16 minute read

Seu Raimundo do Caldeirão Seu Raimundo do Caldeirão de Santa

Seu Raimundo Batista de Lima começou a trabalhar como agricultor com 12 anos de idade. Morava com seus pais vizinho ao Caldeirão dos Jesuítas, onde no início do século passado formou-se uma comunidade messiânica: o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, do beato José Lourenço. Muitos episódios do extermínio da comunidade pelas elites do Ceará – governo, latifundiários e parte da Igreja -, ainda não são explicados em sua totalidade. Mas nada melhor do que ouvir o relato do seu Raimundo Batista de Lima, 75 anos, guia de pesquisadores, estudantes, religiosos e curiosos que viajam até o Caldeirão para entender um pedaço da história do beato José Lourenço.

O local ainda guarda marcas do tempo beato – a Igreja, uma casa, restos de um cemitério e fragmentos da estrutura da casa do beato. A prefeitura do Crato construiu um pequeno museu há 12 anos –praticamente abandonado -, onde são expostas imagens do beato, pequenos artefatos (telhas, tijolos, utensílios do tempo de José Lourenço) e banners narrando cspítulos de uma história ainda mal contada.

Advertisement

Seu Raimundo mora naquele pedaço do Caldeirão há 21 anos, ao lado da sua mulher, Maria. Lá recebe gente do Brasil e exterior para ouvir sua versão da matança dos moradores do Caldeirão. Recebe todos como um bom sertanejo. E reconta histórias que ouviu dos seus pais, dos sobreviventes do Caldeirão e do vaqueiro do beato José Lourenço. Abaixo, parte da entrevista que seu Raimundo concedeu a “Memória Kariri” com a sua fala tranqüila, pausada e seu português que dá gosto de ouvir. Marcas do português arcaico, nossa herança ibérica, talvez hoje em extinção.

Seu Raimundo, o senhor recebe visitantes de várias partes do País para explicar episódios do Caldeirão. Quando e como o senhor chegou neste espaço do beato José Lourenço e seus seguidores?

Aqui é um cantinho do caldeurão, que a prefeitura do Crato comprou. Tá com 21 anos que a prefeitura botou a gente aqui. Quer dizer que é 21 anos de sofrimento. Está com 21 anos que a prefeitura comprou e me botou aqui.

Sofrimento?

Porque o senhor sabe, que as prefeitura hoje é que nem a cantiga da pirua - é de pió a pió. Tá entendendo? Tem prefeitura que é pió do que as outras. Vamos supor que é todas, mas tem delas que é mais, né? Rapaz, dá inté vontade do caba achar graça. Que eu com essa chave aqui, dessa igreja e das partes desse museu... aqui toda a semana vem uma carrada de gente. Que eu aqui tomo conta de um patrimônio do Crato. Eu sou o guia. Quer dizer, o senhor vai me dizer uma coisa. Eu tenho direito de reivindicar um salário aqui ou não tenho. Pois é. Tá dentro de cinco anos que eles me deram um ganho. Isso é uma vergonha. É ou não é?

E quanto é esse ganho?

O caba vai tirar 700, 800 real. Agora o prefeito que saiu agora, agora em janeiro, e entrou o outro. Dos quatro ano dele, ele não pagou quatro mês – desse que entrou agora. O senhor vê isso. Dá idade que tô. Aqui hoje era pra ser uma cidade. Daqui pro Crato já era pra ser uma cidade.

Por que uma cidade?

Eu vou dizer o motivo pro o senhor. Porque o Padim Ciço nasceu no Crato, mas num teve apoio do Crato. Ele passou pro Juazeiro e lá foi bem apoiado. Cada mês que se passa o Juazeiro vai crescendo mais, a respeito do Padim Ciço. Aqui, como era uma fazenda do Padim Ciço, se ele tem nascido no Crato, e morrido dentro do Crato, daqui pro Crato, tava uma cidade só. Tava ou num tava? Aquela riqueza do Juazeiro num era pra ser pro Crato? O Crato não quis. Quer dizer que aquela riqueza, como o Padim Ciço nasceu no Crato, era pra ser pro Crato. Tudo, todo aquele movimento que foi pro Juazeiro era pra ser pro Crato. Culpa dos prefeitos?

