O Caminho da Graça
A Ceia do Senhor não é o banquete dos fariseus! Caio Fábio
Vamos ler Lucas 14:1-33 “Aconteceu que, ao entrar ele (Jesus) num sábado na casa de um dos principais fariseus para comer pão, eis que o estavam observando. Ora, diante dele se achava um homem hidrópico (com barriga d’água). Então, Jesus, dirigindo-se aos intérpretes da Lei e aos fariseus, perguntou-lhes: É ou não é lícito curar no sábado? Eles, porém, nada disseram. E, tomando-o, o curou e o despediu. A seguir, lhes perguntou: Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço, não o tirará logo, mesmo em dia de sábado (e ainda que a circunstância seja de um banquete, de uma ceia)? A isto nada puderam responder.
Disse também ao que o havia convidado (agora, portanto, ao dono da festa): Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem vizinhos ricos; para não suceder que eles, por sua vez, te convidem e sejas recompensado. Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que recompensar-te; a tua recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição dos justos. (Ou seja, se tu queres uma recompensa não apenas horizontal, social e de troca relacional e imediata, vinculada também a ambições veladas e vaidosas e tolas, que carregues no teu coração, num toma lá dá cá fraterno; se dentro de ti o desejo de dar uma ceia for um desejo que transcenda o elemento que pode estar presente nas nossas ceias, a menos que nós queiramos fazer ceia que transcenda à própria ceia, se o caso for este, se tu estás procurando recompensa, Jesus aconselha a não te recompensares nos mecanismos, nas engrenagens da horizontalidade, onde quem convidou será convidado, de acordo com o status daquele que um dia convidou: vai ser remunerado, nessa troca na horizontalidade dos vínculos. Mas se tu estás querendo, de fato, recompensa superior, antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. E serás bem aventurado com o fato de
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Reparando como os convidados escolhiam os primeiros lugares, propôs-lhes uma parábola (e o fez de maneira audível, à medida que todos estavam fazendo aquele movimento de pegar os melhores lugares. Jesus entra falando alto, em meio a esse espírito de positioning, naquele lugar que deveria ser de um encontro fraterno e tinha se transformado num desfile de importâncias e de pseudo significados, de aparências, de reputações e de status): Quando por alguém fores convidado para um casamento (ou para qualquer outra circunstância que carregue pompa, solenidade, e onde as aparências forem valorizadas), não procures o primeiro lugar; para não suceder que, havendo um convidado mais digno do que tu, vindo aquele que te convidou e também a ele, te diga: Dá o lugar a este. Então, irás, envergonhado, ocupar o último lugar. Pelo contrário, quando fores convidado, vai tomar o último lugar; para que, quando vier o que te convidou, te diga: Amigo, senta-te mais para cima. Ser-te-á isto uma honra diante de todos os mais convivas. Pois todo o que se exalta (e que vive buscando essa finalidade, essa prioridade) será humilhado; e o que se humilha será exaltado (na perspectiva de que não busca para si, por deliberação, lugares excelentes em razão da motivação da vaidade, das imposições das aparências e do status, antes, deixa que o fluxo natural e simples das coisas aconteça; ele já está no lugar, não precisa, no lugar, eleger-se, despoticamente, para as importâncias premeditadas e impostas. Portanto, seja isso no ambiente mais corriqueiro, seja aplicado à existência e à sublimidade da consciência, saiba que o que se humilha será, paradoxalmente, exaltado. Quem é, é; que não é corre o risco de por um tempo aparentar ser e, de repente, ser desconstituído, porque nunca foi, nunca carregou dentro de si aquilo que pretendia aparentar).
