O Caminho da Graça
Enxergar-se diante de Deus! Caio Fábio
Vamos ler a 1a carta de João 1:5 - 2:6...
O centro de tudo o que se diz aqui, para fins práticos relacionados à nossa existência, é o que se lê no verso 7: “Se andarmos na luz como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”. Mantemos comunhão uns com os outros: com as nossas esposas, maridos, filhos, pais, irmãos, com os humanos que cruzam o nosso caminho, que atravessam a nossa existência. Mas, sobretudo e especialmente, comunhão é algo que acontece em torno do partir do pão, da com-panhia; com os com-panheiros, que, literalmente, são aqueles com os quais se divide o pão, aqueles que nós chamamos de família, chamamos de irmãos, chamamos genuinamente de
amigos, e, sobretudo tendo a fé como elemento pivotal desse vínculo e desse encontro. Se andarmos na luz como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros – nossa relação vira algo eucarístico, grato, feliz, harmônico. E o sangue de Jesus, o Filho de Deus, nos purifica de todo pecado. Não porque nós não tenhamos pecado, é o que diz o verso 8: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos e a verdade não está em nós” – é um autoengano horroroso, adoecedor e que nos impossibilita de nos percebermos. “Se, todavia, confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido
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“Ora, a mensagem que, da parte dele (da parte de Jesus), temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro. Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou.”
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Aparentemente existe um paradoxo nesse convite que nos convida para andarmos na luz como ele está na luz porque assim nós mantemos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus, o seu Filho, nos purifica de todo pecado. O contexto antecedente nos fala que Deus é luz e que nele não há treva nenhuma, e nos diz que aquele que anda com Deus não anda nas trevas, anda na luz. A suposição seria, portanto, que em nós não haveria treva nenhuma. No entanto, se diz que nós pecamos. E dizer que nós pecamos é dizer que em nós existem sombras. Também se diz que, em havendo pecado em nós, mesmo assim, paradoxalmente, se pode andar na luz e não nas trevas. E em dizendo que se pode andar na luz e não nas trevas apesar de ser absolutamente esmagador que se admita que em nós há sombras de pecado, nós andamos na luz confessando a nossa sombra, porque se dissermos que não temos sombra, que não temos pecado, fazemo-lo mentiroso e a verdade não está em nós. De modo que luz e verdade são a mesma coisa, no contexto do Evangelho. Até mesmo quando eu falo a verdade sobre a minha sombra, eu me ponho na luz. Se eu, todavia, não falo a verdade sobre a minha sombra, por mais que eu pense que assim esteja andando na luz, eu vou mergulhando em treva cada vez mais profunda, porque vou criando enganos e autoenganos, e vou deixando de me enxergar e de me perceber. De modo que até para andar na luz como ele na luz está – embora a luz dele seja absoluta e a minha seja um caminhar sob ele, e que vai me iluminando mas que não faz de mim um ser absolutamente iluminado; embora sendo a luz dele a
absoluta e a minha, uma luz que caminha em relatividade – eu preciso manter a qualidade da luz dele. E a qualidade da luz dele em mim é verdade. Verdade para admitir minha sobra, verdade para admitir minhas ambiguidades, verdade para admitir a realidade de quem eu sou e me enxergar. Do contrário, eu não ando com ele, eu não estou nele, a luz dele não está em mim. Porque a luz dele estando em mim, fica claro para mim quem eu sou, e ficando claro para mim quem eu sou, é inegável para mim mesmo o fato que eu tenho sombras. Daí, o aparente paradoxo: quanto mais eu ando na luz como ele na luz está, menos sobra o autoengano em mim mesmo quanto a, de maneira equivocada, hipócrita e sem autopercepção, pretender confessar que em mim não há pecado nenhum. Quanto mais próximo da luz, mais eu me enxergo. Quanto mais eu me enxergo, mais eu confesso que em mim há não poucos, mas muitos pecados. E se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso e a palavra dele, mais tragicamente ainda, não está em nós. Se, porém, confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. E João prossegue, dizendo: “Filhinhos meus, eu tenho vos dito estas coisas para que não pequeis”, quando ele mesmo, João, diz que nenhum de nós anda sem pecar. Outra vez, que paradoxo é este?! Se dissermos que não temos cometido pecado fazemo-lo mentiroso e a palavra dele não está em nós; ao mesmo tempo em que se diz: Tenho vos dito estas coisas para que não pequeis. Se eu entrar na segunda fase e disser: Daqui não peco mais, eu o faço mentiroso e a palavra dele não está em mim, e eu entro em sombra, em trevas – e densas trevas. Ao mesmo tempo em
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pecado, fazemo-lo mentiroso e a sua palavra não está em nós”.