Rapaz, culpa de um bucado de coisa. O senhor acha, então, que o Caldeirão teria outro destino caso o Padre Cícero tivesse vivido e morrido no Crato?

Aqui era uma fazenda do Padim Ciço, O Caudeurão. E quanto ao beato José Lourenço?

O beato José Lourenço, que era da Paraíba, chegou a Juazeiro e pediu ao Padim Ciço para arrumar um cantinho para ele formar uma assuciação, uma cumunidade. O padim arreda um sítio chamado Baixio Dantas. O beato toma de conta. Foi quando o Padim Ciço deu um boi de presente a José Lourenço por nome de Boi Mansim. O beato passou três anos no Baixio dos Dantas. Foi quando eles disseram que o beato tava considerando o boi um boi santo. Como o que aconteceu mesmo. Levaram o beato, o pessoal do beato e o boi pra prisão. Chegou lá na frente da delegacia e mataram o boi e fizeram todo o mundo comer a carne do boi, sem ninguém querer comer a carne do boi. Ainda dizer assim: “ Come aí a carne do Santo de vocês”. Aí o padim Ciço tira o beato da cadeia. Quem prendeu o beato José Lourenço?

O dr. Flávio (Floro) Bartolomeu. E como o beato chegou ao Caldeirão?

O beato chegou para Padim Ciço e disse: “Meu padim, lá no Baixio Dantas não tá dando certo, não”. Padim Ciço disse: “Pois Lourenço, vamos entregar o terreno lá, e você vai para o Caudeurão de Santa Cruz do Deserto, que eu tenho uma fazenda muito grande lá, você vai tomar de conta lá se você gostar de lá”. O beato veio aqui e espiou o Caudeurão de ponta a ponta. Mas chega no Juazeiro e disse: “Meu Padim eu gostei de lá. Só achei difícil uma coisa – água. Com pouco, a gente morre de sede encostado lá. Padim Cíço mandou ele voltar e disse que tinha água lá. Padim Ciço falou certo. Aqui onde nós tamos, nessa Igreja aqui, tem um poço ali, o lugar pegou o nome de Caudeurão a respeito do poço. Não seca nunca. A água é minada e não seca nunca. O Beato toma conta do Caudeurão. Aí vem o pessoal da Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Alagoas. Do Ceará era mais pouco. Chegava no Juazeiro, um pai de famía: “ Meu padim me dê uma morada”. “Vá ao Caudeurão da Santa Cruz do Deserto, onde tá o beato Zé Lourenço. Vá lá que você vai ser bem recebido. O beato formou a cumunidade dele aqui. Já tinha 1.200 pessoas. Isso em que ano?

1907, acho. Já tinha 400 Casas de morador, um engenho de fazer rapadura, um aviamento de fazer farinha. Tudo que esse pessoal precisava era produzido aqui. Aí quer dizer, nem os governador hoje faz o que o beato José Lourenço fez no Caudeurão, uma comunidade bem organizada. Aquilo ali tinha pessoas suficiente para aconselhar o pessoal. Se ele precisasse de um pote de barro para botar água tinha gente que fazia. As redes também eram feitas aqui dentro... remédio pro pessoal tomar. Tinha pessoas suficiente para fazer o remédio caseiro aqui. Remédio de casca de pau, de tudo, dos matos que servem de remédio. Aí o beato com esse pessoal... tudo trabalhava satisfeito, tudo era coletivo e todo mundo era dono. Aqui ninguém passava fome, tudo que eles produziam era tudo deles. Aqui só tinha uma coisa que o beato não produzia – era o sal e o gás. Mas ele pegava o cereal que eram produzidos e trocava lá fora, para trazer aqui pra dentro, né. Quais cereais?

Isso era arroz, feijão, o milho, a mandioca pra fazer farinha, era a cana para fazer a rapadura. Era só o que tinha aqui dentro. Não tinha quem desse conhecimento. O senhor vê umas quebradas dessa aí. Parece que não serve pra plantar. Mas o senhor pode plantar arroz na cabeceira desse arto. Vai depender do inverno. Todos nós sabe que sem inverno não vai dar nada.

Como era o cotidiano no Caldeirão. Sei que se criavam animais e se teciam até as roupas dos sertanejos...

