Histรณrias e relatos de quem vive sob a invisibilidade das ruas
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Slam: uma voz da periferia
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Ano 2 | Nยบ8 | DEZEMBRO 2017
os mergulhadores
Bernardo medeiros
C am i lla m arangon
Julia Garcia
Karina Gomes
matheus moreira
Jornal Laboratório da Faculdade de Jornalismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, produzido pelos alunos da disciplina de Técnica de Produção em Jornalismo Impresso Reitor Profº Dr. Marcus David
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Giulia Prata
lisandra Queiroga
tasso guimarães
Expediente
Felipe Frederico
Victor faria Vice-Reitora Profª Drª Girlene Alves da Silva
Diretor da Faculdade de Comunicação Social Prof. Drº Jorge Carlos Felz Ferreira Vice-Diretora Profª. Drª. Marise Pimentel Mendes Coordenador do Curso de Jornalismo Integral Profª Ms. Eduardo Leão
luisa Furlan
viviane dalathezi
Chefe do Departamento d Técnicas Lab Profª. Drª. Maria Cristin
Professoras O Profª. Drª. Janaina d Profª. Drª. Marise
Repórt Bernardo Medeiros, Ca
A cada mergulho, uma pauta Por Giulia Prata e Victor Faria Mais uma edição da Revista Periscópio está sendo lançada. Desta vez, produzida por um grupo de 12 integrantes com personalidades, gostos e objetivos diferentes, mas que compartilham um mesmo ideal: ser melhor naquilo que cada um faz, buscando serem profissionais diferenciados. Cada um de nós escolheu o Jornalismo por um motivo e, hoje, mais próximos do fim do que do começo, nos sentimos um pouco mais jornalistas. A cada período uma evolução. Neste último, o aprendizado foi transformador! Foi como aprender a nadar. Assim como o primeiro contato com a água gelada causa estranhamento, o primeiro contato com a prática do jornalismo impresso nos pareceu desafiador. Começamos a nadar no raso com o Mergulho Diário. A cada dia, íamos um pouco mais longe, até conseguirmos chegar no fundo do mar, o que, para nós, é mais conhecido como topo. Hoje, com o êxito da revista, percebemos que nos tornamos mergulhadores profissionais e mais preparados para os desafios advindos do jornalismo. Nesta oitava edição, tivemos a liberdade de escolher temas que dessem brilho aos nossos olhos e que fizessem nos sentir mais próximos das fontes. E, por sermos tão diferentes, o resultado final se tornou sinônimo de diversidade. Os repórteres mergulharam de acordo com a intensidade e o impacto social e emocional dos respectivos temas. Eles foram a fundo, em especial, em duas matérias. A primeira tinha como missão ir às ruas com um novo olhar, enxergando aqueles que, na maioria das vezes, nos são invisíveis: As pessoas em situação de rua. A segunda, aborda as condições em que vivem os idosos: Alguns contam com o cuidado dos familiares, outros não abrem mão de sua independência e há também aqueles que optam por passar essa fase da vida em casas de longa permanência. Os repórteres imergiram em matérias que estão ligadas diretamente à sociedade, de um modo geral, em perspectivas que relacionam passado, presente e futuro. Um dos temas que a Periscópio traz é o slam de periferia, um mo-
vimento que busca dar voz e representatividade, unindo poesia e rap para fazer do futuro próximo um espaço de igualdade. No som do meio-dia ressoa um apito. Quem passa no centro de Juiz de Fora e ouve o barulho sabe onde os ponteiros do relógio estão. A revista traz a história desse marco tradicional que acaba de completar 90 anos de existência. Indo do passado ao futuro, duas de nossas repórteres fizeram uma imersão num dado momento da vida que aflige a muitos, a procura pelo primeiro emprego. Elas falam dos desafios e das incertezas do mercado de trabalho no período pós-formatura, principalmente com a situação econômica atual do país, que interfere em todos os âmbitos sociais. Também abordando a crise econômica, outra reportagem fala da demanda de patrocínio no esporte, que tem sido cada vez mais escasso, principalmente em Juiz de Fora. Em outra editoria, reunimos as matérias de repórteres que buscaram temas próximos de suas realidades, não sendo necessário um mergulho profundo, uma vez que eles poderiam, até mesmo, ser considerados personagens do tema. Na superfície, uma de nossas repórteres que aprecia o mundo da moda conta sobre uma tendência que, além de ser uma forma de economia, visa também a sustentabilidade, os brechós. Na reportagem sobre a paixão por jeeps, uma de nossas repórteres faz um relato pessoal contando também histórias de grupos apegados ao veículo. Em Lima Duarte, acontece uma disputa capaz de movimentar a cidade. A gincana de LD não poderia ser relatada por outra pessoa que não fosse um repórter conterrâneo e íntimo do município. Ainda sobre esporte, uma das reportagens traz à tona o tema que abrange uma nova forma de jogar, os esportes eletrônicos. Esses são os estilos que escolhemos para construir o nosso nado nas matérias que têm muito a dizer e que você, leitor, vai encontrar no decorrer de cada braçada nesta edição da Revista Periscópio. Um bom mergulho!
Frederico, Giulia Prata, Julia Garcia, Karina de Métodos Aplicados e Gomes, Lisandra Queiroga, Luisa Furlan, boratoriais Matheus Moreira, Tasso Guimarães, Victor Faria ina Brandão de Faria e Viviane Dalathezi. Orientadoras Editores de Oliveira Nunes Giulia Prata e Victor Faria e Baesso Tristão
teres amilla Marangon, Felipe
Diagramação Giulia Prata e Victor Faria
Monitoria Leticya Bernadete Ruth Gonçalves Projeto Gráfico Giulia Prata e Victor Faria Contato mergulhodiario@gmail.com facebook.com/mergulhodiario (32) 2102-3612
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16 O som do meio
Marca do passado: Como vivem os idosos?
O som do meio
Bons resultados, pouco patrocĂnio
Slam: de f
O so
O m
35 4X4 Um estilo de vida
VĂtimas da Lei do Medo
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A ci une p
um novo jeito fazer poesia
30 Formei! E agora?
om do meio
som do meio-dia
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idade que se partir da divisão
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SUMÁRIO
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A Febre dos Brechós
48 eSports: a moda que movimenta milhões no mundo
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Vitímas leí do m Histórias, desafios e programas de solidariedade que envolvem a população juiz-forana em situação de rua
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da medo Por Giulia Prata e Victor Faria
“Na situação de rua, prevalece a lei do medo. Se você pode gerar medo, você tem a chance de ter o seu status preservado. Não vai ser ferido, não vão te esculachar, não vão te maltratar, não vão tentar aproveitar de você, porque sabe que você pode responder a altura.” Sanderson Franco - pessoa em situação de rua
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Foto: Victor Faria
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ntre o pessoal de rua não tem só pessoas que estão nesta situação por falta de sorte. Tem ex -presidiário, pessoas que saíram de hospitais psiquiátricos, tem os que perderam a casa e vieram parar na rua. Além de ter pessoas que vieram para a rua porque a família simplesmente não aguentou e mandou embora”. Esta fala é de Sanderson Franco, um dos personagens do cenário populacional no qual estão inseridas quase 900 pessoas nas ruas de Juiz de Fora. De acordo com um diagnóstico desenvolvido pela Secretaria de Desenvolvimento Social do município, e divulgado em 2016, 242 pessoas vivem integralmente nas ruas, 141 pernoitam em acolhimento e 496 sobrevivem da rua, mas retornam para casa. No total da população em situação de rua, os homens representam 80% . A cidade oferece algumas unidades de acolhimento para essa população, o que auxilia na sobrevivência, como albergues, abrigos, centros de convivência, casas de passagem e de apoio, além de instituições voluntárias e sem fins lucrativos. A reportagem da Periscópio esteve nas ruas da cidade para conhecer de perto quem são estas pessoas que, no corre-corre diário, muitas vezes, tornam-se invisíveis. Esta matéria pretende derrubar estereótipos interligados às pessoas em situação de rua, uma vez que, mesmo tendo encontrado histórias envolvidas à perdas e vícios, as mesmas carregam casos de companheirismo, amizade e superação, tudo isso consruídos nas calçadas, praças e em diversos cantos de Juiz de Fora.
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A rua como espaço, casa e sociabilidade
Foto: Victor Faria
Durante duas semanas estivemos nas ruas de Juiz de Fora numa busca de histórias e experiências vividas por pessoas que têm a rua como casa, ganha pão e obstáculo diário. Logo no primeiro dia tivemos a oportunidade de conhecer Sanderson Franco. Um rapaz de 23 anos que, à primeira vista, chama atenção pelo cabelo estilo moicano. Mas, bastaram 40 minutos de conversa para outro detalhe nos chamar a atenção, o conhecimento do moço. Ainda pequeno, ele foi morar em um abrigo. Seus pais foram denunciados por maus-tratos e, a partir disso, Sanderson passou a viver longe deles. Depois de completar 18 anos, foi morar com a avó, que hospedava também o pai dele. Por conta de conflitos familiares, o rapaz precisou viver na rua. “Estou há seis anos provando que a situação de rua não é exatamente o que as pessoas falam. Eu não roubo, não uso droga, não tento sacanaear alguém para me favorecer e o que o pessoal acha é que toda pessoa que vive na rua é o famoso mendigo, que vai prejudicar os outros só por não ter um lugar para viver ou por não ter uma situação parecida com as deles. Além de ter o preconceito e acharem que todo morador de rua é sujo”, desabafa Sanderson. O que mais o incomoda é sentir o preconceito e enxergar as feições de medo da sociedade. Segundo ele, as pessoas não querem sair de manhã e deparar com um morador de rua deitado na calçada. “Não é uma visão bonita, uma visão que vá agradar aos olhos. E a gente acaba por sofrer em dobro, porque a gente vê isso tudo de baixo. É como se houvesse uma película que é formada por esse preconceito, como uma névoa que a gente não pode ver. Nós não conseguimos enxergar uma mudança, uma luz, porque não há visão. Os poucos lugares que podem nos ajudar a colocar um farol no meio desta neblina toda são, por exemplo, o Pequeninos de Jesus, a Sopa dos Pobres, o Centro Pop, entre outros, mas que ficam fragilizados e estagnam o serviço, porque são muitas pessoas procurando.” Normalmente, ele dorme no albergue, o que não é sempre possível, devido à lotação do espaço.
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A perda familiar como reflexo da situação de rua Mesmo estando na rua, Sanderson prioriza sempre adquirir conhecimento: “Eu não consigo passar um dia sem ler”, diz o rapaz que frequentou a escola até o primeiro ano do ensino médio, quando foi impedido de estudar devido à situação de rua. “Eu tento preservar na minha consciência o que eu aprendi e o que eu continuo estudando, pelo simples fato de que, se eu não maturar isso, eu vou acabar esquecendo. Eu acho que o meu conhecimento e a minha sabedoria vão me precaver de cair naquilo que eu acredito ser o pior fim para o morador de rua, que é quando ele coloca sobre si o status de mendigo.” Para ele, o significado visual de mendigo é você esquecer quem é, para deixar de se cuidar. Sanderson declarou que na rua prevalece a lei do medo: “Se você pode gerar medo, você tem a chance de ter o seu status preservado. Não vai ser ferido, não vão te esculachar, não vão te maltratar, não vão tentar aproveitar de você, porque sabe que você pode responder a altura. É como se o seu status fosse preservado pela lei do medo. E, quanto maior a sua proximidade da imagem de mendigo, maior o medo que as pessoas sentem de você.
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Os principais motivos que levam as pessoas a estarem em situação de rua são: o alcoolismo, o uso de drogas, conflitos e perdas de familiares. Encontramos Rosana Silva, de 49 anos, na Praça da Estação. Assim como todas as cenas que presenciamos durante a jornada da reportagem, a imagem de Rosana também chamou nossa atenção. Carregando uma sacola com seus pertences na cabeça, ela carrega coisas ainda maiores na memória e no coração. Sua história na rua começou após a perda da mãe: “Depois que perdi minha mãe, resolvi sair de casa. Não fazia sentido ficar ali. Quando perdi minha mãe, eu perdi tudo”. Hoje, Rosana não consegue sair da rua por causa da dependência química. “Minha família tenta me levar para clínica, porque eu fumo crack, bebo cachaça, mas eu só vou quando eu decidir mudar minha vida. Hoje, com a pressão deles eu não aceito ser internada, acredito que indo pressionada vou ficar ainda pior”, ela afirma. Rosana mora na rua há dez anos e depende do Restaurante Popular e do albergue para sobreviver.
Um pelo outro: amizade construída pela invisibilidade Na rua, é possível encontrar todos os tipos de histórias. Superação, desafios e, até mesmo, casos de amizade. E não é aquele tipo de amizade que começou no colégio, na faculdade ou no trabalho. É uma mais incomum, que não se expõe nas redes sociais e que não está estampada em qualquer lugar. A amizade que começou na rua, dividindo dificuldades, compartilhando o frio, a fome e o desafio constante de vencer cada etapa do dia. Nós, que compartilhamos vários tipos de amizade, nunca paramos para pensar na existência dessa, até conhecer o senhor Olímpio e seu amigo Vanderlei. Olímpio Alves Bonfim tem 57 anos e há 20 vive na rua. Após o falecimento da mãe, revoltou-se e entrou em depressão, com isso, tornou-se alcoólico. Ele nos contou que é pós-graduado em Engenharia pela UFRJ e que já trabalhou em grandes empresas, como Odebrecht e Encol. Além disso, demonstrou o interesse de voltar a exercer a profissão. Já foi internado algumas vezes, mas acabou voltando para as ruas. Vanderlei de Oliveira Bernardes, de 49 anos, é natural de Três Rios (RJ) e também está na rua devido ao vício do álcool. Ele nos relatou que seus filhos estão tentando tirá-lo da rua e levá-lo para morar com eles. Pudemos notar que as pessoas em situação de rua carregam devaneios e histórias únicas e particulares. E, durante todo o diálogo, o que impressionou mesmo foi a parceria e o cuidado existente entre os dois. Tudo isso foi perceptível desde a abordagem. Vanderlei em pé, parecia vigiar o local, enquanto o amigo, Olímpio, dormia. Até mesmo o motivo de Vanderlei não voltar para a casa dos filhos está atrelado à amizade que eles criaram. “Meus dois filhos já vieram aqui me chamar para ir embora com eles, mas ainda não fui porque ele (Olímpio) não quer levantar daí e ir comigo. Não posso deixar ele sozinho, até porque, quando eu sumo, ele fica preocupado”, conta Vanderlei. Foto: Victor Faria
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A depedência química: uma das grandes razões para permanecer nas ruas
Mais um exemplo de companheirismo é o de Michele Gomes e Fábio Casemiro, ambos de 36 anos. Eles estão juntos há 16 anos e têm dois filhos. Possuem moradia, mas atualmente, eles vivem em uma barraca, em frente ao Centro Pop. O motivo que os leva a permanecer na rua é o vício e a busca por liberdade. “Eu já trabalhei em vários lugares, até mesmo de carteira assinada. Eu trabalho bem, sou um excelente pedreiro, jardineiro, tenho diploma, mas eu não gosto de ser mandado”, alega Fábio. Michele tem uma personalidade forte, mas, quando se trata dos filhos, ela demonstra ser uma mãe dedicada, mesmo estando na situação de rua: “Meus filhos estão em casa, só nós dois que moramos na rua, porque aqui não é lugar de criança. Eu ligo sempre para eles, se há doação, eu aviso a eles, sempre que eu tenho dinheiro de passagem eu vou lá visitar.” A falta de condições financeiras não os impede de fazer uso do crack, o principal vício do casal, ou de outras drogas, porque, segundo Michele, “aqui em Juiz de Fora conseguir droga não é difícil, é mais fácil do que conseguir comida. Conseguimos 12
em qualquer esquina, se eu for em frente ao albergue, chego com meu cachimbo e falo: coloca aqui, e eles colocam”. O vício pode ser considerado um tipo de doença, que merece atenção e tratamento. Os dependentes quimicos não conseguem solução para o problema se não houver suporte. Em Juiz de Fora existem poucas políticas públicas voltadas para a população de rua, porém um dos avanços deste ano é a aprovação da criação do Dia Municipal da Redução de Danos, que será comemorado todo dia 24 de novembro, uma vez que, muitos deles, são dependentes de álcool e drogas.. O projeto de lei foi proposto pelo vereador Antônio Aguiar (PMDB). “Juiz de Fora foi a primeira cidade de Minas a instituir a lei de redução de danos. Então, o objetivo principal é promover debates, eventos e ações que tratem este problema com uma visão humanista, para entender que o usuário de droga necessita de tratamento. A política de redução de danos te ensina a conhecer melhor essas pessoas e o perfil social e financeiro das mesmas, para que assim, os gestores possam desenvolver ações que solucionem o problema social”, informa Antônio.