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O apóstolo Paulo nos diz o seguinte, em Efésios 2:1: “Ele vos deu vida estando vós mortos nos vossos delitos e pecados”. Ele nos deu vida e nos encontrou mortos: espiritualmente mortos, seres apenas psíquicos, seres almáticos, seres pulsionais, seres de razão, cuja razoabilidade é extremamente questionável, porque está toda condicionada por um fluxo e uma carapaça de pensamentos que nós herdamos, que nos condiciona culturalmente, que nos manipula por todos os fluxos sociais aos quais Paulo chama de curso desse mundo, e que recebe uma influência invisível extraordinária daquilo que Paulo também chama de poderes mediúnicos do mal nas regiões celestes atuando nas nossas existências. De modo que até aquilo que nós chamamos de livre arbítrio é tudo, menos um arbítrio livre, pois é précondiconado de todos os modos. A melhor perspectiva de nós mesmos, a melhor situação e o melhor cenário para nós sem termos tido a iluminação graciosa do Evangelho (não da igreja, não da religião, mas do Evangelho; do Evangelho de Cristo, da luz de Deus, da luz do Espírito Santo, que não está contida entre quatro paredes nem aprisionada a doutrinas de homens: é livre, como Deus é livre) é estarmos ainda condicionados a essas coisas que nos condicionam – como eu disse há pouco –, sendo nós apenas seres psíquicos, almáticos, pulsionais, de uma racionalidade questionável, e mortos, espiritualmente mortos, mortos em delitos e pecados. É aqui nessa afirmação de Paulo que se explica a contradição de João quando afirma que quem disser que não tem cometido pecado é mentiroso, ao mesmo tempo em que diz: Estas coisas vos tenho dito para que não pequeis; andem
na luz como ele está na luz. Ora, se eu ando na luz como ele está na luz, eu não deveria ter sombra nenhuma. Mas eu ando na luz como ele está na luz admitindo a minha sombra, admitindo o meu pecado, confessando que o tenho. Ao mesmo tempo em que se diz: Tenho vos dito estas coisas para que não pequeis. Como eu entendo isso! Ele nos deu vida estando nós mortos nos nossos delitos e pecados. Quando se diz que se nós andarmos na luz assim como ele na luz está nós mantemos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado, se está dizendo que andando nessa luz nós ficamos gradativamente livres de um modo de pecar. Há um outro modo de pecar do qual nós jamais estaremos livres (mas nós temos advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo, o qual é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos próprios, mas, ainda, pelos do mundo inteiro), há um modo de pecar do qual eu não fico livre nunca, e se disser que não tenho cometido esse modo de pecar, eu o faço mentiroso e a palavra dele não está em mim. Mas há um outro modo de pecar, do qual eu posso ir me tornando livre, livre e livre; e preciso ir me tornando livre, do contrário eu não estou na luz e nem ando na luz e nem consigo ter comunhão com você – e nem você ter comunhão comigo –, nem no meu casamento, nem nas minhas relações paterno-filiais, nem nas minhas fraternidades, nem nos meus encontros humanos, nem na lida até mesmo com o inimigo (com o qual eu não tenho comunhão, mas posso atravessar a relação com ele sem que ele me faça e me obrigue a pecar com as devoluções do ódio, da amargura e dos sentimentos perversos e hostis).
