Pouco é necessário!

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O Caminho da Graça

Pouco é necessário! Caio Fábio

Vamos ler Lucas 10: 38-42 “Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela uma irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos. Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.”

Então, essa mulher chamada Marta hospedou Jesus na sua casa; e sua irmã, Maria, quedava-se assentada aos pés do Senhor – Jesus assentado não em uma cadeira, porque naquele tempo as cadeiras não eram como as nossas; eram, no máximo, uns divãzinhos, ou, então a pessoa se assentava ao chão com o cotovelo ao lado, com pufes para descanso do cotovelo. O fato é que Jesus estava na casa e essa mulher mais jovem da família, Maria, quedava-se a ouvir-lhe os ensinamentos. Literalmente ela deitava-se com a mão no queixo, ficava bem juntinho, coladinha, assentada aos pés do Senhor Jesus, a ouvirlhe os ensinamentos. Marta, a mais velha, agitava-se de um lado para o outro,

ocupada com muitos serviços, enquanto a Maria estava ali sentadinha, com o olhinho fixo nele, segurando a cabeça, ouvindo os ensinamentos, sem despregar a atenção do que Jesus dizia a ela e da conversa que eles tinham. Então, chegando perto daquela cena de Jesus com Maria, Marta disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha, preparando comida, limpando, pra um lado e pra outro, enquanto ela se derrama, ela se refestela, ela se queda, ela se joga, eletrizada, fascinada, mesmerizada, ouvindo os teus ensinamentos? Ordenalhe, pois, que venha ajudar-me. Marta transformou Jesus num mordomo dela: dá uma ordem para Maria vir trabalhar em casa, chega! Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Ô, Marta... Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas (é cebola, é tomate, é salsinha, é panela, é muita coisa; é muita varreção, é organização, é muita exterioridade para me agradar...) Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muita coisa; tu não estás nem ocupada, tu estás pré ocupada, a tua mente está num processo de ziguezagueamento inquieto, o

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Indo eles, Jesus e os seus discípulos, de caminho, entrou Jesus num povoado (esse povoado certamente é a cidadezinha de Betânia, que fica ao lado de Jerusalém, a dois quilômetros e meio ou, no máximo, a três quilômetros de Jerusalém). E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Marta era provavelmente a mais velha de uma família de irmãos, que eram chamados, os outros dois, de Lázaro e Maria. Maria provavelmente era a caçula.


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Pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada. Agora guardem essa imagem da casa de Marta, Maria e Lázaro, essa dinâmica, esse diálogo, esse ensino, essa atitude de Marta, agitada, inquieta, preocupada, meio amargurada; querendo chamar para si um determinado tipo de atenção pelos excessos de serviço, de movimentação, de ativismo, e o coração dela se amargura mesmo; e se amargura não apenas com a sua irmã, mas também com Jesus – de que ele estivesse tão enternecido, focado, dedicado a ensinar e a derramar a eternidade, os fluxos da eternidade, no biquinho da alma de Maria; a ponto de que ela, Marta, chega a ele e diz: Tu não te importas de que eu fique aqui a servir sozinha? Ordena a ela que venha me ajudar! E é por isso que Jesus diz: Marta! Marta! Andas inquieta demais; é muita preocupação, é muita metafísica na tua mente, não existem nem as fisicalidades do que se possa tratar como algo que nos ocupe, tu estás é pré ocupada; os teus conceitos estão invadidos pela filosofia do ativismo, achando que é por essa movimentação intensa que tu chamas a minha atenção, ou que constróis alguma coisa em ti, para ti, quando não é nada disso; porque, ouça: muito pouco é necessário, pouco, mesmo. Nós gastamos uma energia enorme, na vida, com um monte de coisas que a sociedade estabeleceu que são de natureza fundamental, ou essencial, ou de

importâncias quase finais para nós. Mas do ponto de vista de Deus são muito poucas as coisas necessárias. Prova disso é que até cem anos atrás nós vivíamos, como sociedade, com apenas cinco por cento daquilo que hoje a sociedade diz que não vive sem; e até trezentos anos atrás nós vivíamos com cinco por cento a três por cento; e seiscentos anos atrás nós vivíamos com um por cento do que hoje a sociedade diz que são coisas sem as quais a gente não vive. E se a gente for viajando para trás vai chegar a um momento em que a humanidade vivia com 0,3 por cento daquilo que hoje nós dizemos que são coisas sem as quais não vivemos. E isso ainda é a humanidade pagã vivendo; imagine o que Deus pensa, de fato, do que seja vida e do que seja necessário e do que seja essencial! “Pouco é necessário”. E, aí, o que Einstein não conseguiu fazer, que foi reduzir todas as fórmulas universais a uma só, na física, Jesus fez na dimensão da espiritualidade: “Pouco é necessário, ou mesmo uma só coisa”. No fim, o que vale, o que fica, o que se eterniza, o que se pereniza, o que se qualifica em nós é uma só coisa. Quem a tem, tem; quem não tem essa uma só coisa pode ter tudo e não terá nada. E a Maria, aqui, entendeu, percebeu, discerniu, escolheu essa uma só coisa. E ela não lhe será tirada. Agora voltem-se comigo para o Evangelho de João, capítulo 11, onde essas duas personagens, Marta e Maria, aparecem outra vez, a propósito do fato de que havia falecido o irmão delas, chamado Lázaro, que também era amigo de Jesus: Mandaram, pois, as irmãs de Lázaro dizer a Jesus: Senhor, está enfermo aquele a quem amas. Ao receber a notícia, disse Jesus: Esta enfermidade não é para morte, e sim para a glória de Deus, a fim de que o Filho de

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tempo todo, com muitas coisas, coisas que nem aconteceram mas já te ocupam previamente. Entretanto, Marta, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.


