontrados revelam que as variáveis consideradas são independentes. Tabela 14. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “Sexo” e “Quais os principais efeitos que o álcool exerce sobre si” Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
22,314a
23
0,501
Likelihood Ratio
29,268
23
0,172
Linear-by-LinearAssociation
3,437
1
0,064
N.º de casos válidos 65 a. 48 células (100,0%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,46.
O gráfico da Figura 9 mostra-nos que as raparigas obtêm essencialmente, alegria, ou alegria e excitação, ou euforia, desinibição, alegria e excitação, quando consomem bebidas alcoólicas. Os rapazes também obtêm, maioritariamente, euforia, alegria e excitação. Contudo, associados a estes efeitos, também obtêm enjoos, tonturas e desinibição. Se compararmos com os resultados do gráfico da figura 6, verificamos que os jovens procuram essencialmente diversão e alegria, sendo esses os principais efeitos que obtêm.
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Figura 9. Gráfico de frequências das variáveis “Sexo” e “Quais os principais efeitos que o álcool exerce sobre si”. Na Tabela 15 apresentam-se os resultados dos testes de associação entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e o “Local de consumo da primeira bebida alcoólica”. Os resultados do p-value indicam que as variáveis são significativamente dependentes. Tabela 15. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e “Local de consumo da primeira bebida alcoólica”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
180,012a
126
0,001*
Likelihood Ratio
85,466
126
0,998
Linear-by-LinearAssociation
0,789
1
0,374
N.º de casos válidos 127 a. 146 células (97,3%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,02. - p-value< 0,05.
De acordo com os dados do gráfico da Figura 10, a curiosidade, seguida da procura de diversão e para depois se “embebedarem” ou “curtirem” são os principais motivos que levaram os jovens a procurar as bebidas alcoólicas, consumindo-as, pela primeira vez, em discotecas/bares, na casa dos pais e na casa dos amigos.
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Figura 10. Gráfico de frequências das variáveis “O que o levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e o “Local de consumo da primeira bebida alcoólica”. Os resultados dos testes de associação entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e o “Em que contextos sociais/ocasiões consome bebidas alcoólicas” apresentam-se na Tabela 16, indicando que são dependentes, de acordo com o p-value. Tabela 16. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e “Em que contextos sociais/ocasiões consome bebidas alcoólicas”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
229,953a
182
0,009*
Likelihood Ratio
119,107
182
1,000
Linear-by-LinearAssociation
3,675
1
0,055
N.º de casos válidos 126 a. 206 células (98,1%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,01. * - p-value< 0,05.
A análise do gráfico da Figura11 confirma que os jovens procuram satisfazer a sua curiosidade, em festas, em saídas com amigos e fins de semana e finais de período. Segue-se, em prioridade, a procura de diversão e o consumo de bebidas alcoólicas para “se embebedarem” ou para “curtirem”, também em festas, saídas com amigos, fins de semana e finais de período.
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Figura 11. Gráfico de frequências das variáveis “O que o levou a consumir bebidas alcoólicas” e “Em que contextos sociais/ocasiões consome bebidas alcoólicas”. Na Tabela 17 expressam-se os resultados dos testes de associação entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e o “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica”, tendo-se encontrado uma relação de dependência significativa (p-value< 0,05) Tabela 17. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
122,857a
84
0,004*
Likelihood Ratio
65,875
84
0,928
Linear-by-LinearAssociation
1,003
1
0,317
N.º de casos válidos 128 a. 150 células (97,4%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,01. * - p-value< 0,05.
Esta associação pode visualizar-se no gráfico da Figura 12, que revela que a maioria dos jovens consumiu a primeira bebida alcoólica com os amigos e depois com a família, por curiosidade. Um grupo menor consumiu a sua primeira bebida alcoólica com os amigos na procura da diversão e também para se sentir mais maduro.
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Figura 12. Gráfico de frequências das variáveis “O que o levou a consumir a primeira bebida alcoólica” “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica”. Na Tabela 18 apresentam-se os resultados dos testes de associação entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e o “O que procura no consumo de bebidas alcoólicas”. Os resultados do p-value indicam que as variáveis são significativamente dependentes. Tabela 18. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e “O que procura no consumo de bebidas alcoólicas”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
588,438a
462
0,000*
Likelihood Ratio
204,951
462
1,000
Linear-by-LinearAssociation
3,199
1
0,074
N.º de casos válidos 126 a. 508 células (99,6%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,01. * - p-value< 0,05.
De acordo com a análise do gráfico da Figura 13, verificamos que os alunos consumiram a primeira bebida por curiosidade e procurando obter diversão e alegria.
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Figura 13. Gráfico de frequências das variáveis “O que o levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e “O que procura no consumo de bebidas alcoólicas”. Os resultados dos testes de associação entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e o “Quais os principais efeitos que o álcool exerce sobre si” apresentam-se na Tabela 19, indicando que são independentes. Tabela 19. Teste do Qui-quadrado entre as variáveis “O que levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e “Quais os principais efeitos que o álcool exerce sobre si”. Valor
GL
Asymp. Sig. (2-sided)
Pearson Chisquare
194,334a
230
0,958
Likelihood Ratio
122,918
230
1,000
Linear-by-LinearAssociation
1,001
1
0,317
N.º de casos válidos 65 a. 264 células (100,0%) têm contagem esperada menor que 5. A contagem mínima esperada é de 0,02.
Da análise dográfico da Figura 13 verificamos que os alunos começam a consumir bebidas alcoólicas, por curiosidade e que obtêm essencialmente, alegria e tonturas quando as consomem, mas também obtêm alegria, ou alegria, enjoos e excitação, ou euforia, alegria e excitação.
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Figura 14. Gráfico de frequências das variáveis “O que o levou a consumir a primeira bebida alcoólica” e “Quais os principais efeitos que o álcool exerce sobre si”. Análise factorial Para caraterizar a informação presente nas variáveis da dimensão pessoal, usou-se a Categorical Principal Components Analysis (CATPCA) com o método de normalização da variável principal (Maroco, 2010). A consistência, ou medida de fidelidade, do modelo ajustado por este procedimento para cada uma das dimensões foi medida com o α de Cronbach (Tabela 20). Tabela 20. Sumário do Modelo. Dimensão
“Alpha de Cronbach”
Variance Accounted For Total (Eigenvalue)
1
0,634
2,028
2
0,509
1,686
Total 0,913 a. Total Cronbach’s Alpha is based on the total Eigenvalue. a
3,714
Da análise da Tabela 20, verificamos que tanto a primeira como a segunda componentes têm valores próprios superiores a 1, pelo que, ambas, são consideradas importantes. Para além disso, o valor do Alpha de Cronbach é considerado bom para as duas componentes principais. Assim, aceitamos como variáveis determinantes as que apresentam component loadings, pelo menos, superiores a 0,5 em valor absoluto (Tabela 21). Estas conclusões retiram-se também pela observação da Figura 15.
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Tabela 21. Component loadings. Dimensão 1
2
- Contextos sociais/ocasiões em que consome bebidas alcoólicas
-0,219
0,569
- Sexo
-0,104
1,093
- Local consumiu a primeira bebida alcoólica
0,846
0,275
- Idade em que consumiu a primeira bebida alcoólica
0,705
-0,233
- Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica
0,870
0,195
Normalização da variável principal.
Na dimensão 1 são determinantes as variáveis “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica”, “Local onde consumiu a primeira bebida alcoólica”, “Idade em que consumiu a primeira bebida” (Tabela 21). Para a dimensão 2 são determinantes as variáveis “Sexo” e “Os contextos sociais/ocasiões em que consome bebidas alcoólica”. A Figura 15 ajuda a percecionar estes resultados.
Figura 15. Components loadings nos dois primeiros eixos. Conclusões Os resultados encontrados neste estudo permitem-nos afirmar que apenas 8,6% dos alunos refere nunca ter consumido bebidas alcoólicas, enquanto no estudo de Matos et al. (2012), para alunos do 8.º ano, esse valor é de 93,1% (raramente ou nunca). Cerca de 66% dos alunos tende a consumir a sua primeira bebida alcoólica entre os 12 e os 14 anos de idade, confirmando outros trabalhos realizados sobre este
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O consumo de álcool pelos alunos do 9º ano de escolaridade no distrito de Beja: ..., pp. 21-48
aspeto (Matos et al., 2012). A curiosidade terá sido o principal motivo para mais de metade dos jovens terem experimentado o consumo de álcool. Os primeiros locais de consumo, para ambos os sexos, foram as discotecas/bares, seguidos da casa dos pais e da dos amigos. O consumo de bebidas alcoólicas ocorre, preferencialmente, em festas, saídas com amigos, fins de semana e finais de períodos letivos. A maior parte dos rapazes e das raparigas consumiu a primeira bebida alcoólica com amigos, seguida do grupo que o fez com a família. Encontrou-se associação, apenas, nas variáveis “O que o levou a consumir bebidas alcoólicas” e “Com quem consumiu a primeira bebida alcoólica”, ou seja, a maioria dos jovens que consumiu a primeira bebida alcoólica por curiosidade fê-lo com os amigos ou com a família, sendo assim estas variáveis determinantes para o primeiro contacto. Os contextos sociais/ocasiões de consumo de bebidas alcoólicas não se revelaram como determinantes do consumo de álcool. Estes resultados apontam para a necessidade de uma intervenção preventiva triflanqueada: (a) a prevenção deve ter o foco na doença e nos problemas gerados pelo consumo de álcool, num futuro longínquo que para muitos é desprovido de interesse e do qual não se tem controlo. Insistir na promoção da saúde, e em menor intensidade na prevenção da doença. Os domínios de intervenção dizem, assim, respeito ao individual, familiar, aos grupos de pares, escolar, comunitário e institucional e do meio social/sociedade. A par da promoção da saúde é importe o controlo dos atos, com necessidade de maior fiscalização no cumprimento do Decreto-Lei n.º 9/2002, de 24 de janeiro). (b) capacitação dos alunos, evitando consumos de álcool (pelo menos até à idade legal) e/ou os seus abusos. É improfícuo intervir sobre os comportamentos isolados, devendo-se considerar as constelações e os contextos. A comunicação interpessoal é, sem qualquer dúvida, um caminho para a solução dos problemas. (c) fortalecimento dos contextos. A escola constitui um campo privilegiado para o desenvolvimento de programas de educação para a saúde, porém, a família é o cenário de socialização de excelência; os programas de capacitação devem envolver, naturalmente, as famílias. Referências Babor, T. F., Higgins-Biddle, J. C., Saunders, J. B., & Monteiro, M. G. (2001). AUDIT. The alcohol use disordes identification test. Guidelines for use in primary care. 2nd ed.. s.l.: World Health Organization. Balsa, C., Vital, C., Urbano, C., Barbio, L., & Pascueiro, L. (2008). II inquérito nacional ao consumo de substâncias psicoativas na população geral – Portugal 2007. Lisboa: Instituto da ESPAD – European School Surverey Project on Alcohol and Drugs (2007). Substance use among students in 35 european countries. Obtido em 6 de setembro, de http://
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Teresa Tavares, Jorge Bonito e Maria Manuela Oliveira
www.espad.org/documents/Espad/ESPAD_reports/2007/The_2007_ESPAD_ Report-FULL_091006.pdf Feijão, F. (2008). Inquérito nacional em meio escolar 2006: consumo de drogas e outras substâncias psicoativas: uma abordagem integrada. Resultados Preliminares. Apresentação em Congresso (Évora). Feijão, F. (2010). Epidemiologia do consumo de álcool entre os adolescentes escolarizados a nível nacional e nas diferentes regiões geográficas. Toxicodependências, 16(1), 29-46. Feijão, F., & Lavado, E. (2003). Os adolescentes e o álcool: Estudo sobre o consumo de Álcool, Tabaco e Droga. Obtido em 22 de setembro de 2010, de http://www.idt. pt/media/relatorios/investigacao/ECATD/ecatd_Alcool.pdf. Gameiro, A. (1998). Hábitos de consumo de bebidas alcoólicas em Portugal. s.l.: Editorial Hospitalidade. INSA – Inquérito Nacional de Saúde (2006). Inquéritos nacionais de saúde. Obtido em 27 de agosto de 2010, de http://www.onsa.pt/conteu/proj_ins.html Passão Lopes, A. J. (2009). A vida, o amor e a amizade como valores do ser humano: contributo da equação vital biodinâmica. In J. Bonito (Coord.), Educação para a saúde no século XXI. Teorias, modelos e práticas. (pp. 421-425). Évora: Pestana, M. H., Gageiro, J. N. (2008). Análise de dados para Ciências Sociais: a complementaridade do SPSS. Lisboa: Edições Sílabo. Maroco, J. (2010). Análise estatística com utilização do SPSS. Lisboa: Edições Sílabo. Marti, J. (1996). Psicologia infantil e juvenil : adolescência. Lisboa: Liarte. Matos, M., Carvalhosa, S., Reis, C., & Dias, S. (2001). Os jovens portugueses e o álcool, 7, 1, FMH/PEPT/GPT. Matos, M. (Coord.) (2008). Consumo de substâncias. Estilo de vida? À procura de um estilo? Lisboa. IDT, IP. Matos, M. G., Simões, C., Camacho, I, Tomé, G., Ferreira, M., Ramiro, L., Reis, M & Equipa do Projeto Aventura Social e Saúde (2012). A saúde dos adolescentes portugueses: relatório do estudo HBSC. Lisboa: Edições FMH Schuckit, M. (1991). Abuso de álcool e drogas: Uma orientação clínica do diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Editora Artes Médica. Schuckit, M. (1998). Abuso de álcool e drogas. Lisboa: Climepsi Editores. WARC – World Advertising Research Center (2005). World drink trends. London: World Advertising Research Center. LEGISLAÇÃO: - Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool: 20092012, de janeiro de 2009 - Decreto-Lei n.º 9/2002, de 24 de janeiro - Plano de Ação contra o Alcoolismo: Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2000, de 29 de novembro - Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/99, de 8 de maio
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Os Novos Caminhos da Reabilitação Alcoólica: Uma Proposta de Intervenção The new paths of alcoholic rehabilitation: an intervention proposal Sónia Ferreira
Psicóloga Clínica; Terapeuta Familiar e Sistémico; Mestre em Psicologia Forense e da Exclusão Social Unidade de Tratamento e Reabilitação Alcoológica (UTRA) – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa
Lídia Moutinho
Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria Mestre em Psicologia Cognitivo-Comportamental Unidade de Tratamento e Reabilitação Alcoológica (UTRA) – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa Autor para correspondência: Sónia Ferreira: sonia.mferreira@sapo.pt
Resumo: O Alcoolismo representa em Portugal um grave problema de saúde pública, estando associados outros quadros psicopatológicos, que limitam severamente o quotidiano destes indivíduos. Assim, a dependência de álcool e os comportamentos de risco associados exigem intervenções eficazes, que satisfaçam as necessidades deste tipo de população. Neste sentido, desenvolveu-se um programa terapêutico, que consiste numa Área Dia para Alcoólicos. No presente artigo, pretende-se analisar os resultados de um estudo piloto realizado com a população integrada na Área Dia, com o objectivo de avaliar o impacto desta intervenção, permitindo aperfeiçoar o programa terapêutico. Os resultados demonstraram alterações no sentido de coerência interna e na depressão que melhoraram, sendo evidente uma evolução da motivação e prontidão para a mudança. No craving não ocorreu qualquer tipo de alteração. Por sua vez, a ansiedade aumentou. Concluiu-se que a Área Dia está a ter um impacto positivo na manutenção da abstinência e no delinear de um projecto de vida sem álcool. Desta forma, este estudo remete-nos para a importância de uma intervenção individualizada, que atenda às Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 4(1) 2013
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necessidades de cada um, ao longo do processo de recuperação. Palavras-chave: Alcoolismo; tratamento. Abstract: Alcoholism is in Portugal a serious problem of public health with associated frames of psychopathological disorders that severely restrain the daily life of these individuals. Therefore the alcohol dependence and behavioral risks associated demand effective intervention capable of satisfying the needs of this type of population. Consequently a therapeutically program has been developed consisting in the creation of an “Área Dia” (Day Space) for Alcoholics. Currently its purpose is to analyze the results of a pilot study carried out with the population integrating the Day Space, with the goal of evaluating the impact of this intervention and to support the therapeutically improvement. The results show alterations in the sense of internal coherence and depression that are improved, indicating increase of motivation and readiness for change. In the craving no changes have occurred with increased frame of anxiety. The conclusion was that the Day Field has a positive impact in the maintenance of abstinence and in the establishment of a life’s project without alcohol. Additionally this study calls attention to the importance of individualized intervention having each on in consideration throughout the whole of rehabilitation process. Key-word: Alcoholism; Treatment.
Introdução O alcoolismo em Portugal representa um grave problema de saúde pública, que se traduz numa das principais causas de morbilidade e mortalidade. Estima-se que existam cerca de setecentos e quarenta mil bebedores excessivos e quinhentos e oitenta mil doentes alcoólicos no nosso país (WHO, 2005), sendo que as principais consequências desta problemática passam por término frequente de relacionamentos, lesões graves, acidentes de condução, hospitalizações, absentismo, desemprego, doenças orgânicas e mentais, morte prematura, entre outras (Babor et. al, 2003). A esta problemática, estão frequentemente associados quadros psicopatológicos como a depressão, perturbação bipolar e a ansiedade (Kranzler, 1999). Neste sentido, a dependência alcoólica e os comportamentos de risco associados, vão exigindo, cada vez mais, recursos e respostas interventivas das instituições que actuam nesta área, de modo a realizar tratamentos mais profícuos, que satisfaçam as necessidades deste tipo de população, procurando minimizar as recaídas que são frequentes, mesmo durante o tratamento. O objetivo deste artigo consiste em refletir acerca das problemáticas associadas ao Alcoolismo, bem como facultar uma visão panorâmica de novas
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formas de intervenção nesta área, através de um projeto terapêutico inovador, que corresponde a uma Área Dia para indivíduos dependentes do consumo de bebidas alcoólicas. Primeiramente, torna-se pertinente ter em conta algumas concepções teóricas de modo a melhor compreender esta problemática, para posteriormente se planear a intervenção terapêutica. A dependência alcoólica, segundo os critérios da DSM-IV-TR é caracterizada por um padrão desadaptativo da utilização de álcool, conduzindo a défice ou sofrimento clinicamente significativo, marcado por um desejo constante de beber e pela impossibilidade de diminuir ou controlar o consumo, no qual é despendido grande parte do tempo do indivíduo em atividades para obtenção, utilização e recuperação dos efeitos do mesmo. Este aspecto tem um impacto substancial nas suas atividades sociais e ocupacionais, que são habitualmente reduzidas ou abandonadas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (1993) o alcoólico é um bebedor excessivo, cuja a dependência em relação ao álcool, é acompanhada de perturbações mentais, de défices ao nível da saúde física, bem como no relacionamento interpessoal e na vertente económica. No entanto, é importante atender à diversidade de manifestações e tipologias associadas à dependência alcoólica, dado que a severidade do problema pode variar de indivíduo para indivíduo, o que poderá ser um fator fundamental a considerar no momento de desenhar a intervenção terapêutica. Desta forma, Adés e Lejoyeux (2004) subdividem o alcoolismo em primário e secundário. O alcoolismo primário tem início antes dos 20 anos de idade, estando associado, habitualmente, a fatores de risco biológicos ou genéticos. Nestes casos, o comportamento é marcado por impulsividade, agressividade e procura de sensações fortes, existindo uma rápida evolução no quadro da dependência, dado ocorrer um consumo excessivo, diário e periódico. Por outro lado, o alcoolismo secundário tem início após os 20 anos de idade, podendo também ser causado por fatores de risco biológicos ou genéticos, embora este aspecto seja o menos frequente. Este tipo de alcoolismo está associado, muitas vezes, à utilização do álcool como forma de lidar com determinadas quadros psicopatológicos, nomeadamente ansiedade e depressão. Desta forma, a intervenção terapêutica deve ter em conta estes aspectos, bem como alguns obstáculos possíveis à recuperação. O alcoólico, apesar das consequências físicas e psicossociais que enfrenta com a degradação resultante do consumo excessivo e continuado, pode apresentar algumas dificuldades em manter o tratamento, abandonando-o (Edwards & Dare, 1997), retomando os consumos. Esta situação está relacionada com a fase de tratamento em que se encontra, da consciência crítica e da motivação para a mudança de comportamentos. De acordo com esta perspectiva, o nosso modelo de intervenção assenta no Modelo Transteórico de Prochaska e Diclemente (1992), que descreve a motivação para a mudança como um processo, constituído por diversas fases, pelas quais o indivíduo vai evoluindo. Assim, quando o utente não apresenta
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crítica do problema, não manifestando qualquer intenção de mudança encontrase na fase de Pré-contemplação. Posteriormente, na fase de Contemplação já existe uma consciência da doença embora se mantenha a ambivalência em relação à mudança. Na fase de Preparação para a Acção, inicia-se o desenvolvimento de um plano de acção, tendo em conta a experiência passada, começando a existir um compromisso efetivo de mudança. A Acção ocorre quando se implementam as estratégias planeadas na fase anterior. Finalmente, na fase de Manutenção devese intervir de modo consolidar as mudanças ocorridas, reforçando os ganhos obtidos, prevenindo recaídas. Assim, segundo este modelo, a intervenção deve atender às necessidades de cada utente, sendo necessário um acompanhamento terapêutico contínuo que facilite e reforço a mudança do projecto de vida e inclua uma abordagem adequada ao mesmo, de modo a prevenir as recaídas. Embora estas sejam uma parte integrante do processo de recuperação, pois podem permitir uma aprendizagem acerca da doença, aumentando a crítica do utente, facilitando o processo de mudança. Segundo Marlatt & Gordon (1985), a recaída é influenciada pela interligação entre as situações de risco (em que há maior probabilidade de consumo), as estratégias de coping para lidar com as mesmas, a percepção de auto-eficácia e a antecipação dos efeitos positivos do álcool. Assim, indivíduos com estratégias ineficazes, experienciam falta de confiança e perante situações de risco, como estados emocionais negativos, conflito interpessoal, pressão social ou estados afectivo positivos, podem retomar o consumo, que gera posteriormente sentimentos de culpa e o reforço das expectativas, conduzindo a novos consumos, num ciclo vicioso. Desta forma é necessário o treino de estratégias de coping para lidar com o craving, da assertividade, expressão de emoções, mudança do estilo de vida e de determinadas crenças em relação aos efeitos do álcool, recorrendo à Terapia Cognitiva-Comportamental, de modo a capacitar o utente para identificar possíveis sinas de recaída e para interromper a evolução do consumo pontual para a mesma (Mathias & Cruz, 2007). Ainda neste contexto, é crucial intervir nas crenças positivas sobre os efeitos do álcool. Considera-se que indivíduos que mantinham consumos mais elevados tendem a manter maiores expectativas positivas em relação aos efeitos do consumo do álcool (Peuker et al., 2006), o que poderá condicionar decisões futuras em relação ao retomar dos consumos. Assim, a intervenção deve contemplar este aspecto, tendo em conta que as expetativas positivas têm um maior impacto, comparativamente às negativas, dado que estas ocorrem logo após o consumo e em fases iniciais do mesmo, o que faz com que no momento de decisão de ingestão ou não de bebidas alcoólicas sejam ativadas (Gouveia, 1996). A intervenção visa, então, a alteração de expetativas através da reestruturação cognitiva, em que se busca identificar as expectativas, bem como as emoções associadas às mesmas, analisando as incongruências e as consequências reais dos efeitos do consumo, de modo a que se possam desenvolver expetativas alternativas. Para além do que já foi mencionado, torna-se fundamental promover o desenvolvimento de competências sociais. Considera-se que o alcoólico
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apresenta défices nesta área, sendo frequente o início do consumo de bebidas alcoólicas para lidar com dificuldades ao nível da interacção com os outros, despoletada pela ansiedade social. Por outro lado, o próprio consumo é impeditivo do desenvolvimento de um reportório, adequado e elaborado, de competências sociais e interpessoais (Aliane, Lourenço & Ronzani, 2006). É também fundamental ter em conta a seguinte premissa: muitas vezes, o alcoólico que procura tratamento não se apresenta consciente do problema ou motivado para a mudança de comportamento (Oliveira et al, 2003). Assim, vários teóricos têm demonstrado a eficácia da entrevista motivacional nesta área, de modo a ultrapassar a negação e a ambivalência do utente para a mudança (Miller & Rollinck, 1991), que pode resultar de um conflito entre as expectativas positivas acerca do consumo e das consequências do mesmo. Segundo este modelo, a motivação é um constructo que pode ser trabalhado e fomentado com a intervenção, através uma atitude empática, evitando juízos de valores, críticas e um estilo relacional confrontativo, afastando a resistência do utente para que este possa transitar para a fase seguinte do tratamento. Para além disso, a entrevista motivacional assenta no favorecimento da dissonância cognitiva, salientando as contradições entre o comportamento do utente e os objectivos desejados pelo mesmo, promovendo a sua responsabilidade no que se refere ao tratamento, aumentando o locus de controlo interno e a percepção de auto-eficácia, de modo a torná-lo mais confiante em relação às suas próprias decisões (Ferreira-Borges & Cunha e Filho, 2004). Uma outra perspectiva da intervenção em Alcoologia deve ser o envolvimento da família no processo de recuperação, que pode funcionar como um elemento facilitador ou, por outro lado, representar um obstáculo à mesma, conduzindo frequentemente às recaídas. Desta forma, é crucial a intervenção junto dos familiares, pois esta doença afecta todo o sistema familiar, conduzindo frequentemente a situações de co-dependência, existindo uma focalização nas rotinas familiares do comportamento do alcoólico, perpetuando-se padrões relacionais disfuncionais que mantêm os comportamentos de consumo. Os elementos de uma família estão interligados de uma forma íntima e com padrões de interação estáveis, que podem transformar as possibilidades de promoção de mudança num comportamento problema. Estes padrões de interação podem ser considerados tanto como a causa, como o efeito do problema, representando o equilíbrio entre o problema e a família (Barnes 1997), sendo necessário sensibilizar a família para esta questão, para que se possa gerar uma nova reorganização familiar, conduzindo à integração do utente no seio familiar, retomando as suas funções e o seu papel, que lhe é muitas vezes retirado com o consumo continuado. Deve-se considerar também os factores que potenciam a saúde, emocional e física, em oposição aos modelos que se focam apenas nas causas da doença. Segundo Antonovsky (1993), a forma como os indivíduos percepcionam a sua vida e os recursos que têm disponíveis para lidar com situações de stress condiciona o estado de saúde, fazendo com que factores de tensão se transformem ou não em
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situações de stress, dependendo do sentido de coerência interno e dos recursos gerais de resistência. Segundo o mesmo autor, o senso de coerência consiste numa orientação global, no sentido de encarar a vida como estruturada, flexível, conferindo-lhe um sentido emocional, procurando pensar e agir com autoconfiança, beneficiando dos recursos que têm disponíveis. Este aspecto permite que os indivíduos encarem as dificuldades da vida como suportáveis, o que gera um impacto positivo sobre o seu bem-estar, motivando-os a percepcionarem as tarefas como desafios, investindo para que possam alcançar um resultado razoável, buscando os recursos apropriados e considerando-os significativos e com sentido emocional. Projecto de intervenção – Área Dia de Alcoolgia Tendo em conta princípios teóricos acima mencionados, foi se tornando necessário desenvolver um projecto de intervenção que permitisse actuar de forma intensiva, continuada e progressiva, após a desintoxicação alcoólica, realizada em ambulatório ou no internamento, de modo a promover e facilitar o desenvolvimento de um projecto de vida sem álcool. Desta forma, foi criada uma Área Dia, em Maio de 2005, na Unidade de Tratamento e Reabilitação Alcoológica (UTRA), no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, destinada a utentes com Síndrome de Dependência Alcoólica, de ambos os sexos. Este programa tem como critérios de exclusão comorbilidades graves, nomeadamente, défices cognitivos muito acentuados e presença de actividade delirante ou persecutória, sendo necessário já ter ocorrido a suspensão dos consumos de bebidas alcoólicas há pelo menos 3 semanas e de outras substâncias psicoativas, para ser integrado no programa. Numa fase inicial é avaliada a motivação para o tratamento, bem como as necessidades de cada utente, para que se possa realizar um plano terapêutico diferenciado, recorrendo-se a uma bateria de testes que serão posteriormente caracterizados. A Área Dia tem como objectivos motivar o utente, proporcionando conhecimentos acerca da doença e suas vulnerabilidades; garantir um espaço de partilha de vivências, história de vida e recomeço; reconhecer dificuldades interpessoais, promovendo o reforço positivo da vinculação; aceder e expressar sentimentos; fomentar a capacidade de mudança comportamental; promover um estilo de vida saudável; redefinir um projecto de vida; promover a autonomia e criação e expansão da rede social. A Área Dia tem um horário semanal (de segunda-feira a sexta-feira), das 9h às 16h, com a duração aproximada de 3 meses, sendo este período variável em função da evolução do utente. Todas as actividades terapêuticas são realizadas em grupo, à excepção das consultas individuais. A integração no grupo facilita a consciência da doença e provoca mudanças na forma de pensar o problema, através da partilha da experiência de vida dos outros elementos (Cruz et al, 1999) minimizando frequentemente a resistência de cada um. O plano terapêutico inclui
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actividades como terapia de grupo, treino de competências sociais, grupo de prevenção de recaídas, actividades lúdicas, relaxamento; psicoeducação; grupo de estilos de vida saudáveis, grupo dos relacionamentos; grupo multifamiliar, consulta de psiquiatria, consulta de psicologia, terapia de casal, terapia familiar, atelier de emprego, entre outras. Desta forma, este projecto terapêutico comporta uma equipa multidisciplinar constituída por psicólogos, enfermeiros, psiquiatras e assistentes sociais. Metodologia No sentido de analisar o impacto do plano terapêutico da Área Dia na recuperação dos utentes, nomeadamente nos aspectos referentes à motivação, consciência crítica em relação ao problema de consumo de álcool, craving, depressão, ansiedade e sentido de coerência interno, pretende-se realizar um estudo longitudinal, procurando descrever as alterações ocorridas nestas áreas, com o decorrer da intervenção. Para esse efeito efectuou-se um estudo piloto, no sentido de avaliar a adequação dos instrumentos, aos objectivos do programa, analisando o seu impacto na recuperação da doença alcoólica. Pareceu-nos pertinente fazer esta análise prévia, de modo a poder-se repensar estratégias de intervenção e para se ilustrar a direccionalidade da mesma, bem como a necessidade de descrever a eficácia do tratamento em determinadas áreas, que consideramos fundamentais. Desta forma, foram incluídos dois momentos de avaliação, o primeiro correspondente à entrada no programa da Área Dia e, o último, aquando da saída do mesmo. Esta permitiu avaliar a necessidade de dar continuidade à intervenção ou repensar respostas adequadas às necessidades de cada elemento, no sentido de antecipar o risco de recaída. No primeiro momento procedeu-se à aplicação do questionário sociodemográfico, do alcohol use disorders identification test -AUDIT, The Stages Readiness and treatment Eagerness Scale - SOCRATES, Beck Depression Inventory - BDI-II, da Escala Multidimensional de Craving do Álcool - EMCA, do Trait Anxiety Inventory – STAI –Y1, STAI-Y2STAI, do Sense of Coherence Questionnaire 29 – SOC 29. No segundo momento de avaliação foram aplicadas os mesmos testes, à excepção do AUDIT e do questionário sóciodemográfico. Amostra A amostra foi constituída por 17 elementos do sexo masculino, de raça caucasiana, que requentaram ao programa de Área Dia. A idade dos participantes oscilou entre os 30 e os 54 anos sendo a média de idades de 42 anos (dp= 7,9). No que respeita às habilitações literárias constatou-se que 31,3% de participantes tem o 6º ano de escolaridade, tendo a mesma percentagem de indivíduos o 9º
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ano.11,4% são licenciados. Relativamente à situação laboral 52,9% mantêm o emprego, enquanto que 47,1% estão desempregados. Por outro lado, 52,9% dos participantes estão inseridos num agregado familiar, sendo constituído por companheiro/a e filhos, 35,3% vivem com os pais e 11,8% vivem sozinhos. 41,2% da amostra têm dois filhos e 23,5% não têm filhos. Instrumentos Para este efeito utilizou-se como medidas de avaliação um questionário sociodemográfico constituído por 9 itens, incluído questões como idade, sexo, habilitações literárias, situação laboral, agregado familiar, nº internamento, duração e motivo de abandono e etnia. O AUDIT (Cunha, 2002) que avalia a existência ou não da dependência de álcool, classificando os indivíduos em 4 grupos possíveis, em função do tipo de consumo, nomeadamente os que não possuem dependência, os que apresentam comportamento de risco com o uso de álcool, os que apresentam dependência ou dependência severa, sugerindo a intervenção mais adequada para cada caso. Foi utilizada também a SOCRATES (Miller & Tonigan, 1996) que investiga o grau de prontidão/motivação para a mudança, sendo constituída por 19 itens, em que o participantes tem que avaliar cada item, em função do que pensam actualmente em relação ao seu consumo, respondendo através de uma escala tipo likert de 5 pontos, que varia entre o discordo totalmente e o concordo totalmente, agrupando os resultados em 3 dimensões: Reconhecimento (itens 1,3,7,10,12,15,17), Ambivalência (itens 2,6,11,16) e Acção (itens 4,5,8,13,14,18,19), sendo possível a seguinte classificação 10- muito baixo, 30 baixo, 50 médio, 70 alto e 90 muito alto. Incluiu-se ainda a BDI–II, que é constituído por 23 itens, que tem diferentes possibilidades de resposta (variando o valor entre 0 e 3 para cada item),em que os participantes tem que selecionar a resposta que melhor se aplica a si, para descrever como se tem sentido na última semana, incluindo o dia de hoje (Beck, 1996), sendo possível discriminar o grau de severidade da depressão: 0-13 depressão mínima, 14-19 depressão leve, 20-28 depressão moderada e 29-63 depressão severa. A bateria de testes incluiu também o – STAI –Y1, STAI-Y2 (Silva, 2006), que corresponde a um questionário que avalia a ansiedade traço e ansiedade estado. A escala de ansiedade estado é constituída por 20 frases que avaliam o que os examinados sentem “precisamente agora, neste momento “. Por sua vez, a escala de ansiedade traço, também composta por 20 frases, avalia como as pessoas geralmente se sentem. A pontuação de cada frase varia entre 1 a 4, sendo que o 4 corresponde à presença de um alto nível de ansiedade. O SOC 29 (Antonovsky, 1993), contém 29 itens, em que os itens 1,3,5,10,1 2,15,17,17,19,21,24,26 são referentes à compreensão, os itens 2,6,9,13,18,20,23,25,27,29 dizem respeito à capacidade de manejo e os itens 4,7,8,11,14,16,22,28 à capacidade de conferir sentido emocional. O score do sentido de coerência interno é obtido através do somatório dos 29 itens, quanto maior o score, mais forte é o sentido de coerência. Finalmente, a EMCA (Serecigni & cols., 2007), que avalia a intensidade do craving do álcool, sendo constituída por 12 itens.
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Resultados A maior parte da amostra (76,5%) integrou pela primeira vez o Programa de Área Dia, tendo a duração do tratamento variado entre 1 mês (5,9%) a mais de 6 meses (11,8%), existindo uma maior predominância do período de 3 meses a 6 meses (58,8%), seguido pelos 3 meses (23,%) (tabela 1). Tabela 1. Nº Internamentos em Área Dia N
%
1 Internamento
13
76,5
2 Internamentos
3
17,6
3 Internamentos
1
5,9
Verificou-se que 58,8% da amostra cumpriu o programa que foi estipulado no início do tratamento, 29,4% abandonaram o programa por motivos profissionais. Para além disso, constatou-se que uma das situações de abandono do programa esteve relacionada com o recomeço de consumos e outra por incumprimento das normas de funcionamento da Área Dia (tabela 2). Tabela 2. Motivo de Interrupção de tratamento N
%
Abandono
1
5,9
Por ter iniciado consumos
1
5,9
Motivos Profissionais
5
29,4
Cumprimento do Programa
10
58,8
Relativamente às variáveis estudadas, verificaram-se algumas diferenças, entre o momento de admissão e momento de alta (tabela 3), nomeadamente no Sentido de Coerência Interno, na depressão e na ansiedade. O Sentido Coerência Interno aumentou durante a permanência em Área Dia (teste: M= 136,88; dp= 22,4 re-teste: M= 145,28; dp= 19,72), tendo-se verificado algumas alterações divergentes nas três dimensões que contempla. Constatou-se um aumento da compreensão e da capacidade de manejo, no entanto no que respeita à capacidade de conferir sentido emocional aos acontecimentos de vida, ocorreu uma diminuição (tabela 4).
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Tabela 3. Valores das médias das medidas de craving, sentido coerência interna, ansiedade estado e traço e depressão 1º Momento
2º Momento
M
DP
M
DP
Craving
20,9412
7,91731
20,9412
8,89150
Sentido Coerência Interno
136,8824
22,49967
145,2857
19,72670
Depressão
20,0667
8,35350
11,5625
6,67302
Ansiedade Estado
51,9231
15,57488
53,8235
10,81223
Ansiedade Traço
52,2857
13,99686
55,4286
7,08969
Tabela 4. Valores das médias das dimensões do sentido coerência interno Sentido Coerência Inicial Compreensabilidade
Sentido Coerência Final
M
DP
M
DP
43,5294
6,09424
43,6875
8,42788
Maneijabilidade
45,1765
4,20172
46,0000
7,42582
Significabilidade
27,2353
6,76876
26,1875
5,41872
Os scores obtidos no preenchimento do AUDIT oscilam entre o valor de 17 e 35, o que apontam para a existência de dependência e dependência severa de álcool, havendo um predomínio desta última. Os resultados obtidos na avaliação da ansiedade, através das escalas de STAI, demonstraram um aumento da ansiedade estado, dado que no momento da admissão, a média dos scores obtidos para a ansiedade estado foi de 51,92 (dp=15,57) e no momento da alta foi de 53,8 (dp= 10,8). Verificou-se também um aumento da ansiedade traço, no momento de admissão, a média foi de 52,28, (dp= 13,99) e quando terminaram o programa a média dos scores obtidos foi de 55,42 (dp= 7,08) (tabela 3). Os valores de craving não apresentaram alterações desde a data de admissão (M= 20,94; dp= 7,91) até à alta (M= 20,94; dp= 8,89) (tabela 3). De acordo com os resultados obtidos na BDI, verificou-se uma diminuição dos scores obtidos. Na admissão a média dos scores era de 20,06 dp= 8,35 e no final do programa a média dos scores era de 11,56 com dp=6,67. De acordo com a classificação de Beck (1996), encontrou-se uma diminuição dos casos com depressão severa e moderada (tabela 5).
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Tabela 5. A depressão dividida em grupos Depressão Inicial
Depressão Final
F
%
F
1 - Depressão minima
6
35,6
11
% 64,7
2 - Depressão leve
1
5,9
4
23,5
3 - Depressão moderada
5
29,4
4 - Depressão Severa
3
17,6
1
5,9
Relativamente aos resultados do SOCRATES, verificaram-se alterações no predomínio das dimensões, nos dois momentos avaliativos, aumentando o Reconhecimento e Acção, diminuindo a Ambivalência (tabela 6) Tabela 6. Resultados de SOCRATES Inicial Reconhecimento
Final
M
DP
M
DP
30,7059
4,53824
31,5625
5,08552
Ambivalência
15,8235
2,96301
15,2667
4,07898
Acção
35,9412
4,76275
36,2353
5,71762
Discussão Com base nos resultados obtidos, podemos considerar uma forte adesão a este tipo de programa terapêutico, tendo-se verificado o abandono do tratamento maioritariamente por motivos profissionais. Para além disso, o facto de ter havido apenas uma situação de recaída permite-nos levantar a hipótese de que a integração em Área Dia pode prevenir o retomar dos consumos, por terem um projecto de vida, por estarem em interação social e pelo facto de acabarem por se vincularem ao programa, permitindo delinear e partilhar estratégias para as dificuldades que vão sentindo, que frequentemente estão relacionados com a recaída, o que lhes pode aumentar a percepção de auto-eficácia para lidarem com a situação (Marlatt & Gordon, 1999). Verificou-se a necessidade de aumentar o tempo de permanência em Área Dia, para alguns casos, ultrapassando o tempo previamente estipulado, o que pode demonstrar algum cuidado da equipa técnica em procurar ajustar o programa às necessidades individuais, o que pode ser uma mais-valia em termos de eficácia do tratamento (Prochaska e Diclemente, 1992). Constatou-se uma melhoria ao nível da depressão, o que nos parece ser um indicador de impacto positivo do tratamento, dado que a literatura vem demonstrando uma forte prevalência de depressão em indivíduos diagnosticados com alcoolismo, sendo por vezes um dos elementos que comprometem
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significativamente a sua adaptação social e familiar. Estudos revelam que reacções depressivas de curta duração podem estar relacionadas com os efeitos da própria intoxicação, acabando por desaparecer com a manutenção da abstinência. Enquanto que as depressões que aparecem após meses ou anos de abstinência podem representar um factor de risco de recaída, uma vez que o indivíduo pode recorrer ao consumo para lidar com os sintomas depressivos. Por outro lado, este consumo acaba por provocar um agravamento no quadro depressivo, uma vez que o álcool funciona como um depressor do sistema nervoso central (Jornada, et al,1995). Deste modo, a melhoria das depressões graves na nossa amostra pode estar relacionado com o facto de estarem em tratamento, com terapêutica farmacológica, intervindo-se também no âmbito das emoções, bem como na promoção e desenvolvimento de competências e estratégias para enfrentarem problemas, inseguranças e receios, o que poderá ter repercussões positivas na auto-estima e na auto-confiança (Marlatt, 1999). O craving não se alterou com o tratamento, embora não se tenha verificado o consumo de bebidas alcoólicas. Segundo Serecigni et al. (2007) o craving pode activar respostas automáticas de consumo de álcool, sendo necessário existir um bom funcionamento dos circuitos cerebrais, de modo a que ocorra uma inibição destas respostas impulsivas. Quando há uma deterioração nestes, o indivíduo fica mais vulnerável. Assim, seria de esperar, segundo a literatura, uma redução do craving com a intervenção. No entanto, apesar deste não se ter alterado, o facto de não terem ocorrido consumos, pode demonstrar alguma eficiência no treino de estratégias para lidar com situações e emoções de risco, sendo capazes de encetar alguns recursos aprendidos com o tratamento para lidar com o craving. O aumento de ansiedade no momento da alta do programa terapêutico pode dever-se à procura de estratégias eficazes para lidar com o craving, como já foi previamente referido. Para além disso, o término do programa traz outros receios e preocupações, pois até àquele momento estiveram num espaço protegido, onde diariamente estavam integrados no grupo e apoiados pela equipa técnica. Esta fase de maior autonomização implica uma maior gestão da sua vida pessoal (familiar, económica, profissional), o que pode acarretar maiores níveis de ansiedade. O próprio receio de falhar neste novo recomeço de vida pode gerar alguma instabilidade emocional, que se traduz pelo aumento de ansiedade, sem ter que ser considerada alarmante. No que se refere à motivação e prontidão para a mudança, os resultados demonstram o aumentou do reconhecimento e acção, bem como diminuição da ambivalência. Este aspecto pode ser indicador de que a Área Dia possa estar a cumprir um dos seus objectivos principais, que consiste em motivar para a mudança de comportamentos, promovendo a consciência crítica da doença. À luz do modelo Transteórico de Prochaska & Diclemente (1992), bem como do modelo da entrevista motivacional (Miller & Rollink, 1991), a motivação pode ser trabalhada, podendo ultrapassar alguma resistência inicial ao tratamento. Estes resultados demonstram também que os utentes integrados no programa
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evoluíram para uma fase em que já procuram implementar as estratégias planeadas e aprendidas, existindo um maior compromisso com a recuperação. No que respeita ao sentido de coerência interno, os resultados mostraram um aumento da média inicial em relação à média final, embora esta alteração não se verifique nas três dimensões da medida. A compreensão e o manejo aumentaram, o que poderá ser explicado pelo acréscimo de conhecimentos sobre a dependência de álcool. A capacidade de conferir sentido emocional, ou seja a aptidão que o sujeito tem de encontrar nos acontecimentos de vida razões para o investimento de energia e interesse diminuiu. Este facto poderá ser explicado pelo reduzido período de abstinência em que se encontram e por outro lado pela dificuldade apresentada em encontrar de atividades prazerosas. Conclusão Pretendeu-se com este artigo dar uma visão panorâmica de uma intervenção inovadora no âmbito de Alcoologia, que visa intervir de modo intensivo e contínuo, potenciando a motivação e a evolução dos utentes ao longo de diferentes fases de mudança de comportamentos, até atingir a fase de manutenção das modificações alcançadas, de modo a prevenir recaídas e a facilitar a criação e desenvolvimento de um projecto de vida sem álcool. O estudo piloto realizado apresenta limitações, não se podem retirar conclusões totalmente fiáveis, devido ao tamanho da amostra. Para além disso, não se estabeleceram relações de causalidade entre diversas variáveis, de modo a analisar a influência de cada uma nos resultados. No entanto, permitiu-nos descrever algumas alterações nos dois momentos avaliativos que podem ser indicadores de alguma eficácia deste tipo de tratamento, bem como alguma adequação do mesmo às necessidades de cada um. Desta forma, parece-nos pertinente dar continuidade à investigação planeada, no sentido de aferir de um modo mais fiável as variáveis que determinam a evolução do tratamento e analisar se os indicadores do estudo piloto se confirmam. O protocolo aplicado pareceunos adequado aos objectivos pré-definidos, embora nos parece pertinente incluir um teste que avalie as expectativas dos efeitos do álcool, dado ser uma variável de extrema importância no retomar dos consumos. Finalmente, é de realçar a importância de se avaliar o impacto de uma determinada intervenção, de modo a poder-se aperfeiçoá-la, permitindo uma maior adequação às necessidades e recursos de cada utente.