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que se diz: Tenho vos dito essas coisas para que não pequeis. Que contradição é essa?
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Mas ele nos deu vida estando nós mortos também nos nossos pecados. No Novo Testamento grego a palavra original usada aqui designa o pecado essencial, o pecado da natureza, o pecado do ser – que não tem absolutamente nada a ver com a prática de delitos. Se eu digo que não carrego nenhum pecado, nenhuma sombra em mim, eu o faço mentiroso e a verdade não está em mim. Porque pela verdade eu reconheço quem eu sou essencialmente: eu sou ambíguo, eu, no mínimo, sou ambivalente, eu sou capaz de sentimentos contraditórios, de pensamentos que, caso se expressassem e se transformassem em atitudes e posteriormente em ações ou comportamentos, poderiam me tornar um ser absolutamente intragável e intolerável. Pela misericórdia de Deus esses sentimentos e pensamentos me passam, me atravessam, se eu amadureço na consciência, eu os repilo, eu os repulso, eu os afasto imediatamente. Mas mesmo na mais aguçada de todas as consciências o pousar, ainda que rápido, dessas coisas que em nós designam a nossa própria natureza (porque elas não nos vêm de fora, mas se levantam de dentro de nós) nos conta a história da nossa relatividade absoluta e do
nosso pecado. É o que se chama, no Novo Testamento, de amartia, que é equivalente a uma flecha torta que sempre se desvia do ponto preciso, por mais bem intencionado que seja o seu atirador – ele mira, mira, mas quando solta a flecha, ela, como é torta, nunca chega exatamente lá, nunca é absoluta. São sentimentos tortos, são afetividades tortas, são pensamentos tortos, por mais retos e lineares que sejam; são motivações equivocadas, por mais limpas que pensemos; são os surtos da nossa cobiça maculando até mesmo o nosso mais belo altruísmo; é a nossa presença inerente de vaidade prejudicando mesmo as nossas ações de maior bondade. Todos nós temos isso e somos assim! E se dissermos que assim não somos, fazemo-lo mentiroso e a palavra dele não está em nós. E se dissermos que assim não somos inviabilizamos qualquer projeto de relação humana, porque o primeiro passo na relação com Deus e com os homens é saber, admitir e confessar que somos assim; a fim de que não tenhamos de, pulsionalmente e no comportamento, nos expressarmos desse modo. O evitar o delito começa pelo admitir a tortuosidade da nossa própria essência. Quem nega a sua essência manifestá-la-á de algum modo, pela mentira praticada contra si mesmo. Aquele, todavia, que admite a sua essência dissolve as suas sombras; a luz o habita, a verdade o possui, a fantasmagoria mentirosa vai embora. Cada um capaz de reconhecer-se diante da luz de Deus desmonstrifica aquilo que, mais cedo ou mais tarde, pelas negações avolumar-se-á e manifestar-se-á como delito horroroso, quebrando vínculos e relações. Ele nos deu vida estando nós mortos nos nossos delitos e pecados.
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Então, que ambivalência é essa? Acompanhem-me aqui: Ele nos deu vida estando nós mortos nos nossos delitos e pecados. Se eu cometo delitos, eu não tenho como ter comunhão com você, porque o delito é contra o próximo. O delito é um agravo relacional. O delito é aquilo que praticamos e que fere, que machuca, que choca, que agride, que provoca, que engana, que mente, que ofende, que lacera, que rasga, que destrói o próximo e a vida dele. O delito é relacional. Está dito que ele nos deu vida estando nós mortos nas nossas deliberações erradas, nos nossos delitos.