Aqui tinha muié suficiente para tecer a rede do pessoal dormir. Aqui tinha pessoas suficiente para fazer remédio para o pessoal tomar. Aqui tinha pessoas suficiente para fazer a ferramenta de trabalho. Tinha professora para ensinar o povo a estudar aqui dentro. Tinha os vaqueiro para cuidar do gado. Tinhas as muié pra cuidar do porco, capote, piru. Tinha todo o tipo de galinha... Além do trabalho, havia festas no Caldeirão?

Rapaz, essas danças do tempo passado, todos nós sabe, era uma coisa comum. Não era que nem hoje. Nós tamo numa era que nós pensa: como pôde existir uma cumunidade como a do beato José Lourenço aqui no caldeurão. Mil e duzentas pessoas dirigidas por ele. Como o beato conseguia dirigir tantas gente?

A ordem aqui, como diz o outro era segura. Num era dessas ordens que hoje tem, não. A polícia prende um, a justiça solta. E tá uma bagunça na minha opinião. E no tempo que o beato existiu aqui dentro do Caudeurão, havia ordem, respeito. Tinha mil e duzentas pessoa, 400 casa. Cada pai de famía tinha três, dez, onze fios. Todo mundo trabaiava aqui satisfeito. Agora o senhor sabe me dizer o proquê que esse pessoal trabaiava satisfeito? Porque era tudo com barriga cheia. Nós trabaia com a barriga seca, quem é que vai trabaiar satisfeito.

Essa Igreja foi construída quando pelo beato José Lourenço? Ele fazia sermões, obrigava os moradores a rezarem?

Ah. Já foi no final de acabar com o pessoal todo dele. Ele fez essa igreja aqui. Aqui ele não obrigava a ninguém a rezar. Só rezava quem quisesse, só vinha orar mais ele quem quisesse. Agora só tinha uma coisa. Só ficava dentro do Caldeurão quem quisesse trabaiá. Quem não quisesse trabaiá podia voltar para onde vei.

AIgrejafoidedicadaaSantoInáciodeLoyola...

Ele foi buscar esse santo fora do Brasil. Agora eu não sei aonde fora do Brasil, mas foi fora do Brasil. Esse santo foi uma crica contra o beato. Diz que quando o beato foi atrás do santo para botar aqui na Igreja, ele foi mesmo atrás de armamento pra briga. Tudo mentira. Quer dizer, como um home como o beato toma de conta de uma assuciação de 1.200 pessoas num local desse aqui, ele tinha condição de procurar arma pra briga? A arma do trabaiador todo mundo sabe é a enxada. Como o senhor soube de tantas histórias do beato José Lourenço?

Eu nasci, o finado meu pai, a finada minha mãe, nasceu e se criou aqui. Vizim aqui o Calduirão. Conhecia peda por peda. O vaqueiro que era do beato – ele morou na casa de morada do beato – era vizinho a nós. Ele contava tudo que acontecia aqui, ele contava a nós. Pro senhor ver. Aqui tinha ordem. Nós estamos no fim da era, no fim do mundo que o senhor sabe hoje, alguns anos atrás, o caba ajeitava a roça e plantava e num faltava chuva. Os home hoje quer saber mais do que Deus, as coisas tá tudo o contrário de Deus. E Deus tá mudando também. Como assim?

Todomundoeracantandoaínaroçaaí,tudosatisfeito, tudo com a sua barriga cheia, aqui tinha a sua merenda, seu almoço, sua janta no tempo do beato José Lourenço. Como o beato organizava os trabalhadores. Ele não obrigava ninguém a rezar, mas sim a trabalhar...

Bem. Esse pessoal do Maranhão, esse pessoal da Paraíba, esse pessoal de Pernambuco. Ele botava aquele grupo, aquela assuciaçãozinha, tá entendendo? Cada cá – do Maranhão, Pernambuco, Ceará. Cada um tinha um coordenador. Cada pessoal tinha o seu grupozinho e a pessoa para dirigir aquele pessoal. Assim Maranhão tinha um grupo, Pernambuco, de qualquer canto... Era uma riqueza.

A riqueza era distribuída coletivamente?

Coletiva. Tinha o armazém, o casarão, armazenava de tudo.

Como era feita a divisão?