Foto: Victor Faria
A volta para casa Foto: Giulia Prata
Além de ouvir histórias de desafios e obstáculos diários, nós também presenciamos um momento de superação. Na Fundação Maria Mãe, encontramos com o senhor João Neves, de 60 anos. Ele foi até a fundação agradecer todo auxílio recebido pela Obra dos Pequeninos e dar a notícia de que havia voltado para casa há menos de um mês. O senhor João vivia na rua e o que o levou a sair de casa foi o vício pelo álcool. Assim como a maioria, ele também utilizou os programas existentes em Juiz de Fora, como o Pequeninos, e o Albergue. “A pior parte de morar na rua é ter que enfrentar a discriminação. Caso tente conseguir um serviço e falar que mora no albergue, você não consegue, porque a sociedade acha que todo morador de rua é igual”, afirma senhor João. Ele foi viver na rua, pela primeira vez, há seis anos, por escolha própria. Hoje, ele sorri por ter onde dormir, comer e tocar o seu violão que tanto ama.
Foto: Victor Faria
Foto: Victor Faria
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Projetos que garantem as necessidades básicas Vanessa Farnezi Coordenadora da Fundação Maria Mãe
Juiz de Fora é uma cidade que possui programas que objetivam acolher e se solidarizar com a população em situação de rua. A Prefeitura possui uma unidade responsável por coordenar projetos que atendam às necessidades e carências dessas pessoas, a Secretaria de Desenvolvimento Social. O Centro Pop é a porta de entrada para que as pessoas em situação de rua possam aderir aos serviços da Prefeitura. É o local onde elas são cadastradas. As pessoas da cidade, podem ser encaminhadas, pelo Serviço de Abordagem, para a Casa de Passagem para Mulheres e Famílias em Trânsito ou para o Núcleo do Cidadão de Rua (somente homens). Existe também a Casa da Cidadania, que é um acolhimento de adultos e oferece 35 vagas para homens e 15 para mulheres, quando é necessário ficar de forma permanente por algum tratamento de saúde. “O trabalho de acolhimento começa com o Serviço de Abordagem, mas ninguém é conduzido coercitivamente. A abordagem trabalha de segunda a sexta, das 7h às 23h, e sábado e domingo das 8h às 19h. Trabalham dentro de um mapa pré-estabelecido e de demandas da população”, explica Silvana Lemos, gerente do Departamento de Proteção Especial. A Casa de Passagem e o Núcleo do Cidadão de Rua são apenas para jantar, banho e pernoite. O Centro Pop fica aberto das 8h às 18h e oferece, na semana inteira, inclusive sábados e domingos, oficinas lúdicas de arte, teatro, música, além de 14
aulas de informática. O centro POP proporciona atendimento a 200 pessoas cadastradas e funciona como um espaço de convivência para os moradores de rua. De acordo com a coordenadora do centro, Amanda Carvalho, 39 anos, “hoje o local conta com o serviço de sete educadores, que promovem oficinas e atividades que são feitas em parcerias com a Secretaria de Educação ou com a Guarda Municipal, além de um voluntário que realiza o corte de cabelo. Ainda tem uma equipe técnica com duas assistentes sociais, duas psicólogas e uma pedagoga”. A Fundação Maria Mãe mantém a Obra dos Pequeninos de Jesus e é uma organização sem fins lucrativos que foi criada em 1983, com os objetivos de amparar, promover e recuperar pessoas carentes desabrigadas em Juiz de Fora. O projeto atende de 120 a 140 pessoas diariamente, oferecendo a elas roupa, café da manhã, acompanhamento com assistência social, evangelização e dando direito ao banho e a higienização, de uma forma geral. A coordenadora da Fundação, Vanessa Farnezi, lembra que o trabalho realizado, apesar das barreiras, traz muitas alegrias. “Precisamos dar valor a coisas que são simples. Se você está com calor, você toma um banho ou, se você está com frio, você pega um cobertor ou um agasalho. São pequenas coisas que, muitas vezes, eles precisam se humilhar para conseguir. O nosso trabalho é gratificante porque contribui com as necessidades básicas de todo ser humano”, diz Vanessa.
Roselaine Ribeiro Secretária
Mariá Franco Nutricionista
Outro programa disponível aos carentes em Juiz de Fora é a Sopa dos Pobres. Ela foi fundada em 1931 e, desde então, é servida uma sopa diária, de segunda a sexta de 11h ao meio-dia para qualquer pessoa, mas a grande maioria é de moradores de rua. Além do almoço, eles dão sobremesa e, geralmente cesta básica, distribuída quando recebem doações, além de enxoval para bebê e cobertor, entregues no mês de junho. O projeto atende a cerca de 200 pessoas todos os dias e conta com o serviço de assistência social, limpeza, secretaria, almoxarifado, cozinheira e 13 voluntários que ajudam na lavagem dos pratos e na preparação dos alimentos. Roselaine Ribeiro trabalha há 17 anos na Sopa e afirma: “A gente acaba se tornando amiga das pessoas, porque elas vêm aqui todo dia, e eu acho importante não julgar as pessoas porque cada um tem sua história”. A maior preocupação no trabalho da Sopa dos Pobres é com o preparo dos alimentos e com a higiene. “Não é possível elaborar um cardápio pelo fato de os alimentos serem doações, então o preparo é de acordo com o que tem. A preocupação é com a
Cláudia Vargas Assistente Social
limpeza e a higienização do lugar. A gente preconiza a lei da vigilância sanitária, RDC 216”, conta Mariá Franco, nutricionista do projeto há dois anos. A assistente social, Cláudia Vargas, além de ser responsável pelo projeto Renascer, que é direcionado a idosos acima de 60 anos, proporcionando oficinas de artesanato, bingos e palestras, também resolve algumas pendências dos frequentadores da Sopa. “Eu faço atendimentos no horário em que eles estão almoçando e faço abordagem de idosos, gestantes para saber se estão fazendo prénatal e, muitas vezes, acontece a busca ativa, eles mesmo me procuram e eu faço o que posso para ajudar”, informa Cláudia. Durante a produção da reportagem, nós pudemos vivenciar e sentir um pouco dessa realidade que, mesmo não sendo nossa, faz parte do nosso cotidiano. Conseguimos perceber que a falta de um lar nem sempre é a causa principal da situação de rua. Perdas, vícios e a busca pela liberdade os levam para rua, um lugar que é palco de amizades e laços que nasceram ali, mas também, como afirma Sanderson, é onde precisa aprender a pegar o orgulho, amarrá-lo e engoli-lo a seco. 15
Marcas do passado:
Como vivem os idosos? Por Karina Gomes
O Brasil, que era considerado um país jovem, vive o aumento da expectativa de vida, que está mudando esse quadro. De acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2060, a população com 80 anos ou mais deve somar 19 milhões de pessoas. Entre 2012 e 2016, o número de idosos (com 60 anos ou mais de idade) cresceu 16,0%, chegando a 29,6 milhões de pessoas. Com isso, dois grandes desafios fazem parte da realidade do país: a promoção da valorização de pessoas mais velhas e a garantia de que elas envelheçam com qualidade.
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O
lá – eu disse Oi, que bom que você chegou – comentou O., entusiasmada Você sabe quem sou eu? – retruquei A repórter! – foi a resposta Esse foi o início da conversa com a personagem que despertou a escrita dessa reportagem. Entre os diversos núcleos familiares em que os idosos se encontram, esse é um dos mais raros: três irmãs que moram sozinhas e cuidam umas das outras. O. é uma idosa de 94 anos de idade, que perdeu a visão há cerca de um ano, e mora com suas duas irmãs: I, de 87, e G, de 90. Desde que passou a não enxergar, não pode mais fazer as atividades que tanto gostava, como ir à missa e passear pelo bairro. Passa os dias deitada, ouvindo músicas religiosas no rádio e conta com os cuidados de suas companheiras de casa e de vida. “Eu não tenho muito o que fazer. Fico o dia todo rezando. Elas cuidam de mim e até implicam às vezes, coisa de irmã”, disse, com seu sotaque carioca. As três nasceram e foram criadas em Petrópolis/RJ. Solteiras, sempre viveram juntas e se mudaram para Juiz de Fora há mais de 30 anos. “Moramos em outros bairros da cidade. Fui catequista na Igreja São Mateus por muitos anos, e em outros lugares que me fugiram o nome. Viemos parar aqui porque é um bairro tranquilo, não tem preocupação, né?”, contou O. Elas moram sozinhas, e a casa é impecável, de forma como nunca presenciei antes. Tudo organizado nos mínimos detalhes. “Eu limpo a casa todo dia. Quer saber o segredo de ficar com o chão brilhando? Eu passo o pano seco em todos os cômodos e depois o úmido. Adoro fazer isso, porque distrai, né? O tempo passa e a casa fica limpa, do jeito que eu gosto”, afirma G, mostrando-me os cômodos da residência. “A gente gosta de ter as nossas coisas, o nosso canto. Nossos sobrinhos visitam sempre que podem, mas não queremos morar com ninguém, não gostamos de incomodar as pessoas. Gosto do meu cantinho, tudo do meu jeito.”, declarou I. E completou: “Eu e a G é que fazemos as compras, e depois entregam em casa. Tudo é a gente que faz.
Acham que velho não entende das coisas, mas, enquanto eu puder, vou cuidar de tudo”. Apesar de serem unidas, as três por muitas vezes se sentem só. “A gente já não pode sair muito de casa, só para fazer nossas coisas básicas, então faz falta ter gente por perto. Eu gosto de conversar, bato na porta dos vizinhos do prédio e pergunto como estão. Todos são meus amigos e me ajudam bastante”, explicou G. O. adora visitas e costuma contar histórias sobre o seu passado. Lembra de muitos casos com detalhes e emenda um no outro, como se naqueles instantes revivesse toda a doçura do passado. Por não enxergar, ela reconhece as pessoas pela voz e com as mãos. Com pouco tempo de conversa, mostrou-se uma pessoa muito carinhosa e demonstrou o quanto minha presença é importante para ela. “É muito bom ter uma companhia para conversar. Chega uma idade em que a gente se sente muito sozinha e sente falta de estar cercada de amigos Se quiser, pode vir aqui todo dia, jornalista.”, declarou. Entre conversas sobre o passado, perguntas sobre a vida, tanto da minha parte quanto feitas por elas, uma coisa é certa: a atenção e o tempo dedicado a ouvir suas histórias pode ser o que de mais importante vai acontecer no dia daquelas idosas. Ao me despedir, uma pergunta das três: “Amanhã você vem de novo?”. Casos como o dessas irmãs são cada vez mais raros. Em uma sociedade em que as pessoas têm cada vez menos tempo, e muitos idosos se encontram dependentes dos parentes, a procura por especialistas no cuidado de pessoas da terceira idade é cada vez maior. O assistente social, gerontólogo e participante do conselho municipal dos direitos da pessoa idosa, José Anísio da Silva, comenta que, com o aumento da população acima dos 60 anos de idade, surgem novas soluções para esse público. “A forma mais popular de atendimento no Brasil são as casas ou pousadas de longa permanência, mas outras formas de atendimento a esse grupo estão sendo implantadas no mundo todo, como por exemplo os condomínios fechados apenas para pessoas nessa faixa-etária’. José Anísio comenta também que estar
“É muito bom ter uma companhia para conversar. Chega uma idade em que a gente se sente muito sozinha e sente falta de estar cercada de amigos” aos cuidados da família não necessariamente é sinônimo de receber a atenção necessária. “Muitas vezes, o idoso vive com os familiares, mas não está mais inserido naquela realidade. Muitas vezes não perguntam sua opinião, não interagem e não o incluem em diversosas questões daquele núcleo. É por isso que muitos nessa situação sentem-se sozinhos, mesmo com muita gente por perto”, concluiu. O gerontólogo ressaltou também que a assistência e o acolhimento a essa parcela da sociedade não é uma responsabilidade apenas dos parentes, mas do poder público. “O que falta é o apoio público às pessoas idosas, principalmente as que já têm uma dependência instalada. Esse é o grande desafio. Essa responsabilidade em apoiar a população mais velha é da família, políticos e sociedade. Porém, apenas a primeira é cobrada e muitas vezes não têm condições de exercer esse papel sozinha”, pontuou José Anísio, que luta para que essa situação tenha mais visibilidade. 17
para onde eles vão?
Como são as instituições que recebem os idosos? Conheça a realidade desses locais
Com as novas formações familiares, as instituições de acolhimento aos idosos se tornaram opções em muitos casos. Segundo dados do Sistema Único de Assistência Social (Suas), há, no Brasil, 1.669 locais com esse serviço. Muitas pessoas conhecem apenas as instituições de longa permanência, denominadas popularmente como asilos. Porém, existem outros modelos, como os centros de convivência, nos quais os membros que têm autonomia praticam atividades recreativas e aprendem novos ofícios, os chamados centros para o dia, que, em geral, recebem pessoas que precisam receber algum tipo de atendimento terapêutico, e muitos outros.