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não terem eles com o que te recompensar na horizontalidade das relações deste mundo. A tua recompensa tu a receberás na ressurreição dos justos). Ora, ouvindo tais palavras, um dos que estavam com ele à mesa disse-lhe: Bem-aventurado aquele que comer pão no reino de Deus. Ele, porém, respondeu (como a dizer: olha, eu tenho uma notícia a te dar sobre uma verdade visceral e contraditória ao que tu acabaste de expressar com tanta facilidade; e eu digo isso através de uma pequena história): Certo homem deu uma grande ceia e convidou muitos. À hora da ceia, enviou o seu servo para avisar aos convidados: Vinde, porque tudo já está preparado. Não obstante, todos, à uma, começaram a escusar-se. Disse o primeiro: Comprei um campo e preciso ir vê-lo; rogo-te que me tenhas por escusado. Outro disse: Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las; rogo-te que me tenhas por escusado. E outro disse: Casei-me e, por isso, não posso ir. Voltando o servo, tudo contou ao seu senhor. Então, irado (e em se tratando da figura arquetípica que Jesus aqui quer fazer representar, que é Deus, esta ira vem carregada de um significado extraordinário, porque parece que todos esses arranjos já faziam parte de uma combinação, há muito tempo. Daí a subiteza dessa ira não ser um capricho, mas a ira de um desprezo, de um menosprezo em relação a algo que já estava há muito combinado, determinado, tratado, acolhido e aceito), o dono da casa disse ao seu servo: Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze para aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos. Depois, lhe disse o servo: Senhor, feito está como mandaste, e ainda há lugar. Respondeu-lhe o senhor: Sai pelos caminhos e atalhos e obriga a todos a entrar, para que fique cheia a minha casa. Porque vos declaro que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia (será uma ceia de pobres, cegos, coxos, paralíticos, gente caída, gente sem teto dos atalhos, das esquinas, dos caminhos. Vagabundos da noite encherão a minha casa, mas esses que eram honrados e recusaram o meu convite, eu lhes digo que nenhum deles provará a minha ceia).
Eu quero afirmar a vocês, de maneira simples, apenas umas cinco coisas, para que tenhamos os significados renovados deste ato de Ceia do qual participaremos. Não nos esquecendo de que Jesus está num ambiente de ceia, de banquete, de celebração humana, de encontro coletivo, social, fraterno, a primeira coisa é o fato de que nessa ceia Jesus nos garante que a necessidade humana, no reino de Deus sempre terá de ser superior a qualquer
ocasião. No reino de Deus nenhuma ocasião, nenhum tipo de solenidade, nenhum tipo de protocolo, nenhum tipo de predeterminação, nenhum tipo de criação ou de design de ocasiões pode ter o significado de impedir a realidade implacável da necessidade humana. Aquela ocasião não pedia uma cura: era sábado, e, portanto, não era um dia que fizesse uma boa ocasião, na mentalidade judaica e diante de todas as controvérsias
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Grandes multidões o acompanhavam (a Jesus), e ele, voltando-se, lhes disse: Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo. Pois qual de vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios para a concluir? Para não suceder que, tendo lançado os alicerces e não a podendo acabar, todos os que a virem zombem dele, dizendo: Este homem começou a construir e não pôde acabar. Ou qual é o rei que, indo para combater outro rei, não se assenta primeiro para calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o que vem contra ele com vinte mil? Caso contrário, estando o outro ainda longe, envia-lhe uma embaixada, pedindo condições de paz. Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo.”
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Acontece que no meio daquele banquete havia um homem bem vestido para encobrir uma barriga enorme – que não era de chope, mas, sim, por causa de uma hidropisia. Lá estava ele com aquela barriga d’água, num desconforto horroroso, fazendo de tudo para sorrir para todos, na festa. E Jesus mandou a ocasião às favas. E ainda deu a chance aos que eram naturalmente os opositores do que ele iria fazer, a saber, os fariseus (os fanáticos religiosos da forma, do dia, da data, da hora, das aparências) e os estudiosos da Lei (os escribas, os dedicados à exegese, à teologia, ao entendimento das Escrituras, e que também faziam oposição a Jesus sempre que uma coisa parecida com aquela acontecesse), a esses ele ainda deu a chance de se manifestarem, ao lhes perguntar: Vocês acham que é, ou não, lícito, nós curarmos nesta ocasião? E eles ficaram quietinhos, não lhe disseram palavra alguma. Jesus, então, tomando o hidrópico tirou-o dali por um pouco e, curando-o, devolveuo à vida. Não se diz aqui se ele voltou para a festa, ou se ficou tão feliz que foi comer outra coisa, ou se foi para casa. O fato é que Jesus nos afirma que no ambiente do significado do reino de Deus não existe ocasião que possa ser construída para ter primazia sobre a condição humana, sobre a dor humana, sobre a necessidade humana. Qualquer protocolo seja quebrado, qualquer prioridade seja afastada, qualquer que seja a solenidade seja des-solenizada,
