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Stênio StênioDiniz Diniz
Aventuras de um mestre da xilogravura
OCariri possui o maior número de Tesouros Vivos do Estado: são 40 - incluindo 13 já falecidos e cinco grupos. Entre eles, Stênio Diniz: tipógrafo, xilógrafo, desenhista, pintor, dramaturgo, compositor, intérprete e poeta popular. Ele também é Mestre da Cultura chancelado desde 2008 pela Secretaria de Cultura do Estado (SECULT), em virtude do seu trabalho dedicado a manter, desenvolver e propagar as tradições culturais cearenses. Nesta entrevista, ele fala de seu processo criativo, bienais, ditadura militar, arte e vida.
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Filho de Maria de Jesus da Silva Diniz e neto do editor e poeta popular José Bernardo da Silva (dono da Tipografia São Francisco atual Lira Nordestina), José Stênio Silva Diniz nasceu em 26 de dezembro de 1953, na Terra do Padre Cícero - Juazeiro do Norte.
Nascido e criado em meio a papéis, a trajetória do mestre perpassa por diversas artes, como o desenho, a pintura, a música, e principalmente pela xilogravura – para ele, uma das artes plásticas mais potentes. Ele afirma que as outras técnicas foram adquiridas naturalmente com o passar do tempo. Não que tivesse a pretensão de virar artista. Sobre o número de xilos que já cortou, não sabe responder com precisão, mas calcula que já tenha cortado mais de mil.
Entre capas de cordéis e álbuns, o mestre também já desenhou (em xilo) alguns rótulos e marcas para empresas da região. Já chegou a talhar xilogravuras de grandes tamanhos com 50cm, 60cm e 90cm. Também redesenhou capas de cordéis considerados clássicos como “A Chegada de Lampião no Inferno”, “Pavão Misterioso”, “Juvenal e o Dragão” e “Proezas de João Grilo”, que registram o imaginário regional e espetacular da cultura nordestina.
Quem vê esse homem humilde que traja roupas simples não faz ideia que por trás do semblante pacato e discreto mora um artista que, apesar de ter vivenciado inúmeras fases de crise e de desafios, é possuidor de alto prestigio internacional. Pouca gente sabe que ele até já entregou tapetes para o presidente General Ernesto Geisel, em 1976, na 5ª FEARTE (Feira Nacional do Artesanato) em Gramado – RS, em nome do Estado do Ceará. Com 65 anos incompletos, voz branda, cabelos brancos e pele enrugada, ainda conserva a doçura e a leveza de uma criança. Dono de uma trajetória de vida digna de respeito e orgulho, é espirituoso e “linguarudo assumido”.
A sua modesta casa/ateliê no bairro Pio XII, em Juazeiro do Norte, mais parece uma biblioteca e até mesmo uma galeria de arte, tamanha a quantidade de livros, revistas, documentos, recortes de jornais, matrizes, telas, além uma infinidade de trabalhos inéditos com a arte já finalizada - só esperando publicação.
Em suas telas, molduras e matrizes - piracemas, pássaros encantados, pavões, personagens que parecem emergir de um mundo fantástico, às vezes lúdicos, outros um tanto assustadores. Grandes ou pequenas, as gravuras falam através de seus traços sinuosos e do contraste entre o preto e branco.
Stênio respira arte o tempo inteiro. Como se fosse uma “poesia visual cotidiana”, ela transita entre uma obra e ou-
Primeiros passos na xilogravura
Com dez ou doze anos começou a imprimir em uma máquina impressora que era movida a pedal. Em 1970, quando a ditadura militar assolava o país e a Copa do Mundo deixava os brasileiros ainda mais eufóricos, Stênio já era um adolescente entre 16 e 17 anos, quando sofre um duro golpe com a morte de seu pai, José de Sousa Diniz – o Diniz, que desenvolvia um trabalho importantíssimo na gráfica – o de atender os pedidos, embalar e viajar o país inteiro com as encomendas. Logo após esse fato, ele corta e imprime a sua primeira gravura. Mas não foi tão simples assim. Ele relata de forma bastante humorada como tudo aconteceu:
- A vontade de fazer gravura veio de dentro de mim. Eu tinha um tio chamado Lino que fazia gravura, ele e a esposa Maria Iraci. Então pedi a ele:
- Tio Lino, me dê essa madeira (porque já havia uma madeira lixadinha no ponto de fazer uma capa de cordel) pra eu fazer uma gravura. Ele olhou pra mim e disse:
- Não. Você não sabe, rapaz. Não vou lhe dar minha madeira não.
Stênio Diniz trabalha em seu ateliê: “O que faço é real. É um realismo mágico” tra. Tudo que ali se encontra possui muito amor envolvido, é carregado de sentimentos e lembranças - algumas doces, outras nem tanto. São as memórias do mestre. Talvez seja por esse motivo que o lugar é tão agradável.
O mestre acorda cedo para satisfazer seus dois primeiros vícios: café e telejornal. Logo após esse ritual, ele senta à escrivaninha segurando ainda a xícara de café, entre um trago de cigarro e outro ele conta o início de sua trajetória.
“Comecei a trabalhar aos cinco anos de idade, juntando papel de uma máquina impressora na Tipografia do meu avô, durante dois anos”, relembra. A alfabetização foi tardia. Justamente por isso, na época em que devia ter ingressado na escola, o menino-mestre já trabalhava. Então, só aos sete anos iniciou o processo de alfabetização com uma professora chamada Toinha, próximo a Igreja do Socorro. Essa fase de sua vida ele lembra de uma forma descontraída e emocionada também.
O ensinamento era das antigas mesmo, do tempo da palmatória e dos caroços de milho. Quando indagado se levou muita palmada, a resposta é pronta: “Demais, não. Porque eu num era besta de tá apanhando. Uma lapada você vai, mas na segunda...”, diz gargalhando.
- Lembro como hoje quando eu tive que escrever o alfabeto, foi uma novela muito grande. Eu lembro porque era uma dificuldade. Eu já com sete anos, junto dos “meni- nin” de cabeça boa... e eu só naquela de juntar papel feito idiota... eita trabalho ruim..., brinca. música ufanista que era utilizada pelo regime militar em eventos cívicos. Então, ele fez uns cinco meninozinhos, sendo que um estava à frente com a bandeira do Brasil. Ele afirma que estava muito envolvido pelo espírito que a ditadura queria que os brasileiros tivessem - o amor à pátria. Essa gravura já não existe mais.
- Eu confundia o G com o J. Eu dizia G, J, e o H eu metia no meio. A professora: - como é Stenio? E eu tahtahtah...
- Meu filhinho, você ainda não aprendeu?
- Não, professora.
- Quando ela dizia: vamos lá pra frente, você vai levar dez “bolos”. Vixe! Chega o sangue...., relata com ar de assustado.
Aquele momento parecia uma eternidade. Com os olhos rasos d’agua, ele conta nas mãos relembrando: “uma..., duas... e eu num chorava não. Choro hoje quando eu lembro. Eu tinha um choro preso. Era a primeira vez que eu levava uma lapada de alguém. Eu nunca tinha apanhado (não com aquela idade), vim apanhar mais tarde do meu pai”, completa.
Sobre o período de infância, o artista vai às lágrimas e diz: “esses tempos de infância eu num esqueço, não. Tenho saudade desse tempo porque foi tudo tão... tão... lírico. O tempo, as coisas, como Juazeiro era naquela época... quando dava meio dia o comércio fechava. Ninguém via um pé de pessoa no meio da rua. De noite não tinha energia em casa, era a luz de lampião...”, esses tempos trazem boas recordações para ele.
Já no ano de 1976, com o seu espírito empreendedor, Stênio cria a Cooperativa Artesanal do Cariri – a COCADA. Com sede na Rua São Pedro, o objetivo era contribuir para a organização e para a valorização do artesanato. A cooperativa cumpriu com sua função social durante três anos. No entanto, um conflito entre o prefeito de Juazeiro na época, o médico Dr. Ailton Gomes e Stênio - o presidente da cooperativa, culminou no fechamento da COCADA. O artista foi perseguido e por isso teve que se evadir da cidade, temendo represálias.
Música e Censura na Bienal
Jamais tive a preocupação de definir o que sou. O importante é ser autêntico no que sou. A minha palavra não vale. O que vale é a minha produção
Foi aí que Stênio esperou que desse meio-dia (hora do almoço onde o comércio fechava, todos os funcionários saiam e na rua não ficava um pé de ninguém) como a casa em que morava era vizinha a gráfica, ele aproveitou o momento, entrou lá sem que ninguém o visse, pegou a madeira que estava no escuro e se dirigiu para os fundos da gráfica, onde era mais claro, fez um desenho e “meteu o pau” a cortar.
