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A nossa amiga mais querida

Uma visita ao coração de Juazeiro do Norte pelo cotidiano de seus personagens

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Pra A Padre C Cero

No vai-e-vem da vida moderna, sons costumam se misturar. Buzinas de carros, toques de telefones e carros que vendem ovos, milhos, pamonhas, sorvetes e churros são meras notas na sinfonia complexa da vida na cidade. Tal sinfonia acompanha um espetáculo com enredo digno de Ariano Suassuna, cheio de paixão, dor, cor e melancolia. Os atores e atrizes são de carne e osso; profissionais competentes, já que interpretam múltiplos papéis e nem ao menos se dão conta desse fato. A plateia é silenciosa, mas assídua em todas as exibições. Ela não é feita do mesmo material dos atores, é feita de concreto, gesso, tinta e tijolo.

Às vezes mais que plateia, o centro urbano se torna nosso amigo, confidente. Tudo vê, tudo sabe. E como bom amigo, guarda segredo. Nesse ecossistema de pedra e carne, nenhuma amiga é mais sincera e nenhum espectador é mais atento que a Praça.

Em Juazeiro do Norte, Terra de fé, de gente calorosa e de cultura pulsante, a amiga mais querida é a Praça Padre Cícero. Localizada no entorno demarcado pelos quatro quarteirões da Rua do Cruzeiro, São Pedro, São Francisco e Padre Cícero, ela existe desde quando Juazeiro era Joaseiro, e não passava de um vilarejo ao redor de um grande Pé de Juá.

No começo era chamada de “Quadro Grande” ou “Quadro São José”, por ser um enorme quadrado de terra que ocupava uma área muito maior que a atual, indo até o bairro do Socorro. Eram lá que os moradores do lugarejo, ao redor de um grande cajueiro, se reuniam para fazer comércio de dia. E dançarem forró de noite, pelo menos quando o padre recém-ordenado Cícero Romão Batista não os espantava com o seu cajado.

Depois, já em 1910, foi testemunha ocular e ecoou os gritos da população quando, em 30 de agosto, o povo de

Joaseiro deu seu grito de independência da Vila do Crato. A partir desse dia ficou então conhecida como “Praça da Independência”, nome que a acompanhou até 1925.

No dia 11 de janeiro daquele ano, foi inaugurada na praça a estátua do Padre Cícero, em homenagem aos seus 80 anos de idade, que até hoje permanece no mesmo local. Na ocasião, uma guarnição naval formada por cem aprendizes marinheiros e um segundo sargento veio a cidade prestar homenagem ao Padre

Padim Ciço passou a vigiá-la constantemente. Nesta época, a praça ainda era moça de interior, um pouco modesta, e contava com bancos de madeira e piso de terra. Em 1958, passou por outra mudança, na qual ganhou bancos de marmorite e um novo caminho para os transeuntes. Foi com essa reforma que passou a ser o centro da vida social do município de Juazeiro, lugar para passear, conversar com os amigos, levar a família para as missas de final de ano e até mesmo namorar, se fosse encontrado um banco

Memórias Kariri

Cícero. Com o intuito de homenagear o Ministro da Marinha, a praça foi batizada oficialmente com seu nome, Almirante Alexandrino de Alencar. Devido a estátua, a praça começou a ser chamada popularmente de “praça Padre Cícero”, e em 17 de outubro de 1963, o então prefeito, Humberto Bezerra, a rebatizou oficialmente com esse nome.

Como podemos ver, a Praça já foi dona de muitos nomes e, como metamorfa que é, também já possuiu muitos rostos. A primeira reforma pela qual passou foi a de 1925, quando a estátua de afastado o bastante. Ainda mudou novamente na década de 1980, bem como na segunda metade dos anos 2000 e por fim em 2018.