qualquer que seja o estabelecido, o que tenha se tornado o script da ocasião, seja posto de lado. Porque no reino de Deus não se pode procrastinar diante da dor, do gemido, da angústia e da necessidade humana – em qualquer que seja a situação. Como deveria ser também nos hospitais, como deveria ser em qualquer circunstância onde o ser humano que sofre devesse ter a importância prioritária, como deveria ser no Palácio do Governo, como deveria ser no Congresso, como deveria ser nas nossas casas. Como deveria ser na relação dos pais com os filhos, onde frequentemente nós atropelamos um filho, dizendo: aguenta aí, depois a gente fala – e não queremos nem saber o que é, porque as nossas importâncias são maiores do que a dor já estabelecida e para a qual nos fazemos surdos porque as nossas ocasiões predeterminadas se tornam superiores à realidade implacável que ali está. Quem quer que tenha algum entendimento do reino de Deus tem de internalizar a simplicidade desse princípio e praticá-lo de todo o coração: toda ocasião já está relativizada, diante de uma ocasião humana implacavelmente manifesta, inolvidável, impossível de ser evitada na sua percepção. Conforme João viria a dizer, posteriormente: Se tu passares e vires o teu irmão em qualquer estado de necessidade, em o vendo, e em podendo, atende-o; do contrário, como se poderá dizer que em ti habita o amor de Deus? A segunda coisa que Jesus nos ensina aqui, com simplicidade infantil e esmagadora, tem a ver com o fato de que no reino de Deus não existe o ambiente espiritual, nem de entendimento, nem de consciência, para que algum de nós, em dizendo que carrega a consciência do reino de Deus, procure honrar-se a partir de aparências, a
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que Jesus já tinha tido em razão de curar no sábado. Sendo o sábado uma ocasião não recomendável para a cura, menos recomendável ainda seria a cura num banquete, onde todo mundo vai pensando: ora, a gente está a fim de esquecer as mazelas desta vida.
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Porque o princípio do reino é simples: aquele que é, mesmo quando se põe a serviço daquilo a que supostamente ele não devesse servir mas serve simplesmente porque ele é, esse está tão cheio da consciência grata de quem ele é, que o seu coração se põe exatamente na direção de servir, de se humilhar; e por assim fazer, estranha e paradoxalmente, por meios, forças, circunstâncias invisíveis, conjunções escapáveis aos nossos sentidos – mas reais diante de Deus – esse será exaltado. E aquele que porventura trabalhe com todo empenho, todo esforço para aparentar, para exibir, para performatizar, para carregar a penagem e tudo aquilo que possa significar a fantasia da reputação, e se esforce imensamente por ser visto como aquilo que ele não é, posicionando-se de maneira a evidenciar-se e a aparecer, por causa da tirania, do despotismo e da vaidade que o controle, esse Jesus disse que inapelavelmente será humilhado. E quem quer que deseje ser gente do reino de Deus internalize esse princípio no todo da vida. Porque do contrário, a existência, um dia ou outro (ou muitos dias, ou muitas vezes), lhe ensinará que isso é verdade. E se você não aprender pela admoestação da Palavra, terá de aprender pelo esmagamento da existência. E há alguns
que são tão recalcitrantes, que nem diante da implacabilidade da existência entendem o princípio; de forma que vão se esmagando, enquanto existem. O terceiro princípio que Jesus nos ensina aqui tem a ver com fazer da vida, quando se tem a consciência do reino de Deus, um acontecimento que seja carregado de galardão, e não apenas de troca e de recompensa horizontal. Assim como nós, é claro que o próprio Jesus viveu inúmeras circunstâncias da alegria da horizontalidade dos vínculos fraternos: come na casa de amigos, aceita convites, aproveita, conversa, bebe. É até chamado, por aqueles que o viam mal e tinham um coração predisposto a interpretação maligna, de amigo de pecadores, de bebedor de vinho, de comelão, glutão, e coisas do tipo, o que nos deixa perceber a frequência dele nesses ambientes simples da fraternidade. No caso dele havia em cada um daqueles encontros a vontade natural e impossível de nele encontrar qualquer perspectiva de dissociação, de exalar o reino de Deus; porque Jesus é o reino, o reino é Jesus, assim como Jesus é o Evangelho e o Evangelho é Jesus, assim como Deus estava em Cristo e Cristo está em Deus; aonde quer que ele fosse, tudo isso estava absoluta, intrínseca e indissociavelmente compartilhado. Mas no nosso caso, que somos tão distraídos, que somos psicologicamente gente que se departamentaliza tanto, que sofremos tanto a tentação de fazer a hora e a ocasião, com finalidades às vezes extremamente carregadas de barganhas e de segundas intenções, Jesus disse que o natural de um encontro fraterno é que ele aconteça por acontecer. Mas muita gente, quando promove encontros e ocasiões
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partir do nosso posicionamento formal e apenas de contingência de reputação, ou produção de imagem, ou qualquer que seja a situação, a fim de que a nossa vida seja apreciada para além daquilo que nós sejamos. Não pode existir nem sobreviver dentro de nós esse espírito – esquecidos aqui os elementos de educação básica, e pensando apenas no princípio do reino, que diz: todo aquele que se exalta será humilhado, e todo aquele que se humilha será exaltado.
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É natural, é normal e é saudável quando esses encontros acontecem entre amigos ou pessoas que a gente traga com ternura no coração, mas sem que se alimente nenhum tipo de segunda intenção, troca ou perspectiva de negociação futura, e nem de afirmação nossa por qualquer que seja a presença no nosso meio. Mas nós todos sabemos como funciona, muitas vezes, o nosso coração, e como a gente se trai. E Jesus disse que é nessa ambição das trocas de remuneração social e de importância, de imagem e de significado, que nós perdemos o galardão. Porque nós nos tornamos de uma mesquinharia tão absoluta, que o que sobra para nós é a mera troca das vaidades, que no fim não
significam absolutamente nada além de correr atrás do vento. Mas – nos diz ele – se tu quiseres transformar o teu poder de adquirir, de comprar comida, de adquirir bebida, de usar o teu ambiente para alegrar pessoas; se tu quiseres fazer um bom negócio com o que tu tens, com o que tu podes, com o que tu possuis, em vez de convidares para uma ocasião que supostamente carregaria um significado especial e traria para ti a possibilidade de relacionamentos futuros, eu te ensino o caminho do relacionamento eterno, do galardão perene, e não da recompensa passageira. Se o teu negócio é negócio, eu te ensino a fazer o negócio dos negócios: usa o teu dinheiro, a tua festa, a tua casa, o teu salão, o teu banquete, o teu bom gosto, o teu charme e convida para tua festa (para o que tu tens e podes oferecer) os que não têm nada, os pobres. Convida também os que vão entrar lá sendo guiados pela mão, os seres do vexame, que precisam de condutores para não tropeçarem na cadeira, para achar o banco, diferentemente daqueles que, de olho grande, já entram na tua festa desde longe sabendo onde vão se sentar – convida o cego, que não sabe onde vai se sentar. Convida o coxo, que precisa ser levado até algum canto e posto num lugar de primazia, do contrário ele nem entra bem no assento. Convida os aleijados, aqueles em quem faltem pedaços. Convida esses, que são desprezíveis no ambiente das imagens sociais, das perfeições estéticas e das reputações vinculadas a poder, a imagem, a charme, a importância, a conhecimento e a vínculos que possuam. E eu te digo que a tua recompensa tu a terás na ressurreição dos justos.
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fraternas, sociais e horizontais, o faz na perspectiva da troca, da barganha, da recompensa – tudo é business. E, aí, convidam os mais interessantes, os promoters naturais que em saindo dali possam divulgar a sua roupa, ou a sua casa, ou o seu negócio, ou os seus interesses, ou possam fazê-los figurar numa lista dos dez mais. Ou, então, convidam os ricos, que podem fazer negócio com eles, ou podem chamá-los posteriormente para iniciar um relacionamento que, quem sabe, pode torná-los venturosos, pode gerar alguma coisa. Ou, ainda, convidam personalidades importantes, que os honrem pelo simples fato de comparecerem, e que, se um dia convidá-los de volta para pertencerem à confraria dos que frequentam os seus ambientes, eles próprios já serão catapultados para um nível maior de importância e de percepção. E Jesus disse: Se a motivação for essa, a sua recompensa será receber o que você está semeando: você está procurando reputação, colherá reputação; está buscando imagem, colherá imagem; está buscando importâncias, colherá importâncias.
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E quando tiveres o desejo de fazer alguma coisa que te seja recompensadora, podendo fazer com amor, com a consciência do amor – porque sem amor nada aproveitará –, faze ceia para os desamorados, para os rejeitados; e usa o que tu tens para que, com amor, tu tragas alegria ao coração daqueles que vivem em tristeza crônica, em desprezo crônico, aos cegos que não são vistos, aos coxos que não só tropegamente andam, mas em cuja direção ninguém caminha, aos aleijados que existem na condição de que neles lhes falta algo e, sobretudo, falta o interesse de qualquer um outro por eles. Convida pessoas nesse tipo de condição para as tuas proximidades; e usa o teu recurso com amor para atender à demanda da tristeza dessas pessoas, que poderão viver a experiência de um momento do reino, de uma alegria do reino que neles enternure memórias de um significado inapagável – para quem isso não será apenas uma
ocasião, mas, ao contrário, pode se tornar numa memória eterna. Convida esses, e faze-o com amor. E a tua recompensa tu a terás na ressurreição dos justos. É isso mesmo que ele está dizendo. Qualquer tentativa de sofisticar a interpretação é tentativa de não ficar cara a cara com a realidade chocante do que Jesus está, com simplicidade infantil, anunciando a cada um de nós. O outro princípio, a outra lição que ele nos apresenta aqui tem a ver com o fato de que no reino de Deus não há lugar para logorreia do louvor. Não há lugar para essa expressão fácil e logorreica de adorações inconsequentes e de declarações desvinculadas do significado visceral da vida e da existência. Porque quando ele acabou de dizer essas coisas, alguém que estava assentado com ele à mesa – imagine só essa figura – levanta-se, diferencia-se dos outros, e diz: Bem-aventurado é aquele que comer pão no reino de Deus contigo, Jesus! Com a boca ele concorda em gênero, número e grau com Jesus. E me desculpem a expressão, mas nesse dia, particularmente, Jesus estava com a cachorra. Porque ele chegou e disse: Ah, é? Deixa eu contar uma história – quase que dizendo: deixa eu contar a tua história, a história desse pessoal logorreico, desse pessoal que diz aleluia para tudo, desse pessoal que diz: tô lá! Desses milhões de “filhos amém”, “filhos sim”, filhos de todo acordo: Glória a Deus! Desse pessoal que concorda com tudo e que não topa nada, que diz amém para todas as coisas e não se levanta para coisa alguma. Jesus, então, passa a contar essa história do homem que deu uma ceia, mandou chamar os convidados ilustres e eles passaram a escusar-se. E as desculpas são,
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E assim dizendo ele não nos proíbe de convidarmos para as festas que queiramos dar, aqueles que queiramos convidar. Mas ele nos recomenda intensamente que, em qualquer que seja a ocasião, não nos viciemos na perspectiva de convidar para o encontro humano aqueles que para nós se tornam objeto de negociação e de possibilidade de recompensa. Se for a sua empresa fazendo isso como um acontecimento de relações públicas, é a sua empresa fazendo; mas você não é uma empresa, você é um ente; a sua casa não é um business. E Jesus diz: Se isso tiver a ver com a tua alma, não a acostumes aos padrões das trocas, não faças da tua alma um mall, um mercado – estarás te pondo à venda. Ao contrário, convida quem tu queiras, na simplicidade dos encontros genuinamente amorosos e fraternos, alegres e desinteressados.
