Marca de Sucesso
por Nayara Martins e Luiz Carlos
Mariana Mendes, a mineira que estรก conquistando o mundo com sua marca de nascimento.
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Marca de Sucesso Texto: Nayara Martins Fotos: Luiz Carlos Lima
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Rompimento dos padrões e celebração da beleza
por Nayara Martins
Todo mundo é diferente; nós nos diferenciamos por meio de nossa altura, cor da pele, tipo físico, formato do rosto, cabelos, cor dos olhos, pintas, nariz, contorno da boca. Diferenças são nossas marcas registradas. E por falar em marcas, quem não tem uma? Aquele sinal em alguma parte do corpo que o acompanha desde o nascimento e o torna único. Recentemente, Mariana Mendes, 24 anos, ganhou destaque no cenário nacional e internacional por sua marca de nascença. A jovem graduada em moda pela Universidade Federal de Juiz de Fora é natural de Patos de Minas, onde atualmente trabalha como assistente de estilista. O sorriso doce combinado à postura alegre e confiante que Mariana expressa em suas fotos nas redes sociais, chamou a atenção de Joshua Saunders, um jornalista britânico que reside em Nova Iorque, isso porquê Mariana possui um nevo melanocítico congênito grande, isto é, uma pinta, localizada entre olhos e nariz. Mariana conta que o jornalista entrou em contato com ela através do Instagram, demonstrando interesse em realizar uma matéria sobre a jovem devido à espontaneidade e autoconfiança que exibe em suas fotos. Ela revela que o fator que chamou a atenção do jornalista foi o fato dela não ter vergonha ou demonstrar timidez por conta de sua pinta, sendo que outras pessoas na mesma situação poderiam não reagir com tanta confiança e naturalidade. Após dois meses
de conversa, o artigo de Joshua foi publicado; Mariana relata que, após a publicação, diversos meios de comunicação do Brasil e do mundo entraram em contato desejando conhecer sua história. O sucesso foi tão grande que a jovem foi destaque até mesmo na Rússia e Alemanha. A pinta foi o diferencial que a colocou em evidência nas redes sociais, sendo hoje uma personalidade que inspira milhares de garotas e garotos a celebrarem sua beleza. Mariana levanta a bandeira da autoestima; mostrando que o bonito não deve ter padrões. Na moda, encontramos muitos exemplos de modelos que se tornaram grandes fenômenos por não possuírem perfil padronizado, destacando-se exatamente por suas diferenças; como a modelo albina sul-africana Thando Hopa, a senegalesa Khoudia Diop, coroada pelos internautas como “deusa da melanina”, devido seu tom de pele único, a portoriquenha Natalia Castellar por suas sobrancelhas grossas e a norte-americana Salem Mitchell por suas sardas. O professor e design Luiz Fernando Ribeiro explica: “A moda vem alterando os padrões, desde a década de 60, quando houve a inserção da mulher negra nas passarelas, hoje à moda é democrática. As marcas e os designs não têm procurado mais por aquele padrão de modelos estilo Calvin Klein: loiras, altas e olhos azuis – americanizadas. Atualmente vemos que existe a preocupação com o públicoalvo. A moda se adequa ao
consumidor que pretende atingir.” Luiz Fernando Ribeiro ainda revela que chegamos a um momento em que as pessoas almejam o diferente. “Nesse mundo padronizado dos iguais às vezes procuramos por pessoas diferentes. E essa questão da busca pelo diferente é muito interessante. Está tudo tão igual que buscamos por personalidade. As pessoas querem tornar-se diferentes, seja com piercings, tatuagens, mudanças no corte e na cor do cabelo, nas roupas. Nós queremos ficar diferentes e para isso vamos utilizando de todos os recursos, inclusive aqueles que a moda nos oferece.” Para a coordenadora do curso de bacharelado em Moda da Universidade Federal de Juiz de Fora, Monica Neder, as diferenças tornam-se sucesso porque atraem olhares. A especialista aponta que a moda não procura pelo diferente, mas destaca aquilo que foge do padronizado. E afirma: “As pessoas se interessam pelo diferente devido ao fator do inusitado ou pela identificação de pessoas que possuem as mesmas características físicas da personalidade em destaque.” E é por esta questão da identificação que Mariana vem inspirando milhares de pessoas. A jovem conta que recebe comentários de diversas partes do mundo, de homens e mulheres que não se aceitavam por causa de uma marca de nascença ou alguma característica física e a partir de sua história começam a repensar sua autoestima.