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PROGRAMAS DE PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA VIOLÊNCIA NOS RELACIONAMENTOS ÍNTIMOS: DA PRÁTICA INTERNACIONAL À PRÁTICA NACIONAL PROGRAMS OF PRIMARY PREVENTION OF VIOLENCE IN INTIMATE RELATIONSHIPS: FROM INTERNATIONAL TO NATIONAL PRACTICE
Rosa Saavedra
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Carla Machado
Escola de Psicologia da Universidade do Minho
Nota do autor Este texto foi elaborado no âmbito do projecto Projeto “Violência nas Relações Juvenis de Intimidade” (PTDC/PSI/65852/2006), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, e o estudo aqui apresentado foi desenvolvido no âmbito da tese de doutoramento da primeira autora, também com o apoio da FCT (SFRH/BD/28483/2006). A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Rosa Saavedra, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Rua Aurélio Paz dos Reis, 351, 4250-068 Porto. email: rosasaavedra@apav.pt Resumo: Este artigo apresenta (estudo 1) uma revisão da literatura internacional acerca dos programas de prevenção primária da violência nos relacionamentos íntimos, seguida (estudo 2) dos resultados de um inquérito efetuado junto de
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entidades reconhecidas como estruturas de atendimento especializado no campo da violência doméstica, sobre as suas ações de prevenção primária neste domínio. O objetivo foi identificar os principais pontos de contacto entre os diferentes programas, assim como os fatores que têm penalizado a sua eficácia. Os resultados reforçam a importância de os esforços de prevenção desenvolvidos em Portugal evoluírem para dinâmicas de intervenção mais continuadas no tempo, de forma poderem afastar-se de lógicas de sensibilização e informação do fenómeno da violência na intimidade. Palavras-chave: violência nas relações de intimidade;violência no namoro; prevenção primária; programa de prevenção. Abstract: This paper presents (study 1) a systematic review of international literature on the programs of primary prevention of violence in intimate relationships, followed (study 2) by the results of a survey carried out with entities recognized as specialized support structures in the field of domestic violence on their actions for primary prevention in this field. The objective was to identify the main points of contact between the different programs as well as the factors that have penalized its effectiveness. The results reinforce the importance of prevention efforts developed in Portugal evolve into dynamic intervention continued over time, so they can move away from dynamics of raising awareness and information about the phenomenon of intimate violence. Key-words: partner violence; intimate violence; dating violence; primary prevention; prevention program.
Prevenção da violência nos relacionamentos íntimos Nos últimos anos, as estratégias de prevenção dirigidas à violência nos relacionamentos íntimos adotaram uma linha de intervenção sobretudo reativa, numa lógica de combate contra um problema inequivocamente grave (e.g. Atkinson, Indermaur, & Blagg, 1998; Hammond, Whitaker, Lutzker, Mercy, & Chin, 2006; Schewe, 2002; Wolfe & Jaffe, 1999) mas focando-se, fundamentalmente, nas relações estabelecidas pela população adulta (Whitaker, Morrison, Lindquist, Hawkins, O´Neil, Nesius, Mathew, & Reese, 2006). Esta intervenção traduziu-se sobretudo na multiplicação de esforços para penalizar os agressores e na implementação de estruturas de apoio às vítimas, enquanto a prevenção primária foi mais negligenciada (Perez & Rasmussen, 1997). Paralelamente, o foco de interesse para a prevenção da violência nos relacionamentos íntimos também foi evoluindo: primeiro, foram essencialmente
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as mulheres casadas ou a viver em união de facto com os agressores; posteriormente, também as mulheres separadas ou divorciadas; finalmente, foram consideradas as relações de namoro e as relações entre pessoas do mesmo sexo (Gordon, 1988; Pleck, 1987 cit. Hickman, Jaycox, & Aranoff, 2004). Aliás, segundo Wekerle e Wolfe (1999), muitos dos primeiros programas dirigidos a adolescentes para prevenir a violência nas relações de namoro, parecem ter sido uma adaptação de esforços anteriormente dirigidos à população adulta, quer pelos conteúdos e dinâmicas utilizadas, quer pelos instrumentos selecionados para efetuar a avaliação. Atualmente, o principal foco de atenção nos programas de prevenção têm sido os adolescentes e, apesar de parecer existir algum consenso relativamente ao facto de a adolescência se apresentar como um momento propício ao desenvolvimento de esforços de prevenção neste domínio, precisar a idade — se doze, se treze, se catorze ou se quinze — parece ser uma pergunta sem resposta simples (Foshee & Reyes, 2009): o objetivo é “atuar numa idade em que o tópico é relevante, mas antes de o problema estar instalado” e estes critérios parecem variar de acordo com a própria definição de namoro e com o desenvolvimento sociocognitivo dos indivíduos (ibidem, p. 143-144). O percurso dos programas de prevenção neste domínio não parece, segundo Foshee e Reyes (2009) afastar-se dos esforços de prevenção desenvolvidos na prevenção de outro tipo de comportamentos. Inicialmente focados na intervenção individual, parece hoje haver uma maior preocupação na inclusão do contexto social e ambiental dos indivíduos, em especial da família e da comunidade, uma vez que os comportamentos positivos ou negativos poderão ter lugar nestes diferentes espaços (Burt, 2002). Por outro lado, percebida a coocorrência de problemas de comportamento persiste agora a preocupação de dirigir a intervenção não apenas para um facto ou exclusivamente para a redução dos riscos, mas fundamentalmente para a promoção de fatores protetores e do desenvolvimento saudável (Catalano Hawkins, Berglund, Pollard, e Arthur, 2002). Contudo, e pese embora nos últimos anos se tenha vindo a assistir à proliferação de dinâmicas de ação mais proactivas, sobretudo através do desenvolvimento de programas ou projetos de prevenção primária ou universal, não será polémico afirmar (e.g., Hickman et al., 2004) que ainda resta muito por fazer e conhecer ao nível da eficácia dos esforços já desenvolvidos a este nível. Portugal não parece ser exceção a esta regra. De seguida serão apresentados dois estudos: o primeiro consiste na revisão da literatura internacional acerca de programas de prevenção no domínio da violência nos relacionamentos íntimos; o segundo apresenta os resultados de uma recolha de dados efetuada em Portugal, junto de todas as entidades com competências de intervenção nesta área, com o objetivo de conhecer os esforços de prevenção por si desenvolvidos.
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Estudo 1: revisão da literatura internacional sobre programas de prevenção da violência nos relacionamentos íntimos Método Procedimentos Com o intuito de conhecer os esforços desenvolvidos no âmbito da prevenção primária da violência nos relacionamentos íntimos, foi realizada uma pesquisa dos textos publicados sobre esta matéria, desde os anos 80 até 2009, nas seguintes bases de dados: Annual Reviews, ScienceDirect, Springer, Taylor & Francis, Wiley, PsycINFO, PsycBOOKS, OCLC Electronic Collections Online, ERIC – Educational Resources Information Center. Para esta pesquisa foram utilizadas combinações dos seguintes conceitos: partner violence, intimate violence, dating violence, primary prevention, prevention program. Não foram incluídos na nossa análise programas com um foco de intervenção demasiado específico, como por exemplo, a prevenção da violência sexual e apenas foram selecionados programas que apresentavam resultados acerca da avaliação do impacto da intervenção realizada. No total, foram identificados catorze programas1. A informação acerca destes foi analisada segundo os seguintes tópicos: objetivos, orientação teórica, existência ou não de financiamento, contexto de implementação, profissionais responsáveis pela implementação, número de participantes, idade do públicoalvo, formato da intervenção, duração, conteúdos da intervenção, metodologias, desenho experimental, momentos de avaliação e resultados da avaliação a diversos níveis. Estes dados foram sistematizados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4. Resultados Objetivos Os objetivos mais frequentes nos estudos identificados são a promoção de conhecimento acerca da temática, através da abordagem das suas causas, dinâmicas e/ou impacto (n=14), o desafio de atitudes ou crenças (n=11) e a promoção de competências associadas a comportamentos prossociais ou de resolução de conflitos e problemas (n=9). Contudo, estes elementos vão sendo complementados com a apresentação do controlo ou desigualdade de género 1
Apenas um pequeno apontamento relativamente ao Youth Relationships Project (Wolfe, Wekerle, Scott, Straatman, Grasley, & Reitzel-Jaffe, 2003) que, ainda que dirigido a grupos de jovens com experiência de maltrato na infância, numa lógica de prevenção secundária, é avaliado como tendo um inequívoco potencial de prevenção primária, dado que o seu foco de actuação é a promoção de relacionamentos saudáveis, e que foi, por esta razão, incluído na nossa revisão.
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como uma causa da violência (n=5), com o desafio de estereótipos de género (n=6), com a identificação de recursos na comunidade disponíveis para o apoio em situações de violência (n=7) (cf. Tabela 1). Tabela 1. Objetivos, orientação teórica e financiamento
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Orientação teórica da intervenção Relativamente a este tópico, a maioria dos programas em análise específica a orientação teórica subjacente à intervenção, que se divide entre a Teoria Feminista (n=7), a Teoria da Aprendizagem Social (n=5). Contudo, em dois programas estas orientações surgem ainda associadas a outros modelos como é o caso do programa descrito por Schwartz e colaboradores (2004), em que a Teoria Feminista surge associada à Relationships Enhancement Theory (p. 223) e o The Fourth R, em que a Teoria de Aprendizagem Social se associam ao InformationMotivation-Behavior Skills Model ( Wolfe et al, 2006, p. 178) (cf. Tabela 1). Financiamento Metade das intervenções descritas (n=7) refere a existência de um financiamento base que permitiu a execução do estudo e/ou intervenção. Relativamente aos restantes, não há referência a financiamento, apesar de não se poder excluir esta possibilidade (cf. Tabela 1). Contexto de intervenção O contexto escolar parece ser um espaço de eleição para a implementação de programas ou dinâmicas de prevenção primária. De acordo com a revisão efetuada (cf. Tabela 2) a maioria dos programas revistos teve como cenário de aplicação a escola, sobretudo escolas com níveis de escolaridade equivalentes ao 3º ciclo e ao ensino secundário. Apenas dois programas intervieram em contextos distintos, sendo que um deles se realizou em contexto universitário (Schwartz, Magee, Griffin, & Depuis, 2004) e o outro no âmbito da comunidade (Wolfe, Wekerle, Scott, Straatman, Grasley, & Reitzel-Jaffe, 2003). Todavia, Wolfe e colaboradores (2003) consideram que as características do Youth Relationships Project permitem a sua aplicação também em contexto escolar. Por outro lado, o programa Safe Dates, coordenado por Foshee e colaboradores (Foshee, Bauman, Arriaga, Helms, Kock, & Linder, 1998), a par da sua ação em contexto escolar, incluiu dinâmicas de intervenção comunitária, nomeadamente através da sensibilização dos serviços da comunidade acerca de como ajudar os jovens envolvidos em namoros violentos.
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Tabela 2. Contexto de intervenção, técnicos responsáveis pela implementação, número de participantes, formato e duração da intervenção
Profissionais responsáveis pela implementação No que concerne aos técnicos responsáveis pela implementação da intervenção, não há unanimidade, sendo que em alguns casos a intervenção é assegurada pelos professores (n=8), noutras situações a intervenção dos professores é complementada pela ação de técnicos ou agentes da comunidade
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(n=3) e, noutros ainda (n=4), a intervenção é assegurada apenas pelos técnicos ou agentes da comunidade. Somente em dois dos programas (Weisz & Black, 2001; Wolfe et al., 2003) foi explícita a preocupação relativamente ao género dos facilitadores, sendo que se optou pela participação de um homem e de uma mulher. Porém, foi transversal a preocupação em treinar os responsáveis pela implementação, com o intuito de os munir dos conhecimentos e estratégias necessárias para abordar estas questões. Número de participantes De acordo com a análise efetuada, o número de participantes envolvidos variou entre vinte e oito (Schwartz et al., 2004) e dois mil quinhentos e quarenta (Jaycox , McCaffey, Ocampo, Shelley, Blake, Peterson, Richmond & Kub, 2006). Salienta-se a recorrente diferença entre o número de participantes incluídos na avaliação e o número de elementos que efetivamente participaram nas dinâmicas propostas, assim como também alguma discrepância entre os números de indivíduos avaliados no pré-teste e os números de pós-teste e follow-up. Idade do público-alvo Entre os programas avaliados, os grupos de intervenção foram, sobretudo, formados por adolescentes com idades compreendidas entre os doze e os dezoito anos, não se tendo encontrado referência a qualquer critério relativo ao género. O programa que se destaca, em virtude da sua intervenção com um público com idade superior a dezoito anos, relaciona-se com uma intervenção realizada em contexto universitário (Schwartz et al., 2004) (cf. Tabela 2). Formato da intervenção Uma clara maioria dos programas de prevenção em análise, procurou aproveitar as dinâmicas já existentes nos contextos em que atuou. Assim sendo, a intervenção preconizada em contexto escolar procurou potencializar os grupos turma previamente formados. A corroborar esta perceção, apenas nos programas realizados noutros contextos que não a escola (Schwartz et al., 2004; Wolfe et al. 2003) se optou pela utilização de grupos mais pequenos. Destacam-se, também, as situações em que a abordagem em grande auditório (Jaffe, Sudermann, Reitzel, & Killip, 1992; Sudermann, Jaffe, & Hastings, 1995) foi complementada pela discussão em turma (cf. Tabela 2). Duração A informação disponível quanto à duração da intervenção não permite aferir, de um modo claro, este dado, uma vez que a unidade de tempo
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utilizada para medir temporalmente estes esforços variou entre dias, horas ou mesmo número de sessões. Por outro lado, alguns programas correspondem a intervenções mais breves e intensivas, enquanto outros são mais espaçados no tempo. A título exemplificativo, enquanto na intervenção descrita por Jaffe e colaboradores (1992) e por Sudermann e colaboradores (1995) esta varia entre um dia ou meio-dia, noutros casos (STOP - Southside Teens About Respect) é referida a realização de ações de cinquenta minutos ao longo de três anos (cf. Tabela 2). Conteúdos da intervenção Os temas selecionados em cada um dos programas, apesar de não serem totalmente equivalentes, parecem bastante relacionados entre si e expressam a sua concordância face aos objetivos delineados para a intervenção: onze dos catorze programas de intervenção (cf. Tabela 3) procuram informar acerca da violência — violência doméstica ou violência no namoro, dependendo do tema central da ação — e criar um espaço para o desenvolvimento de competências de comunicação ou de resolução de conflitos. A alusão às causas subjacentes à ocorrência da violência (n=10) e a exploração dos recursos da comunidade disponíveis enquanto instrumentos para a resolução e apoio em situações de violência (n=9) também integram os temas mais comuns. A definição de conceitos essenciais (n=6), a referência aos papéis e estereótipos de género (n=7), o desafio de mitos ou ideias pré-concebidas (n=4) e a abordagem de estratégias de segurança (n=4), foram também tópicos com alguma representatividade. Existem, porém, três projetos (MacGowan, 1997; Wolfe et al., 2003; Wolfe, Jaffe, & Crooks, 2006 ) em que a questão do abuso de substâncias também foi incluída e um projeto. Finalmente (cf. Tabela 3), o programa The Fourth R (Wolfe et al., 2006) parece percorrer praticamente toda a panóplia de temas elencados. Este projeto, surge na continuidade do The Youth Relationships Project, mas contrariamente a este, tem uma lógica de intervenção claramente universal. Desenvolvido em contexto escolar, apresenta uma abordagem de prevenção integrada, uma vez que procura trabalhar a tríade de comportamentos de risco que parecem estar associados à adolescência: a violência entre pares e nas relações de namoro, a gravidez e infeções sexualmente transmissíveis e o consumo e abuso de substâncias (Wolfe et al., 2006).
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Tabela 3. Conteúdos, métodos e materiais utilizados
Metodologias utilizadas na intervenção Da análise dos programas selecionados, verifica-se que é frequente a utilização de metodologias combinadas na exploração dos temas (cf. Tabela 3), sendo que em oito dos catorze exemplos em análise, se utilizou, em articulação com outras estratégias, a discussão em grupo. Os demais recorreram à apresentação de vídeos (n=7), ao role-play, simulações ou modelagem (n=6), à apresentação de convidados (n=3), ao brainstorming (n=3) e ao teatro (n=2). Em alguns projetos foram utilizadas outras estratégias menos comuns, nomeadamente, contar histórias (Levy, 1984), visitas de estudo a algumas instituições da comunidade
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(Wolfe et al., 2003), leitura de textos ou de cartas (Lavoie, Vezina, Piche, & Boivin, 1995; STOP), concurso de posters (Foshee et al., 1998), elaboração de campanhas de prevenção (Wolfe et al., 2006) ou ainda outros exercícios não especificados (MacGowan, 1997). Design da avaliação e parâmetros avaliados No que concerne ao design o utilizado, apenas consideramos como experimentais as situações em que a seleção dos participantes foi totalmente aleatória. Em consonância com estes dados, apenas em seis (n=6) programas se verifica a utilização de designs experimentais (Foshee et al., 1998; Lavoie et al., 1995; MacGowan, 1997; Schwartz et al., 2004; Wolfe et al., 2003; Wolfe et al., 2006). Nos demais, foram identificados designs quasi-experimentais (n=6). Apenas um programa (Jaffe et al., 1992) não utilizou comparação com um grupo de controlo (cf. Tabela 4). Em todos os programas existiram momentos de avaliação de pré e pós-teste, ainda que em apenas oito (n=8) tenha sido efetuada a recolha de informação para follow-up, variando o seu tempo de intervalo entre as seis semanas (Jaffe et al., 1992) e os quatro anos (Foshee, Bauman, Ennett, Linder, Benefield, & Suchindran, 2004). Os parâmetros de avaliação são bastante semelhantes entre os programas em análise: onze (n=11) avaliam o nível de conhecimento, doze (n=12) a mudança de atitudes, seis (n=6) a análise de comportamentos ou intenção de comportamento, mas apenas um (n= 1) a aquisição de novas competências. O programa Safe Dates (Foshee et al., 1998, 2000, 2004) é frequentemente apontado por outros autores (e.g. Jaycox et al., 2006; Whitaker et al., 2006) como exemplar ao nível da avaliação efetuada, provavelmente, não apenas por ter um design experimental e avaliar os três parâmetros acima mencionados, uma vez que essa características comuns a outras descrições, mas, sobretudo, por ter acompanhado a amostra de sujeitos e ter apresentados resultados de followup até quatro anos após a intervenção, sendo por isso um modelo a replicar. Todavia, também neste programa, como em muitos outros, uma lacuna ao nível da identificação dos instrumentos utilizados na avaliação. Apesar de existir uma breve descrição destes, bem como alguns exemplos dos itens utilizados, tratandose, muitas vezes, de instrumentos especificamente desenvolvidos para a avaliação do programa, não estão disponíveis na sua totalidade, impossibilitando a sua replicação.
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Tabela 4. Design experimental e principais resultados da avaliação
Resultados da avaliação Os resultados das diferentes avaliações efetuadas apontam, de um modo geral, para mudanças esperadas positivas — nomeadamente, aumento do nível de conhecimento e diminuição de atitudes legitimadoras da violência — ao
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nível do pós-teste e do follow-up (cf. Tabela 4). As exceções a estes resultados são programas que provocaram mudanças no aumento dos conhecimentos e atitudes verificáveis no momento do pós-teste, mas não no follow-up (Krasjeski et al., 1996). No caso do projeto Safe Dates (Foshee et al., 1998) o aumento do nível de conhecimento e a mudança positiva das atitudes mantêm-se do pós-teste para o follow-up, mas esta manutenção não é percebida ao nível dos comportamentos de vitimação e de perpetração: no follow-up não existem diferenças significativas entre o grupo experimental e o grupo de controlo. Os programas que apresentam mudanças comportamentais positivas mais prolongadas no tempo (e.g. diminuição de comportamentos de vitimação ou perpetração, aumento de estratégias de resolução de conflitos positivas ou diminuição de estratégias de resolução de conflitos negativas) são os programas de maior duração: o STAR, com sessões de 50 minutos durante três anos, o The Youth Relationships Project, composto por 18 sessões de duas horas e o The Fourth R, composto por 21 sessões de 75 minutos e implementado ao longo do ano lectivo. Aliada à duração, a seleção dos conteúdos — conteúdos informativos acerca do da violência doméstica ou no namoro, acerca das causas, desafio de mitos, desenvolvimento de competências (e.g. de comunicação, de resolução de conflitos) — e as dinâmicas utilizadas — apresentação de vídeos, dinâmicas de role-play e discussões de grupo. Estudo 2: programas de prevenção da violência nos relacionamentos íntimos conduzidos em Portugal Método Procedimentos Com o intuito de obter informação acerca dos programas de prevenção primária desenvolvidos em Portugal no âmbito da violência nos relacionamentos íntimos, solicitamos, em Maio de 2007, a colaboração de oitenta e três instituições identificadas no Guia de Recursos na Área da Violência Doméstica (Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica, 2006). O contacto inicial com estas instituições foi realizado através de uma carta, na qual se clarificava a abrangência do conceito de violência nas relações de intimidade: “procurando incluir neste conceito, não apenas a violência na conjugalidade entre os adultos, mas também a violência nas relações de namoro entre adolescentes”. Com vista a uniformizar a informação enviada pelos diferentes serviços, foi então solicitado o preenchimento de uma grelha, composta pelos seguintes tópicos: a) nome do programa/projeto2 de prevenção desenvolvido pela instituição; 2
Quase todos os programas identificados estão incluídos dentro das atividades de projetos. Assim,
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b) objetivo(s) gerais e específicos do programa/projeto; c) contextos de intervenção; d) população; e) descrição das atividades; f) duração da intervenção; g) orientação teórica; h) características dos técnicos responsáveis pelo planeamento e implementação; i) registos de presença dos participantes; j) cumprimento da totalidade do programa; l) avaliação da intervenção; m) impacto da intervenção a outros níveis (destinatários indiretos da intervenção em outros grupos à partida não contemplados, como por exemplo, o impacto da intervenção na família e na comunidade, entre outros). Em resposta a este pedido de informação, dezasseis entidades informaram que não tinham jamais conduzido programas de prevenção primária no domínio requerido, quarenta e nove não responderam, duas comunicaram-nos a pretensão de enviarem informação, mas não o fizeram, e sete enviaram informação (relatório, publicações ou ofício) acerca do referido serviço ou projeto em desenvolvimento. Após a análise dos materiais enviados, consideramos que apenas quatro poderiam ser apreciados enquanto esforços de prevenção primária no âmbito da violência nos relacionamentos íntimos. Apesar de totalmente válidos, os restantes programas relacionavam-se com abordagens de caracterização do fenómeno (e.g. recolha de informação acerca de representações e vivências da violência doméstica, caracterização dos quadros de vida e relacionamentos das vítimas de violência na conjugalidade) ou de apoio direto a vítimas de violência, numa modalidade de maior aproximação à prevenção terciária, ou ainda numa abordagem educativa, mais focalizada na igualdade de oportunidades. Com vista a complementar esta recolha de informação, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, para identificar artigos acerca da implementação de estratégias de prevenção neste domínio, realizadas em Portugal. Esta pesquisa permitiu a inclusão no mapa de análise de mais duas experiências de prevenção: a primeira, conduzida pela Associação para o Planeamento da Família (Rodrigues, 2007) e a segunda, conduzida por uma equipa da Universidade do Minho (Matos, Machado, Caridade, & Silva, 2006). Foram ainda incluídos dois projetos promovidos pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, os Projetos IUNO e IUNO II, perfazendo um total de oito projetos em análise. Nas tabelas 5, 6, 7 e 8, serão sistematizadas as principais características dos resultados obtidos: não existe uma designação específica para o esforço de prevenção realizado, mas este dilui-se nas atividades do projeto onde se insere.
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Resultados De acordo com os tópicos em análise, os resultados foram os seguintes: Objetivos Um objetivo comum às intervenções realizadas é o propósito de sensibilizar os destinatários para a temática da violência íntima, através da abordagem de aspetos como o reconhecimento dos diferentes tipos de violência, suas causas e impacto. Todavia, a partir deste objetivo partilhado, podemos perceber a existência de dois tipos de abordagens, distintas nos seus propósitos: uma orientase essencialmente para a proteção da vítima, através do ensino dos procedimentos de procura de ajuda e da apresentação dos recursos da comunidade; outra, visa ensinar alternativas de comportamento, através da identificação de estratégias de comunicação funcionais e formas alternativas de resolução de conflitos, não apenas para evitar as dinâmicas violentas, mas também numa ótica de promoção de relacionamentos positivos. Finalmente, uma ênfase mais sociocultural, que pretende promover uma menor tolerância face a situações de violência encontrase nos projetos Novos olhares, velhas causas e Direitos & Desafios, na intervenção descrita por Matos e colaboradores (2006) e nos projetos dois projetos desenvolvidos pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima — Projeto IUNO e Projeto IUNO II (Cf. Tabela 5).
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Tabela 5. Objetivos, orientação teórica e financiamento
Orientação teórica da intervenção Relativamente a este tópico, apenas o projeto Direitos & Desafios referiu de forma específica que a orientação teórica da intervenção assentava no Modelo de Desenvolvimento Social de Catalano, “que explica o comportamento antissocial através da especificação de relações preditivas do desenvolvimento, dando grande relevância aos fatores de risco e aos fatores de proteção” (p. 23). Embora menos claro quanto à conceptualização subjacente ao projeto, Matos e colaboradores (2006) e os Projetos IUNO e IUNO II concebem a sua intervenção como composta por duas partes: uma componente educativa, que procurou contribuir para um melhor conhecimento do grupo relativamente à problemática, ao seu impacto físico, psicológico e social, aos principais recursos comunitários disponíveis para quebrar o ciclo de violência e à identificação de comportamentos não violentos
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de resolução de conflitos e uma componente sociocognitiva, que incidiu na valorização da compreensão social e cultural do fenómeno através do desafio de atitudes de legitimação/minimização da violência nos relacionamentos e da compreensão do impacto que as crenças acerca dos papéis de género podem desempenhar nas atitudes e comportamentos nos relacionamentos íntimos. Nos restantes, não existe qualquer referência à orientação teórica de base, apesar de no Projeto Novos Olhares, Velhas Causas (UMAR, 2007) ser possível, pelos conteúdos apresentados, identificar elementos da Teoria Feminista, a par de uma abordagem também sociocognitiva. Financiamento A maioria das intervenções foi realizada no âmbito de financiamentos comunitários. Relativamente às intervenções descritas por Rodrigues (2007) e por Matos e colaboradores (2006) não há referência a financiamento, apesar de não se poder excluir esta possibilidade. Contexto de intervenção O contexto educativo/escolar é o setting de intervenção selecionado em sete das oito intervenções descritas, sendo que em uma destas intervenções verificase também a inclusão do contexto universitário (Rodrigues, 2007) e apenas uma no contexto comunitário (Associação Fernão Mendes Pinto) (cf. Tabela 6).
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Tabela 6. Contexto de intervenção, técnicos responsáveis pela implementação, número de participantes, formato e duração da intervenção
Características dos técnicos responsáveis pela implementação De um modo geral, as equipas eram multidisciplinares, compostas por técnicos de áreas como a psicologia, sociologia, serviço social. Formações menos comuns, como o teatro (projeto Direitos & Desafios), surgem claramente associadas à dinâmica de intervenção proposta, o Teatro Fórum. Contudo, nem sempre há referência às características dos técnicos que dirigem estas intervenções (cf. Tabela 6). Número de participantes De acordo com os dados recolhidos, o número de participantes variou entre 150, que será o valor equivalente a seis turmas (UMAR, 2007) e 3700 (APAV,
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2005). Dois dos projetos descritos não apresentam qualquer referência ao número de participantes (cf. Tabela 6). Idade do público-alvo Na maioria das intervenções descritas, as dinâmicas parecem ser dirigidas a adolescentes do terceiro ciclo e secundário, pelo que a idade deverá variar entre os 12 e os 18 anos; Rodrigues (2007) descreve também a intervenção realizada junto de estudantes universitários (> de 18 anos). Na intervenção direcionada para a comunidade em geral, através do “Projeto Labirinto” é apontada a dificuldade de quantificar e descrever a população abrangida, pelo que não foi possível caracterizar este grupo. Formato da intervenção A intervenção quando realizada em contexto escolar procurou utilizar os grupos turma previamente definidos. Alguns, numa lógica de intervenção mais comunitária, adequaram o formato de acordo com os objetivos e o público (cf. Tabela 6). Duração Em três dos projetos apresentados a duração das atividades é de uma sessão, contudo, em dois não há qualquer referência à duração da intervenção; os Projetos IUNO, da APAV, desenvolveram duas e três ações de sensibilização, com duração de 90 minutos; Matos et al., 2006 desenvolveram a sua intervenção junto de várias turmas ao longo de 90 minutos (Matos et al., 2006); o “Projeto Labirinto” compreendeu a realização de 4 campanhas de sensibilização; o projeto “Novos olhares, velhas causas” assume-se como o mais longo integrando a realização de 15 sessões, com uma duração aproximada de 45 minutos cada (cf. Tabela 6). Conteúdos da intervenção Apesar de algumas diferenças pontuais, os temas selecionados para as intervenções são bastante similares, sendo que todos apresentam uma componente de informação acerca dos conceitos de violência doméstica ou de violência nas relações de namoro, dependo do tema central selecionado. O desafio de mitos (n=6), o desenvolvimento de competências (n=5) e os recursos da comunidade (n=4) são também conteúdos presentes (cf. Tabela 7).
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Tabela 7. Conteúdos, métodos e materiais utilizados
Metodologias utilizadas na intervenção Neste nível, podemos encontrar o recurso a atividades totalmente díspares: apresentação de vídeos (n=3), teatro fórum (sistema de exercícios, jogos e técnicas especiais que procuram desenvolver competências) (n=1), role-play (n=1), discussão e debate (n=8), recurso a diapositivos (n=7). Verifica-se, assim, algum esforço para introduzir dinâmicas complementares e alternativas à apresentação teórica de conteúdos. (cf. Tabela 7).
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Tabela 8. Design experimental e principais resultados da avaliação
Design da avaliação e parâmetros avaliados Em cinco das intervenções, a satisfação do grupo face aos conteúdos e dinâmicas utilizadas foi foco de atenção por parte da equipa técnica do projeto, sendo que em três casos a avaliação se resume a esta análise. Apenas em três projetos se podem identificar esforços para aproximar a avaliação de um design experimental, mesmo assim não conseguida nas intervenções em análise. O projeto Direitos & Desafios complementou a observação da satisfação dos participantes com a análise, em pré e pós-teste, das atitudes dos destinatários face à violência íntima, contrastando estes dados com um grupo de controlo.
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Também na intervenção descrita por Matos e colaboradores (2006) o impacto da intervenção foi analisado através da aplicação, em pré e pósteste, de um questionário de avaliação das atitudes face à violência conjugal, contrastando os valores anteriores e posteriores à intervenção (pré e pós-teste). Num dos dois ensaios deste projeto, uma análise de follow-up foi realizada, dois meses após a intervenção. Contudo, em nenhum dos casos houve recurso a um grupo de controlo. Finalmente, o Projeto IUNO II, embora adotando um design da avaliação bastante semelhante ao descrito anteriormente, procurou colmatar algumas das lacunas identificadas, incluindo no seu design o recurso a grupo de controlo, bem como a avaliações de follow-up, recolhidos cerca de quatro meses após a intervenção. Note-se ainda que não se restringiu à avaliação de atitudes, acrescentando a estas a avaliação do impacto do programa ao nível do comportamento, mais concretamente, ao nível da adoção de estratégias de resolução de conflito positivas ou negativas. Resultados da avaliação A apresentação dos resultados do estudo 2 incidirá apenas em quatro dos programas em análise: Direitos & Desafios, Matos e colaboradores, Projeto IUNO e Projeto IUNO II. Nos restantes não foram apresentados dados que nos permitissem aferir o impacto da intervenção realizada ao nível do conhecimento, atitudes, comportamentos ou intenção de comportamento. Em todos são percebidas mudanças positivas ao nível das crenças ou ao nível das atitudes – diminuição de crenças erradas acerca da violência ou diminuição de atitudes de tolerância à violência – no pós-teste e também ao nível do followup, quando efetuado. Apenas um apontamento relativamente ao Projeto IUNO: a não inserção de um grupo de controlo condiciona a análise destas mudanças na ausência de intervenção. No Projeto IUNO II, para além das atitudes foram avaliados os comportamentos de perpetração e vitimação. Os resultados revelaram a eficácia da intervenção ao nível da diminuição das atitudes de legitimação da violência nos relacionamentos, mas não foi possível identificar um impacto significativo da ação nas estratégias de resolução de conflitos utilizadas pelos participantes. O género não constituiu um fator mediador do impacto da intervenção. Alguma informação, dado o seu carácter mais logístico (e.g. registo de presença dos participantes, cumprimento da totalidade do programa), optouse por não incluir nesta análise. A reforçar esta opção, a impossibilidade de estabelecer a comparação com os dados internacionais. Discussão dos resultados dos dois estudos: daa realidade internacional à realidade em Portugal Os objetivos das intervenções nacionais e internacionais realizadas são
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bastante semelhantes. Quase sempre subjacente está o propósito de informar e sensibilizar acerca da problemática, selecionando elementos como as formas de violência, as suas causas, o seu impacto e os recursos disponíveis para apoiar a resolução deste tipo de situações. Verifica-se também a preocupação em desafiar preconceitos ou estereótipos existentes e dotar os participantes de estratégias de proteção e competências de resolução de resolução de conflitos. Podemos afirmar que estes são os pressupostos centrais. No que concerne à base teórica na qual assentam as dinâmicas de prevenção, as abordagens feministas ou de aprendizagem social são as duas que parecem ter uma maior representatividade nos programas internacionais (Whitaker et al., 2006). A nível nacional, parece existir uma lacuna ao nível desta identificação. Embora consigamos identificar traços abordagens feministas no projeto “Novos olhares, Velhas Causas” e uma linha mais cognitiva nas intervenções desenvolvidas por Matos e colaboradores (2006) e pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (2005, 2007), o planeamento das intervenções parece mais empírico do que teórico, sendo integradas nos projetos as atividades e conteúdos aos técnicos “fazem sentido” para trabalhar estas temáticas. Esta constatação, poderá estar associada ao facto de parte destes esforços terem surgido no seio de Organizações Não Governamentais ou outras estruturas associativas, em que base de trabalho é a experiência de campo, que nem sempre é complementada por uma componente teórica. Relativamente ao financiamento deste tipo de iniciativas, parece ser claramente um elemento facilitador para este tipo de investimento. Ainda que a dependência dos financiamentos seja uma realidade aparentemente mais inequívoca em Portugal, a nível internacional, a amostra permitiu-nos perceber que 50% dos esforços desenvolvidos haviam sido incentivados por recursos financeiros extraordinários atribuídos às entidades, organizações ou estruturas que os coordenaram. A revisão bibliográfica realizada nas bases internacionais, permite concluir que a maioria dos programas de prevenção desenvolvidos até ao momento neste domínio é implementada em contexto escolar, sobretudo em sala de aula, dirigidos a adolescentes e têm uma duração que pode variar entre uma a aproximadamente vinte sessões. O que parece evidente é que, enquanto alguns dos esforços desenvolvidos, quer pela sua duração, quer pela profundidade dos temas podem, de facto, ser enquadrados enquanto esforços de prevenção, entre os quais salientamos o Skills for violence free relationships, Youth Relationships Project, Safe Dates, STAR e o The Fourth R, outros há, que pela sua reduzida duração, parecem manter um formato mais associado a estratégias de informação e sensibilização acerca dos fenómenos, deixando algumas dúvidas sobre a sua caracterização enquanto programas de prevenção. Em Portugal, os dados apresentados indicam também que o contexto de intervenção privilegiado é a escola e que o grupo-alvo são os adolescentes. À exceção do programa “Novos olhares, velhas causas”, implementado ao longo de
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todo o ano lectivo, as características dos restantes programas, quer ao nível da duração — de uma a três sessões —, quer dos seus objetivos — consciencialização do fenómeno, conhecimento das suas causas e impacto e informação acerca dos recursos da comunidade —, permitem-nos considerá-los mais como intervenções de sensibilização e informação do que propriamente como estratégias de prevenção primária. Assim se constata que a duração das ações e o domínio de mudança que pretendem atingir (e.g., sensibilização, informação) levam, tanto ao nível nacional como internacional, a grande parte dos ditos projetos de intervenção desta área se reduzam a um enfoque informativo/educacional. De acordo com a análise realizada vários são os pontos em comum entre a realidade internacional e nacional neste domínio. Contudo, um elemento claramente distinto entre as duas realidades em análise é a seleção dos profissionais responsáveis pela implementação das dinâmicas de intervenção. Enquanto na maioria dos programas internacionais, a intervenção seja assegurada pelos professores, muito provavelmente profissionais dos contextos de implementação, em Portugal, sem exceção, a implementação das atividades, quando identificada, é realizada pelos técnicos das organizações responsáveis pelos projetos (exteriores aos contextos de ação). Quanto à avaliação, esta parece surgir como um dos tópicos mais problemáticos dos projetos desenvolvidos nesta área. Se nos dados recolhidos nas bases internacionais esta questão não foi tão evidente, uma vez que a existência de uma avaliação foi um dos pressupostos para a sua inclusão nesta análise (para podermos recolher alguma informação acerca do impacto da intervenção), a nível nacional, parece-nos surpreendente que a avaliação da satisfação dos participantes seja ainda, em alguns projetos, o único meio de avaliação utilizado. Tal parece-nos corresponder a uma sobrevalorização da dimensão relacional da intervenção e a uma subvalorização de uma abordagem mais científica da mesma, negligenciando o facto de que nada nos garante que a satisfação se traduza em efetivas mudanças nos conhecimentos, atitudes e comportamentos dos participantes. Apenas quatro programas procuraram tornar esta abordagem mais científica, através da aplicação em pré e pós-teste de um questionário de crenças, bem como, em alguns casos, através da utilização de um grupo de controlo que permitisse validar as alterações verificadas. O Projeto IUNO II introduziu, comparativamente aos restantes estudos, uma nova dimensão de avaliação, o comportamento, através da avaliação das estratégias de resolução de conflitos positivas e negativas pelos jovens, nos seus relacionamentos de namoro (Saavedra & Machado, 2012). Diríamos, contudo, que apesar destes esforços mais positivos, Portugal não parece ser exceção à conclusão de que as referências acerca da eficácia dos programas de prevenção parecem surgir de forma esparsa e fragmentada na literatura (Limbo, Chan, Warf, Schneir, Iverson, Shekelle, & Kipke, 2007).
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Conclusão A recolha de dados efetuada permite-nos conhecer melhor o estado da arte dos esforços de prevenção no domínio da violência nos relacionamentos íntimos, quer na esfera internacional, quer na nacional. Conhecer o impacto dos programas já desenvolvidos ou ainda em desenvolvimento, os seus principais limites e qualidades, ter acesso aos seus conteúdos, às estratégias utilizadas, são etapas essenciais para o desenho de novas intervenções ou, se assim o entendermos, para a replicação de programas já implementados. Não fará sentido partir da estaca zero, quando a literatura nos mostra intervenções de sucesso, da mesma forma como não faria sentido replicar estratégias que resultaram em fiascos metodológicos. Uma conclusão importante é o facto de parecer existir alguma unanimidade relativamente à perceção de que a adolescência se assume como um bom timing para o investimento nos esforços preventivos. Segundo Wekerle e Wolfe (1999), o facto de os padrões de agressividade não estarem ainda estabelecidos, assumindo um formato que poderá ser considerado ainda experimental, pode significar uma janela de oportunidade no sentido de intervir reforçando comportamentos interpessoais preferenciais. Por este motivo, a temática de referência nestas estratégias de prevenção deve ser o namoro, uma realidade relacional com mais significado para os adolescentes do que a violência doméstica. Ensinar competências para o estabelecimento de relacionamentos saudáveis ou para identificarem comportamentos abusivos no seu namorado/a, parece fazer mais sentido do que debater casos de violência doméstica, uma realidade mais próxima dos relacionamentos adultos. Os programas dirigidos a adolescentes não podem, pois, ser a adaptação de esforços dirigidos utilizados junto da população adulta. Outro elemento que interessa refletir é sobre os profissionais responsáveis pela implementação. O panorama internacional aponta para um progressivo envolvimento dos professores na intervenção, o que faz todo o sentido, quando a intervenção tem lugar, a maioria das vezes, no contexto escolar. A possibilidade de formar os professores, dotando-os de competências para a utilização de dinâmicas de prevenção deverá ser um elemento de mudança a ponderar nos projetos implementados em Portugal, uma vez que este tem sido um dos fatores que mais tem condicionado a sustentabilidade das intervenções. A dependência exclusiva de técnicos externos às escolas (provenientes de ONG, associações ou universidades) para assegurar a implementação, pode limitar ou mesmo invalidar as oportunidades de replicação das experiências, nomeadamente, se estas dependem — e os dados recolhidos apontam para esta realidade —, de financiamentos extraordinários aos orçamentos das entidades responsáveis. Este facto introduz limites óbvios à sustentabilidade dos esforços desenvolvidos. Importante, também, é duração dos esforços desenvolvidos. Apesar do número de estratégias de intervenção mais pontuais, como foi possível verificar nos dois estudos apresentados, e ainda que este possam apontar para mudanças
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positivas nas atitudes dos participantes (e.g. menor normalização ou legitimação da utilização de violência) a verdade é que programas mais longos como o The Safe Dates, STAR, o Youth Relationships Project e o The Fourth R, apresentam resultados promissores ao nível das mudanças verificadas, sobretudo ao nível dos comportamentos e da aquisição de novas competências. No que concerne à avaliação do impacto das intervenções, a realidade portuguesa parece confirmar a noção expressa por Indemaur, Atkinson e Blagg (1998) de que, apesar do número de programas desenvolvidos, muito poucos são efetivamente avaliados. Apesar dos esforços realizados por alguns projetos para sistematizar a avaliação, muitas vezes a sua validade torna-se questionável em virtude do formato utilizado (e.g. com ou sem grupo de controlo, timing de aplicação do follow-up, domínios de impacto avaliados) e da inadequação dos instrumentos à população a que se destinam (Avery-Leaf & Cascardi, 2002). Torna-se, pois, importante atender a estes pressupostos no planeamento de futuras intervenções. Em Portugal, uma das opções para ultrapassar as lacunas atrás apontadas poderá assentar a colaboração com estruturas ou serviços idóneos, como universidades ou empresas externas, que possam assumir este papel. Segundo a literatura, uma das avaliações mais bem sucedidas foi a realizada no âmbito do programa Safe Dates (Foshee et al., 1996, 1998, 2000 cit. Hickman et al., 2004), fundamentalmente, em virtude da inclusão de um grupo de controlo, da avaliação de pré e pós teste ser complementada por um follow-up realizado após um ano do final da intervenção e pelo facto de a avaliação integrar, para além da informação e atitudes, o domínio comportamental. Contudo, e apesar de a bibliografia internacional, consultada até ao momento, ainda não incluir o programa The Fourth R (Wolfe et al., 2006) em estudos comparativos, uma vez que a sua implementação e resultados são ainda muito recentes, este parece ser, na nossa opinião, um dos programas mais promissores que tivemos oportunidade de analisar. A abordagem integrada da tríade de comportamentos de risco mais prevalentes na adolescência — violência entre pares e nas relações de namoro, comportamentos sexuais de risco e consumo e abuso de substâncias —, a sustentação teórica, o seu design experimental e metodologia de avaliação, que inclui não apenas a informação, atitudes e mudança de comportamentos, mas também a avaliação das competências aprendidas, constituem um modelo a seguir nos programas de prevenção universal que venham doravante a desenvolver-se. Em suma, seria importante que os esforços de prevenção desenvolvidos em Portugal evoluíssem para dinâmicas de intervenção mais continuadas no tempo, de forma a poderem afastar-se de lógicas (importantes mas não suficientes) de mera sensibilização e informação do fenómeno da violência na intimidade. Esta mudança estará necessariamente associada à diversificação dos conteúdos das intervenções, começando talvez pela informação (e.g., definições, etiologia, respostas sociais de ajuda), mas evoluindo para o desafio de ideias pré-concebidas
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(e.g., em torno da violência, dos papéis de género), com vista à mudança atitudinal e procurando, também, promover competências positivas de relacionamento, (e.g., resolução de conflitos, tomada de decisão, estratégias de segurança). Por outro lado, reforça-se a necessidade de fundamentar a intervenção em alicerces teóricos bem definidos e coerentes com os propósitos de actuação. Por fim, e com vista à disseminação dos resultados das intervenções realizadas importa que o desenho da intervenção (conteúdos, materiais e metodologia) e da avaliação sejam efetuados e descritos de forma precisa e minuciosa, permitindo retirar conclusões acerca da sua eficácia. Só assim será possível evitar a reprodução de erros e permitir a replicação de boas práticas. Referências APAV (2005). Relatório Final de Atividades do Projeto IUNO – sensibilização e informação sobre violência doméstica e sexual. APAV: Lisboa. APAV (2007). Relatório Final de Atividades do Projeto IUNO II – sensibilização e informação sobre violência doméstica e sexual. Manuscrito não publicado. Associação Fernão Mendes Pinto (2005). Relatório de atividades do Projeto Labirintos. Manuscrito não publicado. Atkinson, L., Indermaur, D., & Blagg, H. (1998). From dating violence to domestic violence: putting a spoke in the wheel of the cycle of violence. Comunicação apresentada na Conferência Partnerships in Crime Prevention, Horbart. Avery-Leaf, S. & Cascardi, M. (2002). Dating violence education: prevention and early strategies. In P. Schewe (Ed.), Preventing violence in relationships (pp. 79106). Washington, DC: American Psychological Association. Avery-Leaf, S., Cascardi, M., O´Leary, K.O., & Cano, A. (1997). Efficacy of a dating violence prevention program on attitudes justifying aggression. Journal of adolescent health, 21, 11-17. Câmara Municipal de Santa Maria da Feira. (2007). Relatório do Projeto Direitos & Desafios. Retirado de http//www.direitosedesafios.com/files/espacotrevorel-prev-viol-domes-cont-escolar.pdf. Estrutura de Missão Contra a Violência Doméstica (2006). Guia de recursos na área da violência doméstica. EMCVD: Lisboa. Foshee, V. A., Bauman, K. E., Arriaga, X. B., Helms, R. W., Kock, G. G., & Linder, G. F. (1998). An evaluation of safe dates, an adolescent dating violence prevention program. American Journal of Public Health, 1, 45-50. Foshee, V. A., Bauman, K., Ennett, S., Linder, G., Benefield, T., & Suchindran, C. (2004). Assessing the long-term effects of the Safe Dates program and a booster in preventing program and reducing adolescent dating violence victimization and perpetration. American Journal of Public Health, 94, 619-624. Foshee, V.A., Bauman, K.E., & Greene, W.F. (2000). The Safe Dates program: 1-year follow-up results. American Journal of Public Health, 90, 1619-1622.