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Segundo Luciana Fortuna, administradora de duas pousadas de longa permanência para idosos, os maiores motivos que fazem as famílias optarem por abrigar os membros da terceira idade nessas instituições são, primeiramente, o fato de todos trabalharem e passarem a maior parte do dia fora de casa. “Há também, em muitos casos, a falta de preparo para cuidar dos que possuem dependências, como a de tomar banho, se trocarem e até mesmo se alimentarem”, explicou Luciana. “A gente sabe que Ainda de acordo com a administradora dos é um tema muito centros de acolhimento, muitas vezes, esses locarente de ser falado, cais combatem a solidão, já que promovem aticheio de preconceito, vidades diárias para o exercício mental e corporal. Porém, há ainda um paradigma, que liga que merece ainda a permanência dos idosos em locais como esse muita atenção. ao abandono das famílias. “Isso não acontece, Tudo que é ligado pois fazemos um trabalho para que os familiaao envelhecimento, res estejam sempre presentes. Porque o carinho ainda possui essa daquele ente querido não pode ser substituído, cultura de fuga. Mas por maior que seja o carinho e o acolhimento se nós não falarmos que a gente dê. Além das visitas, promovemos sobre isso, o assunto eventos para reunir esse núcleo em datas cocontinuará obscuro. ” memorativas uma vez por mês e, principalmente, o aniversário de cada um”, contou Luciana. Ela relatou também que a instituição demanda algumas tarefas para os membros da família. Dessa forma, de maneira sutil, eles fazem com que os mesmos estejam sempre presentes. “Essas regras são, na maioria das vezes, de que o pagamento da estadia do idoso seja feita diretamente na pousada, trazer medicações e materiais de higiene todos os meses e ainda a participação nas festividades realizadas aqui”, esclareceu Luciana. A psicóloga de um abrigo de idosos, Monalisa Torres, conta que os que não possuem
uma participação ativa da família ficam mais distantes e não têm vontade de participar das atividades, na maioria dos casos. “Eles, às vezes, ficam até mais rebeldes com a gente, revoltados com o que propomos e com receio de se aproximar dos colegas”, destacou. “Eles não podem ser forçados a morar em um lugar em que não se sentem confortáveis. Nem a família e nem a equipe do centro de abrigamento tem autorização para promover essa mudança se eles não quiserem”, disse Monalisa. Ela ainda acrescentou que essa questão faz parte do Estatuto do Idoso e que, mesmo em casos nos quais a família não tem condições de cuidar, a escolha é do acolhido. Segundo a profissional, a maior necessidade observada nos idosos que estão lá é a de falar sobre o passado. “Eles começam a analisar os erros, as atitudes que não foram tomadas, e passam a pensar que a vida poderia ter sido diferente se não fizessem determinadas escolhas”, destacou Monalisa. Novos estudos e possibilidades estão sendo considerados sobre o assunto. “Com a mudança de cultura e perfil familiar, hoje já nos perguntamos como será a receptividade dos idosos homossexuais, os que não têm filhos, imigrantes e com outras referências familiares no abrigamentos. A gente sabe que é um tema muito carente de ser falado, cheio de preconceito, que merece ainda muita atenção. Tudo que é ligado ao envelhecimento, ainda possui essa cultura de fuga. Mas se nós não falarmos sobre isso, o assunto continuará obscuro. Temos que mostrar o que existe para esse público, quais são as alternativas de assistência”, expôs a pós-graduanda em geriatria e gerontologia e administradora de duas pousadas para idosos, Luciana Fortuna. 19
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pesar de as casas de acolhimento serem cada vez mais adotadas para a população com mais de 60 anos, ainda há os que não abrem mão de terem a própria residência. Amaril es Gomes (foto), 100 anos, mora na mesma casa há cerca de 70. “Quando mudei para essa casa, ela era muito pequena. Ajudei a construir do jeito que está e cuidei de todos os meus irmãos e filhos aqui”, declarou. De 12 irmãos, ela é a única que está viva, e coleciona histórias inspiradoras. Depois de cuidar de tantas pessoas, é a vez de receber os cuidados de toda a família. Sua filha Isabel, de 70 anos, mora com ela e dá todo o auxilio necessário. “Ela não aceita que pode receber ajuda. Quer ter a independência dela e fazer tudo sozinha. A gente tem que deixar, e estar ao lado sempre que precisar”, disse Isabel. A centenária acompanhou a evolução de Juiz de Fora e se recorda das antigas paisagens da cidade. “Antigamente não tinha essa quantidade de prédio e carro na rua. Quando surgiram os carros, os motoristas paravam para a gente passar, mas agora nós que temos que parar para eles”, analisa Amaril es. Muitos almejam chegar a essa idade, mas para ela, tem alguns pontos negativos. “A gente fica muito esquecida, a perna vai fraquejando e cabeça não é mais a mesma. Mas também, eu já tenho 100 anos e quatro meses, né?”, comenta. Amaril es enxerga também como a relação com os familiares muda com o passar do tempo. A autoridade alterna de figura, assim como as responsabilidades: “Os filhos se tornam nossos pais. A minha mãe se
chamava Isabel, e agora a minha filha com o mesmo nome se tornou uma mãe”. Apesar de ser muito lúcida e ativa, ela conta com alguns recursos em sua casa para auxiliar na rotina. Em seu quarto, ao lado da cama, há uma campainha que, ao ser acionada, emite o som no quarto da filha. No banheiro, algumas barras de apoio foram colocadas para que ela possa entrar sozinha, sem deixar de ter segurança. “Ela não aceita nenhum profissional para ajudar na limpeza da casa ou fazer companhia. Já contratamos uma enfermeira para ficar com ela durante o dia, enquanto eu fazia outras atividades. Porém, ela não conversou com a moça e na mesma semana pediu para que não viesse mais.”, contou Isabel. Ela ainda acrescentou que, para a mãe, ter alguém para ajudar dessa forma é como se a família estivesse dizendo que ela não pode se virar sozinha. Durante a semana toda, Amaril es recebe visita dos netos, bisnetos e sobrinhos. Com as crianças, ela faz questão de ajudar de alguma forma e mostrar que ainda é capaz de realizar muitas tarefas. A família relata que ela tem uma boa memória e se lembra do que os parentes disseram há bastante tempo, além de retratar com detalhes tudo o que assiste na televisão. E, para ela, um momento do dia é sagrado: “na hora da ronda, eu vou para perto do rádio ouvir todas as notícias, e a casa precisa estar em silêncio”, explicou aos risos. Já Lucélia, 89 anos, morou por quatro décadas em uma casa espaçosa com o marido e os filhos, e há três meses está em um pequeno apartamento.“Depois que meu marido faleceu, fiquei sozinha, porque os filhos já são casados. Eu não queria
abandonar minha casa, sinto muita falta das minhas coisas, do meu jardim, e das lembranças de lá. Aqui é muito pequeno, mas vim porque queriam colocar alguém para cuidar de mim, e eu não admito.”, declarou L. Seu apartamento fica em frente à casa de sua filha mais nova, para que ela esteja sempre em contato com a família e conte com eles sempre que precisar. Por conta do tamanho da nova residência, ela teve que deixar todos os móveis para trás, e esse é o maior motivo de se sentir sozinha, sem referências. “Uma grande carência que os idosos têm é a de manter suas referências, sua casa, seus objetos, e suas recordações”, explicou a psicóloga Monalisa Torres. É por isso que a maioria das casas de acolhimento procura manter a sensação de que eles estão em casa e que aquele lugar pertence a eles. Entre tantas histórias e lições, o que fica é a certeza de que essa parte da popupação merece uma atenção especial.
Contribua para a felicidade de um idoso Se esses depoimentos te emocionaram, você tem a oportunidade de ajudar idosos a passarem um Natal mais feliz. A Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa promove a 5ª edição da campanha de natal. 7 instituições da cidade estão participando, e os idosos escrevem o presente que querem receber. Até o dia 15 de dezembro, a pessoa interessada em contribuir deve comparecer ao Centro de atenção ao cidadão, na Câmara Municipal, e escolher uma pessoa para apadrinhar. 21
Slam: Um novo jeito de fazer poesia
Com temáticas voltadas para questões sociais, poemas são criados e declamados por jovens de periferia. Por Lisandra Queiroga 22
O espaço é diverso. Todos são bem-vindos. Pode ficar à vontade. Sentar na cadeira ou mesmo no chão. Rostos jovens e outros nem tanto assim. Cabelos brancos, pretos, rosas e azuis. Black power, liso, cacheado, crespo e trançado. Boné e touca também são acessórios comuns. Tem gente preta e tem gente branca. Tem muita diversidade. Nas pessoas, nas rimas, nas músicas.
Tem som. Rap. Hip-hop. Poesia. É esse o ritmo que antecede as batalhas de poesia. Silêncio. Atenção! A declamação vai começar. Olhos e ouvidos atentos e mentes abertas para absorver todos os versos. É esse o clima do slam, competição de poesia falada e performática que vem ganhando espaço em Juiz de Fora. O slam nasceu nos anos 1980, em Chicago, nos Estados Unidos.
Seu criador foi Marc Kelly Smith, um trabalhador da construção civil e poeta. O Poetry Slam trouxe uma renovação para os saraus de poesia e se popularizou rapidamente. A palavra slam refere-se, hoje em dia, a uma poesia autoral, escrita para ser dita. É um meio de expressão artístico e popular. Uma forma de poesia sonora considerada um movimento de expressão poética, social e cultural..
Slam é nóis Slam é voz Slam de perifa Como o slam funciona: Em geral, são 20 poetas, mas podem ser menos, na primeira fase da competição; Nenhuma apresentação pode passar de três minutos. As performances são cronometradas; Cada um deve levar três poemas autorais; Não existem estilos ou temas predefinidos para as poesias; A ausência de música e acessórios na declamação pautam a competição; O evento conta com apresentador, DJe júri, além do público que atua diretamente, inclusive escolhendo e vencedor; O júri popular é composto por cinco membros, escolhidos entre o público, que dão notas aos poetas de zero a dez. Quando os jurados são escolhidos, eles recebem um documento impresso com instruções sobre como julgar cada poema e devem ouvir as instruções do apresentador; O apresentador deve anunciar ao público o nome e uma breve descrição de cada poeta. Ele pede aos juízes que levantem seus cartões com as notas, e é responsável por fazer o evento seguir o cronograma e incentivar a platéia interessada na competição. Além disso, ele deve ser imparcial, inclusive o entusiasmo espontâneo deve ser controlado; O DJ é o responsável por toda a trilha musical do evento, devendo interagir como o apresentador e zelar pelo silêncio durante as performances; Dos 20 slammers da primeira fase, sete ou oito se classificam para a semifinal; A final pode ser disputada por dois, três ou quatro competidores; Na final, o público decide se vai escolher o campeão no grito ou se vão ser os jurados que vão continuar escolhendo. Geralmente o público opta por escolher; O vencedor leva um prêmio simbólico, como um troféu personalizado.
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O estudante Mohammed Silva, de 16 anos, conheceu o slam no início de 2016, e resolveu trazer essa ideia para Juiz de Fora. Em conjunto com o Coletivo Vozes da Rua o projeto se desenvolveu, e o primeiro evento foi em fevereiro desse ano. Desde então, diversas edições foram realizadas. A Escola Municipal Santa Cândida, também conhecida como Candinha, apoiou a ideia e deu espaço para o projeto acontecer pela primeira vez. Mohammed considera o movimento muito importante, principalmente quando acontece nas periferias. “A juventude das periferias tem ‘colado’ nesses eventos e declamado poesias fortes sobre suas vivências e críticas sociais.” O estudante, além de organizar e disputar as batalhas, também dá oficinas de slams pela cidade. “Nós, integrantes do Coletivo Vozes da Rua, damos oficina em qualquer lugar que nos convide. Nelas, a finalidade é fazer com que todos os participantes escrevam poemas, e nesse processo, a gente vai ajudando e dando dicas,” explica o slammer. Adenilde Petrina, integrante do Coletivo Vozes da Rua, acompanhou o início do slam em Juiz de Fora, criado pelos poetas do bairro Santa Cândida junto com o coletivo. Ela conta que tudo aconteceu naturalmente, foi uma necessidade das pessoas melhorarem e ampliarem seus horizontes. Moradora do bairro há mais de 40 anos, Adenilde tem uma relação de parceria com o slam: “Levo a poesia na comunidade, agregando a juventude que escreve e despertando uma nova visão da vida, para que tenham um horizonte melhor para poder analisar o momento que estamos passando.” Ganhadora do título de Doutora Honoris Causa, 24
dado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Adenilde acredita que a poesia é importante porque mexe com a sensibilidade. “Mexe também com a maneira de a gente olhar o mundo, a
meninada muito nova e que está com pensamento de adulto, escrevendo coisas ‘pesadas’, no sentido bom da palavra, porque o que eles escrevem é o que eles estão percebendo, é a realidade que eles estão viFoto: Lisandra Queiroga vendo. Nesse tipo de visão, é a poesia que educa. Educa o olhar, educa a maneira de ver o mundo, e educa também nossos ouvidos.” O slammer Rafael Chagas, de 24 anos, faz parte do Coletivo Vozes da sociedade e as pessoas. E o Slam de Rua, e também organiza o Slam de Perifa é super importante nesse ponto.” Perifa. Ele vê o movimento como uma Adenilde observa que os jovens co- forma de devolver a poesia para a meçam a se interessar por conhecer base, para onde ela nasce, do povo. a conjuntura nacional para poder es- “Acho que o slam é mais que uma competição, ele é um canal para as “Eu acredito muito nessa ge- pessoas extravasarem. Abre espaço ração. É uma meninada muito para elas anunciarem o trabalho de uma arte que é marginalizada, mal nova e que está com pensamento vista, que não tem incentivo social de adulto, escrevendo coisas ‘pe- para acontecer. Então, quando a genvem para uma periferia e faz um sadas’, no sentido bom da pala- te espaço onde o jovem pode vir, recivra, porque o que eles escrevem tar uma poesia que fala sobre a reé o que eles estão percebendo, é alidade dele, sobre aquilo que tange a vida dele, eu acho que isso é uma a realidade que eles estão viven- forma de revolucionar através da arte. do. Nesse tipo de visão, é a poesia Acho que essa é a função do slam.” O slammer Vitu Marcs, de 25 anos, que educa. Educa o olhar, edu- campeão da primeira edição do Slam ca a maneira de ver o mundo.” de Perifa, conta que o projeto é imAdenilde Petrina portante para resgatar a juventude e valorizar a periferia. “Muitas vezes a gente tem um discurso dominante de crever em suas poesias. “É uma forma cultura de ‘isso é poesia, isso não é. Rap de denunciar o que está acontecendo é poesia, rap não é.’ E eu acho muito agora, e de puxar as pessoas para bacana que o slam resgata isso e fala: pensar, para analisar o momento que ‘você é poeta, você é artista, você é estamos vivendo.” Ela ainda ressalta forte, você resiste!’, e traz a molecada.” a importância da poesia, que leva a O professor de literatura e poeta busca da informação e da leitura. “Eu Giovani Verazzani também é slammer, acredito muito nessa geração. É uma mas prefere ficar no público ouvindo as
parte do princípio de que todos são capazes de emitir uma opinião válida sobre arte. Rosane conta que achou muito interessante participar. “Tiveram alguns momentos que eu fiquei realmente emocionada porque eles falam de coisas que nós vivenciamos muito em nosso cotidiano. De professora eu virei aluna hoje, porque aprendi muita coisa legal.” Sobre a experiência de ser jurada, ela disse que tentou ser im-
Foto: Victor Faria
declamações: “Eu gosto muito de ouvir principalmente quando trazem coisas novas. Gosto quando trazem visões diferentes, ainda que óbvias, mas outras perspectivas. Até para eu escrever depois. Acho essa troca muito importante. O slam proporciona um crescimento cultural muito grande.” Ele afirma que o slam não é apenas entretenimento. “Consegue politizar, conscientizar, mais do que uma batalha de rap por exemplo. São múltiplas visões e muitas ideias. É palavra, não tem fogos de artifício pra tirar atenção. É no gogó.” Para Giovani, o slam em si não é uma competição. “A competição é uma desculpa para segurar essa galera. Você envolve mais o público. O objetivo é fazer o público ouvir o que todo mundo tem para falar. Para mim é mais importante eu ficar ali e pegar as visões que cada um está passando. Entender, ouvir mesmo, que é uma coisa que as pessoas não fazem hoje. E a competição estimula as pessoas a ficarem. Nessa, você vai absorvendo.” O professor conta que o slam é um gênero próximo a cultura hip-hop, e principalmente ao rap. “Tem muito poema priorizando rima, jogo sonoro. Embora haja muito trabalho poético mesmo, de construção de imagem. Mas também muito papo reto. Muita mensagem objetiva, direta e não só subjetiva como a poesia. Ele alterna. É um gênero novo de texto, e bem específico.” O slam tem caráter de poema, declamado, expressão do corpo, da voz, para passar a mensagem e envolver o público, dependendo do objetivo de cada slam. A professora de português Rosane Queiroga foi assistir as batalhas de poesias pela primeira vez, na segunda edição do Slam de Perifa, em novembro e foi uma das escolhidas para compor o júri da competição. O slam
“Vi muitas poesias que realmente tinham uma qualidade, tinham uma crítica. E eles são jovens. Pra mim, enquanto professora, isso é um alento muito grande porque a gente vê que os meninos aprendem. O rap é poesia também, e eles estão lutando por esse reconhecimento. Eles reconhecem pela arte, eles são promovidos pela arte. Eles se descobrem pela arte.” Rosane Queiroga
parcial, mas que é algo muito difícil. “Vi muitas poesias que realmente tinham uma qualidade, tinham uma crítica. E eles são jovens. Pra mim, enquanto professora, isso é um alento muito grande porque a gente vê que os meninos aprendem. O rap é poesia também, e eles estão lutando por esse reconhecimento. Eles reconhecem pela arte, eles são promovidos pela arte. Eles se descobrem pela arte. O que é muito legal.” As poesias que falavam da situação das mulheres, da vulnerabilidade, da solidão da mulher negra mexeram mais com a professora. “Teve uma poesia que um rapaz falou de valorização da mulher. Eu achei muito legal isso. Os homens estão sabendo o valor da mulher. Eu acho isso importantíssimo. É fundamental. São tabus que têm que ser quebrados. Pesquisadora da cultura da juventude negra, Aline Maia vê as batalhas de poesias como algo construtivo: “O slam possibilita ao sujeito que escreve e declama expressar seus sentimentos, expressar suas opiniões e expressar a si próprio, algo extremamente positivo, em termos de construção, conhecimento e da própria formação identitária.” Ela ressalta ainda o fato de o formato competitivo ser um atrativo para a juventude. “É uma competição de criatividade. Algo que visa estimular as pessoas envolvidas. A própria ideia de competição é um elemento que também é muito próximo, muito afim ao ser jovem.” Para ela, o slam pode ser visto como uma diversão reflexiva: “Ele visa pensar, refletir e construir a partir de vivências, de realidades que muitas vezes são negativas. Mas a grande questão é o que a gente faz com isso, e essas juventudes constroem em cima disso, produzem cultura em cima disso.” 25
As minas representam 26
Foto: Victor Faria
“Hoje em dia as mulheres estão na cena, envolvidas com o movimento, demonstrando a poesia contra o machismo, contra meios de discriminação das minorias. E isso está sendo muito gratificante, porque as mulheres estarem presentes na cena é muito importante para essa arte crescer.” Carola O slam me trouxe isso.” Depois de participar de alguns slams em Juiz de Fora, Laura conseguiu se classificar para a competição estadual. Nessa disputa, conseguiu sua vaga para o slam nacional que vai acontecer em dezembro em São Paulo. “Foi uma parada meio no susto, porque eu comecei esse ano. E consegui chegar! Meu sonho está sendo muito realizado.” Ela comenta que a cena de Juiz de Fora está muito boa para o rap, hip-hop e slam: “A galera manda muito bem. Acho que isso foi bom para fomentar. Muita gente começou a escrever por causa disso.”