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Autoestima, aceitação e respeito às diferenças A jovem estilista, conta que nunca sofreu preconceito ou se sentiu desconfortável com sua pinta; o apoio da família, principalmente as palavras de sua mãe foram muito importantes para a construção de uma autoestima elevada. Mariana revela que sua mãe sempre teve uma postura de enaltecimento de sua beleza. Ela sempre me explicou: “Você tem uma pinta, mas não é nada fora do normal. Você é uma criança como as outras, todos temos diferenças. Tem criança que tem cabelo preto e existe criança que tem cabelo loiro. Tem criança que têm pinta e outras que não tem. Sua pinta é linda. Você é linda.” O jeito que ela transmitiu para mim, foi o jeito que passei a transmitir para as pessoas. Sempre encarando minha pinta como algo positivo e natural. A psicóloga Larissa Assis, especialista em psicologia infantil, destaca que o papel da família na formação da autoestima é muito importante: “A construção da autoestima ocorre através do contato com o outro e, pensando na criança, esse contato vem inicialmente da família. E este reforço da autoestima vem não apenas de elogios quanto à aparência física, mas também do apoio ao processo de descoberta e desenvolvimento da criança, mostrando que ela é capaz e a motivando ir além.” Larissa destaca que é muito importante trabalhar as diferenças tanto no ambiente familiar, quanto na escola e que elas devem ser trabalhadas com naturalidade, já que de fato nós somos todos diferentes. A profissional revela que é através do lúdico que a criança passa a compreender a si mesma e o mundo ao seu redor, sendo assim, a psicóloga aponta que no ambiente escolar as diferenças podem ser trabalhadas através de brincadeiras e histórias, com o uso de fantoches e incentivo a imaginação: “Os professores poderiam incentivar a identificação das diferenças entre os alunos, mas mostrando que somos todos diferentes e que não existe uma maneira melhor ou pior de ser. E que são justamente as nossas distinções que nos fazem únicos no mundo.” 32
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Sobre os padrões de beleza muitas vezes impostos pela sociedade, a psicóloga ressalta que eles influenciam na vida da criança dependendo de como o adulto que convive com ela lida com isso. “A criança pequena não codifica esses padrões como uniformes; na verdade, são os adultos quem ditam isso pra ela. Muitas vezes, elas questionam o porquê de só existirem barbies magras, por exemplo. No entanto, à medida que crescem e entram na adolescência, a depender do seu contexto e das próprias experiências, elas podem acreditar que de fato exista um padrão e podem vir a sofrer por tentar se encaixar em algo que não faz parte da sua realidade, chegando até a adoecer.” Larissa também revela que muitas vezes quando apontamos a diferença do outro, estamos tentando esconder a nossa: “Se aprendêssemos desde pequenos a nos perceber, sem dúvida não ficaríamos tão preocupados em julgar o outro. Por isso é muito importante que família e escola estejam atentas ao incentivo das diferenças, favorecendo uma base sólida para a autoestima e autoconfiança.”
Nevos: Nevo é o termo médico que descreve uma lesão na pele popularmente conhecida como pinta. A palavra nevo deriva do latim naevus e significa “marca de nascimento”. A médica dermatologista e preceptora do serviço de dermatologia do Hospital Universitário da UFJF, Maria Cristina Andrade, explica que quando a marca de nascença é formada por células produtoras de pigmento (melanina), ela é denominada “nevo pigmentado” ou “nevo melanocítico”. Estes nevos melanocíticos são pequenas manchas geralmente em tons escuros como marrons ou preto, com formatos regulares na pele que podem ser salientes ou não. 34
“Eu acho que não conseguiria me reconhecer sem a minha pinta. Ela sou eu.”