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Delinquência juvenil: Da caracterização à intervenção Juvenile delinquency: From characterization to intervention Teresa Braga
Doutoranda em Psicologia da Justiça. Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga; Bolseira FCT (Ref.ª SFRH/BD/46373/2008); teresa.g.braga@gmail.com
Rui Abrunhosa Gonçalves
Professor Associado com Agregação. Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga; rabrunhosa@psi.uminho.pt Endereço para correspondência: Escola de Psicologia, Universidade do Minho Campus de Gualtar, 4710-057 Braga
Resumo: A caracterização de diferentes indicadores de manifestação da delinquência juvenil, bem como a sua relação com diferentes variáveis demográficas, é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de intervenção eficazes, visando ora a prevenção deste fenómeno ora a reabilitação dos ofensores. Assim, reconhecendo a importância desse conhecimento, o presente estudo visa contribuir para a literatura nacional em torno desta temática. Para tal, foram inquiridos 676 jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 24 anos acerca da sua participação em atos delinquentes num intervalo anual. Os resultados ilustram que, muito embora a maioria dos participantes se tenha envolvido na delinquência, apenas um número reduzido praticou comportamentos de maior gravidade. Relativamente à frequência de perpetração entre os ofensores, constatou-se que maioria dos crimes foi praticada de modo pouco frequente e encontrou-se uma relação tendencialmente negativa entre a frequência e a gravidade dos comportamentos. Ainda assim, verificou-se que os jovens foram responsáveis por 6224 ofensas no período anual observado. Por fim, concluise que perpetração de atos delinquentes é de um modo geral mais comum entre Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 4(1) 2013
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elementos do género masculino, mas as mulheres, quando se envolvem, perpetram alguns comportamentos de modo tão frequente como os homens. As implicações práticas destes resultados são discutidas. Palavras-chave: Delinquência juvenil, prevalência, frequência, volume. Abstract: Characterizing different indicators of manifestation of juvenile delinquency, as well as their relationship to demographic variables, is critical to the development of effective intervention strategies, aimed at preventing this phenomenon or at rehabilitating the offenders. Thus, recognizing the importance of this knowledge, the present study aims to contribute to national literature on this topic. For such, we surveyed 676 juveniles between 12 and 24 years of age about their involvement in delinquent acts in an annual period. The results illustrate that although most participants had committed a crime, only a small number had been involved in more serious offenses. Regarding the frequency of perpetration among offenders, we concluded that most crimes were committed infrequently and we found a tendentious negative relationship between frequency and severity of behaviours. Nevertheless, the participants were responsible for 6224 offenses in the annual period evaluated. Finally, we conclude that offending was generally more common among males, but when women got involved they committed some crimes as often as men. The practical implications of these findings are discussed. Key-words: Juvenile delinquency, prevalence, frequency, volume. Introdução A delinquência juvenil é um fenómeno cada vez mais preocupante na sociedade, assumindo uma crescente visibilidade e reconhecimento público. Em Portugal, particularmente durante as duas últimas décadas, temos sido frequentemente confrontados com notícias mediáticas de crianças e adolescentes a praticar atos de extrema violência. Recordamos, por exemplo, o caso de um grupo de jovens que, no ano de 2006, agrediram ao longo de vários dias um sem-abrigo num prédio inacabado na cidade do Porto, acabando aquele por falecer. Mais recentemente, em 2011, a agressão violenta de uma jovem por outras duas adolescentes, filmada e posteriormente partilhada numa rede social por uma das suas testemunhas, captou durante semanas a atenção da comunicação social e chocou a sociedade portuguesa. Também as nossas estatísticas oficiais mostram que, em Setembro de 2010, 1140 jovens cumpriam uma medida tutelar educativa na comunidade, sobretudo pelos crimes de roubo, ofensas à integridade física e furto (DSEP, Setembro 2010a). No mesmo período, 217 jovens encontravam-se internados num dos sete centros educativos nacionais, sendo os crimes mais frequentes o roubo, o furto e os crimes sexuais (DSEP, Setembro 2010b). Apesar destes “dados alarmantes”, é atualmente consensual que a maioria
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das ofensas perpetrados pelos jovens não chegam ao conhecimento dos meios de comunicação social e das entidades de justiça criminal (e.g., Elliott, 1995; Loeber & Le Blanc, 1990; Piquero et al., 2003). De facto, só pelo recurso à metodologia de autorrelato tem sido possível estudar amostras normativas e penetrar na delinquência “oculta”, complementando o retrato traçado pelas medidas oficiais. Somente a partir de uma caracterização abrangente dos indicadores de manifestações deste fenómeno é que podemos explicá-lo e intervir eficazmente na sua redução. Conhecer a verdadeira extensão dos comportamentos delinquentes e identificar as características daqueles que os praticam é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de prevenção eficazes dirigidas aos alvos certos. Concomitantemente, caracterizar os indicadores de manifestação uma vez encetados os atos e conhecer aqueles que constituem maior perigo para a sociedade pode orientar as políticas criminais, no sentido da formulação de programas reabilitativos que mais assertivamente atuem sobre a delinquência. Neste âmbito, grande ênfase tem sido dado à identificação de ofensores crónicos, ou seja, aqueles que pela sua elevada incidência de prática são responsáveis por cerca de metade de todas as ofensas (Farrington et al., 2003), já que a sua reabilitação bem-sucedida possibilitará reduções substanciais da atividade criminal. A nível internacional, a importância da caracterização de diferentes indicadores autorrelatados da delinquência juvenil, tais como a prevalência e a frequência, e da sua relação com certas variáveis demográficas tem sido largamente reconhecida pela comunidade científica (e.g., Farrington et al., 2006; Hawkins et al, 2003; Huizinga, Weiher, Espiritu, & Esbensen, 2003; MORI, 2006, 2009, 2010; Roe & Ashe, 2008). Já no que se refere ao panorama português e embora se comece a assistir à proliferação de estudos que se têm dedicado a esse objeto (e.g., Gersão & Lisboa, 1994; Matos et al., 2012, Mendes & Carvalho, 2010), é ainda marcante a discrepância do nosso estado da arte em relação ao internacional, especialmente se atendermos ao dos países Anglo-saxónicos onde é possível encontrar inquéritos anuais de avaliação da delinquência. Ainda assim, importa destacar a participação de Portugal nas duas edições do International Self-Report Delinquency Study (ISRD). O primeiro estudo nacional realizado no âmbito do ISRD, conduzido por Gersão e Lisboa (1994), contou com uma amostra representativa (Portugal continental) de 1000 jovens de ambos os géneros com idades compreendidas entre os 14 e os 21 anos. Os dados obtidos a partir desta amostra apontaram uma prevalência total de delinquência de 57.2% relativa ao ano que antecedeu o inquérito. Analisando as prevalências individuais, constatou-se que a condução sem habilitação legal assumiu sempre maior expressão (28.3%), seguida do vandalismo (16.1%) e da luta de grupo ou desordem pública (11.1%). Menos comuns entre os jovens portugueses foram os atos de furto de carro (0.6%), venda de drogas “duras” (0.3%), roubo (0.3%) e o fogo posto (0.2%). Paralelamente, concluiu-se pela superior participação masculina na maioria dos atos analisados, particularmente naqueles de maior gravidade. Assim e à semelhança do evidenciado pela literatura internacional (e.g., Huizinga et al., 2003; MORI, 2010; Roe & Ashe, 2008; Rechea & Bartolomé, 2010;
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Savoie, 2007; Terlouw & Bruinsma, 1994), parece que proporções substanciais de jovens, especialmente do género masculino, se envolvem na delinquência, mas apenas um número restrito pratica comportamentos de elevada gravidade. Mais recentemente, a participação de Portugal no ISRD foi renovada. Esta investigação compreendeu 2617 estudantes do 7º ao 9º ano de escolaridade de ambos os géneros. A amostra foi selecionada aleatoriamente a partir da população de escolas situadas no território continental e os questionários foram administrados no contexto escolar. Os autores não apresentaram índices totais de delinquência, pelo que analisaremos apenas prevalências relativas a atos específicos. No que se refere à luta de grupo, o crime mais comum entre os jovens portugueses, 8.9% dos participantes admitiram a sua prática no ano transato ao inquérito. O vandalismo e o furto em loja apresentaram valores de cerca de 4.2% e 2.2% (respetivamente), sendo igualmente dos atos mais reportados nesta investigação. No extremo oposto de expressão e sempre com prevalências inferiores a 1%, situaram-se o furto em carro, o furto de carro e o roubo/extorsão. Neste sentido, verificou-se uma vez mais que poucos são os jovens portugueses que praticam crimes de elevada gravidade (Mendes & Carvalho, 2010). Apesar dos estudos portugueses supra descritos se afiguraram marcos significativos na investigação nacional, importa não descurar o extenso lapso temporal que decorreu entre a sua realização e o facto de que ambos priorizaram dados de prevalência em detrimento da caracterização de indicadores referentes a ofensores ativos, pelo menos nas publicações a que tivemos acesso. Como já foi dito, esse conhecimento é essencial para intervenção eficaz na delinquência. Assim, com a presente investigação pretendemos reforçar a caracterização dos indicadores de manifestação da delinquência juvenil em Portugal, documentado a sua prevalência, frequência e volume e identificando, se possível, ofensores crónicos numa amostra juvenil comunitária. Concomitantemente, procurámos explorar a relação entre o género e diferentes indicadores. Metodologia Amostra A amostra do presente estudo foi constituída por 676 participantes com idades compreendidas entre os 12 e 24 anos (M = 19.78; DP = 3.03). Inicialmente, a amostra era composta por 782 jovens, contudo, 100 destes participantes não cumpriam um dos critérios de inclusão definidos – idade entre 12 e 24 anos – e seis apresentavam 50% ou mais respostas inválidas na medida de recolha de dados utilizada (e.g., missings), pelo que foram excluídos da nossa amostra final. Para além do critério idade, os jovens teriam que residir em território nacional. De resto, não colocámos quaisquer outras restrições de participação. Assim, a amostra foi constituída por jovens que cumpriram os referidos critérios de inclusão e que aceitaram participar no presente estudo, tratando-se
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de uma amostra de conveniência. Com tal, foi possível recolher uma amostra representativa não estratificada no que toca o intervalo de idades estabelecido, dado que seriam necessários de acordo com Krejcie e Morgan (1970) pelo menos 663 sujeitos (ME = 5%; C = 99%) num universo de 27705891 (INE, 2010), mas o mesmo não se verificou em relação a outras variáveis sociodemográficas. Em termos do género na amostra, registou-se uma distribuição marcadamente desigual, sendo 495 participantes do género feminino (73.2%) e os remanescentes 181 do género masculino (26.8%). O mesmo sucedeu na distribuição dos participantes pelas diferentes zonas do país, organizadas de acordo com a divisão NUTS II do Instituto Nacional de Estatística, em que se evidenciou uma maior expressão de jovens oriundos do Norte de Portugal (n = 485, 71.1%). Lisboa e Vale do Tejo, Algarve e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira foram as zonas menos representadas no estudo com, respetivamente, 5.7% (n = 40), 0.9% (n = 6), 1.9% (n = 13) e 1.6% (n = 11) dos participantes. Olhando para a situação escolar e escolaridade, verificou-se que a maioria dos sujeitos frequentavam a escola (n = 571; 84.1%) e tinham concluído algum ano do ensino secundário (n = 287; 43.6%), detinham o 10º, 11º ou 12º ano de escolaridade, ou da licenciatura (n = 222; 33.7%), detinham o 1º, 2º ou 3º ano daquela. Por fim, no que respeita a situação de alojamento, 573 jovens encontravam-se a residir com elementos da sua família de origem (85.1%), 61 sozinhos (9.1%) e 39 assinalaram “Outra situação” de alojamento (5.8%). Em síntese, muito embora a amostra tenham sido constituída por um processo de amostragem não probabilístico, esta apresentou características indiciadoras de inserção comunitária, na medida em que a maioria dos participantes frequentava o sistema de ensino, detinha graus de escolaridade globalmente ajustados à sua média de idades e encontrava-se inserido no seu seio familiar. Medidas A atividade delinquente dos jovens foi medida através do Inventário de Comportamentos Antissociais Juvenis (CAS-J; Braga & Gonçalves, 2010). O CAS-J é composto por três secções. A primeira visa a recolha de dados sociodemográficos (e.g., género, idade, escolaridade) e a segunda inclui vários comportamentos antissociais, incluindo atos criminais (e.g., agressão verbal, furto, roubo) e de violação de normas (e.g., desobediência, absentismo, fuga de casa) de diferente gravidade. A terceira secção afere eventuais consequências decorrentes da prática dos atos e com que elementos da sociedade é que estas tiveram lugar (e.g., pais, professores, polícia). Na segunda e principal secção do inventário, os sujeitos são questionados acerca da sua participação em 30 comportamentos antissociais distintos. Para 1
Este número sobre representa o intervalo etário dos participantes do presente estudo, pois refere-se à população residente em Portugal em 2010 com idades compreendidas entre os 0 aos 24 anos. À data, não estavam disponíveis dados estatísticos pormenorizados relativos a jovens dos 12 aos 24 anos.
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cada comportamento do CAS-J, solicita-se aos respondentes que assinalem a frequência com que o perpetraram durante o ano transato, numa escala de Likert de 5 pontos (nunca, 1 única vez, 2 a 5 vezes, 6 a 10 vezes, mais de 10 vezes), e outro(s) intervalo(s) etário(s) em que o perpetraram, caso alguma vez o tenham praticado (antes dos 10 anos, 10 aos 12 anos, 13 aos 15 anos, 16 aos 18 anos, depois dos 18 anos). No presente estudo, considerou-se apenas os 23 atos antissociais com enquadramento legal penal em Portugal. Assim, as 23 questões de frequência de perpetração examinadas revelaram, no seu conjunto, um alfa de Cronbach total de .77, o que representa uma boa consistência interna (cf. Field, 2005). Tratando-se de um inventário de comportamentos, o alfa obtido é superior ao que seria teoricamente esperado (cf., Huizinga & Elliott, 1999), mas condizente aos alfas encontrados noutras medidas de autorrelato de atos delinquentes (e.g., Connell, Cook, Aklin, Vanderploeg, & Brex, 2011; Savoie, 2007; Windle, 2000). Na análise da sensibilidade do inventário verificou-se uma reduzida variância em certas questões de frequência e uma distribuição enviesada e não normativa de respostas, com maior incidência em respostas de ausência ou baixa frequência de perpetração, particularmente nos itens que caracterizavam comportamentos criminais mais graves (e.g. roubo, violação, furto de veículo). Estes problemas foram de resto expectáveis, uma vez que o questionário foi administrado junto de uma amostra comunitária. Atendendo ao nosso objetivo de caracterização, optámos pela não exclusão desses itens do inventário. Procedimentos de recolha de dados Uma vez construído o inventário de recolha de dados em formato de preenchimento de papel e lápis, desenvolveu-se um formulário web equivalente àquele, conservando o seu conteúdo, organização e o mais possível características gráficas, de modo a proceder à recolha de dados via internet. Como meios de divulgação da versão web do CAS-J, elegemos o correio eletrónico e uma rede social popular entre os jovens portugueses - Facebook. No caso desta última, realizámos uma busca extensiva de estabelecimentos de ensino básico e secundário de várias regiões portuguesas com páginas comunitárias disponíveis na rede, no sentido de publicar a hiperligação para o questionário e explicar sumariamente os seus propósitos e condições de preenchimento (e.g., enquadramento num estudo científico nacional acerca de comportamentos juvenis, idade da população-alvo, obrigatoriedade de residência em Portugal, caráter anónimo). Estes aspetos foram novamente abordados e detalhados na primeira página do formulário web, a par dos limites de confidencialidade dos dados e do consentimento de participação pelo jovem e/ou tutor legal. A recolha de dados decorreu entre maio a outubro de 2011. Durante esse período, 1068 sujeitos acederam à página web e foi apurada uma taxa de resposta global de 73.3%. Ou seja, apenas 286 dos visitantes decidiram pelo não preenchimento do CAS-J. Em relação aos jovens que o completaram, estes
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permaneceram na página web, em média, 6 minutos e 17 segundos. À medida que os participantes submetiam o questionário, as suas respostas eram automaticamente codificadas e transmitidas para um servidor e organizadas numa folha de cálculo do Microsoft Office Excel®. Os dados foram posteriormente exportados para o Statistical Package for Social Sciences® versão 19.0 (IBM® SPSS) para Windows. Procedimentos de análise e estatísticos Dados os focos desta investigação foram criadas variáveis adicionais que refletissem a prevalência e o número total de atos cometidos. Deste modo, os 5 pontos de frequência de perpetração de cada comportamento do CAS-J foram recodificados em 0 (não perpetrou), se a resposta do sujeito fosse nunca, ou 1 (perpetrou), caso o sujeito assinalasse outra opção de resposta (1 única vez, 2 a 5 vezes, 6 a 10 vezes ou mais de 10 vezes). Este processo de recodificação dos diferentes itens de frequência em variáveis dicotómicas permitiu aceder à prevalência anual de cada comportamento. Relativamente ao número total de atos praticados, adotámos uma estimativa conservadora: para todos os atos, recodificou-se cada um dos 5 pontos de frequência de prática no valor do seu limite inferior (nunca = 0, 1 única vez = 1, 2 a 5 vezes = 2, 6 a 10 vezes = 6, mais de 10 vezes = 11), procedendose posteriormente à sua adição. Na análise dos resultados e sempre que tal fosse analiticamente exequível e teoricamente relevante, optámos ainda pelo agrupamento dos comportamentos em índices totais e globalmente de acordo com os subtipos comportamentais – Aberto e Coberto - e correspondentes estádios de gravidade propostos por Loeber e colaboradores (1993; 1999). De acordo com estes autores, os atos abertos caracterizam-se pela confrontação a terceiros e desenvolvem-se segundo uma sequência ordenada de estádios comportamentais de menor a maior gravidade: a agressividade verbal, a agressão física e a violência. Os atos cobertos, por sua vez, caracterizam-se pela ocultação ao invés da confrontação, englobando igualmente estádios de comportamentos de diferente gravidade: menores, dano a propriedade, moderados e graves. A aglomeração dos comportamentos envolveu operações complementares de adição. Para cumprir os diferentes objetivos de caracterização utilizou-se estatística descritiva e para a análise das relações entre o género e indicadores recorreu-se a estatística inferencial. Os tamanhos dos efeitos, bem como o poder estatístico foram calculados para os testes de estatística inferencial e interpretados de acordo com as convenções apresentadas por Cohen (1992).
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Resultados Caracterização dos indicadores do comportamento delinquente juvenil Prevalência Em termos totais, a maioria dos jovens (65.5%) admitiu a prática de pelo menos um comportamento delinquente no ano transato ao preenchimento do questionário. Se atendermos aos diferentes subtipos de comportamentos, verificámos que os atos abertos foram os mais praticados pelos participantes, relatados por 55.0% dos participantes, seguidos dos comportamentos cobertos, com uma taxa de prevalência de 37.9%. Considerando especificamente o subtipo comportamental Aberto, evidenciou-se desde logo uma elevada disparidade entre os valores de prevalência obtidos. Enquanto atos menos graves atingiram proporções elevadas e por vezes maioritárias na amostra, poucos foram os participantes que referiram a prática de comportamentos caracterizados pela sua maior gravidade. Assim, os atos de agressividade verbal foram admitidos, no seu conjunto, por 53.1% dos jovens, 18.9% dos participantes reportou ter agredido fisicamente alguém e o estádio constituído por comportamentos de violência registou uma percentagem de apenas 3.7%. No mesmo sentido, verificámos que os comportamentos de “chamar nomes/insultar/ofender alguém” e o “gozar/arreliar alguém” foram relatados por uma elevada proporção de participantes (43.3% e 34.8%, respetivamente), enquanto atos graves, tais como o roubo e a violação/abuso sexual, se situaram no extremo oposto de prevalência, não ultrapassado os 0.5% (cf. Tabela 1). Tabela 1. Prevalência de estádios e comportamentos abertos Ano
Estádios e comportamentos
(1)
n (1)
%
Agressividade Verbal
344
53.1
Chamar nomes, insultar / ofender alguém.
288
43.3
Gozar / arreliar alguém.
231
34.8
Ameaçar alguém.
90
13.5
Agressão Física
126
18.9
Bater em alguém.
98
14.6
Andar à luta / bulha.
85
12.6
Andar à luta / bulha entre grupos / bairros.
17
2.5
Violência
25
3.7
Atacar fisicamente alguém, magoando-a muito.
24
3.6
Ameaçar, usar uma arma / força contra alguém para conseguir roubar.
2
0.3
Obrigar alguém a ter relações sexuais. 1 0.1 Verificaram-se oscilações no total de participantes devido à presença de missings nas variáveis, tendo-
se optado pela apresentação das percentagens válidas para melhor interpretabilidade dos resultados.
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Delinquência juvenil: da caracterização à intervenção, pp. 95-116
No que concerne a prevalência do subtipo comportamental Coberto, salientou-se um padrão de perpetração similar: de um modo geral, denotou-se um decréscimo de prevalência dos comportamentos à medida que aumentava a sua gravidade. Este decréscimo foi particularmente visível quando contrastámos o conjunto de atos de menor gravidade, referidos por 25.9% dos jovens, com os restantes estádios de comportamentos, com taxas de participação entre os 8.2% a 12.3%. Adicionalmente, o furto em loja distinguiu-se pela sua preponderância (21.2%) e o uso ilegal de cartão de crédito ou cheque, furto de veículo e de objeto(s) guardado(s) dentro daqueles destacaram-se pelos seus valores reduzidos, sempre inferiores a 2% (cf. Tabela 2). Tabela 2. Prevalência de estádios e comportamentos cobertos Estádios e comportamentos
Ano n (1)
%
Menores
173
25.9
Roubar algo de uma loja.
143
21.2
Conduzir um veículo a motor sem carta / licença de condução.
54
8.1
Dano a Propriedade
72
10.8
Estragar de propósito algo muito valioso / de uso público que não lhe pertence.
51
7.6
Estragar de propósito algo pouco valioso que não lhe pertence.
40
6.0
Pegar fogo(s) de propósito.
7
1.0
Moderados
83
12.3
Roubar algo a alguém sem que ele/a se apercebesse na altura.
47
7.0
Guardar, comprar / vender algo sabendo que era roubado.
30
4.4
Conduzir um veículo sem autorização do dono.
18
2.7
Usar cartão de crédito / cheque de forma ilegal.
6
0.9
Roubar algo que estava dentro de um veículo.
2
0.3
Graves
55
8.2
Entrar à força / sem autorização do dono em lugar fechado ao público.
38
5.6
Entrar à força / sem autorização do dono numa casa.
21
3.1
Vender droga.
10
1.5
Roubar um veículo. 3 0.4 (1) Verificaram-se oscilações no total de participantes devido à presença de missings nas variáveis, tendo-se optado pela apresentação das percentagens válidas para melhor interpretabilidade dos resultados.
Frequência Na análise da frequência de perpetração entre os participantes que admitiram a prática de pelo menos um comportamento delinquente considerámos apenas atos específicos, uma vez que o seu agrupamento em índices globais refletiria
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igualmente o número distinto de comportamentos que os jovens adotaram – a versatilidade de perpetração. Ainda assim, na apresentação dos resultados de frequência optámos por conservar a organização por subtipos comportamentais. Valores medianos de 1 representam a segunda opção de mensuração do inventário, 1 única vez, os de 2 indicam a prática entre 2 a 5 vezes, os de 3 referemse à opção 6 a 10 vezes e por fim, os valores medianos de 4 caracterizam a prática de mais de 10 vezes. Assim, no que concerne a frequência de atos abertos constatou-se, de um modo geral, uma tendência decrescente em função do aumento da gravidade dos atos. Neste sentido, os comportamentos “chamar nomes/insultar/ofender alguém” e o “gozar/arreliar alguém” registaram uma frequência mediana de 4, mais de 10 vezes, enquanto os restantes atos foram praticados com uma frequência mediana de 2, 2 a 5 vezes. Adicionalmente, a análise da distribuição dos jovens pelos quartis revelou que no ato de ameaçar, bater e lutar até 75% dos jovens admitiram a sua perpetração entre 6 a 10 vezes (Q75 = 3), enquanto para comportamentos mais graves, tais como a luta entre grupos/bairros, o atacar fisicamente alguém causando dano severo e o roubo, esse quartil situou-se numa opção de frequência inferior, 2 a 5 vezes (Q75 = 2). Como exceção a esta relação tendencialmente inversa, identificámos a violação/abuso sexual, perpetrada entre seis a mais de 10 vezes pelos dois jovens que admitiram esta ofensa no preenchimento do inventário. Observando a frequência de perpetração dos diferentes comportamentos cobertos, destacou-se desde logo o tráfico de estupefacientes pela sua frequência mediana superior (Med = 3, Q25 = 1.5 e Q75 = 4). Dos 21 jovens que admitiram a sua perpetração, 42.9% relataram uma frequência de prática de mais de 10 vezes no período de referência anual. O furto registou igualmente uma elevação comparativamente aos restantes atos (Med = 2.5, Q25 = 2 e Q75 = 3.25). Com menor frequência, encontrámos os comportamentos cobertos moderados de furto de uso de veículo, furto de algo dentro de um veículo, uso ilegal de cartão de crédito/ cheque e o ato grave de violação de domicílio, praticados com uma mediana de 1 e 1.5. Número total de atos e identificação de ofensores crónicos Na análise do número total de atos não adotámos a divisão por subtipos comportamentais, mas antes aglomerámos os comportamentos em índices representativos do total de atos e de atos criminais mais graves. O total englobou os 23 comportamentos comtemplados no presente estudo e na constituição do índice de atos criminais mais graves excluímos os comportamentos de agressividade verbal do subtipo Aberto e os atos de menor gravidade do subtipo Coberto, resultando numa aglomeração de 18 comportamentos. Assim, os participantes do estudo admitiram a prática de 6224 crimes no ano transato à sua inquirição. O número de atos perpetrados decresceu para
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menos de metade quando considerámos apenas os atos criminais mais graves, tendo sido praticados 1764 crimes em 2010/2011 pelos jovens da amostra. Neste âmbito, interessou-nos igualmente perceber o contributo dos jovens para os totais apurados e se seria possível identificar ofensores crónicos na nossa amostra. Para tal, adotamos a definição de Farrington e colaboradores (2003) que classifica ofensores crónicos como aqueles, que pela sua elevada frequência de perpetração, são responsáveis por cerca de metade de todas as ofensas. Neste sentido, verificámos que 67 jovens (10.84% do total da amostra e 16.54% do total de ofensores) tinham perpetrado cerca de metade de todos os atos delinquentes e 27 (4.14% do total da amostra e 13.57% do total de ofensores) foram responsáveis por 911 ofensas criminais mais graves. Indicadores do comportamento delinquente juvenil e género Prevalência e género Considerando a prevalência total separadamente para cada género, verificámos que os elementos do género masculino exibiram uma taxa de participação significativamente mais elevada do que os do género feminino (χ2(1) = 11.57, p < .01). No mesmo sentido, o género dos participantes associou-se significativamente à perpetração de pelo menos um ato aberto (χ2(1) = 19.70, p < .001) e de pelo menos um ato coberto (χ2(1) = 9.55, p < .01). Mais especificamente, foram sobretudo os elementos do género masculino que reportaram a sua prática, apresentando respetivamente 2.34 e 1.74 vezes mais probabilidade de se envolver nesses tipos de atos do que as mulheres. No estudo pormenorizado do subtipo Aberto registaram-se associações significativas em todas as análises efetuadas, sendo notório o maior envolvimento de jovens do género masculino relativamente aos participantes do género feminino. Adicionalmente, pudemos verificar que associações significativas registadas assumiram magnitudes mais elevadas nos atos usualmente considerados mais graves. Assim, os homens manifestaram 9.52 vezes mais probabilidade do que a mulheres de praticaram pelo menos um ato de violência e o rácio de participação nesse índice foi de 8.6 homens por cada mulher perpetradora. Já a probabilidade de elementos do género masculino se envolverem em comportamentos abertos menos graves, tais como os de agressividade verbal, comparativamente aos participantes femininos, foi de apenas 2.19. Nesse caso, o rácio de participação masculino:feminino foi de 1.4 homens por cada mulher. Na Tabela 3, são apresentados os resultados das associações entre o género dos jovens e a sua participação em estádios e comportamentos de natureza aberta.
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Agressividade Verbal
OR
χ²(1) (2)
Estádios e comportamentos
Mulheres (n = 495)
Homens (n = 181)
Tabela 3. Prevalência de estádios e comportamentos abertos em função do género
n(1)
%
n(1)
%
112
67.1
232
48.2
17.65***
2.19
Chamar nomes, insultar/ofender alguém.
96
54.5
192
39.3
12.31***
1.86
Gozar/arreliar alguém.
89
50.9
142
29.0
27.04***
2.53
Ameaçar alguém.
39
22.2
51
10.3
15.55***
2.47
Agressão Física
58
32.8
68
13.8
30.43***
3.03
Bater em alguém.
44
24.6
54
11.0
19.48***
2.64
Andar à luta/bulha.
42
23.5
43
8.7
25.94***
3.22
Andar à luta/bulha entre grupos/bairros.
12
6.6
5
1.0
-
-
Violência
19
10.5
6
1.2
31.92***
9.52
Atacar fisicamente alguém, magoando-a muito.
18
9.9
6
1.2
29.44***
8.98
Obrigar alguém a ter relações sexuais.
1
0.6
1
0.2
-
-
1
0.6
-
-
-
-
Ameaçar, usar uma arma/força contra alguém para conseguir roubar. ***p < .001 (1)
Verificaram-se oscilações no total de participantes devido à presença de missings nas variáveis, tendo-se optado pela apresentação das percentagens válidas para melhor interpretabilidade dos
(2)
Não se apresentaram os resultados das associações quando mais de 20% das células tinham uma frequência esperada inferior a 5.
resultados.
Relativamente à prevalência de comportamentos cobertos em função do género, observou-se novamente uma predominância de elementos masculinos comparativamente aos femininos na esmagadora maioria dos comportamentos avaliados. As associações entre o género masculino e a perpetração atingiram valores significativos em todas as análises efetuadas, excetuando a que apreciou o furto em loja (χ2(1) = 3.30, ns). Neste subtipo, destacaram-se o conjunto de atos dano a propriedade e os de maior gravidade pelos homens apresentarem cerca de 3 vezes mais probabilidade de envolvimento do que as mulheres (cf. Tabela 4), redundando em rácios de participação masculino / feminino de aproximadamente 2.6:1.
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χ²(1) (2)
OR
Homens (n =181)
Mulheres (n = 495)
Tabela 4. Prevalência de estádios e comportamentos cobertos em função do género
60
33.7
113
23.0
7.79**
1.70
Conduzir um veículo a motor sem carta/licença de 53 condução.
29.3
90
18.2
9.71**
1.86
Roubar algo de uma loja.
20
11.2
34
6.9
3.30
-
Dano a Propriedade
35
19.6
37
7.6
19.58*** 2.97
Estragar de propósito algo muito valioso/de uso público 22 que não lhe pertence.
12.2
29
5.9
7.36**
Estragar de propósito algo pouco valioso que não lhe pertence.
23
12.8
17
3.4
20.73*** 4.13
Pegar fogo(s) de propósito.
6
3.3
1
0.2
-
-
Moderados
Estádios e comportamentos
Menores
n (1)
%
n (1)
%
2.20
34
18.9
49
9.9
9.89**
2.12
Guardar, comprar/vender algo sabendo que era roubado. 19
10.5
28
5.7
4.80*
1.96
Roubar algo a alguém sem que ele/a se apercebesse na 17 altura.
9.4
13
2.6
14.83*** 3.84
Conduzir/utilizar um veículo sem autorização do dono. 11
6.1
7
1.4
-
-
Usar cartão de crédito/cheque de forma ilegal.
1
0.6
5
1.0
-
-
Roubar algo que estava dentro de um veículo.
1
0.6
1
0.2
-
-
Graves
27
15.2
28
5.7
15.58*** 2.96
Entrar à força/sem autorização do dono em lugar 20 fechado ao público.
11.1
18
3.6
13.88*** 3.31
Vender droga.
12
6.7
9
1.8
10.26**
3.85
Entrar à força/sem autorização do dono numa casa.
3
1.7
7
1.4
-
-
2
1.1
1
0.2
-
-
Roubar um veículo. * p < .05; **p < .01; ***p < .001 (1)
Verificaram-se oscilações no total de participantes devido à presença de missings nas variáveis, tendo-se optado pela apresentação das percentagens válidas para melhor interpretabilidade dos resultados.
(2)
Não se apresentaram os resultados das associações quando mais de 20% das células tinham uma frequência esperada inferior a 5.
Frequência e género Quando se aferiu o efeito do género na frequência com que os atos abertos foram praticados pudemos concluir que, genericamente, rapazes e raparigas perpetradores não se diferenciavam significativamente entre si. A esta ausência de diferenças entre os géneros foram exceções os atos de “chamar nomes/ insultar/ofender alguém” (Z = - 3.78, p < .001) e o “gozar/arreliar alguém” (Z =
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- 2.71, p < .01), nos quais os homens admitiram uma perpetração mais frequente comparativamente às mulheres. As magnitudes dos efeitos dessas diferenças afiguraram-se reduzidas a moderadas. No que concerne aos comportamentos cobertos foi igualmente saliente a tendência para homens e mulheres não se distinguiram significativamente entre si. Neste subtipo comportamental, apenas se encontraram diferenças significativas entre os géneros na frequência de ocorrência da condução sem habilitação legal (Z = - 4.17, p < .001) e no furto de uso de veículo (Z = - 2.35, p < .05), tendo sido os elementos masculinos a reportar frequências mais elevadas. Essas diferenças ostentaram magnitudes moderadas a elevadas. Discussão O presente estudo revelou que a maioria dos jovens perpetrou pelo menos um comportamento antissocial no ano transato ao inquérito (2010/2011). Mais concretamente, em termos totais apurou-se a percentagem de 65.5%, valor que indicia que os comportamentos antissociais encontram-se largamente disseminados entre os jovens portugueses. No entanto, da observação dos distintos subtipos e comportamentos é possível concluir que são os atos de menor gravidade que contribuem substancialmente para a elevada prevalência encontrada. Os comportamentos abertos de insultar e gozar e o comportamento coberto de furto em loja registaram valores expressivos, oscilando entre 21.2 a 43.3%. Já atos de violência contra as pessoas e atos cobertos moderados a graves situaram-se no extremo oposto de valores. O roubo, a violação/abuso sexual, o uso ilegal de cartão de crédito ou cheque, o furto de veículo e de objetos guardados dentro daqueles apresentaram prevalências sempre inferiores a 2%. Assim, embora se tenham comprovado que uma proporção substancial de jovens perpetre atos antissociais, parece que apenas um número reduzido se envolve em ofensas de maior gravidade, o que de resto se coaduna com a literatura acerca da antissocialidade juvenil (e.g., Farrington et al., 2006; Gersão & Lisboa, 1994; Huizinga et al., 2003; MORI, 2010; Rechea & Bartolomé, 2010; Roe & Ashe, 2008). Adicionalmente, os resultados de prevalência encontrados vão ao encontro do Modelo de Percursos Desenvolvimentais apresentado por Loeber e colaboradores (1993), pelo menos no que concerne a sua premissa de que o número de perpetradores diminui à medida que se envereda pelos percursos de antissocialidade, passando a estádios comportamentais de acrescida gravidade. Efetivamente, as nossas análises revelaram, em geral, uma relação tendencialmente negativa entre a participação e a gravidade dos estádios de comportamentos. Consideramos, contudo, que os atos delinquentes “menos graves” não devem ser minimizados. O Modelo de Percursos Desenvolvimentais (Loeber et al., 1993) prevê identicamente que a perpetração de atos abertos de agressividade
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verbal e/ou de cobertos de menor gravidade pode constituir o primeiro passo em direção à delinquência grave, pressuposto que têm vindo a acumular suporte empírico ao longo das últimas décadas (e.g., Gorman-Smith & Loeber, 2005; Loeber, Keenan, & Zhang, 1997; Tolan, Gorman-Smith, & Loeber, 2000). Também Moffitt (1993) alerta para o efeito cumulativo das consequências de atos criminais nos próprios ofensores: um registo criminal precoce ou simplesmente uma “má” reputação podem limitar as oportunidades de sucesso na idade adulta e patrocinar a continuidade de comportamentos antissociais. Não é de descurar igualmente o potencial dano que as agressões verbais acarretam para as vítimas. O impacto da vitimação não depende somente da gravidade da ofensa, mas também de características da própria vítima, tais como as suas experiências prévias e rede social de suporte (Machado & Gonçalves, 2002). Assim, interessa intervir de modo a prevenir o aparecimento desses atos “menos graves” e a sua continuidade homo e heterotípica. Em termos de valores de prevalência per si não foi expectável encontrar correspondência absoluta entre os nossos dados e os de outros estudos, uma vez que estes podem variar substancialmente em função de opções metodológicas. De facto, relativamente à literatura nacional examinada, registamos taxas de prevalência globalmente superiores às apuradas por Mendes e Carvalho (2010), no âmbito do ISRD 2. Maior paridade, no entanto, foi encontrada com a primeira edição do mesmo estudo conduzido por Gersão e Lisboa (1994), o que aliás parece relacionar-se com a maior uniformidade no intervalo etário eleito: Gersão e Lisboa (1994) avaliaram jovens dos 14 aos 21 anos de idade; no presente estudo elegeu-se igualmente um intervalo etário vasto, dos 12 aos 24 anos; já Mendes e Carvalho (2010) limitaram as suas análises a participantes do 7º ao 9º ano de escolaridade, ou seja, sobretudo a adolescentes dos 12 aos 15 anos de idade. Ainda assim, acreditamos que os valores de prevalência aferidos no presente estudo possam estar subestimados, atendendo à distribuição enviesada das características sociodemográficas da amostra. Evidencia-se desde logo o facto de os participantes apresentarem um valor médio de idades situado já no início da idade adulta. Esse período tem sido caracterizado por uma diminuição de participação em atos antissociais (e.g., Huizinga et al., 2003; Kelley, Huizinga, Thornberry, & Loeber, 1997; Loeber et al., 2003). Adicionalmente, registou-se uma distribuição marcadamente desigual ao nível do género dos participantes, sendo a maioria do género feminino. Os resultados da literatura (e.g., MORI, 2010, Rechea & Bartolomé, 2010; Roe & Ashe, 2008; Terlouw & Bruinsma, 1994), bem como os do presente estudo demonstraram uma associação entre o género masculino e a prática da maioria dos atos antissociais, o que nos leva a considerar que os valores de prevalência seriam superiores caso avaliássemos uma amostra mais equilibrada em termos de géneros. Por fim, salienta-se que apenas 5.7% dos jovens do estudo residia na zona de Lisboa e Vale do Tejo. Estatísticas oficiais nacionais revelaram que no ano de 2009, cerca de 45% dos jovens com medidas tutelares educativas na comunidade eram acompanhados pela delegação regional de Lisboa da Direção-
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Geral de Reinserção Social e aproximadamente 65% daqueles internados em centros educativos eram oriundos de concelhos de Lisboa e Vale Tejo (DSEP, 2009). Contudo, importa assinalar que estes dados podem ser sobretudo reflexo da maior densidade populacional dessa região do país. Ainda assim, as análises de Mendes e Carvalho (2010) demonstraram que existe, genericamente, uma incidência ligeiramente superior de ofensores juvenis na área metropolitana de Lisboa. Na observação da frequência de perpetração de ofensores ativos, os nossos resultados, à semelhança dos da generalidade dos estudos internacionais (e.g., MORI, 2010; Roe & Ashe, 2008; Wikström, 2003; Wilson, Sharp, & Patterson, 2006), sugerem que a maioria dos comportamentos antissociais é praticada de modo pouco frequente. De facto, verificámos que 17 dos 23 comportamentos analisados foram perpetrados com uma frequência entre uma a cinco vezes. Foram sobretudo os atos abertos de insultar e gozar que registaram frequências superiores (mais de 10 vezes). Aliás, a análise da frequência de perpetração indiciou, tal como encontrado por outros investigadores (e.g., Junger-Tas, Steketee, & Moll, 2010), uma relação tendencialmente negativa entre a frequência e a gravidade dos comportamentos. Como exceção, identificámos o tráfico de estupefacientes e a violação/abuso sexual, que apresentaram valores medianos elevados, apesar da gravidade que os caracteriza. Em nosso entender, as frequências expressivas encontradas para essas duas ofensas poderão estar relacionadas com as especificidades das mesmas. O tráfico de estupefacientes emerge algumas vezes pela necessidade de manutenção do consumo do próprio traficante (Agra, 1998), pelo que muito provavelmente terá um caracter reiterado e frequente. Se tal não for o caso, um adolescente ocupará, em princípio, uma posição de revendedor de rua e fará várias transações, mesmo que se dedique ao tráfico num curto período da sua vida (Mendes, 1996). A elevada frequência de perpetração do tráfico de estupefacientes tem sido, de resto, encontrado em outros estudos (e.g., Barberet et al., 1994, Roe & Ashe, 2008; Wilson et al., 2006). Quanto aos crimes sexuais, a literatura tem assinalado que estes são sobretudo perpetrados por conhecidos da vítima, inclusivamente parceiros íntimos daquela (e.g., Allison & Wrightsman, 1993; Rocha & Vieira, 1990). Ora, os participantes que admitiram essa ofensa no presente estudo podem efetivamente ter mantido relações de proximidade com as vítimas e assim usufruírem de maior oportunidade para a reiteração desse crime. Perante estes resultados, particular atenção deve ser dada pelas entidades judiciais aos perpetradores do tráfico de estupefacientes e da violação/abuso sexual, no sentido de prevenir a sua reincidência. Apesar de se concluir globalmente pela reduzida frequência de perpetração, consideramos uma vez mais que os atos antissociais cometidos pelos jovens não devem ser negligenciados. Mesmo que os jovens pratiquem os comportamentos de modo pouco frequente, tal poderá redundar numa quantidade volumosa de atos. De facto, as nossas análises revelaram que os participantes foram responsáveis por 6224 atos delinquentes no ano transato ao inquérito. Esse valor decresceu para 1764 no índice representativo de comportamentos criminais de maior gravidade.