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E a primeira verdade a ser admitida e a transformar meu ser em luz é esta: eu sou essencialmente um ser ambíguo, ambivalente. Ou seja, eu sou pecador, eu peco. Não porque eu pratique delitos todos os dias, não é pelo que eu faço, antes, é por quem eu sou – o “sou” e o “eu” que
ninguém conhece, e que pode se internar num monastério, pode se deixar prender numa camisa de força, pode existir pela passividade ou pela contenção sem praticar nenhum delito, mas, ainda assim, é essencialmente habitado por um mundo de subjetividades em sombra, em pecaminosidade. Eu não sou pecador porque peco; eu peco porque sou um pecador, por causa de quem eu sou. Mas quanto mais coragem, na verdade, eu tenha de me enxergar e de admitir quem sou, menos as sombras têm chance de se adensarem, de se monstrificarem dentro de mim a ponto de formarem algo denso e que se projeta de mim transformando o que antes foi um pensamento, um sentimento, uma emoção, uma afeição perversa, um desejo cobiçoso, uma fantasia, uma elaboração mentirosa, naquilo que ganha concreção em atitudes, em comportamento, e que inevitavelmente se transformará em delito relacional que vai não apenas me ferir – porque quem quer que o pratique, se fere – mas vai ferir outros. E isso, porque tudo não começou a ser sarado no âmbito da luz que admite a sua própria sombra, na presença de Deus, com verdade. E, aí, quando eu não tenho o medo de me enxergar diante de Deus e confesso os meus pecados, ele é fiel e justo para me perdoar os pecados e me purificar de toda minha injustiça. Isso é luz. É a luz de quem admite sua sombra com verdade. E em admitindo-a com verdade, a manifesta para si mesmo e diante de Deus e da sua própria consciência. E assim fazendo, tudo que se manifesta sai da escuridade e se torna luz, e morre antes de se tornar delito, antes de tornar pulsão incontrolável, antes de se tornar os fenômenos à revelia que vão arrebentando a nossa existência e a de outros fora de nós.
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E João diz também: “Se nós andarmos na luz como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus, o seu Filho, nos purifica de todo pecado”. Por que nós temos tanta dificuldade em manter comunhão uns com os outros? Por que tanto conflito? Por que tanto choque? Por que tanto susto? Por que tanta complicação? Por que tanta decepção? Por que tanta hipocrisia? Por que tanta fantasmagoria assombrando relações quando a gente se achava e se sentia pacificado e tranquilo em relação ao outro? Porque quem não se enxerga e não admite quem é, quem não confessa que não apenas cometeu, mas comete pecados todo dia (ainda quando não os pratique como comportamento e exterioridades, mas comete-os na subjetividade, nos pensamentos, nas afetividades, nas emoções, nas pulsões, nas motivações), quem não tem e não faz esse reconhecimento todo dia, esse não está na luz! Este é o paradoxo: a minha luz decorre da admissão real, humana, verdadeira, inequívoca, visceral e sincera de quem eu sou, das minhas sombras. Isso é verdade. E onde há verdade há luz, onde há luz há verdade. Verdade e luz são, em Deus, a mesma coisa. Mas se não existe em mim essa verdade, como andarei eu na luz assim como ele está na luz?! A luz dele é absoluta, nele não há treva nenhuma; a minha luz é relativa, eu tenho que admitir a minha sombra. E quando eu confesso a minha sombra com verdade, tudo que se manifesta é luz.