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aqui, meu irmão não teria morrido. Jesus, vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a acompanhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se. E perguntou: Onde o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê! Jesus chorou. Então, disseram os judeus: Vede quanto o amava. Mas alguns objetaram: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer que este não morresse? Jesus, agitando-se novamente em si mesmo, encaminhou-se para o túmulo; era este uma gruta a cuja entrada tinham posto uma pedra. Então, ordenou Jesus: Tirai a pedra. Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal, porque já é de quatro dias. Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus? Tiraram, então, a pedra. E Jesus, levantando os olhos para o céu, disse: Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste. E, tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora! Saiu aquele que estivera morto, tendo os pés e as mãos ligados com ataduras e o rosto envolto num lenço. Então, lhes ordenou Jesus: Desatai-o e deixai-o ir. Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele. Outros, porém, foram ter com os fariseus e lhes contaram dos feitos que Jesus realizara. Vejam a total ausência de inquietação e de preocupação em Jesus, pois é dada a notícia de que Lázaro estava enfermo (e o verso 3 desse capítulo ainda diz: está enfermo aquele a quem amas) e Jesus, ao receber essa notícia, diz: Esta enfermidade não é para morte, e sim para a glória de Deus, a fim de que o Filho de Deus seja por ela glorificado. E se diz ainda mais: que Jesus amava a Marta, a Maria e a Lázaro, e que quando ele soube que Lázaro estava doente ainda se demorou dois dias no lugar onde estava. Somente dois dias depois de saber que o amigo estava doente e morrendo, mesmo, foi que Jesus disse a seus discípulos: Vamos voltar lá para a Judeia, para Betânia. E os discípulos disseram: Mas não faz muito sentido, por mais que tu ames essa família

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Deus seja por ela glorificado. Ora, amava Jesus a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. Quando, pois, soube que Lázaro estava doente, ainda se demorou dois dias no lugar onde estava. Depois, disse aos seus discípulos: Vamos outra vez para a Judéia. Disseram-lhe os discípulos: Mestre, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e voltas para lá? Respondeu Jesus: Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz. Isto dizia e depois lhes acrescentou: Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou para despertá-lo. Disseram-lhe, pois, os discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo. Jesus, porém, falara com respeito à morte de Lázaro; mas eles supunham que tivesse falado do repouso do sono. Então, Jesus lhes disse claramente: Lázaro morreu; e por vossa causa me alegro de que lá não estivesse, para que possais crer; mas vamos ter com ele. Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos condiscípulos: Vamos também nós para morrermos com ele. Chegando Jesus, encontrou Lázaro já sepultado, havia quatro dias. Ora, Betânia estava cerca de quinze estádios perto de Jerusalém. Muitos dentre os judeus tinham vindo ter com Marta e Maria, para as consolar a respeito de seu irmão. Marta, quando soube que vinha Jesus, saiu ao seu encontro; Maria, porém, ficou sentada em casa. Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor, se estiveras aqui, não teria morrido meu irmão. Mas também sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá. Declarou-lhe Jesus: Teu irmão há de ressurgir. Eu sei, replicou Marta, que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia. Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente. Crês isto? Sim, Senhor, respondeu ela, eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de Deus que devia vir ao mundo. Tendo dito isto, retirou-se e chamou Maria, sua irmã, e lhe disse em particular: O Mestre chegou e te chama. Ela, ouvindo isto, levantou-se depressa e foi ter com ele, pois Jesus ainda não tinha entrado na aldeia, mas permanecia onde Marta se avistara com ele. Os judeus que estavam com Maria em casa e a consolavam, vendo-a levantar-se depressa e sair, seguiram-na, supondo que ela ia ao túmulo para chorar. Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vêlo, lançou-se-lhe aos pés, dizendo: Senhor, se estiveras