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Ainda assim, é inquietante a abundância de crimes perpetrados na juventude. Relembramos que para o cálculo do número total de comportamentos optámos por uma estimativa claramente conservadora. Neste âmbito, interessou-nos igualmente perceber o contributo dos jovens para o número total de atos praticados e se seria possível identificar na nossa amostra o que Farrington e colaboradores (2003) designam de ofensores crónicos – aqueles, que pela sua elevada incidência de prática, são responsáveis por cerca de metade de todas as ofensas. Assim, em termos globais verificámos que 10.84% praticou aproximadamente metade dos atos com enquadramento legal penal e 4.14% foram responsáveis por 911 comportamentos criminais mais graves. Este último valor comprova o que foi encontrado em investigações internacionais que analisaram identicamente o autorrelato de atos de alguma gravidade (Hawkins et al., 2003) ou registos oficiais criminais que, em princípio, captam comportamentos mais graves (Wolfgang, Figlio, & Sellin, 1972, como citado em Piquero et al., 2003). As implicações práticas da identificação de ofensores crónicos são evidentes: a sinalização e a reabilitação bem-sucedida desse pequeno grupo de ofensores podem reduzir substancialmente a atividade criminal, pelo que se deve investir nesse sentido. Alertamos, no entanto, para os potenciais perigos da estigmatização e da identificação falaciosa desse grupo. A literatura internacional tem-se defrontado com taxas elevadas de falsos positivos (cf. Piquero et al., 2003). No presente estudo, o género dos participantes associou-se significativamente a todos os índices globais de prevalência considerados, tendo sido sobretudo os jovens masculinos a reportar a prática de atos delinquentes. Assim, os homens apresentaram 1.74 vezes mais probabilidade de se envolverem em atos cobertos e 2.34 vezes mais de probabilidade de praticaram pelo menos um comportamento aberto comparativamente às mulheres. Concomitantemente, na observação detalhada desses índices comportamentais, o género masculino associou-se significativamente à prevalência individual da esmagadora maioria dos atos, tendo-se evidenciado uma relação tendencialmente positiva entre as magnitudes dos efeitos dessas associações e a gravidade dos atos. Os participantes masculinos registaram cerca de 10 vezes mais probabilidade do que as mulheres de perpetrar comportamentos de violência no ano transato ao inquérito, ao passo que nos atos de agressividade verbal esse valor não ultrapassou os 2.19. No mesmo sentido, salientaram-se os comportamentos cobertos de acrescida gravidade (e.g., introdução em lugar vedado ao pública, tráfico de estupefacientes) e os de dano a património (e.g., dano, fogo posto) em relação àqueles usualmente considerados menos graves, pelos homens apresentarem probabilidades globalmente mais expressivas de os praticar. Apenas não se verificou uma associação significativa entre o género e a prevalência do furto em loja, o que de resto tem vindo a ser documentado pela literatura internacional (e.g., Rechea & Bartolomé, 2010; Roe & Ashe, 2008; Savoie, 2007; Terlouw & Bruinsma, 1994). Acreditámos que a maior paridade entre os géneros na perpetração desse comportamento poderá estar relacionada com a sua natureza encoberta e quiçá com a sua vulgarização pelos jovens, características que,
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de acordo com as abordagens que preconizam os papéis de género na explicação da antissocialidade feminina, encontram maior conformidade com o papel social da mulher comparativamente às de atos que envolvem a agressividade e maior ilicitude aos olhos da sociedade. Segundo estas perspetivas, as mulheres são socializadas para agir em conformidade com certas características, tais como a passividade, a dependência e a dedicação a terceiros, ao passo que aos homens é-lhes incutido maior agressividade, confiança e independência (cf. Lanctôt & Le Blanc, 2002). Os efeitos globalmente mais expressivos registados nas relações entre o género masculino e a prática de atos de maior gravidade, poderão igualmente ser interpretados à luz dos papéis sociais de género e das diferenças nos processos de socialização. O efeito do género na frequência de perpetração não se revelou tão evidente como o apurado na análise da prevalência: apenas se encontraram diferenças significativas entre homens e mulheres nos comportamentos de insultar, gozar, conduzir um veículo sem habilitação legal e no furto de uso de veículo. Ainda assim, foram igualmente os participantes do género masculino que reportaram frequências superiores nesses comportamentos. Consideramos, contudo, que estes dados requerem uma interpretação cuidadosa, atendendo ao facto das análises que incidem somente em ofensores ativos poderem pautar-se por menor poder estatístico devido à dimensão geralmente mais reduzida desse grupo de participantes. De facto, a literatura neste âmbito têm evidenciando resultados contraditórios: alguns trabalhos têm evidenciado diferenças entre homens e mulheres a esse nível (e.g., Kelley et al., 1997; Roe & Ashe, 2008; Savoie, 2007), enquanto outros têm concluído pela sua inexistência (e.g., MORI, 2009; Rechea & Bartolomé, 2010). Assim, ao examinar o poder das nossas análises2 verificámos que 14 dos 18 testes que registaram a ausência de um efeito significativo caracterizaramse por um poder estatístico inferior a 80%. Neste sentido, os géneros não se distinguiram na frequência com que ameaçaram e agrediram fisicamente alguém, envolveram-se numa luta física e estragaram de propósito algo muito valioso ou de uso público que não lhes pertenciam e apenas estas ausências de diferenças podem ser concluídas com um grau de certeza de pelo menos 80%. Em síntese e embora se tenham verificado que perpetração de atos delinquentes é de um modo geral mais comum entre elementos do género masculino, é certo que as mulheres, quando se envolvem, perpetram pelo menos alguns crimes de modo tão frequente como os homens, pelo que também a delinquência feminina deve ser alvo de preocupação. Reflexões Finais O presente estudo pretendeu aumentar o conhecimento referente à delinquência juvenil em Portugal, ultrapassando alguns dos problemas gerados 2
No cálculo do poder estatístico dos testes que incidiram sobre as relações entre o género e a frequência considerámos sempre os tamanhos de efeitos encontrados para as relações entre essa mesma variável e as prevalências.
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pela sua análise sobretudo a partir de dados oficiais. Importa referir contudo as limitações que encerrou. Uma primeira limitação relaciona-se com a amostra utilizada. Trata-se de uma amostra não representativa, recolhida através de procedimentos não probabilísticos, pelo que os resultados que dela derivam não podem aplicar-se a toda a população juvenil portuguesa. No mesmo sentido, evidenciou-se uma distribuição claramente enviesada das características sociodemográficas dos participantes, o que muito provavelmente influenciou os resultados de caracterização apurados. Ainda assim, encontrámos alguma paridade com os dados de prevalência de uma amostra representativa do contexto nacional (Gersão & Lisboa, 1994). Outra limitação prende-se com o facto de o envolvimento em atos antissociais ser apenas avaliado através do autorrelato dos participantes. Esta medida poderá, por um lado, redundar na subestimação da antissocialidade e, por outro, gerar relatos de eventos antissociais que, em boa verdade, não o são. A evocação de eventos passados subjacente ao autorrelato poderá ser influenciada por fatores mnésicas, tal como o esquecimento e a telescopia temporal. Do mesmo modo, os questionários de autorrelato podem conduzir a equívocos de classificação pelos participantes devido a operacionalizações pouco claras dos comportamentos. Apesar das limitações descritas, consideramos que os resultados do presente estudo realçam a importância da caracterização dos indicadores de manifestação da delinquência juvenil, tanto para a compreensão como para a intervenção eficaz neste fenómeno. Interessa futuramente a sua caraterização contínua, no sentido de melhor informar as nossas políticas de segurança e possibilitar a sua irradicação ou pelo menos a sua redução e prevenir a progressão deste fenómeno para a idade adulta. Referências Agra, C. (1998). Entre droga e crime: Actores, espaços, trajectórias. Lisboa: Editorial Notícias. Allison, J., & Wrightsman, L. (1993). Rape: The Misunderstood Crime. Newbury Park: SAGE Publications. Barberet, R., Rechea-Alberola, C., & Montañés-Rodríguez, J. (1994). Self-reported juvenile delinquency in Spain. In J. Junger-Tas, G. J. Terlouw, & M. W. Klein (eds.), Delinquent behaviour among young people in the western world: First results of the International Self-report Delinquency Study (pp. 238-266). Amsterdam: Kugler Publications. Cohen, J. (1992). A power primer. Psychological Bulletim, 112(1), 155-159. Connell, C. M., Cook, E. C., Aklin, W. M., Vanderploeg, J. J., & Brex, R. A. (2011). Risk and protective factors associated with patterns of antisocial behavior among nonmetropolitan adolescents. Aggressive Behavior, 37, 98–106, doi:
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Perturbações do Comportamento na Infância e Adolescência: Uma Revisão da Literatura Behavior Disorders in Children and Adolescents: A Literature Review Anabela Rosa Amaral Rosando
E-mail: anabela.rosando@gmail.com
Resumo: O presente trabalho procurou efetuar uma revisão da literatura existente sobre a Perturbação do Comportamento, na infância e na adolescência. Os artigos consultados permitiram identificar as principais características de comportamento, os critérios e medidas para o diagnóstico, as condicionantes genéticas e ambientais que parecem estar na origem do mesmo, bem como as principais estratégias de intervenção. Palavras-chave: Perturbações disruptivas do comportamento; infância; adolescência; comportamento infrator; variáveis preditoras; práticas educativas; modelo coercivo. Abstract: This study sought to present a review of existing literature on the disturbance behavior in childhood and adolescence. The selected papers have identified the main characteristics of behaviour, the criteria and measures for diagnosis, the genetic and environmental determinants that appear to be the cause of it, as well as key strategies for intervention. Key-words: Disruptive behavior disorders; childhood; adolescence; delinquent behavior; predictor variables; educational practices; coercive model.
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Introdução A Perturbação do Comportamento é caracterizada pela ocorrência de um padrão de comportamento persistente e repetitivo no qual são violados direitos básicos de terceiros ou importantes regras e normas sociais próprias para a idade do sujeito (APA, 2002). Os comportamentos disruptivos, que os sujeitos com esta Perturbação apresentam, integram-se em quatro grupos principais, designadamente, comportamento agressivo que ameaça ou causa sofrimento a pessoas ou a animais, comportamento não agressivo que causa prejuízo ou destruição de propriedade, falsificação ou roubo e, violação grave das normas (APA, 2002). Apesar da ênfase colocada nos comportamentos externalizantes, os comportamentos internalizantes ou neuróticos, tais como a timidez, o medo e outros défices na interação social, também devem ser considerados como problemas de comportamento (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). A classificação da Perturbação encontra-se divida em dois subtipos, de acordo com a idade de início, Tipo Início na Infância – antes dos 10 anos de idade e Tipo Início na Adolescência – depois dos 10 anos de idade. Cada um deles pode, ainda, apresentar-se de forma Ligeira, Moderada ou Grave (APA, 2002). Depois dos 18 anos de idade, este tipo de padrão comportamental passa a ser designado de Perturbação Anti-Social da Personalidade (Bordin & Offord, 2000). Durante o desenvolvimento das crianças e adolescentes, podem ser observados vários comportamentos disruptivos, como mentir ou faltar às aulas. Contudo, para diferenciar um comportamento normativo de um comportamento patológico importa verificar se esse comportamento ocorre esporadicamente e de modo isolado ou se constitui um padrão, representando um desvio à norma de comportamentos esperados para indivíduos da mesma idade e género numa determinada cultura (Bordin & Offord, 2000). Quando os problemas de comportamento diferem substancialmente daquilo que é esperado para a idade da criança, em termos de tipo, severidade ou duração podemos falar de psicopatologia e, dependendo dos problemas apresentados, de Perturbação do Comportamento (Benavente, sd). Deste modo, na base da Perturbação do Comportamento está a tendência permanente, de uma criança ou jovem, para exibir comportamentos que incomodam, perturbam e, até mesmo, envolvem atividades perigosas e/ou ilegais. Estas crianças e jovens não aparentam sofrimento psíquico ou constrangimento com as suas atitudes e não se importam de ferir os sentimentos das pessoas ou desrespeitar os seus direitos (Bordin & Offord, 2000), pois possuem fraca empatia e pouca preocupação com os sentimentos, desejos e bem-estar dos outros (APA, 2002). Podem revelar-se insensíveis e sem sentimentos de culpa ou remorsos (APA, 2002). São-lhes, também frequentemente associadas características, como baixa auto-estima, baixa tolerância à frustração, irritabilidade, temperamento explosivo e imprudência (APA, 2002).
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Gelfand, Jenson e Drew (1988) associaram aos comportamentos agressivos e à ausência de preocupação com os outros, um défice de competências sociais, que culmina na inexistência de relações de amizade (citados por Benavente, sd). Este padrão de comportamento pode estar presente em vários contextos como a casa, a escola ou a comunidade e, provoca um défice clinicamente significativo na atividade social, escolar e laboral, destes sujeitos (APA, 2002). A Perturbação do Comportamento está frequentemente associada a comportamentos de risco como: início precoce da atividade sexual, consumo de álcool, consumo de tabaco (Bordin & Offord, 2000; APA, 2002) ou substâncias ilegais (Stattin & Magnusson, 1996, citados por Benavente, sd; Bordin & Offord, 2000; APA, 2002), cometer atos imprudentes e arriscados (Bordin & Offord, 2000; APA, 2002), envolvimento em gangs, criminalidade e, até mesmo, tentativas de suicídio (Bordin & Offord, 2000). A ideação suicida, as tentativas de suicídio e os suicídios consumados ocorrem com uma frequência mais elevada que o esperado (APA, 2002). Estes comportamentos disruptivos podem conduzi-los à suspensão ou expulsão da escola, a problemas de adaptação ao trabalho, a conflitos legais, a contrair doenças sexualmente transmissíveis, à gravidez não desejada e a danos físicos por acidentes ou lutas (APA, 2002). Segundo Patterson e colaboradores (2002), os problemas de comportamento são mais frequentes quanto maior o número de fatores de risco que estiverem associados (Patterson et al., (2002), citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). Em termos de comorbilidade a Perturbação do Comportamento está frequentemente associada à Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA), a Perturbações do foro emocional, como Ansiedade, Depressão, Obsessão-Compulsão (Offord et al., 1992, citado por Bordin & Offord, 2000), Humor, Utilização de Substâncias (APA, 2002; Vermeiren, 2003, citado por Pacheco & Hutz, 2009) e à Perturbação da Aprendizagem e da Comunicação (APA, 2002). A comorbilidade com a PHDA é mais comum na infância, envolvendo principalmente os rapazes, enquanto que, a comorbilidade com a Ansiedade e Depressão é mais comum na adolescência, envolvendo principalmente as raparigas após a puberdade (Bordin & Offord, 2000). Pensa-se que o comportamento anti-social apresentado pode ser definido como um padrão de respostas que tem por objetivo potenciar gratificações imediatas e evitar ou neutralizar as exigências do ambiente social (DeaterDeckard & Plomin, 1999; Patterson et al., 1992; Pettit, Laird, Dodge, Bates & Criss, 2001, citados por Pacheco & Hutz, 2009). Os comportamentos anti-sociais de uma criança moldam e manipulam o ambiente e podem tornar-se a principal forma destes indivíduos interagirem (Patterson et al., 1992, citados por Pacheco & Hutz, 2009), socialmente, fazendo permanentemente recurso a táticas agressivas, como manipular, persuadir e coagir (Graham-Bermann, 1998, citado por Maldonado & Williams, 2005). A persistência na manutenção destes comportamentos durante o decorrer da adolescência e da vida adulta encontra-se favorecida quando a Perturbação
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do Comportamento tem início precoce (Bordin, 1996, citado por Bordin & Offord, 2000; AACAP, 1997, citado por Bordin & Offord, 2000); quando variados tipos de comportamentos anti-sociais estão presentes, incluindo os agressivos e violentos; quando os comportamentos anti-sociais são bastante frequentes; quando são observados em diversos ambientes, como em família e na escola; e quando está associada à PHDA (Bordin, 1996, citado por Bordin & Offord, 2000). A dificuldade em medir de forma objetiva a presença e o grau de severidade de uma Perturbação do Comportamento dificulta o seu diagnóstico precoce (Grillo & Silva, 2004). Neste sentido, reconhecer as primeiras manifestações das condições que afetam o comportamento, poderá permitir uma intervenção precoce com estes indivíduos e, deste modo, modificar o desenvolvimento normal da perturbação (Grillo & Silva, 2004). Sabe-se que algumas das condições que contribuem para o desenvolvimento da Perturbação do Comportamento são geneticamente determinadas (Patterson, DeGarmo & Knutson, 2000, citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003; Grillo & Silva, 2004). Por outro lado, os pais, inadvertidamente, parecem reforçar estas condutas comportamentais disruptivas, através de práticas parentais ineficazes (Patterson, DeGarmo & Knutson, 2000, citados por Pacheco & Hutz, 2009). Assim, esta Perturbação é influenciada, quer por fatores genéticos, como também por fatores ambientais (APA, 2002; Gomide, 2004, citado por Pacheco & Hutz, 2009; Bordin & Offord, 2000). Na génese dos comportamentos de risco durante a adolescência podem estar fatores individuais, culturais, relacionais e académicos, especificamente as lacunas na dinâmica familiar, a influência de pares desviantes ou ainda a falta de ligação à escola ou o fraco rendimento escolar (Matos & Sampaio, 2009; Lohman & Billings, 2008). Desta forma, acredita-se que a história de aprendizagem da criança é muito importante para entender os seus padrões comportamentais (Patterson et al., (2002), citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). Patterson e colaboradores (1992), apontam a auto-estima, a depressão, a ocorrência de comportamentos anti-sociais em pelo menos um dos progenitores, a idade de início desse padrão de comportamento e a sua ocorrência em mais do que um contexto ambiental como variáveis que favorecem a continuidade do comportamento anti-social e que podem ser consideradas como preditoras desse padrão comportamental (Patterson et al., 1992, citados por Pacheco & Hutz, 2009). Assim como, outros autores referem, a rejeição ou abandono pelos pais e negligência, o temperamento infantil difícil, as práticas educativas incoerentes (APA, 2002; Kuperman, Scholsser, Lindral & Reich, 1999, citados por Benavente, sd) com disciplina rígida, os abusos sexuais ou físicos, a falta de supervisão, a vida institucional precoce, as mudanças frequentes das pessoas que tomam conta das crianças, as famílias numerosas, a história de tabagismo materno durante a gravidez, a associação a grupos de companheiros delinquentes, a vida em bairros violentos (APA, 2002) e o baixo estatuto socioeconómico da família (Kuperman,
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Scholsser, Lindral & Reich, 1999, citados por Benavente, sd; Pacheco & Hutz, 2009). O risco de Perturbação do Comportamento aumenta nas crianças com pais biológicos ou adoptivos com Perturbação Anti-Social da Personalidade (APA, 2002; Kuperman et al., 1999, citados por Benavente, sd) ou com um irmão com Perturbação do Comportamento (APA, 2002). Parece, também, ser mais frequente em crianças com pais biológicos com Dependência do Álcool (APA, 2002; Kuperman et al., 1999, citados por Benavente, sd), Perturbação do Humor ou Esquizofrenia, ou pais biológicos que possuem uma história de PHDA ou Perturbação do Comportamento (APA, 2002). Ao mesmo tempo que crianças com comportamento anti-social tendem a permanecer anti-sociais na idade adulta, adultos anti-sociais tendem a ter filhos com comportamentos anti-sociais, pois os pais servem de modelo aos filhos, estabelecendo-se um ciclo de difícil interrupção (Farrington, 1995, citado por Bordin & Offord, 2000). Um estudo realizado por Pacheco e Hutz, em 2009, apresenta como variáveis preditoras desta Perturbação o consumo de drogas por parte dos adolescentes (Pacheco & Hutz, 2009; Kuperman et al., 1999, citados por Benavente, sd) ou por parte de algum familiar, o número de irmãos, o envolvimento de um familiar em delitos e as práticas educativas parentais como aconselhamento, castigo ou privação de privilégios materiais, punição física, delegar responsabilidades a outras pessoas, não interferência e reforço do comportamento inadequado (Pacheco & Hutz, 2009). Kuperman e colaboradores (1999) referem que é nos rapazes mais velhos e nas famílias mais disfuncionais que prevalece o diagnóstico de Perturbação do Comportamento (citados por Benavente, sd). Relativamente à influência da família, os estudos de Stattin e Magnusson (1996) permitiram afirmar que nas crianças em que a sintomatologia surge precocemente existem, geralmente, dificuldades de imposição de disciplina parental ou uma monitorização parental inadequada, assistindo-se em simultâneo a uma rejeição por parte dos seus pares e ao envolvimento com outras crianças delinquentes. A existência de conflitos familiares e a baixa supervisão por parte dos pais, no início da adolescência, são fatores relevantes para o início dos comportamentos delinquentes mais tardios. Para estes autores, o fator que determina a precocidade da delinquência tardia é a relação com os pares (citados por Benavente, sd), pois o grupo de pares assume um papel importante na adoção de comportamentos de risco (Chuang, Ennett, Bauman & Foshee, 2005), tendo em conta que a existência de uma relação forte ao grupo de pares faz com que o adolescente siga as expectativas dos pares, procurando seguir as atitudes e comportamentos dos mesmos (Matos et al., 2010). Adicionalmente, aponta-se a existência de uma ligação entre práticas educativas, escolar e familiar, e problemas de comportamento, à medida que as famílias estimulam esses comportamentos por meio de disciplinas inconsistentes,
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pouca interação positiva, pouca monitorização e supervisão insuficiente das atividades da criança (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). Os problemas de comportamento dos jovens têm mais probabilidade de surgir quando as famílias têm elevados níveis de conflito, baixo nível de envolvimento e monitorização inadequada da relação dos jovens com os pares (Matos & Sampaio, 2009) e do seu comportamento (Matos & Sampaio, 2009; Miller, 2002). Vários estudos sobre comportamento anti-social em crianças e jovens salientam que modelos coercivos fomentam o desenvolvimento de jovens infratores e adultos anti-sociais (Patterson et al., 1992; Reid, Patterson & Snyder, 2002, citados por Maldonado & Williams, 2005). Assim, a família parece ter uma importante influência na aquisição de modelos agressivos, por parte das crianças (Bandura, 1973; Jaffe, Wolf & Wilson, 1990, citados por Maldonado & Williams, 2005), pois pais que utilizam estratégias educativas como a punição mostram aos filhos que a violência é uma forma apropriada de resolução de conflitos e de relacionamento (Maldonado & Williams, 2005). Segundo Kaiser e Hester (1997) a gestão inefetiva dos pais, além de conduzir a sérios problemas de comportamento, também promove uma falha no desenvolvimento de comportamentos sociais positivos e comunicativos da criança, que formam a base para interações positivas com colegas e outros adultos (citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). Patterson e colaboradores (1992) propuseram o Modelo da Coerção, que relaciona diversos fatores que contribuem para o desenvolvimento da Perturbação do Comportamento e define as suas características em cada fase da sua evolução (citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003 e Pacheco & Hutz, 2009). O primeiro estágio, Treino Básico, coloca a hipótese de que é a ineficácia da disciplina parental o primeiro determinante dos comportamentos inadequados (Patterson et al., 1992, citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003 e Silveira, 2007) e anti-sociais das crianças, sendo esta troca coerciva o meio através do qual consegue suprimir os comportamentos aversivos dos pais, como os pedidos para obedecer, a realização de tarefas ou o assumir responsabilidades (Patterson et al., 1992, citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003 e Bahls & Ingbermann, 2005). O segundo estágio, Ambiente Social Reage, é caracterizado pela reação do meio face ao comportamento apresentado pela criança (Patterson et al., 1992, citados por Silveira, 2007) é colocada a hipótese de que os comportamentos aprendidos em casa colocam a criança em risco para desenvolver fracasso social, pois passa e emitir comportamentos que são aversivos para os professores e para os colegas, conduzindo-a à rejeição, o que por sua vez pode produzir na criança sentimentos de tristeza, dificuldades académicas e abstenção escolar (Patterson et al., 1992, citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003 e Bahls & Ingbermann, 2005). O terceiro estágio, Pares Desviantes e o Desenvolvimento de Habilidades Antisociais, é caracterizado pelos fracassos académicos e sociais que aparentemente
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levam a criança a integrar grupos, com os quais se identifica, de risco, (Patterson et al., 1992, citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003; Bahls & Ingbermann, 2005 e Silveira, 2007) e ao aperfeiçoamento do comportamento anti-social (Patterson et al., 1992, citados por Bahls & Ingbermann, 2005). O quarto, e último estágio, O Adulto de Trajetória Anti-social, é caracterizado pelo desajustamento emocional e social, reflete o resultado do percurso efetuado através de manifestas dificuldades em manter um emprego, uma relação afetiva (Patterson et al., 1992, citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003 e Silveira, 2007), possuir posições inferiores, problemas com álcool, drogas e polícia e falta de habilidades sociais (Patterson et al., 1992, citado por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). Acredita-se que o resultado desta trajetória possa conduzir ao desenvolvimento de uma Personalidade Anti-Social em adulto (Patterson et al., 1992, citados por Bahls & Ingbermann, 2005; Pacheco & Hutz, 2009). Contudo, Patterson e colaboradores (1992), referem que apesar de os estágios deste modelo indicarem uma progressão não significa que todas as crianças com comportamentos anti-sociais irão passar por todos os estágios e manter este padrão comportamental ao longo do seu desenvolvimento (citados por Pacheco & Hutz, 2009). Hoffman (1979, 1994) divide as práticas parentais educativas em técnicas coercivas e indutivas. Entre as técnicas coercivas podem ser citados o uso de punição verbal ou física, a privação de privilégios e a ameaça de castigo. Por outro lado, estratégias como o uso de explicação, o comando verbal não coercivo e a alteração da situação ambiental são classificadas como práticas indutivas (Alvarenga & Piccinini, 2001, citados por Pacheco & Hutz, 2009). Os estudos realizados por Patterson e colaboradores (1992) indicam outras categorias de análise de práticas educativas parentais, entre elas destacam-se a monitorização parental, a disciplina, a resolução de problemas, o reforço e a supervisão parental (citado por Pacheco & Hutz, 2009). A monitorização refere-se ao controle do comportamento, no sentido de saber onde o filho está, com quem e o que está a fazer. Esta estratégia temse mostrado importante pois reduz o risco do encorajamento da criança e adolescentes na adoção de comportamentos anti-sociais (Patterson et al., 1992, citados por Pacheco & Hutz, 2009). Consistentemente, os estudos indicam que fatores de stress que ocorrem no ambiente familiar, como o desemprego ou divórcio podem prejudicar o uso de estratégias parentais eficazes. Além disso, outras variáveis familiares, como o número de irmãos, a monoparentalidade, a adição de drogas ou outras psicopatologias em membros da família também parecem influenciar as estratégias adotadas pelos pais, estando relacionadas à inconsistência, à negligência e ao recurso à punição (Patterson et al., 1992, citados por Pacheco & Hutz, 2009). As estratégias que incluem a privação de privilégios ou colocação do adolescente em contato com as consequências do seu comportamento têm
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sido consideradas formas leves de controlo do comportamento, mas quando combinadas com a monitorização e reforço de condutas adequadas mostram-se efetivas (Baumrind, 1997; Capaldi, et al., 1997; Patterson et al., 1992, citados por Pacheco & Hutz, 2009). Dentro dessa perspectiva, a estratégia educativa classificada como castigo ou privação de privilégios materiais, mesmo tendo um caráter coercivo é considerada como uma estratégia que pode diminuir a probabilidade de comportamentos inadequados ou prevenir a ocorrência destes, contribuindo para o desenvolvimento dos jovens (Pacheco & Hutz, 2009). De acordo com o estudo realizado por Pacheco e Hutz (2009), não intervir, ou atribuir a outras pessoas ou a instituições a responsabilidade de interferir no comportamento dos adolescentes, foram estratégias que se constituíram como preditoras do comportamento infrator. Essas práticas podem refletir uma necessidade dos pais de evitar enfrentar os filhos, uma incapacidade ou falta de alternativas para lidarem com o seu comportamento, ou a ausência de interesse em se envolverem em situações que podem ser geradoras de conflito (Pacheco & Hutz, 2009). Não existindo dados estatísticos organizados em Portugal, quanto à prevalência deste tipo de patologia, a prática clínica indica o crescimento deste tipo de perturbação entre a população portuguesa (Benavente, sd). Quanto à evolução da Perturbação do Comportamento e consequências sociais associadas, são diversos os estudos que a relacionam com a criminalidade, perturbações psiquiátricas, consumos de drogas, precariedade laboral, prostituição, promiscuidade sexual e detenções (Benavente, sd). Conte (1997) aponta como fatores protetores do desenvolvimento saudável das crianças e jovens o suporte parental com conduta calorosa, valorização pessoal da criança, demonstração de aceitação e apoio às suas iniciativas, encorajamento do desenvolvimento de competências sociais, frequente expressão de afeto positivo, apoio ao desenvolvimento da autonomia na forma de escolhas; uso de métodos disciplinares mais racionais e verbais ao invés de físicos; e pais como modelos socialmente competentes (citado por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). Bugental e Johnston (2000) concordam que a forma como os pais pensam e lidam com os seus filhos interfere diretamente nas cognições, comportamentos e locus de controle da criança (citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). Desta forma, comportamentos como brincar, apoiar e ajudar os filhos são habilidades sociais educativas que podem aproximar pais e filhos, criar um ambiente cooperativo e promover repertórios socialmente hábeis nas crianças (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). As implicações dos resultados apontam para a necessidade de implementação de políticas de assistência, de educação, de prevenção e de tratamento destinadas a essas famílias. Entende-se que os fatores que contribuíram para a predição do comportamento anti-social podem ser minimizados ou reduzidos por meio de intervenções eficientes (Pacheco & Hutz, 2009). Especialmente no que se refere
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às práticas educativas parentais, a possibilidade de intervenção pode ocorrer por meio de orientação e treino dos pais (Pacheco & Hutz, 2009). Stattin e Magnusson (1996) referem que os comportamentos de oposição, desobediência, desafio, teimosia e conduta agressiva, tendem a ser substancialmente estáveis no tempo (citados por Benavente, sd). Para o diagnóstico desta Perturbação destacam-se várias técnicas e instrumentos, tais como a entrevista, com a criança e os pais; os métodos projetivos; as cheklists de comportamento; os métodos de observação direta; e os inventários de personalidade (Benavente, sd), a analisar de acordo com os critérios definidos na DSM-IV-TR (APA, 2002). O tratamento da Perturbação do Comportamento deve passar por uma abordagem integrada que atue sobre as várias dimensões da vida da criança e do jovem, nomeadamente a família, a escola, o grupo de pares e o próprio (Benavente, sd), de forma concomitante e a longo prazo (Bordin & Offord, 2000). Para o sucesso da intervenção, a mesma deve incluir o treino parental, o treino de habilidades sociais com o indivíduo e a inclusão académica (Patterson et al., (2002), citados por Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). As intervenções devem ser centradas na família (Bordin & Offord, 2000; Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003) para que esta assuma um papel ativo na prevenção e correção das dificuldades da criança (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003) e, esta necessidade é tanto maior, quanto menor for a idade da criança (Benavente, sd). Para a intervenção com a família o terapeuta poderá recorrer à terapia familiar, à orientação parental (Benavente, sd) e a programas de treino (Benavente, sd; Bordin & Offord, 2000). Contudo, importa referir que muitas vezes os progenitores necessitam de encaminhamento para tratamento psiquiátrico (Bordin & Offord, 2000). É extremamente importante que os pais possam desenvolver habilidades sociais educativas, melhorando o seu relacionamento com a criança e possivelmente prevenindo e/ou remediando problemas de comportamento (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003). Contudo, geralmente, esta opção é encarada com relutância pelas famílias de origem, ao contrário do internamento, muitas vezes solicitado, quando reconhecem a sua incapacidade em lidar com os comportamentos da criança (Benavente, sd). A formação dos professores e a sua prática interfere tanto na perceção das dificuldades manifestadas pelos alunos, como na tolerância face à educação dos mesmos. Deste modo, o plano de intervenção não deve descorar a comunidade educativa por forma a promover o desenvolvimento de habilidades sociais educativas, que lhes permitam uma melhoria nas estratégias para lidar com as dificuldades das crianças, para a resolução de problemas de forma satisfatória, para evitar o encaminhamento da criança para o ensino especial e para melhorar a sua própria resistência à frustração (Bordin & Offord, 2000; Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003).
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Por outro lado, com a criança ou jovem a psicoterapia individual ou de grupo pode ser muito útil, podendo ser complementada com treino de técnicas para o aumento de competências psicossociais. Assim, poder-se-á ajudar a criança a melhorar o seu funcionamento social, encontrando estratégias de tolerância à frustração, aumentando os contatos sociais, entre outros (Benavente, sd). Neste caso, as técnicas a utilizar passam pelo desenvolvimento de competências de resolução de problemas (Benavente, sd). Quanto mais jovem o paciente e menos graves os sintomas, maior a probabilidade do indivíduo beneficiar de uma psicoterapia. Quando se trata de um adolescente que já cometeu um delito, observa-se maior resistência à psicoterapia, podendo ser útil o envolvimento de outros profissionais especializados nesta Perturbação para o desenvolvimento de trabalho em oficinas de artes, música e desporto (Bordin & Offord, 2000). Kazdin e Wassel (2000) consideram que a redução do comportamento desviante, na criança, terá repercussões no funcionamento familiar e parental (citados por Benavente, sd). É ainda importante considerar a necessidade de intervenção numa perspectiva preventiva, considerando alguns fatores protetivos como: estruturas familiares intactas, existência de comunidades de suporte e intervenção psicoterapêutica precoce (Benavente, sd). Deste modo, foi possível verificar que os comportamentos anti-sociais são frequentemente observados no período da adolescência como sintomas isolados e transitórios. Contudo, estes podem surgir precocemente na infância e persistir ao longo da vida, constituindo quadros psiquiátricos de difícil tratamento. Fatores individuais, familiares e sociais estão implicados no desenvolvimento e persistência do comportamento anti-social, interagindo de forma complexa e ainda pouco clarificada. Como o comportamento anti-social se torna cada vez mais estável e menos mutável ao longo do tempo, crianças e adolescentes com Perturbação do Comportamento precisam de ser identificadas o mais cedo possível para que tenham maior oportunidade de beneficiar de intervenções terapêuticas e ações preventivas (Bordin & Offord, 2000). Conclusão Tendo em consideração que diversos estudos relacionam a Perturbação do Comportamento com o desenvolvimento e manutenção de comportamentos socialmente desajustados, em termos de dificuldades de integração social, legais e de criminalidade; bem como com várias perturbações psiquiátricas, torna-se fundamental a clarificação das variáveis preditoras da Perturbação, para o desenvolvimento de estratégias de prevenção eficazes, e para a sensibilização de pais e professores com vista ao diagnóstico precoce e respetivo encaminhamento da criança e da família para programas de intervenção que possam evitar ou minimizar as consequências nocivas desta Pertubação nas suas vidas.
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La conducta antisocial adolescente a la luz de las ciencias del cerebro Adolescent antisocial behavior in the light of the brain sciences Comportamento anti-social na adolescência à luz da neurociência Alfredo Oliva Delgado
Universidad de Sevilla oliva@us.es
Resumen: Durante la última década se ha producido un importante avance en la investigación en el ámbito de las neurociencias debido a la utilización de nuevas técnicas de neuroimagen. Estos avances han permitido un mejor conocimiento de los factores cerebrales implicados en algunos comportamientos propios de la adolescencia, como son las conductas antisociales. Así, existe una importante evidencia empírica que indica que se producen importantes cambios que afectan fundamentalmente a la corteza prefrontal, al sistema mesolímbico de recompensa y al de amenaza. Estos últimos experimentan una sobreexcitación, como consecuencia de los cambios hormonales propios de la pubertad, que hace que el adolescente tienda a reaccionar de forma impulsiva y se sienta muy atraído por las recompensas inmediatas. En cambio, la corteza prefrontal, encargada de controlar y regular emociones e impulsos, se encuentra aún en pleno proceso de maduración, por lo que tendrá dificultades para controlarlos. Es decir, los primeros años de la adolescencia serán de mucha vulnerabilidad debido a que las zonas cerebrales encargadas de poner en marcha los impulsos maduran antes que las encargadas de controlarlos. Aunque ciertos comportamientos de riesgo pueden considerarse adaptativos, algunos factores contextuales pueden influir en que ese desfase o desequilibrio entre circuitos cerebrales sea más acentuado
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de lo normal, lo que llevaría a algunos chicos y chicas a implicarse en muchas conductas antisociales y de asunción de riesgos. Palabras-clave: Adolescencia; desarrollo cerebral; corteza prefrontal; conducta antisocial; neuroimagen. Abstract: During the last decade there has been a significant advance in neuroscience research due to the use of new neuroimaging techniques. This advance has allowed a better understanding of the brain factors involved in some common behaviors in adolescence, such as antisocial behavior. Thus, there are substantial brain changes that affect primarily the prefrontal cortex, the basic threat system and reward system. Empirical evidence indicates that these two brain systems present greater activity and responsivity during adolescence than in adulthood, as a result of the hormonal changes of puberty. Due to this hyperresponsivity, the adolescent tends to react impulsively and feels very attracted to the immediate rewards. In contrast, the prefrontal cortex, responsible for regulating emotions and impulses, is still immature and therefore has difficulty controlling them. That is, the first years of adolescence are of high vulnerability because the brain areas responsible for starting the impulses mature earlier than those responsible for controlling them. Although certain risk behaviors can be considered normative, some contextual factors may increase this imbalance between brain circuits, leading to some boys and girls to engage in frequent antisocial and risk-taking behaviors. Key-words: Adolescence; brain development; prefrontal cortex; antisocial behavior; neuroimaging. Resumo: Ao longo da última década tem havido um avanço significativo na investigação em neurociência devido ao uso de novas técnicas de neuro imagem. Este avanço permitiu uma melhor compreensão tos factores cerebrais envolvidos em alguns comportamentos em adolescentes, tal como o comportamento antisocial. Existem alterações cerebrais substanciais que afectam a área do córtex pré-frontal, os sistemas de ameaça e de recompensa. Dados empíricos indicam que estes dois sistemas cerebrais apresentam uma maior actividade e resposta durante adolescência, quando comparado com adultos, devido às mudanças hormonais da puberdade. Devido a esta hiper-reactividade, o adolescente tende a reagir de forma impulsiva e sente-se atraído por recompensas imediatas. No entanto, o córtex pré-frontal, responsável por regular emoções e impulsos está ainda imaturo, e por isso tem dificuldade em controlar esses impulsos. Ou seja, os primeiros anos da adolescência são de grande vulnerabilidade porque as áreas do cérebro responsáveis pelos impulsos encontram-se maduros mais cedo do que as áreas que os controlam. Apesar de alguns comportamentos
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serem considerados normativos, alguns factores contextuais podem aumentar o desequilíbrio entre os circuitos, levando alguns rapazes e raparigas a envolveremse em comportamentos antisociais e de risco. Palavras-chave: adolescência, desenvolvimento cerebral, córtex pré-frontal, comportamento anti-social, neuro imagem
Adolescencia y conducta antisocial La tradicional imagen dramática y sensacionalista de la adolescencia como etapa de conflictos y dificultades generalizadas está siendo sustituida por una visión más positiva en la que tienen cabida los nuevos logros y competencias de los jóvenes (Oliva, Ríos, Antolín, Parra, Hernando & Pertegal, 2010). No obstante, a pesar de que esa imagen negativa empieza a quedar obsoleta, algunos comportamientos problemáticos, como las conductas antisociales y de asunción de riegos suelen ser más frecuentes durante los años que siguen a la pubertad, lo que genera mucha preocupación social. La conducta antisocial comprende todas aquellas acciones lesivas y dañinas para la sociedad que infringen reglas y expectativas sociales, con independencia de que constituyan un delito, como, por ejemplo, el vandalismo, los hurtos o las agresiones (Kazdin & Buela-Casal, 2006). Es decir, comportamientos tan diversos en cuanto a contenido y gravedad que dificultan su conceptualización y definición (Peña & Graña, 2006). En ese sentido, hay que diferenciar la conducta antisocial del trastorno de conducta o trastorno disocial (conduct disorder), descrito en el DMS IV-TR como un patrón repetitivo y persistente de conducta en el que son violados los derechos básicos de otras personas o las principales normas sociales adecuadas a una edad. De acuerdo con el criterio diagnóstico deben estar presentes 3 o más conductas desviadas y conllevar un deterioro significativo del funcionamiento en casa o en la escuela. Por lo tanto, muchos adolescentes que manifiesten conductas antisociales, por ejemplo que cometan un único acto delictivo, quedarán fuera de esta definición y no podrá atribuírseles un trastorno de conducta (Farrington, 2004). Los comportamientos antisociales podrían considerarse como un subconjunto de las conductas de asunción de riesgos, ya que, al igual que estas últimas, implican una búsqueda de excitación y sensaciones fuertes, conllevan una toma de decisiones con beneficios y riesgos derivados y suelen realizarse en grupo (Boyer, 2006). En algunas ocasiones implican también cierta agresividad, aunque en absoluto podrían considerarse términos equiparables los de conducta agresiva y conducta antisocial. Mientras que el término de conducta antisocial hace referencia al cualquier comportamiento que suponga una infracción de reglas sociales o una acción contra otras personas (Kazdin & Buela-Casal, 2006),
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la conducta agresiva, ya sea física o verbal, representa un subtipo específico de conducta antisocial (Antolín, 2011). En términos generales, la adolescencia es una etapa de mucha incidencia de conductas antisociales, y existe un consenso generalizado entre los investigadores con respecto a la tendencia que sigue el comportamiento antisocial a lo largo del ciclo vital, y en aceptar lo que se ha denominado la curva de edad del crimen (Tremblay, 2000). Así, si durante la infancia son más frecuentes las conductas agresivas de poca importancia, con la llegada de la adolescencia disminuyen esos comportamientos para dar paso a conductas antisociales de mayor gravedad, que seguirán aumentando hasta tocar techo al final de la adolescencia y descender de forma acusada durante la adultez temprana. No obstante, algunos estudios longitudinales han diferenciado entre dos tipos de trayectorias evolutivas, una de mayor gravedad, aunque mucho menos frecuente, que comienza en la infancia y se extiende a lo largo de todo el ciclo vital, y otra que se limita a la adolescencia y tiende a desaparecer en la medida en que el sujeto empieza a asumir las responsabilidades propias de la adultez (Moffitt, 2003; 2006; Farrington, 2004). Este segundo tipo es con diferencia el más habitual. Investigaciones más recientes han apuntado también la existencia de un tercer tipo caracterizado por un comportamiento antisocial en la infancia que desaparece con la llegada de la adolescencia, aunque se trata de algo poco frecuente (Piquero, 2008). Durante los últimos años, y en gran parte debido al uso de nuevas técnicas de neuroimagen, se han producido importantes avances en el estudio de los cambios estructurales y funcionales que experimenta el cerebro durante la adolescencia. Ello ha permitido una mejor compresión de los procesos neurológicos que subyacen al comportamiento adolescente. Así, al amplio abanico de factores que los investigadores han propuesto como responsables de la mayor prevalencia de conducta antisocial durante la adolescencia (menor supervisión parental, mayor presión de los iguales, crisis de identidad), hay que añadir los relacionados con los procesos de maduración cerebral que tienen lugar tras la infancia. Si hace algunas décadas se pensaba que el desarrollo cerebral tenía lugar fundamentalmente durante la infancia, hoy sabemos que tras la pubertad tienen lugar importantes cambios neurobiológicos, y que este desarrollo no culmina hasta bien entrada la adultez temprana. Aunque la arquitectura de muchas áreas cerebrales, sobre todo sensoriales y motoras, está bastante completada al final de la infancia, en otras zonas, como la corteza prefrontal, podría decirse que el desarrollo marcha con una década de retraso. Cambios cerebrales durante la adolescencia Uno de los cambios estructurales más evidentes tiene que ver con la disminución en la materia gris de la corteza prefrontal, que indica una poda o recorte de aquellas conexiones sinápticas que son poco utilizadas. A lo largo de la niñez esta sustancia gris había ido aumentando progresivamente hasta alcanzar su techo en torno a los 11 años en las chicas y los 12 en los chicos. Sin
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embargo, a partir de ese momento comienza el recorte, que se extiende a lo largo de la adolescencia temprana, y que coincide con los avances más llamativos en el razonamiento lógico y las habilidades cognitivas relacionadas con el pensamiento formal (Giedd, 2008; Giedd et al., 1999). Algo después se observa un claro incremento en la materia blanca, lo que indica la mielinización o fortalecimiento de las conexiones neuronales, tanto en la corteza prefrontal como en las vías que la ponen en contacto con otras zonas cerebrales. Esta mielinización, que continúa a lo largo de la adolescencia y la adultez temprana, es fundamental para el desarrollo de algunas funciones cognitivas de primer orden, tales como la planificación, el cálculo de los riesgos y beneficios o la toma de decisiones. Por lo tanto, el recorte sináptico ocurre antes que el fortalecimiento de las conexiones más usadas, lo que justifica que mientras que en torno a los 14 ó 15 años el adolescente domina plenamente algunas funciones cognitivas, en el caso de otras tenga que esperar hasta el comienzo de la adultez. El fortalecimiento de las conexiones entre la corteza cerebral y otras áreas cerebrales relacionadas con el procesamiento de la información emocional, como el sistema límbico, va a permitir un avance claro en la regulación emocional y conductual con la consiguiente disminución de la impulsividad propia de la adolescencia temprana (Godberg, 2001; Weinberger, Elvevag & Giedd, 2005). En la medida en que las diferentes estructuras cerebrales vayan integrándose, las respuestas del adolescente ante distintas situaciones se basarán en el trabajo conjunto de diversas áreas. Así, si a principios de la adolescencia la autorregulación conductual dependía de forma exclusiva de un inmaduro córtex prefrontal, a finales de esta etapa, y en la adultez, la responsabilidad del control estará repartida entre varias áreas cerebrales, evitando la sobrecarga de zonas pequeñas y haciéndolo más eficaz (Luna et al., 2001). Todos estos procesos madurativos que tienen lugar en el cerebro durante la segunda década de la vida serán de mucha utilidad para una mejor compresión del comportamiento adolescente. Si tenemos en cuenta que la corteza prefrontal se ocupa de funciones tan importantes como el control de los impulsos instintivos, la toma de decisiones o la anticipación y planificación del futuro, es bastante probable que su inmadurez esté relacionada con el aumento de las conductas antisociales que se produce con la llegada de la adolescencia. El sistema mesolímbico y la búsqueda del riesgo El papel que desempeña la inmadurez de la corteza prefrontal en el aumento de la prevalencia de las conductas delictivas y antisociales a partir de la pubertad resulta evidente. Sin embargo, durante la adolescencia temprana y media, aun cuando la corteza va ganando en madurez, estas conductas continúan aumentando gradualmente, lo que puede resultar paradójico, ya que cabría esperar que el mayor control prefrontal conllevase una disminución del comportamiento antisocial.
