![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/685a95e1a30dc4cb5fe17b6ea973405b.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
8 minute read
Babinski: amor, pincéis e guerras
Texto: Aline Fiuza
Maciej Antoni Babinski, 88 anos, é um artista dos mais consagrados do país. Ele, como tantos outros poloneses, fugiu do terror da Segunda Guerra Mundial. A primeira parada foi o Canadá, onde encontrou-se com as artes plásticas. De lá, chegou ao Brasil, em 1953, onde teve uma trajetória singular. Professor do Instituto de Artes da Universidade de Brasília, pediu demissão pressionado pela Ditadura Militar. Andou por São Paulo e Minas Gerais e, com a anistia, em 1979, foi readmitido pela universidade. Hoje mora em Várzea Alegre com seus dois amores: as artes e a sua mulher. Confira a trajetória desse importante professor e artista plástico do país.
Advertisement
![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/b06280dc516f0da67dd441f0322a4246.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
Babinski teve uma infância normal até seus nove anos, quando conheceu as maldades do mundo na Segunda Guerra Mundial e teve que abandonar seu país natal, a Polônia. Mas, apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas durante sua vida, Babinski encontrou um refúgio: a arte. Babinski iniciou os estudos na área e desenvolveu seus talentos de pintor, gravador, ilustrador e desenhista.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/79d73e3e707ee016c97ba4c157d5b64c.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
Assim, tornou-se um artista completo e de um talento ímpar. Posteriormente, ainda encontrou outra paixão, a de lecionar. Foi dessa forma que Babinski transmitiu seus conhecimentos e suas experiências, contribuindo com a formação de novos artistas. O seu trabalho foi reconhecido mundialmente e a sua história de vida é inspiração para quem carrega o sonho de ser artista no coração.
Fugindo da guerra, Babinski e sua família instalaram-se inicialmente no Canadá, onde iniciou seus estudos de arte. Teve aulas de aquarela com o padre Raphael Williams O.S.B., que o introduziu na técnica da pintura ao ar contribuiu para sua carreira. “Não tinha nada especial, não tinha talento especial, não tinha nada. Mas tinha uma curiosidade, tinha boas exposições. Eu via tudo, eu procurei conhecer artistas, e quando meus estudos acabaram, virei artista rapidinho. Participei da vida canadense de artista, expus em exposições coletivas, mas eu não quis ficar no Canadá. Em resumo foi isso, foram cinco anos que eu fiquei no Canadá, de chegar pobrezinho com o meu pai e todo mundo na grande dificuldade no pós guerra e lutei para me tornar um artista lá”, lembra.
Seus primeiros trabalhos foram desenhos com carvão, gravuras e aquarelas. Quando tentou pintar à óleo teve uma alergia repentina, o que o fez passar um período sem trabalhar com o material. Ele conta que foi assim que percebeu que os primeiros fracassos são bons, na realidade, porque deve-se fracassar sempre para aprender a continuar.
Sobre sua carreira ele diz que “foi uma coisa gradual, nada de habilidade espetacular. O meu convívio com artistas me botou a par de
Eu morava sozinho em Brasília, aí quando acabavam as aulas eu ia lanchar num lugar e a Lídia trabalhava lá. Foi assim que nos conhecemos. Eu já estava me aposentando e casamos no civil lá em Brasília. Foi num apartamento daqueles só com sala e quarto, a Lídia, jovenzinha, toda tímida, que decidimos morar em Várzea Alegre, onde a família da Lídia morava livre. Posteriormente, estudou pintura na McGill University. Além disso, teve aulas de gravura e fez cursos de desenho e pintura com Goodrich Roberts, na Art Association of Montreal.
No ateliê de Roberts, pintava paisagens, interiores e naturezas-mortas. Essa época de estudos foi difícil, já que ele e sua família tinham acabado de se mudar para um novo país e enfrentava o desemprego. Para manterse na universidade, ele passou a morar na Associação Cristã de Moços (ACM), o lugar mais barato para se instalar.
Para Babinski encontrar-se como artista não foi um caminho simples. Ele conta que tinha uma tendência à arte que ignorava, mas que seu tio enxergou esse talento e estimulava-o, levando-o para ver exposição em museus.
Esse apoio junto com o fato de deixar transparecer sua vontade e interesse pela arte toda a vida das possibilidades de ser artista, de uma maneira muito bonita. Eu conheci artistas importantes no Canadá, verdadeiros artistas e foi isso que me fez. Não era nem a escola. Um professor me deu os primeiros passos, depois eu fui sozinho. Não tem milagre e você não aprende a ser artista na escola, em outras palavras”.
Além disso, sua família foi essencial durante seu processo de descoberta. Seus pais sempre lhe apoiaram: “Meu pai me apoiou até morrer. Ele me apoiou e de longe me admirou. Ele me ajudou sempre com a sua aprovação e uma tácita admiração. Eu tenho um irmão que é um fiel reprodutor do sistema, tá lá no Canadá com os quatro filhos, tá tudo certo né? Mas o meu pai tinha na formação dele alguma coisa que permitiu a ele entender o que era ter um artista na família. Porque sou o único, realmente eu não sei porquê, é uma família enorme e eu
![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/2674ad0ea37511240e88ec585f2047dc.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
Babinski, um dos mais conceituados pintores do Brasil, reflete em sua obra as paisagens líricas, as figuras deformadas e a preocupação social sou o único artista. Então se você não tiver aprovação do pai, você acaba achando outro pai ou pior ainda”.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/b50c8dfee0a13552d6a2aff0547cfaab.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
Criando o mercado
Sua primeira exposição foi ainda em Montreal, no seu quarto, que tinha o mínimo: uma cama, uma geladeira dos anos 30, um fogão e um banheiro no corredor. Ele colocou um pano feito com sacaria bruta na parede e expôs os seus trabalhos. Babinski conta com orgulho que dois críticos foram ver sua exposição, e que um texto escrito por um deles até hoje é definitivo para ele. “No texto, ele antevia, pela minha exposição, que eu muito mais tarde, viria a me desenvolver como artista mais pleno. Isso me ajudou muito e não precisei de galeria, eu vendia o trabalho”. Ademais, ele relembra que naquela época, as exposições eram coletivas. Algumas eram oficiais, por exemplo no museu de Montreal, uma das quais ele participou. “A gente alugava um espaço, em alguma loja desocupada e era muito bonito. Não tinha mercado, então a gente tinha que se organizar puramente para mostrar nosso trabalho, seja como for. E um amigo meu por outros empregos, até descobrir sua outra vocação, a de lecionar. “Trabalhei no Ginásio Vocacional, que aí eu aprendi a ser professor. A escola era de primeira linha, maravilhosa e aquilo mostrou na minha cabeça o meu lugar”.
Babinski também trabalhou no Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília - ICA/ UnB. Depois de um tempo, houve uma grande demissão coletiva, em que 178 professores pediram exoneração de uma só vez. Eles tinham a intenção de pressionar o governo - era tempo da Ditadura Militar - para não interferir no processo de trabalho do curso. “Foi meio polêmico, eu me demiti e mantive a minha demissão. Alguns não, porque nós fomos chamados um por um pelo reitor, que perguntou se a gente queria reconsiderar a nossa demissão”.
Como ele morava no campus, um mês depois de dizer que não queria reconsiderar seu pedido de demissão, recebeu um aviso solicitando o apartamento funcional. Resolveu, então, mudar-se para São Paulo, onde conheceu novos amigos artistas.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/963981b71a88545a68a406f506b864b5.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/0c9e89331b2396fe5ec1658d41119c85.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
Morou durante doze anos em São Paulo, onde trabalhou no ensino até se demitir da
A paixão que Babinski carrega em seu coração pela arte e por sua esposa é encantadora. Um homem de uma história de vida difícil, cheia de complicações, mas que nunca desistiu da sua felicidade e de lutar pelo que almejava também fez isso, me lembro que ajudei a colocar a exposição dele na parede em uma lojinha que ele alugou. Então depois ele virou um artista muito importante no Canadá. Os comércios eram assim dureza, não tem milagre, moleza. Mas foi muito importante para mim”.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/0e835cb75e22570250229e26a72c49e4.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
Próxima parada: Brasil
Já com uma carreira iniciada, Babinski decidiu deixar o Canadá e ir para um lugar mais ameno tanto no clima quanto na atmosfera social e comportamental. Com ajuda de amigos do seu pai, mudou-se, em 1953, para o Brasil, instalandose no Rio de Janeiro. Era uma nova realidade para o artista, já que só conhecia o país através de fotografias e de revistas do governo Vargas de propaganda sobre o Brasil moderno. Ele conta que não teve privilégios, mas teve a vantagem de saber falar e escrever outras línguas, como inglês, polonês e francês. Seu primeiro emprego foi em uma fábrica na linha de montagem e triagem, e, posteriormente, passou escola Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha no Brooklin. Depois disso, passou a fazer e vender ilustrações, mas recebia muito pouco. Entretanto, encontrou uma galeria que comprava seus trabalhos e, assim, viveu durante alguns anos só vendendo para essa galeria.
Amor e Várzea Alegre
Nova reviravolta em sua vida. Decidiu mudar-se para Minas Gerais, com esperança de alcançar melhores condições de vida. Lá passou a dar aula na Universidade Federal de Uberlândia, até ser reintegrado à Universidade de Brasília, com a Lei da Anistia, onde trabalhou até se aposentar. Foi nessa segunda passagem pelo Distrito Federal que Babinski descobriu o seu amor, Lídia, e decidiu mudar-se para Várzea Alegre, interior do Ceará.
“Eu morava sozinho em Brasília, aí quando acabavam as aulas eu ia lanchar num lugar e a Lídia trabalhava lá. Foi assim que nos conhecemos. Eu já estava me aposentando e casamos no
Eu me demiti da UNB e mantive a minha demissão. Alguns não, porque nós fomos chamados um por um pelo reitor, que perguntou se a gente queria reconsiderar a nossa demissão civil lá em Brasília. Foi num apartamento daqueles só com sala e quarto, a Lídia, jovenzinha, toda tímida, que decidimos morar em Várzea Alegre, onde a família da Lídia morava. Aqui em Várzea Alegre, Padre Mota nos casou na Igreja”, relembra o artista. Ele conta que sabia que o Ceará não ofereceria melhores condições de mercado do que Brasília, já que o comércio da arte é muito pequeno na região. Mas, não teve dúvidas da mudança, por conta do seu fiel amor à Lídia.
Ele relata que não teve nenhuma dificuldade para se adaptar à vida no sertão. Reconstruiu a sua vida, cresceu e se integrou na vida da região com ajuda absolutamente indispensável da sua esposa. Hoje, ele praticamente não tem contato com a família, que ainda mora no Canadá, mas ganhou uma família nova em Várzea Alegre. Apesar das culturas serem diferentes, o respeito prevalece e eles mantêm uma boa relação. Ele conta que nunca tiveram nenhum problema em relação a isso - “e para uma pessoa viver 27 anos sem problemas, é porque deu muito certo”. O artista diz que adora a vida que leva hoje e que deseja ficar na sua localidade até seus últimos dias.
Hoje, Babinski se sustenta da aposentadoria que recebe da Universidade de Brasília, já que não vende mais a sua arte para o comércio, pois entende que não receberá boas ofertas pelos seus trabalhos. Assim, só vende para amigos próximos, pelo valor sentimental. Babinski se prepara para um final feliz e diz que não podia ser melhor do que está: “minha saúde vai piorando, a minha capacidade de trabalhar está diminuindo, mas ainda consigo trabalhar. No meu último surto de trabalho, eu fiz em três meses 70 aquarelas, achei um jeito de trabalhar rapidamente. Mas hoje eu já não sei como consegui fazer isso. Muita energia, mas a energia acaba e isso não tem jeito. Então não tem tristeza nisso, é absolutamente aceitável. Se você não aceita, você morre antes da hora”.
A paixão que Babinski carrega em seu coração pela arte e por sua esposa é encantadora. Um homem de uma história de vida difícil, cheia de complicações, mas que nunca desistiu da sua felicidade e de lutar pelo que almejava. E que encontrou um local para descansar depois de tanto fazer pela arte e pelos artistas. Babinski é talento, inspiração e persistência. Um encanto de pessoa e artista, e, por isso, merece o reconhecimento mundial e de todas gerações. Uma memória caririense guardada no coração de Várzea Alegre (Texto baseado em uma entrevista realizada em junho de 2018).
![](https://assets.isu.pub/document-structure/230406001348-3e35975a922ac0849cf150466dbd38b9/v1/93419ef12ce9f10e3fccdd6b07b0bdf0.jpeg?width=720&quality=85%2C50)