Como amiga querida, ninguém pode dizer mais sobre ela que seus próprios amigos. Amigos como Dona Iracema, natural de Juazeiro do Norte e que possui 64 anos. Há uma década pode ser encontrada no mesmo local na Praça Padre Cícero, de frente para a rua Padre Cícero, na sua banquinha verde. Embora os seus arredores tenham mudado um pouco ao longo dos anos,

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suas memórias continuam firmes, assim como a árvore que lhe faz sombra, de segunda a sábado, das 7:30 às 17:30. Ou como seu João, que de seus 79 anos de vida já vem dedicando 39 a venda de suas mercadorias na praça, primeiro num box, depois em uma banquinha. Já seu Raimundo, de 74 anos, não tem banquinha, mas tem muitas histórias para contar sobre a sua vivência na praça. Por fim, o filho de um amigo que também virou amigo: Carlos Cruz, 86 anos, ex-prefeito de Juazeiro por dois mandatos e dono da Farmácia dos Pobres, que desde 1913 ocupa seu local de frente para a praça.

Dona Iracema

Sentada em sua cadeira de balanço, dona Iracema, de 64 anos, jogava conversa fora com alguns moto-táxis quando nós a abordamos. De pele escura, estatura baixa e sorriso misterioso, seu cabelo vermelho fazia jogo com a cor vibrante de sua barraquinha verde. Ela chegou na praça com a sua banquinha em 2009, assumindo o ponto que antes era ocupado pela banquinha de um senhor de Barbalha do qual não se recorda o nome. Desde então tem vendido balas, café, cigarros, doces, para se sustentar e sustentar a sua família.

“Eu cheguei nesse canto aqui em 2009. Antes quem ficava era um senhor que morava em Barbalha. Era o lugar dele, mas ele já tava cansado de trabalhar, de todo dia vim de Barbalha pra ficar aqui. Aí essa vaga tava desocupada, e eu tava desempregada, tava com problema de osso, não podia fazer muito movimento. Eu tava procurando uma coisa pra fazer, então eu pensei em fazer alguma coisa vendendo, pra ver se eu sobrevivo, né? Porque ninguém mais aceitava me contratar. Então isso daqui foi um meio de vida, um meio pra eu trabalhar, porque eu não tenho nenhum benefício, nem condições de se aposentar, porque eu acho que isso daí tá muito difícil. Então pra sobreviver ou a gente vai virar camelô ou então vai pedir esmola. É a única opção de Juazeiro. Então eu vim pra cá”. Ela pode ter colocado sua banquinha na Praça apenas há uma década, mais sua relação com ela vem de bem mais longe.

“Essa praça aqui era ótima quando era antigamente né, era o foco de Juazeiro. Eu vinha muitos fim de ano porque tinha missa. Era muito movimentado e a gente andava livre pelas ruas sem ter medo de nada. Era muitas festas que era só focada aqui, nessa praça. As missas de fim de ano, noite de natal. Muito movimentada já foi essa praça. Quando era adolescente, eu vinha pra cá com a minha família e assistia missa e outras coisas. A nossa festa era aqui. O nosso lazer era aqui, nessa praça. Quando chegava o fim de ano a gente tinha que ter uma roupa nova, uma sandália nova pra poder vim passar o ano novo na praça. E era muito bom, era muito bom antigamente. Você não tinha medo de nada, você voltava altas horas da noite pra casa e não tinha problema. Hoje você não pode mais andar a noite. Mas era muito bom antigamente. Era mais flores, mais bancos, muitos casais nesses banquinhos, portanto que hoje eles representam o que era antigamente, banco de casal”.

Mãe de três filhos e separada, Dona Iracema lembra como, há mais de 20 anos, deixou o marido em Fortaleza e veio de volta para o Cariri em busca de melhorar de vida, e como teve que cuidar dos seus filhos sozinha desde então.

“Sou casada ainda. O meu marido disse que o divórcio era só um ‘tiro na testa’. Então eu disse que preferia o divórcio na mão que um tiro na testa. Aí ele mora em Fortaleza e eu moro aqui. Não fui mas atrás também, não precisou. Eu criei meus filhos basicamente sozinha mesmo. Sozinha e Deus, e mais ninguém. Também não fui atrás de dinheiro, porque antigamente não tinha pensão, e eu não podia ir atrás disso porque fui

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eu que larguei ele, que abandonei a casa. Então eu tinha que me virar só”.