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Una respuesta a esta paradoja nos la ofrece el circuito mesolímbico de recompensa, ya que estudios recientes con técnicas de neuroimagen han aportado datos que indican que este circuito relacionado con el placer desempeña un importante papel en el comportamiento arriesgado y antisocial del adolescente. El sistema mesolímbico utiliza la dopamina como principal neurotransmisor e incluye las proyecciones desde el area tegmental ventral al cuerpo estriado (núcleo accumbens y núcleo caudado), a las estructuras límbicas (amígdala) y a la corteza orbito-frontal (Burunat, 2004). Su activación como consecuencia de la implicación del sujeto en ciertas actividades recompensantes como la comida, el sexo o el consumo de drogas, provoca una liberación de dopamina, especialmente en el núcleo accumbens, que genera una intensa sensación de placer e induce al sujeto a repetir dichas actividades. Se trata de un circuito neuronal esencial para el aprendizaje, puesto que contribuye a la vinculación entre una conducta y sus consecuencias (Chambers, Taylor & Potenza, 2003). Este circuito experimenta algunos cambios durante la pubertad como consecuencia de la producción hormonal, debido a que las áreas cerebrales que lo integran están muy inervadas por receptores de esteroides gonadales, cuya producción aumenta claramente con la llegada de la adolescencia. Así, algunos estudios han encontrado que tras la pubertad se produce una sobre-excitación del sistema de recompensa que se traduce en una mayor activación mesolímbica en anticipación de recompensas en adolescentes en comparación con adultos, lo que es consistente con algunos estudios realizados con roedores (Galvan et al., 2006; Galvan, Hare, Voss, Glover, & Casey, 2007; van Leijenhorst, Westenberg, & Crone, 2008). No obstante, algunos investigadores no han hallado diferencias entre adolescentes y adultos en el nivel de activación mesolímbica (Bjork et al., 2004). De acuerdo con estos datos, la sobreexcitación del circuito mesolímbico dopaminérgico, en combinación con la relativa inmadurez de la corteza prefrontal, llevaría al adolescente a la búsqueda de la novedad y el riesgo, ya que las recompensas, especialmente las inmediatas, ejercerían sobre él una gran atracción que influiría en su preferencia por alternativas arriesgadas pero muy recompensantes sobre otras más conservadoras (Galván et al., 2006).Por lo tanto, los primeros años de la adolescencia serán de un gran desequilibrio entre un circuito aproximativo mesolímbico muy propenso a actuar en situaciones que puedan deparar una recompensa inmediata y un circuito prefrontal regulatorio aun muy inmaduro, y que va a tener muchas dificultades para controlar esta impulsividad. Como han señalado Casey, Jones, Leah & Soomerville (2011), el cerebro adolescente se parecería a un vehículo con un motor con una gran potencia pero que posee unos frenos insuficientes para controlar la fuerza de ese motor. Por otra parte, hay que señalar que existe una estrecha interrelación entre los mecanismos cerebrales implicados en el procesamiento de las recompensas y los que se ocupan de la información social y emocional. Ello explicaría que la presencia de iguales y las situaciones con fuerte carga emocional potencien los efectos recompensantes de las conductas de asunción de riesgos haciéndolas más
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probables (Nelson, McClure & Pine, 2005). Así, en una situación experimental, Gardner y Steinberg (2005) encontraron que los adolescentes tendían a asumir decisiones más arriesgadas cuando estaban acompañados de iguales que en solitario, algo que no ocurría en sujetos adultos. A partir de los datos anteriores, podemos concluir que chicos y chicas se encontrarán al inicio de la adolescencia en una situación de mucha vulnerabilidad por su tendencia a implicarse en diversas conductas de riesgo y antisociales, sobre todo cuando se encuentran en grupo. Cerebro y agresividad durante la adolescencia Una gran parte de las conductas antisociales propias de los adolescentes tienen un claro componente de búsqueda de sensaciones y asunción de riesgos, y estaría propiciadas por el desequilibrio entre el circuito de recompensa y el prefrontal descrito previamente. Ese sería el caso de los hurtos en grandes almacenes o el consumo de drogas ilegales. Sin embargo, en otros casos suele estar presente la agresividad, especialmente la agresividad de carácter reactivo, por lo que también tiene sentido preguntarse acerca de los mecanismos cerebrales implicados en la tendencia que sigue la conducta agresiva durante la adolescencia. Como indican algunos estudios, durante la infancia son frecuentes las conductas agresivas de escasa importancia, pero con la llegada de la adolescencia disminuyen estos comportamientos para dar paso a otros de mayor gravedad que seguirán aumentando hasta tocar techo en la adolescencia tardía y descender de forma importante a partir de ese momento (Farrington, 2004; Tremblay, 2000). Esta agresividad de mayor incidencia durante la adolescencia es de tipo reactivo, y suele ser provocada por un suceso frustrante o interpretado como amenazante. Con frecuencia va asociada a la ira y tiene una alta carga emocional por lo que puede considerarse como una agresividad impulsiva y en caliente. La investigación con técnicas de neuroimagen indica que en esta agresividad está implicado el circuito cerebral evitativo o de amenaza (Basic threat system) que incluye la amígdala, el hipotálamo y la sustancia gris periacueductal (Blair, 2010). Diversos estudios han encontrado que los adolescentes que muestran mucha agresividad reactiva presentan una mayor activación de la amígdala ante imágenes negativas (Sterzer, Stadler, Krebs, Kleinschmidt & Poustka, 2005). Este sistema, que se activa en ituaciones de estrés o amenaza, es controlado por estructuras superiores, como las áreas orbital, medial e inferior de la corteza frontal (Blair, 2004; 2010). Por lo tanto, de forma similar a lo que ocurre con las conductas de asunción de riesgos, esta agresividad puede verse incrementada tanto por la hiperexcitabilidad del sistema de amenaza como por un déficit en la regulación prefrontal. En cuanto a los cambios evolutivos en la maduración o activación de la amígdala, aunque los resultados no son concluyentes, algunos estudios encuentran una mayor activación en la adolescencia que en la adultez (Guyer et al., 2008; Monk et al., 2003). El estudio de Guyer y colegas también encontró
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que los sujetos adultos mostraban una mejor conexión entre la amígdala y el hipocampo durante el procesamiento de expresiones faciales de temor, lo que puede estar indicando un avance en la identificación y detección de estímulos emocionalmente salientes con el paso de la adolescencia a la adultez. Aunque la experimentación animal ha aportado muchos datos sobre la relación entre los andrógenos y los comportamientos agresivos en diversas especies, y diversos autores han descrito relaciones entre niveles altos de testosterona y conductas violentas en humanos (Gil-Verona et al., 2002), existe escasa evidencia sobre la influencia de los cambios hormonales propios de la pubertad sobre la reactividad del circuito de amenaza, no obstante, hay algunos datos recientes que sugieren esta relación. Un estudio que empleó técnicas RMNf encontró mayor actividad de la amígdala ante expresiones faciales emocionales en adolescentes que tenían niveles más altos de andrógenos como consecuencia de una hiperplasia adrenal congénita (Ernst et al., 2007). Otro estudio halló, en una muestra de chicas adolescentes, cambios en la activación de la amígdala en tareas de reconocimiento de emociones a lo largo del ciclo menstrual, concretamente la activación fue más alta en la fase folicular en la que los niveles de estrógenos, y también de testosterona, son más elevados (Derntl et al., 2008). Los datos procedentes de la experimentación animal han encontrado que los niveles de estrógenos se relacionan con la conducta agresiva (Nomura et al., 2002), por lo que los andrógenos no serían las únicas hormonas sexuales relacionadas con la agresividad. Por lo tanto, ya disponemos de algunos estudios con neuroimagen que apuntan a una influencia de los niveles hormonales sobre la reactividad del sistema de amenaza, lo que podría justificar un incremento de la agresividad impulsiva que se observa tras la pubertad, aunque se precisa acumular una mayor evidencia empírica sobre esta relación entre cambios hormonales, reactividad de la amígdala y agresividad. Por otra parte, existe cierto solapamiento entre el circuito básico de amenaza y el de recompensa, ya que ambos comparten algunas estructuras cerebrales que forman parte de un circuito socio-emocional más amplio responsable de regular las emociones (Nelson et al., 2005). Por lo tanto, el funcionamiento anómalo de este sistema que integra tanto áreas prefrontales como estructuras límbicas y mesolímbicas, dificultaría la autorregulación emocional, y explicaría la mayor incidencia de conductas antisociales y agresivas, especialmente de tipo reactivo, durante la adolescencia. En cuanto a la agresividad de tipo instrumental, muy vinculada a las psicopatías, no se limita a la adolescencia y muestra una mayor persistencia a lo largo del ciclo vital (Vloet, Konrad, Huebner, Herpertz & Herpertz-Dahlmann, 2008). Según algunos autores, los sujetos que muestran mayor agresividad instrumental suelen presentar tres características (Frick y White,. 2008): 1) Un factor afectivo caracterizado por crueldad, frialdad emocional y escasa empatía y responsividad a las emociones de los demás (callous unemotional traits), 2) Un estilo interpersonal arrogante que implica una personalidad narcisista y una
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conducta manipuladora y 3) Un estilo conductual impulsivo e irresponsable. Esta impulsividad explicaría que en los sujetos con psicopatías la agresividad instrumental aparezca con frecuencia asociada a episodios de agresividad reactiva, y que la agresividad instrumental también muestre una elevada prevalencia en los primeros años de la adolescencia, probablemente debido a la inmadurez de la corteza prefrontal (Frick & White, 2008). El valor adaptativo de la conductas antisociales y de riesgo. La psicología evolucionista ha señalado el valor adaptativo que puede tener este desequilibrio entre sistemas cerebrales y la consiguiente implicación de los jóvenes en comportamientos antisociales y de riesgos. Así, a lo largo de la filogénesis estas conductas habrían sido seleccionadas porque favorecerían la salida del adolescente del grupo familiar, eliminando el peligro de endogamia y llevando a un inicio precoz de la actividad sexual y reproductiva. Otros autores (Steinberg & Belsky, 1996; Wilson & Daly, 1993) han apuntado algunas ventajas adaptativas adicionales para el varón adolescente, tanto referidas al proceso de selección natural –los sujetos con una mayor disposición a afrontar peligros tendrían más posibilidades de sobrevivir–, como a la selección sexual –estos individuos resultarían parejas sexuales más atractivas y tendrían por tanto más posibilidades de reproducirse y transmitir sus genes–. Pero la asunción de riesgos conlleva igualmente claras ventajas desde el punto de vista de la promoción del desarrollo adolescente (Oliva, 2004), y por lo tanto, existirían razones para su mantenimiento sin que sea necesario recurrir a explicaciones de carácter evolucionista. La conceptualización de Erikson de la adolescencia como una etapa de moratoria psicosocial, en la que la experimentación con ideas y conductas es un requisito para el logro de la identidad y de la autonomía personal apuntaría en esta dirección. Frente a la concepción del comportamiento antisocial y de asunción de riesgos como un problema, especialmente durante la adolescencia, tendríamos que admitir la idea del riesgo como una oportunidad para el desarrollo y el crecimiento personal (Lightfoot, 1997). Para Jessor (1998), las conductas problemáticas del adolescente funcionarían como indicadores de la transición a un estado más maduro. Para apoyar esta idea no faltan los estudios longitudinales que encuentran que conductas de riesgo, como el consumo moderado de drogas durante la adolescencia, están relacionadas con un mejor ajuste psicológico en la adultez temprana (Baumrind, 1987; Oliva, Parra & Sánchez-Queija, 2008; Shedler & Block, 1990). Es posible que una actitud adolescente conservadora y de evitación de riesgos esté asociada a una menor incidencia de algunos problemas comportamentales y de salud, sin embargo, también es bastante probable que esa actitud tan precavida conlleve un desarrollo deficitario en algunas áreas, como el logro de la identidad personal, la creatividad, la iniciativa personal, la tolerancia ante el estrés o las estrategias de afrontamiento.
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Factores que favorecen el desequilibrio entre sistemas cerebrales En la mayoría de casos la implicación de chicos y chicas en conductas antisociales y de riesgo se situará en unos límites razonables o aceptables, al no ir más allá de algunas conductas exploratorias que pueden favorecer su autoestima y el logro de la identidad personal. Sin embargo, algunos adolescentes incurrirán en conductas antisociales de mayor gravedad y de forma más recurrente. Por ello, si tenemos en cuenta el papel que desempeña el desequilibrio entre los sistemas cerebrales cognitivo y mesolímbico en la implicación de chicos y chicas adolescentes en comportamientos antisociales será muy importante conocer cuáles son los factores que pueden favorecer o reducir dicho equilibrio. Y es que la maduración cerebral no ocurre al margen de la experiencia. El hecho de que la maduración y sobreexcitación del circuito mesolímbico de ecompensa se vea influida por las hormonas puberales justifica que la pubertad precoz sea un factor que aumente el desequilibrio entre sistemas excitatorios e inhibitorios. En efecto, aquellos chicos y chicas que experimentan una pubertad precoz verán cómo su corteza prefrontal aún inmadura tiene dificultades para controlar un sistema de recompensa hipersensibilizado. Y es que la pubertad precoz no conlleva una maduración también temprana del sistema regulatorio prefrontal. Lo mismo podría ocurrir al sistema de amenaza relacionado con la agresividad reactiva, ya que parece que las hormonas puberales pueden influir en una sobreexcitación de la amígdala. Por lo tanto, es de esperar una mayor incidencia de conductas antisociales y de riesgo en aquellos chicos y chicas que experimentan los cambios puberales de forma precoz, algo que indica la investigación evolutiva (Arm & Shapka, 2008; Mendle, Turkheimer & Emery, 2007). Por otra parte, también cabría esperar que el adelanto de la pubertad que a lo largo de las últimas décadas ha tenido lugar en muchos países occidentales haya situado a los adolescentes en una situación de mayor vulnerabilidad (Bellis, Downing & Ashton, 2006). El estrés es otro factor que puede favorecer la excitabilidad de los sistemas de recompensa y amenaza. Algunos estudios han encontrado que el estrés afecta a las estructuras cerebrales como la amígdala, el hipocampo o el córtex prefrontal medial (Romeo & McEwen, 2006). Además, la evidencia empírica disponible indica que los sujetos que sufren de estrés postraumático muestran una mayor responsividad en la amígdala ante narraciones o estímulos relacionados con situaciones traumáticas (Shin et al., 2005) o expresiones faciales de temor (Bryant et al., 2008). Estos pacientes también han mostrado, en respuesta a estímulos emocionales, una menor activación en las regiones prefrontales que regulan la responsividad del circuito de amenaza (Blair, 2004; 2010), así como una función anormal del hipocampo. Este último influye en la capacidad para distinguir un contexto familiar y seguro de otro no familiar y amenazante, lo que puede llevar a que en situaciones neutras o amistosas estos sujetos con estrés postraumático reaccionen de forma desproporcionada y agresiva (Davidson & Begley, 2012).
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Por otra parte, conviene señalar la influencia que las situaciones de estrés sostenido tienen sobre la anticipación de la pubertad, favoreciendo por lo tanto por esta vía indirecta el desequilibrio entre circuitos cerebrales (Moffitt, Caspi, Belsky & Silva, 1992). Otra situación que también puede crear un cierto desequilibrio entre circuitos que se traduzca en un aumento de las conductas antisociales, es la deprivación de sueño, algo que suele ser muy frecuente durante la adolescencia (Dahl & Lewin, 2002; Oliva, Reina, Pertegal & Antolín, 2010). El sueño escaso ha mostrado una relación significativa con una activación mayor del núcleo accumbens y menor de la corteza prefrontal, lo que se traduce en elecciones más arriesgadas en tareas de toma de decisiones en aquellos adolescentes que duermen poco (Venkatraman, Chuah, Huettel & Chee, 2007). Aunque no hay datos procedentes de estudios con RMNf, los que emplean autoinformes y la experimentación con animales relacionan claramente la falta de sueño con la agresividad reactiva (Dahl, 2006; Ireland & Culpin, 2006). En cuanto a factores contextuales relacionados con la maduración de la corteza prefrontal, aunque aún existen pocos datos al respecto, podemos decir que son de dos tipos. Por una parte, todas las experiencias, tanto escolares como extraescolares, de enriquecimiento cognitivo en las que se pongan en práctica estrategias de planificación y toma de decisiones (Oliva, 2007). Por otra parte, hay que hacer alusión al papel que desempeñan el afecto y el apoyo parental durante la infancia y la adolescencia. Los primeros datos en apoyo de esta influencia provienen de la experimentación animal, que ha revelado la relación entre el contacto físico estrecho entre madre y cría y la producción de oxitocina y dopamina, que juegan un importante papel en el desarrollo prefrontal. Así, el fortalecimiento de los inputs de dopamina al prefrontal sería el mecanismo mediante el que los estilos parentales afectuosos, y otras experiencias emocionales placenteras con padres y cuidadores, contribuirían al desarrollo de la función ejecutiva y de un comportamiento adecuado (Eisler & Levine, 2002; Schore, 1994). Pero no hay que desdeñar la importante evidencia empírica acumulada acerca de la relación entre algunas experiencias familiares en la infancia y adolescencia y las conductas antisociales más graves y frecuentes (Perry, 2002). Como han hallado algunos estudios (Roisman, Aguilar & Egeland, 2004; Roisman et al., 2010), uno de los predictores más robustos del comportamiento antisocial adolescente es la baja sensibilidad materna, tanto en la primera infancia como en la niñez y adolescencia. Ello sugiere la importancia de la relación madre-menor para un adecuado desarrollo psicosocial, y de los programas preventivos de fomento de la parentalidad positiva para la prevención de estos problemas. De hecho, investigaciones recientes han demostrado la eficacia de breves intervenciones centradas en familias de alto riesgo (Dishion et al., 2008; Gardner et al., 2009).
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Cerebro y responsabilidad penal Todos los datos expuestos a lo largo de estas páginas ponen de manifiesto la importancia que los hallazgos procedentes del campo de las neurociencias tienen para una mejor comprensión de los procesos psicológicos que tienen lugar durante la adolescencia. Si tenemos en cuenta que el avance más importante de la investigación en este área ha tenido lugar durante la última década, cabe esperar que en los próximos años seguirán produciéndose hallazgos que nos proporcionarán nuevas pistas para diseñar estrategias de intervención sobre algunos de los problemas comportamentales que generan una mayor preocupación social. También ofrecerán una información muy interesante para la toma de decisiones políticas en asuntos tan complejos y polémicos como la responsabilidad penal de los chicos y chicas que comenten delitos siendo menores de edad. Desde algunos sectores sociales y políticos se defiende que no deben establecerse diferencias en cuanto al tratamiento penal de los delitos cometidos por adolescentes o por adultos. Estos defensores de lo punitivo argumentan que los adolescentes no son distintos de los adultos en cuanto a las capacidades que le permiten diferenciar los correcto de lo incorrecto. Además, consideran que el encarcelamiento es la mejor manera para proteger a la sociedad del crimen juvenil, con lo que se reducirían los costes derivados del mismo y se fomentaría el bienestar social. Sin embargo, como hemos expuesto a lo largo de este artículo, la evidencia empírica disponible puede servir de mucha ayuda de cara a tomar decisiones políticas relacionadas con la regulación legal de la adolescencia. La investigación revisada indica que los sistemas cerebrales responsables del razonamiento lógico y el procesamiento de la información básica maduran antes que aquellos encargados de la función ejecutiva y la regulación de las emociones (Steinberg, Cauffman, Woolard, Graham & Banich, 2009). En torno a los 15 años muchos adolescentes muestran capacidades cognitivas muy desarrolladas y similares a las de los adultos, en cuanto a la toma de decisiones en situaciones con poca carga emocional y sin influencia de los iguales. Sin embargo, no puede decirse curre los mismo con respecto a su madurez psicosocial, debido al desequilibrio entre el sistema cerebral que se ocupa de poner en marcha los impulsos y el encargado de frenarlos. Por ello, en situaciones que favorecen la impulsividad, es decir, aquellas en las que hay una alta carga emocional e influencia del grupo, y no hay adultos presentes, las decisiones tomadas no muestran el mismo nivel de madurez y reflexión. Ello va a llevar a chicos y chicas a implicarse en muchas conductas antisociales y arriesgadas, especialmente cuando el grupo se encuentra bajo los efectos eufóricos del alcohol. Por ello, y junto a muchos otros investigadores, defendemos que el sistema judicial debe tratar a los adolescentes que cometen delitos como una categoría intermedia entre la infancia y la adultez: ni como niños exentos de toda responsabilidad, ni como adultos totalmente responsables de sus actos (Scott & Steinberg, 2008; Steinberg, 2012).
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Por otra parte, también existen datos que indican que las medidas punitivas, lejos de ser las más eficaces para proteger a la sociedad, tienden a generar más crimen a medio y largo plazo, ya que los adolescentes encarcelados suelen mostrar tasas de reincidencia más elevadas (Bishop & Frazer, 2000). Aunque una pequeña proporción de adolescentes continuarán e incluso intensificarán su actividad delictiva durante la adultez, los datos existentes indican que la mayoría de ellos abandonarán toda actividad antisocial con la llegada de la adultez temprana (Moffit, 2003; Piquero, 2008; Roisman et al., 2010). Además, hay que tener en cuenta que la enorme plasticidad del cerebro adolescente hará que aquellas experiencias que pudieran tener los jóvenes en prisión no sean las más adecuadas para promover un desarrollo cerebral saludable, llegando incluso a provocar desequilibrios permanentes entre sistemas cerebrales. Ello justificaría las elevadas cifras de reincidencia de los adolescentes encarcelados frente a quienes están sujetos a otro tipo de medidas sancionadoras. Las neurociencias no son exactas Los datos anteriores ponen de relieve las interesantes aportaciones que las recientes investigaciones en el campo de las neurociencias, muchas de ellas utilizando técnicas de neuroimagen, han realizado al estudio del comportamiento antisocial. Estos estudios han resaltado el importante papel de los cambios cerebrales que tienen lugar tras la pubertad. No obstante, como ha señalado Steinberg (2012), sería un error interpretar que estos cambios están totalmente programados genéticamente y son ajenos a las influencias ambientales. Es muy probable que se deban en parte a las experiencias que chicos y chicas tienen a lo largo de estos años. La existencia de cierta base biológica no presupone que la conducta no pueda ser cambiada, muy al contrario, los datos disponibles parecen indicar una gran plasticidad cerebral durante la segunda década de la vida. Una plasticidad que pone de relieve la importancia que las experiencias vividas en los diferentes contextos en los que participan los adolescentes tienen para su desarrollo cerebral y conductual. Es indudable que existe una fuerte tendencia a sobrevalorar la validez y fiabilidad de los estudios llevados a cabo mediante técnicas de resonancia magnética, considerando que están muy por encima de la de los estudios realizados en el campo de la psicología del desarrollo conductual (Oliva, 2010). Sin embargo, esta metodología también tiene sus limitaciones. Como señaló Vul (2009) en un polémico artículo, las medidas obtenidas mediante resonancias magnéticas funcionales no tienen fiabilidades mucho más altas que las medidas psicométricas. Y es que, aunque pudiera pensarse que estas novedosas técnicas de neuroimagen ofrecen fotografías directas del cerebro en acción, no hay que olvidar que se trata de imágenes creadas mediante complejos cálculos estadísticos por un sofisticado software a partir de multitud de datos recogidos. Además, tras la recogida de los datos, los investigadores deben realizar ajustes para corregir
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desviaciones en función del tamaño cerebral, los movimientos de la cabeza del sujeto o la localización de ciertas estructuras cerebrales, por lo que pueden surgir errores e imprecisiones en todo este proceso. Pero el principal problema metodológico, lo detectó Vul a partir del metaanálisis realizado sobre los datos de 55 estudios que ofrecían correlaciones sorprendentemente altas entre medidas obtenidas mediante RMNf y medidas de personalidad o conducta. Este meta-análisis reveló que era bastante usual que los investigadores seleccionasen algunos voxels (como un pixel pero tridimensional que refleja una pequeña área cerebral) que indicaban niveles de actividad en ciertas estructuras cerebrales significativamente distintos de cero, ignorando los demás, y a partir de ellos construían la medida de actividad cerebral. Es como si utilizamos un cuestionario para evaluar la autoestima y relacionarla con el afecto parental, pero en lugar de contar con los 100 ítems que conforman el cuestionario, es decir con la puntuación total en la escala, sólo cogemos aquellos 5 items que muestran las correlaciones más altas con el afecto y usamos su promedio e ignoramos el resto. Esta selección no aleatoria o sesgada hace que el bloque final de medidas seleccionadas no sea independiente del inicial contribuyendo a inflar las correlaciones (non-independent error). Es decir, también las técnicas de neuroimagen tienen su talón de Aquiles y debemos ser prudentes con sus hallazgos. A pesar de estas limitaciones, los avances en el campo de las neurociencias pueden resultar fundamentales para una mejor compresión del desarrollo psicológico humano y sus patologías por dos razones principales. La primera porque pueden añadir apoyo a la evidencia conductual disponible, especialmente cuando ambos enfoques coinciden en sus hallazgos. La segunda porque representan una importante fuente de hipótesis susceptibles de ser comprobadas mediante los métodos de la psicología del desarrollo conductual (Steinberg, 2012). Estamos seguros de que el acercamiento entre ambas disciplinas supondrá un avance científico importante que servirá para mejorar el diseño de políticas sociales y estrategias de intervención dirigidas a la infancia y la adolescencia. Referencias Antolín, L. (2011). La conducta antisocial de la adolescencia. Una aproximación ecológica. Universidad de Sevilla: Tesis doctoral no publicada. Arm, R. G., & Shapka, J. D. (2008). The Impact of Pubertal Timing and Parental Control on Adolescent Problem Behaviors. Journal of Youth and Adolescence, 37, 445–455. Baumrind, D. (1987). A developmental perspective on adolescent risk-taking behavior in contemporary America. En W.Damon, (Ed.), New directions for child development: Adolescent health and social behavior, 37 (pp. 93-126). San Francisco: JosseyBass.
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Alienação parental: síndrome ou não, eis a questão Parental alienation - a syndorme or not, that is the question Marta Costa
Professora de Direito da Família e Direito das Sucessões na universidade Lusíada Advogada em PLMJ (Associada Senior) martacostadacruz@gmail.com
Catarina Saraiva Lima
Advogada em PLMJ (Associada)
Resumo: A alienação parental - ou a consequente síndrome da alienação parental – é um fenómeno que tem vindo a ser estudado, maioritariamente, no âmbito das relações desavindas ou hostis entre progenitores, com reconhecidas consequências prejudiciais para os respectivos filhos. Consiste num processo de destruição das relações da criança com o outro progenitor, através do seu afastamento e denegrimento perante o filho. Esta conduta, que pode ser desenvolvida e promovida, individual ou conjuntamente, por um progenitor ou por qualquer outro familiar, amigo da família, terapeuta ou até advogado, contra o outro progenitor, seus familiares e amigos mais próximos, provoca sérios danos ao bem-estar da criança envolvida, a qual tende a desenvolver desequilíbrios psicológicos, emocionais, sociais, cognitivos e comportamentais. A constatação da alienação parental como situação de facto impulsiona o presente artigo, o qual examina o tratamento dado, pelo ordenamento jurídico português, às relações parentais dos progenitores e filhos em contexto de separação daqueles, nomeadamente à luz da Constituição da República Portuguesa, do Código Civil e da jurisprudência mais recente, para questionar e analisar a sua suficiência para a abordagem de situações reais de alienação parental. Em particular, é examinada a adequação do princípio do Superior
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Interesse da Criança, por si só, para a resolução bastante destes casos, ou, pelo contrário, será mais conveniente, para a ordem jurídica portuguesa, a vigência de uma lei ou normas específicas e especialmente direccionadas à alienação parental. Palavras-chave: Alienação parental; superior interesse da criança; relações parentais. Abstract: Parental alienation – or its consequent parental alienation syndrome - is a phenomenon that has been studied principally in the context of conflicting or hostile relations between parents, with recognised adverse consequences for their children. It is a process of destruction of the child’s relationship with the other parent through separation from and denigration before the child. This conduct, which can be developed and promoted, individually or jointly, by a parent or other relative, family friend, therapist or even a lawyer, against the other parent, their family and closest friends, causes serious damages to the welfare of the child involved, who tends to develop psychological, emotional, social, cognitive and behavioural disorders. The acknowledgement of parental alienation as a real situation motivates this article, which examines how the Portuguese legal system approaches parental relationships of parents and children in the context of separation of the parents., specifically under the Portuguese Constitution, the Civil Code and recent case law, to question and analyze whether or not it is capable of dealing with real cases of parental alienation. In particular, we examine whether the principle of the ‘higher interest of the child’ is, in itself, adequate to resolve these cases or whether, on the contrary, it would be better for the Portuguese legal system to have a law or specific rules specially aimed at addressing parental alienation. Key-words: Parental alientation; childs best interests; parental relationship Introdução Alienação Parental: síndrome ou realidade? Actualmente, em Portugal, mais de metade dos casamentos acabam em divórcio1. Na sequência ou no decorrer da separação de um casal, não são raros 1
Entre 1995 e 2004, verificou-se um aumento de 89,4% de divórcios, em Portugal (dados divulgados pelo Jornal de Notícias, em 08.05.2006, disponível http://www.jn.pt/paginainicial/interior. aspx?content_id=549471, e acedido em 30.05.2012); em 2009, registavam-se 72 divórcios por dia, tendo havido, segundo a actualização de dados do INE realizada a 15.10.2009, 26.464 divórcios e 40.391 casamentos (dados divulgados pelo Diário de Noticias, em 1.11.2010, disponível em http:// www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1700466, e acedido em 30.05.2012); v. ainda, sobre esta matéria, os gráficos disponíveis em http://www.marktest.com/wap/a/n/id~347. aspx, http://www.pordata.pt/Portugal/Divorcios-323, http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa
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nem desconhecidos casos de relações conflituosas e hostis entre ex-cônjuges (ou ex-parceiros), nem tão pouco a constatação de que, quando os casais desavindos têm filhos, estes últimos acabam, muitas vezes, por ser colhidos e envolvidos no centro de tais conflitos conjugais. O mesmo se diga relativamente aos filhos de progenitores que, por qualquer razão, nunca conviveram como casal. Acresce que, com a actual emancipação da mulher, como profissional, e responsabilização do homem, como pai, as disputas pela tutela das responsabilidades parentais e as reivindicações de participação activa na vida dos filhos multiplicam-se, o que contribui para a inflamação das discórdias. Lamentavelmente, nos contextos descritos, são reconhecidos casos de pais que manipulam os filhos no âmbito desse conflito, influenciando-os a tomar posição nele, como “soldados” da sua “guerra”, e, escudando-se na sua fragilidade, utilizando-os como instrumento de agressividade no processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge, educando-os no ódio por este progenitor e, alcançando, a final, o seu afastamento da criança, ou até a total destruição das suas relações: esta campanha de difamação ou descrédito de um progenitor pelo outro pode ser identificada como alienação parental. O termo “alienação parental” baptiza um fenómeno que não é novo, mas cujo conhecimento como realidade específica é relativamente recente. O ponto de partida para o reconhecimento e estudo do fenómeno da alienação parental surge com a definição, proposta pela primeira vez pelo psiquiatra infantil norte-americano Richard Gardner (1931-2003), em 1985, da “síndrome da alienação parental”, para descrever o transtorno ou perturbação de uma criança, resultante de um processo de alienação parental, isto é, da situação em que um seu progenitor a “programa” e manipula de modo a romper os laços afectivos com o outro progenitor, através de uma campanha de brainwashing destinada a denegrir este último. A particularidade do contributo de Gardner, fruto das experiências clínicas que desenvolveu desde o início da década de 80, foi a qualificação das consequências emocionais e psicológicas, para a criança, resultantes de uma situação de alienação parental, como síndrome. Síndrome significa um conjunto de sinais e sintomas que caracterizam especificamente uma doença ou condição de saúde, diferenciando-a de outras. Exemplos de síndromes genericamente conhecidos são as síndromes de Down2, de Estocolmo3, +bruta+de+divorcialidade-651. A Síndrome de Down, ou Trissomia 21, é um distúrbio genético causado pela presença de um cromossoma 21 extra. Foi descrita pela primeira pelo médico britânico John Langdon Down, em 1862, e está associada, entre outros, a dificuldades cognitivas e outras relacionadas com o desenvolvimento físico. 3 A Síndrome de Estocolmo foi baptizada pelo criminólogo e psiquiatra Nils Bejerot, e recebe o seu nome por referência ao famoso assalto do banco Kreditbanken, em Norrmalmstorg, Estocolmo, ocorrido em 23 de Agosto de 1973. Os funcionários do banco foram tomados como reféns durante seis dias, e desenvolveram simpatia pelos assaltantes, tendo-os inclusivamente defendido, após a sua libertação. A síndrome de Estocolmo consiste, precisamente, no desenvolvimento, pela vítima, 2
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de Peter Pan4 ou de Imunodeficiência Adquirida5. Assim, Gardner veio qualificar o transtorno psicológico da criança vítima do processo de alienação parental como uma perturbação psicológica autónoma, com características e sintomas próprios, diagnosticável e sujeita a tratamento médico (psicológico e/ou psiquiátrico) específico. O reconhecimento da síndrome da alienação parental não é desprovido de controvérsia. Desde logo, esta síndrome não é reconhecida nos actuais sistemas de classificação de saúde, tais como o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-V)6 da Associação Americana de Psiquiatria, ou a Classificação Internacional de Doenças (CID-10)7 da Organização Mundial de Saúde8. Por outro lado, a jurisprudência norte-americana rejeitou a síndrome da alienação parental9, considerando que lhe faltaria base científica e metodológica para o efeito. Os próprios tribunais portugueses que referem esta síndrome, fazem-no como mera definição, e não como diagnóstico. Entre nós, Maria Clara Sottomayor10 também é fervorosa crítica do conceito de síndrome da alienação parental, apontando, além da sua não aceitação pela Associação de Psiquiatria Americana e pela Organização Mundial de Saúde, e da inobservância de critérios de admissibilidade científica exigidos pelos tribunais norte-americanos, o carácter indeterminado e circular dos critérios diagnósticos. A este propósito, refere: “O trabalho de Gardner não tem um carácter científico porque se limita a descrever um de sentimentos de empatia e identificação emocional com o seu agressor (tradicionalmente é identificado o agressor com um sequestrador, mas esta síndrome pode ser desenvolvida perante outros tipos de agressão/agressor). 4 A Síndrome de Peter Pan, ou “síndrome do homem que nunca cresce” foi aceite no meio da Psicologia, desde a publicação do livro The Peter Pan Syndrome: Men Who Have Never Grown Up, escrito em 1983 pelo Dr. Dan Kiley. Não há evidências de que esta síndrome seja uma doença psicológica real, e por isso não está referenciada nos manuais de transtornos mentais, não constando, designadamente, no DSM IV. Esta síndrome caracteriza-se por determinados comportamentos imaturos em aspectos comportamentais, psicológicos, sexuais ou sociais. 5 Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, vulgarmente denominada Sida: condição de deficiência no sistema imunológico, provocada pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH ou HIV). 6 Disponível para consulta em http://www.dsm5.org/Pages/Default.aspx. Gardner e outros propuseram e defenderam a sua inclusão na revisão do Manual, mas o DSM-V não incluiu a Síndrome da alienação parental. 7 Disponível para consulta em http://www.who.int/classifications/icd/en/. 8 A título ilustrativo, v. declaração contra o uso clínico e legal da Síndrome de Alienación Parental, emitida oficialmente pela Asociación Española de Neuropsiquiatría, membro da World Psychiatric Association, World Federation For Mental Health e Mental Health Europe, onde conclui: “La AEN concluye que el SAP tal y cómo lo inventó Gardner no tiene ningún fundamento científico y si entraña graves riesgos su aplicación en la corte judicial” (disponível em http://www.observatorioviolencia.org/upload_images/File/DOC1273742537_Pronunciamiento_SAP_AEN.pdf). 9 V., entre outros, e por todos, caso Frye v. United States, Court of Appeals of District of Columbia, cujo texto pode ser consultado em http://www.daubertontheweb.com/frye_opinion.htm. V. http:// www.dvleap.org/Programs/CustodyAbuseProject/PASCaselaw.aspx, onde estão disponíveis resumos de vária jurisprudência norte-americana. Em particular, caso The People of the State of New York v. Fortin, no âmbito do qual o Supremo Tribunal se pronunciou contra a validade científica da SAP. 10 Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, pp. 160 ss.
