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Memórias da nossa aldeia Cariri

O jogo da memória é repleto de nuances, hiatos, lembranças e esquecimentos. A primeira edição da revista “Memórias Kariri” coloca em confronto a história de importantes personagens da região com a sua própria memória, ou seja, por meio dela, a memória, a publicação expõe e registra importantes acontecimentos da região, contados por personalidades que participaram e conviveram durante anos com a história da sua aldeia - da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo (...) Por isso a minha aldeia é tão grande quanto outra qualquer (Fernando Pessoa).

Para contar histórias da nossa aldeia – palavra que também significa povoação habitada por índios – escolhemos como gênero narrativo a entrevista jornalística em profundidade. Como na literatura de testemunho, na história, na etnografia, no memorialismo ou qualquer outra forma de recuperação do passado, a entrevista confronta-se com a decifração do real, este tomado como categoria bem mais geral do que a notícia e seu estrito sentido técnico.

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A primeira edição da revista abre com uma entrevista com Padre Ágio. Aos 99 anos, padre Ágio impressiona pela memória privilegiada por lembrar pequenos e grandes acontecimentos da sua vida dedicada à religião e à música. Poliglota, além de músico, formado em filosofia e teologia, ele é uma lenda vida do Cariri.

Entrevistamos também seu Raimundo Batista de Lima sobre o Caldeirão de Santa Cruz do Deserto. Ouvimos atentamente a sua versão do extermínio da comunidade do beato José Lourenço pelas elites do Ceará – governo, latifundiários e parte do clero. Ele recebe diariamente visitantes – pesquisadores, estudantes, professores, turistas, religiosos – para apresentar o local onde viveu José Lourenço e a sua comunidade. Com sua voz tranquila, pausada e com um português que dá gosto de ouvir, ele narra a sua versão, bem diferente da oficial. Marcas do nosso português arcaico, nossa herança Ibérica, talvez hoje em extinção.

A “Memórias Kariri” não poderia deixar de registrar em seu primeiro número a história de Mestre Espedito Seleiro, uma referência em todo o Brasil com as suas peças confeccionadas em couro. Peças que já foram exibidas em filmes, novelas, exposições de arte e moda do Brasil e exterior – celas, gibões, bolsas, chinelas, cintos, chapéus – a tradição da arte nordestina. Ele conta que foram anos de pesquisa

16 até desenvolver uma técnica única e singular. Lembra também de tempos brabos, difíceis que passou ao lado da família e da sua gente – de vaqueiro, tropeiro, cigano e sertanejo. E uma inusitada história envolvendo Lampião. Ele refaz um percurso de lembranças – algumas boas, outras nem tanto.

Juazeiro do Norte tem se notabilizado por transformar-se rapidamente em um pólo universitário.

E a Universidade Federal do Cariri – UFCA – tem dado uma contribuição das mais importantes para a região. O professor Raimundo Martins Filho narra parte dessa história, fala das questões e problemas ligados à educação numa universidade ainda muito nova, mas já com um histórico importante para o desenvolvimento do Cariri. Com vasta experiência no campo acadêmico, ele é um obcecado pela área que abraçou desde cedo: a medicina veterinária. O professor aponta problemas e sugere soluções diante do atual quadro vivenciado pelas universidades brasileiras, particularmente a UFCA.

Outra entrevista de destaque é a do médico e escritor cratense, José Flávio Pinheiro Vieira. Zé Flávio tem trinta anos de experiência com a literatura lançando mão de uma diversidade de gêneros. Amante da literatura desde muito novo, se apegou a uma escrita de fácil compreensão. Fez sucesso entre as crianças com “O Mistério das 13 Portas”. O escritor prioriza as suas raízes e o seu lugar em todos os seus trabalhos. “Se o matuto fala assim, assim escrevo. Já imaginou um matuto com escrita difícil?, diz.

A matéria sobre a Expocrato é a única que não segue a linha da entrevista em profundidade. Faz um mergulho na maior feira agropecuária do Nordeste através de um ensaio fotográfico e de olhares de personagens que viram a exposição nascer, em 1944, como as irmãs Bacurau, Ana e Prisca. Elas lembram do pai, o cratense José Bacurau, que testemunhou durante anos várias fases da exposição. E narram suas vivências durante edições passadas da Expocrato. O jornalista Francisco Humberto Esmeraldo Cabral assinala o processo de desenvolvimento da Expocrato, desde 1944. Memorialista, ele fala de particularidades da feira e de como chegou a ser a primeira feira do gênero do Nordeste brasileiro.

A revista ao lançar mão da memória, em entrevistas em profundidade com personalidades (sejam famosas ou anônimas), resguarda à memória coletiva concernente diretamente a vida de cada um de nós, da nossa aldeia Cariri.

Índice

38 Raimundo Martins 46 58

Expediente

Expediente

Texto e fotografia:

Anna Carla de Morais

Caio Botelho

José Anderson Sandes

Renata Linard

Sabrina Ribeiro

Professor orientador:

José Anderson Sandes

Projeto gráfico e diagramação: Isaac Brito Roque

Edição 1

Juazeiro do Norte, Novembro 2017 Revista experimental do projeto “Memórias Kariri” vinculado à Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Cariri.

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