Foto: Victor Faria
A slammer Ana Carolina tem 16 anos e na cultura hip-hop é conhecida como Carola. Para ela, o slam foi um espaço para mostrar suas poesias, demonstrar o que sente e falar sobre suas vivências. Ela conta que quando começou a se inserir nessa cultura, tinham poucas meninas. “Hoje em dia as mulheres estão na cena, envolvidas com o movimento, demonstrando a poesia contra o machismo, contra meios de discriminação das minorias. E isso está sendo muito gratificante, porque as mulheres estarem presentes na cena é muito importante para essa arte crescer.” Para a poeta Jo Brandão, o slam não é só resistência, mas também o condutor de muita idéia boa. “É um meio de juntar o útil ao agradável, que é falar de resistência, tanto para quem é poeta, quanto para quem sempre está no público, porque acredito que os competidores representam o povo.” Jo fica feliz pelas meninas estarem cada vez mais presentes nas batalhas, mas
ressalta: “O slam não segrega e, dessa forma, todos se sentem incluídos, todos têm voz. E por meio disso o feminismo, a luta contra o racismo tem ganhado força. Desequilíbrios sociais em geral e opressões diversas podem ser jogadas na cara da sociedade através do slam. E por outro lado tem o cunho poético, uma característica diferente de resistência.” A slammer Laura Conceição, 21 anos, ganhou a primeira batalha de poesias de Juiz de Fora, o Slam da Ágora, em fevereiro desse ano. “Isso foi importante para mim, para eu acreditar em mim mesma. Eu estava em um momento em que precisava que as pessoas acreditassem em mim, para eu acreditar um pouco mais.
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Vou contar uma história Se você for forte que aguente Começa com “Era uma vez” Mas o final não é felizes pra sempre
Até tombar no chão Todo dia, todo ano Aproveita que tá no chão e Passo o pano Mas levanta do chão Já é noite e noite é reprodução
E o medo de andar nas ruas ao sair? O risco do aborto ilegal Pois não há legal se eu não posso parir
Aquele sexo que não é bom Onde o homem goza, a mulher não
A grande mídia romantiza É historia de chacina Relações ‘abusiva’ Sexo cama todo torEstão matando as mento ‘mulher’ 50 tons de cinza? Aqui o ventre não é Aqui é 50 tons de solivre Buscam proteção na frimento. Mas calma, tô falanfé Vim contar pra vocês do do roxo que fica Na pele mas e o roxo O verdadeiro mistéQue fica na alma? rio da fé Todo homem existenMinha poesia é atual te Eu preciso vir aqui Nasceu de uma mufalar disso lher Porque isso não passa no jornal Congresso composVim aqui marcar mito nha presença Majoritariamente Tentando fazer difepor homens rença E eu lamento Os ‘boy’ não quer sa- Me chamam de sapatão ber de criar Só quer saber de go- Como se isso fosse ofensa zar dentro Aí pobre moça É do tanque pra louça Da louça pra forca Vai perdendo a força 28
Quero respeito sem faceta Eles têm medo pra caralho Da força de uma bu-
ceta Mulheres não podiam ir à guerra Mulheres vivem a guerra E eu tô pronta pro combate Pois na minha veia corre sangue delas Sangue de Joana d’Arc Sinceramente Se intolerância é padrão Eu prefiro ser heresia Pra dar um basta nessa bosta Que acontece todo dia Educação é o cerne da questão, saca? Em vez da sua filha viver recatada Ensine seu filho a não ser um babaca? Teoria teoria que ‘ces’ não praticam Então se lembrem desse poema Pois eu falo de forma enfática Mas minha poesia é mais bonita Quando ela é posta em prática!
Laura Conceição
Mulher preta Mãe preta Objetivo de força Te venero moça Em tempos que A casa grande é emprego E favela é senzala É… Oito horas de trabalho Aguentando surra verbal de patrão Duas horas de condução Quando não atrasa o busão Sempre correndo Rosto de semblante cansado E algumas sacolas nas mãos Chega em casa já aflita Pois terá ainda mais uma hora na cozinha Preparando sua marmita pro outro dia Pois do patrão nada pode esperar Ela reza pro salário não atrasar Pois ai se reclamar! Lei número um da casa grande A empregada sempre submissa Deve se comportar
ção Estão vidrados no celular O domingo se divide em duas partes A alegre manhã Vai pra feira com a amiga Pra muitos rotina Mas pra guerreira Motivo de alegria Depois a triste tarde O sol se põe Ela quase chora O peito arde Pois sabe que noutro dia Começa novamente o combate Oito horas de trabalho Aguentando surra verbal de patrão Duas horas de condução Quando não atrasa o busão Sempre correndo Rosto de semblante cansado E algumas sacolas nas mãos
E quem dera não fosse mãe solteira Tivesse alguém pra te ajudar Ter alguém pra poder desabafar Trabalha a semana intei- Pois por mais que parera ça E nem sábado pode a A mãe preta guerreira descansar Não é um robô Chega um pouco mais Que tem como único obcedo jetivo Mas tem casa pra arruTrabalhar mar Por que ‘ce’ já parou Roupa pra lavar pra pensar E já muito cansada Ela tem mais tempo pra Tira um tempo pra a famí- filha da patroa lia se dedicar Do que pra sua própria Pena que não dão atenfamília se dedicar
E ‘ces’ querem mesmo dizer que Todos temos chances iguais de o topo financeiro Alcançar? Mãe preta tá há 20 anos Tentando esse patamar alcançar Mas às vezes Num churrasco na laje de domingo Abre seu lindo sorriso Ao ouvir um samba que Faz da sua infância lembrar Mas ela segura pra não chorar Quando olha pro relógio E vê que pra casa tem que voltar Arrumar sua marmita e seu pertences Pra noutro dia tudo novamente começar Oito horas de trabalho Aguentando surra verbal de patrão Duas horas de condução Quando não atrasa o busão Sempre correndo Rosto de semblante cansado E algumas sacolas nas mãos Essa realidade ‘ces’ não vão ver na novela Mas esse tipo de vida Que leva quem mantém esse império E é tratado a miséria
Mohammed Silva
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Foto: Pixabay
Formei! E agora? Incertezas sobre o futuro profissional tornam angustiante um dos momentos mais esperados na vida de um estudante
Por JĂşlia Garcia e Viviane Dalathezi
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emprego após formada e isso a assustou bastante. “Eu tenho tido medo, pois existe mão de obra de estágio. E, enquanto houver a mão de obra do estagiário, que é mais barata, a chance de contratação diminui muito”, destaca. Juliana já deu aula em cursinhos, trabalhando da mesma maneira que um profissional formado, mas recebendo bem menos. Saulo Machado (25), estudante de Artes e Design na UFJF, conta que tem medo do futuro profissional após a formatura, já que sua área de formação é complicada: “A área artística é muito desvalorizada no mercado e ainda concorremos com os artistas que não se inseriram em uma instituição. Espero que tenha espaço para todos.” Ele enfatiza que vê a faculdade como apenas uma das portas de entrada para o mercado, mas acredita que ela consegue preparar bem o aluno: “A universidade cumpre o seu papel de formação de profissionais. Agora, espaço para todos no mercado é uma outra questão.” O estudante de Educação Física, Leandro da Silva Domiciano (26), está em processo de finalização do TCC, que será entregue ao final do primeiro semestre de 2018 e atualmente é estagiário em uma academia no centro de Juiz de Fora. O estudante contou que apesar de não saber se vai ser efetivado em seu estágio, está tranquilo em relação ao futuro. “Eu já sei do meu conhecimento técnico e o mercado é favorável. Tem bastante academias em Juiz de Fora e acho que desempregado eu não fico”, comenta. Ao ressaltar o conhecimento técnico que possui, Leandro aproveitou para comentar que a faculdade por si só não deixa o aluno 100% preparado para o mercado. Ele conta que além da
Foto: Viviane Dalathezi
Em meio à crise, entrar na faculdade pode ser um bom início na vida profissional e uma chance de se sobressair no mercado. Algumas vezes essa conquista é do próprio aluno e, outras, é um sonho depositado pelos pais que não tiveram a oportunidade de realizá-lo por conta própria. E, depois de conquistada a vaga na graduação, o próximo passo mais aguardado é o momento de receber o diploma. Num primeiro momento, essa parece ser a solução para todos os problemas. Após anos de estudos dedicados a um segmento específico, a esperança é de que o emprego na área venha de maneira tranquila e garanta prazer e dinheiro pelo resto da vida. Entretanto, a realidade é outra. Nem sempre o diploma garante uma entrada direta no mercado de trabalho e o medo a respeito do futuro profissional é uma constante entre os graduandos. Sem saber o que esperar do futuro, encontramos a estudante Juliana Belline, de 29 anos. Juliana termina agora em dezembro, com a entrega do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sua graduação em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ela conta que, até o momento, não tem nenhum emprego em vista e já se prepara para continuar estudando. A ideia é entrar na pós graduação e estudar mais alguns anos para seguir carreira de professora acadêmica. Juliana contou que entrar na faculdade foi uma questão cultural. Para seus pais a faculdade era uma etapa importante independente do curso. Ela viu na graduação em Letras a oportunidade de aprender outras línguas, o que sempre gostou. Durante o curso, a estudante percebeu a dificuldade que teria em encontrar
Incertezas sobre o futuro afetam maioria absoluta dos estudantes. 31
EXPANDIR CONHECIMENTOS PARA NÃO FICAR “PARA TRÁS” Estar aberto a novas experiências e descobertas é uma das dicas para quem está na graduação e tem receio pelo futuro profissional. A maioria dos cursos possui diversos ramos de atuação e quando o estudante se fecha apenas ao que lhe interessa, corre o risco de perder boas oportunidades e deixar de desenvolver novas habilidades. Guilherme Freire (23) é um exemplo de que novas experiências só têm a acrescentar. Ele se formou em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UFJF no final de 2016 e hoje trabalha como Designer Gráfico em uma empresa de Juiz de Fora. Ele conta que sempre gostou muito de ler e escrever e quando iniciou o curso se imaginava trabalhando em um jornal, na parte impressa, ou em alguma revista. Mas Guilherme acabou se apaixonando pela parte criativa. O gosto veio de vez depois que o estudante participou da empresa júnior do curso, já perto do fim da graduação. Ele conta que essa etapa foi decisiva na formação, pois foi quando adquiriu experiência de liderança, desenvolvimento profissional, aumentou o portfólio e estabeleceu uma rede de contatos que o colocou no mercado de trabalho. “Foi uma das melhores escolhas que eu fiz na faculdade. Eu não estaria trabalhando hoje se não fosse pelo meu trabalho no Movimento Empresa Júnior”, destaca. Ele sugere que os graduandos não percam as oportunidades de bolsas, sejam elas de treinamento profissional ou pesquisa, remuneradas ou voluntárias, empresa júnior e quaisquer outros projetos que a faculdade ofereça. “Correr atrás dessas oportunidades, fazer estágio e sempre atualizar o portfólio. Para nossa área e tantas outras, isso é muito importante”, comenta. 32
Para a professora de Enfermagem da UFJF, Maria Inês Gomes, a participação em eventos, apresentação de trabalhos e inserção em projetos de pesquisa, extensão e monitoria pode ajudar o graduando a se destacar não somente durante o curso, mas também após a formatura. “Isso enriquece muito o currículo e faz a diferença”, enfatiza. O estudante Luciano Mesquita (27) está prestes a se formar em Educação Física, pela faculdade Estácio de Sá, em Juiz de Fora. Ele apresenta o TCC agora em dezembro, ainda não sabe em qual área vai atuar, mas está disposto a encarar desafios. Seu objetivo, desde o início da faculdade, era trabalhar com musculação, mas como estar aberto a novas oportunidades é importante, ele resolveu se aventurar fora da área de interesse. “O que as vezes faz a gente pensar em desistir da faculdade é estudar por muito tempo e depois não saber se vai ter uma vaga no mercado de trabalho”, comenta. Hoje Luciano é estágiário em uma academia no centro da cidade e faz freelancers como recreador em um hotel fazenda localizado em Matias Barbosa, cidade vizinha. Ele conta que já tem algumas propostas de trabalho, mas ainda não sabe ao certo como será a vida depois da formatura. “Recebi uma proposta fora da minha área, mas acho que não vou querer, pois também estou encaminhado na área que eu gosto. Nada é certo. A gente vive uma incerteza”, ressalta. Alisson Reis (28), acaba de concluir a graduação em Educação Física também pela faculdade Estácio de Sá. Com o fim da graduação, vem também o encerramento do estágio que ele faz em uma academia, 15 dias separam os dois términos. “Eu nunca passei por isso de estar desempregado como estou agora. Tenho minha renda mas ela vai acabar e isso está me matando. Tenho medo de não trabalhar na minha área e ter que fazer outra coisa porque eu moro sozinho e tenho que me manter”, comenta. O estudante conta que sempre trabalhou, mesmo antes de começar a estudar, no último ano da faculdade teve de fazer o estágio obrigatório e se arrepende de ter se prendido a poucas experiências. “Se tivessem me dito na faculdade para fazer estágios em lugares diferentes, eu poderia ter ficado menos tempo em um lugar apenas e procurado outras oportunidades para ser mais visto. A faculdade deveria preparar as pessoas pra isso, pro mercado de trabalho.” Alisson ainda comentou o fato de que o curso enfatiza muito mais uma parte teórica e administrativa que muitas vezes acaba não sendo aproveitada pela maioria dos alunos que não têm condições de abrir o próprio negócio.
Foto: Júlia Garcia
parte teórica da graduação, ele fez estágio em uma outra academia e cumpriu as horas obrigatórias na mesma faculdade onde realiza a graduação, o Instituto Metodista Granbery, nas áreas de futsal e handbol. Leandro comentou ainda que, quando entrou na faculdade, sonhava em trabalhar como professor e lidar com crianças, mas ao longo da graduação descobriu que a musculação oferecia mais oportunidades. Acabou gostando da área e resolveu ficar nela de vez. O estudante disse que está apenas esperando a apresentação do TCC para saber se será efetivado em seu estágio. Caso não aconteça, ele começará a busca por um emprego.
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Arte: Júlia Garcia / Dados: IBGE
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NEM TUDO ESTÁ PERDIDO Os jovens representam, hoje, um total de 35% da população de desempregados em todo o mundo. Essa porcentagem, que representa algo em torno de 70,9 milhões de pessoas, mostra uma melhora significativa em relação ao auge da crise econômica mundial, ocorrida em 2009, quando existiam 76,7 milhões de jovens desempregados no mundo. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estima ainda que em 2018 o número deva aumentar em 200 mil, atingindo um total de 71,1 milhões de jovens. No Brasil, a recente crise econômica afetou fortemente o mercado de trabalho. A população total de desempregados no país (12,4%), de acordo com a última atualização divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao trimestre julho-agosto-
setembro 2017, recuou 0,6 ponto percentual em relação ao trimestre anterior (abril-maio-junho), quando somava 13,0%. Em relação ao mesmo trimestre de 2016, quando a taxa foi de 11,8%, houve alta de também 0,6 ponto percentual. O número de jovens desempregados diminuiu em 1,5% do primeiro para o segundo trimestre deste ano. De janeiro a março pessoas com idade entre 18 e 24 anos, representavam 28,8% dessa população, enquanto entre os meses de abril e junho o número foi para 27,3%. A economista Fernanda Perobelli analisa que o mercado de trabalho está saindo de uma das maiores crises já enfrentadas: “Ainda há um contingente enorme de pessoas desempregadas, mas nós acreditamos que o fundo do poço tenha chegado e esse mercado vá melhorar daqui pra frente.” De acordo com ela
alguns segmentos já apresentam melhora no ritmo de contratações e grande parte das contratações temporárias realizadas agora, no final do ano, vão se converter em empregos permanentes. A economista analisa que as dificuldades enfrentada pelos recém formados em se inserir no mercado não são exclusivamente pela sua condição (de “inexperiência”), mas, sim, decorrente dessa crise da qual o mercado vem tentando se livrar. Fernanda acredita, inclusive, que a pessoa recém formada leva vantagens na hora da contratação, porque, na maioria das vezes, ao entrar no primeiro emprego, ela não traz vícios de experiências anteriores e também acaba sendo uma mão de obra mais barata. “As empresas buscam no recém formado a novidade e a vontade de se dedicar e aprender”, comenta a economista. 33
FAÇA POR VOCÊ, NÃO PELOS OUTROS
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Foto: Pixabay
Fazer uma graduação muitas vezes é o único caminho que o jovem enxerga ao terminar o ensino médio, em grande parte por vontade de familiares. Isso acaba não sendo saudável e gera danos não só na carreira profissional, que, como não será realizada com prazer, pode não gerar os frutos desejados, mas também à saúde psicológica, que fica abalada com a situação. A psicóloga Gilda Helena falou sobre essaa pressão exercida sobre o jovem: “Os padrões que a sociedade impõe a nós - incluindo aqueles relacionados ao âmbito profissional, como ganhar bem, ser bem-sucedido, sair da faculdade com emprego - nos causam medo e ansiedade, pois seríamos dependentes de atingir esses padrões para nos realizarmos. Nesse contexto entra o autoconhecimento, pois, uma vez que você compreende seus sentimentos, desejos e pensamentos e entende que a vida profissional é apenas um aspecto do viver, você é capaz de se libertar desses padrões e do condicionamento que está internalizado na maioria de nós”, explica a psicóloga.