Num tinha dividição não. Lá onde toda a alimentação tava num tinha fulano nem sicrano para abrir com chave. As portas era aberta para todos os pais de famia entrar e sair. Num tinha dificuldade.

O beato permitia a cachaça no Caldeirão? O senhor ouviu falar de brigas na comunidade?

O senhor ouviu dizer que hoje tudo que a pessoa fizer tem uma pessoa pra criticar a pessoa. Tá entendendo. A casa do beato era acolá. Disse que o beato tinha um soton, aí. Disse que ele botava essa mulherada e subia só pra riba e diz que ele ficava debaixo espiando. Mas isso tudo era mentira.

Ele tinha fama de mulherengo?

Era nada, isso é conversa. Nem bebia?

Bebia não.

Ninguém bebia cachaça no Caldeirão?

Aqui é que nem diz o outro, o senhor sabe que hoje... De primeiro tinha o engenho de fazer a cana para a gente beber. No tempo do beato aqui todo o mundo bebia. Esse negócio de bebida já vem desde o começo do mundo. Agora não tinha briga não. Só trabáio, divertimento e alegria. O beato botava pessoa suficiente para prestar atenção em todo o movimento. E as danças daquele tempo era uma coisa bem organizada. O sertanejo daquele tempo era fornido, comia, tinha rapadura. O beato José Lourenço então só trouxe progresso para a sua comunidade?

Só trouxe coisas boas. E não era comunista como o governo disse que era. Como assim?

Eu acredito que não porque se ele fosse comunista, o Padim Ciço não tinha enviado ele para cá, num ia fazer isso com o trabaiador.

O comunismo é ruim para os trabalhadores?

Rapaz, eu acredito que seja. Muita coisa que não controla o pessoal. O comunista já sabe como é. Eu acredito que não controla o pessoal. Veja. Quantas pessoas no Ceará que já nasceu estudada. Tem ou não tem? Que era igualmente ao beato José Lourenço dentro do Caudeurão; e Patativa formar uma poesia mais ligeiro do que ele, não tinha. O beato comandar 1200 pessoa por dez anos aqui dentro de um deserto desse aqui. Ninguém matava ninguém. Nem ninguém fazia isso. Tinha controle. O padim Ciço avisava como era para fazer. Tinha controle. O senhor vê, que Lampião é um cangaceiro, que ele veio aqui do Inhamus, e ficou aqui três noite. Tinha que ter controle. E o comunismo não tem controle.

Quem contou isso para o senhor?

Quem contou foi o vaqueiro do beato.

Qual era o nome dele?

Era o finado Alipe.

Só Alipe?

Só Alipe. Ele sabia de tudo. Conviveu com o beato José Lourenço.

O beato tinha inimigos?

Não, acredito que não. Mas ele foi acusado de levar para o Caldeirão os trabalhadores dos fazendeiros do Cariri?

Ele não pegava não. Aí é o povo aumentando conversa. É isso. Se o senhor morasse vizim ao Caldeurão.

Se o senhor pagasse uma diária de serviço e essa menina (referindo-se a fotógrafa) pagasse outra. Se hoje eu fosse trabaiá com o senhor e amanha fosse trabaiá mais ela, se o senhor me tratasse mió do que ela, eu já esquecia ela. Quer dizer, ela num ficava com queixa do senhor? Ele tomou meu trabaiador e num sei o que...

Por causa do beato José Lourenço, esses fazendeiros que tinha aqui na vizinhança, os trabaiador correndo pra aqui, quer dizer, eles já ficou com raiva do beato. Que o beato fazia aqui, muitos fazendeiros que tinha aqui, chegava aqui e dizia: beato, tem uma pessoa aí pra fazer meu serviço, dá pra você ir fazer meu serviço? O beato já arrumava 20, 30, 40 home pra fazer o serviço dele. E depois perguntava. Beato José Lourenço, quanto lhe devo? O beato dizia: você não me deve nada. Circulava dinheiro entre os moradores do Caldeirão?

Tudo era produzido mesmo aqui dentro. Não tinha dinheiro. Só o que não era produzido aqui era o gás, o querosene para alumiar.

Como era a relação do beato com os demais membros da comunidade?