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Chegando Jesus, encontrou Lázaro já sepultado havia quatro dias. Dois dias antes ele recebera a informação, não fez nada, Lázaro morreu; o lugar não era próximo, eles saíram de lá, de volta para a Judeia, e quando chegaram Lázaro já estava podre. Podre. Já cheirava mal. Imaginem... um corpo morto há quatro dias, sem formol, sem nenhuma dessas injeções de preservação, para atrasar o processo de decomposição física e orgânica – o cérebro dele tinha virado uma papa, o sangue era salmoura, o pulmão já tinha se liquefeito, as carnes estavam em estado de putrefação, o corpo inchado, com gases vazando por todos os lados. Era

uma situação horrorosa, nenhum de nós gostaria de estar próximo desse amigo amado, Lázaro, em um quarto fechado, nesse estado tão cruento: quatro dias, podre. E é esperando que o apodrecimento ganhe essas configurações, esses contornos horrorosos de filme de terror, que Jesus ainda fica no lugar onde estava. E quando chega a Betânia é essa situação que está conflagrada. Os verso 19 e 20 dizem o seguinte: “Muitos dentre os judeus tinham vindo ter com Marta e Maria, para as consolar a respeito do seu irmão. Marta, quando soube que vinha Jesus, saiu ao seu encontro; Maria, porém, ficou sentada em casa”. Marta, quando soube que Jesus estava chegando, saiu correndo para fora da aldeia, ao encontro dele; largou a casa e todo mundo, e saiu correndo, correndo, correndo. Olhem o tipo: saiu correndo. Agora, olhem a Maria: Maria ficou sentada em casa. A Maria que lá em Lucas 10 ficava sentadinha aos pés de Jesus, considerava: Jesus é Jesus, tanto faz se ele está vindo ou se ele está aqui, ou se está ali; onde ele estiver, ele é ele. Meu irmão está morto, correr para quê? Se Jesus está vindo, ele está vindo, eu não tenho nada a provar. A minha correria até lá não vai adiantar nenhum processo da graça de Deus; eu ficar quieta aqui não vai atrasar nem atrapalhar nada na graça de Deus. Eu aprendi, um dia, que escolher a boa parte é escolher a confiança, o descanso, a quietude, a paz, o sossego; e se é assim quando Jesus está aqui em casa, é assim que o meu espírito vai viver, mesmo quando a fisicalidade dele não esteja presente dentro da minha casa. De modo que a mesma Maria de Lucas 10 está presente em João 11, e a mesma Marta de Lucas 10 está presente em João 11: Marta, quando ouviu dizer que Jesus estava vindo,

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e a Lázaro, pois há pouco os judeus estavam procurando apedrejar-te. Tu queres voltar para lá?! Então, Jesus disse: Eu tenho as minhas razões, agora é hora de voltar, vocês me sigam; se vocês me seguirem, não vão tropeçar. E Jesus acrescentou aos discípulos a seguinte informação: Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou para despertá-lo. Os discípulos, então, começaram a querer fazer ilações: Senhor, se dorme, estará salvo (porque Jesus não dissera “Lázaro morreu”. Ele disse: “Nosso amigo Lázaro adormeceu”. Aí, o literalismo interpretativo, hermenêutico, deles, já disse: Escuta, se ele entrou em um estado de catalepsia permanente, estará salvo. Jesus, porém, falava não a respeito de sono, mas falava, de fato, a respeito da morte de Lázaro). Então Jesus disse a eles: Lázaro morreu; e por vossa causa me alegro de que lá eu não estivesse, para que possais crer; vamos lá ter com ele, que está morto. Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos seus outros amigos e discípulos: Vamos também com ele, que é para a gente morrer com ele, porque o bicho vai pegar lá, se nós voltarmos para Betânia.


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Disse, pois, Marta a Jesus (quando chegou lá, ofegante): “Senhor, se estiveras aqui, não teria morrido meu irmão”. O que essa frase quer dizer? Se tu estivesses aqui meu irmão não teria morrido. Pelo amor de Deus, é uma acusaçãozinha piedosa: ou o Senhor se atrasou, ou não se importou; a gente avisou a tempo e o Senhor não chegou, não sei por que, só sei que se o Senhor estivesse, ele não teria morrido; porque o Senhor não estava, ele morreu. Tem um mecanismo de transferência, piedoso, velado, que frequentemente a gente faz para Deus: Senhor, se eu tivesse ouvido a tua palavra naquele dia, não teria casado com aquele cara, eu bem que pedi: Fala, Senhor! Mas como não ouvi nada, casei. Aquele negócio que eu ia fazer, eu bem que disse: Senhor, hoje às seis da tarde tenho de fechar esse negócio, fala até às seis. Como não ouvi nada, eu fechei, e me estrepei; se o Senhor tivesse falado, eu não teria feito. É um mecanismo de transferência que vem desde o Éden: O que foi que tu fizeste, Adão? Eu não fiz nada, foi a mulher que tu me deste que disse: Come, Adão; e eu comi. Se o Senhor quisesse, era só ter chegado e dado um tapa na minha mão: Adão, para com isso, Adão! A nossa idiotice é assim, normal desse jeito. Se estiveras aqui meu irmão não teria morrido. Aí, transfere para Deus. Mas como o coração dela é piedoso (como o nosso também é, extremamente piedoso; a gente primeiro morde Deus: se o Senhor tivesse falado, se estivesse presente, se tivesse me advertido, se tivesse mandado alguém, isso não teria acontecido; mas... a esperança é a última que morre – eu sou mais crente do que tu, Jesus...) ela acrescenta: mas também sei que mesmo