O som do Meio-Dia Matheus Moreira
A história de Juiz de Fora ressoa pontualmente às 12 horas. Memórias da população e do progresso embutidas nos 90 anos do Apito do Meio-Dia.
Chuva de papel picado no Edifício Clube de Juiz de Fora. Foto: Acervo Simón Eugénio Sáenz Arévalo 35
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Foto: Gil Velloso/Funalfa
Rua Halfeld, número 734. Quem passa pelas proximidades por volta das 12 horas presencia uma tradição que completou 90 anos. O Apito do Meio-Dia ressoa informando a hora exata. O som se propaga em meio às construções históricas e aos milhares de passantes diários. Um grito da Memória de Juiz de Fora. O Apito remonta ao tiro de morteiro adotado pela Academia do Comércio de Juiz de Fora, atual Colégio Cristo Redentor, em 7 de setembro de 1922, comemorando o primeiro Centenário da Independência Política do Brasil e marcando a hora certa do meio dia. Mas o costume de atirar com um canhão para o alto em plena cidade não durou muito e foi abolido dois anos depois. Em 1925, o proprietário da extinta Joalheria Meridiano, Arthur Vieira, inaugurou a primeira galeria comercial de Minas Gerais, a Galeria Pio X, ligando as ruas Halfeld e Marechal Deodoro. Uma empreitada arriscada e inovadora para a época. Arthur decidiu manter a tradição de anunciar a hora certa e, em 28 de Setembro de 1927, na companhia do Bispo de Juiz de Fora, Dom Justino José de Santana, do diretor da Associação Comercial de Juiz de Fora, Dr. Clóvis Guimarães Mascarenhas e do engenheiro responsável pela construção da Galeria, Rosino Bacarini, foi inaugurado o Apito do Meio-Dia. Coube a Dr. Clóvis acionar a ignição do motor trifásico comprado na General Eletric S/A por 3 Contos de Réis, aproximadamente R$369.000 em valores atuais, fazendo soar a sirene. Desde então, a tarefa de soar o apito na hora exata ficou sob a responsabilidade da Joalheria Meridiano. Em 23 de maio de 1961 o sinal foi votado como Utilidade Pública em sessão realizada na Câmara Municipal de Juiz de Fora. Atualmente quem aciona o Apito diariamente 30 segundos antes das 12 horas com duração de 1 minuto é o chaveiro César Lourenço, que trabalha há 45 anos na Galeria e assumiu a função após o fechamento da Joalheria Meridiano. Segundo ele, a incumbência da tarefa foi pedido dos donos da Meridiano e herdeiros da Galeria Pio X. “Depois que o Roberto e o Marcos Vieira fecharam a loja, me pediram pra ficar responsável por tocar o sinal”, conta. É uma tarefa que exige disciplina, César acrescenta que durante o período em que ficou responsável pela sirene só não tocou uma ou duas vezes. “Dessas vezes, me esqueci e perdi o horário. Então, se passa do horário, eu não toco mais, não posso dar a hora errada pras pessoas”, explica res-
O Apito fica instalado no telhado da Galeria Pio X
saltando que, se o sinal não toca “as pessoas cobram depois, sentem falta”. É o caso das lojistas Suelen Tavares e Tuane Magalhães que trabalham em uma loja de roupas bem na entrada da Galeria. “A gente ouve o apito e na hora olha o relógio, sempre toca meio dia em ponto”, lembra Tuane. Ela ainda acrescenta que gosta do alarme e se orienta por ele: “quando toca o apito eu saio para tirar meu horário de almoço, sempre depois que o apito toca porque sei que é meio dia, a hora certinha”. Mesmo se utilizando do sinal no dia a dia, as duas, assim como a grande maioria das pessoas que passam pela Galeria, não conhecem a história e a importância do Apito do Meio-Dia para a memória da cidade.
História que ainda ecoa Tantos anos servindo à população juiz-forana renderam ao Apito do Meio-Dia em 2004 o registro de tombamento como Bem Imaterial da cidade, o primeiro do gênero no estado de Minas Gerais, é o que conta o jornalista e membro representante do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, Wilson Borrajo Cid, que também é vice-presidente do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac). “Foi o primeiro do estado, antes mesmo do tombamento do queijo mineiro”. Wilson foi o responsável pelo pedido de registro do Apito como Bem Imaterial. Segundo ele, a importância do apito começou mesmo como utilidade pública “naquele tempo os meios de comunicação eram poucos, então era útil pra saber a hora ou mesmo, como na época não havia um Corpo de Bombeiros organizado, para avisar sobre catástrofes, enchentes e incêndios, que eram muito frequentes e para chamar os voluntários para ajudar”. Ele também acrescenta que o Apito marcava vários acontecimentos expressivos da cidade, como a visita de algum presidente ou político importante, a morte ou eleição de um novo Papa, entre outros eventos. “Eu me lembro que quando menino, devia ter uns 5 anos, subi nas costas do meu pai para ver, ali em frente ao Cine-Theatro Central, os ex-combatentes voltando da 2ª Guerra subindo a Halfeld ao som
Foto: Matheus Moreira
Detalhe do vitral da Galeria Pio X
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Foto: Gil Velloso/Funalfa
Fachada da Galeria Pio X, o projeto era considerado muito moderno na época
do Apito”. Wilson se preocupa com o futuro do Apito, “se um dia as pessoas desistirem de manter (o apito), eu acho que a Funalfa vai ter que assumir a responsabilidade de tocar, o que não pode é desaparecer.” Maria das Graças Oliveira é professora aposentada e tem 83 anos, foi moradora da Rua Halfeld durante quase toda a vida, se mudou por causa das escadas. Do sobrado em que morava, ela assistia aos grandes eventos da cidade desde criança: “as mulheres usavam chapéu ou cabelo preso, e os homens sempre de chapéu. Quando o Presidente passava, eles tiravam o chapéu em respeito, papai também tirava o chapéu na janela de casa”, diz em referência a uma das visitas de Getúlio Vargas à cidade. Ela ainda se recorda de outros momentos marcantes. “Na virada do ano, o apito tocava à meia noite, a rua já ficava branca da chuva de papel que o pessoal fazia cedo no dia 31, era a festa que eu mais gostava”, conta Maria das Graças.
A cidade e o apito O Apito do Meio-Dia resiste como lembrança de uma Juiz de Fora que já olhava para o futuro, que nunca se abalou frente às dificuldades e que não pretende ser esquecida. As memórias que ecoam junto ao som do meio-dia flutuam em meio à cidade que hoje tem outra cara, corpo etéreo de um tempo que firmou Juiz de Fora e a lançou no lugar em que ocupa, seja na história nacional ou no coração de quem a escolheu amar. Alguns dos acontecimentos importantes para a história da cidade e dos quais o Apito soou marcando e cumprindo o seu papel.
O Incêndio de 1930 Até hoje, este foi o maior incêndio em área comercial que Juiz de Fora já viu. Durante a noite do dia 3 de janeiro de 1930, próximo às 22h, um incêndio por pane elétrica se alastrou por várias casas comerciais na Rua Califórnia, atual Rua Halfeld. Como ainda não havia um Corpo de Bombeiros da cidade, o Apito se fez soar avisando a todos sobre o perigo e convocando voluntários para extinguir o fogo. O Corpo de Bombieros só
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Foto: Arquivo Maria do Resguardo
Trecho da Rua Halfeld atingido pelo incêndio de 1930
foi efetivamente instituído em 31 de agosto desse mesmo ano, após um outro grande incêndio no dia 25 de julho na Avenida Barão do Rio Branco.
1900º aniversário da morte de Cristo Extraordinariamente, Bispo de Juiz de Fora ca Romana foi a hora aniversário da morte
em 1933 a sirene foi acionada a pedido do às 15h, que segundo a Igreja Católica Apostólido calvário de Cristo, marcando assim o 1900º de Jesus e comemorando o Sacrifício Divino.
Enchente de 1940 No ano de 1940, Juiz de Fora enfrentou a sua maior enchente já registrada. Devido a fortes chuvas, o Rio Paraibuna inundou grandes artérias do centro da cidade como as ruas Marechal Deodoro, Halfeld, Floriano Peixoto, Getúlio Vargas e Praça da Estação. Somente na década de 1950, que o Presidente Getúlio Vargas liberou verbas para a abertura e retificação do Rio Paraibuna, eliminando bancos de areia e curvas que retinham a água provocando as enchentes.
2ª Guerra Mundial Em 28 de fevereiro de 1942, o apito soou anunciando a entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial. A partir dessa data, o Apito deixou de ser acionado, pois, por meio de decreto nacional, todas as sirenes e apitos de fábricas foram resguardados para serem acionados apenas em casos de risco de bombardeio aéreo. O decreto só foi revogado em 1944 quando passado o perigo de ataques ao país. Assim, as atividades retomaram normalmente com o Apito anunciando a hora certa. Em 8 de maio de 1945 soou às 10h assinalando o término da guerra. Em 2 de outubro do mesmo ano, o apito tocou por três vezes na comemoração do retorno de um contingente do 11º R/I sediado em São João Del Rei, parte do Escalão da Força Expedicionária Brasileira que lutou na bata-
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Foto: Acervo de H. Ferreira
Rua Halfeld durante a maior enchente que Juiz de Fora enfrentou, em 1940
lha conhecida como “Tomada de Montese” na cidade de mesmo nome na Itália. Enquanto os Pracinhas marchavam pela Rua Halfeld, salvas de palmas e chuvas de papel picado também marcaram o desfile.
Explosão dos paióis da FEEA Às 5h do dia 7 de março de 1944, o Apito anunciava uma tragédia, uma explosão em uma oficina onde se guardavam munições e materiais explosivos da Fábrica de Estojos e Espoletas de Artilharia, a FEEA (Imbel), que deixou 14 mortos e muitos feridos. Essa tragédia marcou a data que ficou conhecida como “o dia mais triste que Juiz de Fora já teve”. A causa exata do acidente nunca foi esclarecida, o acidente aconteceu durante o período da guerra e, na época, chegaram a cogitar sabotagem e espionagem. O cortejo fúnebre da tragédia durou quatro horas e mobilizou a população juiz-forana.
Getúlio No dia 31 de maio de 1945, o Presidente Getúlio Vargas visitou a Fábrica de Estojos e Espoletas de Artilharia na cidade, a FEEA, atual Imbel. O Apito soou durante o desfile em carro aberto do presidente pela Rua Halfeld. Um costume antigo e que continuou a se repetir durante as visitas de presidentes e políticos importantes a Juiz de Fora.
Golpe de 64 No dia 31 de março de 1964, por ordem do general Olímpio Mourão Filho, as Forças Armadas saíram de Juiz de Fora e se dirigiram ao Rio de Janeiro às 3h da manhã, no que culminaria no Golpe Militar de 1964, que implantou uma ditadura que durou 21 anos. Em 15 de Abril, por meio de ordem da 4ª R/M, o apito foi soado às 15h30 para comemorar a assinatura do termo de posse da “presidência” pelo Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
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Foto: Acervo Alberto Surerus Moutinho
Governador Magalhães Pinto e General Olímpio Mourão Filho comemorando o sucesso do Golpe de 31 de março que instaurou a ditadura no Brasil, Rua Halfeld, 1964
Foto: Acervo Ramon Brandão
Capa da revista O LINCE mostrando o cortejo fúnebre das vítimas da explosão da FEEA passando pela Av. Getúlio Vargas em 1944
Foto: Acervo Vanderlei Dornelas Tomaz
Getúlio Vargas desfilando em carro aberto pela Rua Halfeld em 1953, o desfile era costume em visitas presidenciais
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Bons resultados,
Com relevância no cenário nacional, esporte ju
“Falta à cidade acreditar mais no Tupi. O time é visto de uma forma por quem é de fora e de outra forma pela população daqui, que vê de maneira mais negativa.” Nicanor Pires, gestor de futebol do Tupi
“Eu tenho tirado dinheiro do meu bolso há muito tempo, e isso impactou demais a minha vida pessoal. Mas nós não vamos fazer mais isso. Agora, se tiver que parar, nós vamos parar.” Maurício Bara, diretor do JF Vôlei
Foto: ADVOCEF 42
pouco patrocínio
uiz-forano segue com dificuldades financeiras
“O início foi bem complicado. Achar uma pessoa para patrocinar apenas é bem complicado. Ninguém joga dinheiro fora.” Laércio Azalim, presidente do JF Imperadores.
“É muito simples falar que os empresários da cidade não apoiam o esporte.A situação econômica geral é muito complicada.E como uma cidade majoritariamente comercial,Juiz de Fora sofre muito com isso.” Sebastião Reis, empresário
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Foto: Carlos Mendonça
Estádio Municipal Radialista Mário Helênio é palco de jogos do Tupi e Tupynambás, em campeonatos nacionais e estaduais
A cada ano que passa Juiz de Fora ganha mais relevância no cenário esportivo nacional. O Tupi, que chegou a disputar a Série B em 2016, está na terceira divisão do Campeonato Brasileiro e na elite do futebol mineiro desde 2006. Mais recentemente, o Tupynambás voltou ao futebol profissional e luta pelo acesso à elite estadual. O JF Vôlei está no seu sétimo ano disputando a Superliga Masculina de Vôlei, sendo que, na temporada passada, teve sua melhor campanha, chegando aos playoffs. Ainda em 2017, surgiu o JF Imperadores, time de futebol americano que, logo no primeiro ano de existência, foi campeão da Conferência Sudeste da Liga Nacional e garantiu vaga na Brasil Futebol Americano, primeira divisão nacional da modalidade. Todos esses resultados são bons e importantes, mas se contrapõem a uma realidade negativa na cidade: a falta de investimento no esporte. O Tupi vai disputar o Campeonato Mineiro de 2018 com a menor folha salarial do campeonato. O JF Vôlei, nas últimas três temporadas, bateu o recorde de
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menor orçamento da história de toda a Superliga. Os Imperadores precisaram de uma “vaquinha” online para conseguir o dinheiro para a disputa da semifinal nacional contra o Jaraguá Breakers, em Santa Catarina. Esses são alguns dados que mostram a dificuldade de se gerir um time na cidade, que não é de hoje, seja ele de qual modalidade for. Empresário na cidade há mais de 40 anos, Sebastião Reis fala sobre a dificuldade financeira, que, muitas vezes, o impede de investir no esporte: “É muito simples falar que os empresários não apoiam. A situação econômica geral é muito complicada. E, como uma cidade majoritariamente comercial, Juiz de Fora sofre com isso. Muitas vezes, a gente se vê dividido entre pagar as contas (funcionários, impostos, etc...) e investir na marca da empresa. E o patrocínio no esporte não é tão barato. O investimento acaba sendo parecido com as propagandas na mídia, e esse é, muitas vezes, o caminho que os empresários optam, por ter o retorno mais imediato, e sem depender de resultados esportivos.”