“Quer dizer que eu deixei de almoçar. Na hora do almoço eu disse: num tem almoço aqui não, tem é eu fazer! (a gravura), diz. Quando o tio Lino chegou de tarde já mostrou a madeira cortada e impressa.
- Aqui tio Lino, o senhor disse que eu não sabia. Está aqui o resultado! Tá impresso. Ele olhou e disse:
- É. Você fez bem.
- Mostrei para o meu avô – ele viu que eu tinha talento e disse:
- Vá em Mestre Noza e fale pra ele que lhe arranje algumas tábuas de imburana pra você fazer várias capas.
O jovem artista precisou da indicação do avô para que o Noza lhe desse a madeira. A partir dali ele começou e não mais parou. De fato, foi uma traquinagem que valeu muito a pena. É tanto que em 1972 realizou a sua primeira exposição individual em Brasília, na UNB, durante a Bienal de Arte do Brasil.
E qual foi a tal gravura que ele cortou? Ele conta que na época havia uma dupla cearense chamada Dom e Ravel que cantavam a música “Eu te amo, meu Brasil”, uma
Por ser também cantor e compositor, além de Milton Nascimento, ele destaca o Gonzaguinha como a sua principal influência musical. “Ele foi um dos caras que mais me tocou o sentimento. Porque era um cara extraordinário: cantor, compositor, pensador, e um lutador contra o sistema. Por isso me identifico com a musicalidade dele, afirma.
O mestre ainda relata o encontro emocionado que teve com o ídolo:
- Era meados de 77, Ditadura Militar, fui ao show do Gonzaguinha no Rio de Janeiro. Ele cantou uma música para a seleção brasileira. E o que deixou a plateia arrepiada, inclusive ele próprio, foi a performance de Gonzaguinha. Pois a letra dizia: [...] noventa milhões em ação / pra frente Brasil do meu coração”. Mas ele cantava recuando, andando para trás.
Ao final do show foi até o camarim conhecer e conversar com o Gonzaguinha. Comprou o disco dele, falou de onde vinha, o convidou para ir a Recife e até propôs uma parceria com o ídolo. Ele autografou o disco e lhe disse o seguinte: “O mundo é uma bola. A vida é um jogo. Eles nos fazem de bola. Nós somos a bola. E nós temos de ser os zagueiros, e não permitir que eles façam o gol”.
Essas palavras jamais saíram da cabeça de Stênio. Visivelmente emocionado, com os olhos marejados, ele relata que foi a partir daquele encontro, ainda em 1977, que teve a ideia de desenvolver um trabalho para a 14ª Bienal Internacional da Arte de São Paulo.
Foi um trabalho baseado na Ditadura, intitulado “Prisão e Consequências”. Nesse trabalho, Stênio faz uma denúncia contra a Fundação Bienal de São Paulo. Ele res- salta que o objetivo do projeto era criticar as prisões arbitrarias e as atrocidades cometidas pela ditadura.
Só que no projeto que agradou a cúpula da Bienal, era um esclarecimento para que os nordestinos não saíssem do Nordeste para o Sudeste porque seriam presos. Além disso, a exposição tinha a participação do poeta popular Patativa do Assaré, que escreveu um cordel intitulado “Emigração”. O projeto foi aprovado, mas na prática… O artista produziu painéis com pessoas se contorcendo de dor, bocas bem grandes e abertas.... segundo ele, a lapada “comia de esmola”, gemidos, gritos... tudo isso pra evidenciar o clamor da sociedade da época.
Durante a exposição o artista foi intimidado duas vezes por agentes da Polícia Federal. Temeroso, abandonou a exposição e voltou para a sua terra natal. E quando o evento acabou, Stênio relata que armaram uma suposta emboscada para lhe pegar. Ele já estava em Juazeiro quando recebeu a ligação de um homem se dizendo alemão e professor da Universidade de São Paulo. Esse homem estava disposto a comprar todos os painéis que ele havia exposto durante a Bienal.
Pelas suas contas, o artista receberia um bom dinheiro. Cinco painéis de 3m x 2,5m (já que o preço de uma obra de Bienal não é pouca coisa), imagine o valor que seria? Pensou ele. Então combinaram de se encontrar lá.
Stênio não pensou duas vezes, pegou o avião e foi pra São Paulo. Foi direto pra Bienal. Só que chegando lá, ao entrar no elevador, o ascensorista lhe advertiu duas vezes:
“Se eu fosse você, eu não ia não”. Ele não sabia, mas assim que ele deixou a Bienal, colocaram uma fita preta na porta da sala dele para que ninguém entrasse. Então pensou ligeiro: “plano montado”, e já no meio do caminho, ele falou pro ascensorista: “meu amigo, desce”.
“A Bienal até hoje me deve todos aqueles painéis. O que fizeram? Não voltei pra buscar, e quando fui tinha uma arapuca pra mim”, diz. É bem provável que se tivesse insistido, aquela teria sido a última viagem de sua vida. Certamente ele não estaria vivo pra contar essa história, e o mundo não teria conhecido um grande artista.
De Juazeiro do Norte para o mundo Desde 1985, o artista se desdobra entre a produção no Cariri e viagens ao exterior. A primeira delas aconteceu através de um convite extraoficial feito por um professor da Universidade de Colônia, na Alemanha. Ele veio a Juazeiro do Norte com um grupo de estudantes, conheceu as xilogravuras de Stênio e o convidou para fazer uma exposição lá.
De três meses, a estadia se transformou em quase dois anos com passagens por Portugal e França. De lá pra cá não parou mais. Mestre Stênio coleciona mais de cem exposições individuais e coletivas. Sobre viagens, já foi à Alemanha treze vezes, duas para a Bélgica, quatro vezes para Portugal, duas viagens para a Holanda, cinco para a
Áustria e duas vezes para a França – nesta, ele revela que foi um tempo de drama, pois chegou a dormir debaixo da ponte e de escadarias, mas nem por isso a experiência deixou de ser proveitosa.
A viagem cheia de altos e baixos gerou o cordel intitulado “A incrível aventura de um cearense na França”. Nesse cordel, mestre Stênio versa de forma bastante cômica e com riqueza de detalhes sobre o período em que morou fora do Brasil. Durante o período que viveu no exterior, o artista se manteve por meio de turnês: tocava e cantava na companhia de um amigo, também artista, chamado Luciom Caeira. Também ministrava oficinas de artes para as crianças (como faz até hoje).
E como conseguia se comunicar em outra língua que não a portuguesa?
“No início sempre tinha intérprete, mas com o passar do tempo fui aprendendo o alemão”, responde. A cada viagem, ele aprende um pouco mais. Juntando palavras
“Quando se faz muita xilogravura, você não muda o traço, evolui. São estágios. Hoje você faz um cachorro ou uma pessoa de uma forma, mas daqui há dez anos faz de outro jeito” esparsas, observando conversas alheias para aprender verbetes. Nunca fez curso de línguas e já foi detido em Frankfurt, na Alemanha, por errar a conjugação de um verbo. “As oficinas que ministro é noventa por cento sozinho. Também não dou chance de muita conversa (risos). É a prática. Tenho mais amigos lá do que aqui no Cariri”, enfatiza. A Alemanha é o seu país favorito no exterior. Tanto é que a maior parte de suas matrizes se encontram em museus e universidades de lá. sou um seguidor porque não tenho a capacidade que ele tinha de ser primitivo, rustico... quisera eu...se eu tivesse aquele traço eu seria muito feliz, mas sou feliz com o meu traço mesmo”, rir desconcertado.
No ano de 1988, em mais uma de suas ações empreendedoras, Stênio funda a AMAR – Associação dos Artistas e Amigos da Arte, que também funcionava na Rua São Pedro. O intuito da associação era acolher os artistas que não faziam parte do Centro de Cultura Mestre Noza. A AMAR era uma associação de muito prestígio e importância, na época.
Stênio sempre foi antes de tudo, um ativista social, um empreendedor, um educador. Ele propaga uma pedagogia que se alie ao ensino das artes. Inclusive, chegou a fretar um ônibus do próprio bolso, para que 80 crianças do bairro Mutirão, hoje Parque Frei Damião, pudessem participar de suas oficinas de desenho, pintura e xilogravura.