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fenómeno – a alienação da criança em relação a um dos pais – mas não se baseia em estudos rigorosos que determinem os motivos da recusa da criança, nem demonstra uma relação de causa e efeito entre alienação e manipulação da criança (...). Com efeito, a campanha para denegrir o progenitor pode não existir e a criança, ainda assim, manifesta sentimentos de recusa em relação a um dos pais por motivos pessoais, ou mesmo que a campanha existe, os critérios de SAP não demonstram uma relação de causalidade entre estes dois factos”11. Independentemente do reconhecimento da síndrome da alienação parental enquanto fenómeno médico ou científico, a alienação parental constitui uma situação de facto que incontestavelmente ocorre em muitas famílias em ruptura, e as suas consequências para a criança, autonomamente diagnosticáveis ou não, são reais e severas. A distância física e afectiva estabelecida entre uma criança e um progenitor, bem como a rejeição injustificada e desrazoável pelo filho relativamente a este, fazem parte de uma dinâmica de alienação (re)conhecida no âmbito das separações litigiosas, e cuja descrição, independentemente da sua qualificação médica, se enquadra perfeitamente nas descrições do fenómeno da alienação parental desenvolvidas por Gardner12. Não nos cabe, porém, enquanto estudiosos do Direito, tomar posição sobre a controvérsia relativa à autonomização e qualificação médica das sequelas psicológicas da alienação parental (que deve pertencer à comunidade científica), e a eventual utilização do termo “síndrome da alienação parental” não pretende assumir qualquer posição na referida discussão, mas apenas identificar o fenómeno de ocorrência reconhecida. A alienação parental consubstancia, de facto, uma grosseira violação do superior interesse das crianças, devido salvaguardar. Não nos parece pacífico, no entanto, o modo como este tema deva – ou não - ser abordado pelo legislador e pelos tribunais. No âmbito da própria doutrina nacional, não existem estudos desenvolvidos sobre a alienação parental, o que dificulta a tarefa de reflexão, por serem poucas as vozes a contribuir para a controvérsia que julgamos poder ser suscitada. Ainda assim, tal análise será aqui desenvolvida: o presente estudo procurará examinar sucintamente o fenómeno da alienação parental, do ponto de vista do reconhecimento (ou da sua ausência) e tratamento dado (ou devido) pelo ordenamento jurídico português, em particular, pelo legislador e pelos tribunais. Processo De Alienação E Consequências Práticas A alienação parental está associada a um contexto de relações hostis entre os progenitores da criança, quer porque não têm ou nunca tiveram qualquer Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, p. 163. 12 Raquel Pacheco Ribeiro de Sousa, na sua tese “Psicologia Forense e Psicologia Jurídica: Síndrome da Alienação Parental e Narcisismo”, apresentada na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, e disponível em http://www.psicologiananet.com.br/ psicologia-forense-e-psicologia-juridica-pesquisa-cientifica-com-o-tema-sindrome-de-alienacaoparental-e-narcisismo/1953/. 11
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relação, quer por motivo de separação, no âmbito da qual o luto não é feito adequadamente e a animosidade das relações entre os ex-cônjuges é conduzida através da criança, que é utilizada como “arma” do conflito. Esta cruzada pode ser levada a cabo, por parte do agente alienante, através de condutas como as seguintes: limitar ou excluir o contacto da criança com o progenitor alienado (e com a sua família); manifestar desagrado perante o contentamento da criança em estar com o progenitor alienado; levar a criança a pensar que foi abandonada ou que não é amada pelo progenitor alienado; sugerir à criança que deve optar entre a mãe ou o pai, fazendo-a tomar partido no conflito; sugerir à criança que o progenitor alienado é perigoso; evitar mencionar o progenitor alienado em casa; desvalorizar o progenitor alienado, os seus hábitos, a sua profissão ou os seus amigos; cultivar a dependência da criança em relação ao progenitor alienante; não comunicar ao progenitor alienado factos importantes relacionados com a vida dos filhos (tais como as relacionadas com escola, médico, comemorações, etc.); tomar decisões importantes sobre a vida dos filhos, sem prévia consulta do outro progenitor (por exemplo, escolha ou mudança de escola); interferir nas visitas do outro progenitor, fazer interrogatórios sobre as mesmas e controlar excessivamente os seus horários; atacar a relação entre o filho e o outro progenitor; recordar à criança, com insistência, motivos ou factos ocorridos que levem a criança a aborrecer-se com o progenitor alienado; transformar a criança em espiã da vida do progenitor alienado; estragar, esconder ou descuidar os presentes que o progenitor alienado dá ao filho; proferir comentários desdenhosos sobre presentes ou roupas compradas pelo progenitor alienado, ou actividades feitas com o mesmo; emitir falsas acusações de abuso sexual, uso de drogas e álcool; induzir culpa na criança por ter uma boa relação com o progenitor alienado; entre tantos outros quantos os que a imaginação humana permitir13. Note-se que as condutas descritas, isoladamente analisadas, não são indicadores absolutos nem identificam obrigatoriamente, por si só, a existência de uma situação de alienação parental. A alienação parental pode assumir diversos níveis de gravidade ou intensidade. Com efeito, é diversa a ocorrência ocasional de um insulto ao progenitor alienado, em frente à criança, da situação em que o progenitor alienante propositada e conscientemente procura destruir a relação entre aqueles. São reconhecidos três tipos de agentes alienantes14: o alienante ingénuo, o alienante activo e o alienante obcecado. Os alienantes ingénuos, embora reconheçam e aceitem a importância de uma relação saudável e afectiva entre a criança e o V. “A Morte Inventada”, disponível em www.amorteinventada.com.br, onde podem ser consultados testemunhos de alienação parental (seleccionando “Algumas Palavras” e “Experiências”). 14 V. Three Types of Parental Alienators, Douglas Darnall, disponível em www.parentalalienation.com. Richard Gardner procedeu ainda à distinção de três níveis de gravidade da alienação parental: leve, moderada e grave. V., a este próposito, referência feita por Janelle Burril, Parental Alienation Syndrome in Courts: Reference to Custody Cases, 2002, disponível em http://books.google.pt/ books?id=1fR_toiYWAgC&printsec=frontcover&hl=pt-PT&source=gbs_ge_summary_r&cad=0# v=onepage&q=gardner&f=false. 13
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outro progenitor, tendo a capacidade de distinguir as necessidades da criança das próprias, por vezes adoptam, inadvertidamente, condutas alienantes; os alienantes activos, por outro lado, ainda que tenham a referida capacidade de discernir as necessidades das crianças das suas e reconhecerem e aceitarem a importância de uma relação saudável e afectiva entre a criança e o outro progenitor, têm dificuldade em controlar a sua frustração junto da criança e perante o relacionamento desta com o outro progenitor e sua família, vacilando, assim, entre um comportamento alienante compulsivo e a reparação dos danos cometidos; já os alienantes obcecados assumem fervorosamente a causa de alinhar a criança do seu lado do conflito contra o outro progenitor, manipulando a criança de forma a incutir-lhe os seus próprios sentimentos, mágoas e crenças sobre o progenitor alienado, as quais se sobrepõem ao superior interesse da criança e monopolizam qualquer relação que esta possa ter com aquele. Da mesma maneira que a alienação parental pode não visar exclusivamente um progenitor, mas também os seus familiares e amigos, do lado activo a alienação parental pode também não ser (como em muitos casos não é) levada a cabo exclusivamente pelo progenitor, mas também ser apoiada e promovida por outros familiares, como os avós, os tios ou os novos companheiros dos progenitores em causa, e até pelos amigos mais próximos da família. De facto, é comum que o progenitor alienante se faça rodear por pessoas que apoiem a crença segundo a qual a criança precisa de ser protegida do progenitor visado, e é comum que, no âmbito das relações conflituosas entre ex-cônjuges ou exconviventes, as pessoas mais próximas tomem o partido do progenitor da sua família ou das suas relações, e alinhem no processo de denegrimento do progenitor alienado. Também os advogados dos progenitores alienantes podem ter um contributo decisivo no processo de alienação do outro progenitor, inclusivamente potenciando-o. Com efeito, num contexto de disputa judicial pela tutela de menores, o advogado do progenitor alienador poderá trazer a juízo todos os argumentos e explorar todas as vias possíveis para obter a decisão que seja do melhor interesse do seu cliente – o qual pode não coincidir com o superior interesse da criança, e até ser-lhe totalmente contrário. Se este advogado não tiver a sensibilidade para aconselhar uma solução que optimize o efectivo bemestar da criança em vez da vontade exclusiva do seu cliente, que poderá ser um progenitor alienante (ou não o conseguir fazer, e não quiser, ainda assim, perder o cliente), irá pugnar judicialmente pela obtenção do máximo poder de decisão e de facto sobre o menor, em favor do seu representado, e poderá, para o efeito, desenvolver e prorrogar a própria conduta alienante, por exemplo, invocando perante o tribunal a inabilidade parental do progenitor alienado, a sua perigosidade (ainda que duvidosa) ou o receio e ódio que as crianças sentem por este – tudo para, a final, obter decisão que lhe seja favorável. Note-se ainda que as progenitoras constituem a larga maioria dos progenitores alienantes. Esta constatação tem uma razão simples: o progenitor
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alienante é, regra geral, aquele que detém a guarda da criança. Ora durante muitos anos, nos processos de regulação das responsabilidades parentais, a tutela era invariavelmente entregue às mães15, por aplicação da “presunção dos primeiros anos”, segundo a qual as mães estariam melhor preparadas para cuidar de crianças de tenra idade, e pelo papel social que tem sido atribuído e assumido pela mulher desde sempre. Recentemente, no entanto, os papéis do homem e da mulher “neutralizaram-se”, aproximando-se, na sociedade e na família: verificase uma clara emancipação da mulher no mercado de trabalho, destacando-se do seu papel tradicional de esposa e mãe para procurar uma carreira profissional, e, simultaneamente, o homem deixa de ser apenas o “ganha-pão” do lar, para se envolver mais intimamente no seio familiar, partilhando o cuidado e a educação dos filhos. Este fenómeno traz novas soluções de exercício das responsabilidades parentais em caso de separação, como a guarda partilhada, mas também resulta no aumento de disputas, judiciais ou de facto, sobre essa guarda, o que potencia, quando as relações entre os progenitores são conflituosas, a ocorrência de processos de alienação parental. Finalmente, no centro de tudo o exposto, a criança - principal razão do presente artigo e de qualquer estudo sobre alienação parental. As consequências da alienação parental são devastadoras para a criança, podendo ser, em casos particularmente graves, irreversíveis. As crianças alienadas crescem num estado de espírito enfurecido e deprimido, com relações inexistentes ou deficientes com o progenitor alienado, acabando por desenvolver, em sua consequência, fortes sentimentos de ansiedade, ódio ou temor em relação ao este (que passa a ser visto como um intruso, persona non grata )16, bem como imagens distorcidas das figuras Não foi senão a partir dos anos 70, nos EUA, que os tribunais americanos começaram a defender e aplicar a tese segundo a qual o superior interesse da criança impunha que a atribuição da custódia devia ser cega perante o género, e que foi ganhando popularidade a atribuição da custódia conjunta. A partir do momento em que os tribunais americanos começaram a atender às reivindicações dos progenitores masculinos, registou-se, como nota Gardner, um incremento do fenómeno da Síndrome da alienação parental. V. Richard Gardner, “Judges Interviewing Children in Custody/Visitation Litigation”, 1982, disponível em http://www. fact.on.ca/Info/pas/gardnr87.htm. Em Portugal, a guarda conjunta ainda é apenas timidamente ponderada, e continua a prevalecer a atribuição da mesma à mãe. V., entre outros, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.12.2006 (processo n.º 3456/2006-8), no âmbito do qual, ainda que defendendo a guarda conjunta ou alternada, se atribui a guarda à mãe, pelos motivos expostos: “I - O regime da “ guarda conjunta” ou “ guarda alternada” afigura-se o regime de regulação do exercício do poder paternal mais em conformidade com o interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respectivas famílias. II - Não se deve exagerar o facto de representar inconveniente para a criança a mudança de residência pela instabilidade criada, considerando que a instabilidade é uma realidade presente e futura na vida de qualquer criança com pais separados e, por outro lado, na realidade o que a criança adquire são duas residências cada qual com as suas características próprias, que permitem o contacto mais constante e efectivo com os dois pais, não devendo esquecer-se a extraordinária adaptabilidade das crianças a novas situações. III- No entanto, este regime não é, face à lei que nos rege, o regime-regra, pois, atento o disposto no artigo 1905.º/1 do Código Civil, a guarda conjunta pressupõe o acordo dos pais. IV- Por isso, na falta de um tal acordo, impõe-se atribuir a guarda da criança ou ao pai ou à mãe; ora, tratando-se de criança de tenra idade (criança com cerca de dois anos e meio), é de atribuir à mãe a guarda da criança principalmente quando se constatam fortes laços afectivos entre a criança e a mãe”. 16 V. o testemunho de uma jovem vítima de alienação parental, divulgado pelo jornal Públi15
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paterna e materna, e conceitos perturbados de família e de relações pessoais, em geral17. São designadamente identificados, pela comunidade médica18, os seguintes comportamentos (“sintomas”), por parte da criança: hostilidade ou ódio irracional pelo progenitor alienado, similar à do progenitor alienante, e muitas vezes estendidos à família daquele19; recusa em visitar ou passar tempo com o progenitor alienado; identificação e imitação do progenitor alienante; sensação de poder devida à aliança com o progenitor alienante; incapacidade de apresentar razões válidas para rejeitar o progenitor alienado, relatando apenas o que lhe haja sido transmitido como se fossem sentimentos próprios; incapacidade de reconhecimento de qualquer qualidade ou elemento positivo relativo ao progenitor alienado; dificuldade em distinguir o que lhe foi transmitido das suas próprias memórias (falsas memórias) do progenitor alienado; ausência de culpa na forma de tratamento do progenitor alienado. co em 22.04.2012, e disponível em http://www.publico.pt/Sociedade/as-vitimas-somosnos_1543085?all=1 (acedido em 30.05.2012). V. 17 V., a título ilustrativo, o extracto de relatório de avaliação psicológica de menor envolvida num litígio com características de alienação parental: “A M. não fala espontaneamente do pai, mas só quando solicitada. Após esta solicitação o desenho denota muita tensão (tendo inclusivamente furado a folha) e aparecem afectos depressivos. De ressaltar também são os temas edipiano e da dependência relativamente à figura materna que se evidencia de igual forma nas suas respostas ao Teste do Pata Negra onde denota um desejo regressivo de exclusividade. Também aqui se torna evidente uma problemática edipiana vivida de forma angustiante. Estas provas revelam um mundo interno povoado de objectos ameaçadores (principalmente ao nível da imagem paterna) e angústias abandónicas. Os afectos agressivos podem ser dirigidos às figuras femininas enquanto que as figuras masculinas estão só ligadas à sexualidade. Há uma acentuada dificuldade em incluir figuras masculinas na sua vida. A M. parece estar a associar agressividade com figuras masculinas, tendo efectuado como que uma clivagem, como se deixasse de ter acesso. Ao nível do seu mundo interno não há relação de cuidado, de afecto, por parte das figuras masculinas; os homens só entram na sexualidade. (...) A utilização destas defesas de carácter obsessivo parece ter sido então o modo que a M. tem usado para lidar com os medos e angústia com que tem vivenciado a sua relação com o pai, no contexto da separação da mãe que é sentida como extremamente violenta e ameaçadora. (…) Considerando o exposto, a M. apresenta indicação para psicoterapia; tendo sido proposto um acompanhamento psicoterapêutico de peridiocidade semanal a inicial em Abril. Parece também fundamental a mediação das suas visitas ao Pai no sentido de uma progressiva reparação desta relação” (acórdão do Tribunal da relação de Guimarães, de 6.01.2011, processo 2255/08.3TBGMR-G.G1, disponível em www.dgsi.pt). 18
V. Ludwig Lowenstein, “Parental Alienation due to a shared psychotic disorder (Folie a Deux)”, disponível em http://www.parental-alienation.info/publications/41-paraliduetoashapsydisfoladeu.htm. V. também Douglas Darnall, “What does a severely alienated child look like?”, 1998, disponível em http://www.parentalalienation.org/articles/alienatedchild.html.
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Ludwig Lowenstein faz uma analogia ao fenómeno “folie a deux”, conceito descrito originalmente por Lasegue e Falret em 1877, para descrever a situação na qual duas pessoas partilham, por factores genéticos, ambientais, interpessoais, sociais e culturais, a mesma psicose. Esta condição é classificada pelo CID-10 como “Transtorno psicótico induzido” (F24), na sub-categoria “Transtorno esquizotípico” (F20 a 30), e no DSM como “Transtorno psicótico compartilhado”. Este tipo de psicose partilhada pode ocorrer por no âmbito de uma relação de poder (“Folie imposée”). Lowenstein inclusivamente equipara a síndrome da alienação parental à síndrome de Estocolmo, na medida em que o progenitor alienante, através da sua influência monopolizadora, e aproveitando-se do medo, da dependência e da carência da criança envolvida no conflito, logra doutriná-la, obtendo a sua total lealdade e obediência, em prejuízo do progenitor alienado, in “The comparison of parental alienation to the “Stockholm syndrome”, 2006, disponível em http://www.parental-alienation.info/ publications/46-thecomofparalitothestosyn.htm (v. Nota 4).
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Como consequência, as crianças vítimas de alienação parental tendem a desenvolver desequilíbrios psicológicos, emocionais, sociais, cognitivos e comportamentais, os quais se poderão reflectir em ansiedade, agressividade, medo, insegurança, desmotivação, isolamento, depressão, hostilidade, fraco desempenho escolar, incapacidade de concentração, transtorno de identidade, e, numa idade mais avançada, tendência para dependências (como abuso de álcool e drogas), criminalidade e comportamentos suicidas20. A Escalada da alienação: alienação cruzada, falsas memórias, falsas denúncias A conflituosidade entre os progenitores, e bem assim o processo de alienação parental, pode assumir fortes proporções, e, muitas vezes, a hostilidade de um dos progenitores atiça a hostilidade do outro, observando-se uma escalada da animosidade das relações. O propósito último dos progenitores desavindos, nestas circunstâncias, desconcentra-se do superior interesse da criança, para se concentrar na “guerrilha” montada, e a lucidez das responsabilidades parentais é muitas vezes turvada por despeito, ciúme, raiva, vingança e obsessão. Nestes casos, pode chegar-se a uma situação denominada por alienação parental cruzada: esta situação ocorre quando a campanha de difamação e afastamento do outro progenitor é levada a cabo por ambos os ex-cônjuges desavindos, sendo a criança sujeita a uma dupla alienação, bombardeada de todos os lados, e arriscando-se a atingir o colapso emocional. Esta situação pode acontecer ainda que, originalmente, apenas um dos progenitores haja iniciado o processo de alienação contra o outro, podendo o progenitor alienado vir assumir, em consequência, um papel de alienante como “defesa” e reacção ao processo a que está a ser submetido, sem se dar conta que acaba por prejudicar, de igual modo, a criança vítima do conflito. Em casos de alienação particularmente fortes, pode ainda dar-se o fenómeno das falsas memórias: as crianças são, por natureza, sugestionáveis, e as crianças vítimas de alienação parental são especialmente vulneráveis. A fidelidade devida ao progenitor alienante (a maior parte das vezes, aquele com quem a criança reside) pressiona a criança a tomar o seu partido no conflito existente. Estas crianças, com particular relevo para as mais novas, acabam por acreditar nas histórias, exageradas ou inventadas, contadas pelos agentes alienantes, criando, 20
V. Stephanie de Oliveira Dantas, “Síndrome da Alienação parental”, 2011, São Paulo, disponível em http://fc243dbe-a-62cb3a1a-s-sites.googlegroups.com/site/alienacaoparental/textos-sobre-sap/ StephaneMonografia-Sindromedaalienacaoparental-VERSOLIMPA__2_.pdf?attachauth=ANoY 7cqr99Kwzy0n1U5lm6I-EMou_j46boGF_uJks8-5dL4eIpQ9ooCII_W8wkqV8-ikLHn2jxcDi6BqTz3Kz_fIJ_Sn0okXHmE0wYJczsNItq7XD3EYFaK6rRLty_zUl9K5xwu1AMthyjJfAC8f8swBlrFS9s_B4 qsuKICWXhBnzrcFZstRn3Dt33i3S2CCz5Vx8z_1Jfab2ZSWSmpUdcgstuOUVIy1bv8Ar5kTAx WoRQmFvKYH_8iWZwYNqAICgu3s9-gAyHcRQsZ_8dnFg09UNSIprETe38Rcy1oeOoFEM uG1Y1Xgd0F2cscd_J5czOJCRlCz6bNA&attredirects=0. V. outras monografias sobre o tema, disponíveis em http://www.alienacaoparental.com.br/monografias.
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inclusivamente, memórias próprias de acontecimentos que não aconteceram ou aos quais não assistiram, reivindicando, assim, como seu, o ódio do progenitor alienante pelo progenitor alienado. Um dos mais graves exemplos desta escalada de agressividade e alienação é o caso das falsas denúncias de abuso dos menores, feitas pelos progenitores alienantes contra os progenitores alienados, em particular, as queixas de abuso sexual. Este foi, precisamente, o ponto de partida de Gardner para o estudo e desenvolvimento da síndrome da alienação parental: a constatação de que, no âmbito de relações extremamente hostis entre ex-cônjuges, eram não raramente apresentadas falsas queixas de abuso, como actos de alienação. Quando uma queixa deste teor é apresentada, mesmo os tribunais que tenham consciência deste fenómeno se vêem encurralados, pois ainda que desconfiem da veracidade da denúncia, a mínima dúvida sempre obrigará a que se interrompa o contacto entre o menor e o alegado abusador, ou, pelo menos, a estabelecer um regime de visitas vigiado, até que se apure a verdade. Os progenitores alienantes que utilizam esta poderosa táctica (e os advogados que alinham na jogada) têm esta consciência e conhecem a eficácia deste acto. Neste âmbito, os menores são muitas vezes instruídos para alinhar na história, com vocabulário e narrativas que não lhes pertencem, e este aspecto constitui também, ele próprio, um abuso emocional do menor, pois são-lhe transmitidas e incutidas realidades perversas e violência que na verdade, felizmente, desconhecem. A questão das falsas memórias pode ter, aqui, impacto determinante. São muitas vezes chamados a tribunal, na qualidade de peritos, especialistas nestas matérias, para determinar se houve, realmente, um abuso sexual do menor21. No entanto, estas perícias não são absolutas, havendo uma margem de erro significativa que poderá levar a um juízo equivocado, com consequências drásticas para a criança, designadamente se o progenitor acusado for inocente, e o tribunal, por cautela ou por convicção, proíba imediatamente o seu contacto com o menor, até que sejam concluídos os procedimentos criminais (o que pode tardar muitos anos e conduzir ao aniquilamento irreversível das 21
O Tribunal da Relação de Lisboa refere, em acórdão de 19.05.2009: “O depoimento da criança é muito complexo e está sujeito a muitas condicionantes. Aquilo que elas afirmam com sinceridade, espontaneidade e simplicidade e que parece credível, pode não o ser. É muito difícil à criança fixar a linha divisória entre a verdade e a mentira, entre a ficção e a realidade, entre os seus pensamentos e a verdade objectiva. A criança mente frequentemente, consciente ou inconscientemente, podendo mesmo os seus relatos apresentar muitos pormenores e coloridos. Por tudo isto, assume especial relevância que os seus inquiridores sejam técnicos especializados, psicólogos e pedopsiquiatras, uma vez que se está perante factos a averiguar (a existência ou não de abuso sexual de menores) que exigem especiais conhecimentos no domínio da psicologia e pedopsiquiatria que os julgadores, em virtude da sua formação académica, não possuem. As perícias destes técnicos é livremente apreciada com as restantes provas que forem produzidas sobre os factos que dela são objecto (art.º 389º do Cód. Civil), podendo o juiz controlar as perícias e afastar-se mesmo delas se as reputar incorrectas, desde que o faça fundamente” (processo n.º 2190/03.1TBCSC-B.L1-7), disponível em www.dgsi.pt. V. ainda, sobre os indícios do abuso sexual do menor, Ludwig Lowenstein in “How can the truthfulness of children making child sex abuse allegations be established?” e “The Complexity of Investigating Possible Sexual Abuse of a Child”, 2010, ambos disponíveis em http://www.parental-alienation. info/.
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relações entre o progenitor e o filho, premiando-se o recurso a esta estratégia e a campanha de alienação parental bem-sucedida). Note-se, no entanto, que a própria divulgação e consciência do fenómeno da alienação parental também pode ter efeitos perversos, surgindo o risco de os tribunais interpretarem denúncias verídicas como actos de alienação por parte do denunciante, permitindo ou impondo, em consequência, o restabelecimento das visitas do progenitor “alienado”22. Com efeito, neste âmbito, existem também casos de falsas denúncias de alienação parental, a qual pode ser utilizada perante os tribunais como forma de explicar a rejeição da criança em relação a um dos progenitores, ou como defesa de quaisquer denúncias de abuso, designadamente violência doméstica, maus tratos físicos, psicológicos ou outros, abuso sexual, deslocando a culpa para o progenitor protector. A percepção pelos tribunais das condutas de alienação parental complica-se perante a dificuldade de prova deste tipo de matérias: a criança não quer estar com dado progenitor porque simplesmente não tem boas relações com ele?; porque canalizou a sua dificuldade em lidar com a separação dos pais culpabilizando espontaneamente aquele que saiu de casa ou aquele que expulsou o outro de casa?; porque o referido progenitor não cultivou a sua relação com a criança depois da separação?; porque assim a instruíram?; porque o progenitor com quem vive promove uma campanha de difamação contra ele?; porque é vítima de abusos? A hostilidade das relações vigente entre os progenitores desavindos, frequentemente acompanhada de uma postura de não cooperação, tornam a situação muito difícil de analisar, e a distinção entre as más relações dos progenitores e as reais necessidades da criança, interesse primário a salvaguardar, é intrincada. A escalada de agressividade das relações entre os progenitores potencia a escalada de uma campanha de alienação parental com recurso às mais radicais condutas, desembocando numa gravíssima (e, em certos casos, irreversível) violação do superior interesse da criança envolvida. As questões abordadas dificultam a resposta à questão: como deve o ordenamento jurídico abordar a alienação parental? Família e Direito: o contexto legal da Alienação Parental Introdução: a Família e o estado As relações humanas são, por natureza, complexas. As relações familiares, entre estas, são-no especialmente, pois supõem uma intimidade e um 22
Maria Clara Sottomayor alerta: “Os estudos de Gardner têm contribuído para que as alegações de abuso sexual, nos processos de regulação das responsabilidades parentais se presumam falsas”, in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, pp. 170 ss.
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funcionamento próprios. A família, causa ou consequência destas relações, não é apenas uma unidade de enorme relevo na sociedade, cuja evolução impele e da qual beneficia23; a família é a célula base de qualquer sociedade, sendo o modo mais natural e instintivo de organização e modelo de vida do Homem24. Simultaneamente, a família é uma “unidade privada e espaço particular dos afectos”25, tão individual e irrepetível quanto o próprio indivíduo, e cujas decisões, comportamentos e valores adoptados no seu seio são únicos e dotados de especial privacidade. Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira referem que: “A desfuncionalização [política e económica] da família reforçou porém a sua intimidade e permitiu que se revelassem, por assim dizer, as funções essenciais e irredutíveis do grupo familiar: nas relações entre os cônjuges, a sua mútua gratificação afectiva e, por outro lado, a socialização dos filhos, ou seja, a transmissão da cultura, como conjunto de normas, valores, “papéis” e modelos de comportamento dos indivíduos. Embora tal “socialização” se faça também na escola e mesmo fora desta, a família é ainda hoje o grande mediador cultural, nela se operando, como alguém escreveu, o “segundo nascimento” do homem, ou seja, o seu nascimento como personalidade sócio-cultural, depois do seu “primeiro nascimento” como indivíduo físico”26. Nesta medida, a família não é tanto uma instituição que valha por si mesma, mas sobretudo um instrumento oferecido a cada pessoa a fim de permitir o desenvolvimento da sua personalidade e a dos outros com quem interage27. Nas palavras de Jean 23
A vida familiar e, consequentemente, o direito da família, conheceram uma mutação deveras significativa nas últimas quatro décadas em todo o Continente Europeu, à semelhança do que sucedeu um pouco por todo o mundo ocidental. V. e.g., Antonio Cicu, Il diritto di famiglia. Teoria generale (Lettura di Michele Sesta), Momenti del pensiero giuridico moderno, testi scelti a cura di Pietro Rescigno, Sala Bolognese, Bologna, 1978, p. 91; Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pp. 253 ss; Cesare Massimo Bianca, Le autorità private, Jovene editore, Napoli, 1977, pp. 10 ss; Kurt Furgler, «L’évolution actuelle et les perspectives d’harmonisation du droit de la famille au sein de l’Europe», in Il diritto di famiglia e delle persone, Vol. II, 1977, p. 916. Elena Urso salienta a grande capacidade de adaptação do direito da família, reflectindo «quasi fosse uno “specchio” – i mutamenti che incidono sul tessuto sociale, in un determinato momento storico» [«Il diritto di famiglia nella prospettiva “europea”», in Il diritto di famiglia nell’Unione Europea: formazione, vita e crisi della coppia, a cura di Francesca Brunetta d’Usseaux, Cedam, Padova, 2005, p. 515]. V. também Elisabeth Beck-Gernsheim, La reinvención de la familia. En busca de nuevas formas de convivencia, Paidós, Barcelona, 2003, passim.
24
Honoré de Balzak escreveu: “Considero a família e não o indivíduo como o verdadeiro elemento social” (Comédia Humana, Cenas da Vida Privada, “La maison du “Chat-qui-pelote”, 1801, disponível em http:// scans.library.utoronto.ca/pdf/4/15/lamaisonduchatqu00balzuoft/lamaisonduchatqu00balzuoft_bw.pdf).
25
Isabel Dias, “Família e Discurso Político: Algumas Pistas e Análise”, 1994, disponível em http://ler. letras.up.pt/uploads/ficheiros/1319.pdf.
26
Curso de Direito da Família, Coimbra Editora, Coimbra, 3.ª edição, volume I, p. 147. V. também, sobre os caracteres do Direito da Família, pp. 188 ss.
27
É de acordo com esta acepção que Diogo Leite de Campos descreve a família, ensinando que «quem se ocupa da família fala de amor, pois a família é uma sede privilegiada do dar, do ser para os outros e para com os outros», Nós (Estudos sobre o direitos das pessoas), Almedina, Coimbra, 2004, p. 166. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira referem, em anotação ao artigo 67.º da CRP, “que este preceito reconhece a familia (...) enquanto instituição, como titular directo de um direito fundamental, se bem que o que esteja
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Carbonnier28, a família consubstancia uma manifestação de direito à felicidade, implicitamente garantido pelo Estado. A relação entre o Estado e a família é delicada: a intervenção daquele em temas como o casamento, o divórcio, os deveres sucessórios, as responsabilidades parentais, a violência doméstica, entre outros, nunca é feita sem debate e profunda reflexão sobre os seus limites, e a reivindicação e debate em redor de novas e emergentes formas de união, procriação29 e modelos familiares, permitem compreender o papel do legislador na definição do que sejam (ou devam ser) a família e as relações familiares30. O Estado define os requisitos, a forma e os efeitos do casamento (definindo quem pode casar, como pode casar, a que efeitos jurídicos se sujeita quem casa) e até da união de facto (definindo a quem é reconhecido o estatuto de convivência em condições análogas à dos cônjuges)31; os deveres dos cônjuges, dos pais, dos filhos; as regras de filiação (definindo quem é filho de quem, pelo nascimento, por presunção, por adopção ou por consentimento não adoptivo); os requisitos e limites à procriação medicamente assistida (definindo em causa seja a “realização pessoal dos seus membros (n.º 1), o que não permite qualquer leitura transpersonalista deste direito”, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 4.ª edição. No sentido da privatização do direito da família, v.: Sanford Katz, “Individual rights and family relationships”, in Cross currents, family law and policy in the U.S. and England, Sanford Katz/John Eekelaar/Mavis Mclean (eds.), Oxford University Press, Oxford, 2000, pp. 621 ss; Gillian Douglas, “Marriage, cohabitation and parenthood – from contract to status?”, in Cross currents, family law and policy in the U.S. and England, Sanford Katz/John Eekelaar/Mavis Mclean (eds.), Oxford University Press, Oxford, 2000, pp. 211 ss; David Meyer, “The paradoxe of family privacy”, in Vanderbilt Law Review, n.º 53, 2000, pp. 527 ss; Irene Thery, Couple, filiation et parenté aujourd’hui, le droit face aux mutations de la famille et de la vie privé (Rapport à la ministre de l’emploi et de la solidarité et au garde des sceaux, ministre de la justice), Editions Odile Jacob/La documentation française, Paris, 1998; Encarana Roca i Trias, Familia y cambio social: de la “casa” a la persona, Civitas ediciones, Madrid, 1999; Gilda Ferrando, “Il contributo della Corte Europea dei Diritti dell’Uomo”, in Un nuovo diritto di famiglia europeo, a cura di Maria Claudia Andrini, Cedam, Padova, 2007, p. 146. V. ainda Valerio Pocar/Paola Ronfani, La famiglia e il diritto, Laterza, Bari, 1998, p. 7; Michele Sesta, “Privato e pubblico nei progetti di legge in materia familiare”, in Studi in onore di Pietro Rescigno, II, Giuffrè editore, Milano, 1998, pp. 817 ss; Michele Sesta, “Desarrollo de la personalidad del cónyuge y causas del divorcio: una reflexión iuscomparatista”, in Familia, matrimonio y divorcio en los albores del siglo XXI (Madrid, 27-29 junio 2005), Carlos Lasarte (ed.), IDADFE, UNED, El derecho editores, Madrid, 2006, pp. 119 ss; Adoración Castro Jover, Introducción, in Metamorfosi del matrimonio e altre forme di convivenza affettiva, a cura di Marta Costa, Libreria Bonomo editrice, Bologna, 2007, pp. 239-241. 28
Jean Carbonnier, «Essais sur les lois», in Répertoire du Notariat Defrénois, 1979, p. 171.
29
V., sobre a discussão em redor da admissibilidade da maternidade de substituição, por ocasião da apresentação de uma série de alterações à Lei de Procriação Medicamente Assistida, Marta Costa/ Catarina Saraiva Lima, “A Maternidade de Substituição à luz dos Direitos Fundamentais de Personalidade”, no prelo (a publicar em Lusíada. Direito).
30
Isabel Dias refere: “Temas como relações conjugais, educação das crianças, divórcio, violência doméstica, papel e funções da mulher na família, estiveram, e continuam a estar, presentes, nas principais preocupações do legislador, reflectindo, ao mais profundo nível, a forma como o Estado e o poder político estão implicados na construção daquilo que deve ser a família”, in “Família e Discurso Político: Algumas Pistas e Análise”, 1994, disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1319.pdf.
31
Sobre esta matéria. v. Marta Costa, Convivência More Uxorio na perspectiva de harmonização do Direito da Família Europeu: Uniões Homossexuais, Coimbra Editora, Coimbra, 2011.
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quem pode recorrer, a que técnicas, dentro de que limites e com que efeitos)32; o estabelecimento de relações familiares e seus efeitos (nomeadamente as relações de afinidade e o regime da adopção, restrita ou plena); o regime, pressupostos e efeitos do divórcio (estabelecendo ou revogando o conceito de culpa, obrigando o acordos entre ex-cônjuges relativamente a determinadas matérias, conferindose a última decisão ao juiz). Somos obrigados a reconhecer a existência de uma forte intervenção do Estado numa esfera tão íntima e privada como a familiar. Devemos também, no entanto, ponderar e reconhecer os limites desta actuação: a própria evolução sócio-jurídica da família conduziu a uma certa privatização do direito da família33, e ao reconhecimento de que o Estado não pode substituir-se à responsabilidade da família, devendo respeitar e assegurar a liberdade das famílias na escolha da educação, da escola, das regras, do médico ou da casa. Acresce que o Estado não pode, nem certamente pretende regulamentar o amor materno e paterno, decidir o número de filhos que cada família deve ter e quem deve casar com quem, impor determinado tipo de educação e valores, definir o comportamento a adoptar no âmbito de uma relação amorosa, ou estabelecer obrigações de bom senso, pedagogia, preocupação ou ternura. Como obrigar ex-cônjuges a cultivar relações cordiais, em nome do bem-estar do(s) filho(s) em comum? No âmbito do cenário anteriormente descrito e ora em análise, de conflito ou ruptura conflituosa de um casal, como delimitar a fronteira entre uma certa negligência obrigatoriamente tolerada aos pais, no âmbito da sua liberdade de actuação e comportamento, e uma outra, inadmissível?, e como obter coerciva e efectivamente o cumprimento dos deveres abrangidos nas responsabilidades parentais? Afinal de contas, como se processa a intervenção do Estado (quais as regras, os princípios, os limites) nas famílias, salvaguardando o carácter privado e livremente conformado daquelas e, simultaneamente, tutelando os menores envolvidos? Não podendo o Estado impor afectos e regular o amor, quais são as suas pautas de actuação e interferência nas relações entre pais e filhos? Definição das relações entre pais e filhos pelo Estado Para compreender a postura do Estado em relação à família, em particular, às relações entre pais e filhos, cabe analisar a presença e o lugar desta (e destes) na Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”)34. O artigo 36.º, com a epígrafe “Família, casamento e filiação”, dispõe no seu 32
Sobre a procriação medicamente assistida, v. Paula Martinho da Silva/Marta Costa, A Lei da Procriação Medicamente Assistida Anotada, Colecção PLMJ, Coimbra Editora, Coimbra, 2011
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Marta Costa, Convivência More Uxorio na perspectiva de harmonização do Direito da Família Europeu: Uniões Homossexuais, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 43 ss.
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V., sobre os princípios constitucionais do Direito da Família, Francisco Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Coimbra Editora, Coimbra, 3.ª edição, volume I, pp. 157 ss.
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número 5, que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. Assim, encontramos já um princípio basilar, definido pelo legislador, segundo o qual os pais têm o direito de educar e providenciar a alimentação, vestuário, educação e habitação dos filhos, mas têm, simultaneamente, o dever de o fazer, sendo titulares de uma obrigação de cuidado parental, à qual não podem renunciar ou exercer apenas nos termos que bem entendam35. Os filhos, por seu lado, são titulares de um correspectivo direito subjectivo (número 6 do mesmo artigo) a serem educados e mantidos pelos pais e a não serem separados destes: “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”. Este direito é igualmente protegido, designadamente, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança36 (artigo 9.º), a qual dispõe ainda, no seu preâmbulo, que “a infância tem direito a cuidados e assistência especiais”, e “que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão”. O referido artigo 36.º da CRP (e próprio artigo 9.º da Convenção internacional anteriormente mencionada), estabelecem uma excepção aos direitos acima referidos em a situação de incumprimento, por parte dos pais, dos seus deveres fundamentais perante os filhos – caso em que o superior interesse da criança ditará a sua separação dos progenitores (designadamente, por violação dos deveres fundamentais de educação ou sustento, ou por maus tratos). Note-se que esta restrição ao direito fundamental dos pais e dos filhos a não serem separados uns dos outros estão sob reserva de lei e sob reserva de decisão judicial, quando se trate de separação contra a vontade dos pais. A CRP reconhece ainda, no seu artigo 67.º (“Família”), que a família, elemento fundamental da sociedade, deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado, de forma a serem efectivadas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, pais, filhos e outros, “seguramente porque [– assevera o próprio Tribunal Constitucional –] se entende depender o harmonioso desenvolvimento do ser humano das relações estabelecidas com a família. Afinal, é aí que o ser humano inicia as suas relações com os outros e desenvolve a sua personalidade, sendo no relacionamento, nomeadamente afectivo, que estabelece com os pais, que desperta a sua consciência individual e colectiva, a sua própria forma de ver o mundo. A família, sobretudo a família nuclear, contribui, pois, decisivamente para a identificação do próprio indivíduo, sendo aí 35
“O direito e o dever dos pais de educação e manutenção dos filhos (n.º 5) são um verdadeiro direito-dever subjectivo e não uma simples garantia institucional ou uma simples norma programática, integrando o chamado poder paternal [actualmente denominado responsabilidades parentais, desde a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que procedeu a alterações ao Código Civil] (que é uman constelação de direitos e deveres, dos pais e dos filhos, e não um simples direito subjectivo dos pais perante o Estado e os filhos). A natureza de direito-dever subjectivo dos pais traduz-se, na linguagem actual, na compreensão do poder paternal como obrigação de cuidado parental”, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 4.ª edição, anotação ao artigo 36.º.
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Adoptada pelas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990.
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que ele encontra as suas raízes e os seus primeiros laços afectivos”37. Nesse sentido, o artigo 68.º (intitulado “Paternidade e maternidade”) da CRP reconhece o papel insubstituível dos progenitores em relação aos filhos (e o valor social eminente da maternidade e paternidade), nomeadamente quanto à educação destes, tendo também direito à protecção da sociedade e do Estado. A CRP dispõe ainda, no artigo 69.º (“Infância”), que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (número 1), devendo o Estado assegurar “especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal” (número 2). Resulta, do exposto, que a especial protecção das crianças estabelecida pela CRP implica a sua inserção na família, e a presença de ambos os progenitores na sua vida, educação e relações de afecto, apenas se legitimando o contrário se estiver em causa a violação, por parte destes, de um dever. Este dever não será, no entanto, um dever qualquer, mas um dever fundamental38. “Incumbindo aos pais primordial e insubstituível papel na tarefa de educação e acompanhamento dos filhos, apenas em casos extremos, de irresponsabilidade ou negligência, se justificará, assim, a respectiva separação ou afastamento”39. Assim, a interferência do Estado, em termos gerais, na vida familiar, e em particular, nas relações entre pais e filhos, deve limitar-se ao princípio da necessidade, respeitando o carácter privado e livre das mesmas: até certa medida, mais vale pais medíocres que pais nenhuns. Família no Direito Civil As relações entre pais e filhos estão reguladas no Código Civil, nos artigos 1874.º e seguintes. Pais e filhos devem-se mutuamente, desde logo, respeito, auxílio e assistência (artigo 1874.º). Estes deveres denominados paternofiliais não se confundem com as responsabilidades parentais, as quais consistem no conjunto de situações jurídicas titulados pelos pais, enquanto tal, perante os filhos, como modo de suprimento da sua incapacidade. Aqueles deveres paternofiliais de respeito, auxílio e assistência são mais abrangentes, acompanhando toda a relação entre pais e filhos, mesmo depois da maioridade ou emancipação destes. As responsabilidades parentais, por outro lado, incumbem aos progenitores, e obrigam-nos, no interesse dos filhos, a velar pela sua segurança e saúde, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação (artigo 1878.º), e promover o seu 37
Acórdão n.º 181/97, de 5.03.1997 (processo n.º 402/96), disponível em www.tribunalconstitucional. pt.
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V. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 4.ª edição, anotação ao artigo 69.º: “Particularmente equívoca é a densificação do conceito de “ambiente familiar normal”, em que a anomalia deve ser vista na perspectiva da falta de condições para o cuidado e desenvolvimento da criança (situação de toxicodependência e de alcoolismo, de prisão dos pais, etc.) e não na perspectiva de um modelo normativo de família baseada no casamento”.
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Acórdão n.º 181/97, de 5.03.1997 (processo n.º 402/96), disponível em www.tribunalconstitucional. pt, no qual refere ainda ser essa a linha de entendimento da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
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desenvolvimento físico, intelectual e moral (artigo 1885.º), sendo, além do mais, responsabilidades irrenunciáveis (artigo 1882.º). Quando os progenitores da criança sejam casados e durante a constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais (artigo 1901.º), os quais devem conduzi-lo sempre em acordo. O mesmo será aplicável quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a progenitores em condições análogas às dos cônjuges (artigo 1911.º). Caso os progenitores discordem relativamente a determinada questão da vida do filho, qualquer um deles poderá recorrer ao tribunal, que procurará a conciliação e, malogrado o acordo, decidirá segundo o melhor interesse da criança (artigos 1901.º). Em caso de divórcio ou separação de facto dos progenitores (artigo 1906.º e artigo 1912.º), a lei não deixa de reconhecer a importância da presença de ambos os pais na vida e educação do(s) filho(s), e o exercício das responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do filho devem ser exercidas por ambos os progenitores, nos mesmos termos aplicáveis ao exercício na constância do matrimónio ou da união de facto (podendo, em caso de desacordo, requerer resolução ao tribunal, nos termos do artigo 184.º da Organização Tutelar de Menores, doravante “OTM”). Tal exercicío conjunto apenas se excepciona em caso de urgência manifesta ou quando tal exercício comum for julgado contrário aos interesses do filho, caso em que o tribunal determinará, através de decisão fundamentada, qual dos progenitores assumirá essas responsabilidades (artigo 1906.º, números 1 e 2); e ainda relativamente aos actos da vida corrente do filho, caso em que caberá ao progenitor com quem ele venha a residir habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontre temporariamente, exercer as respectivas responsabilidades (artigo 1906.º, número 3). Com efeito, a relação directa da presença de ambos os progenitores na vida da criança com o seu superior interesse, mesmo em contexto de separação, é legalmente reconhecida e salvaguardada. Assim: o tribunal determina a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro (artigo 1906.º, número 5); o progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, tem o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho (artigo 1906.º, número 6), devendo ainda ser informado das decisões tomadas com urgência manifesta, nos termos anteriormente descritos, logo que possível (artigo 1906.º, número 1); o tribunal deverá decidir qualquer questão relativa à vida do menor sempre de harmonia com o seu interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (artigo 1906.º, número 7); em caso
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de divórcio por mútuo consentimento, o acordo dos ex-cônjuges relativamente ao exercício das responsabilidades parentais deve ser sempre sujeito à apreciação do Ministério Público (no caso de separação ou divórcio na conservatória) ou do juiz (no caso de separação ou divórcio judicial, ou quando o Ministério Público, na situação anteriormente referida, considere que o acordo não é satisfatório), que verificarão se o mesmo acautela devidamente os interesses dos menores (artigo 1776.º-A e 1778.º). O Código Civil prevê ainda a possibilidade (excepcional) de o tribunal decretar, a requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, a inibição do exercício das responsabilidades parentais ou a confiança da criança a terceira pessoa ou estabelecimento de educação ou assistência, sempre que algum dos progenitores (ou ambos) infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes (artigo 1915.º) ou quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo (artigo 1918.º). Do exposto, é possível depreender que a lei segue a linha constitucional, segundo a qual é essencial, para o pleno e harmonioso desenvolvimento da criança, a presença da família, em especial da família nuclear – entenda-se, de ambos os pais – na sua vida, cuidado e educação, mesmo em contexto de separação destes. Contudo, é também possível constatar que a lei não estabelece soluções legais concretas, ainda que a título supletivo, deixando ampla margem ao acordo entre os pais e apenas permitindo a sobreposição de decisão judicial no caso concreto em caso de impossibilidade deste ou de preterição do interesse da criança. Em particular, a Alienação Parental na Lei Se, como visto, as relações entre pais e filhos, em contextos de separação daqueles, são reguladas, não existe, por outro lado, no ordenamento jurídico português, qualquer norma ou legislação específica sobre alienação parental. Há quem defenda a manutenção desta postura legislativa, por considerar que a alienação parental ou a sua síndrome são conceitos discutíveis e de qualificação duvidosa. Entre nós, Maria Clara Sottomayor defende a exclusão da alienação parental da esfera legislativa: “Esta tese assenta em raciocínios circulares e a sua taxa de erro é elevada, introduzindo opiniões subjectivas na investigação e na avaliação dos factos, sendo, portanto, aconselhável que os Tribunais decidam cada caso com base nos seus próprios factos (...). É sempre mais sensato não copiar automaticamente as modas de outros países, sobretudo, construções não científicas, como a da síndrome da alienação parental, que produziu efeitos perversos e já foi rejeitada noutros países”40. 40
Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, p. 157.
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A omissão de qualquer regulação da alienação parental não significa nem implica que o Estado se furte a regular as relações entre os ex-cônjuges, no que respeita aos filhos em comum, e cujas responsabilidades parentais devam partilhar. Como acima exposto, a CRP, o Código Civil e a OTM, entre outros, prevêem uma série de normas específicas de protecção da criança em contexto de divórcio ou separação. Estas e outras normas, sem se dirigirem ou referirem expressamente a alienação parental, nem por outra forma a descreverem, previnem e/ou sancionam-na, ainda que de modo indirecto, sendo as demais questões que possam surgir, que afectem o bem-estar da criança, confiadas à apreciação, caso a caso, dos tribunais Desde logo, a denominada cláusula do progenitor amistoso, prevista no número 5 do seu artigo 1906.º do Código Civil, acima referido (o qual estabelece, relembramos, que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes, designadamente (...) a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”) é um exemplo de uma norma que, sem se dirigir especificamente ao fenómeno da alienação, pode revestir enorme utilidade na sua prevenção41. O número 7 do mesmo artigo apresenta similar natureza, ao dispor que o tribunal deverá procurar e favorecer soluções que permitam o contacto e a manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores, e a partilha de responsabilidades entre eles. No mesmo sentido vão as normas previstas nos artigos 1887.º e 1887.º-A do Código Civil, nos termos das quais os menores não podem ser retirados do lar, nem privados pelos pais, injustificadamente, do convívio com os irmãos e ascendentes. A OTM também estabelece normas relevantes para a abordagem jurídica da alienação parental, prevendo designadamente que, em caso de incumprimento por um progenitor do acordo ou decisão judicial relativamente ao menor – por exemplo, no respeitante ao direito de visita ou à partilha da tutela -, pode o tribunal requerer as diligências necessárias para o cumprimento coercivo, condenando ainda o faltoso em multa até 249,90 Euros, e ao pagamento de indemnização (artigo 181.º). Esta norma terá interesse, por exemplo, para todas as situações de impedimento de visita, prevista em acordo de regulação de 41
Refere, a este propósito, o Tribunal da Relação de Guimarães: “Tal como já constava da redacção do nº2 do artº 1905º do CC, o actual nº 7 do artº 1906º do CC veio consagrar que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não foi confiado, tendo acrescentado nas disposições introduzidas pela Lei 61/2008 que o tribunal deverá ainda promover e aceitar acordos ou tomar decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha e de responsabilidades entre eles. O legislador de 2008, conhecedor da importância do estabelecimento e manutenção de laços afectivos com ambos os progenitores, veio incentiválos. Qualquer decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais terá que se nortear pelo interesse do menor que é a parte mais fraca e em formação e que, por essa razão, o legislador quis proteger Ver sobre a questão, entre outros, Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Batista Carvalho, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal e Felicidade d´Oliveira, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2ª edição, Lisboa: Quid Júris, 2010, p.117” (acórdão de 6.01.2011, processo n.º 2255/08.3TBGMR-G.G1, disponível em www.dgsi.pt).