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Nevo melanocítico congênito x Nevo melanocítico displásico De acordo com a dermatologista Maria Cristina, o nevo melanocítico pode ser congênito ou displásico. Ela explica que o congênito é aquele presente ao nascimento e o displásico, o que surge após o nascimento, portanto é um nevo adquirido. O nevo melanocitico congênito pequeno e o mais comum, apresenta diâmetro menor que 1,5 centímetro. Existem também os nevos melanocíticos congênitos grandes, que possuem diâmetro entre 1,5 a 20 centímetros, e os gigantes, que apresentam diâmetro maior que 20 centímetros. De acordo com informações da federação Naevus Global, um site internacional que visa a conscientização e o apoio às pessoas afetadas por grandes nevos melanocíticos congênitos em todo o mundo, 1 em cada 50 a 100 recém-nascidos tem um pequeno nevo melanocítico congênito, dentre esse número, existem os casos mais raros: o nevo melanocitico gigante, que acontece 1 em cada 20.000 nascimentos. Quanto maiores, mais raros são. O site da federação também destaca que cada nevo é único, sendo todas as raças e etnias sociais igualmente propensas ao nevos em seus povos. A marca de Mariana é considerada um nevo grande. Os nevos melanocíticos displásicos são aqueles que não estão presentes ao nascimento, são nevos adquiridos e costumam apresentar irregularidade no formato ou coloração. Dessa forma, podem ser muito parecidos com um melanoma inicial. Estes nevos adquiridos surgem após os
6 meses de idade devido a fatores genéticos e por exposição solar, geralmente até os 40 anos de idade. Maria Cristina destaca que os nevos congênitos devem ser avaliados por um dermatologista, por se tratarem de lesões que apresentam uma clínica um pouco diferente dos nevos melanocíticos adquiridos. Ela exemplifica que nos nevos adquiridos o formato deve ser simétrico. A borda é regular e bem delimitada. A cor uniforme, e geralmente castanha, marrom ou cor de pele, sendo o diâmetro menor do que 6 milímetros. Ela destaca uma regra que ajuda a acompanhar clinicamente os nevos adquiridos: A regra do ABCDE: • Assimetria no formato, ou seja, quando se divide a pinta em dois lados, eles são diferentes. • Borda irregular ou maldelimitada – não possui formato definido, como oval ou redondo. • Cor variável, geralmente há áreas mais escuras e outras mais claras na mesma pinta. Podendo ser castanha, marrom, marrom escura, vermelha, azul ou preta. • Diâmetro maior do que 6 milímeros. • Evolução anormal, ou seja, modificação no sinal, seja crescimento, alteração no formato ou coloração, ou ainda desenvolvimento de sintomas como coceira ou sangramento. Já em relação aos nevos congênitos, a dermatologista Maria Cristina lembra que apresentam grande variação no tamanho, nas bordas e na simetria, por isso essas lesões devem ser avaliadas com minúcia por um dermatologista.
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Evitando o melanoma: A preocupação com alterações no nevo melanocítico é grande, devido ao risco do desenvolvimento de melanoma (Câncer). Mariana destaca as orientações de seu médico: “Usar sempre protetor e observar se não está mudando de cor ou tendo inchaço porque se mudar algo pode ser sintoma de algum problema.” O site da federação Naevus Global aponta que o melanoma em crianças com nevo melanocítico congênito é raro, apenas 1 a 2% de todas as pessoas com nevo melanocítico congênito desenvolvem melanoma durante toda a vida. Entretanto, a pesquisa e a dermatologista Maria Cristina alertam: apesar de o risco de melanoma ser baixo em nevos adquiridos ou congênitos pequenos e grandes, o nevo gigante apresenta maior risco. Desse modo, quanto maiores e mais numerosos forem, aumentam as chances de desenvolver melanoma. Ao sinal de alguma alteração, a recomendação é que se recorra rapidamente a um especialista, o médico indicará a necessidade de se fazer uma biópsia. Porém, como citado por Maria Cristina e de acordo com a federação Naevus Global nódulos, caroços e mudanças de cor surgem frequentemente de forma totalmente inofensiva, portanto apenas patologistas experientes saberão identificar corretamente se é um caso de melanoma ou não. Por isso, é importante frisar que mesmo se um melanoma for diagnosticado é importante uma segunda opinião vinda de outro médico.