Fundado em 1912, o Tupi Football Club é uma agremiação tradicional no cenário estadual. O clube coleciona grandes glórias, como o título de “Fantasma do Mineirão”, quando derrotou Cruzeiro, Atlético-MG e América-MG em Belo Horizonte e chegou a fazer um amistoso contra a Seleção Brasileira de Pelé e Garrincha, que terminou em 2 a 2. Mais recentemente, o alvinegro foi campeão da Série D do Campeonato Brasileiro, em 2011. No ano passado chegou a disputar a segunda divisão nacional, feito que não acontecia há muito tempo, mas não conseguiu a permanência e acabou rebaixado. As dificuldades financeiras são um fator histórico e conhecido do torcedor de Santa Terezinha. A disputa da Série B veio como um fator que poderia mudar isso, devido às cotas da televisão, mas não foi o que aconteceu. O clube acabou gerando mais dívidas no ano de 2016. Gestor do futebol Carijó desde o início do ano, Nicanor Pires também já trabalhou com o Ipatinga e o Nacional e contou que, nos clubes anteriores, não tinha tanta dificuldade como no Galo: “Juiz de Fora é uma cidade muito maior que Ipatinga e Nova Serrana. Mas tanto no time do Ipatinga quanto no Nacional, eu não encontrava tanta dificuldade para receber apoio da cidade, de empresários da região. Os dois clubes conseguiam se manter tranquilamente com esse apoio. Aqui em Juiz de Fora, a gente encontra muita dificuldade em ter o apoio da cidade em si. Às vezes, a gente consegue parceiros de outras regiões, mas daqui é mais difícil. Com quase um ano comandando o futebol do clube, Nicanor é responsável direto pela obtenção de novos parceiros e patrocinadores e alegou ter que buscar ajuda em outras cidades, já que não recebe grande apoio em Juiz de Fora: “Ainda não consegui detectar o porquê disso. Não sei se é cultural ou se os empresários não conhecem o valor do esporte. Quando eu estava pra vir pra cá, me relataram essa dificuldade e eu não acreditei, por conta do tamanho da cidade, mas hoje eu realmente estou vivendo isso. A gente tem patrocinadores de diversas regiões e seguimos conversando com empresas de Belo Horizonte, da Zona da Mata e do Rio de Janeiro. Eu acho
que falta à cidade acreditar mais no Tupi. O time é visto de uma forma por quem é de fora e de outra maneira pela população daqui, que vê de forma mais negativa.” Nicanor também conta como é feita a apresentação de patrocínio para os possíveis parceiros, já que visita diversas empresas oferecendo a parceria com o clube, na tentativa de alcançar novos mercados: “A gente apresenta as possibilidades de divulgação da marca. Ninguém consegue levar uma marca a nível nacional aqui em Juiz de Fora como o Tupi, e o fato de se tornar parceiro te faz participar do dia a dia do clube, de poder explorar esse cotidiano. Então a gente abre diversas possibilidades de divulgação de marca, não só como a exposição da marca na camisa, mas com eventos nos intervalos e outras movimentações.” Em 2016, com a disputa da Série B, o Tupi teve um maior aporte financeiro, por conta das cotas televisivas. No entanto, a maior visibilidade no cenário nacional não aumentou o número de parceiros do Galo, que continuou com um dos menores orçamentos da competição e acabou sendo rebaixado em décimo oitavo. Tendo em vista esse cenário, Nicanor disse que espera dificuldades mesmo se um dia o time chegar na primeira divisão: “Como eu não identifiquei o porquê dessa dificuldade, é difícil falar. É claro que, quanto maior a vitrine, maior a possibilidade de parceiros. Mas pela mentalidade que eu percebo em Juiz de Fora, eu acho difícil que mesmo uma série A atraia parceiros. É mais fácil ver um cenário em que a gente busque investimentos de fora.” Em relação aos resultados dos patrocínios, o gestor do futebol do Tupi disse que o retorno aconteceu neste ano, e que as empresas parceiras devem renovar seus contratos para 2018: “As empresas que estiveram conosco em 2017, todas elas mostraram interesse em permanecer. O pessoal liga perguntando sobre os produtos porque viu a marca na camisa do Tupi. Então nossa marca é muito forte, e é preciso que a cidade também perceba isso”, disse Nicanor.
Foto: Felipe Frederico
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Outro projeto que se torna cada vez mais vitorioso na cidade é o JF Vôlei. O time está na Superliga Masculina de Vôlei desde a temporada de 2011/2012. A própria manutenção na competição é um feito sempre comemorado pelos jogadores, comissão técnica e diretoria, já que a Superliga é uma das principais ligas do mundo, repleta de jogadores que atuam na Seleção Brasileira. O maior feito até hoje foi o da temporada passada, quando o time comandado por Henrique Furtado conseguiu, pela primeira vez na história, a vaga nos playoffs da liga. Mesmo assim, a dificuldade de conseguir financiamento através de patrocinadores ainda é grande. Tão grande que, segundo o diretor do projeto, Maurício Bara, existe a possibilidade de o time não disputar mais a competição no ano que vem: “Eu tenho tirado dinheiro do meu bolso há muito tempo, e isso impactou demais a minha vida pessoal. Mas nós não vamos fazer mais isso. Agora, se tiver que parar, nós vamos parar. Isso foi uma realidade muito presente, principalmente nos últimos três anos, em que eu desfiz do meu próprio patrimônio. É muito difícil esse processo, mas não é novidade pra gente. Mas isso não acontecerá mais. Se esse cenário não mudar, a gente para, como já estivemos perto de parar várias vezes.” 46
Ainda segundo Maurício, mesmo com o excelente resultado da última temporada, ele não esperava que a situação financeira fosse melhorar, o que, de fato, não aconteceu: “Eu não esperava nada. Tem até uma entrevista minha logo depois da classificação para os playoffs, em que um repórter me perguntou se eu esperava um maior investimento, e eu falei que não. A gente até teve um aumento legal do número de parceiros, mas em termos de volume financeiro, não. Eu acredito muito que está ligado à falta de cultura, de enxergar a importância do investimento no esporte como uma forte ferramenta de marketing. É difícil avaliar o motivo, mas a gente continua correndo atrás e buscando outros modelos para melhorar nossa situação.” Com as dificuldades, surgem as alternativas de parceria, com o intuito de facilitar o apoio ao time. Maurício explicou as formas de auxílio ao JF Vôlei, que não necessariamente envolvem dinheiro em si: “Existem os mais diferentes tipos de parcerias em busca do patrocínio. Hoje a gente tem mais de 25 parceiros trabalhando com a gente, tanto de forma direta, através do recurso, como a parceria mista, no qual a empresa tem parte em recurso, e também em algum serviço ou produto que ela possa oferecer. Seja em alimentação, hospedagem, transporte ou qualquer tipo de material. Então, agora, a gente está entrando no patrocínio incentivado através das leis de isenção fiscal, do imposto de renda e do ICMS” Mesmo com o alto número de parceiros, o time não tem um investimento grande. Inclusive, nos últimos três anos, foi a equipe com o menor investimento da história da Superliga, quebrando o próprio recorde ano após ano. Com isso, a possibilidade de parar o projeto por falta de dinheiro é real, mas Maurício explica que essa é a última opção: “A gente não quer parar. Essa é a última hipótese. Mas se algo novo não acontecer, isso é algo discutido a cada ano. Então, existe sim, a possibilidade de a gente parar na próxima temporada. O projeto não vai parar. Continuaremos na categoria de base. Mas o time profissional, na Superliga, pode parar. Continuaríamos jogando outros campeonatos, como o Mineiro, essa possibilidade é real, mas não é o que a gente quer.”
O JF Imperadores é um projeto extremamente novo, mas que já tem ótimos resultados dentro de campo. O time nasceu em 2017, com a fusão entre o JF Mamutes e o JF Red Fox, times que chegaram a disputar a Final da Liga da Zona da Mata. Mesmo com menos de um ano de existência, o time já conseguiu o título de campeão da Conferência Sudeste da Liga Nacional, e o acesso à elite. Presidente do time, Laércio Azalim conta como foi difícil conseguir parceiros no começo do projeto: “O início foi bem complicado. Achar uma pessoa para patrocinar apenas é bem complicado. Ninguém joga dinheiro fora. Então a gente teve que trabalhar bastante para conseguir ganhar notoriedade primeiro, estabelecer o projeto. Com pouco tempo de história, mas uma história já acentuada, juntamos todo o tipo de material midiático que a gente tinha e preparamos boas apresentações de projeto de patrocínio.” Laércio conta também que só conseguiu mais patrocinadores a partir do primeiro que resolveu apoiar o projeto e abraçar a causa: “Para chegar nesse material bom, demorou um certo tempo. Mas
com isso, as portas foram se abrindo. Uma característica desse processo foi que, a partir do primeiro empresário que apostou no projeto, os outros vieram de uma maneira bem mais fácil. O primeiro foi muito complicado de conseguir, mas depois a coisa engrenou. Hoje os patrocínios são simbólicos. Não dá para gerir um projeto inteiro com esse investimento, mas já nos ajudam bastante a diminuir os gastos que a gente tem.” A dificuldade foi tanta, que, no último jogo da temporada, o time fez uma espécie de “vaquinha” online, para arrecadar fundos para a viagem para Santa Catarina, onde enfrentou o Jaraguá Breakers. Agora, com a vaga para disputar a Brasil Futebol Americano (principal divisão nacional), a expectativa do presidente é de que eles consigam cada vez mais parceiros, e, consequentemente, tenham menos dificuldades: “A tendência é que, no ano que vem, com a primeira divisão, com a exposição midiática maior que muitos projetos que já são renomados em Juiz de Fora, a gente consiga patrocínios que façam com que os custos sejam totalmente sanados.” 47
Febre dos brechos ' Consumo em brechós levanta discussões sobre moda sustentável. Comprar peças de segunda mão é uma opção por preços acessíveis, produtos diferenciados e consumo consciente. Por Camilla Marangon
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época. No Rio de Janeiro, existia a Casa do Belchior que comercializava artigos usados e ficou conhecida por seus produtos. Atualmente a venda de artigos usados está em alta, sendo feita por meio de estabelecimentos físicos, redes sociais e comércio virtual. As lojas passaram a ser procuradas não apenas por preços acessíveis, mas também por oferecerem itens diferenciados.
Foto: Camilla Marangon
Acredita-se que os brechós tiveram origem nos mercados da Europa, onde eram vendidos todos os tipos de produtos. Foi no século XIX que as lojas que vendiam peças de segunda mão surgiram e se popularizaram, isso porque o mundo enfrentava uma crise devido às guerras mundiais, e os preços dos produtos eram mais acessíveis. No Brasil, os brechós também se popularizaram nessa
Além de roupas, o Rata de Brechó também vende calçados e vários tipos de acessórios
O Rata de Brechó foi a realização do sonho da proprietária Aline Azevedo. Ela, que sempre gostou de reinventar a utilização das peças de segunda mão, trabalha com artigos atemporais, que misturam o vintage e as tendências do momento. Produtos de luxo, como Dior e Calvin Klein, também podem ser encontradas ali, e as mercadorias variam entre roupas, calçados, bolsas e outros acessórios, sempre para o público feminino. “O processo de curadoria exige muita delicadeza, é preciso atenção para não passar nenhum defeito. É um momento do trabalho crucial. Para o negócio dar certo, tem que ter uma boa curadoria”, ensina Aline Azevedo. No início, o público da loja era de maioria jovem e de pessoas com menor condição financeira. “Na época, há quatro anos, as roupas novas estavam muito caras. Com a crise econômica no país o público diversificou-se”, conta a dona do brechó. Atualmente o estabelecimento atende desde adolescentes até pessoas com 65 anos, de todas as classes sociais. Aline explica que, com o tempo, as pessoas estão aprendendo que é possível achar produtos de segunda mão tão bons quanto os novos, mas com preços melhores. Um dos grandes desafios desse tipo de negócio é trabalhar com a sustentabilidade, mostrar a necessidade de reaproveitar e que não é preciso produzir cada vez mais
coisas. Aline Azevedo chama a atenção para a conscientização da importância de compras em brechós ao invés das realizadas em lojas de peças novas com preços semelhantes, mas que vendem produtos de qualidade inferior ou de indústrias que utilizam mão de obra praticamente escrava em países que produzem em larga escala. “Para onde vão as roupas que foram usadas e que estão em boas condições, vão para o lixo?”, questiona a dona de brechó. Ao mesmo tempo, ela afirma que existe uma responsabilidade das donas de lojas com peças de segunda mão. Segundo Aline, é preciso ensinar o cliente a se vestir com peças de brechó, onde existe uma variedade muito maior de estampas e tecidos do que em uma loja convencional. “No shopping, as vitrines te dão ideias de como combinar as roupas e, nos brechós, muitas vezes, não tem vitrine. As pessoas entram e veem muitas possibilidades. É preciso saber como usar e combinar peças novas e a que o cliente já tem”, explica. “Eu participo de feiras, e tem dois tipos de consumidores. Uma parte que gosta da roupa que é bacana, de marca e está mais barata, e a outra parte são pessoas mais jovens, que gostam do que é diferente, do que tem cara de antigo, das peças que parecem que saíram do guarda-roupa dos avós”, comenta Aline Azevedo. 49
Garimpar A universitária Julia Gualberto diz que, além de comprar peças em brechós físicos, vende as que não usa mais em grupos de Facebook. Dessa forma, consegue abrir espaço em seu guarda-roupas e ganhar dinheiro. As roupas que não estão mais sendo usadas passam a ser úteis para outras pessoas. “Peças de segunda mão são boas porque, muitas vezes, são únicas, diferentes das encontradas nas lojas. O preço é melhor, e consigo comprar mais de um produto”, conta Julia. Ela também reforçou a importância de compras conscientes para o meio ambiente. “A fabricação e o tingimento de tecidos degradam a natureza, além disso, desse modo, a produção de lixo é menor se pensarmos nas embalagens e etiquetas que vêm na compra de um produto novo.” Foi a alta do estilo vintage que fez com que a universitária começasse a fazer compras em brechós. “Hoje a maioria dos produtos que eu mais quero encontro nesses estabelecimentos, por mais que as lojas convencionais tentem fazer peças no mesmo estilo, não possuem o mesmo caimento e visual”, explica Julia Gualberto. Em contrapartida, Letícia Tomaz, que também é universitária e gosta de comprar peças de segunda mão, afirma que, apesar de ter passado a consumir mais em brechós com a alta do vintage, a grande procura por peças semelhante diminui a variedade. “Até pouco tempo, eu era o tipo de pessoa que vendia tudo do meu guarda-roupas, hoje estou mais sentimental com algumas coisas e acabo acumulando mais peças. Mas minhas últimas peças de jeans, por exemplo, são todas de segunda mão”, conta Letícia. Ela decidiu começar um brechó virtual recentemente por se sentir à vontade e familiarizada no meio. “Garimpar é uma delícia, então eu comecei a selecionar peças e customizá-las para vender. Nenhum jeans e nenhum molde é como antigamente. Hoje também produzo peças próprias”, fala a estudante de publicidade, Letícia Tomaz.
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O Vintage lham com peças que não é fácil de encontrar, como, por exemplo a jaqueta jeans no estilo índigo. O processo de curadoria sempre foi feito pela dona do estabelecimento, agora ela orienta e direciona, mas também tem a ajuda da sobrinha e do marido. “Eu toco no tecido, e sei se ele é realmente antigo e se é bom. Só de olhar uma roupa sei se ela vai valer a pena ou não”, explica Fernanda. Ela também customiza algumas peças antigas e, dessa maneira, o artigo ganha um outro valor. “Às vezes, tem produtos que vêm manchados, com a customização eu dou um toque diferente e não perco a peça”. Para trabalhar com esse estilo, é preciso fazer uma seleção minuciosa dos produtos. A universitária Letícia Silva gosta do estilo vintage e, por isso, além da economia, opta por comprar em brechós. “Gosto de roupas que remetem aos anos 1990 e 2000 e, nas lojas que vendem peças de segunda mão, é mais simples encontrar esses produtos. No comércio convencional, é possível encontrar peças retrôs, que imitam o que era usado naquela época, enquanto que, nos brechós, encontramos produtos originais, isso me atrai”, comenta Letícia. O Instagram do Vem comigo surgiu a menos de um ano, e eles têm uma pessoa responsável pela parte de divulgação. Começaram postando fotos, padronizando as postagens e criando editoriais. Normalmente os posts são feitos pela manhã, com cinco peças focadas no público das redes sociais. “Os produtos que anunciamos saem muito rápido. Nosso objetivo é fazer desse meio um canal de comunicação e se relacionar com os seguidores”, explica a dona do empreendimento. ”Brechó virou uma febre”, acrescenta Fernanda Tabet.