agora, hoje, com ele podre, tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá. Parece uma declaração de uma veemência, de um volume de fé extraordinário, não acham? Parece que essa segunda fala redime a primeira. Se tu estiveras aqui, meu irmão não teria morrido. Mas eu sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to concederá. E o que ela queria, se o assunto todo era Lázaro morrer ou Lázaro não morrer? A conversa era: se tu estivesses aqui, ele não teria morrido; mas como não estavas, ele morreu; mas eu sei que, mesmo agora, tudo quanto tu pedires ao Pai, o Pai to concederá. Portanto, por uma lógica absolutamente irrefutável, ela falava – numa redenção fraseológica e conceitual – que, apesar de ela ter ficado meio chateada por Jesus ter se atrasado demais quanto a impedir que Lázaro morresse, ela sabia que o fato de ele não ter sido impedido de morrer (tendo de fato morrido) não era ainda nada final, porque, mesmo agora, tudo quanto Jesus pedisse ao Pai, o Pai lho concederia. E ela foi abrangente, ela disse, primeiro, que era “agora”; que ela cria que os dias de atraso não contavam, “agora” ainda dá para tudo, cabe tudo, no hoje. E, depois, ela usa, de fato, a palavra “tudo”: hoje, agora, tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to concederá – incluindo, obviamente, aquilo sobre o que ela tratava. E do que ela tratava? Da ressurreição de Lázaro. Já que ela não tinha podido contar com Deus para o impedimento da morte de Lázaro, esse “tudo” dela, que o Pai concederia “agora” a Jesus, significaria, no mínimo, a ressurreição de Lázaro. Essa não é a lógica mais básica? Caso se leia em Português, Hebraico, Inglês, Francês, qualquer língua, é isso que está dito. E porque ela tinha dito isso, Jesus (vejam

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saiu correndo; Maria, porém, ficou sentada em casa.


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Aí, nasce a teóloga Marta: “Eu sei, replicou Marta...” (o teólogo é que diz “eu sei”). Olha só que teologia extraordinária: Eu sei que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia. Meu Deus, Marta é absolutamente igual a nós! É um ativismo danado: se dizem que Jesus está ali, nós corremos... É Marcha para Jesus... E nós vamos pra lá, vamos pra cá...: onde é que eu posso ajudar? E nós temos esperanças infantis, nós estabelecemos datas, nós criamos cronogramas, nós fazemos do nosso capricho a vontade que Deus tem de obedecer; Deus não entra no capricho por nós estabelecido, nós nos frustramos mas não desistimos; nós ouvimos dizer que ele chegou, nós vamos lá; e chegamos absolutamente cheios de declarações peremptórias, e dizemos: Ah, Senhor amado, se tu estiveras aqui isso não teria acontecido! É uma pena que o Senhor tenha se atrasado tanto, mas eu sei que mesmo agora – essa é a minha fé, Jesus – tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to concederá, Aleluia! Aí, Jesus diz: Teu irmão há de ressurgir. Ah, eu sei! Eu sei, eu sei, eu estudei teologia na escola dominical, aprendi sistematização escatológica, eu sei que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia; no último dia, pelo menos, ele vai ressurgir, Aleluia! Então, para que dizer: “Mas eu sei que, mesmo agora (agora!),

tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to concederá”, se a cabeça dela só pode acreditar em ressurreição no último dia? A ambivalência da nossa alma é uma coisa extraordinária. “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. Com a boca nós fazemos declarações peremptórias. A nossa boca acusa veladamente a Deus de tudo quanto não se case com os nossos caprichos. E como nós transferirmos, como nós acusamos, como nós murmuramos, como nós nos queixamos, como nós, sutil e piedosamente, blasfemamos. E nós fazemos isso com uma elegância piedosa extraordinária, ao mesmo tempo em que usamos de recursos filosóficos e psicológicos de autoengano o tempo todo. De modo que, de um lado, nós mordemos a divindade, e, de outro, nós assopramos, com uma boa e veemente confissão de fé, dizendo: Mas eu sei...! Eu sei...! Eu me superei, Senhor, já passou; doeu muito, eu aguardei, aguardei, tu não chegaste, mas eu me reinventei! “Mas também sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá”. Parecia que a idiotice tinha sido vencida pela fé. Mas não; era somente credo, era somente confissão verbal, era somente aquele tipo de coisa que parece que a gente fala para diminuir a nossa blasfêmia, diminuir a declaração verdadeira do nosso coração com uma falsificação de natureza teológica, politicamente correta, divinamente correta: O Senhor tinha de ter chegado, mas não chegou; mas, olha só, não se preocupa com o que eu falei não, porque eu sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to concederá. Aí, Jesus diz: Vamos ver se ela está falando, de fato, o que ela está dizendo. Marta, o teu irmão vai ressurgir. Ah! Eu sei, Senhor, que

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como ele foi simples com ela) vira-se para ela e declara: Marta, teu irmão há de ressurgir. Porque era o que se deveria falar para alguém que chega transferindo para Deus uma responsabilidade e tirando imediatamente a responsabilidade de Deus, dizendo que sabia que agora tudo quanto se pedisse poderia ser feito, pois o Pai o concederia. O irmão estava morto. A resposta de Jesus, causa e efeito na lógica proposta, é: Teu irmão há de ressurgir.


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Então, Jesus se vira para ela (e essa é uma fala para Marta!) e diz: Marta, olha aqui para mim: Eu sou a ressurreição e a vida. Todo aquele que crê em mim, ainda que morra fisicamente terá morrido apenas fisicamente, porque continuará vivendo; viverá, vai transcender a morte física. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E todo aquele que vive e crê, ou vive crendo em mim, não morrerá eternamente, ainda que morra temporalmente; porque nem verá a morte da qual venha a morrer, pois já passou da morte para a vida. Jesus nem está falando, aqui, de ressurreição de corpos – isso é uma banalidade física que acontecerá –; ele está tratando daquilo que acontece todo dia, com ou sem ressurreição física de corpos. Marta, eu sou a ressurreição e a vida, aquele que crê em mim, ainda que morra fisicamente, viverá. E todo aquele que vive crendo em mim não morrerá eternamente, já passou da morte para a vida; o que o acometer como morte, ele nem conhecerá como morte, porque já passou da morte para a vida; ele já está invadido pela eternidade, a morte já não existe para ele. Crês tu isto? Jesus perguntou a ela: Crês tu isto? Eu não estou querendo saber se tu crês em escatologia, se crês que no último dia vai todo mundo ressuscitar; eu só quero saber em que estado a tua alma está. A tua fé em mim te faz olhar para o teu irmão hoje e dizer: “Ele morreu no corpo, mas ele passou da morte para a vida”? E a tua fé em mim faz tu viveres com aquela consciência de que até mesmo o morrer, tu não terás a oportunidade de vivê-lo na consciência do

morrer, porque tu já terás passado da morte para a vida, porque todo aquele que vive e crê em mim viverá eternamente, de modo que a morte está anulada? Tu crês isso? Crês nesse nível de ressurreição que vos dá vida, estando vós mortos em delitos e pecados e vos vivifica para a eternidade, de modo que a morte deixa de ser um dado e tu passas a ser apenas um ente que existe num estado de eternidade ininterrupta? Essa é a ressurreição para a qual eu te chamo e chamo a todos a crerem. Tu crês isso? Essa é a boa parte que não será tirada. Essa é a boa parte que não é tirada quando nós morremos, essa é a boa parte que não é tirada se nós estamos morrendo, essa é a boa parte que não é tirada se nós vivemos, essa é a boa parte que não é tirada se nós estamos vivendo. Essa é a boa parte que ninguém tira de nós. Pouco é necessário, mas esta aqui é a boa parte. E Maria escolheu essa boa parte. Marta só vem a entender lá adiante, do que Jesus falava: daquilo que a morte não arranca, que a vida não arranca, que o morrer não mata e que o viver não extingue! E quem escolheu essa boa parte, essencial, esse está de posse daquilo cuja condição e cuja consciência não serão roubadas por nada. Eu sou a ressurreição e a vida. Todo aquele que crê em mim não morrerá eternamente. E todo aquele que vive e crê em mim pode ter certeza absoluta de que não terá descontinuidade de nada, porque já está invadido pela eternidade. Essa é a boa parte que não é tirada. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Essa é a boa parte. Quem possui isso possui tudo. Quem

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ele há de ressurgir na ressurreição, lá no último dia, ele vai, sim, ele vai. Sabem aquele sorriso cheio de raiva? Ele vai – é a esperança do crente –, ele vai ressurgir, sim, lá no último dia.


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Aí, Marta diz ao Senhor: “Sim, Senhor, eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de Deus que devia vir ao mundo”. Novamente, ela não responde em relação à certeza da ressurreição; ela faz uma declaração que tem a ver com uma crença que já está instalada nela, de que Jesus é o Messias. Amém, Marta, que bom; bom para você, dizer isso. Mas Jesus estava perguntando acerca de algo muito mais visceral do que apenas uma declaração de credo. “Sim, Senhor, eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de Deus que devia vir ao mundo”. Amém, mas tendo dito isto, o que é que ela fez? Ela retirou-se na carreira. Assim como veio correndo, ela saiu correndo. Ela falou: Eu não devia ter tido essa pressa toda, deixa eu voltar para casa. E largou Jesus lá. Tendo chegado em casa, ela entrou. E agora, ela que tinha feito tudo de maneira tão pública (no encontro com Jesus ela foi lá fora, na aldeia, com todo mundo, e todo mundo ouviu o escarcéu!), sai dali quietinha, volta para casa e procura por Maria, que está em casa. Vejam o que o texto diz: Ela retirou-se, chamou a Maria, sua irmã, e lhe disse em particular (em particular, agora; nada de publicidade): Maria, Maria, o Mestre chegou e te chama; vai, Maria, vocês é que entendem desse negócio de borogodó, de uma só coisa que não é tirada, de essencialidades sem teologia mas com a profundidade do amor calado, quieto, confiante; vai lá, Maria, vai lá. E ela, Marta, ficou por ali. Maria foi até lá. Os judeus que estavam com Maria em casa e a consolavam, vendo-a levantar-se depressa e sair, seguiram-na, supondo que ela ia até o túmulo para chorar. Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vê-lo, lançou-se-lhe aos pés. Vocês

vejam que não vai haver nenhuma diferença entre o que Marte disse na chegada e o que Maria disse na chegada. A diferença é na atitude. Gente, atitude é a linguagem. Atitude é, sempre, a linguagem; não é a fala, não é a oralidade, não é a construção, não é o dizer. Porque dependendo da atitude, a mesma fala significa outra coisa. A fala de Marta é idêntica à de Maria, a fala de Maria é idêntica à de Marta; mas Marta fica em pé e diz: Se estiveras aqui meu irmão não teria morrido, mas eu sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to concederá, agorinha mesmo. E ao ouvir Jesus dizer Marta, teu irmão vai ressurgir, ela diz: Eu sei que ele vai ressurgir na ressurreição, no último dia. E ao ouvir a declaração de Jesus: Marta, eu sou a ressurreição e a vida, quem crê em mim, ainda que morra viverá, e todo o que vive e crê em mim não morrerá eternamente; crês isto? Ela responde: Ah, eu creio que tu és o Filho do Deus vivo; e sai, para chamar Maria. E Maria vai lá. Chega lá e se prostra aos pés de Jesus. Olha que diferença! Esse é o discurso! Chega e se joga aos pés. Ela está acostumada a estar aos pés de Jesus – Lucas 10 diz que ela quedava-se aos pés do Senhor, a ouvir-lhe os ensinamentos. Ela voltou para o lugar que ela conhecia melhor que qualquer outro, para os pés do Senhor. E ali aos pés do Senhor ela pode falar o que ela falar, porque a atitude dela não dirá nada além do que a atitude dela diz, as palavras dela jamais suplantarão a atitude dela. E o que ela diz quando chegou lá? Ela simplesmente olhou para Jesus e, tendo se jogado aos pés dele, disse ao Senhor Jesus: Senhor, se estiveras aqui meu irmão não teria morrido. A mesma frase, outra atitude, outra comunicação,

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não possui isso, pode possuir qualquer outra coisa, mas não tem nada.


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E vejam só como, inegavelmente, Deus, que ama a todos, se comove. Como se diz no texto, o Senhor amava a Marta, a Maria e a Lázaro. E o amor de Deus é amor de Pai. E, à semelhança do amor de todo pai e de toda mãe, se iguala na direção de todos os filhos. Mas a intimidade de pai e mãe com os filhos decorre, essencialmente, da atitude dos filhos para com eles, os pais. Pai e mãe verdadeiros e sinceros amam seus filhos de maneira absolutamente igualitária, mas a intimidade vai crescer mais com uns e menos com outros, dependendo da atitude dos filhos, porque um pai não pode arrombar o coração de um filho. Ele trata a todos com amor, oferece a mesma coisa, se disponibiliza do mesmo modo, vai aos mesmos lugares, chega do mesmo jeito, dispõe-se às mesmas coisas; mas tem filho que chega e o que diz é cobrança; tem filho que chega e remenda as cobranças com afirmações que nem sempre são, genuinamente e intrinsecamente, as mais profundas e sinceras do coração, são apenas aquilo que ele sabe que o pai ou a mãe gostaria de ouvir; tem filho que quando ouve a certeza materna ou paterna de que aquilo que ele ou ela está falando é o que se fará, sai, escapa e diz: Eu sei que vai ser assim mesmo, mas vai ser daqui a muito tempo. E é amado. É amado. É amado mesmo, mas não se desenvolverá a intimidade. São filhos que estão o tempo todo perdendo a melhor parte; são completamente amados, mas nunca recebem a herança da

intimidade paterna, porque entregam com visceralidade.

não

se

E à semelhança do que acontece em família, onde pai verdadeiro e mãe verdadeira amam igualmente aos seus filhos porém desenvolvem níveis de amizade diferentes, de acordo com a atitude da resposta do filho ou da filha ao amor que é dado a todos – mas que nem todos respondem com a mesma profundidade, com a mesma atitude, com a mesma generosidade, com o mesmo carinho, com a mesma confiança – também é com o nosso Pai, que está nos céus. Porque Maria vem e responde exatamente como Marta, mas responde com o rosto no lugar que ela melhor conhecia: aos pés do Senhor; quedada aos pés dele. E aí, quando Jesus vê aquilo, não se segurou, agitou-se no espírito e se comoveu. Diz o verso 33: “Jesus, vendo-a chorar...”. A outra falou, argumentou, discutiu. Essa aqui se jogou aos pés de Jesus e chorou. E o que ela falou era sincero, não era nenhuma cobrança, ela só estava dizendo aquilo que qualquer um poderia dizer sem ofender; porque não tinha cobrança, tinha intimidade, confiança, quebrantamento, choro, impotência. Tinha aquela piedade burra, que Deus ama: ah, Senhor, se tu estiveras aqui, é óbvio que ele não teria morrido, porque o Senhor não ia deixar... Mas ela não elaborou nada, não teologizou nada, não falou nada; ela apenas se jogou aos pés dele. O Senhor não estava, mas o Senhor está agora; pronto, o que importa é que o Senhor está, os teus pés estão aqui; e é aqui que eu gosto de estar: aos teus pés. E aí, Jesus, quando a viu chorar, não se segurou. Diz o verso 33: “Jesus, vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a acompanhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se”. Comoveu-se desde as

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outro dizer, outra linguagem. Outro tudo, que prescindia de argumentos. Era a conversa de quem tinha entrado na dimensão da melhor parte, onde a oração não é feita de palavras, a oração é constituída de atitudes. Onde a vida é feita de atitudes – atitudes que decorrem da escolha essencial.