Ela afirma que o dinheiro que recebe na banca só dá para repor os produtos que vende e tirar o próprio sustento, mas que às vezes não consegue apurar nem o mínimo, porque os romeiros não costumam comprar os seus produtos e o comércio em época fora de romeirada é difícil.

“Romeiro não me compra, porque não gosta de bombom. Eles compram de mim é mais cigarro ou café, mas mesmo assim é pouco. Mais bombom é aqui ou aculá, não vende muito, não tem muita saída. Chilito, pipoca, também é difcíl de vender, porque tem os outros que compete com a gente né. Aí nesse aqui e aculá não dá pra ganhar muito, mas dá pra gente ir botando aqui, botando em casa, botando aqui não sobra muito. Chega o final de semana e você não tem condições de ir pra canto nenhum porque não tem nem o dinheiro da passagem. Mas a gente vai levando do jeito que dá”.

Além das dificuldades de manter a banquinha, dona Iracema aponta como a última reforma na praça afetou seus negócios.

“O prefeito fechou a Praça e a gente teve que ficar aí, perambulando pra poder conseguir pagar o aluguel, a água, a luz, o gás. Hoje em dia eu agradeço muito mais por ter isso aqui, por ter o meu canto todo dia pra poder trabalhar. Porque chegou uma hora da gente não poder mais botar banca no lugar, disseram que ia ter que sair todo mundo, e aí a gente ficou desesperado sem saber o que fazer. Ia viver de quê? Aí então a gente conseguiu fazer uma reunião, nós que trabalhamos na praça e o povo da prefeitura. Na verdade, ainda tamo em teste, porque ele (o prefeito) quer um carrinho bem bonito, padronizado. No começo ele mandou a gente ir atrás que ele ia ia ajudar a gente a fazer esse carinho, esse trailer. Mas depois desistiu. A gente sozinho não consegue juntar desse tanto. Então eu vivo com medo de não poder botar mais”.

Persistente e determinada, dona Iracema diz que, apesar de todas as dificuldades, não pensa em fechar a banquinha, mas sim almeja repassála para seus filhos.

“Fechar fechar assim eu num posso, porque é o único meio que eu tenho. Eu não vou arrumar outro trabalho,na minha idade ninguém vai me dar. E se eu for arrumar outro emprego eu vou trabalhar pra morrer e também não vou conseguir nada. Então pelo menos aqui eu vou sobrevivendo todo dia, e eu agradeço. Cada dia é um dia. Então eu não pretendo nem tão cedo sair daqui, a não ser deu adoecer ou morrer. E mesmo se isso acontecer o meu lugarzinho vai ficar pro filho, ou minha filha, porque eu não vou abrir mão. A gente é cadastrado, a gente abriu há pouco tempo uma associação que defende as nossas causas. Mas o prefeito que decide se a gente sai ou não, e ordem é ordem. Se ele disser que a gente tem que sair a gente arruma outro canto pra poder ficar. Mas eu espero que isso não aconteça”.

Ela então fica, e quem agradece são os romeiros e as pessoas que dona Iracema ajuda diariamente, seja com direções ou conselhos.

Essa praça era ótima antigamente. Eu vinha muitos fim de ano porque tinha missa. Era muito movimentado e a gente andava livre pelas ruas sem ter medo de nada

“Sei conversar com todo mundo. Muita gente vem sempre na minha banca pra conversar, pedir um conselho, pedir uma opinião. Romeira mesmo tá cansada de vir na minha banca desorientada e sentar e melhorar, porque eu converso demais. ‘Mulher eu tava tão triste, e agora eu tô tão feliz, porque eu me desabafei’, porque às vezes a pessoa chega aqui tão carregada triste, não sai. Daí sai, se senta, fuma um cigarro e então melhora. E aí a pessoa vai e conta os problemas dela, e eu vou e conto os meus, e daí a gente já tá amigas. É muita amizade, é chei demais na minha banca, tem hora que você chega e não tem mais onde sentar. É um aqui, outro aculá. Converso e converso mesmo, e os meus meninos, meus filhos, não gostam, porque dizem que eu falo demais. ‘Oxe, a senhora passa o dia