Foto: Instagram do Brechó Vem Comigo
O Brechó Vem Comigo começou com uma arara e hoje a loja possui dois andares. A dona, Fernanda Tabet, conta que sempre trabalhou com roupas, vendendo em sua casa, e sempre comprou suas peças em brechós. Hoje atendem quatro tipos de público, os passantes, as pessoas da terceira idade, obesos, que encontram no local peças que agradam, e os jovens, através das redes sociais. O primeiro andar possui peças que atendem o público que passa em frente ao local e o segundo possui artigos que interessam mais ao público jovem. Além de roupas, são vendidos sapatos, livros, móveis, e há planos para vender até eletrodomésticos. “O desafio nesse ramo é ser diferenciado. Acredito que a nossa diferença é abrir nos feriados e finais de semana, associar o físico com o virtual e fazer um bom atendimento”, comenta Fernanda Tabet. E ela afirma que, normalmente, as pessoas que vão uma vez no brechó costumam voltar, porque é prioridade atender bem e dar atenção focada para cada cliente. Uma vez ao mês acontece o “Bazar só R$5,00”, que é uma edição na qual todos os produtos custam este preço. A dona conta que foi uma estratégia que deu certo, e as pessoas fazem fila na porta do estabelecimento esperando abrir para comprar as peças. O brechó é uma forma de promover o consumo consciente, partindo do princípio de que aquilo que uma pessoa não utiliza mais pode servir para outra, reciclando as peças. Atualmente o foco do brechó é o vintage e retrô, sendo o segundo andar exclusivo para esse estilo. A alta do vintage foi uma oportunidade que favoreceu o negócio, mas Fernanda explica que nem todos os seus consumidores veem a diferença entre os produtos. Eles traba-
As peças vendidas em lojas convencionais, que imitam o vintage, são retrôs, enquanto que, nos brechós, é possível achar roupas que realmente foram usadas em décadas anteriores
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Roupas modernas e produtos usados Esse modelo de negócio não se limita apenas a roupas antigas, algumas lojas se dedicam a vender peças de segunda mão com estilo moderno, como é o caso da Lujinha 405. “O mais difícil é quebrar o preconceito de adquirir roupa usada, mas aos poucos as pessoas estão percebendo que são peças em bom estado, muitas, de marcas famosas, com valores acessíveis”, aponta a empreendedora Luisa Barbeto. Ela conta que, quando chegou de intercâmbio no exterior, percebeu que estava com um novo guarda-roupas, cheio de peças em perfeito estado. Foi então que decidiu vender suas roupas através do Instagram, sempre se preocupando em fazer fotos que valorizassem as peças, e assim surgiu a Lujinha. Ela abriu também a oportunidade para outras pessoas venderem suas roupas através de sua loja online. “Minhas amigas começaram a desapegar de peças através do meu negócio e, quando percebi, pessoas que eu não conhecia também estavam me procurando para vender seus desapegos. Chegou um momento que não cabia mais na minha casa, e eu decidi abrir a loja física, atendendo em horários fixos”, conta a dona da Lujinha 405. O público da loja é feminino e, atualmente, atende mulheres de todas as idades, vendendo também peças de marcas conhecidas. A curadoria dos produtos é feita primeiramente através do Instagram, aqueles que desejam vender alguma peça enviam uma foto e ali é feita uma pré-seleção. “A roupa tem que estar em perfeito estado e fazer o estilo que agrada nossas clientes. O valor passa pela aprovação dos donos dos produtos, 35% do valor é da Lujinha e 65% do dono, então fazemos fotos e divulgamos nas redes sociais”, explica Luisa Barbeto. Lojas com peças de segunda mão, como a Lujinha, são uma opção para quem quer vender um produto que não utiliza mais, sem ter o trabalho de anunciar e negociar direto com o cliente. “Além de comprar roupas por preços melhores, é uma oportunidade para as pessoas venderem suas peças e ganharem dinheiro com aquilo que está em desuso no guarda roupa”, comenta a empreendedora.
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4x4
Um estilo de vida Por: Luisa Furlan
Os apaixonados por 4x4 têm os veículos como xodó. O amor é tão grande que precisa ser falado. Assim surgiram os diversos grupos focados nos veículos com tração nas 4 rodas. 53
Os veículos que possuem trações nas quatro rodas, em geral, produzem relações diferentes com seus donos. Essa relação mudou ao longo dos anos, assim como a vida humana que foi de rural para urbana. Os 4x4 passaram de necessários para xodós. Na cidade, os veículos rodam a maior parte do tempo em vias asfaltadas que não exigem uma demanda de tração nas quatro rodas, mas esse tipo de veículo possui um charme especial e uma facilidade ímpar para roubar corações. Além disso, para aqueles que gostam de estar em contato com a natureza, eles são uma boa pedida. Além de não serem os carros mais confortáveis (talvez estejam até longe disso), o barulho é constante, os bancos não são os mais macios e o amortecedor funciona de um jeitinho particular. Contudo, os sons e o trepidar são parte do charme. Essa mudança fez com que surgissem diversos grupos para os amantes desse estilo de vida. No início, eram apenas jipeiros, sem distinção de estilos de carro. Com o advento da tecnologia, os grupos foram ficando mais específicos. Hoje são incontáveis as variedades. Além dos diferentes veículos cada grupo tem particularidades, mas, em geral, atuam na organização de passeios, trilhas de diferentes dificuldades e ações sociais. Isso para suprir a as mais diversas necessidades e vontades de cada jipeiro. Há variedade também no estilo de organização dos grupos. O professor e psicólogo, Leonardo Vargas, comenta que a existência ou não de hierarquia não é fator determinante para o sucesso de um grupo, porém atualmente, pelo momento em que vivemos uma pessoa em destaque pode funcionar como agregadora, “que manteria coesão nessas relações sociais”. O psicólogo, Leonardo Vargas explica a necessidade humana de interagir com grupos que tenham interesses em comum, “esses grupos por uma questão de afinidades e/ ou o fato de serem ou se sentirem 54
de campo, que é chamada módulo, é preciso cumprir alguns pré-requisitos: “Só tem direito a um módulo em nossa sede de campo o associado que for participativo durante o ano JEEP CLUBE DO BRASIL nos eventos do Jeep Clube do Brasil, O Jeep Clube do Brasil surgiu em que tenha boa conduta e seja apro1981 e está organizado como uma so- vado pela diretoria administrativa ciedade civil sem fins lucrativos. Possui e pelo conselho”, ressalta Maurício. sede de campo, localizada na cidade de Piracaia no interior de São Paulo, e JEEP CLUB JUIZ DE FORA Esse grupo existe desde 1998 sede social na cidade de São Paulo, no bairro Mooca. Desde sua funda- quando foi eleita a primeira diretoria ção conta com mais de 3.000 regis- e foi registrado em Cartório de Registros. No entanto, atualmente são cer- tro Civil de Pessoas Jurídicas. No início ca de 200 sócios contribuintes ativos. eram 27 associados, hoje são cerca de 150. As reuniões são itinerantes, em Foi o primeiro a ser fundado com geral feitas em bares da cidade já que estatutos e com Cadastro Nacional de o grupo não possui sede. Atualmente, Pessoas Jurídicas (CNPJ). Vale comen- são realizadas no Bar do Luís, no Bairtar que desde 1999, essa sociedade ro Dom Orione, todas as quartas-feitem autorização do Departamento ras às 20h, como conta o secretário Nacional de Trânsito (Denatran) para do grupo, Eustácio das Graças Lopes. a certificação de veículos de coleção, Não existe periodicidade para os que possuem “placa-preta”, seguin- eventos desse grupo. Eles são feitos do a regulamentação específica do de acordo com as necessidades dos Código Nacional de Trânsito (CNT). associados, por isso, são realizados Desenvolveu por muitos anos di- diversos tipos de atividades, tanto versos rallys de regularidade temá- voltadas a utilização do 4x4, como ticos, como o Raid da Meia-Noite, rallys de regularidade, trilhas leves e que a largada era dada este horário pesadas, passeios, quanto atividades voltadas para o social, como por e a prova ia madrugada a dentro, e exemplo, distribuição de cestas básicas. o Raid do Batom, em que as equipes Além disso, o grupo é reconhecicompetidoras eram formadas por do pelo constante apoio a entidades mulheres. Além dos eventos de cunho como a Defesa Civil, em situações social com doações que também como enchentes, uma vez que os vefazem parte da agenda do grupo. ículos que possuem tração nas quaAtualmente, os eventos competitivos tro rodas conseguem chegar a lugar não estão sendo realizados. “Infelizmen- inacessíveis para veículos comuns. Os próximos eventos do grupo são te no momento não estamos fazendo a confraternização para os associados esse tipo de evento por falta de particie famílias que será realizada no dia 2 pantes e pelo alto custo de apuração”, explica o presidente, Maurício Novelli de dezembro. E para agradar aqueles Junior, ressaltando que os passeios que gostam de trilhas, no próximo mês, irá ocorrer o 12º Trilhão do Paraibuna e as trilhas, tanto leves quanto pesacom ida no dia 9 e volta no dia seguinte. dos, vêm acontecendo normalmente. Para virar associado do Jeep Por possuir sede, a maioria dos Club de Juiz de Fora, “você precieventos são realizadas no local, como sa de alguém já do grupo te apreJeepipoca, Hallowen, Jeepascoa, Je- sentar e também possuir um veículo epNoel, Costelada. Esses eventos, 4x4”, como informa o participante em geral, são para associados e não Sebastião Augusto Domingues Júnior. O surgimento e a popularização associados. Para se associar ao clube da internet alterou a forma com que é necessário ter um veículo 4x4 e ser as pessoas se relacionam. Isso afetou indicado por um membro. Mas para também os grupos de veículos 4x4. ter direito a uma instalação na sede aceitas vão criar um grande nível de pertencimento, fazendo com que as pessoas acabem reforçando ainda mais esses comportamentos.”
4x4 online
TOYOTEIROS Fundado em 2004, o grupo atualmente tem cerca de 1.400 membros inscritos. A lista de discussão principal está hospedada no Google. Luiz Marcelo é um dos fundadores do Toyoteiros e justifica a relutância em mudar de plataforma: “entendemos que nas mídias sociais as informações são muito efêmeras.” O grupo funciona sem uma hierarquia, não existe uma diretoria. “Os organizadores são um grupo de amigos voluntários que têm algo em comum. Além de ser um grupo apartidário, sem fins lucrativos, é extremamente familiar e todos cultivam o gosto por veículos da marca Toyota”, esclarece Luiz. Um dos atuais organizadores, Ney Sassaki reforça que a hierarquia não é necessária para o bom funcionamento do grupo: “O diferencial é que a amizade entre todos é mais importante do que a hierarquia. Todos querem somar e, principalmente, estar juntos com harmonia. Cada um contribui como pode, nas suas habilidades. E tem funcionado bem.” Os Encontros Nacionais de Toyoteiros (ENT) são realizados anualmente. Podem ser considerados eventos itine-
rantes, visto que o grupo não possui sede e a cada ano uma cidade diferente é escolhida para sediar a reunião. A data é escolhida por meio de uma enquete realizada na lista principal. O local também é escolhido por meio de discussão e por questões logísticas costuma ser na Região Sudeste, já que os membros da organização moram nessa região. A cidade de Antonina, no Paraná, foi a última a receber o grupo, no feriado de 7 de setembro deste ano. Ano passado, foi em Paraisópolis, no sul de Minas Gerais. As possíveis longas distâncias aliadas à correria do cotidiano poderiam ser um fator que afastaria as pessoas do grupo. No entanto, o que costuma acontecer é o possível sendo feito para se chegar a tempo e dar um abraço nos amigos. Esse pensamento foi passado entre gerações dentro dos Toyoteiros, e Marcelle Sassaki, filha do Ney, comenta como é conciliar as viagens com a vida de estudante: “Em alguns encontros, eu pensava que ia ficar louca, porque as vezes tinha prova, trabalho pra entregar, formatura de amigos e outros 300 compromissos de adolescente e estudante, mas eu deixava tudo pra trás, remarcava prova, estudava no carro, fazia o trabalho antes e pedia desculpas por não ir na formatura porque esses momentos únicos significam muito para mim, e com certeza valem a pena o ‘sacrifício’”. Para participar do ENT é cobrada uma taxa de inscrição destinada a cobrir os custos da organização e sempre é escolhida uma entidade assistencial local para ser ajudada por meio de doações. Para entrar no grupo basta se inscrever na lista de discussão do Google Grupos.
Foto: Luisa Furlan
Na época pré-internet, havia uma Bulletin Board System (BBS) chamada Powerline, nela existia uma lista para discussão de grupos em geral. Após a Powerline se tornar obsoleta o grupo migrou para a BBS Mandic e foi chamado de Jipenet, explica um dos pioneiros dos grupos da internet no Brasil, Luiz Marcelo Bernardino. A popularização da internet fez com que a lista migrasse para o Yahoogroups, virou o espaço para brasileiros trocarem informações, dicas, técnicas e falar besteiras. Após os anos 2000, aumentou muito o número de participantes e, assim, foram criadas as Jipenets estaduais, onde eram marcados os encontros regionais, mas a lista original ainda existia para que fossem debatidas questões técnicas, continua Luiz Marcelo. Contudo, “em 2004 com o ‘boom’ do off-road brasileiro, a jipenet cresceu ainda mais e foram criadas algumas listas por marca de carro. Surgiu então os Toyoteiros, os suzukinet, os LROA (Land Rover) e outros tantos”, comenta Luiz Marcelo.
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Quando um de nós tem uma emergência, sempre tem alguém disposto a dar a mão, a socorrer. Nunca ficamos sozinhos e sempre temos apoio um dos outros. Um exemplo? Quando minha avó veio a falecer, Toyoteiros de todas as regiões vieram prestar suas condolências à nós com um abraço e uma palavra de carinho, que às vezes atravessou mais 500km de distância. Se eu pudesse resumir os Toyoteiros em uma palavra seria AMOR. Amor por bandeirantes e por trilhas que cresceu e se tornou amor entre cada integrante. Amor que parece tão improvável e amor que supera distâncias.
Não confunda.... Trilhas leves
Tem um nível de dificuldade inferior, indicado principalmente para jipeiros que querem começar a fazer trilhas, mas ainda não possuem experiência. O 4x4 não precisa de uma prepaMarcelle Sassaki ração específica
Eu fui comprar um carro. Queria comprar um carro a Diesel, acabei comprando um Troller. Não imaginava que fosse virar jipeiro, isso foi em 2012. Então, eu acabei comprando esse carro e vim para Juiz de Fora. Fiquei sabendo que tinha uma reunião toda quarta-feira de jipe, não conhecia muitas pessoas. Por ser corretor de imóveis, conhecia algumas, mas não todas que estavam lá. Fui apresentado, cheguei sozinho. O pessoal me recebeu muito bem. Marcio Miranda
Trilhas pesadas São indicadas para os jipeiros experientes que não ligam de sujar o carro. O veículo precisa estar preparado com pneus específicos, guincho, cinta. A dificuldade é elevada, podem durar mais de um dia. Passeios
Trilha, água, barro, vento. Sempre gostei de ter esse contato com a natureza. Eu andava de moto, mas a moto tem a limitação pela idade, você vai ficando com mais idade, não dá mais para andar de moto, fica perigoso, ainda mais fazendo trilha que era o que eu gostava. Comecei a tomar uns tombos percebi que estava na hora de parar. Ai tinha uma amigo meu que me falou, “por que você não anda de jipe? Jipe também é legal”, ai fui fazer uma visita e participar de uma reunião do Jeep Club, ainda era no bairro São Mateus. Comecei a conversar com o pessoal, na reunião passaram uns vídeos de trilhas e aquilo me encantou. Eustáquio Lopes Participar do Grupo Toyoteiros foi uma das coisas mais gratificantes que encontrei em toda a vida. Comprei uma toyota bandeirante e fui recebido de braços abertos por todos os membros. Me senti acolhido. E logo acabamos concretizando diversas amizades, que ultrapassam o convívio da lista Toyoteiros. Considero os amigos toyoteiros como uma extensão da minha família. Ney Sassaki 56
Essa é a opcão ideal para aqueles que gostam de misturar jipe e família. São opções leve e com horários garantidos. Mesmo com a maior tranquilidade, não deixa de produzir emoções. Rallys de regularidade Competições em equipe, piloto e navegador, com a possibilidade de um zequinha.. O objetivo é cumprir o trajeto determinado dentro do tempo estabelecido. O percursso tem velocidades médias pré-estabelecidas. A equipe que não cumpre as velocidades estabelecidas está sujeita a penalidades. Vence quem tiver mais pontos após a apuração. Existem diversas categorias dessas provas.