O Caminho da Graça

“E perguntou: Onde o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê! Jesus chorou. Então, disseram os judeus: Vede quanto o amava”. Mas ele não estava chorando somente por Lázaro, estava chorando por tudo. O choro dele foi, primordialmente, provocado por Maria, por aquela entrega aos pés dele, sem conversa, sem teologia, com a liberdade de dizer: Se estiveras aqui, não teria acontecido; mas não estavas, o importante é que estás agora; e olha para a gente, a gente está assim como a gente está. Aí, Jesus chorou. E mandou que medidas fossem tomadas, chegou à porta da gruta e mandou tirar a pedra. Aí, Marta entra novamente em ação. Olha Marta aí, novamente, em ação, com aquela objetividade de enfermeira, de diretora de IML, de um ativismo, de preocupação. Está lá Jesus dizendo “tirem a pedra”, e ela diz: Já cheira mal, Senhor, porque já é de quatro dias. Imaginem como ela, coitadinha, atrapalha o processo. Ela não sai de perto, mas ela atrapalha. Então, Jesus vira-se para ela, novamente, e diz: Marta, não te disse eu que se creres tu verás a glória de Deus? Marta, por favor, Marta, tira a pedra. Então, tiraram a pedra. E Jesus, levantando os olhos aos céus, disse: Pai, graças te dou porque me ouviste; aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão toda (e por causa da Marta), que está aqui presente. Se fosse somente eu e Maria, eu não falava nada, eu oraria quieto; mas como eles precisam tanto ouvir, discursar e falar (Marta e a multidão) eu falei. Se fôssemos eu e Maria aqui, não tinha conversa, mas assim falei para que creiam que tu me enviaste. E

tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora! E saiu aquele que estivera morto, tendo os pés e as mãos ligados com ataduras e o rosto envolto num lenço. Então, lhes ordenou Jesus: Desatai-o e deixai-o ir. E muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele (vejam como Maria ganha uma preeminência; no início era tudo Marta; Maria era a irmã dela: “tinha uma irmã chamada Maria”. Mas no fim dessa história, os judeus tinham vindo visitar a Maria). E saíram crendo nele. Outros, porém, foram ter com os fariseus e lhes contaram dos feitos que Jesus realizara. O que eu estou querendo dizer, concluindo? Há uma coisa apenas, que eu quero dizer a vocês: a gente fala demais, a gente argumenta demais, a gente se debate demais; a gente desenvolve mil processos mentais, a gente quer entender Deus, a gente quer pensar Deus, a gente quer discutir Deus, a gente quer compreender os caminhos de Deus; a gente quer servir a Deus, a gente se agita em nome de Deus, a gente se incomoda pela causa de Deus; a gente quer expressar a Deus, na forma de movimentos, inquietações, preocupações, de missões ansiosas, de realizações múltiplas, coisas diversas que escolhemos fazer para explicar para Deus, para provar para Deus, para ilustrar a Deus, para ser a nossa defesa pública diante de Deus quanto ao fato de que Deus é importante para nós, de que nós somos membros da causa de Jesus, de que a gente tem alegria em hospedá-lo, de que a gente tem prazer em servi-lo, de que a gente o confessa, de que a gente diz que ele é o enviado. Mas, na maioria das vezes, trata-se de uma espiritualidade toda para o lado de fora; que se define, também na maioria das vezes, como inquietação que a

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entranhas. É uma crise intestinal do espírito, é cólica do espírito.


O Caminho da Graça

A gente se agita em nome de Deus, de todos os modos, e não tem nunca, no coração, o lugar reservado para se quedar aos pés dele, para ouvir a sua palavra – não para os outros, mas ouvi-la para nós – e sorvê-la, bebê-la, aproveitá-la, internalizála, deixarmo-nos pacificar por ela, crescermos por meio dela, alimentarmonos nela e sermos fomentados para a vida presente e eterna por essa alegria de absorvê-la. Enquanto nos inquietamos e transformamos nossa ansiedade em devoção, nossa inquietação em fé, nossa preocupação em missão, que nada mais são do que coisas que escondem as nossa inseguranças e também as nossas compensações. Porque é muito mais fácil viver as inquietações exteriores em nome de Deus do que assumir as quietudes profundas que serenam o mar revolto da alma, que eliminam das falsas prioridades do ser um bilhão de desnecessidades, e vão