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conversando, a senhora não cansa?, e eu ´Oxe, passo o dia sem fazer nada, tenho é que conversar mesmo´. ´Mas a senhora tá vendendo mãe, não precisa conversar´. ´Oxe, converso nada!´. Mas as pessoas sai feliz daqui, eu gosto de ajudar. Juazeiro é assim, tem muito visitante. Então às vezes divertido vender na rua, porque você pega muita amizade, você ajuda muita gente, praticamente vira uma família. A gente praticamente mora na rua e só vai dormir a noite em casa”..

E é com essa família que nós deixamos dona Iracema quando nos despedimos, uma hora mais tarde e com algumas memórias a mais na bagagem.

Seu João

“Podem tirar fotos da barraquinha, mas num tirem minhas não, por favor!”. Sujeito sagaz, de memória boa e conversa tranquila, seu João Faustino é filho de pais Alagoanos, mas nasceu no Juazeiro. Tem 80 anos, dos quais 39 gastou trabalhando na praça Padre Cícero.

Ele não negou nenhuma parte da sua história na praça à nossa equipe.Sua única condição foi que não tirássemos fotos suas, a qual respeitamos. Ainda bem, nesse caso, que uma memória vale mais que mil fotografias.

Podem tirar fotos da barraquinha, mas num tirem minhas não, por favor!

Nós os entrevistamos quase em frente ao solar dos Bezerra de Menezes. O senhor, entretanto, afirma que nem sempre vendeu suas mercadorias ali.

“Olha, aqui nesse local que nós estamos, faz poucos dias. Eu trabalhava ali (apontando para o local no qual hoje se encontram diversos trailers) aí quando o prefeito foi reformar, derrubou meu box. Não só o meu, foi o de todo mundo que trabalhava aqui, sabe? E aí, por enquanto, nós estamos com o carrinho, enquanto ele faz uns trailer para nós”.

Com uma relação de quase quarenta anos, seu João já presenciou diversas fases da praça.

“Mudou umas e outras não. Umas para melhor e outras para pior. Porque logo no início dessa praça você podia dormir aí e ninguém mexia com você. Hoje até você andar por aqui de dia é perigoso. Mas, de qualquer forma, tá bom assim as coisas. Só em a gente estar vivo é uma beleza. Você sabe que antigamente essa praça chamava-se Almirante Alexandrino? mudou depois para Padre Cícero, que é como é conhecida no mundo todo, acredito eu. De qualquer forma, glória a Deus que a gente tá aqui. Ele ajuda a gente e assim vamos vivendo. Se Deus quiser e eu tenho fé nele, o prefeito vai fazer nossos pontos.. tenho fé, porque quando Deus coloca a gente no mundo, é pra viver, só vai quando ele chama. Tô errado?”

Como dona Iracema, seu João teve que procurar outro lugar para estabelecer seu ponto quando a praça fechou para reforma.

“Eu e os meus filhos fomos para outra praça, a do Memorial, conhece?

Aí eu mandei fazer uma outra barraca, de chapa. Aí fiz e ficamos trabalhando. Eu e meus filhos. E fomos batalhando, fomos batalhando, e quando disseram assim: ‘é pra voltar pra cá’ (Praça Padre Cícero); aí eu disse: ‘e minha barraca?’. E eles disseram: ‘não, lá não é assim não’; e eu disse: ‘oh rapaz, aí acabou comigo’.O que eu tinha gastei na banca do Memorial, se na outra Praça não era aceito, tivesse dito que eu não tinha feito esse gasto. Mas tudo bem. Aí viemos, e tô aqui com meu carrinho. Deus me dê força e coragem pra lutar com eles. Ainda bem que quando meus filhos vêm da faculdade, passam aqui e assumem. Umas seis e meia, sete horas eu vou pra casa e ela fica aqui mais eles. Então quando eu venho, de tarde, eles vem trazer mais eu e assim nós estamos continuando o trabalho. Porque pra mim só mesmo lutar é muito pesado, não?”