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responsabilidades parentais, pelo progenitor alienante. Mas mais: sempre que o tribunal reconhecer uma situação concreta de afastamento ou alienação de um dos progenitores, promovido pelo outro, relativamente ao menor, e ordenar o restabelecimento do convívio, esta norma também se aplicará ao incumprimento desta ordem. Caso o acordo ou decisão judicial sejam desrespeitados por ambos os progenitores, qualquer dos progenitores pode requerer ao tribunal nova regulação das responsabilidades parentais (artigo 182.º). O próprio Código Penal também contém norma relevante para o tratamento jurídico de uma situação de alienação parental: o artigo 249.º, sob a epígrafe “Subtracção de Menor” [número 1, alínea c), conjugado com o número 2], dispõe que “Quem (...) de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento (...) é punido com pena de prisão até dois anos, ou pena de multa até 240 dias”, sendo a pena agravada “se for ascendente, adoptante ou tiver exercido a tutela sobre o menor”. A anterior redacção desta alínea não abrangia a recusa, pelo progenitor guardião, do direito de visita ao outro progenitor42. A actual configuração da norma em causa, conferida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, abrange quer os comportamentos do progenitor guardião que não entrega a criança ao outro para que este exerça o seu direito de convívio com a mesma, quer as do progenitor não guardião que não entrega o filho ao guardião na pós-visita. Note-se, porém, que a pena aplicável à conduta acima descrita é especialmente atenuada quando tiver sido condicionada pelo respeito pela vontade do menor com idade superior a 12 anos (número 2 do mesmo artigo). Esta norma justificase pelo respeito da vontade da criança, que nos termos da própria Convenção Internacional dos Direitos da Criança, tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, as quais devem ser devidamente tomadas em consideração, de acordo com a sua idade e maturidade (artigo 12.º)43. 42
A redacção anterior à Lei 61/2008, de 31 de Outubro, dispunha: “Quem (...) se recusar a entregar menor à pessoa que sobre ele exercer poder paternal ou tutela, ou a quem ele esteja legitimamente confiado”. Assim, para efeitos de sanção penal, importava aferir quem detinha a guarda da criança, pois apenas a recusa de entrega a este progenitor (ou outro) seria alvo de criminalização. Esse mesmo era o comentário ao artigo no Comentário Conimbricense do Código Penal, dirigido por Jorge Figueiredo Dias: “Face à actual redacção do tipo legal, não constitui “subtracção de menor” a recusa, por parte do legítimo titular dos poderes [paternais] em garantir o direito de visita ao outro progenitor (...), pois é pressuposto que a pessoa reclamante tem de exercer o poder paternal ou de tutela, ou de ter o menor a seu cargo”, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, (por J. M. Damião da Cunha).
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O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 19.05.2009, refere, sobre a consideração da vontade da criança: “A consideração da vontade do menor depende da sua idade, do seu discernimento, e do grau da sua maturidade. Tratando-se de um adolescente, a lei (art.º 10º, n.º 1 da LPCJP) aponta a idade de 12 anos, como idade a partir da qual a opinião do jovem é relevante. É este também o critério seguido no Cód. Civil em matéria de adopção [art.º 1981º, n.º 1 al. a) e 1984º al. a) do Cód. Civil, alterados pelo Dec. Lei n.º 120/98, de 08-05]. Abaixo desta idade é importante analisar o grau de maturidade do menor e da questão de saber se a sua vontade foi livremente determinada ou resultou de influências ou manipulações externas. (...) Donde se tem de concluir que a vontade das menores em se recusarem a ver o pai foi livremente determinada e, por isso, tem de ser respeitada” (processo n.º 2190/03.1TBCSC-B.L1-7), disponível em www.dgsi.pt.
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No entanto, uma situação de alienação parental bem-sucedida pode levar a que uma criança rejeite o convívio com o progenitor alienado, caso em que esta norma de atenuação será contraproducente, premiando a referida campanha. Acresce que o crime em causa depende de queixa, o que implica que o progenitor ou familiar alienado inicie um processo criminal contra o outro progenitor do seu filho, o que certamente não promove o ambiente cordial e o superior interesse da criança, podendo inclusivamente ser utilizado como arma de resposta num contexto de alienação cruzada. Tudo exposto, parece que, embora reconhecendo a existência, no nosso ordenamento jurídico, de determinadas normas que, sem se lhe dirigirem específica ou expressamente, lhe servem de abordagem preventiva ou sancionatória, sinal claro de preocupação e cuidado do legislador português relativamente à criança, em contexto de separação de progenitores. Apesar de poder ser questionada e discutida a suficiência das normas acima referidas para a resolução das questões suscitadas pela alienação parental, a verdade é que a previsão de normas de regulação das relações entre pais e filhos em contexto de separação, sem qualquer alusão ou referência à alienação parental, é a forma mais comum de abordagem desta matéria. O Código Penal francês44, por exemplo, no seu artigo 227-3, estabelece uma norma semelhante àquela prevista no artigo 181.º da OTM45, embora a versão francesa seja mais severa: aquele que incumpra uma ordem judicial ou um acordo judicialmente homologado relativamente a menor é punido com dois anos de prisão e uma multa no valor de 15.000 Euros. Outro exemplo interessante é o Código Penal Argentino46, o qual, à semelhança do artigo 249.º do Código Penal português47 e sem nunca referir a alienação parental, criminaliza expressamente a conduta do progenitor ou de terceiro que impede ou dificulta o contacto do menor com o progenitor não convivente, punindo o primeiro com pena de prisão de um mês a um ano. A mesma norma qualifica esta conduta, agravando as respectivas penas, quando seja efectuada, para o efeito, alteração de domicílio do menor sem autorização judicial ou deslocação ou mudança para o estrangeiro. Em caso de prática de actos deste tipo, prevê-se ainda que o tribunal deve ordenar o restabelecimento do contacto do menor com o(s) progenitor(es) impedido no prazo máximo de dez dias, e determinar um regime de visitas provisório, 44
Disponível em http://www.legifrance.gouv.fr/.
45
O artigo 181.º da OTM dispõe, no seu número 1: “Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até € 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos”.
46
V. Lei 24.270, sancionada em 3.11.1993 e promulgada em 25.11.1993, disponível em http://www. infoleg.gov.ar/, a qual veio proceder a alteração ao Código Penal, introduzindo a norma descrita.
47
O qual dispõe: “Quem: (...) c) De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento; é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias” (número 1, alínea c) e número 2).
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aplicável por prazo não superior a três meses, ou o cumprimento do regime vigente. Caso particular, no entanto, é do Brasil, onde foi aprovada, em 2010, uma lei específica sobre a alienação parental48, num gesto legislativo verdadeiramente inovador quanto a esta matéria. Esta lei define a alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este” (artigo 2.º). São depois enumerados, de forma não taxativa, actos típicos de alienação, designadamente, realizar campanha de desqualificação da conduta do outro progenitor no exercício da paternidade ou maternidade, dificultar o exercício da autoridade parental, dificultar o contacto do menor com o outro progenitor, dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar, omitir deliberadamente ao outro progenitor informações pessoais relevantes sobre o menor, nomeadamente escolares, médicas e alterações de endereço, apresentar falsas denúncias contra o outro progenitor, seus familiares ou contra os avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com o menor ou mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência do menor com o outro progenitor, seus familiares deste ou com os avós. A lei brasileira reconhece que a alienação parental viola o direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afecto nas relações com o progenitor alienado e com o grupo familiar, e, sublinhe-se, constitui abuso moral contra o menor, consubstanciando ainda incumprimento dos deveres inerentes à responsabilidade parental ou decorrentes de tutela ou guarda (artigo 3.º). Nessa medida, estabelece ainda uma cláusula de progenitor amistoso (à semelhança do artigo 1906.º, número 5, do Código Civil português), nos termos da qual a atribuição ou alteração da guarda da criança, nas hipóteses em que seja inviável a guarda partilhada, deverá ser conferida, preferencialmente, ao progenitor que seja capaz de viabilizar o efectivo convívio do filho com o outro progenitor. A lei brasileira define ainda um processo especial para estes casos: indiciado um acto de alienação parental, deverá ser aberto um processo ou incidente com tramitação urgente e prioritária, no âmbito do qual o tribunal deverá, ouvido o Ministério Público, decretar as medidas provisórias que considere necessárias à salvaguarda da integridade psicológica do menor e à efectiva convivência ou restabelecimento das suas relações com o progenitor alienado (artigo 4.º), podendo ainda o tribunal determinar a realização de perícia psicológica, para averiguar da observância efectiva de alienação parental. Caso os indícios de 48
Lei n.º 12.318, de 26 de Agosto de 2010, publicada no Diário Oficial da União, n.º 165, de 27 de Agosto de 2010, com entrada em vigor na mesma data, disponível em http://www.in.gov.br/ autenticidade.html, com o código 00012010082700003.
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alienação parental sejam considerados provados, o tribunal poderá, sem prejuízo de eventual responsabilidade civil ou criminal, e segundo a gravidade do caso, fazer uma mera advertência ao alienador, ampliar o regime de convivência familiar em favor do progenitor alienado, condenar o progenitor alienante em multa, determinar o acompanhamento psicológico dos progenitores ou da criança, determinar a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais estabelecido, designadamente determinando a guarda compartilhada ou a sua inversão, determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou declarar a suspensão das responsabilidades parentais (artigo 6.º). Analisadas todas estas normas, devemos questionar-nos seriamente sobre a necessidade ou vantagem de aprovar uma lei ou algumas normas como as analisadas – serão elas a abordagem adequada ou necessária à prevenção e resolução da alienação parental? Superior Interesse da Criança Em qualquer matéria relacionada com menores, o fio condutor e fim último é o princípio do superior interesse da criança49. Conceito indeterminado e sem definição legal, o superior interesse da criança pode ser retirado de diversos instrumentos e diplomas que o consagram, e o elevam a princípio relevantíssimo. Entende a jurisprudência portuguesa que: “Não existe uma definição legal de superior interesse do menor, mas o mesmo tem de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva os legítimos anseios, realizações e necessidades daquele e nos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral, religioso e social”50. O superior interesse da criança é, assim, “um princípio jurídico-formal, que actua 49
O princípio do superior interesse da criança é perfilhado como princípio geral na maior parte dos Estados europeus, representando outro dos eventos que mais notoriamente contribuiu para fortalecer a discussão da harmonização no seio do direito da família, trazendo para a ribalta outro ponto de convergência jurídica. Em França, o princípio do superior interesse da criança teve notável influência legal logo desde o início do século XIX. O Código napoleónico estabelecia o poder paternal como uma prerrogativa discricionária conferida ao pai da criança, mas alguns Autores, como Philippe Malaurie, defendiam já que o poder paternal – actualmente, “responsabilidades parentais” – devia ser exercido de acordo com o superior interesse da criança (Cours de Droit Civil, La Famille, Cujas, Paris, 1989, n. º 789). Na Alemanha, por sua vez, o princípio vem enfatizado em publicações de índole psiquiátrica e psicológica desde a década de 60. Hodiernamente, as legislações dos países europeus concedem-lhe um valor proeminente, especialmente em matéria de adopção, designando-o através de termos variados, como: “justos motivos” e “vantagens para o adoptado” (Bélgica e Luxemburgo); “bem-estar”, “bem da criança” ou “welfare” (Alemanha, Inglaterra, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Suíça); “reais vantagens” (Portugal); “interesse do adoptado” (França, Grécia, Noruega, Suécia); “superior interesse da criança” (Portugal, Espanha e Itália); “manifesto interesse da criança” (Holanda); etc. A Convenção das Nações Unidas relativa aos Direitos das Crianças de 1989, por sua vez, recorre à fórmula “superior interesse da criança”.
50
V. Acórdão do Relação de Lisboa, de 08.07.2008 (processo n.º 5895/2008-1); no mesmo sentido, do mesmo Tribunal, acórdãos de 06.04.2006 (processo n.º 1977/2006-6), de 20.10.2005 (processo n.º 8552/2006-6), de 01.04.2004 (processo n.º 2476/2004-6), acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06.12.2007 (processo n.º 2256/07-3); acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6.01.2011 (processo n.º 2255/08.3TBGMR-G.G1); entre muitos outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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como critério orientador; um standard hermenêutico (ou seja, um parâmetro auxiliar na concretização); uma pauta para a conformação do ordenamento jurídico pelo legislador; uma pauta obrigatória na resolução de casos concretos”51. Este princípio significa, então, que todos os actos, processos legislativos, políticas e decisões que digam respeito à criança devem ter plenamente em conta o seu interesse, o qual deve ser especialmente considerado em relação aos demais, e devendo o Estado garantir à criança cuidados adequados quando os pais, ou outras pessoas responsáveis por ela, não tenham capacidade para o fazer. São inúmeros os diplomas que tutelam o superior interesse da criança. A Declaração dos Direitos da Criança dispõe que: “A criança gozará de protecção especial e deverão ser-lhe dadas oportunidades e facilidades através da lei e outros meios para o seu desenvolvimento psíquico, mental, espiritual e social num ambiente saudável e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na elaboração das leis com este propósito, o superior interesse da criança constituirá a preocupação fundamental”52. A Convenção dos Direitos da Criança53 também o prevê, literal e expressamente, na maioria dos seus artigos (bem como nos seus Protocolos Facultativos54). Designadamente, estabelece o artigo 3.º que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”; o artigo 9.º dispõe que “os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança.”; e o artigo 18.º determina que “os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.”. O próprio Parlamento Europeu reconhece que “a protecção da criança deve ser orientada de acordo com o interesse superior da criança, com os princípios da liberdade e da dignidade da mesma”55. A CRP também o consagra, não só através da recepção dos instrumentos 51
José de Melo Alexandrino, “Os Direitos das Crianças – Linhas para uma construção unitária”, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 68, I, 2008, pp. 275-309.
52
Princípio 2.º da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959.
53
Adoptada pelas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990.
54
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis, e Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados, ambos adoptados pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 25 de Maio de 2000 e ratificados por Portugal, respectivamente em 16 de Maio de 2003 e 19 de Agosto de 2003.
55
Resolução A3-314/91, sobre os problemas da criança na Comunidade Europeia (JO n.º C13 de 20.01.92, pp. 536 e 537).
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internacionais acima referidos, por via do artigo 8.º, mas também de forma mais directa, através do já referido artigo 69.º, o qual dispõe que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. Acresce que, ao lado deste princípio tutelado constitucionalmente, não se pode deixar de reconhecer o direito individual de cada criança, enquanto pessoa, ao livre desenvolvimento da sua personalidade, consagrado no artigo 26.º da CPR. Gomes Canotilho e Vital Moreira acrescentam, a este propósito: “A noção de desenvolvimento integral [da criança] – que deve ser aproximada da noção de desenvolvimento da personalidade – assenta em dois pressupostos: por um lado, a garantia da dignidade da pessoa humana (cfr. art. 1º), elemento estático, mas fundamental para o alicerçamento do direito ao desenvolvimento; por outro lado, a consideração da criança como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades56. Acrescentam ainda que, a partir das dimensões fundantes da dignidade da pessoa da criança e do desenvolvimento da personalidade, colocarão os interesses da criança como parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens”57. Se o superior interesse da criança - segundo o qual todos os actos e decisões, públicos ou privados, devem beneficiar o seu direito a um desenvolvimento harmonioso e a viver num ambiente familiar estável, nomeadamente do ponto de vista afectivo - vigora no nosso ordenamento jurídico, pergunta-se se ele não poderá resolver, sozinho, a questão da alienação parental, completando a solução jurídica deste fenómeno em tudo quanto as normas vigentes na ordem jurídica portuguesa, acima analisadas, não regulem. Com efeito, os tribunais têm, no superior interesse da criança, a base de actuação para salvaguarda da criança em casos concretos de alienação. A sua suficiência para a abordagem ao fenómeno da alienação parental, no entanto, poderá ser discutida ou discutível, cabendo examinar a concretização ou desenvolvimento do princípio em causa pela prática dos tribunais, para a verificação da aptidão do princípio em causa neste âmbito. Alienação Parental, na Prática: Jurisprudência Analisados os principais instrumentos legislativos susceptíveis de resolver, suficiente ou insuficientemente, as situações de alienação parental, caberá averiguar se, e de que forma, os tribunais resolvem casos reais de tal fenómeno, e se é sentida ou notória a necessidade de legislar a alienação parental de modo mais direccionado, ou se, pelo contrário, a aplicação e desenvolvimento daqueles instrumentos são bastantes para a sua resolução.
56
J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, anotação ao artigo 69.º.
57
J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, anotação ao artigo 69.º
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Muito embora a alienação parental não seja um fenómeno novo, a jurisprudência portuguesa apenas muito recentemente lhe começou a fazer referência expressa, e a maior parte das vezes timidamente. Ainda que as partes invoquem expressamente esta figura, como já acontece com frequência, os casos típicos de alienação parental dirigidos ao tribunal têm sido decididos com recurso ao princípio do superior interesse da criança, segundo o qual esta tem direito ao convívio e relacionamento com ambos os progenitores, para o seu desenvolvimento harmonioso, a esmagadora maioria dos casos sem qualquer referência ou alusão à alienação parental. Com efeito, em 2006, num litígio com características de alienação parental, o Tribunal da Relação do Porto, reconhecendo que a conduta da progenitora (de privação do contacto entre o filho e o outro progenitor) violava grosseiramente os direitos da criança à manutenção dos laços afectivos com este, decidiu nos seguintes termos: “O direito da mãe conviver com o seu filho é igual ao do pai conviver com o seu filho, e verdadeiramente [os direitos dos pais relativamente ao menor] só são relevantes se resultarem do direito que o menor tem de conviver com ambos, porque terão sempre, em todas as situação, que estar subordinados aos direitos e interesses dos menores”58. O mesmo tribunal entendeu, num outro processo, que “o interesse do menor reconduz-se à necessidade de preservar as suas referências parentais, numa tentativa de manter a relação familiar filho-progenitor, enquanto fonte do equilíbrio psicológico da criança e garante de um bom desenvolvimento”, decidindo, a final, ser “essencial salvaguardar a satisfação da necessidade básica da criança de continuidade das suas relações afectivas, sob pena de se criarem graves sentimentos de insegurança, e de ser afectado o seu normal desenvolvimento”59. Do mesmo modo, o Tribunal da Relação de Évora resolveu alguns casos de alienação parental sem, contudo, os identificar como tal. Em 2007, foi-lhe submetido um caso de regulação das responsabilidades parentais, no âmbito do qual o progenitor alienante – neste caso, o pai – impediu o contacto entre os filhos e a progenitora, tendo adoptado, juntamente com a avó paterna da criança, comportamentos verdadeiramente alienantes, designadamente impedindo o contacto presencial ou telefónico, quer com a mãe, quer com os avós maternos, realizando pressões psicológicas junto dos menores para denegrir a imagem da mãe, convencendo-os que a mãe não gostava deles nem os queria ver. Neste caso, ficou provado que as crianças mudaram de comportamento com a progenitora, tornando-se agressivos e receosos. A decisão judicial de primeira instância havia atribuído a guarda ao progenitor, porque, entre outros, as crianças manifestavam desejo de continuar a viver com o pai. Em sede de recurso, a Relação de Évora retirou a guarda a este progenitor, atribuindo-a à progenitora, entendendo que “um pai que, sem fundamento, denotando egoísmo e interesse pessoal, faz crer aos filhos que a mãe destes não é uma boa mãe e que os incentiva a não terem contactos com ela, não 58
Acórdão de 18.05.2006 (processo n.º 0632170), disponível em www.dgsi.pt.
59
Acórdão de 13.07.2006 (processo n.º 0633817), disponível em www.dgsi.pt
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pode ser considerado um progenitor que assegure o ideal desenvolvimento da personalidade dos filhos a nível afectivo, psicológico e moral.”60 Referiu ainda este tribunal que “a regulação do poder paternal, na vertente da guarda do menor e exercício do poder paternal, deve ser vista na perspectiva, não de um bem dos pais, mas, essencialmente, como um direito do menor consubstanciado no interesse deste na valorização da sua personalidade a todos os níveis, determinante para um crescimento harmonioso e equilibrado (...). As figuras parentais assumem de igual modo, de per si e conjuntamente, uma relevância extrema no crescimento e desenvolvimento dos menores, pelo que, a nenhuma delas é lícito impor aos menores, muito menos sem qualquer fundamento, que estes vejam a outra como má e a reconheçam a si como boa, distorcendo toda a realidade, como no caso em apreço decorre dos factos assentes, já que a apelante sempre foi uma mãe presente, nada constando, a qualquer título, em seu desabono”. O mesmo tribunal, no mesmo ano, julgou um outro caso idêntico (com características de alienação cruzada), no âmbito do qual um dos menores em questão foi avaliado por um psicólogo, tendo sido identificados, em consequência do comportamento dos pais, dificuldades de ordem social, pouco controlo do stress, impulsos de agressividade, grande insegurança, baixa autoestima e depressão. Este menor tinha apenas 3 anos de idade. Sem nunca referir a alienação parental, e muito menos a respectiva síndrome, o tribunal qualificou a relação entre os progenitores como um “autêntico campo bélico”, e alertou-os para o facto de o seu comportamento imaturo e vingativo estar a afectar o bem-estar dos seus filhos, tendo referido ainda que a “utilização das crianças como objecto da guerrilha e como veículo de transmissão dos sentimentos negativos que nutrem em relação ao outro, são altamente perniciosas para o são desenvolvimento físico, psíquico e afectivo das crianças.”61 A final, o tribunal decidiu: “Os menores necessitam igualmente do pai e da mãe e, por natureza, nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe. A consciência deste facto é essencial para que o relacionamento do menor com o progenitor a quem não esteja confiado se processe normalmente. Não devendo haver resistências por parte do progenitor a quem caiba a sua guarda, nem intransigências artificiais por parte do outro progenitor”. O reconhecimento do perigo do superior interesse da criança, no caso em mãos, levou mesmo esta Relação a advertir, no último ponto da sua decisão: “Se apesar de todas as cautelas na regulação os progenitores persistirem nas relações entre ambos, em utilizar as crianças como objecto da sua guerrilha e como veículo de transmissão dos sentimentos negativos que nutrem um pelo outro, haverá que ponderar a confiança da criança a terceira pessoa, já que a manutenção neste quadro familiar pode ser altamente perniciosa para o são desenvolvimento físico, psíquico e afectivo da criança”. Os acórdãos referidos não mencionam, em momento algum, a alienação parental, e são exemplo da posição ainda maioritária dos tribunais portugueses relativamente a situações de facto deste tipo. No entanto, os eventos, os comportamentos e as sequelas nele identificados correspondem ao processo de 60
Acórdão de 24.05.2007 (processo n.º 232/07-3), disponível em www.dgsi.pt.
61
Acórdão de 27.09.2007 (processo n.º 1599/07-2), disponível em www.dgsi.pt.
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alienação parental. Realmente, a (síndrome da) alienação parental existe de facto, seja identificada ou qualificada como um fenómeno comportamental, social, médico, psicológico ou nenhum outro. Em 2009, no entanto, a Relação de Lisboa identificou e analisou com detalhe a síndrome da alienação parental, referindo, a final: “A síndrome de alienação parental é um distúrbio que afecta crianças, que rejeitam completamente um dos progenitores, sem razões justificadas, no âmbito da responsabilidade parental de um menor”62. No mesmo ano, porém, o mesmo tribunal declara não ser possível afirmar a existência de síndrome de alienação parental, “se é que o mesmo tem base científica”63. Em 2010, o mesmo tribunal faz nova referência ao “designado Síndrome de Alienação Parental (…), um distúrbio que surge principalmente no contexto das disputas pela guarda e confiança da criança, caracterizado por um conjunto de sintomas resultantes do processo (alienação parental) pelo qual um progenitor transforma a consciência do seu filho, com o objectivo de impedir, obstaculizar ou destruir os vínculos da criança com o outro progenitor”, reconhecendo que “a quebra procurada, da relação com um dos progenitores, importa necessariamente um empobrecimento nas múltiplas áreas da vida da criança, caso das interacções, aprendizagens e troca de sentimentos e apoios, mas também podendo gerar, face à presença ou possibilidade de aproximação do progenitor não guardador, reacções de ansiedade e angústia, em si igualmente patológicas”64. A prática brevemente analisada leva à conclusão de que a alienação acontece. O seu reconhecimento pelos tribunais como realidade autónoma (ou síndrome) é pontual e tímido. No entanto, com ou sem referências expressas ao fenómeno da alienação parental ou à sua síndrome, os tribunais portugueses não se têm desresponsabilizado de proteger o bem-estar e são desenvolvimento da criança em sede de situações de alienação parental de facto. Cabe perguntar se, reconhecendo que o fundamento da repulsa da alienação parental é o superior interesse da criança, não será este princípio bastante para a sua efectiva protecção. Com efeito, os tribunais não necessitam de resolver estas situações com recurso à identificação da alienação parental. Haverá algum interesse ou necessidade no reconhecimento, estudo e expressa aplicação deste fenómeno? Alienação Parental: eis uma questão? Análise crítica e conclusões Aqui chegados, cabe questionar se haverá realmente uma “omissão” legislativa no ordenamento jurídico português que exija intervenção imediata em matéria de alienação parental, ou se, pelo contrário, a sua regulação é desnecessária ou desvantajosa. Em particular, se os tribunais vão reconhecendo, em nome do superior interesse da criança, a inadmissibilidade de situações de 62
Acórdão de 12.11.2009 (processo n.º 6689/03.1TBCSC-A.L1-2), disponível em www.dgsi.pt.
63
Acórdão de 19.05.2009 (processo n.º 2190/03.1TBCSC-B.L1-7), disponível em www.dgsi.pt.
64
Acórdão de 26.01.2010 (processo n.º 1625/05.3TMNSNT-C.L1-7), disponível em www.dgsi.pt.
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facto de alienação parental, ordenando o restabelecimento das relações entre a criança e o progenitor afastado, por um lado, e a cessação do comportamento em causa, por outro, será que a alienação parental deverá, ainda assim, ser reconhecida e regulada? Em suma, interrogamo-nos se existe necessidade de regulação específica desta matéria, ou se o superior interesse da criança e as normas vigentes no nosso ordenamento são suficientes para reconhecer e rejeitar situações de facto de alienação parental, a resolver no caso concreto, considerando as suas circunstâncias. A análise da recente lei brasileira sobre a alienação parental é útil para apurar eventuais lacunas no nosso próprio ordenamento jurídico: o que traz uma lei daquela natureza de novo e inexistente no sistema português? Certamente, uma definição legal do que seja alienação parental, como o faz a lei brasileira, terá a maior utilidade para o reconhecimento e divulgação deste fenómeno: as situações de facto de alienação parental podem passar despercebidas se os tribunais não conhecerem esta realidade, e uma definição legal cuidadosa poderá ser francamente vantajosa nesse sentido. A enumeração não taxativa de actos típicos de alienação também poderá ser útil como orientação dos tribunais no reconhecimento e alerta para situações de alienação parental. Acresce que esta lei reconhece expressamente que a alienação parental viola o direito fundamental da criança a um ambiente familiar saudável, prejudica a realização de afecto nas relações com o progenitor alienado, constitui abuso emocional do menor, e ainda incumprimento das responsabilidades parentais. Naturalmente, o princípio do superior interesse da criança serve de base a todas as normas analisadas e, em última instância, permite conduzir a conclusões idênticas ao conteúdo imposto por tais normas, sem necessidade da sua previsão legal específica. Contudo, o superior interesse da criança é um princípio e não uma regra, isto é, não tem um conteúdo normativo concreto – aliás, não está sequer definido legalmente -, mas antes estabelece um mandato de optimização, susceptível de ser concretizado ou prosseguido sob diversas e até opostas possibilidades65. Acresce que, pelo exposto, o superior interesse da criança é frequentemente invocado por todas as partes envolvidas: o progenitor alienante invoca-o, justificando-o com a ansiedade, o sofrimento e o stress emocional que a criança sente quando está com o progenitor alienado, e este invoca-o, alegando que a presença de ambos os progenitores é essencial ao desenvolvimento da criança. Ambos estão certos, e todas as situações serão, a final, prejudiciais para o bem-estar da criança. Nessa medida, a previsão legal de definições, exemplos e medidas especificamente dirigidas à alienação parental traduz-se num reforço de segurança jurídica nesta matéria. Note-se, contudo, que os processos relativos a regulação das responsabilidades parentais são, por definição, processos de jurisdição voluntária (conforme dispõe expressamente o artigo 150.º da OTM), isto é, “não estão sujeitos 65 V., sobre a aplicação prática do superior interesse da criança, o acórdão do Tribunal da Relação do Coimbra, de 30.10.2007 (processo n.º 4-D/1997.C1), disponível em www.dgsi.pt.
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a critérios de legalidade estrita, o que permite ao Juiz usar de alguma liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, adoptando em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”66. Esta constatação pode levar a defender a necessidade de reforço de segurança jurídica em matéria de alienação parental; mas parece-nos que será mais coerente defender uma posição que seja consistente com o próprio sistema estabelecido, e a natureza de jurisdição voluntária destes processos não deve ser argumento justificativo da necessidade de legislação específica sobre alienação parental – até porque os tribunais não lhe estariam, como visto, estritamente vinculados. Com efeito, a margem de actuação e decisão dos juízes no âmbito destes processos é ampla, permitindo-se-lhe ordenar as diligências, providências cautelares, medidas provisórias e decisões finais que, considerando as circunstâncias concretas de cada caso, e sem recurso a fórmulas rígidas ou “mágicas”, melhor promova o superior interesse da criança. Assim, os tribunais podem, neste âmbito, ordenar o restabelecimento imediato de visitas, a inversão da guarda ou a guarda partilhada, o acompanhamento psicológico de qualquer interveniente, e qualquer outra que considere adequada e pertinente67 - ou seja, todas as previstas na lei brasileira sobre alienação parental e todas as que, além dessas, julguem adequadas. Parece, assim, que os mecanismos actuais disponíveis aos tribunais já permitem soluções necessárias à resolução de uma situação de alienação parental, designadamente aquelas previstas na lei brasileira. Sobre esta ampla margem de decisão, e especificamente sobre o direito de visita, refere o Tribunal da Relação do Porto: “a lei, propositadamente, não regulou o direito de visita de forma precisa, abandonando os moldes da sua aplicação prática à ponderação judicial – situação que é, sem dúvida, de louvar, atentos os interesses em causa, dando ampla margem de actuação ao julgador de acordo com a situação que em cada tenha de apreciar e decidir”68. De facto, em matéria de direito da família, a regra é (ou deve ser) a da intervenção mínima do legislador. Cabe, então, perguntar se a intervenção do legislador e a regulação cuidadosa e detalhada da figura da alienação parental – à qual, como visto, o ordenamento jurídico já dá respostas substantivas e processuais - traz mais desvantagens do que benefícios. Parece-nos que sim. Sem prejuízo da regulação positiva de aspectos específicos das relações 66
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.06.2010 (processo n.º 148/09.6TBPFR.P1), disponível em www.dgsi.pt.
67
Como exemplo da liberdade de actuação detida pelos tribunais nestes processos, v. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27.09.2007 (processo n.º 1599/07-2), no âmbito do qual o tribunal refere e pondera, no âmbito de um processo especialmente agressivo de alienação parental, a possibilidade de adoptar decisão semelhante a uma decisão adoptada por um tribunal da Catalunha, “num caso com contornos idênticos aos destes autos, onde a mãe além de incutir nos filhos uma imagem negativa do pai tentava impedir ou dificultar o contacto deste com aqueles. O remédio foi entregar os menores aos avós paternos e impedir durante seis meses o contacto da mãe com os menores, ao mesmo tempo que, com apoio psicológico, se tentava restabelecer uma salutar relação com o pai”.
68
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13.07.2006 (processo n.º 0633817), disponível em www.dgsi.pt.
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entre pais e filhos, em contexto de separação dos primeiros – como, por exemplo, a cláusula do progenitor amistoso, prevista tanto na lei brasileira sobre alienação parental, quanto no Código Civil português, ou a sanção específica, mais ou menos severa, do incumprimento de acordos ou ordens judiciais relativas a menores -, consideramos que, entre fixar ou flexibilizar a conduta do juiz em matéria de família e menores, será mais adequado atribuir uma margem ampla de actuação aos tribunais, em prejuízo de uma postura excessivamente legiferante. Com efeito, um movimento legislativo sobre matérias desta natureza, que pretenda ser abrangente ou exaustivo, pecará, em princípio, pela rigidez, cortando lugar à decisão adaptada às circunstâncias particulares do caso concreto, solução mais adequada à prossecução de um princípio como o do superior interesse da criança. Sem prejuízo do exposto, não podemos deixar de nos questionar se os tribunais estarão preparados para tal tarefa de juízo in casu. O Tribunal da Relação de Guimarães assume: “A tutela do direito do menor em manter uma relação próxima com o progenitor com o qual não reside e a tutela do interesse deste progenitor a manter a sua proximidade é das que maiores dificuldades traz aos tribunais”69. Existem demasiados casos reais ilustrativos de situações de alienação que se arrastam durante os processos judiciais, de inquérito em inquérito, de proposta em proposta, de adiamento em adiamento, enquanto decorre a infância da criança, agravando-se o sofrimento da criança e arriscando-se a irreversibilidade da ausência de relação entre ela e o progenitor alienado. Foi o que sucedeu, designadamente, em dois casos submetidos ao tribunal da Relação de Lisboa, decididos em 2008 e 2009, respectivamente70: no primeiro, o progenitor masculino teve pouco ou nenhum contacto com as suas filhas durante um período de 8 anos, as quais acabaram por rejeitar a figura paterna; no segundo, o mesmo sucedeu durante um período de 14 anos (!), tendo a menor, à data da decisão judicial, 15 anos cumpridos e uma convicção enraizada de total rejeição do pai. O próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem teve já oportunidade para se pronunciar sobre a necessidade de os legisladores e tribunais nacionais dirigirem respostas adequadas à resolução de casos de alienação parental (muitas vezes, condenando os Estados nesse sentido). A jurisprudência deste tribunal, sem desenvolver a figura da alienação parental nem nela se fundamentar, tem invocado o artigo 6.º - nos termos do qual qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada num prazo razoável - e o artigo 8.º - nos termos do qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida familiar - da Convenção Europeia 69
Acórdão de 6.01.2011 (processo n.º 2255/08.3TBGMR-G.G1), disponível em www.dgsi.pt.
70
V. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.04.2008 (processo n.º 1090/2008-2) e de 21.05.2009 (processo n.º 6425/2008-6), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. V. também “Grande Reportagem SIC – Filhos de Pais em Guerra”, divulgada no canal televisivo SIC, e disponível em http://sic.sapo.pt/programasInformacao/scripts/videoplayer.aspx?ch=reportagem%20 sic&videoId=%7B8CA7D1CA-D0B4-408F-B77E-184DC5DB3E74%7D, na qual é apresentado o tema, com testemunhos verídicos de crianças, progenitores alienados e alienantes, e profissionais da área.
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dos Direitos do Homem71, para considerar que a protecção da vida familiar consagrada neste último ordena ao Estado não só a abstenção de ingerências arbitrárias, mas também o estabelecimento e a aplicação, em tempo útil, de todas as medidas adequadas, suficientes e necessárias para garantir o respeito pela vida familiar também nas relações entre os particulares e, em particular, entre os próprios familiares e progenitores. O tribunal tem ainda entendido que a falta de cooperação dos progenitores separados com relações conflituosas não dispensa as autoridades competentes da obrigação de aplicação, em tempo útil, de todos os meios susceptíveis de permitir o convívio entre progenitor alienado e o filho72. Vemos, assim, que a própria jurisprudência de Estrasburgo impõe, senão ao legislador, pelo menos aos tribunais que adoptem todas as medidas e diligencias para impedir uma alienação parental bem-sucedida. As eventuais necessidades de segurança jurídica perante a figura da alienação parental devem-se, com efeito, ao risco de os tribunais não se aperceberem ou não estarem conscientes desta realidade, e não actuarem firme e atempadamente, dando espaço a uma campanha de alienação bem-sucedida, a qual poderá ter efeitos perversos e irreversíveis, não sendo infrequentes exemplos como os acima referidos, nos quais as crianças perdem contacto com o progenitor alienado durante toda a sua infância e adolescência73. A alienação parental é um fenómeno com a capacidade de equivocar a percepção dos juízes sobre a melhor solução devida no caso concreto para a tutela e protecção do menor, e constitui um gravíssimo abuso emocional, para o qual o legislador e os tribunais devem estar atentos, e sistema de justiça deve reconhecer este fenómeno e dirigirlhe respostas, adaptadas a cada caso, para salvaguarda do superior interesse da criança concretamente afectada em cada situação. Em conclusão, julgamos que, aceitando a suficiência dos mecanismos actualmente disponíveis aos tribunais de família e menores para a resolução destas situações, apontamos, não obstante, as dificuldades da mesma, as quais devem ser conhecidas e reconhecidas pelos juízes. Os tribunais competentes para estas matérias devem estar permanentemente atentos e sensibilizados para esta e outras figuras problemáticas da vida real, de modo a serem capazes de, em cada caso, efectivamente prosseguirem o supremo interesse da criança concretamente envolvida74. 71
Assinada por Portugal em 22 de Novembro de 1976, e ratificada, juntamente com os seus cinco primeiros protocolos, pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, tendo entrado em vigor a 9.11.1978.
72
V., entre outros, Fiala c. República Checa, Zavřel c. República Checa, Koudelka c. República Checa, Dabrowska c. Polónia, todos disponíveis em www.hudoc.echr.coe.int. V. ainda Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, 4.ª edição, anotação ao artigo 8.º, p. 244.
73
V., por exemplo, http://www.sitesuteis.com/blog/familiasDILACERADAS.html. V. também o documentário “O Indizível”, de Alexandre Azinheira, disponível em http://criancasemrisco. blogspot.pt/2012/04/alienacao-parental-uma-historia-que-se.html.
74
Para mais informação sobre a Alienação Parental ou a Síndrome da Alienação Parental, consultar http://www.alienacaoparental.com.br/; http://www.parentalalienation.org/; http://www.
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Marta Costa e Catarina Saraiva Lima
parentalalienation.org.uk/; http://parentalalienationsupport.com/; http://www.parental-alienation.info/; http://www.amorteinventada.com.br/; http://parentalalienationhelp.org; http:// www.anasap.org/; http://www.warshak.com/alienation/pa-references.html; http://familia. sapo.pt/familia/comportamento/989271.html; http://www.breakthroughparenting.com/PAS. htm; http://www.fact.on.ca/Info/pas/gardnr87.htm; http://www.anasap.org/.
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PREVENIR – um modelo de intervenção longitudinal PREVENIR – a longitudinal intervention model Lorena Crusellas
Socióloga e Presidente da Associação Prevenir
Marta Costa da Cruz
Psicóloga Clínica e Adjunta da Direção da Associação Prevenir
Margarida Barbosa
Psicóloga Educacional e Vice-Presidente da Associação Prevenir
Correspondência: Marta Costa da Cruz martacostadacruz@gmail.com
Resumo: A Associação Prevenir, ONG para a Prevenção e Promoção da Saúde, desenvolve desde 2002, programas de promoção de hábitos de vida saudáveis e competências psicossociais, através do aumento dos fatores de proteção e redução dos fatores de risco no grupo alvo, para prevenir a aparição de comportamentos desajustados. O objetivo, de acordo com as orientações da Organização Mundial de Saúde, é promover a prevenção precoce, através da formação dos agentes educativos e do fornecimento de estratégias e materiais apelativos, adaptados à idade do grupo alvo de intervenção. A Associação Prevenir tem em funcionamento 4 programas destinados à população escolar: o “PrÉ: Programa de Competências” (3 aos 5 anos); o “Vamos Cuidar de Nós!” (6 aos 8 anos); o “Crescer a Brincar” (6 aos 10 anos); e o “EU PASSO…” (11 aos 14 anos). Todos os programas da Associação Prevenir são avaliados através de um modelo de “investigação-ação”. A avaliação de resultados foi muito positiva e para além disso, promoveu a aproximação família-escola, melhorias na relação Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 4(1) 2013
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professor-aluno e entre alunos e mudanças nas metodologias de ensino/ aprendizagem. Vários dos programas fazem parte da base de dados EDDRA, sendo considerados dos melhores programas de prevenção da Europa (Observatório Europeu da Droga) e da base de dados das Cidades Educadoras e para além disso, ganharam diversos prémios de reconhecimento. Palavras-chave: Prevenir; modelo longitudinal; investigação-acção. Abstract: The Prevenir Association, NGO for the prevention and promotion of health, develops since 2002 programs that aim to promote halthy life styles and psicossocial skills through the increase of protection factors and reduction of risk factors, to help prevent maladaptive behaviors. Based on the orientations of the World Health Organization, our objective is to promote early prevention through the training of educational agentes and the supply of useful strategies and materials, adapted to the age of intervention. The Prevenir Association has running four programs for the school population: “Pré: skills program” (3 to 5 years of age); “Let’s take care of us!” (6 to 8 years of age), and “I pass…” (11 to 14 years of age). All of the association’s programs are evaluated in a research-action model. The evaluation of the results was very positive and promoted an approximation family-school, improvement in the relationship between teacher-student and the students and the teaching methodologies. Several of the programs are part of the EDDRA data base, and are considered some of the best prevention programs in Europe (European Drug Observatory), and of the Educators’ City data base. Some also recieved several recognition awards. Key-words: Prevention; longitudinal model; research-action.
Introdução A Associação Prevenir é uma ONG sem fins lucrativos, cuja missão é o desenvolvimento de programas longitudinais de promoção de hábitos de vida saudáveis (alimentação, desporto, higiene, consciência corporal, saúde, etc.) e competências psicossociais (autocontrolo, autoestima, gestão emocional, tomada de decisão, etc.) através do aumento dos fatores de proteção e a redução dos fatores de risco no grupo alvo, para prevenir a aparição de comportamentos desajustados e de risco (violência, consumo de drogas, abandono escolar, etc.). O diagnóstico da realidade preventiva em Portugal, esteve na base da constituição da Associação Prevenir. A Presidente da Direção da Associação, desenvolveu no ano 2001 um estudo no Observatório Europeu sobre os Programas
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preventivos em meio escolar e, constatou a carência de programas longitudinais estruturados, com avaliação de resultados no nosso país. Neste sentido, a Associação Prevenir procurou dar resposta a esta necessidade, desenvolvendo intervenções longitudinais na linha da investigação-ação, em que os programas são acompanhados de um modelo de avaliação, desenhado em parceria com várias Universidades, com monitorização dos grupos alvos e estratégicos, por parte de uma equipa multidisciplinar com grande experiência na área da Prevenção e da Promoção da Saúde. Partindo do princípio que, a promoção da saúde, o bem-estar e a qualidade da vida, não são exclusivas de uma fase da vida! E que competências tão importantes como a capacidade de gestão emocional, a autoconfiança, a autoestima e a capacidade de tomada de decisão, devem ser trabalhadas o mais precocemente possível, para serem depois consolidados ao longo da vida, a Associação Prevenir procura com os seus programas o desenvolvimento saudável dos indivíduos, desde a infância até à terceira idade, investindo na inclusão de populações desfavorecidas, na deteção de casos de risco, na aproximação da família à escola e na melhoria do relacionamento professor-aluno, através de novas metodologias e estratégias de ensino. Todos os programas da Associação Prevenir têm uma componente formativa estruturada (fornece formações acreditadas/ creditadas pelo Conselho Científico Pedagógico de Braga) e um modelo de avaliação (de processo, de resultados e de impacto/ follow-up), que conta com parcerias desenvolvidas com várias Universidades e têm como suporte, material formativo, apelativo e lúdico, o que permite que a intervenção possa ser sustentável no tempo. Assim, com um modelo de intervenção que articule uma boa rede de parceiros (no caso da Associação Prevenir, podemos referir o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, para além de mais de 20 Autarquias, Estabelecimento de Ensino Públicos e Privados, Empresas Privadas e outras Entidades), que promova um bom relacionamento entre a equipa técnica e o terreno, que tenha materiais lúdicos e formações teórico-práticas que interessem e motivem os intervenientes, é possível reduzir os custos da Prevenção, evitando ser subsídiodependente, conseguindo assim, manter os programas no tempo e os seus bons resultados, de uma forma natural, fazendo parte do dia-a-dia. Metodologia Modelo de Intervenção Longitudinal Atualmente, a Associação Prevenir têm em funcionamento 4 programas destinados à população escolar, que abrangem crianças e jovens (e as respetivas famílias), desde os 3 aos 14 anos. Todos os nossos programas são de caráter lúdico, suportados por um conjunto de materiais, alguns editados pela própria Associação, que englobam
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na sua conceção um processo gradual de intervenção que os constitui como programas integradores, tendo como ponto de partida os princípios de atuação do National Institute of Drug Abuse e as linhas orientadoras do Observatório Europeu da Droga, que apontam para uma intervenção preventiva precoce, integradora e que promova competências psicossociais. Desta forma, todos os programas da Associação Prevenir apelam ao desenvolvimento de atividades que fomentam o envolvimento das famílias, permitem a deteção e derivação de casos de risco e em casos específicos, é efetuada uma intervenção e acompanhamento psicológico, por parte dos psicólogos da Associação Prevenir. Outra mais-valia dos nossos programas é o fato de serem longitudinais. A investigação atual, assim como as Agências Internacionais de Saúde e Educação como a ONU, UNESCO, NIDA e OEDT, têm apontado para a importância de desenvolver programas longitudinais, cujos efeitos são mais efetivos, garantindo a manutenção das melhorias atingidas, ao longo do tempo. Como já foi referido, todos os nossos Programas estão integrados num modelo de avaliação de processo, de resultados e de impacto/ follow-up, para o qual contam com a colaboração das Faculdades de Psicologia da Universidade de Lisboa e do Minho e com a Universidade Lusíada do Porto, a nível da investigação. Por outro lado, sendo a formação um fator chave para a sustentabilidade das intervenções, para Associação Prevenir é um dos aspetos cruciais, uma vez que os programas são desenvolvidos pelos agentes educativos, nomeadamente os professores e educadores. Em todos os nossos programas a formação é acreditada/ creditada pelo Conselho Científico – Pedagógico de Braga, que para além de facultar a base teórica, abordando os referenciais teóricos subjacentes às variáveis trabalhadas em cada programa, permite também fornecer uma componente prática, proporcionando espaços de aprendizagem de metodologias, que permitam trabalhar as variáveis com os grupos alvo e continuar este trabalho ao longo do tempo, uma vez finalizada a intervenção, pois os formandos são os agentes que melhor garantem a continuidade dos programas, transmitindo os conteúdos adquiridos a outros grupos alvo. Resultados “PrÉ: Programa de Competências” (Educação Pré-escolar) - Programa longitudinal com duração de 2 anos, destinado às crianças de 3-5 anos. No 1º ano do programa, os Educadores ajudam as crianças a desenvolver o seu Autocontrolo, para que se tornem mais disciplinadas e autónomas, o que vai facilitar as aprendizagens e a aquisição de outras competências. Trabalham também a Diferenciação Emocional, aprendendo a identificar e a diferenciar sentimentos, o que as ajuda a perceber como elas e os outros se sentem, construindo as bases da gestão emocional.