Cuidado com suas marcas registradas:
Sobre os cuidados que se deve ter com as pintas (nevos), a dermatologista Maria Cristina destaca que as mesmas precauções e atenção que damos ao nevo melanocítico congênitos devemos dar aos adquiridos. Segundo a médica, as recomendações da Sociedade Brasileira de Dermatologia são: • Usar chapéus, camisetas e protetores solares; • Evitar a exposição solar e permanecer na sombra entre 10 e 16 horas (horário de verão). • Na praia ou na piscina, usar barracas feitas de algodão ou lona, que absorvem 50% da radiação ultravioleta. As feitas de nylon formam uma barreira pouco confiável: 95% dos raios UV ultrapassam o material. • Usar filtros solares diariamente, e não somente em horários de lazer ou diversão. Utilizar um produto que proteja contra radiação UVA e UVB e tenha um fator de proteção solar (FPS) 30, no mínimo. Reaplicar o produto a cada duas horas ou menos, nas atividades de lazer ao ar livre. Ao utilizar o produto no dia a dia, aplicar uma boa quantidade pela manhã e reaplicar antes de sair para o almoço. • Observar regularmente a própria pele, à procura de lesões suspeitas. • Consultar o dermatologista uma vez ao ano, no mínimo, para um exame completo. Deve-se evitar também traumas repetidos como arrancar os pelos da lesão. Na maioria das vezes, os nevos não necessitam ser removidos, excetuandose aqueles que apresentam alguma suspeita de malignidade, que precisam passar por remoção cirúrgica e realização de biópsia.
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Da redação: por Luiz Carlos Lima & Nayara Martins
A ideia de realizar um ensaio sobre marcas de nascimento, surgiu quando a Nayara leu uma notícia no portal da UFJF sobre a história da Mariana Mendes, em maio deste ano. O artigo falava sobre a visibilidade que a jovem estava alcançando devido ao nevos. “Eu senti uma grande identificação; é muito interessante ver alguém se destacar por um ponto em comum – uma marca de nascença – claro que as proporções de nossas pintas são bem diferentes, mas percebi que os pensamentos da Mariana eram semelhantes aos meus.” “Eu sempre enxerguei minha marca como algo positivo; as pessoas falam coisas lindas para mim e isso me fez crescer amando as pintas, acho todas incríveis e gosto de observá-las no outro.” Embora o nevo melanocítico congênito de Nayara seja menor que o de Mariana, os comentários que elas recebem nas ruas são semelhantes: “Me diverti muito no ensaio, descobri que também falam para Mariana sobre a famosa pinta da Angélica. Acredito que é a representação mais forte que temos do nevos na mídia de massa, por isso as pessoas sempre tentam relacionar.” Apesar da escassa representatividade de médias e grandes marcas de nascimento na mídia, podemos perceber que a maioria dos indivíduos tem algum destes sinais de nascença em seu corpo; como indica o site da federação Naevus Global, por ser algo propenso a todas as raças e etnias, sendo um ponto em comum dentro de toda sociedade. Ainda segundo informações da Naevus Global, não existe no mundo um sinal exatamente igual ao
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outro, sendo todos diferentes, seja no tamanho, formato ou cor, portanto uma marca de nascença pode ser um sinal que diferencia até mesmo os iguais, como no caso de gêmeos. Ao conversar com Mariana e ler os comentários em algumas de suas fotos, observamos que muitas pessoas a procuram para falar sobre aceitação e como a autoestima delas melhorou após conhecer a história da jovem estilista. Tentar se enquadrar em um padrão de beleza imposto e praticamente inatingível têm deixado indivíduos de nossa sociedade doentes, principalmente entre os mais jovens, que ainda estão formando e desenvolvendo sua personalidade. Mas, por qual motivo a beleza deve seguir um padrão? O que é a beleza, afinal? O dicionário diz que é a qualidade daquilo que é belo. Pesquisamos então o significado de belo e numa simples busca no Google encontramos as seguintes definições: “que produz uma viva impressão de deleite e admiração”; “cujas qualidades, presentes em alto grau, o tornam destacado entre os seus congêneres.” Portanto, o belo é tudo aquilo que nos cativa, promove admiração e que se destaca em meio aos iguais. Pensou em alguém assim? Nós pensamos em Mariana e por meio deste ensaio expressamos a exaltação da alegria e da beleza revelando o estilo da jovem estilista a partir do tema “Conexões Urbanas”, apresentando a tendência street através do moderno e do colorido das ruas.
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“Eu amo minhas pintas, as considero lindas. Pesquisando, descobri que nenhuma marca de nascença é igual a outra. É sensacional! Acho que isso nos torna realmente únicos no mundo.”
Nayara Martins
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