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E por que eu estou dizendo essas coisas? Porque todos nós somos chamados a tomar consciência, em primeiro lugar, dessa dimensão essencial da nossa doença
humana, da nossa rachadura íntima, da nossa psicose básica de que muitas vezes o bem que queremos fazer não fazemos, e o mal que não queremos fazer nós nos assustamos com, no mínimo, a pulsão dele dentro de nós. Admitir essa verdade não nos coloca no lado da escuridade da existência. Admitir essa realidade nos põe dentro da luz. E, aí, manifesta-se uma engrenagem espiritual-psicológica do Evangelho que nenhuma das sabedorias deste mundo jamais desenvolveu: aquela que diz que tudo que é trazido de dentro de nós, pela verdade que não camufla a autopercepção, que não tenta se autoenganar, mas, ao contrário, se expressa e se confessa, por mais estranha, por mais que socialmente a achemos desprezível, por mais que nós mesmos nos julguemos e queiramos escondê-la ao máximo dentro de nós; se nós tivermos a coragem de trazêla à luz como confissão e a expusermos diante de Deus (e, em algumas ocasiões, quando é necessário, até sendo capazes de confessar uns aos outros), tudo aquilo que assim se expressa, sendo manifesto, desmonta toda engrenagem da pulsão perversa dentro de nós e se torna luz na nossa vida. Aí, nós temos chance de ter comunhão uns com os outros. Somente assim. Do contrário, nós formamos um grupo de bandidos fraternos, um banditismo fraterno; ou, também, nós nos casamos em mentira, em traição, em engano, pois de outra sorte, todo casamento é adultério. E aqui ninguém está recomendando o “sincericismo” que faz alguém chegar para o cônjuge dizendo: Você não sabe o que foi que me passou pela cabeça hoje... Não. O outro apenas tem que ter certeza absoluta da minha não camuflagem. Isso não tem que se transformar numa confissão neurótica de todos os movimentos e
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Por que tanta falta de comunhão? De comunhão conjugal? É por causa de uma incapacidade enorme que cada um tem de olhar para si mesmo, de se enxergar; de se enxergar em Deus, de se enxergar diante do outro. Por causa de uma vergonha enorme das antigas folhas de figueira de Adão e Eva, das nossas camuflagens idiotadas que querem esconder as nossas sombras. E em um casamento todas elas são expressas e depois vão se tornando delitos, à medida que nós as camuflemos, que não as enxerguemos, que não as admitamos, que não tenhamos a coragem simples da verdade que traz a sombra para fora e diz a Deus, diz ao cônjuge, diz aos homens: Eu não sou assim, eu carrego isto; a minha vocação é ser sem isto, mas para que eu me torne sem isto eu preciso confessar a ti, Senhor, e a ti, minha mulher, a ti, meu marido, a ti, meu irmão, que isto ainda me habita; perdoa-me, portanto, por isso. E aí, a luz ilumina tudo. Tudo. Mas quando eu camuflo, quando eu nego, quando eu busco me enganar e enganar o outro, eu não apenas faço Deus mentiroso – porque o testemunho que Deus dá sobre mim pela luz da verdade absoluta é outro – como também inviabilizo toda relação humana. Pois que relação humana pode existir sem verdade? Que comunhão de luz pode existir, se bandas e bandas, dimensões e dimensões do meu ser são densas sombras e densas trevas? É apenas uma questão de tempo, de gestão fadada à falência, mas isso manifestar-se-á; e os sustos chegarão, e os vínculos se quebrarão, e as amizades se desfarão, e as admirações morrerão. E as fraternidades se desfazem, e a comunhão se esboroa.
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A ênfase aqui, notem, é em “andar”. O verso 7 do capítulo 1 diz: “Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”. E o verso 6 do capítulo 2 diz: “Nisto sabemos que estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou”. E ele andou em verdade absoluta. E o absoluto da minha verdade é a confissão absoluta da minha relatividade, em verdade, nele. É a única maneira que eu tenho de andar assim como ele andou. Já que eu não sou absolutamente absoluto, que eu seja absolutamente verdadeiro na compreensão da minha relatividade. Aí, eu ando assim como ele andou e o sangue de Jesus, o seu Filho, nos purifica de todas as nossas relatividades; e eu não dou susto em ninguém, porque não se criam os volumes de pulsão, de pulsão, de pulsão, escondidas e fechadas: o produto do pecado, da
essência, do amartia, da natureza de ser que, em sendo negada, cada vez se torna mais tortuosa e labiríntica, mais pulsionada, mais assustadora, até o dia em que salta para fora de nós na forma de delitos chocantes e nós nos assustamos com nós mesmos e uns com os outros, pela deliberação, pelo delito que de pulsão virou uma destinação do ser consciente, que diz: eu vou fazer, e faz. Às vezes a sensação que me dá quando eu vejo essa multidão de negações, de mentiras, de enganos, de autoenganos, de gestão de toda sorte, é que a nossa idiotice é tão grande, a nossa estupidez é tão perversa, que é como se nós em estado de total escuridão pretendêssemos fazer cirurgias oftalmológicas precisíssimas nos olhos dos nossos irmãos. Isso é mais difícil do que é para dois virgens que se encontrem num quarto desconhecido, numa noite de lua-de-mel, fazerem uma cópula. É infinitamente mais difícil, porque o instinto acha, torna possível. Mas comunhão às cegas?! É todo mundo caminhando às cegas, tateando, esperando um milagre de não tropeçar, de não esbarrar em ninguém – pois não está vendo nada. Esbarra em um, pede perdão: ôpa, você estava aqui o tempo todo e eu não vi você, pois estou cego, ando nas trevas, mas nós podemos ter comunhão assim mesmo, você na escuridão e eu também. Essa é a comunhão dos irmãos, todo mundo dizendo: Não, eu não tenho cometido pecado, eu sou crente. Mas vai batendo em um, em outro; e pedindo perdão. Não devia assim, afinal de contas nós estamos na luz como ele na luz está, e nós mantemos comunhão uns com os outros. Mas essa é a nossa loucura: nós seguimos dizendo que não temos
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dinâmicas da minha interioridade e nem tampouco daquelas que por ele não foram nem sentidas nem captadas como energia nem como coisa alguma. Ele tem apenas que ter consciência de que eu tenho consciência de quem sou; e uma consciência sem autoengano e também corajosa o suficiente para declarar-se em manifestações de autopercepção que se transformam em explícitos pedidos de perdão e de reconciliação; os quais se antecipam, muitas vezes, no processo de que o outro tenha de sofrer curas divinas, porque nós mesmos já sejamos a cura milagrosa pela antecipação causada por nosso súbito reconhecimento sincero e não hipócrita daquilo que de nós procedeu e que não deveria ter procedido, mas tendo acontecido é imediatamente trazido à luz, na verdade. E o sangue de Jesus, o Filho de Deus, nos purifica de todo pecado.
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Mas quando eu confesso quem sou, os meus olhos se abrem. É estranho, mas quando eu digo: Na tua luz eu vejo a luz e na tua luz eu vejo as minhas sombras, ao enxergar as minhas sombras eu me ilumino e as minhas sombras se manifestam. E tudo o que se manifesta vira luz. E eu enxergo você, e você me enxerga, e nós podemos ter comunhão uns com os outros, sem engano, sem mentira, sem ilusão. E o sangue de Jesus, o Filho de Deus, nos purifica de todo pecado. E eu vou caminhando, todo dia, o caminho de que o delito vá se tornando cada vez algo menos possível e passível de se instalar no meu andar, porque aquele que confessa que permanece nele deve andar como ele