Nesse quesito o artista é um tanto rebelde. Diz não trabalhar com parâmetros e nem obedece a nenhuma escola. Comenta porque no início de seus trabalhos era muito fã do pintor holandês Vincent Van Gogh, que pertence a escola modernista europeia. Ainda revela que quando se faz muito a xilogravura, você não muda o traço, evolui. “São estágios. Hoje você faz um cachorro ou uma pessoa de um jeito, daqui há dez anos tu vai tá fazendo de outro jeito diferente”, completa. O mestre é um artista plural – é capaz de se reinventar e modificar as características e o estilo.
Jamais vou fazer uma coisa que não contribua para o meio em que vivo. Não escrevo sobre todo e qualquer tema. Não perco tempo escrevendo besteira. Se for um cordel que possa contribuir para a educação, eu faço
“Jamais tive a preocupação de definir o que sou. O importante é ser autêntico no que sou. A minha palavra não vale. O que vale é a minha produção”, diz. O artista busca uma certa individualidade, sem padrão nem repetições. E continua:
- Jamais vou fazer uma coisa que não contribua para o meio em que vivo. Não escrevo sobre todo e qualquer tema. Não perco tempo escrevendo besteira. Se for um cordel que possa contribuir para a educação, eu faço. Como o cordel intitulado “As Reformas Ortográficas” que versa sobre o novo acordo ortográfico aprovado em 2009.
Quando indagado sobre suas influências artísticas, a resposta é uma reflexão: “antes de você pensar, sonhar ou querer, só o tempo é quem vai dizer se determinado artista te influenciou o não. Uma coisa é você gostar, outra coisa é influenciar. É bem diferente”. Um artista que Stênio destaca como uma de suas influencias, na vida, é o pintor espanhol já falecido, Salvador Dalí. E afirma nem ter muito a ver com ele, pois Dalí é surrealista, e ele não, é realista. “O que faço é real. É um realismo mágico”, diz.
Sobre Mestre Noza – o artista esclarece que não teve influência do traço dele não. “O que eu tenho é agradecimento por ele ter me dado a madeira. Porque o traço dele é uma coisa única. Admiro o trabalho de Noza, mas não
Tanto que, nos anos de 1975 e 1976, o seu traço que vinha da mais pura escola da gravura popular, sofreu uma rigorosa transformação – em parceria com a gravadora sobralense Mariza Viana (1951-2005), quando o artista passou a abordar temas realistas. Daí surgiu um intrigante trabalho com propostas sociais, onde as imagens ganhavam movimentação e cortes sinuosos e entrecortados na madeira. Logo após essa experiência, o mestre começou a abordar temas como a política, a ditadura e anistia aos presos da década de 70. A sua gravura adquiriu um lirismo, tamanha a ligação e o engajamento por justiça social.
Para escrever cordéis, ele diz que é só quando lhe atinge o sentimento. Como o cordel sobre gramática, porque sabe que trará alguma contribuição. Prefere relatar fatos de grande repercussão e comoção nacional como a morte de Tancredo Neves (1º presidente civil eleito em 1985 após a ditadura militar), relatando o drama por ter sido um fato importante para a história do país.
Outro tema relevante, foi a queda do avião da TAM, em julho de 2007, que vitimou 221 pessoas. Esse acidente também foi relatado pelo mestre no cordel - “O desastre com o avião da TAM (A maior tragédia da aviação brasileira). Em 2010, escreveu o cordel “A vida de Patativa do Assaré contada em versos por Stênio Diniz”, para homenagear seu grande amigo já falecido.
Mas todas as suas produções não são com o objetivo de vender, de ganhar dinheiro, isso ele garante. Entre os cordéis que já produziu, outro que merece destaque é o folheto intitulado “A vida do Padre Cicero e a Independência de Juazeiro do Norte – no encanto do cordel”. O livreto de 64 páginas foi produzido para homenagear Juazeiro do Norte no seu centenário. Segundo o autor, o texto foi es- crito de uma forma que possa ser encenado teatralmente, ou seja, o texto é adaptado para o teatro.
Mestre Stênio também releva que viver de arte no Cariri não é nada fácil e que poderia ser bem melhor. Segundo ele, não existe intimidade entre os artistas e as secretarias. Que não há parceria, troca ou desenvolvimento de projetos. Como se os órgãos de cultura fossem separados dos artistas.
Ele percebe uma desvalorização dos artistas locais e a falta de investimentos em políticas públicas, que não há nenhum projeto do meio artístico articulado com o meio acadêmico/estudantil, e aproveita para fazer uma crítica:
- Os responsáveis pelas instituições que mexem com cultura estão ali para atender a demanda dos artistas e para fazer com que a cultura local e regional funcione.
Ele aponta que deve ser feita uma espécie de radiografia para saber como se encontra [a cultura local e os artistas], o que melhorar e como melhor utilizar. “Infelizmente, quer queira quer não, aqui é tudo muito parado, a arte é pouco utilizada e muito pouco difundida”, acrescenta.
Sobre o Cariri, ele afirma categoricamente: “gosto do lugar que nasci. Não gosto é do jeito que os caririrenses são/atuam. Poderia ser diferente. É uma terra de romaria, de gente simples, mas para o trabalho com arte, é lá fora. Lá é que te tratam como artista, te respeitam, reconhecem e valorizam”.
O mestre também fala sobre o futuro da arte na região: - Acabar, não acaba não. Porque Juazeiro é um polo, um centro de produção cultural. Acho que é a falta de valorização da própria terra, e não é culpa das pessoas, de uma forma geral, porque elas usam tudo por modismo. Se a Rede Globo colocar umas esculturas “X” em uma cena/ novela, logo logo tu vai ver o mercado inteiro cheio delas com todo mundo querendo comprar.
Para ele, é preciso ter a preocupação de melhorar e de dar sentido as coisas, não somente o lado comercial/rentável. É um processo de criação. Se não tem criatividade, é uma coisa automática. Segundo ele, a arte demonstra a personalidade do artista. Ele também diz que a criatividade não pode ser estática: “se eu fizer cem estátuas iguais não é criatividade, é capacidade de reprodução”, diz.
O artista preza sempre pela capacidade criativa: “Se o público/cliente for mais exigente, os fabricantes vão ca- prichar mais. Por exemplo, não é porque é cordel que é legal, que é bacana. Tem muitos cordéis que você lê do começo ao fim e não sabe qual a justificativa da pessoa pra ter escrito aquele cordel, e com a gravura é do mesmo jeito, enfatiza.
Sobre a sua obra, o renomado gravador pernambucano Jota Borges, diz que é diferente das demais [a gravura] - é irreprodutível. Recentemente, o mestre foi homenageado pelo cordelista e gravador fortalezense Otávio Menezes que escreveu o cordel “Mestre Stênio Diniz: Tesouro Vivo do Ceará”.
Para Cosmo Brás de Lemos, gravador e caricaturista, a obra de Stênio é mística e bem trabalhada. Já o pesquisador Gilmar de Carvalho, o define como minucioso, que subverte os cânones de uma xilogravura dita popular e parte para o onírico, com forte poesia visual. Portanto, é imprescindível para a memória do Cariri, e quiçá do Brasil, o conhecimento e o reconhecimento do Mestre Stênio Diniz.
Ocineasta Jefferson Albuquerque tem uma longa história sobre o cinema do Cariri e do Brasil. Nascido em Crato, em 47, participou dos mais importantes movimentos do cinema da sua geração, marcada, principalmente, pelos anos de chumbo. Autor de vários documentários sobre cultura popular – como o premiado Dona Ciça do Barro Cru -, Jefferson trabalhou com grandes nomes do cinema nacional. Nesta entrevista ela narra algumas de suas muitas aventuras e desventuras no campo que abraçou como profissão de fé desde adolescente: o cinema.
Como foi a sua infância no Crato?
Até quatro anos de idade morei em Fortaleza. Quando meus pais voltaram para morar no Crato a família foi residir na rua Cel. Nelson Alencar, próximo à praça da Estação. Morávamos no mesmo quarteirão da Rádio Araripe, que tinha um grande auditório e que se chamava também Cine Araripe. Foi ali neste cinema que assisti o primeiro filme em tela grande, numa sala escura. Ainda tenho na memória essa emoção. Tudo parecia muito real naquele filme de bang-bang. Não lembro o nome, apenas me recordo. Quando saiu o primeiro tiro, me escondi atrás das poltronas de madeira. Não sei quem me levou ao cinema, possivelmente a nossa babá. Depois assistir a filmes de animação neste cinema virou rotina. Os filmes da Disney: A Bela e a Fera, Branca de Neve e os Sete anões, O Gato de Botas. Recordo-me também de filmes mexicanos com o Gato Félix. Não sei até quando durou o Cine Araripe. Nem me recordo muito da cidade. Meu mundo se restringia da Praça da Estação (depois Juarez Távora) até a Igreja e São Vicente Ferrer. A visão da Chapada do Araripe com seu paredão que abraçava a cidade também me marcava, assim como as feiras da segunda-feira pelas ruas do centro da cidade. A casa dos meus avós na rua Dr. João Pessoa, em frente a casa da Dona Benigna Arrais e próximo a Usina de Beneficiamento de Algodão da família Arrais, eram marcantes desta época. Depois nos mudamos para nossa casa da Rua Santos Dumont, antiga rua Formosa. A casa era quase um sítio. Nos fundos da casa corria com suas águas ainda limpas e permanente, o rio Granjeiro. Era um rio cheio de pedras, onde tomamos muitos banhos. Nossa casa era a última da rua que terminava no Cine Moderno. Havia um curral com algumas vacas, galinhas no chiqueiro e muitos pássaros. Foi nesta casa que iniciei os estudos, no Externato 21 de Junho, no mesmo prédio da Escola de Comércio do Crato.
Quais eram os cinemas do Crato naquela época?
Na minha infância lembro do Cine Araripe, ou Cine Rádio Araripe. Depois, o Cine Cassino, o Cine Educadora e teve um período que Dede França criou três cinemas populares, com cadeiras de bodocó, no final da rua Santos Dumont, esquina com Almirante Alexandrino; outro no
Fotos: Arquivo pessoal bairro da Misericórdia, que se chamava Cine São José; outro no bairro Vermelho, com o nome de Cine São Francisco. Era a época mágica do cinema. O melhor da época era o Cine Educadora, com cadeiras com almofadas, logo a seguir o Moderno e o Cassino. O Cine Educadora tinha um programa de discussões, recomendações e críticas sobre os filmes um tanto moralista, já que era da Igreja Católica, que colocavam em um painel no Café Crato, na Praça Siqueira Campos. Todo o point da praça acontecia antes e depois das sessões de cinema do Cassino e do Moderno. A vida noturna girava em torno dos cinemas. Quais os filmes que mais lhe marcaram na época?
Assim de nome dos filmes lembro de poucos. Adorava comédias, as chanchadas da estúdio da Atlântida Cinematográfica. Filmes com Grande Otelo, Oscarito, Zeze Macêdo, Eliana, Cyl Farney. Mistura de comédias com musical. Também alguns filmes de cowboy, filmes mexicanos. Depois uma leva de filmes como os espanhóis com Pablito Calvo, Marisol, Sarita Montiel. Ria muito com a caipirice do Mazzaropi também. Os filmes da Sissi com Romy Schneider, faroestes do Sergio Leone, como “Era uma vez no Oeste”. Muitas comédias com Rock Hudson e Doris Day. Sempre gostei de musicais, não perdia também nenhum com o Elvis Presley. Naquela época, sonhava em ser ator de cinema, não imaginava outra coisa para o meu futuro a não ser ator. De títulos lembro da chanchada “Aguenta o Rojão”, “O Pagador de Promessas”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Vidas Secas”, que foram os primeiros que vi que mostravam o sertão. Neste período, o que valia eram os nomes dos atores, não dos diretores. Enfim, bastava ser um filme, já gostava de assistir, fazia o possível para não perder nenhum. Como tinha que pagar ingressos, conseguia dinheiro vendendo jornais e revistas usadas e garrafas de vidro para a Mercearia do Zé Honor, na esquina da Santos Dumont com a Rua Bárbara de Alencar. Além de ter um estacionamento de burros e cavalos no quintal de casa, que dava para o rio Granjeiro, nas segundas-feiras.
Já vigorava a indústria cultural com filmes de Hollywood?
Claro, era o período de ouro do cinema americano. Além dos filmes, dos grandes astros como
Elizabeth Taylor, Marilyn Monroe, Ava Gardner, Glenn Ford, Errol Flynn, Rock Hudson, Debora Kerr, Kirk Douglas, entre outros tantos; e os europeus que esta indústria absorvia com Ingrid Bergman, Sofia Loren, Marcelo Mastroianni. Existiam revista especializadas como “Cinelândia”, “Filmolândia” e as revistas semanais como “O Cruzeiro”, “Manchete”, “Globo,” “Alterosa”, sempre com capas e destaques para os astros e estrelas de Hollywood. Mas à distribuição era bem mais democrática. Víamos nestes cinemas o melhor do Neo Realismo italiano, da Nouvelle Vague, do cinema de Ingmar Bergman. Com o cinema europeu já se destacavam os nomes dos diretores Roberto Rosselini, Roger Vadim, Antonioni, Pasolini, Goddard, François Truffaut, Luis Bañuel, Carlos Saura, entre tantos.
Como e quando resolveu fazer cinema e qual o principal motivo? Você saiu do Crato já para fazer cinema?
Fui terminar o curso científico em Salvador, no Colégio da Bahia, o Colégio Central. Já no Cientifico, o colégio fazia uma boa experiência, havia o curso só com as matérias que cairíam no vestibular de Arquitetura. Assim passei logo a seguir do terceiro ano, no vestibular de Arquitetura da UFBa. Ainda estudando no Colégio Central, a Universidade da Bahia oferecia um curso de alguns meses sobre cinema, com Guido Araújo e Walter da Silveira. Um curso de extensão universitária. Assim, logo que passei no vestibular me inscrevi no curso. Era mais teoria e muito sobre história e crítica de cinema. Desde antes, já assistia muitos filmes e passei a ver mais ainda, até como tarefa do curso, para depois escrever e discutir sobre eles. Logo a seguir, veio o movimento estudantil de 1968, a luta contra o acordo MEC-USAID, e, aos poucos, apressadamente fui me engajando no movimento, no diretório da Faculdade de Arquitetura. Veio a morte do Edson Luís, as greves, as passeatas. Desde aí me dediquei com afinco à politica estudantil, onde optei por seguir a linha maoísta da Ação Popular, a famosa AP. Greves e passeatas. Viagens para encontro da ENEAU (Encontro Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo), em Porto Alegre. Veio o encontro da UNE, Congresso de Ibiúna, não fui, mas meus companheiros do diretório, o presidente e o vice foram e a seguir presos e jubilados. Eu como Secretário-Geral do Diretório, que já atuava na clandestinidade, assumi a presidência. Fui a um Encontro em Brasília, na UnB, assisti a invasão da UnB, tive que sair de Brasília escondido em um porta-malas de um carro, já que estava também hospedado no apartamento da Colina, onde morava o Honestino Guimarães, que a repressão deu sumiço. Daí veio o Ato 5. As coisas pioraram, o medo se instalou na juventude universitária. A partir dai também já atuava nou- tro campo sem ser só o movimento estudantil. Neste período nem lembrei de cinema. Você chegou a ser preso por causa da militância estudantil?
Depois do curso da Bahia, com Guido Araújo e Walter da Silveira e de ver que era impossível continuar na Bahia, graças as perseguições na universidade, já em 1969 e 1970, vendo amigos e companheiros sendo presos, torturados, vim para o Ceará. Nesta época, criaram o curso de Arquitetura da UFC, vim arriscar uma transferência em Fortaleza. Durou pouco a esperança. A casa da minha tia, na AvenidaVisconde de Cauipe, no Benfica, foi cercada e fui levado preso para a Polícia Federal. Sem mais nenhuma condição para continuar no Ceará, meu pai em contato com políticos amigos me mandou para Brasília. Um dos meus sonhos era conseguir a transferência para o curso de Arquitetura e Urbanismo da UnB. Con- seguimos a transferência e me deparo com um curso diferente, moderno, dinâmico, pela escola fundada por Niemeyer e Darcy Ribeiro. Na UnB muitas matérias opcionais ligadas as artes eram oferecidas no curso de Arquitetura. Assim me matriculei no curso de Oficina de Cinema e Teatro, com Wladimir Carvalho. Comecei a fazer teatro, criamos um grupo de teatro da Universidade de Brasília. Um dos colegas da época, Aurélio Miquiles, resolve fazer um filme em que trabalho como ator. O filme se chamava “BRAS Ilha”. Foi depois confiscado pela Policia Federal, por dizerem ser subversivo. Como ator também atuei na peça Circus, uma criação coletiva do nosso grupo que passou a se chamar GLUPUS, com alguns componentes que vinham de experiência com o José Celso Correia Martinez, do grupo Oficina. Fizemos cursos com Amir Haddad, com Tereza Raquel e com o Teatro de Danças de Nova Ior- que, Nicolau Alvin. Depois dessa experiência e de passar uma temporada entre Bolívia, Peru, Chile (de Allende) e Argentina, senti a valorização da Cultura Popular, principalmente no Chile. Volto a Brasília e com colegas do GLUPUS planejamos trabalhar numa adaptação de um folheto de Cordel - “Os Sofrimentos de Marisa no Reino das Sete Espadas”. Partimos, então, para uma séria pesquisa e estudos sobre literatura de Cordel e sua influência na cultura erudita do Brasil: no cinema, no teatro, na literatura, nas artes plásticas, na música. E organizamos a Semana de Literatura de Cordel na UnB, em 1973. A Semana de Literatura levou o cordel para Brasília. Mas você esqueceu o cinema?
A semana foi realizada com sucesso. Durante exibição do filme, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, no Auditório da Reitoria lotado, o filme foi proibido e confiscada a cópia.
Pouco tempo depois, nossa casa e de diversos outros artistas, fotógrafos e jornalistas de Brasília foram invadidas, muita gente presa e torturada pela ditadura de então. Fui para Belo Horizonte, com o colega Alexandre Ribondi, e não pude voltar para Brasilia. Vim para o Cariri, para a Chácara dos meus pais no CRAJUBAR, divisão de Juazeiro do Norte com Barbalha, na atual Lagoa Seca. Foi neste exiílio dentro do próprio país que o cinema volta a me envolver. Entro no grupo de “Artes Por Exemplo”, no Crato, ao lado de Antônio Rosemberg de Moura (agora Rosemberg Cariry), Jackson Bantim, Pedro Ernestro Alencar, Abidoral Jamacaru, Múcio Duarte, Célia Teles, Socorro e Zulene Sidrim, Geraldo Urano, José Roberto França, Wilson Dedê (atual Secretário de Cultura do Crato), entre outros. Pedro Ernesto havia ganho uma câmera Super 8, última novidade na época; Rosemberg tinha uma história “A
Profana Comédia” e resolvemos fazer um filme sem pensar em limites de tempo. Juntamos esta turma, com a minha pouca experiência, mas era o único que já havia trabalhado com cinema, e realizamos o filme. Depois de montado por mim em Fortaleza com um amigo que tinha uma pequena moviola de super 8, trouxe para o Crato, exibimos para a turma, mas faltava sonorizar. Levei para São Paulo para editar o som na HELICON. Ninguém tinha dinheiro e depois um dizia que o filme era dele; o outro também, saindo da proposta de criação coletiva. Aí como eu também não tinha dinheiro, o filme foi ficando lá sem ninguém pegar...e nunca mais ninguém viu o filme.… Como se deu a sua aproximação com o primeiro time do cinema brasileiro naquele momento?
Em 1975, Helder Martins, junto com o diretor de produção Cacá Diniz, chegam a Juazeiro para filmarem o longa-metragem “Padre Cícero”, com grande elenco. As primeiras sequencias já haviam sido rodadas em Baturité e Fortaleza, a fase de formação do Padre Cicero no Seminário. Estavam sem Cenógrafo e Figurinista, o que trabalhou na etapa de Fortaleza havia saído do grupo. Como eu havia estudado arquitetura na UnB e tido um pouco de experiência pratica e teórica, fui convidado para assumir a Cenografia e o Figurino. Aceitei na hora e me dediquei 24 horas na produção. A equipe era de primeira. José Medeiros como diretor de fotografia, Antonio Luis Mendes e Walter Carvalho como assistentes de fotografia. Cacá Diniz, um dos maiores diretores de produção do Rio de Janeiro, no comando da produção. E um grande elenco com Jofre Soares, Ana Maria Miranda, Dirce Migliacio, Cristina Aché... Esta foi minha primeira experiência profissional. O filme foi um marco e uma escola na profissão de muitos de nós que participamos do filme. Também tive uma ponta como ator, mas me encantei em me envolver na produção. Neste momento me decidi a ser um profissional de cinema. Quando o filme acabou fui embora com a equipe para o Rio de Janeiro e, pela mão de Cacá Diniz, às portas se abriram para mim e pude trabalhar daí para a frente com grandes diretores, alguns vindos do Cinema Novo, com elencos de astros e estrelas que eu era fã quando adolescente. Veio Hector Babenco, Roberto Santos, Leon Hirzman, Luis Fernando Goulart, Luís Carlos Barreto, Marisa Leão e a nova geração do cinema paulista - Aloisio Raulino, Hermano Penna, Djalma Batista, Francisco Ramalho Junior, José de Anchieta; Tizuca Yamasaki, Fábio Barreto, Alberto Graça e com Pedro Jorge de Castro, que também foi um grande mestre, além de outros. Ainda no Cariri, Marcos Marcondes, o Matraga, e o Hermano Penna, vieram fazer um Globo Repórte para a TV Globo, que antes era produzido pela Blimp Filmes, de São Paulo. O nome era “Juazeiro do Padim Ciço”, com direção do Matraga e fotografia do Hermano. Fui chamado para fazer a cenografia e figurinos da parte ficcional e ajudar na produção. Rosemberg Cariri veio depois, era iniciante e produzi e trabalhei nos seus três primeiros longas acumulando funções. Aprendi muito com grandes fotógrafos e grandes atores. Boas equipes. Na Globo tive a experiência de trabalhar com uma grande equipe e a direção de Tizuca Yamazaki, amiga desde Brasilia e Maria Sena, parceira de outros trabalhos e amiga irmã; depois ainda na Globo com o Grisoli. Observava e aprendia com todos, me entregava com afinco em cada produção, indo de Cenógrafo e Figurinista a Diretor de Arte; a Assistente de
Produção e Assistente de Direção. Este foi meu grande aprendizado, na prática. Virei um operário do cinema brasileiro, com muito orgulho. O seu primeiro filme- Dona Ciça do Barro Cru , de 1981/82, remete a Cultura Popular, sempre uma preocupação sua. A partir daí você fez vários outros curtas e documentários. Fale dessa fase. Fui criado no Crato em contato direto com as manifestações populares, folclóricas da cidade, com grande admiração e influência do meu tio J.de Figueiredo Filho, grande estudioso da cultura popular da região, que escreveu livros como “O Folclore no Cariri”, “Folguedos Infantis do Cariri”, “Patativa do Assaré” e tantos outros. Sou também neto de escritor e poeta José Alves de Figueiredo. Meu pai era um grande aficcionado também das nossas manifestações populares. Lá por casa passavam os Irmãos Anicetos, Patativa do Assaré, até Luís Gonzaga para um cafezinho na feira do Crato. Morávamos na rua da feira, exatamente no calçamento que vendia cerâmica de barro, panelas, brinquedos e onde Dona Ciça do Barro Cru vendia seus bonecos. Costumava trocar os burrinhos, galinhas e outros animais de barro cru pelo prato de almoço para Dona Ciça. Nossos brinquedos eram todos da feira, caminhões e carros de flandre, baladeiras, panelinhas de barro. No filme Dona Ciça do Cariri todo este
Fui criado no Crato em contato direto com as manifestações populares, folclóricas da cidade universo da nossa cultura popular está presente. Quando pensei em fazer curtas-metragens, a primeira ideia foi sobre Dona Ciça. Estava em um Festival de Cinema em Brasília, quando foi lançado o primeiro Edital da Funart para produção de dez Curtas sobre a Cultura Popular Brasileira. Morava em São Paulo já nesta época. Pensava em colocar esta ideia, amigos cineastas paulistas me desanimavam, diziam que era coisa para figurões. Estava já quase no último instante para encerrar às inscrições, quando meu grande amigo Armando Lacerda me estimulou a inscrever Dona Ciça. Sentou comigo na Sala de Imprensa, no Hotel Nacional e datilografou o projeto. Inscrevemos e, entre uns 600 projetos inscritos, ganhamos. Um dos inscritos era o de Glauber Rocha, que não ganhou...rsrs. Depois que recebi o telegrama de confirmação, foi fácil arranjar parceiros. amigos com equipamentos e trabalho. Aí na fotografia veio o Hermano Penna. A Morena Filmes, de Sérgio Resende e Marisa Leão, viraram co-produtores, com os equipamentos e a empresa deles; o Armando Lacerda e o amigo jornalista Carlos Augusto Gouveia, além do Jimmi com o som direto. Armando com seus contatos conseguiu as passagens com políticos de Brasília e viemos para o Cariri. Basicamente foi enquadrado como produção paulista, mas era bem mais que isto, haviam cariocas, paulistas, brasilienses e caririen- ses. Como tínhamos poucos negativos, tudo foi muito bem planejado. Hermano Penna foi uma peça fundamental, o grande parceiro deste projeto e de outros.
E os demais documentários ligados a cultura popular?
A seguir, no Cariri, veio “Músicos Camponeses” e “Patativa do Assaré - Um Poeta do Povo”, estes já bem mais caririense quanto à equipe. De fora, mas caririense, só o Hermano Penna e a técnica de som, a Lia Camargo. Daqui Valmi Paiva, Rosemberg Cariry, Jackson Bantim, José Roberto França. Estes dois filmes não tinham grana quase nenhuma durante a produção. As latas de negativo, 16mm eram apenas 6, ou seja 60 minutos. Três compradas com grana do pai de Cristina Prata e as outras como cachê de apresentações de teatro de mamulengo que Renato Dantas escreveu e nós dois apresentamos na semana da criança nas indústrias que existiam na época no Cariri, a CECASA, a Usina de Açúcar e a Fábrica de Papel. O pagamento equivalia a uma lata de negativos. Os Músicos Camponeses foi um documentário muito bem planejado, até com story board com fotografias. As imagens 2 por um, ou seja apenas duas tomadas para cada cena. Esta fase foi também a mesma que produziu “O Caldeirão da Santa Cruz”, de Rosemberg. Éramos sócios na produtora Cariri Filmes, Nação Cariri Filmes. Cinema é uma arte cara, principalmente no passado. Como eram financiados seus filmes?
Governo de Goias, com produção do Evaristo e Waldir Pina de Barros.
Na época também começaram os festivais de cinema – Brasilia, Gramado – até hoje em cartaz. Qual a importância deles para os novos cineastas daquela época? E hoje?
Realmente é sobreviver, escapar das necessidades básicas. Momentos muito bem pagos, outros mal pagos, outros a trabalhar por amor
Realmente muito cara. Mais ainda fazer no Nordeste, onde nem equipamentos existiam. Tive financiamentos da FUNARTE, do FNDE (Fundo Nacional do desenvolvimento da Educação, do MEC), apoio das prefeituras do Cariri, Crato e Juazeiro do Norte. Passagens aéreas com os deputados em Brasília, como Lúcio Alcantara, Iranildo Pereira e o Senador José Lins de Albuquerque. Do governo do Ceará, nesta fase inicial, nada. O Cariri não recebia nada da cultura do Estado. Mas o mais importante eram as parcerias com os amigos do Cariri e os de Brasilia, Rio e São Paulo, que emprestavam os equipamentos e o fotógrafo vinha sem salário, só pela viagem e por comprar a ideia da produção. Sergio Resende, Hermano Penna, o grande parceiro, Armando Lacerda, a Blimp Filmes e Morena Filmes. Para a montagem contava com a Embrafilme e os prêmios do CONCINE. Isto na fase em que filmei com negativos. Já os filmes que fiz em Goiás o patrocínio era do
Os festivais que existiam na época eram as vitrines e a certificação que tínhamos para os filmes serem reconhecidos e exibidos e premiados. Fora estes de Gramado e Brasilia, existia a Jornada de Cinema da Bahia, esta a melhor mostra para os documentários e filmes de novos diretores de cinema do Nordeste, do Brasil. Foi o mais importante de todos, o mais cobiçado fora do circuito comercial. A Jornada era comandada por Guido Araújo, que havia sido meu primeiro professor de cinema. Também existiu o Festival de Cinema de Penedo, Alagoas. Depois o Festival de Cinema do Rio, O FestRio, que era o internacional, a Mostra de Cinema de São Paulo. Paricipei destes festivais. Ganhei alguns prêmios. Hoje são dezenas de Festivais por todo o país. Só no Ceará tenho conhecimento de uns três ou quatro. Tem no Maranhão, em Natal, em Recife, Tiradentes e por ai vai. Cheguei a participar como Secretário-Executivo dos I e II Festival de Fortaleza do Cinema Brasileiro, com a coordenação de Pedro Jorge de Castro; da Coordenação da Mostra Itinerante a Mostra de Video Ambiental do Caparaó, MoVA; do Festival de Jericoacoara de Cinema Digital auxiliando o grande amigo Francis Vale e coordenei o Primeiro Festival de Cinema e Vídeo do Norte-Nordeste , no Cariri, pela URCA. Primeiro e único. Os festivais são importantes por ser um espaço, vitrine para a exibição de novos filmes, lançamentos de novos diretores. Mas ao mesmo tempo criou uma espécie de ditadura quanto ao tempo dos filmes e também uma preocupação dos diretores em fazer filmes para festivais, muitas vezes esquecendo do grande alvo, que é o público. Por que o cinema brasileiro ainda não emplacou? Tivemos três momentos de bilheteria - o primeiro com a chanchada, o segundo com a pornochanchada (anos 80) e a partir de dois mil com as comédias da Globo Filmes. Como você analisa essa linha do tempo?
O Cinema brasileiro hoje em dia e desde muito sempre teve filmes de boa qualidade, mas não interessa levar a grande massa filmes que fazem pensar. Só a ideologia norte-americana pode ser divulgada, a nossa amordaçada pela não distribuição, pela competição desleal. Tive uma experiência quando era Secretário de Cultura de Barbalha, de exibir filmes brasileiros nas vilas e área rural do Município. O povo gostava, se encontrava nestes filmes. Filmes que não foram exibidos nas grandes salas, como o “Tigipió”, de Pedro Jorge, “Luzia Homem”, de Fabio Barreto; “Asa Branca- Um Sonho Brasileiro”, de Djalma Batista. Como é sobreviver de cinema no Brasil? Realmente é sobreviver, escapar das necessidades básicas. Momentos muito bem pagos, outros mal pagos, outros a trabalhar por amor. Verbas difíceis e sofridas para se conseguir. Trabalhei também em filme da Boca do Lixo, em São Paulo, como “Aventuras de Mário Fofoca” ,com Adriano Sturdart como diretor, onde se preocupar com cenografia elaborada - era frescura do povo da Embrafilme. Mas sobrevivi virando empresário de outras áreas em alguns períodos, sempre abandonando a empresa pelo cinema. Fui dono de uma loja e restaurante natural em São Paulo, um dos donos do Restaurante Jardim, entre Juazeiro e Barbalha, o famoso Resto Jardim, junto com o companheiro Robert Stirling e, por último, nossa parceria também de uma Pousada na Vila de Itaúnas, Espirito Santo, fronteira com a Bahia. Fui Secretário de Cultura, Turismo e Esportes, de Barbalha, durante o mandato de João Hilário e Ermengarda Santana, a mãe de Camilo Santana; funcionário da SEAMA, Secretaria de Estado do Meio Ambiente, no Espirito Santo, Secretário de Meio Ambiente de Conceição da Barra e prestador de serviços na SECULT-ES, durante os anos da Mostra de Vídeo Ambiental do Caparaó, MoVA. Assim é sobreviver de cinema para quem não se rende aos esquemões do Eixo Rio/São Paulo e das panelinhas do cinema, aqueles produtores que se aliam a qualquer governo para estarem sempre ganhando as verbas do estado, nos diversos estados como Ceará, Espirito Santo, Brasilia, Minas etc. Viver de editais também é meio difícil, se você é o proponente, não pode se pagar… Esta é a coisa mais gritante de defeito dos editais estaduais em geral. E o diretor, o proponente, vai viver de que?
Você foi diretor de arte, cenógrafo de filmes importantes, como Lúcio Flávio, Eles Não Usam Black Tie, entre outros...