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E aquelas bodas carregavam um significado, conforme combinado em momento anterior, absolutamente importante para aquele que convidara e que tinha recebido o assentimento de cada um dos convidados. Mas a propriedade privada vem na frente, o campo vem na frente. Outro disse: Rapaz, é que eu fiz um negócio; eu comprei umas juntas de boi (ou eu comprei algo que vai me possibilitar um remanejamento de capital, eu vou poder iniciar um novo negócio, eu estou agregando valor ao meu negócio), de modo que não vou poder ir de forma alguma; agora não é hora. Eu amo tudo, gosto dele, mas não está dando pra ir, as circunstâncias não me permitem dar prioridade a esse convite. Isso não vai ser para sempre, mas no momento eu vou ter que pedir desculpa, esse negócio do reino de Deus vai ter que esperar um pouco; porque eu estou tomado pelas contingências, que para mim são mais importantes, no momento, do que qualquer outra coisa. Embora eu entenda e me escuse imensamente, não dá, a vida é curta e eu tenho que aproveitar a hora. Aí, vem um outro e diz: Rapaz, eu casei, e a mulher está lá, não vai dar para eu ir. Pelo
amor de Deus, até Deus entende que não vai dar pra eu ir nessa – mulher é mulher, homem é homem, afetos são afetos, e essas coisas vêm antes. Eu fiquei solteiro tanto tempo e a festa não aconteceu, pois agora não está dando pra eu ir, sinto muito. São todos exemplos absolutamente comuns, mas se diz que isso gera uma ira. E no contexto de tudo o que Jesus fala sobe esse que ele constrói como o Pai, como Deus, como o senhor, como o rei, e que carrega sempre um senso de justiça, no mínimo (quando ele não está tomado de amores, está tomado de justiça), a conclusão é que ele ficou irado porque isso tinha um significado carregado de descaso enorme. Aqui, na verdade, se anuncia a idolatria do coração humano e que está presente e subjacente em nichos distintos da nossa alma; e que faz com que mesmo a gente declarando e dando assentimentos de que bem-aventurado é aquele que entrar no reino, aquele que comer pão no reino, aquele que for convidado para a festa do reino, aquele que seja filho ou cidadão do reino, aquele que busque o reino de Deus em primeiro lugar, na prática, todavia, não é assim. Na prática, os nossos interesses sempre vêm antes, os nossos campos têm a primazia, os nossos negócios têm a primazia, os nossos amores e idolatrias afetivas têm a primazia. De modo que é fácil levantarmo-nos na hora da ceia e dizermos: Bem-aventurado é aquele que comer pão no reino de Deus! O que Jesus diz é o seguinte: Há um convite feito, de fato, a ti, e a minha pergunta é se essa bemaventurança que tu declaras carrega para ti o significado absoluto, equivalente à ênfase com a qual tu tentas fazer todo mundo crer que ela tenha de significado e de importância para a tua própria vida. Isso
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todas elas, interessantes. Há um que diz: Olha, eu não posso ir, porque comprei um campo; preciso ir ver a minha propriedade, então, não vai dar pra ir, é uma questão de primazia da propriedade. Eu tinha assumido o compromisso, mas o problema é a propriedade; propriedade privada é uma coisa santa, propriedade privada é um bem sagrado, propriedade privada é uma bênção divina; e eu comprei uma, Aleluia! Diz pra ele, inclusive, ficar alegre por mim, porque eu comprei um campo. Não vou poder ir a essas bodas.
que tu chamas reino de Deus vem na frente do que tu possuis?
postergado, nunca atendido, é sempre adiado, nunca abraçado.
Para muito pouca gente aqui, talvez. Para a maioria, não. Isso que nós chamamos de reino de Deus vem na frente do momento, da circunstância negocial, da oportunidade que nós criamos e em relação à qual nos jactamos de que fatos novos aconteceram (de modo que Deu me perdoe, Deus me desculpe, mas rolou um negócio novo que mudou as prioridades da minha existência), e tudo o mais tem de esperar? Dá para negar que a maioria de nós não trata como deve o significado do Evangelho, das escolhas, das primazias? Eu não estou falando de causas eclesiásticas, eu estou falando de significados existenciais, como Jesus falava: daquilo que vem antes. Para poucos, aqui, talvez seja assim, mas para a maioria é exatamente de acordo com a negatividade do que Jesus descreve.
E o que Jesus diz é: Olha, chega a hora em que alguma coisa na dimensão espiritual fica determinada. Depois que você diz: “não”, “não”, “não”; e você troca, troca, troca, chega uma hora em que o rei soberano diz: A casa vai ficar cheia da antítese de tudo quanto esse pessoal se considera. Eu vou trazer para cá todo mundo que eles não trariam, mas eles mesmos não entrarão. Eu vou trazer para cá todos aqueles com quem eles não se casariam, todos aqueles com quem eles não namorariam, todos aqueles com quem eles não fariam negócios nem perderiam o seu tempo. Eu vou trazer para cá todos aqueles para os quais eles não dariam festas, aqueles que não figurariam em qualquer lista de importância deles. Eles tiveram o seu próprio limite estabelecido por eles próprios.