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No 2º ano, é abordada a Autoestima, variável essencial para o desenvolvimento das crianças. Com o programa, as crianças aprendem a identificar e a valorizar as suas caraterísticas e as dos outros, descobrindo que todos somos especiais e únicos. São também promovidas as Competências Sociais, indispensáveis para viver em sociedade e quanto mais cedo forem adquiridas, maior será a adaptação das crianças, ajudando a promover oportunidades idênticas de sucesso pessoal e social. O “PrÉ: Programa de Competências”, foi desenvolvido pela Associação Prevenir e no âmbito da sua avaliação participaram na amostra experimental 3 Concelhos do nosso país (Cascais, Oeiras e São João da Madeira), abrangendo cerca de 1.000 crianças e 50 educadores. A Avaliação dos Resultados revelou melhorias após a implementação do “PrÉ: Programa de Competências” em todas as variáveis trabalhadas, nomeadamente: no Autocontrolo, na Diferenciação Emocional, na Autoestima e nas Competências Sociais. As médias das crianças do grupo experimental, após 2 anos de implementação do programa, foram superiores às das crianças do grupo de controlo e as diferenças encontradas entre os grupos, foram estatisticamente significativas em todas as variáveis trabalhadas. Mesmo que a tendência das crianças nestas idades, seja melhorar em termos da aprendizagem destas competências, nomeadamente do Autocontrolo e das Competências Sociais, de fato, os valores entre os grupos são estatisticamente diferentes, as crianças do grupo experimental tiveram médias mais altas. Estes resultados confirmam o que a investigação já tem demonstrado: que a implementação de programas estruturados e longitudinais, que fornecem estratégias aos agentes educativos, fortalece a aprendizagem de tais competências, conseguindo que as crianças as interiorizem de uma maneira natural. Esta diferença é ainda mais notável em variáveis específicas, que não são implementadas ou exploradas de forma estruturada no curriculum escolar, tal como a Diferenciação Emocional. As crianças do grupo experimental tiveram médias mais altas do que as crianças do grupo de controlo, no que se refere à identificação dos sentimentos, nomeadamente os seis sentimentos trabalhados no programa (tristeza, felicidade, zanga, medo, ciúmes e amizade). Mas o mais importante não é apenas a diferenciação emocional, mas sim a interiorização desta competência e o fato das crianças terem sido capazes de reconhecer esses sentimentos em determinadas situações ligadas ao seu dia-a-dia. Em termos de Autocontrolo, o programa obteve resultados bastante positivos, porque as crianças conseguiram identificar as opções mais adequadas e ainda referiram diferentes estratégias, que utilizavam para ficarem “mais calmas” e para se controlarem. Estes resultados foram confirmados pela perceção dos educadores, que constataram melhorias nas variáveis trabalhadas nas suas salas. A análise da percepção dos educadores, revelou também diferenças estatisticamente significativas em várias das opções de resposta da escala, sendo que o número de crianças que estes identificavam com as situações apresentadas na escala, no dizia respeito a dificuldades relativas as competências trabalhadas no “PrÉ: Programa de
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Competências” (ex. “têm dificuldades em manter a atenção”; “batem nos colegas”; “não costumam mostrar o que sentem”, etc.) foi menor após a implementação do Programa. Numa primeira fase do modelo de avaliação de impacto aplicado com o programa (a avaliação do impacto ainda está em curso), os resultados recolhidos por observação junto aos educadores, revelaram diferenças em termos da adaptação das crianças ao 1º Ciclo do Ensino Básico. “Crescer a Brincar” (1º Ciclo do Ensino Básico) – Programa longitudinal com a duração de 4 anos, destinado às crianças de 6-10 anos. O “Crescer a Brincar” acompanha as crianças ao longo dos 4 anos do 1º ciclo do Ensino Básico e tem como objetivo promover o ajustamento psicológico, através do reforço dos fatores de proteção e da redução dos factores de risco. Este programa é da autoria do Dr. Paulo Moreira, foi editado pela Porto Editora e a Associação Prevenir é a gestora e responsável pela sua implementação. O programa é aplicado às crianças, em contexto de sala de aula, pelos professores, que contam com um manual teórico de apoio e com o manual do aluno, mais prático, em formato de banda desenhada, com autocolantes, jogos e atividades, que pretendem trabalhar diversas variáveis específicas ao longo dos 4 anos, nomeadamente: a disciplina e o autocontrolo, a autoestima, a diferenciação e gestão emocional, as competências sociais, a capacidade de tomada decisões e de resolução de conflitos, etc., fornecendo estratégias que ajudam a prevenir a indisciplina, a delinquência, o insucesso escolar, a toxicodependência, etc. “Vamos Cuidar de Nós!” (1º e 2º anos do 1º Ciclo do Ensino Básico) – Programa com a duração de 1 ano, destinado às crianças de 6-8 anos. É um programa de promoção do desenvolvimento da compreensão da responsabilidade individual pela própria saúde, e da adopção de comportamentos e estilos de vida saudáveis. Através do programa, pretende-se promover hábitos de vida saudáveis como a higiene, a alimentação, o desporto, a consciência corporal, escolhas saudáveis (tomada de decisão), competências sociais (pedir ajuda para resolver problemas, não permitir que os outros nos façam mal) e atribuir importância à saúde em geral. “EU PASSO…” (2º e 3º Ciclos do Ensino Básico) - Programa longitudinal com a duração de 2 anos, destinado aos jovens de 11-14 anos. É um programa de prevenção do consumo do tabaco e do álcool, desenvolvido pela Associação Prevenir, que tem como objetivos gerais a promoção de hábitos de vida saudáveis e de competências psicossociais, essenciais para o desenvolvimento e crescimento saudável dos jovens, evitando a manifestação de comportamentos de risco. No 1º ano do programa é realizada uma intervenção educativa, através da promoção de competências psicossociais (e.g. autocontrolo, autoestima) e de hábitos de vida saudáveis e são abordando vários componentes que vão contribuir
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para a saúde do jovem, nomeadamente, o componente social (família e amigos), a alimentação, o estudo e a motivação, o desporto e a higiene. No 2º ano de implementação, os temas abordados no Programa “EU PASSO…” são: a Gestão Emocional, a Tomada de Decisão, a Adolescência e a Pressão dos Pares, a Sexualidade na Adolescência e a Prevenção do Consumo do Tabaco e do Álcool. O Programa “EU PASSO…” está a ser alvo de uma avaliação da eficácia e assim como os materiais recentemente editados na modalidade adaptada ao 7º e 8º ano do 3º Ciclo do Ensino Básico, no âmbito do Programa EDP Solidária 2011. Parte da amostra abrangida por este programa, nomeadamente a amostra do Concelho de Oeiras, será alvo de Avaliação de Impacto Social, realizada por uma empresa externa em parceria com a Empresa Sumol+Compal. Concluindo, são muito os resultados obtidos com os nossos programas, incluindo outros não previstos, mas igualmente importantes tais como: a grande envolvimento e aceitação dos agentes educativos, a aproximação escola-família, a melhoria da relação professor-aluno e entre os alunos, aumento da autonomia das crianças, as mudanças nas metodologias de ensino/ aprendizagem (motivação das crianças para a leitura utilizando os nossos manuais). Discussão Desde o início da atividade da Prevenir, que surgiu com a implementação e a avaliação do Programa “Crescer a Brincar”, até à atualidade, em que contamos com mais três Programas de Prevenção Precoce em Meio Escolar (“PrÉ: Programa de Competências”, “Vamos Cuidar de Nós!” e “EU PASSO…”) e um Programa de Promoção de Bem-estar e Qualidade de Vida na Terceira Idade (“PRÓ-BEM”), têm sido vários os momentos relevantes da nossa trajetória: • Ter logrado ultrapassar todas as dificuldades e entraves ligados às intervenções longitudinais (dificuldades financeiras, mudanças políticas, mobilidade de professores e crianças, etc.); • Ter conseguido estabelecer uma Rede de Parceiros efetiva, que apoiam e colaboram com a Associação Prevenir. Mais de 20 Concelhos já desenvolveram os nossos programas, desde Caminha até os Açores; • Ter conseguido manter o nosso trabalho ao longo de 10 anos, elaborando um conjunto de materiais que permitem uma intervenção continuada e abrangente, que permite sustentabilidade no tempo e que acompanha as crianças e jovens desde a Educação Pré-escolar até ao 8º ano do 3º Ciclo do Ensino Básico; • Ter conseguido abranger outro grupo alvo tão importante como é a Terceira Idade, com o nosso novo Programa “PRÓ-BEM”, conscientes da carência e da necessidade de programas estruturados que promovam o Bem-estar e a Qualidade de Vida na Terceira Idade; • A forte componente de avaliação/ investigação dos programas (incluindo
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avaliação de processo, de resultados e de impacto/ follow-up), avaliados em conjunto com as Faculdades de Psicologia da Universidade de Lisboa e do Minho e com a Universidade Lusíada do Porto, conseguindo alcançar com os nossos programas, em todos os Concelhos onde foram desenvolvidos, resultados muito positivos, nomeadamente: aumento do autocontrolo, da autoestima, da diferenciação e gestão emocional, da capacidade de tomada de decisão, das competências sociais, dos hábitos de vida saudáveis (atividade física, higiene, alimentação, relações sociais e estudo), a redução e atraso na idade de início do consumo de tabaco e álcool, a melhoria da percepção dos fatores de risco do ambiente dos jovens, a melhoria no relacionamento professor-aluno, a aproximação família-escola (convidados a participar de forma positiva nos programas), etc. Os resultados da avaliação da eficácia do Programa “Crescer a Brincar” foram publicados na revista editada em parceria pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela International Union for HealthPromotion and Education (IUHPE), cujo resumo pode ser encontrado no seguinte link: http://heapro.oxfordjournals.org/ content/25/3/309.abstract. A avaliação de impacto do Programa “Crescer a Brincar”, realizada em parte da amostra do grupo experimental, 4 anos após da implementação do programa (no ano 2010), revela resultados muito positivos em termos do follow-up e do impacto da intervenção (os resultados serão apresentados em futuros artigos); • reconhecimento obtido em Portugal e inclusive internacionalmente: - Vários dos nossos programas têm sido selecionados para fazer parte da Base de Dados dos melhores programas de Prevenção de Europa (EDDRAObservatório Europeu da Droga); - O nosso programa “Crescer a Brincar” foi finalista do prémio internacional da Mentor Foundation em 2008, presidido pela rainha da Suécia, das melhores práticas preventivas; - No ano letivo 2009/2010 os programas “EU PASSO…” e “PrÉ: Programa de Competências” foram selecionados para fazer parte da base de dados da Associação Internacional de Cidades Educadoras (www.edcities.org); - O programa “EU PASSO…” foi seleccionado para fazer parte do Programa EDP Solidária 2011. - No ano letivo 2011-2012,o “PrÉ: Programa de Competências” ganhou o Prémio de Reconhecimento à Educação na categoria de “Promoção da Saúde Pública em Meio Escolar”, atribuído pela organização Ensino do Futuro. - O nosso Programa para a terceira idade “PRÓ-BEM” conquistou o prémio SIC Esperança 2012, para a implementação do programa em Odemira de forma a ajudar a prevenir o suicídio nos idosos. Mais informação em www.aprevenir.com
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DETERMINANTES DO COMPORTAMENTO TABÁGICO E IMPLICAÇÕES PARA A PREVENÇÃO DO TABAGISMO Determinants in tobacco consumption behaviors and implications for its prevention Paulo D. Vitória
Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal CIS/IUL, Lisboa, Portugal pvitoria@fcsaude.ubi.pt
Cátia Branquinho
PH+ - Desenvolvimento de Potencial Humano, Lda.
Hein de Vries
Department of Health Promotion, Maastricht University, Maastricht, The Netherlands
Resumo: O comportamento tabágico é a principal causa evitável de doença e morte. Noventa por cento dos fumadores estão dependentes do tabaco. Fumar tabaco é também um determinante importante da dependência de outras drogas e está relacionado com outros problemas nas esferas da saúde mental e das relações sociais, incluindo os comportamentos desviantes. A grande maioria dos fumadores iniciou o consumo de tabaco no início da adolescência. Este conjunto de caraterísticas e de consequências do tabagismo não deixa dúvidas sobre a sua relevância para a prevenção das doenças e dos problemas comportamentais, emocionais e sociais. Os objetivos deste artigo são apresentar os principais determinantes do comportamento tabágico e discutir as suas implicações para a prevenção do tabagismo. A investigação nesta área indica que o determinante fundamental do comportamento tabágico é ... o comportamento tabágico. Em primeiro lugar,
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porque as experiências iniciais com o tabaco, que ocorrem em geral no início da adolescência, são um determinante importante da dependência no futuro. Por outro lado, o comportamento tabágico dos pares, dos pais e de outros referentes relevantes para os adolescentes é um reconhecido determinante da iniciação e da dependência tabágica. Relativamente à prevenção do tabagismo, um objetivo essencial é evitar ou atrasar a iniciação do comportamento tabágico, levantando todas as barreiras possíveis à ocorrência dos primeiros contactos com o tabaco. A ideia que fumar tabaco implica um risco muito elevado de dependência deve ser enfatizada e reforçada nas campanhas dirigidas aos jovens. É também importante melhorar as competências sociais dos adolescentes para melhorar a sua capacidade de lidar com a influência social. Os pais devem ser sensibilizados relativamente ao modo como o seu próprio comportamento pode influenciar o comportamento dos seus filhos. Palavras-chave: tabagismo nos jovens; iniciação do comportamento tabágico; determinantes do comportamento tabágico; prevenção do tabagismo. Abstract: Smoking is the main avoidable cause of disease and mortality. Ninety percent of smokers are dependent of tobacco. Smoking is also an important cause of other drug addictions. Moreover, smoking is strongly related with other behaviours that damage mental health condition and social relations, including criminality. The large majority of smokers start to smoke during adolescence. All these recognized features and effects of smoking behaviour suggest that this must be the major field for prevention of health, behavioural, emotional and social problems. The objectives of this communication are to present the main determinants of smoking behaviour and to discuss its implication for smoking prevention. Data suggest that the main determinant of smoking is … smoking. First of all, the first experiences with tobacco, usually in the beginning of adolescence, are important determinants of smoking addiction in the future. On the other hand, smoking behaviour of peers, family and other relevant referents are established determinants of smoking initiation and dependence. Regarding smoking prevention, a main objective should be to avoid or to delay smoking initiation raising as much barriers as possible to adolescents smoking behaviour. The idea that tobacco smoking is highly addictive must be emphasized and reinforced in campaigns addressed to adolescents. It is important to raise adolescents’ skills to better manage the processes of social influence. Moreover, parents must be approached in order to increase their awareness of how and how much their behaviour could be a bad influence for their children. Key-words: smoking among young; smoking initiation; determinants of smoking behaviour; smoking prevention.
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Determinantes do comportamento tabágico e implicações para a prevenção do tabagismo, pp. 191-206
A relevância do tabagismo como problema de saúde O fumo do cigarro, um composto com mais de 4.000 substâncias, das quais várias são reconhecidas como cancerígenas, tóxicas e irritantes, foi declarado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a principal causa evitável de doença e de morte prematura nos países desenvolvidos (OMS, 1997; WHO, 2008, 1999, 2003). Estima-se que o fumo do tabaco causa cerca de 20% do total de mortes a nível mundial, ou seja, mais de cinco milhões de vidas perdidas por ano, que chegarão aos oito milhões em 2030 se as medidas que estão a ser adotadas à escala global não produzirem os resultados esperados (Ezzati & Lopez, 2003; Mathers & Loncar, 2006). Nos países desenvolvidos o tabagismo mata entre um terço e metade dos fumadores, que perdem em média 15 a 20 anos de vida relativamente aos não fumadores (Peto et al., 2006a, 2006b; WHO, 2008). Cerca de metade dos jovens que começam agora a fumar irá morrer por causas relacionadas com o tabagismo (U.S. Department of Health and Human Services [USDHHS], 2004). Na União Europeia o consumo de tabaco é responsável por 655.000 mortes por ano e em Portugal causa 8.100 mortes por ano, das quais cerca de 50% ocorre entre os 35 e os 69 anos (Peto et al., 2006a, 2006b). Uma parte importante das mortes e das doenças causadas pelo tabaco ocorrem em não fumadores. Em 1992 a Environmental Protection Agency (EPA) dos EUA declarou o fumo do tabaco como cancerígeno humano do grupo A, para o qual não há limite seguro de exposição (U.S. Environmental Protection Agency [USEPA], 1992). Em 2000, a OMS declarou o fumo ambiental do tabaco (FAT) como o principal poluente evitável do ar interior (WHO, 2000). A exposição ao FAT causa cancro do pulmão e doenças cardiovasculares, e relaciona-se com outros riscos para a saúde, incluindo riscos para a gravidez e para as crianças, como o aborto espontâneo, o atraso no desenvolvimento intrauterino, o parto pré-termo, o baixo peso à nascença, a morte súbita, os problemas nos ouvidos e as doenças respiratórias (International Agency for Research on Cancer [IARC], 2004; USDHHS, 2006; WHO, 1999, 2000). Um estudo de Oberg e colaboradores (2010) concluiu que morrem mais de 600.000 não fumadores devido à exposição ao FAT, cerca de 1% do total de mortes anuais. Mais de um quarto destas mortes (28%) ocorre em crianças. O tabagismo é também uma causa reconhecida de dependência. O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV e DSM-IV-TR) e a Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-10) têm secções dedicadas à dependência do tabaco (American Psychiatric Association [APA], 2000, 1994; WHO, 1992). Ambos os manuais descrevem a dependência como um conjunto de fenómenos comportamentais, cognitivos, e fisiológicos que emergem com o uso repetido da substância e que convergem no seu uso compulsivo. A nicotina é a substância psicoativa presente no tabaco. A tolerância, um processo relacionado com a dependência que consiste na necessidade de aumentar a dose
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de uma substância psicoativa para alcançar os efeitos fisiológicos e psicológicos desejados, no caso da nicotina, começa no primeiro cigarro (e.g., Benowitz, 1988). Os processos farmacológicos, psicológicos e comportamentais que causam a dependência da nicotina são idênticos aos da heroína e da cocaína (Tobacco Advisory Group of the Royal College of Physicians, 2000; USDHHS, 1988). Calcula-se que 95% dos fumadores são dependentes da nicotina, do tabaco e/ ou do comportamento tabágico (Shiffman, 1991). Este processo de dependência é agravado por uma rápida eliminação da nicotina, conduzindo aos primeiros sintomas de abstinência pouco tempo depois do último cigarro ser fumado e reforçando a necessidade de um consumo frequente de tabaco ao longo do dia (Hendricks et al., 2006; USDHHS, 1988). Vários estudos indicam que mais de 80% dos adultos que fumam iniciaram o consumo de tabaco antes dos 18 anos (Santos & Barros, 2004; Substance Abuse and Mental Health Services Administration, 2011; USDHHS, 2012, 1994). Para muitos fumadores a primeira experiência com tabaco ocorreu entre o fim da infância e o início da idade adulta, com o pico da iniciação nos países ocidentais, incluindo Portugal, situada entre os 11 e os 15 anos (Breslau et al., 2001; Santos & Barros, 2004; USDHHS, 2012, 1994). Fumar, além das já referidas consequências a longo prazo, tem também consequências imediatas e consequências a curto prazo. A iniciação numa fase precoce do desenvolvimento limita a função pulmonar, causa ou agrava problemas respiratórios e circulatórios, reduz a capacidade física, causa problemas de pele e prejudica o processo de maturação do sistema respiratório e do sistema nervoso central (Gold et al., 1996; Suglia et al., 2008; USDHHS, 2012, 1994). Alguns dos riscos e das consequências a curto prazo de fumar são mais graves quanto mais precoce for a iniciação do consumo de tabaco (USDHHS, 2012, 1994). É o caso da dependência. Os adolescentes sentem os primeiros sintomas de tolerância e dependência após fumar apenas alguns cigarros e antes de consumir tabaco regularmente (Colby et al., 2000; DiFranza et al., 2000, 2002). Entre 30% e 50% dos adolescentes que experimentam fumar serão dependentes passados 2-3 anos depois de terem fumado o primeiro cigarro (USDHHS, 2012, 1994), embora o processo de instalação da dependência possa durar até dez anos (Breslau et al., 2001). Segundo Russel (1990), cerca de 90% dos adolescentes que fumam 3-4 cigarros nesta fase da sua vida terão uma carreira de 30 a 40 anos como fumadores regulares. O consumo de tabaco pelos adolescentes constitui um risco para o consumo de álcool e de drogas ilegais (USDHHS, 2012, 1994). Os resultados de um estudo que incluiu jovens portugueses (Wetzels et al., 2003) concluiu que o tabaco ultrapassou o álcool como a droga mais utilizada pelos jovens para a iniciação no consumo de drogas e que o tabaco é um determinante mais poderoso do consumo de outras drogas do que o álcool. Comparando com outras drogas, o tabaco é aquela onde o consumo persiste por mais tempo ao longo da vida (e.g., Chen & Kandel, 1995). Um estudo
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realizado nos Estados Unidos estimou que os rapazes que começarem a fumar regularmente por volta dos 16 anos têm forte probabilidade de serem fumadores durante mais 16 anos (mediana do tempo para deixar de fumar), enquanto as raparigas têm fortes probabilidades de ser fumadoras durante os 20 anos seguintes (Pierce & Gilpin, 1995). A iniciação precoce do consumo de tabaco associa-se ainda com outros problemas de comportamento, com perturbações emocionais e com dificuldades relacionais (Ellickson et al., 2001; Mathers et al., 2006). Relativamente aos outros adolescentes, os fumadores têm uma maior probabilidade de consumir drogas ilegais e ter relações sexuais de risco (e.g., Ellickson, et al., 2001; Hanna et al., 2001), de se envolver em comportamentos desviantes como vender drogas e roubar (e.g., Ellickson et al., 2001), de ter insucesso escolar e faltar às aulas (e.g., Ellickson et al., 2001), de avaliar pior a sua própria saúde (e.g., Johnson & Richter, 2002), de manifestar menor satisfação com a vida (e.g., Zullig et al., 2001), e de ter depressão e perturbações do sono (Becoña & Míguez, 2004; Goodman & Capitman, 2000; Patten et al., 2000). Um estudo realizado em Portugal confirmou a associação entre fumar e outros problemas nos adolescentes portugueses (Matos et al., 2001). Os jovens que já experimentaram tabaco e os consumidores regulares declaram ser menos felizes, têm mais sintomas de mal estar físico e psicológico, têm uma alimentação menos saudável, fazem mais dietas e expressam maior desagrado com a imagem do seu corpo. Na esfera relacional, manifestam maior afastamento em relação à família, à escola e aos colegas da escola, compensando com mais amigos fora da escola. Os jovens que fumam apresentam com mais frequência comportamentos de experimentação e de consumo de álcool e drogas ilícitas e de envolvimento em situações de violência. O processo de iniciação e aquisição do comportamento tabágico A aquisição do comportamento tabágico tem sido descrita por vários autores como um processo com várias fases que, no essencial, pode ser resumido do seguinte modo (Kremers et al., 2001): 1) a fase pré-iniciação, onde nunca ocorreu o consumo de tabaco; 2) a fase da iniciação, que corresponde ao primeiro contacto direto com tabaco (a primeira inalação); 3) a fase da experimentação ou do comportamento ocasional, definida como um consumo inferior a um cigarro por semana ou menos do que 100 cigarros ao longo da vida; e 4) a fase do comportamento regular (consumo semanal ou mais frequente), e/ou do comportamento estabelecido (mais de 100 cigarros fumados), que inclui a dependência se forem verificados os critérios definidos na CID-10 e/ou no DSMIV (APA, 2000, 1994; WHO, 1992). Para caraterizar melhor a descrição do comportamento tabágico é necessário contar com mais três categorias que não se inserem neste contínuo:
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1) os não fumadores estáveis ou decididos, que iniciaram o consumo mas nunca progrediram para a fase do comportamento regular; 2) os fumadores que deixaram de fumar depois de terem fumado regularmente; e 3) os fumadores erráticos que oscilam entre fumar e não fumar (Chassin et al., 2000). Tendo em conta o poder adictivo da nicotina (USDHHS, 1988) e a presença dos primeiros sintomas de dependência após o consumo de apenas alguns cigarros (DiFranza et al., 2000, 2002), a investigação sobre o tabagismo tem dedicado crescente atenção ao processo que antecede a iniciação do comportamento. Como já foi referido, a iniciação ocorre na infância ou na adolescência, pelo que a investigação sobre a iniciação do tabagismo incide nesta fase do desenvolvimento, com especial interesse pelos adolescentes que nunca fumaram – os “nunca fumadores”. Os “nunca fumadores” podem ser classificados em duas categorias (Choi et al., 2001): 1) os comprometidos com a decisão de não fumar; e 2) os suscetíveis ou em preparação para fumar (em risco). Vários estudos confirmaram que os adolescentes suscetíveis têm uma elevada probabilidade de progredir no sentido da iniciação e da aquisição do comportamento (e.g., Jackson, 1998; Pierce et al., 1996), o que reforçou a necessidade de investigar mais e caracterizar melhor os jovens que nunca fumaram. Velicer e colegas (2007) propõem um modelo para estudar a iniciação, designado por Fases da Aquisição do Comportamento, que adota as três fases anteriores à mudança do modelo de Prochaska e DiClemente (1983): 1) a pré-contemplação relativamente à aquisição do comportamento (não tem intenção de fumar no futuro); 2) a contemplação relativamente à aquisição (tem intenção de fumar a longo prazo); e 3) a preparação para a aquisição (tem intenção de fumar a curto prazo). Kremers e colegas (2004) verificaram que uma larga maioria dos adolescentes se encontra na fase de pré-contemplação, sugerindo a sua subdivisão em três sub fases: 1) comprometidos com a decisão de não fumar (committer), 2) “imotivos” (immotive) e 3) progressivos (progressive), num total de quatro categorias (a quarta integra as fases de contemplação e de preparação). Estes modelos são muito úteis na diferenciação dos jovens que nunca fumaram, na investigação dos determinantes do comportamento tabágico e na orientação de estratégias de prevenção (Kremers et al., 2004). Os determinantes do comportamento tabágico O comportamento tabágico é um fenómeno multi-dimensional. Os fatores de risco e os factores protetores relacionados com a susceptibilidade, a iniciação e a progressão do comportamento tabágico são diversos, podem ser diferentes para as várias fases do processo de aquisição do comportamento e para as transições entre essas fases, podem variar entre indivíduos e, em cada indivíduo, podem ainda variar em momentos distintos do seu desenvolvimento em fases
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tão importantes como o fim da infância, a puberdade, a adolescência e o início da idade adulta. A adolescência é uma fase de grande abertura às influências sociais e ambientais. Neste contexto, a influência social surge com naturalidade como a variável que mais se tem destacado na explicação do comportamento tabágico. A relação entre estas duas variáveis surge logo nos estudos pioneiros sobre a iniciação do comportamento tabágico, cujas conclusões indicaram que os adolescentes começam a fumar por influência da pressão direta exercida por pessoas relevantes do seu meio social, com destaque para o grupo de pares (e.g., Evans, 1976; USDHHS, 2012, 1994). Além da pressão direta, contribuem também para o processo de influência as normas subjetivas, ou seja, a perceção que os adolescentes têm do que os outros relevantes pensam sobre o comportamento tabágico em geral e sobre o que deve ser o seu próprio comportamento e as normas descritivas, definidas como a perceção que os adolescentes têm do comportamento dos outros relevantes, incluindo pares, melhor amigo e pais. Integram-se também na influência social, num plano mais macro, a publicidade e outras formas de promoção do tabaco pela indústria tabaqueira e a presença de cigarros e de fumadores no cinema e na televisão e, mais recentemente, na internet (USDHHS, 2012, 1994). Estudos recentes realizados em Portugal indicam que o principal determinante do comportamento tabágico é o comportamento tabágico do próprio (a iniciação), assim como o comportamento dos pares e dos pais (Vitória et al., 2011b, 2009). Estes últimos estudos confirmam também a importância das normas subjetivas (pares e pais) e da auto-eficácia como determinantes do comportamento tabágico dos jovens. Além do comportamento, da influência social, e da autoeficácia, outros fatores têm sido associados ao comportamento tabágico dos jovens, nomeadamente, o nível sócio-económico, o rendimento escolar, a ligação à escola e à família, os estados emocionais (depressão, ansiedade), a autoestima, a acessibilidade aos cigarros, etc. Um fator que surge com peso crescente na investigação sobre a iniciação e a aquisição do comportamento tabágico é a crença, hoje comum nos jovens, que fumar ajuda a controlar o peso. A investigação não confirma esta crença, ou seja, no caso dos jovens, fumar não está relacionado com o peso, pelo que contrariar este mito será um contributo relevante para prevenir o tabagismo (USDHHS, 2012, 1994). Um estudo realizado com adolescentes portugueses concluiu que o comportamento tabágico se associava com pais, irmãos e amigos que fumavam e com viver numa família mono parental (Fraga et al., 2006). No caso dos rapazes, fumar estava relacionado com reprovações na escola e com um índice superior de massa corporal. Outro estudo realizado em Portugal associou ao comportamento tabágico dos adolescentes a intenção de fumar no futuro, a baixa auto-eficácia para não fumar, a influência social (tendo como referentes os pares, os pais e os irmãos) e alguns comportamentos de risco (e.g., consumo de álcool e
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envolvimento em brigas) (Vitória et al., 2006). Um documento que é considerado uma referência essencial nos estudos sobre a prevenção do consumo de tabaco nos adolescentes (USDHHS, 1994), recentemente atualizado (USDHHS, 2012), resume com base numa extensa revisão de literatura os fatores mais importantes associados à iniciação do comportamento, à transição para o comportamento ocasional e, depois, à transição para o comportamento regular. Os fatores associados à iniciação tabágica são os seguintes: • nível sócio-económico baixo, • desempenho académico fraco, • baixa autoestima, • reduzida auto-eficácia para recusar fumar, • exposição à publicidade e promoção do tabaco, • contacto com adultos e jovens que fumam, e • contacto com adultos e jovens que aprovam fumar. Associam-se à transição da fase de iniciação para a fase do comportamento ocasional os seguintes fatores: • influência do grupo de amigos e dos pares, • perceção de fumar como norma social, • crenças nas vantagens de fumar, e • facilidade no acesso aos produtos do tabaco. Na transição da fase do comportamento ocasional para o comportamento regular pesam os seguintes fatores: • situações favoráveis para fumar, • ligação com outros jovens que fumam, • reduzida auto-eficácia para recusar cigarros, e • acesso fácil ao tabaco. Por outro lado, segundo os relatórios já referidos (USDHHS, 2012, 1994), o envolvimento da escola e da família na prevenção do tabagismo destacam-se como fatores de proteção relativamente à iniciação e aquisição do comportamento tabágico. A prevenção do comportamento tabágico Atualmente o tema da prevenção e do controlo do tabagismo implica uma referência obrigatória à Convenção Quadro da OMS para o Controlo do Tabaco, designada em português pela abreviatura CQCT e em inglês pela abreviatura FCTC - Framework Convention on Tobacco Control (WHO, 2003). A CQCT foi aprovado na Assembleia Geral da Saúde realizada em 7 de maio de 2003 e ficará
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na história como o primeiro tratado mundial na área da saúde pública. Portugal ratificou a CQCT em 2005 através do Decreto 25-A/2005, de 8 de novembro. Em 2008 entrou em vigor a nova Lei de Prevenção e Controlo do Tabagismo, em grande parte baseada na CQCT (Lei n.º 37/2007, de 14 agosto). A CQCT aposta principalmente em estratégias e políticas de nível macro, incluindo, por exemplo, a limitação ou a proibição da publicidade ao tabaco; o aumento do preço do tabaco e dos impostos sobre os produtos do tabaco; a regulamentação da produção, da embalagem e da rotulagem dos produtos do tabaco; a luta contra o contrabando e o comércio ilegal de tabaco; a proibição da venda de tabaco a menores; e a proteção da exposição passiva ao FAT em espaços públicos fechados. Mas a CQCT inclui também medidas de nível mais micro-social como, por exemplo, a promoção da cessação do uso do tabaco e o tratamento dos fumadores, a sensibilização da opinião publica sobre os malefícios do tabaco, e a educação, a comunicação, e a formação da opinião pública e de grupos específicos, isto a par com uma forte recomendação para que as partes que adotaram a CQCT, incluindo mais de 160 países, desenvolvam a investigação, a vigilância epidemiológica e a cooperação científica, técnica e legal. As medidas e as políticas propostas pela CQCT são aquelas que têm provado ser mais eficazes na prevenção e no controlo do tabagismo. Algumas medidas de prevenção do tabagismo mais comuns, como os programas para os jovens desenvolvidos com base nas teorias da influência social e implementados com base na escola, não têm reunido provas científicas suficientes da sua efetividade (e.g., Peterson et al., 2000; Thomas & Perera, 2006). Por outro lado, vários estudos indicam que estes programas são efetivos quando são desenvolvidos de modo abrangente, incluindo medidas dirigidas aos jovens e medidas dirigidas ao meio onde os jovens vivem, são projetados a longo prazo, e são implementados de modo integrado no contexto da escola e da comunidade, incluindo também a família (e.g., De Vries et al., 2006b; Vitória et al., 2011a). O relatório que temos vindo a referir sobre a prevenção do consumo de tabaco nos jovens (USDHHS, 2012, 1994), baseia-se numa extensa revisão de literatura, realizada por um painel vasto de especialistas conceituados, para indicar os princípios e as medidas que são efetivas, reduzindo a iniciação, a prevalência e a intensidade do comportamento tabágico nos jovens: intervenções integradas e multi-dimensionais, que combinem 1) campanhas nos meios de comunicação social para promover a norma de não fumar e a cessação do tabagismo; 2) aumento do preço de venda ao público dos produtos do tabaco; 3) políticas e programas realizados na escola com base nas teorias da influência social, utilizando métodos pedagógicos interativos e treino de competências sociais; e 4) intervenções na comunidade para limitar o acesso dos jovens ao tabaco, para implementar e reforçar políticas e regras que limitem ou proíbam o consumo de tabaco e para “desnormalizar” o comportamento tabágico. Existe também evidência científica que as leis e regulamentos que proíbem a publicidade e a promoção dos produtos do tabaco e que proíbem o consumo de tabaco nos espaços públicos e nos locais de
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trabalho têm impacto positivo na prevenção do tabagismo, reduzindo a iniciação, a prevalência e a frequência do comportamento tabágico nos jovens e promovendo a cessação desse comportamento nos jovens fumadores (USDHHS, 2012. 1994). A nível da Europa, o ESFA – European Smoking prevention Framework Approach, pode ser considerado um programa de referência. Foi desenvolvido como um projeto de investigação-ação, com um design quasi-experimental, incluindo uma condição experimental e uma condição de controlo, e foi implementado durante três anos, acompanhando adolescentes de seis países, incluindo Portugal (De Vries et al., 2003b). As conclusões da avaliação deste projeto quanto à efetividade da intervenção não foram claras, sendo os resultados significativos apenas em alguns países, incluindo Portugal (De Vries et al., 2006b). Este projeto deixou algumas lições e recomendações para melhorar a efetividade dos programas de prevenção do tabagismo para jovens, nomeadamente (ver Vitória et al., 2011a): 1) conceção multidimensional do programa, incluindo os níveis individual, escola, família e comunidade; 2) definir um plano a médio longo prazo, sempre numa base plurianual, integrando uma componente de intervenção e uma componente de avaliação; 3) obter um compromisso das escolas com o projeto formalizado ao nível da Direção e envolvendo à partida um ou vários professor(es) de ligação; 4) formação dos professores e outros intermediários que colaborem na implementação do programa na escola e na comunidade; 5) equilibrar a quantidade e a qualidade das atividades realizadas nos vários níveis de implementação do programa (individual, escolar, familiar e comunitário), e 6) as atividades no nível individual, dirigidas diretamente aos jovens, devem ser suficientemente apelativas para este grupo alvo, incluindo, por exemplo, atividades com uma forte componente participativa e interativa, sendo desejável que algumas destas atividades sejam realizadas por pares. Portugal destacou-se neste projeto por ter cumprido as recomendações antes referidas e por investir num elevado número de aulas de prevenção do tabagismo (mínimo 14 aulas ao longo dos três anos). A quantidade de aulas tem sido associada ao sucesso dos programas preventivos com base na escola (e.g., Tobler et al., 2000). As aulas do programa português foram bem avaliadas pelos participantes e integraram a promoção de competências sociais, com a finalidade de melhorar a capacidade dos adolescentes para recusar fumar ou para lidar com situações de tabagismo passivo (auto-eficácia). As aulas implementadas no último ano acentuaram a vertente lúdica das anteriores e foram conduzidas por jovens com posições de liderança na escola ou na comunidade (programa interpares), depois de participarem numa ação de formação (Vitória et al., 2011a). A família tem um papel muito importante na prevenção do tabagismo. Estudos comparativos realizados com amostras de vários países, permitindo verificar o peso relativo de um conjunto de fatores no comportamento tabágico dos adolescentes de nacionalidades diferentes, revelaram que nos adolescentes portugueses a influência dos pais, em especial da mãe, é superior à média (De Vries et al., 2006a, 2003a). Este resultado ganha ainda mais peso quando todos
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os indicadores disponíveis apontam para um aumento acentuado da prevalência de jovens mulheres fumadoras no nosso país (Ministério da Saúde, 2008). Um estudo realizado em Portugal concluiu que os pares e os pais têm influência na aquisição do comportamento tabágico dos adolescentes, mas que o processo de influência é diferente: os pares influenciam principalmente através do seu comportamento e os pais influenciam através do comportamento e através das normas que definem sobre fumar (Vitória et al., 2011b). Os pais que fumam, além do exemplo que dão aos filhos, limitam a força de outras medidas de prevenção (por exemplo, a legislação, a prevenção na escola, as regras em casa), inserem os seus filhos num meio social onde o tabaco está presente e facilitam o acesso dos filhos ao tabaco (muitas vezes os primeiros cigarros são tirados aos pais). Tendo em conta estas considerações, o melhor que os pais podem fazer para prevenir o tabagismo dos seus filhos é eles próprios não fumarem. Os pais que fumam podem evitar fumar à frente dos seus filhos ou nos espaços por eles frequentados, incluindo a casa e o carro. Os pais, mesmo os que fumam, devem afirmar com firmeza e com clareza que preferem que os seus filhos não fumem, que não apoiarão o comportamento tabágico dos filhos caso estes decidam fumar e que não permitirão que os filhos fumem em casa. Também é importante que as famílias optem por frequentar espaços públicos onde não seja permitido fumar. Os pais devem ainda controlar o dinheiro que os filhos têm para o dia a dia e o modo como o gastam pois vários estudos têm indicado que o dinheiro de bolso disponível para gastar é um determinante do comportamento tabágico dos adolescentes (e.g., Vitória et al., 2006). Uma última palavra para os técnicos (professores e profissionais de saúde), para a escola e para as autarquias. A escola poderá dar um bom exemplo à família, definindo medidas para reforçar a implementação da Lei de Prevenção e Controlo do Tabagismo (Lei n.º 37/2007, de 14 agosto), que proíbe o consumo de tabaco na escola e monitorizando continuamente o cumprimento dessa Lei no seu espaço. Este tema deverá ser contemplado no regulamento escolar e poderá ser abordado nas reuniões com pais, em especial nas reuniões de início de ano letivo. Os professores têm nos seus alunos um canal indireto para comunicar com os pais sobre este tem. Por exemplo, podem realizar trabalhos sobre este tema com os seus alunos e pedir a colaboração dos pais ou podem enviar materiais informativos para casa. Os profissionais de saúde podem dar mais atenção aos utentes na faixa etária dos 25 aos 40 anos, geralmente com filhos em idade escolar e em risco de iniciação tabágica, ligando a abordagem do tabagismo à educação dos filhos e à sua proteção relativamente ao fumo ambiental de tabaco, promovendo a cessação tabágica quando os pais fumam. Às autarquias, além do investimento próprio na prevenção do tabagismo, cabe o papel de reforçar as políticas e as medidas de prevenção do tabagismo adotadas a nível nacional, como é o caso da Lei de Prevenção e Controlo do Tabagismo, aproveitando a proximidade das populações para apresentar com mais eficácia os seus fundamentos e as suas vantagens para as pessoas destas medidas.
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NÚMERO ANTERIOR Factorial Validity and Group Invariance of the Portuguese short version of the Social Physique Anxiety Scale in Adolescents.............................................. 199 Luis Calmeiro, Celeste Simões, Margarida Gaspar de Matos e Pedro Gamito Características percebidas na vizinhança, fatores psicossociais e atividade física objetivamente avaliada em adolescentes .................................................................. 215 Pedro Gomes, Andreia Pizarro, Margarida Pereira, Ana Cristina Seabra, Roseanne Autran e Maria Paula Santos Influência do grupo de pares e monitorização parental: Diferenças entre géneros.......................................................................................................................... 237 Gina Tomé, Margarida Gaspar de Matos, Celeste Simões, Inês Camacho e José Alves Diniz A Audição Dicótica no Diagnóstico de Dislexia .................................................... 261 Inês Mendonça, Horácio Saraiva e José Leonel de Góis Horácio Inventário
Avaliação da Violência na Escola (IAVE) - construção e .................................................................................................. 277 Filomena Adelaide de Matos, Helena Ralha-Simões e Saul Neves de Jesus para
validação preliminar
A influência da monitorização parental e da comunicação com os pais no bemestar e nos comportamentos de risco dos adolescentes........................................... 293 Inês Camacho, Gina Tomé, Margarida Gaspar de Matos, Celeste Simões e José Alves Diniz Características
de amistad durante la adolescencia: España ............................................................ 315 Eva Leal, Pilar Ramos, Carmen Moreno e Francisco Rivera de
las
relaciones
diferencias entre chicos y chicas en
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Intervenções para promover a Atividade Física com base no apoio dos pares: Revisão Sistemática da Literatura ............................................................................ 329 Ricardo F. Gonçalves e António L. Palmeira Depressive Mood and Sexuality in adolescence ...................................................... 347 Anabela Rosando e Margarida Gaspar de Matos
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UNIVERSIDADE LUSÍADA EDITORA Últimas publicações ENSAIOS Oliveira, Maria Isabel de Matos Braz de (Coordenação) Seminário Internacional da COR - 2012 Pires, Manuel e Pires, Rita Calçada Internacionalização e Tributação - 2012 Neves, Victor Esquissos de Arquitectura da memória do tempo e dos lugares - 2012 MANUAIS Rodrigues, Paula Cristina Lopes Marketing em contexto de mudança - 2012 Peliganga, Mandume Licumbi, Azevedo, Rui Gabriel Araújo de Energias Renováveis, Sistemas Fotovoltaicos e Eólicos - 2012 TESES Campos, Ana Paula C. Ordenamento Vocacional Susutentado - 2012 Journal of Child and Adolescent Psychology Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa, 4(1) 2013
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Pinheiro, Ricardo Futre Jazz fora de horas: Jam sessions em Nova Iorque - 2012 Manoel, Bernardo d’Orey Fundamentos de Arquitectura em Raul Lino – 2012 REVISTAS Revista de Economia & Empresa Serie II, n.º 15 (2012). Lisboa Revista de Estudos Jurídico-Políticos (POLIS) N.º 18/21 (2012). Lisboa Revista de Intervenção Social N.º 39 (1º semestre de 2012). Lisboa Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente Volume 3, n.º 1 (2012) ACTAS Ollero, Rodrigo (Coordenação) (2012) Actas 3º Encontro ESTEJO. CITAD (Universidade Lusíada)
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