andou. E andar como ele andou é andar nos seus mandamentos. E andar nos seus mandamentos é andar conforme o seu amor. E andar conforme o seu amor é andar buscando a simplicidade da frutuosidade do fruto do Espírito, que, em sendo amor, é: paz, alegria, bondade, longanimidade, mansidão, domínio próprio – coisas contra as quais não há lei, não há delitos. Aí, nós podemos ter comunhão cada vez mais profunda e crescente uns com os outros, sem mentira, sem malícia, sem engano, sem desfaçatez, sem máscara, sem faz de conta. A minha verdade é admitir, todos os dias, diante de Deus, a minha natureza; e me enxergar. E quanto mais eu me enxergo nessa luz absoluta, mais as minhas sombras vão sendo diluídas, e mais chance eu vou tendo de caminhar sem o delito que fere o meu irmão. E mais crescem as possibilidades de que nós tenhamos verdadeira comunhão: comunhão conjugal, comunhão na família, comunhão fraterna, comunhão humana, comunhão em todos os níveis. E mais poderosa será a realidade de que cada um de nós andará purificado, porque o sangue de Jesus, o Filho de Deus, nos purificará e nos purifica de todo pecado. Se confessarmos os nossos pecados ele é fiel e é justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Filhinhos meus, tenho vos dito estas coisas para que não pequeis (delitos contra o outro) e para que no coração, tendo consciência de quem vocês mesmos são, vocês vão, dia a dia, trazendo para a luz a natureza de vocês mesmos e ficando cada dia mais livres dela, de maneira natural e sem angústia estrangulante. Tenho vos dito estas coisas para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, saibam: nós temos
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cometido pecados, que isso foi coisa do passado. Nós confundimos nossos pecados com os delitos: o tempo em que um roubava, ou que se corrompia no governo, ou que pulava a cerca. Agora a pessoa diz que não anda mais fazendo isso, que veio para o Caminho da Graça... Coitado. O indivíduo se sente culpado quando tropeça em qualquer coisa, mas ele “está na luz, andando na luz”. Mas ele não se enxerga. Porque o que pode fazer com que eu me enxergue, com que eu realmente fique na luz, é eu admitir que tenho cometido pecados, que eu sou relativo, que por mais firme que esteja, eu sou pura vaidade, que o meu melhor dia não é imaculado, que as minhas melhores emoções ainda carregam as manchas do meu egoísmo, que o meu maior altruísmo ainda tem, mesmo que de modo profundamente disfarçado, as pulsões do meu narcisismo. Eu não estou cometendo delitos, mas voltarei a cometêlos – será uma questão de tempo – se eu não admitir, todos os dias, na presença do Senhor, que eu sou pecador. Do contrário, a verdade não está em mim, e a palavra dele não está em mim.
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advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo. Ele é a propiciação, a cobertura, pelos nossos próprios pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro. Se andarmos na luz como ele na luz está, nós aprenderemos dia a dia a manter comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus me perdoará, nos perdoará, nos cobrirá, nos aperfeiçoará relacionalmente uns com os outros, de todo pecado, de toda ambiguidade, de toda relatividade. E dia a dia nós ficaremos mais livres daquilo que na sombra cresce, mas que na luz desaparece. Como o apóstolo Paulo disse, não que nós tenhamos alcançado a perfeição – de modo algum; mas esquecendo-me das coisas que para trás ficam, eu prossigo para o alvo (o meu alvo, o seu alvo), para o prêmio da soberana vocação de Deus, em Cristo Jesus, o nosso Senhor. E ele concluiu: Ora, todos nós que somos perfeitos, tenhamos esse entendimento. Essa é a mais perfeita imperfeição: na nossa relatividade reconhecermos a nossa imperfeição,
prosseguirmos para o alvo, sem sombras do passado, tudo atualizado na luz de Deus, no presente, no dia chamado Hoje. Essa é a perfeição dos imperfeitos. Esse é o absoluto dos relativos: em verdade admitirem-se na presença da verdade absoluta de Deus, todo dia. Isso nos cura, isso nos sara, isso vai nos tirando o poder do delito contra nós mesmos e contra o próximo. Isso vai nos colocando no caminho da luz, que não nos leva a tropeçar uns nos outros, a andar tateando (como eu fiz aqui, cautelosamente, para não criar um esbarrão). Isso nos mantém de olhos abertos, isso me faz enxergar você e faz você me enxergar. Isso cria a chance do nosso convívio ser possível, em qualquer âmbito das nossas relações. Apenas assim. Creia nisso. Se andarmos na luz como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros – aí é possível – e o sangue de Jesus, o seu Filho, nos purifica de todo pecado. Em nome de Jesus.
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Mensagem ministrada em 23/10/2011 Estação do Caminho - DF
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