Dá para negar que toda hora o reino de Deus é atropelado por uma idolatriazinha afetiva, saborosamente gostosa, que rolou na nossa vida? Aqui no caso do texto bíblico é o casamento; entre nós é um ficar, é um estar, é uma fissura, é uma paixão tresloucada, é uma boca cheirosa, é uma oportunidade de um devaneio galante, é qualquer experimento! Eu mesmo, com meus próprios olhos, vejo toda hora como para um monte de gente que se põe em pé e diz: “bem-aventurado é aquele que comer pão no reino de Deus”, isso só significa o nada que essas palavras significam se desacompanhadas de atos, de convicções e de consequências. Porque por qualquer outra volúpia que lhes chegue, por qualquer outra oportunidade que lhes apareça, por qualquer que seja o afeto que lhes esteja disponível o reino de Deus vai sendo deixado e nunca acolhido. E o chamado do Evangelho é sempre
E, subitamente, nós lemos na sequência do texto que Jesus volta-se para as multidões e lhes diz algo. Portanto, o ambiente tinha mudado: essas multidões não estavam na festa (mas os discípulos dele estavam e assistiram a tudo o que ele fizera lá dentro). Essa sequência do texto – que não quer ser historicamente minuciosa, mas quer ser conectada, do ponto de vista de uma pedagogia de sequência de ensino e, portanto, se utiliza dos elementos que acabaram de ser tratados – nos diz que em meio a essas grandes multidões que o acompanhavam, Jesus volta-se e lhes diz: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo”. Isso é que é horripilante, especialmente neste tempo tão psicologizado, tão pósmoderno, tão delicado, tão politicamente
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correto: se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai e a sua mãe. Aborrecer não no sentido de ficar com raiva do seu pai, o que seria um contrassenso em relação a Jesus, que nos manda amar e honrar pai e mãe. Mas aborrecer no sentido de que meu pai não será o ídolo afetivo da minha vida; eu o colocarei onde ele está e deve estar, e o honrarei, na perspectiva do significado que qualquer pai tem que ter na vida de um filho: com amor e honra, e não com idolatria, não na vinculação da doença e da xifopagia, nem da dependência.
Por isso, ele está calando a boca dos que se levantam e dizem “bem-aventurado” com facilidade, dos que acham que o reino de Deus é um encontro de amenidades. E está chamando tudo para a consciência de que esta não é a ceia das banalidades, mas, sim, da consciência das visceralidades de valores e de escolhas da vida. E está dizendo: Quem quer que assim não entenda, conforme eu aqui expus, não pode, não conseguirá, jamais será meu discípulo. Porque não existem barganhas a fazer: as coisas são exatamente como Deus as chama e as vê.
Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai e a sua mãe e – pasmem – à sua mulher. Parece uma heresia, no meio cristão, onde se diz para as mulheres, especialmente, que se um marido cortar a cabeça delas, mesmo assim elas devem se submeter e ficar ali, como joão batistas dos salomés masculinos no baile dos vampiros. Jesus vem e, contra esse culto ao casamento a qualquer preço, diz: incluindo a tua mulher, ou o teu marido. Se quiserem, eles mesmos, se impor como esse valor absoluto na tua vida, ou se tu mesmo estiveres deixando que isso aconteça como absolutização na tua vida, fica sabendo que a consequência é que tu não poderás ser meu discípulo – se teu pai for assim para ti, se tua mãe for assim para ti, se tua mulher (ou teu marido) for assim para ti, se teus filhos, irmãos, netinhos, irmãs e ainda a tua própria vida, for assim para ti. E qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo.
E não acreditem que isso possa ser honestamente reinterpretado, porque o que Jesus disse foi, grotescamente, o que está dito. E quem tiver ouvidos para ouvir, ouça. E quem tiver sabedoria no coração, aplique a si mesmo tudo quanto o Espírito Santo lhe tiver trazido como pertinência, como significado, como incômodo; e como ambiência existencial a ser refeita, renovada, reconstruída na sua vida porque tenha se corrompido gradativamente pelas falsificações do seu olhar condicionado por aquilo que se manda que em nós não seja, jamais, o condicionador da nossa mente. Porque está dito: Rogo-vos pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente; todo dia, toda hora, durante toda esta vida.
Mensagem ministrada em 05/02/2012 Estação do Caminho - DF
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