Aqui todo mundo cuidava do beato. Que o beato era isso, era aquilo, mas tudo isso era conversa fiada. O pessoal cuidava dele porque ele cuidava do pessoal. Se ele não cuidasse do pessoal, quem era que ia cuidar dele? Ninguém. Que nem hoje. Só posso conversar com uma pessoa, eu só posso achar graça pro lado do senhor, se o senhor achar graça pro meu lado.

O beato fazia penitencia no Caldeirão?

Tem uma foto dele aqui, com um cruzeiro nas costas. Ele rezava, orava muito. Mas não obrigava ninguém a rezar. Só trabaiá.

O Caldeirão recebe pesquisadores, religiosos, estudantes de todo o País. O que mais eles perguntam sobre o beato José Lourenço?

Porque o senhor vê, o senhor num sabe não, quem sabe sou eu que tô aqui há 21 anos morando. E sei exatamente o tanto de gente que vem aqui, visitar aqui o Caudeurão – até dos Estados Unidos – e nem um visitante fala mal do beato. O que eu tenho pra dizer é isso aí. Quem eu tenho essa certeza. Que nem um presidente, nem um governador fez tudo isso aqui. Tem 12 anos que um padre formou uma romaria. O senhor pode vir aqui. Aqui dá umas cinco mil pessoas. É gente. Quando ele fez essa igreja aqui que a gente tá conversando já tinha sete, oito anos que formou o Caudeurão, aí depois de dez anos é que houve a prerseguição com o pessoal dele. Mataram todo o pessoal. Ele não tinha saída e foi para a Paraíba.

O beato era pacífico, mas seus seguidores próximos resistiram às ameaças do governo, dos fazendeiros e até da Igreja de por fim ao Caldeirão...

Não. Foi o Isaias. O Isaias e o Tavares. Eles dois combinado. (Isaias Cordeiro e Assis Tavares, secretários do beato). O beato era pacífico. O finado meu pai dizia que o beato andava no meio do policial e eles não sabiam quem era o beato. Ninguém conhecia, não. Nem o Capitão Zé Bezerra com 150 policial. Também tem a questão do Zé Bezerra . Ele se implantou aqui, né, fingiu ser morador e o beato não sabia que ele era policial, que ele era um capitão. Ai ele falou para os militares como era aqui. O senhor sabe alguma coisa sobre isso. Não sei. Como foi?

Hoje e que nem eu falei, muita gente conta coisa errada. O capital ele veio passou três dias com o beato, maior amigo do beato. Quando ele chega no Juazeiro, ele manda um portador dizer que era pro beato tirar todo o mundo aqui do Caudeirão. Que se ele não tirasse ele vinha. O beato José Lourenço pelo mesmo portador mandou dizer que ninguém saia não, que ele podia vim, como de fato veio, com 150 policial do exélcito. Aí daí pra frente começou tudo. Ele vinha caçar armamento. Mas todo o mundo sabe que o armamento do trabaiador é uma enxada. Aí na casa de morada do beato tinha um curral muito grande de botar gado. Ele pegou botou os morador dentro do curral. Isso era para fazer medo ao pessoal, para o pessoal deixar o caudeurão. Esse pessoal correu tudo, aí acamparam aqui em cima da serra. O capitão Zé Bezerra chegou lá e disse: Isaia eu vim aqui pro um acordo. Aí o Isaia disse: qual acordo capitão? O capitão disse. Nóis tem dinheiro e tem transporte para todos os pai de famia ir embora para outro local. Isaia disse: não, nós não quer não. O capital disse: Pois, Isaías vocês num querem acordo, não. Vou mandar matar vocês tudim aí. Ai o Isaías foi e disse: Menino, pega a foice e o facão aí. Cortaram o pescoço dos cinco home lá em cima da serra. Do capitão Zé Bezerra, do filho, do genro e dois dois policial. Aí tinha aí um homem que telefonou para o governo. Aí o governo mandou as ordens de ir avião lá, soltar bomba, e matou todo o mundo lá. A matança foi em riba da serra, né, que eles esperavam para voltar para o Caudeurão. Quer dizer, o beato queria que o pessoal naquele momento deixasse o Caldeirão?