fazendo, dia a dia, a nossa vida se simplificar nas escolhas que elegem o que é absolutamente necessário e, no necessário, o que é apenas o único essencial: conhecer e ser conhecido por Deus, carregar no peito a ressurreição e a vida. Além disso, nós tapeamos muito, também, as nossas amarguras, a nossa ideia de que, como nós conhecemos Jesus e sabemos que ele visita a nossa casa, e sabemos que temos uma relação com ele, tem de haver tratamento especial para nós. Nós começamos a ficar arrogantes, sem querer, e achamos que se mandarmos um recado o Senhor tem de se manifestar na hora; e que se houver alguém a respeito de quem a gente diga “nós o amamos e o Senhor também, então vem, e faze logo o que tem que ser feito”, ele tem de levantar tudo e fazer. E se, porventura, ele se atrasar do ponto de vista da nossa cronologia, nós vamos fazer discursos de piedade pública diante dele, vamos mostrar a nossa intimidade com ele ofendendo-o com toda a polidez: ah, se tu tivesses chegado na hora isso não teria acontecido; e vamos nos defender da nossa ofensa com uma boa teologia, com um salmo da hora ou um salmo do dia, que é apenas uma poesia que não se faz construir como declaração sincera relacionada a cada palavra que se diga. Porque o que se diz é de uma ousadia enorme, e por tal ousadia se poderia crer em qualquer coisa, em qualquer hora, em qualquer dia; no entanto, uma vez tendo dito “mas eu sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá”, se Deus assim o considerar em Cristo e Cristo Jesus disser: “o teu irmão há de ressurgir”, nós vamos teologizar a respeito e escatologizar a conversa, mas não vamos assumir as implicações de nada agora, por uma única razão: nós cremos na teologia

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gente chama de missão; de preocupação que a gente chama de serviço, de dedicação, de piedade; de orações a Deus pedindo a Deus que acorde os outros irmãos: Senhor, tu não te importas de que eu te sirva sozinho?! Levanta teu povo, Senhor! Ó Jesus, sacode Maria! E isso tudo é construído sobre um arcabouço de tanto autoengano, são piedades tão camufladas, são tantas máscaras que escondem a nossa insegurança, a nossa vontade de aparecer, a nossa vontade de publicidade, o nosso desejo de ser enxergado, o nosso desejo de ser benquisto por Deus, de dar demonstrações de quem nós somos. Escondem até as pulsões da nossa superioridade, e são feitas com motivações de inquietação, de preocupação com muitas coisas, enquanto a gente vai deixando de lado o pouco que é necessário e deixando de enxergar aquela uma só coisa que é essencial.


O Caminho da Graça

Ressurreição é um evento histórico, ainda não é um fator existencial, em nós. E é isso que Jesus pergunta a Marta: Tu crês nisto: que a ressurreição não é apenas um fato histórico? Que a ressurreição pode se historificar agora e se historificará para todos, um dia, mas tu crês que, antes de ser isso, a ressurreição é um fator existencial? Que eu sou a ressurreição e a vida e que aquele que crê em mim, ainda que morra no físico, viverá? E que todo aquele que vive e crê em mim, vive crendo em mim, não morre nunca, está cheio de vida eterna? Que a morte morreu para ele? Tu consegues entender que esta é a boa parte que não pode ser tirada, que este é o galardão, que este é o tesouro dos tesouros? Crês isto? Então, gente, a maioria de nós tem de ser honesto e ver que o nosso caminho espiritual é o da nossa amiga Marta. É muita falação, é muita conversa, é muito argumento, é muita necessidade de afirmação. E o chamado de Jesus é para uma só coisa, para muito poucas. E ele não está querendo saber dos nossos argumentos exteriores, ele quer conhecer as nossas atitudes. Há horas em que a gente se levanta e ajuda a lavar a casa, a fazer faxina, a fazer tudo. Mas existem aqueles momentos quando a realidade da santidade de Deus se adensa tanto, que qualquer outra coisa vira blasfêmia quando

aquilo está presente. E o nosso espírito tem que discernir, todo dia, esses momentos, essas horas eternas, esses instantes eternos, de Deus com a gente. Quem não tem isso não tem nada. Quem tem isso tem tudo; pode chegar e falar a mesma coisa que o outro falou, mas a atitude dele arromba os céus, faz Deus chorar, comove anjos, tira pedras das tumbas; não tem argumentos a dar, não tem temperaturas a medir, não tem cheiros a verificar, não tem nada a dizer, o Senhor está aqui, e eu estou diante dele, ele é meu, eu sou dele. Essa é que é a parte, é o encontro, é a inseparabilidade, é o casamento, é a conjugalidade com ele, é o mergulho nele, é o mergulho dele em mim. É essa intimidade por onde nós enxergamos o melhor ângulo de Deus, olhando desde os pés dele, para ele. Eu não quero olhar nos olhos de Deus; se eu olhar nos pés dele, eu estou enxergando. O coração de Deus nós enxergamos quebrantando-nos aos pés dele. E, aí, céus e terra se transtornam, Jesus chora, anjos se comovem, o inferno se abre. Essa é a boa parte, esse é o tesouro, essa é a amizade de Deus com os homens, esse é o caminho para o qual eu e você somos convidados. Esse é o escaninho, esse é o divã, esse é o namoro com a eternidade. Esta é a boa parte que de nós jamais será tirada:

Mensagem ministrada em 15/01/2012 Estação do Caminho - DF

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da ressurreição, nós só não vivemos a existencialidade da ressurreição.


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