Todas estas experiências foram graças ao “Padre Cicero”, o filme. Este trabalho com o Helder Martins e o Cacá Diniz me abriu os caminhos, principalmente o Cacá Diniz. Estes dois filmes que você citou, fui indicado por ele. Foi muito gratificante meu trabalho com dezenas de diretores como Hector Babenco, Leon Hirzman, Roberto Santos, Luis Fernando Goulart, Hermano Penna, José de Anchieta, Sergio Bianchi, Tizuca Yamazaki, Djalma Batista, Aloisio Raulino, Pedro Jorge de Castro e muitos outros. Cada um com seu estilo próprio de dirigir. Me refiro a estes porque valorizavam o trabalho do Diretor de Arte, do Cenógrafo. Trocavam ideias, aceitavam sugestões, orientavam. Construíamos juntos o trabalho, éra- mos uma equipe coesa, com grandes diretores de fotografia, parceria indispensável para um bom trabalho. O diretor, o diretor de fotografia e o diretor de arte trabalham em conjunto. Tudo que aparece na tela é fruto do trabalho deste trio. Diretores de fotografia como Lauro Escorel, José Medeiros, Antonio Luiz Mendes, Pedro Farkas, Walter Carvalho, José Tadeu, Miguel Freire são além de grandes fotógrafos, grandes parceiros na equipe. Claro que um bom diretor de produção e um bom produtor-executivo são essenciais para uma produção, assim como os técnicos de som, os assistentes de direção, os assistentes de cenografia e figurinos. Enfim toda equipe, desde o boy de set ao contra regra, os maquinistas e eletricistas, devem estar unidos e trabalhar com amor a um projeto. É muito fácil distinguir as ovelhas negras de uma equipe, eles atrapalham, espalham a discórdia… Melhor ainda é quando se tem a presença forte do roteirista como Gianfrancesco Guarniere , de Eles Não Usam Black Tie e de Dias Gomes, na mini-série “O Pagador de Promessas” interagindo vez ou outra com a equipe. Com os novos diretores a minha experiência contribuiu muito, assim como a proposta e a direção de talentos como Nirton Venâncio, do Francis Vale, da Alvarina Sousa e Silva.
E a experiência com “Tigipió”, do professor Pedro Jorge de Castro?
Depois já em Brasília soube que o Pedro Jorge de Castro, que fizera o curta “Brinquedos Populares do Nordeste”, iria fazer um longa-metragem no Ceará, “Tigipió”. Fui convidado por ele para embarcar nesta aventura, nesta produção, como Diretor de Produção e Diretor de Arte. Vim para o Ceará e entrei em contato com o Eusélio Oliveira, para sediar a produção na Casa Amarela. Não o conhecia direito, só de nome e pelo seu temperamento forte. O Pedro Jorge me apresentou a ele. Na formação da equipe cearense convidei alguns do Cariri: Renato Dantas, Walmi Paiva, Gil Granjeiro. De Fortaleza, tivemos o Valter Marques, Carlito e seus assistentes para a maquinaria, elétrica e still Nirton Venâncio. De Brasília vieram a continuísta Erika Bauer; Marcelo Torres para minha assistência de produção e diretor de Set e Miguel Freire como diretor de Fotografia. O elenco foi formado por Regina Dourado e José Dumont, era todo cearense, com B.de Paiva como o grande protagonista. Esta equipe foi mais uma escola de cinema para todos. Os conhecimentos acadêmicos de cinema e de direção, o Pedro Jorge nos passava com segurança, eu tinha já a prática da produção e da arte. Foi um belo trabalho e o resultado muito bom. A partir deste filme Pedro Jorge nos envolveu em projetos maiores em favor da criação de um polo de cinema no Ceará. Após o filme conversávamos e pensávamos juntos no que viria depois, conversas que incluíam também o Eusélio Oliveira. Daí nasceu o Seminário de Cinema e Literatura.
Qual a importância desse seminário para o cinema cearense?
A idéia inicial do Seminário de Cinema e Literatura foi do Pedro Jorge de Castro que, na época, era consultor da CAPES/MEC. Havíamos acabado de produzir “Tigipió” baseado na literatura, no caso um conto do Herman Lima, muito bem-adaptado pelo Pedro Jorge. O Eusélio entrou na produção representando a Universidade Federal do Ceará, que apoiou logisticamente . A CAPES/MEC foi quem bancou praticamente o grande encontro. O reitor era o Paulo Elpídio de Meneses, que era tio dos meus primos, cunhado do meu tio Antônio de Albuquerque e Souza Filho e com quem tínhamos bom acesso. Fiquei na secretaria-executiva do encontro que tinha a grande força também do Pró-reitor de Extensão, professor Marcondes Rosa. Também trabalhou nesta produção o Nirton Venâncio. Pedro era o coordenador geral. Fez os primeiros contatos com os cineastas e os escritores, que me passava a seguir para dar continuidade às negociações e as programações. Ele que foi à luta pelas passagens, hospedagens. Esta foi a primeira vez que no Ceará se reuniram tantos cineastas de grande renome do cinema brasileiro. Foi neste Seminário que foi discutida a criação de um Polo de Cinema no Ceará, com um abaixo-assinado de todos os presentes. Solicitando ao Governo do Estado, a Universidade e a EMBRAFILME apoio para sua criação. Um documento histórico. Todas as pessoas jovens futuros cineastas do Ceará participaram. Os jornais deram grande cobertura. Aqui estavam o Alex Viany, o Luis Carlos Barreto, Walter Lima Junior, Roberto Farias, Márcio de Souza (escritor) Alguns movimentos anteriores haviam acontecido já com o Francis Vale, o Regis Frota, o Nirton Venâncio, Rosemberg Cariry, com a criação da Associne, a criação da ABD-CE, o Panorama do Cinema no Ceará, em 1981, dos quais eu também participei. Mas formalmente, com o aval de grandes nomes do cinema brasileiro de então, num encontro nacional, era um fato inédito. Também tivemos o I e II Festival de Fortaleza do Cinema Brasileiro, extinto no período da Violeta Arraes na Secretaria de Cultura e depois veio o Cine Ceará. Qual sua interpretação deste período?
O I e o II Festival de Fortaleza do Cinema Brasileiro foi praticamente coordenado pela mesma equipe do Seminário de Cinema e Literatura, veio quase como uma consequência do Seminário. Pedro Jorge era o Coordenador Geral, eu o Secretário-Executivo e atuava na Produção também; o Nirton Venâncio na Assessoria de Imprensa, Liloy Boubli na produção e uma equipe da UFC também foi cedida para apoio. A sede do Festival era em uma sala da UFC, cedida pela Pró-Rei- toria de Extensão. O professor Marcondes Rosa teve uma atuação bem importante nestes dois festivais. Nos dois tiveram destaque filmes cearenses e de cearenses, como “O Rei do Rio”, do Fábio Barreto como longa e “Patativa do Assaré - Um Poeta do Povo”, nosso filme, como curta-metragem. Naquele período, quase todos atores e diretores, técnicos cearenses ou filhos e netos que atuavam no cinema e moravam e atuavam em outros estados, principalmente no eixo Rio/São Paulo, foram convidados, alguns homenageados e junto com os diretores e técnicos, e critica local, discutiram políticas e estratégicas para a criação do Polo de Cinema no Ceará. Com a chegada de Violeta Arraes o foco e o grupo foi mudado e o festival deixou de existir para predominar o que ela pensava, sob forte influência de Luiz Carlos Barretos, e uma turma do Ceará que não aceitava a liderança de Pedro Jorge.
Violeta Arraes também pensou o polo de cinema...
Sim, da forma dela, mas também sonhava grande para transformar o Ceará num grande Polo de Cinema. Logo que chegou realizou um encontro internacional sobre Comunicação, Cinema e outras Mídias, não me recordo o nome do encontro, embora também tenha participado da produção deste encontro. No primeiro mês da gestão dela atuei quase como chefe de gabinete, mas tive que retornar ao Rio, onde morava, não compensava financeiramente e também pela politicagem que já se iniciava entre os grupos de Fortaleza pela aproximação com ela, uma pessoa conhecida e respeitada no meio intelectual brasileiro e até internacional. Ela trouxe prestigio e visibilidade ao cargo de Secretaria de Cultura do Ceará. Realizou o FestRio , Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, que, naquele ano, não conseguiu apoio lá para sua realização e mudou temporariamente para o Ceará, sob a batuta do Luís Carlos Barreto. Você então deixou o Ceará e os debates sobre o polo de cinema?
O Seminário foi a primeira vez que no Ceará se reuniram tantos cineastas de grande renome do cinema brasileiro. Foi nele que discutimos a criação de um Polo de Cinema no Ceará
No início sim, mas depois me envolvi com muitos trabalhos no Rio e São Paulo e não participei mais. Já não me sentia parte do processo. Pedro Jorge e eu fomos excluídos neste período. Não sei dizer se culpa minha por ter me desligado totalmente da turma ou por falta de convite.
Mas você continuou a trabalhar em cinema?
No governo Cid Gomes começou a fase dos Editais. Estava de mudança para o Cariri, para onde retornara para a produção de três médias metragens ambientais, como parte de um projeto maior, sobre a Chapada do Araripe. “A Chapada do Araripe - A Formação dos Fósseis”, “Chapada do Araripe - Uma Questão Ambiental” e “Chapada do Araripe - Uma Visão do Futuro”, com uma equipe exclusiva do Cariri, com Jackson Bantim, Catulo Teles, Fernando Garcia, Valmi Paiva, também através da Lei Rouanet, parcialmente, com apoio do Deputado José Arnon Bezerra e do então Secretário de Agricultura do Ceará, Camilo Santana, e apoio logístico da URCA, através do reitor Plácido Cidade Nuvens. Depois, participei e ganhei de um edital prêmio, onde produzimos, adaptado de um conto do grande escritor caririense José Flavio Vieira, “O Cinematografo Herege”, uma comédia com atores exclusivos do Cariri e depois em outro edital “Uma História da Terra”, também com equipe local, um documentário sobre a Ocupação pelo MST, do Sitio Caldeirão e o Assentamento 10 de Abril, ambos médias metragens. Também orientei como resultado de Oficinas de Realização Ambiental, dentro do Projeto Audiovisual de Educação Ambiental da Chapada do Araripe, a produção de dez filmes de curta metragem feito pela garotada de Barbalha, Juazeiro do Norte e Crato, junto com as ONGs Instituto de Ecocidadania Juriti, Sociedade Zaila Lavor e Grupo Carrapatos, do Crato. Acompanho o trabalho do Ythalo Rodrigues, do Batata, do JL Oliveira, do Jackson Bantim, da Adriana Botelho, da turma do Berro por quem tenho grande admiração. Quanto ao cinema do restante do Estado pouco sei. Sempre sei das produções do Petrus Cariri, um grande talento, do seu pai Rosemberg Cariry, do Joy Pimentel, do Emanuel Nogueira, Marcos Moura e Clébio Ribeiro. Aqui vai uma crítica aos editais de cinema da Secult, que co-produzem os filmes, mas depois engavetam, não fazem uma mostra dos trabalhos produzidos nos editais, não os distribui pelo interior. Falta uma maior politica de divulgação e distribuição dos filmes realizados no Ceará. Sãos os festivais realizados no estado que exibem os filmes que se inscrevem neles e morrem por aí. Estou muito mais por dentro do cinema pernambucano que do cearense, aliás não perco um filme pernambucano que passa no Rio.
E o Cine Ceará?
Só participei uma vez como júri do início deste século, quando ainda o Francis Vale estava junto com o grupo do Wolney Oliveira. Nada sei, nunca fui convidado, não faço parte da patota. Aqui cada grupo tem seu festival, rsrs. Como eu participava do de Jericoacoara, fui excluído do Cine
Ceara. Mas tem seu importante papel no cinema cearense atual, não resta dúvidas. Você foi um longo parceiro do cineasta cratense Hermano Penna...
Sim, com o Hermano, meu amigo irmão, temos uma longa parceria, desde o tempo do “Juazeiro do Padim Ciço”, o Globo Repórter da Blimp Filmes, passando por meus primeiros curtas que ele fotografou. Foi co produtor, do filme “Fronteira das Almas”, que fizemos em Rondônia e São Paulo. Ainda temos planos de trabalhar juntos. Sempre nos encontramos em São Paulo. Atualmente estou envolvido em dois projetos aqui no Espirito Santo, aonde moro. “Senhoras do Dendê”, documentário sobre o uso do dendê nos quilombos do Norte do estado e sua importância nas religiões dos afro descendentes, como resultado de uma Oficina com a garotada do Quilombola do Angelim e Linharinho, em fase de edição. Também do documentário ambiental “Rio Itaunas - Sempre Vivo”, para uma campanha em defesa da Bacia Hidrográfica do rio Itaúnas, quase na fronteira da Bahia com o ES e Minas Gerais. E encaixado em alguns projetos que estão a concorrer em editais da SECULT-ES. Tenho projetos, roteiros de longas metragens, mas dado a temática que envolve à época da ditadura militar, na atual situação politica nacional, parece difícil… Também tenho um outro que ainda vou fazer no Cariri, baseado em outro conto do Zé Flavio. Você sempre foi um amante do meio ambiente. O que o levou à militância? Não fui, ainda sou e sempre serei um amante e militante das causas ambientais onde quer que esteja. Sou um ambientalista-cineasta. Quando Secretário de Cultura de Barbalha, aconteceu no Rio de Janeiro, a ECO 92.O mundo inteiro no Rio para discutir e apresentar soluções para os grandes problemas ambientais do planeta Terra. Já estava nos meus planos participar, independente da função que ocupava. Já tinha uma preocupação muito grande com o que vinha ocorrendo de devastação na Chapada do Araripe, na FLONA do Araripe. Observava a situação do rio Grangeiro, do rio Itaitera, do rio Salamanca e do rio Salgadinho, que morriam a olhos vistos. Logo após a Eco 92, de volta ao Cariri, com alguns amigos militantes das causas ambientais, criamos a Fundação SOS Chapada do Araripe. Eu, Abidoral Jamacaru, Adilberto, Renato Dantas, Ana Claudia Ribeiro. Trouxemos para Barbalha e a área de influência da Chapada uma Exposição chamada Ecos da Eco 92, com cartazes ambientais de todo o mundo, em Crato, Barbalha, Jardim, Exu, Santana do Cariri. Quando voltei a morar no Rio me engajei em movimentos ambientalistas e depois ao vir morar no Espirito Santo, em São Mateus e depois na Vila de Itaúnas, fui convidado por um amigo que era gerente do Parque Estadual de Itaúnas a trabalhar no Parque, sendo contratado, na época do governo do PT de Vitor Buaiz, pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Daí passei a coordenar o programa de Educação Ambiental do Parque e seu entorno. Comecei a trabalhar usando o cinema ambiental, explícito ou não com a garotada e a comunidade de Itaúnas. Neste momento também passei a fazer cursos de especialização em Educação Ambiental e em Planejamento de Unidades de Conservação. Com essa luta e este trabalhos começamos a participar do movimento pela criação do primeiro Comitê de Bacia Hidrográfica do Estado, sempre usando o cinema nas mobilizações pelos oito municípios da Bacia do Itaúnas no extremo norte Capixaba. Criado oficialmente, o Comitê que defendi no Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado, em Vitória. Então fui eleito seu primeiro Secretário-Executivo, representando o poder público. Este meu engajamento nesta luta me levou a chefia do Meio Ambiente no município de Conceição da Barra. Sempre usando filmes nas mobilizações. Ajudei a criar a SAPISociedade dos Amigos do Parque de Itaúnas e fui o seu terceiro presidente, assim que sai da Secretaria. Produzi depois na época dois filmes, um “O Parque Estadual de Itaúnas” e a “Mata Atlântica,” um documentário e Mosaico Capixaba, um ficção para a Petrobras. Coordenei o Projeto De Olho no Ambiente, da Petrobras em Vitoria e fui consultor de um projeto dos Corredores Ecológicos, da Mata Atlântica. Dai quando participava como concorrente no I MoVA- Mostra de Video Ambiental do Caparaó -, fui convidado para coordenar o MoVA Itinerante, pela Secretaria de Estado da Cultura do Espirito Santo. Neste trabalho nos onze municípios do entorno do Parque Nacional do Caparaó, orientei através de Oficinas de Realização Audiovisual, na produção de mais de 40 curtas-metragens, durante quatro anos, até retornar ao Cariri. Até hoje estou envolvido com a SAPI e o Comitê de Bacia do Itaúnas. A SAPI mudou o nome para Sociedade dos Amigos Pró Itaúnas e está produzindo o filme que estamos fazendo, junto com a Kika Gouveia.
A UFCA está estruturando um curso de audiovisual. O que acha da ideia? Tenho participado e acompanhado desde o início o esforço de alguns professores da universidade, como a Adriana Botelho, o José Anderson Sandes, além do Ricardo Salmito. Acho uma grande ideia, até por ser uma proposta além do cinema, abrangendo outras mídias digitais. Outro dia estive aí na Universidade, junto com o Pedro Jorge de Castro para uma conversa sobre a criação deste curso, que foi muito produtiva. Vi a grande participação de alunos interessados, do empenho também do Elvis Pinheiro, da turma do Berro e outros novos cineastas do Cariri. Uma das preocupações é com o mercado, mas atualmente, nesta era digital, existem mil possibilidades. Quando chegamos já no aeroporto vimos uma grande TV com produções locais, anúncios produzidos no Cariri, isto também em vários outros lugares. Na região existem duas estações de TV, várias produtoras de comerciais. Acredito que será um grande curso.