Não foi o beato, não. Porque o beato foi para Pernambuco. E o pessoal do beato já em cima da serra, Baixa dos Cavalos. Lá formou-se a assuciação, acamparam lá para voltar para o Caudeurão. O capitão volta pro Caudeirão e o Isaias diz – menino pega as foice aí. Vamos matar os cinco. Aí foram e mataram. Quando mataram, aí o governo, que era Getúlio Varga, mandou tropas para matar o pessoal lá.

O governo, fazendeiros e até a Igreja afirmaram que o beato estava criando um sistema comunista, coletivo no Caldeirão, contra a ordem.?

Isso não é verdade não. Mentira. Como disse pro senhor. O beato não era comunista, não. Assim o padim Ciço não tinha deixado. E a prerseguição só começou depois da morte do Padim Ciço.

Todo o caldeirão foi dizimado?

Queimaram as 400 casa, o engenho de fazer rapadura, aviamento de fazer farinha. O beato passou nove, dez ano aqui. Com a morte de Padim Cíço começou a prerseguição.

Toda essa história o senhor ouviu desde criança?

Eu nasci aqui. E o finado meu pai e o finado minha mãe nasceu e se criou aqui, vizim do Caudeurão. Conheceram o beato demais. Conhecia peda por peda. O vaqueiro que era do beato, morou na casa do beato. Ele morreu vizim a nós. Ele contava tudo o que acontecia aqui.

Na sua opinião, qual o motivo de tanta perseguição ao Beato José Loureço?

A perseguição não era contra o povo. Era contra o beato. Se o beato se apresentasse eles matavam o beato e deixavam o pessoal em paz. Mas como o beato não se apresentou, eles mataram o pessoal. O beato morreu em Pernambuco num lugarzinho chamado Sítio da União, vizim a Exu. Lá ele tinha formado outra assuciação, uma cumunidade. Lá os trabaiador botaram ele numa rede e trouxeram pro Juazeiro quando ele morreu. Ele foi enterrado lá no Socorro. O túmulo do padim Ciço é é encostado no túmulo do beato José Lourenço. Acho que a perseguição é prorquê o beato só fazia coisa boa. Nunca matratou ninguém. E não era comunista, não. Voltando ao massacre dos seguidores do beato. Foi aqui no Caldeirão ou na serra?

Não. Lá em riba da serra morreu muita gente. A matança do povo falada mesmo foi lá em cima da serra, da serra do Araripe. Logo ali em cima. Que o povo queria era voltar para o Caudeurão. Eles num enterraram ninguém não. Os urubus comeu tudo ali.

Foi realmente um massacre de pessoas inocentes...

Sabe porque é? O senhor vê quando um governo calquer... um fazendeiro hoje na era que nos tamo, passar por um trabaiador, se ele tiver carro, ele tem vontade de passar por cima. Tá entendendo. E para os governo, prefeito, deputado, senador, governador mandar matar 1200 trabaiador... já estão dizendo quem eles são. Hoje a situação está pior?

Rapaz. O senhor vê o escândio que tá o Brasil, não. Que se o trabaiador rouba uma galinha, ele vai pra cadeia, e vai levar peia por uma galinha. E seu fulano lá fora rouba o Brasil e o Brasil tá afundando e os trabaiador se acabando. E onde nós vamos se socar. Aí esses home que rouba o Brasil, tá roubando o Brasil, aí ele vai preso, mas ele tá num local lá, que aquilo ali não tá faltando nada. Ele tá achando é graça. E num sertão desse aqui, um deserto desse aqui, eu ando todo o dia é chorando.

Chorando?

Sofrendo (risos). Por que?

Por que o senhor vê o caba. Quando o beato existia dento da cumunidade dele, a coisa era muita, muita gente. E eu sozinho aqui dentro, o que eu posso fazer? É chorar.

O senhor disse que trabalha na roça desde os doze anos... Rapaz. Na roça. Trabaiei na roça pra dá de comer a 14 fi. Tem em São Paulo, Pernambuco, Iguatu, Fortaleza. Hoje eu conto com 36 netos e oito bisneto. Trabaiei ou num trabaiei?

Quem é Deus para o Senhor?

Rapaz, graças a Deus só, que o senhor sabe, se eu espero pelo senhor eu canso, se o senhor espera por mim o senhor cansa, mas se nos espera por Deus nos nunca cansa. É a salvação. De todos nos todos. É ou num é? Tem que esperar só por ele mermo.

This article is from: