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os muitos sentidos de um ser encantado

O artista caririense conta as muitas e diferentes fases da sua trajetória

Texto: Bibiana Belisário

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Fotos: Jayne Machado

Na sombra de um juazeiro, Francisco Renato Sousa Dantas, 70 anos, se refez em vários meninos curiosos para desvendar seus encontros. Graduado em Educação Física pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), construiu um cenário de sensibilidades, transpassando a realidade do educador. Encarou seus dons artísticos na corda bamba que é “não saber o que vem depois da curva”, mas sempre consciente de que a maior virtude da vida é a possibilidade de transformar o lugar que escolheu para crescer. Sempre trabalhou os três turnos - manhã, tarde e noite “Comecei fazendo teatro, na escola, especificamente, mas fui trabalhar muito cedo, então, quem é pobre tem que começar cedo, né”. Renato Dantas fala nessa entrevista de teatro, cinema, esporte, religião e seu amor por Juazeiro do Norte. Confira.

Onde nasce a história de Renato de Dantas?

Eu gosto de começar dizendo da minha origem, certo? Eu sou filho de romeiros. Meu pai é de Alagoas e minha mãe da Paraíba. Meu pai veio para cá por conta de problemas religiosos, minha avó queria batizá-lo com o nome de Cícero e era proibido batizar, à época, de 1913, com o nome de padre Cícero. Então, era uma homenagem ao padre Cícero. Todos vieram, minha avó trouxe a família, parece que no Brasil, os homens são os machistas, mas as matriarcas são as mulheres, eu acho isso muito interessante. Ela que disse: “eu vou pro Juazeiro para batizar o meu filho no Juazeiro” e resolveram ficar. Chegaram aqui em 1913, toda a família. Veio uma filha dela que era irmã de meu pai que tinha, à época, quinze anos, era letrada, então ela teve uma compreensão de Juazeiro e me passava muito isso, gostava de transmitir a memória da família e do que ela viu e ouviu no Juazeiro. Foi na casa dela que eu resolvi compreender onde eu vivia, certo? Concomitante ao estudo do Juazeiro, eu me interessei por uma arte, eu gosto de todo tipo de arte, mas especificamente, o teatro foi o que mais me aproximou.

A arte de fazer teatro, veio de onde?

Estudei na Escola Normal Rural de Juazeiro, e hoje é uma referência, ainda hoje se fala na escola com saudosismo e com razão. Era uma grande escola na época. E lá, a gente aprendia a conviver no palco, a conviver com a plateia. Tão importante quanto fazer o espetáculo é ter plateia, né. E a gente aprendia desde muito cedo, todas as sextas-feiras, tinha uma uma junção de alunos e uma programação vasta. Com música, com teatro, com recitação, enfim, tudo aquilo que uma escola possibilita, a arte possibilita. E a escola normal trazia isso no seu bojo e foi lá que eu aprendi a brincar com teatro. Era uma brincadeira, à época, e me transformei. Fiz meu primeiro espetáculo em 1958.

Com quantos anos estreou no palco?

Nove anos (risos). Eu vou contar essa história, é como se dissesse assim “ó filho da mãe, tu tem que fazer teatro”. A diretora chegou aleatoriamente e distribuiu os papéis, o nome do espetáculo era Os Lápis, lápis verde, amarelo, branco, todo tipo, todas as cores dos lápis, né. Eu ganhei o lápis verde e lembro que o meu texto era falando sobre as matas do Brasil, uma referência à bandeira brasileira. Eu sempre tive uma dificuldade muito grande de decorar e lembro que no dia, no primeiro dia de ensaio, eu me escondi de trás da porta com o texto e “tátátátá” pra decorar. Quando nós fomos fazer o ensaio, eu havia decorado, recitei o lápis verde para dona Maria Menezes, que era diretora, em 1958. Tinha uma professora para orientar você na disciplina de arte, aí ela disse assim: “você não vai ser mais o lápis verde não, agora você vai ser o lápis preto, que é o mais importante” (risos), é como se a minha forma de falar tivesse dito a ela que era melhor tirar do personagem do lápis verde, uma coisa simples, para o preto que era o mais importante, que finalizava o texto. Isso é só para mostrar que é como se dissesse “vai, tu pode estar no caminho certo”.

Seguiu com o teatro?

Continuei fazendo teatro, na escola, especificamente, mas comecei a trabalhar muito cedo, então, quem é pobre tem que começar cedo, né. E eu larguei tudo. Eu trabalhava de manhã, de tarde e de noite, oh trabalhava de manhã e de tarde e estudava à noite. Eu fiz o ginásio, antigamente o nome era ginásio, que hoje é a quinta ao nono ano. Fiz o ginásio na Escola Técnica de Comércio, e lá tinha um professor muito legal que chamava-se Valter Menezes Barbosa, ele era nosso professor mas gostava de teatro, tinha um grupo e eu era curioso, então ia, no domingo à tarde, que era o dia do descanso. Assistia os ensaios e até ganhei uma pontinha num espetáculo “A Cigana me Enganou”, era o carteiro, que era só para entregar o meu papel era só entregar uma carta (risos). Mas aí, eu continuei, quando, em 1972, veio um espetáculo de Fortaleza, chamado “Morro do Ouro”. Esse espetáculo me impressionou sobremaneira e me incentivou a fazer um texto. Eu inventei

Eu volto para o Juazeiro, chegando aqui, entro na roda viva, passei muito tempo sem fazer teatro e recomeço a fazer cinema em 1983 um texto, formamos o grupo “Construção 10”, com dez artistas rapazes.

Como funcionava o “Construção 10”?

Primeiramente era “Construção 10”, depois criamos um chamado “Construção”, que abrangia, também, as meninas, porque antigamente, não era esse mundo de hoje, as mulheres só ficavam na rua até nove horas, então, normalmente os nossos ensaios eram a noite, ou então no domingo à tarde. Existia uma vigilância da família, com as moças principalmente, e como a gente queria fazer teatro, nós juntávamos todo mundo, porque aí a gente ficou livre para ensaiar, para fazer espetáculo. Fizemos em Barbalha, Crato, à época, né, e em quase todas as escolas de Juazeiro. Nós mesmos construíamos os textos, a gente falava o texto e até cantava também. Foi uma aprendizagem muito boa e fizemos, em 1972, um texto chamado “Êxodos”, de minha autoria. Fazíamos um teatro autoral, e misturamos com músicas. Teve um grupo chamado “Matulão”, com ênfase para a música. Luis Fidélis é o grande representante do grupo por ser músico, porque eu parti pro teatro e Jefferson pro cinema. Ganhamos festivais, tínhamos músicas autorais, fizemos shows. Um momento muito rico, muito criativo. Fiz teatro com um grupo chamado Grupo Vivencial, de Olinda, que era dirigido por Guilherme Coelho. Tava acontecendo dois grandes momentos em Pernambuco: era o movimento de Ariano Suassuna e o movimento anárquico do Cinema e do Teatro. Os ideólogos desse movimento era Jomard Muniz de Britto, que foi um dos fundadores do tropicalismo junto com Caetano e Gilberto. Guilherme Coelho era nosso diretor. Eles tinham uma afinidade muito grande e nós começamos a fazer um teatro anárquico e um cinema também diferenciado. Foi onde eu tive a experiência maior como ator, vamos dizer assim, com mais conhecimento sobre teatro e cinema. E fiz filme pela primeira vez como ator, fiz dois filmes com ele, um inclusive ainda existe, que chama-se “Toques”.

Na sua trajetória tiveram outros filmes?

Fiz sim, fiz outros filmes depois. Eu volto para o Juazeiro, chegando aqui, entro na roda viva, passei muito tempo sem fazer teatro e recomeço a fazer cinema em 1983. Eu fui ator e fiz cenografia. Fiz na televisão “O Pagador de Promessas”, a minissérie, eu fui assistente de cenografia e ator, mas não ator importante. Tio Zuca dizia muito, que era uma figuração esperta. Eu explico, figuração é aquela que só vai e figuração esperta é aquela que o diretor diz “olhe, você faz dessa forma aqui” porque a figuração esperta possibilita uma visibilidade melhor ao ator, aos que estão trabalhando. Por exemplo, eu impedia que a figuração invadisse o quadro e os atores não se sobressaíssem, eu era um anteparo, não só eu, mas outras pessoas também. De cinema, também fiz o figurino de Corisco e Dadá e fiz uma ponta no Guarani.

E sua experiência no filme Corpo Delito?

Quando eu estava de férias no Rio de Janeiro, Jefferson Albuquerque [cineasta cratense] perguntou se eu queria fazer uma ponta no filme Corpo de Delito, que tratava a questão da ditadura. Tinha um médico que observava as pessoas que eram torturadas para não deixar morrer ou coisa parecida. Eu fiz um torturado, era um seminarista, não falava, entrava mudo e saía calado, mas pra mim foi importante, quando eu me sento na cadeira e vem pra mim aquele cabra, Lima Duarte! Ele olhou meu pulso, ensaiando o papel dele, porque a gente não tava filmando, e disse: “oxente rapaz, tá com o pulso acelerado?”, aí eu não respondi, não disse nada, mas cá comigo eu pensei: “porra, se você soubesse que o cabra que vem do Juazeiro, do Ceará, tá aqui sentado contracenando com você, só podia estar a mil né” (risos). Eu conheci aqui no juazeiro em 2011 uma diretora de teatro do Rio de Janeiro que chama-se Lígia, ela é diretora da grande Companhia Brasileira de Novidades. Ela vinha com um espetáculo para cá chamado A Visita do Almirante Negro à Pequena África, era sobre a Revolta da Chibata que tinha ocorrido em 11 ou 12 no Rio de Janeiro, e três atores não iriam vir. Como ela me conheceu antes aqui, perguntou se eu topava fazer, um dos papéis e que eu arranjasse outras pessoas, fizemos. Depois ela me convidou pra se caso fosse fazer no Rio de Janeiro e me chamasse eu iria, e eu claro que quis. Pensei que era brincadeira, né, mas que nada! Nós fizemos, só no Rio de Janeiro, mais de vinte espetáculos. Como nós estamos num momento terrível para a arte no Brasil, o artista tá sendo chamado aproveitador do dinheiro da nação, então nunca mais eu fui, não é nem pelo cachê, porque só a alegria de ir e encontrar com esse pessoal, nós somos 35 pessoas, é demais. Mas eles não estão tendo nem como me pagar a passagem para ir. No Cariri, como seu trabalho artístico se dá?

Meu último trabalho foi lançado oficialmente no Cine Cariri. Eu tenho um grupo chamado “Grupo de Teatro Livremente”, onde eu fiz a direção de Comadre Daiana, Dentro da Noite Escura,

Comédia da Fome, a trilogia Sertaneja, nós fazemos direção coletiva, quando estamos com espetáculo, convidamos as pessoas, tanto atrizes quanto atores de outros grupos, é uma relação muito legal de tá à postos para servir à arte.

Nessa perspectiva de participar de outros grupos foi que fez parceria com Alisson Amâncio para Cajuína?

Cajuína! Ai se eu tivesse esquecido a Cajuína. Estamos a seis anos em cartaz. Alisson me perguntou se eu topava fazer um espetáculo onde a gente misturava dança e teatro e eu disse “contanto que eu não dance”. Ele fez o roteiro e eu fiz os textos de teatro. Alisson dizia: “Renato, na parte do Cariri, bicho, joga umas coisas mais do Juazeiro, mais específicas do Juazeiro” eu fui

A questão da hóstia é forte, mas pra mim, mais forte ainda foi o aparecimento ds estigmas. Imagina você de repente tá deitada e começa a sangrar na cabeça, nas mãos, nos pés, no peito, daí a pouco olha e não vê nada ver e pensei na comida. De imediato me vem o caldo da caridade lá do mercado e o doce de Madeilton, aí a gente enxerta essas coisas, o texto é aberto, e eu gosto de fazer mesclando as coisas, primeiro porque é gostoso, segundo porque conta a trajetória dessa nação que a gente chama de Cariri, como a questão das três lendas da pedra da batateira, por exemplo.

Acredita que essas lendas caririenses são permanentes?

A coisa não é fixa. Muito mais adiante nós vamos ter uma quarta lenda, uma quinta, uma sexta A terceira, por exemplo, conta a versão dos romeiros, eu ouvi essa história da minha tia,

Renato Dantas

que no dia que a pedra da batateira arriar vai acabar com o Crato, só com o Crato. Porque a igreja, que ficava no Crato, estava machucando o pensamento romeiro, pois acreditavam no milagre da hóstia. Não tem aquela história da defesa? Vou me defender, então eu me defendo atacando e o ataque era para acabar com o que estava me machucando.

Por que começou a estudar a beata Maria de Araújo?

O padre Antônio Gomes foi um dos maiores pesquisadores que o Cariri já teve, que o Ceará já teve. Ele era o porta-voz maior da igreja, então escrevia aquilo que a igreja queria que escrevesse, porque ele era um representante dela. Na casa de madrinha Isaura, havia um livro “Resposta ao Apostolado do Embuste”. Padre Antônio Gomes escreveu esse livro e fez uma apologia sobre o avô dele, dizendo: “Quando tava acontecendo os milagres no Juazeiro, o meu avô veio à Juazeiro, pra olhar, voltou e disse pra minha avó, não tem nada de milagre aqui, padre Cícero tá enganado”. Aí eu disse, “valha- me Deus”, madrinha Isaura só me fala bem de Maria de Araújo, só me fala bem do Pe. Cícero, só me fala bem das coisas que aconteceram no Juazeiro, aí me vem um padre e me diz uma coisa dessa. Eu tinha meus doze anos, e decidi que tinha que saber o que era isso, onde é que eu tô. Eu estudei, estudei muito sobre Maria de Araújo. Eu fiz um apanhado de quantas vezes a hóstia foi transformada, ou em sangue ou em pão. Cento e vinte e seis vezes, que eu tenho contado. A questão da hóstia é forte, mas pra mim, mais forte ainda foi o aparecimento das estigmas. Imagina você de repente tá deitada e começa a sangrar na cabeça, nas mãos, nos pés, no peito, daí a pouco olha e não vê nada. Procurei estudar muito essa coisa, sabe? Pra ter uma ideia do que eu sou, qual é minha memória, eu sou produto de quê, tenho certeza, não sou produto do embuste. Não sou. O que aconteceu no Juazeiro, aconteceu. Se é milagre, se não é, depende da religiosidade de cada um, não é nem da religião, olhe que eu fui claro: RE-LI-GI-O-SI-DA-DE. Que é totalmente diferente de religião. Considera que muita coisa mudou no cenário católico apostólico romano?

Olhe, você pode rir, hoje eu rio disso. Minha avó dizia que muita gente morreu sem receber a extrema unção, que era a última hóstia pra ir pro céu bem bonitinho, ou para passar pelo purgatório por pouco tempo. Aqui no Juazeiro, só recebia a extrema unção se dissesse que não acreditava no milagre e se portasse a medalha do Padre Cícero ou de Maria de Araújo, tinha que tirar. Era uma inquisição. Inquisição. Aconteceu isso amiúde né, então, “você vai pro inferno” ôxe e a gente tem medo de ir pro inferno? A gente tá questionando hoje se existe inferno! Não é verdade? Hoje a gente ri de excomunhão. Outro dia, um cardeal da França foi excomungado, quando eu vi na televisão “o cardeal fulano de tal, foi excomungado pela Santa Sé”, não tem mais sentido, efeito.

Mas afinal, por que escolheu educação física?

(risos) É engraçado. Aprendi a jogar voleibol e, assim, não havia uma visão da importância, só era futebol. Eu sempre verificava o seguinte: havia o grupo que representava as elites, e não éramos nós. Sempre que a gente ia jogar no Crato, apanhava, ia jogar na Barbalha, apanhava, jogar em qualquer canto e apanhava no voleibol. Mas a gente jogava direitinho, só que faltava o conhecimento físico, teórico. Decidi, fui aprender educação física pra mudar esse panorama. Eu estudei nas escolas municipais do Juazeiro, e quando dizia assim “vamos jogar com o Salesiano?”

- nós tremíamos na base, sacou? Classe subalterna e a classe dominante, então tremia na base. Pra eu dizer aos meninos do Segundo Grau que eles eram iguais aos do Salesiano, dentro de um contexto de vida, de ser humano,

A pessoa mais importante, que é o romeiro e a romeira é tratada da forma que tá. Por isso que no espetáculo eu castigo, sabe ? Bato, na questão do romeiro e da romeira era difícil. A mesma coisa acontecia com o Crato. Maninho, não sei se vocês conhecem, era uma praga pro Juazeiro, toda vida que a gente tava ganhando, aí ele mandava os meninos falarem: “se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão”. A coisa da guerra de 1914 que o Crato botou na cabeça de que o povo do Juazeiro roubou. O Juazeiro invadiu, né, e quando se invade, o vencedor tem direito ao vencido, isso é uma questão de guerra, formaram uma guerra.

A inspiração para a educação física veio da recriação do que é imposto?

Oportunidade para todos não é uma questão de “eu sou bom, eu nasci bom, morreu”. Não, não é. Cada um de nós tem capacidade, então a educação física foi justamente pra que eu tivesse uma compreensão de como trabalhar, porque antes de fazer educação física, eu já era professor de Educação Física. Aí achei que eu poderia ser um professor melhor, se eu fizesse o curso específico e tive a oportunidade de ficar em Recife, mas não quis, voltei aqui para a região, e nós fizemos juntos um bom trabalho. Eu, quando falo isso, existia um grupo aqui no Cariri, de professores, que vivia discutindo, inclusive a Faculdade de Educação Física da URCA, que foi pensada em 1980. Não existia nem URCA ainda, em 1980. Quando foi criada a lei da universidade, vinha no bojo da lei a criação de diversas faculdades, entre elas uma Educação física, que funcionaria em Juazeiro, por conta desse trabalho que Ninô e eu fizemos quando começamos a chegar aqui, sabe? Fomos os primeiros a trabalhar. Enfim, a gente achava que o Cariri merecia uma outra vertente nesse aspecto, sabe? De conhecimento em várias outras áreas. A gente sempre teve a História, sempre teve Ciências dentro da escola com o arcabouço intelectual promovido pela Faculdade de Filosofia e posteriormente, pela Universidade. Mas a educação física não tinha, eram os cursos que você aprendia a botar o aluno pra correr e fazer calistenia. Calistenia, dói só de ouvir né (risos). Calistenia é o método alemão que foi usado na guerra pelos soldados alemães, e se espalhou no mundo inteiro, porque era de uma eficiência. Mente sã e corpo são. A maior, era necessariamente, não tem corpo, na educação física nunca tive braço de professor de educação física. A questão é: o pensar aliado ao fazer, e esse fazer é aí onde vem a grande história. É de acordo com as suas capacidades e não com aquilo que a calistenia diz, você tem que ser assim, assim e assado. Então, nazista, era um programa nazista, e nós, no Cariri, no Brasil inteiro usávamos a calistenia como elemento disciplinador. Não é a toa que a Alemanha com pouca gente fez a miséria que fez na Europa. Não é à toa. Então essa compreensão, eu tive a felicidade de ter bons professores, tem uma que eu faço sempre referência, é uma professora ela era chilena, ela era médica e resolveu ser professora de educação física. Michele Escobar, ela abriu muito a cabeça da gente, saiu do Chile por conta daquelas histórias da expulsão de Allende do assassinato de Allende, ela veio pra cá e ensinou muita coisa pra gente, de se pensar: professor de educação física não tem que saber fazer, aliás, não tem que ser atleta, ele tem que saber fazer pessoas normais e também, por que não, atletas. Então a educação física ela me prendeu por esse prisma, sabe?

No Cariri, trabalhou em muitas escolas?

Trabalhei muito nas escolas de estado, trabalhei no Salesiano, trabalhei no SESI do Crato, trabalhei no SESC do Juazeiro, aí depois enveredei pela pela direção né, a gestão. Eu fui ser gestor da antiga delegacia de Juazeiro, depois fiz a seleção pra cá, passei, mas os cargos à época e a gente sabia que era questão política, local né. Eu nunca tive, e nem quero ter, varão político mandando na minha vida, dizendo me dando as coisas e em retorno o que é que eu tenho que fazer. Aí, ninguém passou no Brejo Santo, no concurso lá e me chamaram pra ir pra lá e eu fui, passei oito anos e nove meses. Depois vim pra cá e fiz outras besteiras na vida. Mas o grande momento mesmo, que eu gosto é de arte. Assim, besteira que eu digo, muitas outras coisas, sabe? É, sei lá, eu gosto de estar junto, de tudo, de exposições, você tá pintando e se eu puder lhe dar uma força, você tá começando, eu posso dar uma força eu chamo essas besteiras que pra mim é o mais importante do que qualquer outra coisa. E estudar aqui, nossa região especificamente o Juazeiro, com toda a sua série de coisas, às vezes controversas, mas que na realidade elas são muito claras, é preciso só ter uma atenção na formação. A formação do Juazeiro foi esta aqui, então, tudo o que implica, como já disse pra vocês. Oswald Barroso, ele disse que a única utopia popular do Brasil que deu certo foi Juazeiro. Que sobreviveu. Todas as outras foram destruídas. Canudos, contestados, Caldeirão. Todas elas foram destruídas. E Juazeiro precisou ter uma inteligência pra se imiscuir com os potentados para que eles não destruíssem. Não, tá quietinho lá, tá quietinho lá, mas na realidade a grande história é que ele diz que “A utopia nordestina que deu certo ” não, que deu certo não, Juazeiro não deu certo, eu não acho, sabe? Eu acho muito crua, muito, não sei, a pessoa mais importante, que é o romeiro e a romeira é tratada da forma que tá. Por isso que no espetáculo eu castigo, sabe? Bato, na questão do romeiro e da romeira. Falei da minha trajetória no teatro, da questão da Educação Física, o que mais? O cinema, e a questão também dessa vivência no Cariri com a cultura né, e a, tá precisando mergulhar nessa cultura para ter um conhecimento melhor. A gente só sabe que é se, aliás, a gente pensa saber quem é se conheceu ou onde vive porque ninguém sabe quem é, a gente morre e não sabe quem é a gente. Mas dentro de um contexto pelo menos dos passos que a gente possa dar, dá com segurança porque conhece o contexto regional, contexto local, enfim, são essas coisas.

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