Ao mesmo tempo que relembra da perda de seu box antigo na Praça, retirado pela prefeitura, sem dinheiro para comprar um trailer, seu orçamento foi afetado. Mesmo assim seu João olha para o futuro com a esperança e a fé de que dias melhores virão.

“Olhe, ainda dou graças a Deus, que tô aqui e aqui, ou muito ou pouco, ou bom ou ruim, todo dia ele me dá o pão de cada dia. Agora uma coisa eu lhe digo, não sei se você chegou a conhecer nossos pontos ali Os box? Uma coisa eu lhe digo, quando eu chegava, bem cedo, que eu abria a porta, ali eu dizia: ‘meu Deus, sei que minha panela hoje ferve.’ E, naquela época, nunca deixou de me faltar nada, nem para mim nem para os meus filhos. Infelizmente, o que eu apurava ali naquele ponto num dia eu passo uma quinzena aqui e talvez não apure. E outra coisa, não é nem tanto isso, o pior de tudo é que eu tinha muito cliente pelo dia que ia comprar lá que hoje não tenho mais. Os clientes não vão ficar esperando eu pra vir comprar uma comida.

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Raimundo Lucas de Sousa: “Eu vinha aqui sempre. Às vezes no natal tinha missa aqui e eu ficava um tempo aqui. Era bom aqui na época. Hoje a cidade cresceu muito e a gente percebe mais gente de fora do que gente daqui”

Isso tudo é prejuízo, né. Tudo desfalca. Mas aí eu tenho fé em Deus que um dia eu poderei voltar”.

Seu Raimundo

Já era anoitecer quando avistamos seu Raimundo Lucas de Sousa, de 74 anos, sentado sozinho em um dos bancos da praça. Seu cabelo alvo e sua blusa azul claro batiam ponto na memória do céu que nos recebeu no começo daquela tarde. Uma bengala depositada ao lado do banco nos levou a notar que seu Raimundo não possuía uma das pernas. Um ‘boa noite’ foi então a nossa senha para vislumbrar um pouco da história daquele senhor que tinha tanto a partilhar conosco sobre o passado da praça.

Ele relembrou um pouco da juventude, enquanto seu olhar vagava pelo ambiente, talvez um pouco diferente da lembrança despertada por nossa intrusão.

“Essa praça me recorda muito os anos 80, quando tinha 18, 20 anos e frequentava muito aqui. No tempo que ela era muito movimentada, muito frequentada pela sociedade da época. Eu me recordo muito bem desse período”.

Relembra ainda seu Raimundo, com saudosismo, como os laços de antigamente eram mais estreitos que os de hoje em dia.

“Eu vinha aqui sempre. Às vezes no natal tinha missa aqui e eu ficava um tempo aqui. Era bom aqui na época. Hoje a cidade cresceu muito e a gente percebe mais gente de fora do que gente daqui. Porque naquela época a gente se via mais, via as famílias que moravam aqui ao redor da praça. Por exemplo, eu lembro das pessoas da rua da Conceição, da Santa Luzia, da São Francisco, a do Cruzeiro... Lembro de muitas pessoas. Ali ao lado da discoteca treze também tinham um pessoal que eu conhecia. Na rua São José também, eu conhecia muitas pessoas por aqui, na padre Cícero também. Hoje muitas dessas pessoas não se encontram mais. Antigamente era bom, eu acho que as pessoas eram mais família naquela época, as pessoas se entendiam mais, gostavam mais uma das outras, tinham mais consideração, porque hoje a cidade se desenvolveu e não vemos mais isso. As famílias se distanciaram muito. Hoje ninguém sabe mais quem é o

Essa praça me recorda muito os anos 80, quando tinha 18, 20 anos e frequentava muito aqui. No tempo que ela era muito movimentada, muito frequentada pela sociedade da época. Eu me recordo muito bem desse período vizinho. Não é mais que nem naquele tempo, quando as pessoas eram muito amigas”.

Além dos passeios em família, ele recorda dos festejos que que ocorriam no local.

“No treze tinha muita festa, que era um clube que tinha na rua Santa Rosa. Tinha desfile também, e muitas celebrações. Os colégios participavam disso. Por exemplo, o colégio Dr. Diniz, naquela época, já começava com aquela fanfarra e coisas assim”.

É com a voz embargada e algumas pausas, ele rememora a época em que a praça era visitada por muitas famílias e conhecidos seus; e como muitos daqueles rostos já não são mais vistos hoje em dia. Ao confrontar essas lembranças, seu Raimundo relembra então do seu próprio passado.

“Hoje eu não encontro mais com aquelas pessoas, porque antes, né, vinham mais. Mas também muitos já se foram. As pessoas da minha época hoje são poucas, com mais de cinquenta anos, sessenta, boa parte já se foram né... Eu sento aqui mais para recordar algumas coisas mesmo. Porque, eu lembro que na época que eu era criança, eu vinha muito aqui para o Juazeiro, porque eu perdi essa perna com idade de dez anos, e Juazeiro foi assim como um refúgio. Eu saía de Crato e vinha pra cá e

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aqui eu ficava. A gente tinha um pequeno fabrico de calçados no Crato né, e a gente tem uns fregueses em juazeiro, onde inclusive hoje é aquela farmácia Pague Menos, nesse primeiro quarteirão. Eu lembro que tinha um senhor que chamava Dantas, e eu lembro que ele tinha uma banca de calçados e ele sempre vendia os nossos calçados, os calçados de meu pai. Eu lembro que naquela época, eu ainda criança com a idade de 8 anos, meu pai me colocava na sopa, porque não era ônibus, era sopa, quase como um micro ônibus, aquele pequeno, e eu lembro que ele recomendava ao motorista onde eu descia. E nesse tempo o ônibus parava ao lado daquela farmácia que fica ao lado da Santa Luzia, e ele parava naquela esquina, eu descia e vinha deixar os calçados. Eu lembro que era mais andar, isso espairece muito, a pessoa ficar só em casa não é muito bom não”.

Ao vir para a Praça Padre Cícero, seu Raimundo tem a oportunidade de atiçar suas memórias. Ainda bem que, segundo ele, a última reforma da Praça a deixou um pouco mais parecida com o que era na época de sua juventude, facilitando o trabalho de escavador de seu próprio passado.

“Lembra muito o passado. Assim, a gente olhando bem assim ainda faltam algumas coisas, porque a perfeição nunca vem como antes, né. Os postes, por exemplo, eram aqueles postes pequenos que hoje não tem. Mesmo se quisesse botar não tinha mais condições né, porque aí pode chegar alguém e levar as lâmpadas. Mas que a praça tá bem parecida ou menos assim, não lembro bem a quantidade, mas meu pai me dava umas mercadorias e eu levava até lá. Aí quando era de tarde, ele vinha pra pegar o dinheiro. Eu lembro muito e aqui era meu refúgio. Eu criança sem querer aceitar a realidade da vida porque tinha perdido a perna. Aqui, na Praça Padre Cícero, era onde eu vinha e ficava por muito tempo”.

Um andarilho dos tempos modernos, seu Raimundo conta que gosta bastante de passear, e a praça padre Cícero é um dos seus lugares favoritos.

“Eu gosto muito daqui de Juazeiro, sempre quando tô sem fazer nada, levo meu caminho para aqui. Crato eu frequento também. Gosto muito de ir para a praça da Sé. Eu acho bom

com a que era antes”.

Carlos Cruz e a Farmácia dos Pobres

“1913, Casa dos Pobres” são os dizeres que podem ser encontrados em letras negras no prédio verde que nos recebeu para visita em uma manhã de sábado. Dentro do local pudemos falar com uma das personalidades mais conhecidas de Juazeiro, filho de um amigo querido da praça.

Fundada em 1913 por José Geraldo da Cruz, a Farmácia dos Pobres foi uma das primeiras farmácias a existir em Juazeiro. Lar do famoso “Bálsamo da Vida”, que até hoje faz sucesso com os habitantes da região e com os romeiros que vem nos visitar, também já foi palco de importantes decisões políticas

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...aí todo mundo corria pra cá, se tava doente vinha pra cá se operar. Meu pai operava aqui, bem ali, na sala. Aqui não tinha hospital. Quebrava um braço... vinha pra ele. Aí ele tinha um slogan, ele dizia bem assim: Chegou vivo aqui já não morre mais!

da região, pois a família que lhe dá vida é intrinsecamente ligada a este cenário.

Hoje a Farmácia dos Pobres está nas mãos de Carlos Alberto da Cruz, 86 anos, filho de Geraldo. Carlos Cruz também já foi prefeito de Juazeiro duas vezes, e relembra como a farmácia ganhou vida nas mãos de seu pai tantos anos atrás.

“O Padre Cícero botou meu pai pra trabalhar em farmácia, uma farmacinha pequena que tinha ali, onde é essa Loja Americanas hoje. Farmacinha pequena, que era de Sebastião Carvalho, ai meu pai aprendeu a trabalhar na farmácia. Quando ele tava bem aprendido, Padre Cícero arranjou um dinheiro pra ele ir comprar um remédios lá em Fortaleza pra botar uma farmaciazinha dele. Aí ele foi lá em Fortaleza e aí comprou os remédios para vender. Ele sabia quais eram os remédios que tinham mais saída. Aí ele botou os remédios num trem, trouxe pra aqui, alugou esse pontinho e ficou negociando”.

Durante muitos anos funcionou também como ambulatório, consultório e hospital, já que a população humilde da região não podia recorrer aos poucos médicos que existiam.

“Toda vida teve movimento aqui. Inicialmente só tinha essa farmácia e a de Dr. Belém ali aí todo mundo corria pra cá, se tava doente vinha pra cá se operar. Meu pai operava aqui, bem ali, na sala. Aqui não tinha hospital. Quebrava um braço? vinha pra ele. Aí ele tinha um slogan, ele dizia bem assim: ‘Chegou vivo aqui já não morre mais!’. Depois papai entrou na política.

Zé Geraldo, como era conhecido o pai de Carlos, não era formado em nenhuma área da saúde. Seu conhecimento veio todo da prática, e foi dela que nasceu o Bálsamo da Vida, unguento milagroso capaz de curar de enjoos a enxaquecas. Hoje, o produto é único ainda comercializado na Farmácia, e as embalagens de 100ml custam R$ 9,00, as de 250ml custam R$15,00 e as de um litro saem por R$28,00.

“Quando a farmácia completou 100 anos, nós fizemos uma festa. Foi celebrada uma missa. Encheu isso aqui de gente de todo canto”. O centenário da Farmácia ocorreu apenas dois anos depois da data de comemoração do centenário de Juazeiro, em 2013. O ex-prefeito lembra com emoção da celebração. O passado então o direciona a pensar no futuro. Quando perguntado sobre os planos para os próximos anos, diz que não tem planos de fechar o local. “Eu nunca pensei em fechar essa farmácia, e nem vou”. se cruzarão outra vez

A praça Padre Cícero já foi palco de amores e dores, já viu casais sendo feitos e desfeitos. Já deu boas vindas e adeus as mesmas pessoas, comemorou as vitórias do povo dessa terra e lamentou suas derrotas. É certo que ainda verá muitos capítulos de Juazeiro, e será confidente de muitos outros habitantes. Depois de nos despedirmos de todos aqueles que conhecemos, foi a hora de então nos despedirmos da praça. Até breve, nada de adeus. Nossos caminhos certamente se cruzarão outra vez.

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