Foto: Acervo pessoal
2008
Foto: Acervo pessoal
2007
Foto: Acervo pessoal
2007
06 de setembro de 2017. Acordei às 7, tinha um programa de rádio para colocar no ar as 9:30 na faculdade. Programa terminado, feedback e reunião para o próximo programa feita. Saio correndo da faculdade, almoço e vou para rodoviária. Destino? Resende-RJ. Encontro meu pai lá quase as 19 horas. Seguimos rumo a São José dos Campos -SP. Chego em casa em torno das 22h, janto, converso com minha cachorra, tomo banho e arrumo mala. Vou deitar depois da meia-noite. Feriado começa com meu despertador tocando as 5h. Não, não esqueci de desligar o alarme de dias da semana. Mais um banho, café da manhã. Eu e meus pais tínhamos combinado, pegar estrada as 6h. Destino? Antonina-PR. Foram quase 900 quilômetros nesses dois dias. Devo dizer que a viagem matinal foi a mais difícil. Já estava batendo a ansiedade, era dia de Encontro Nacional de Toyoteiros. Estava acompanhando quase em tempo real onde estava cada pessoa que eu conheço daquele grupo que eu, carinhosamente, escolhi chamar de família. Isso acontece em todas as viagens que antecedem essas reuniões, Às vezes, são acompanhadas de ligações, que uma voz, antes mesmo do alô, pergunta: “onde você está?” Por volta das 14h, chegamos ao hotel onde seria o Quarto General do nosso grupo nos próximos quatro dias. Ali percebi que poderia dizer: O ENT começou. Estava há quilômetros de distância de casa, em uma cidade desconhecida e já cheguei cumprimentando todos que estavam no restaurante, todos Toyoteiros. O clima dos dias que seguiram não foram diferentes, infinitos abraços e conversas intermináveis para tentar colocar todos os assuntos em dia. Essa é uma particularidade que quem nunca foi em uma dessas reuniões tem dificuldade para entender. Em cada andada pelo lugar, você cruza com pelo menos um conhecido. Qualquer cidade pode ser chamada de casa desde que você esteja nas companhias certas. Afinal, estar entre os toyoteiros é viver bem aquela frase “Lar é onde mora o coração”.
Foto: Acervo pessoal
2016
Foto: Acervo pessoal
Foto: Acervo pessoal
2016
Os toyoteiros me proporcionaram diversas amizades. Algumas desde quando comecei a participar do grupo, Marcelle (a esquerda) é um desses casos. Hoje, sou madrinha dela de crisma. Nossa amizade vai muito além dos toyoteiros. Estamos morando em estados diferentes, mas o contato é constante. Não só pelas redes socias, mas também por meio de ligações, em geral, longas, para nenhuma novidade ser perdida. Mesmo com tudo isso, ainda temos infinitos assuntos quando nos encontrámos pessoalmente. Cada reunião são novas memórias construídas.
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A cidade que se une a partir da divisĂŁo Evento anual realizado no interior de Minas Gerais une os habitantes em uma disputa entre equipes, fomentando cultura, esporte e o espĂrito competitivo Por Tasso GuimarĂŁes
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Há quase três décadas, a pequena cidade de Lima Duarte, no interior de Minas Gerais, tem em seu calendário um evento que une a maioria da população em um único local, transformando a monotonia característica de um município com um pouco mais de 16 mil habitantes em um palco de competições fervorosas. Para os moradores de Lima Duarte ou os que residem em lugares mais próximos, o ponto turístico principal e mais falado o ano inteiro não é o Parque Estadual do Ibitipoca, mas, sim, uma simples quadra poliesportiva no centro da cidade. Todo mês de novembro ocorre na quadra Lincoln Moreira Duque a Gincana Cultural de Lima Duarte, em que as equipes participantes disputam bravamente o título de campeã, deixando seus torcedores com o coração na mão. O evento chegou, em 2017, à sua 28ª edição. Desde 1989 a cidade realiza a gincana, inicialmente idealizada pela própria Prefeitura. Posteriormente passou a ser montada por uma comissão organizadora com o apoio da administração pública. A partir daí, passou a ser moldada apenas com o trabalho voluntário de pessoas convidadas a ajudar na execução do evento sem o envolvimento político.
A gincana, como o próprio nome já diz, consiste em um conjunto de provas a serem disputadas entre as equipes durante três dias do mês de novembro (uma sexta-feira à noite e o final de semana todo). O evento começa com a abertura, em que o tema é dado pela comissão organizadora meses antes, geralmente sendo um tipo de dança tradicional ou músicas que marcaram época, como as de Michael Jackson, Menudos, Backstreet Boys e ritmos como o sapateado e o baião, por exemplo. Desta forma as equipes se organizam para que tenham a quantidade de pessoas necessárias para dançar e as roupas e enfeites característicos. Depois da abertura são iniciadas as provas de quadra que duram até o final da noite. As provas são disputadas entre os competidores que se acharem mais aptos a cada característica pedida.
No sábado pela manhã ocorrem as provas na piscina, em que, além da natação, são realizadas tarefas que envolvam habilidade, velocidade e raciocínio, como por exemplo atravessar a piscina em cima de um colchão inflável e mergulhar para destrancar cadeados em menor tempo. Depois das provas na piscina, a competição retoma à tarde novamente na quadra, com provas inicialmente voltadas para uma certa faixa etária de idosos e crianças, o que demanda a procura por esses competidores. No final do dia, após as tarefas, acontece o tradicional baile da gincana, com os ingressos vendidos por integrantes de cada equipe. Existem também as provas fechadas que são aquelas com o resultado divulgado apenas no fim da gincana, muitas vezes decidindo a competição. Há alguns anos havia uma prova no sábado de manhã que ficou marcada na memória dos participantes. A famosa “prova de buscar” era muito cansativa e consistia em correr atrás de coisas especificas que a comissão pedia, ou seja, eram pedidos determinados objetos pela manhã e até a tarde pontuava quem trouxesse tudo de acordo com as regras, assim as pessoas saiam loucamente pelas estradas rurais e rodovias em busca da maior caixa de marimbondo, do disco de tal cantor, de um objeto antigo e de um documento com tal data, por exemplo.
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Já no último dia de gincana, na manhã de domingo, costumam ocorrer provas em uma pista de caminhada envolta de um lago em outro local da cidade. De tarde, é a vez dos esportes coletivos dentro de quadra. Vôlei, basquete, handebol, peteca e futsal, são jogados de acordo com as regras estabelecidas, por exemplo, os atletas só podem serem pais e filhos, terem uma certa idade e em sua maioria habitantes de Lima Duarte. A última prova da gincana e a mais famosa delas é a chamada prova relâmpago, em que as equipes têm um minuto para levar o objeto pedido pela comissão até a quadra. Desta forma, os participantes literalmente carregam suas casas dentro das mochilas. As equipes se organizam em seus QGs, os quartéis generais que se localizam ao entorno da quadra, geralmente é um espaço na casa de algum componente ou uma garagem alugada. Este local é o ponto de encontro dos participantes de cada equipe, e lá são realizadas as reuniões pré e pós algumas provas e são guardados equipamentos e objetos que serão utilizados. A organização preza que o evento ajude na manutenção de lugares da cidade, através de provas em que as equipes para pontuar devem contribuir de alguma forma para as instituições locais, como a Santa Casa e a Apae.
Dentro da quadra ficam dois chefes e dois fiscais por equipe que estabelecem o contato direto com a comissão e organiza os componentes para a realização das provas, além de fiscalizar se as tarefas estão sendo feitas dentro das regras. Fora de quadra ficam centenas de pessoas que, além de torcer por sua equipe, com cantos e instrumentos, participam das tarefas pedidas e realizam as chamadas provas de torcida. Estas provas envolvem quem está na arquibancada principal e, geralmente são de acertar o alvo, de conhecimentos gerais ou conseguir o maior número de um objeto em menor tempo. A torcida é fanática! Gritam os três dias como se fosse final de campeonato, e quando acaba a competição estão sem voz independente do resultado. 60
É gratificante ver um senhor ou uma senhora com mais de 60 anos indo competir pela sua equipe ou pela equipe do seu filho, querendo ganhar, fazer o melhor, mas sabendo perder, se superando, felizes de estarem sendo recebidos e aplaudidos pela torcida. Ver crianças novinhas vestindo a camisa da equipe, fazendo prova com seus pais, ver pais e filhos juntos, avós e netos competindo e até mesmo pessoas que nem se conhecem se abraçando pelos pontos conquistados são experiências que a gincana nos traz, com uma facilidade inigualável. A emoção de ver idosos, crianças e amigos disputando pontos tão preciosos é imensurável. O principal valor da gincana, no final de tudo são as relações feitas com o próximo, o respeito com o oponente e a valorização humana. Ganhar ou perder é consequência, por isso a gincana já dura quase 30 anos.
Editoria
A rivalidade é grande durante os três dias de evento, mas nada que passe dos limites, já que, existem amigos e familiares que são de outras equipes e, fora de quadra se encontram e se divertem. É um momento que une os cidadãos entorno de um único local, são pessoas que nem se conhecem que estão juntas para competir por sua equipe, são amigos e familiares distantes que se encontram num momento de diversão e competição.
Durante a gincana na quadra existem algumas barraquinhas em volta que arrecadam com comida e bebida, mas a alimentação daqueles que vivem intensamente os três dias de competição é bastante restrita. Isso porque, a correria é tamanha que nem sobra tempo para uma refeição adequada. De sexta a tarde até o domingo à noite é possível emagrecer consideravelmente.
A gincana já conquistou vários estados do país. A procura por atletas de alto nível para compor as equipes, fazem com que profissionais e amadores de determinado esporte participem ativamente da gincana. São atletas que vêm de outros estados para realizar uma única prova, mas admirados com a competição, resolvem ficar até o fim. Equipes paulista e carioca de roller, jogadores com uma bagagem no vôlei e basquete, exímios nadadores, campeões estaduais e nacionais de badminton e até mesmo o campeão mundial de slackline, Pedro Rafael, já esteve dentro da quadra de Lima Duarte. Desta maneira o esporte local acaba sendo influenciado e as equipes buscam cada vez mais esse aprimoramento.
A duração é de apenas três dias, mas a preparação para as provas é feita o ano todo. Algumas equipes mantêm a prática esportiva para que os atletas da cidade estejam mais aptos na competição. São realizados eventos ao longo do ano que arrecadam fundos e mantêm o contato entre os participantes. A partir do momento em que a comissão organizadora começa a divulgar algumas tarefas, os grupos já iniciam sua busca de competidores para treinos, reuniões semanais e estabelecem o contato com atletas e participantes de fora da cidade. Ao final da gincana por exemplo, ocorrem reuniões de prestação de contas e um churrasco ou festa comemorativa, mesmo que a equipe não saia vencedora. Através de grupos nas redes sociais os participantes mantêm o contato e o planejamento o ano todo. O dinheiro que as equipes possuem para dar conta de bancar despesas com a abertura, aluguéis de espaço, equipamentos, competidores e alimentação em determinados casos, são basicamente frutos de alguns patrocinadores locais, pela venda das camisas da equipe e pela venda de ingressos para o baile da gincana que ocorre no sábado à noite, como também através de eventos realizados durante o ano em que vão fazendo uma “caixinha”.
A Gincana Cultural de Lima Duarte já contou ao longo dos anos com a participação de várias equipes, algumas que já não mais competem, como a Impacto, a Grêmio e a Câmera 1, uma mais recente, como a Cascavel, outra que voltou a competir depois de ficar de fora como a Los Babudos, e três equipes tradicionais que competem há mais tempo, como a Carniceira, a Ket Xup e a Sociedade Alternativa. Cada uma com suas vitórias e histórias, envolvendo centenas de pessoas. Em 2017, cinco equipes disputaram a gincana: Sociedade Alternativa, Carniceira, Los Babudos, Ket Xup e Cascavel. 61
Carniceira A Equipe Carniceira surgiu em 1992 a partir da ideia de um grupo de amigos da mesma faixa etária que praticavam esportes e curtiam um rock’n roll, daí as imagens das caveiras e da dama da morte que remetem à equipe. A cor cinza foi escolhida já que outras cores já estavam sendo usadas por outras participantes e se encaixou perfeitamente nos símbolos. No primeiro ano de gincana, a Carniceira ficou em quarto lugar e foi subindo de colocação nos anos seguintes, ficando em segundo em 1993 e conquistando o tricampeonato nos anos de 1994, 1995 e 1996. No segundo título conquistado, o grupo estava a 20 pontos atrás do primeiro colocado e conseguiu virar a competição no último dia. Muito aguerrida e vibrante, a Carniceira hoje tem cinco títulos e nunca ficou em último lugar, sempre contando com uma torcida apaixonada que grita em todos os momentos da gincana.
Cascavel A Cascavel é a mais nova na gincana. O grupo foi criado em 2009 através da vontade de amigos que competiam em outras equipes e queriam montar uma equipe diferente, com pessoas mais jovens, em que outros habitantes da cidade e da região tivessem a oportunidade de participar mais efetivamente. Com o objetivo maior de competir e não apenas ficar em primeiro lugar, o que ainda não ocorreu, mas participar e possibilitar que outras pessoas da cidade e região participassem da gincana, a Cascavel preza pelas relações entre seus componentes, de valorização e crescimento.
Ket Xup A equipe Ket Xup surgiu no ano de 1989, através de um grupo de jovens amigos que, nas mesas de um antigo bar da cidade, o Barbante, resolveram participar da gincana. Na mesa do bar, um dos amigos estava comendo um sanduíche com uma bisnaga de ketchup na mão e, assim, as indagações quanto ao nome da equipe acabaram. Ela passaria a se chamar KetXup, com “X”, por vontade deles e teria as cores vermelho e branco. Atualmente esses jovens amigos são adultos, pais e mães, e a equipe vem se renovando. Seus filhos começaram a ocupar seus lugares, unindo a energia dos mais jovens à experiência dos maduros. A equipe se estabeleceu através das relações entre seus componentes, sejam familiares e amigos, a KetXup sempre competitiva tem seis títulos, o primeiro em 1989, depois em 1998, 2001, 2009, 2010 e 2012.
Los Babudos No ano 2000, uma equipe de amigos que se reunia nos finais de semana para confraternizar e se divertir, criou coragem e entrou na gincana como equipe Los Babudos. Sua criação revela que, acima da competição, é importante se divertir. A equipe procura ser competitiva, mas sem deixar a essência de ser alegre. Los Babudos se tornou mais que uma equipe de gincana, é uma equipe de amigos que se juntam o ano inteiro para fazer diversos eventos, como bloco de carnaval, arraiá, Babudos Folia e Natal sem Fome. Depois de sete anos fora da competição, a equipe retornou no ano de 2017 com uma aceitação muito alta, com todas as camisas vendidas, com vontade de mostrar que poderiam disputar de igual para igual. E com muita dedicação, sempre com o carisma e diversão, a equipe conquistou o primeiro troféu, ficando em terceiro lugar e comemorando muito.
Sociedade Alternativa A ideia de montar a equipe Sociedade Alternativa apareceu depois da morte do cantor Raul Seixas, ídolo de jovens que gostavam de fazer parte da gincana em 1989. No ano seguinte, 1990 a equipe entraria na competição com 14 homens, porém era necessário a participação de mulheres e ter o mínimo de 25 componentes, então entraram mais 11 meninas nesse primeiro ano. A equipe muito jovem na época, só com adolescentes, conquistou o troféu simpatia, por curtir mais do que competir com unhas e dentes. As camisas eram pintadas pelos próprios componentes com a foto do Raul Seixas na frente a chave simbólica no braço e um trecho de uma música nas costas. As cores escolhidas foram a preto e branca que, só posteriormente, descobriu-se serem as preferidas do artista. Depois do troféu simpatia, a equipe conquistaria o primeiro título em 1992. A Sociedade Alternativa já venceu 13 vezes a gincana e conquistou o quinto título seguido em 2017.
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eSports: a moda que movimenta milhões no mundo Entre outubro e novembro, aconteceu a primeira competição de “CounterStrike: Global Offensive” na Universidade Federal de Juiz de Fora Por Bernardo Medeiros
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Foto: Riot Games Brasil/Divulgação
Um dos eSports mais conhecidos é o League of Legends. A final do Campeonato Brasileiro da modalidade, o CBLoL, teve audiência de cerca de 2,6 milhões de pessoas e mais de 8 mil pessoas lotaram o ginásio Mineirinho, em Belo Horizonte
Os esportes eletrônicos vêm se tornando uma febre mundial, alcançando milhões de pessoas e movimentando números financeiros impressionantes, na casa dos bilhões de reais. Segundo a Newzoo, empresa norte-americana que rastreia inteligência na indústria de games digitais, o Brasil é o terceiro maior público de eSports do mundo, com 11,4 milhões de espectadores, ficando atrás apenas de Estados Unidos e China. Entre os gêneros, se destacam os de luta, estratégia em tempo real, tiro em primeira pessoa, arena de batalha online para vários jogadores (MOBA) e esportes, que engloba modalidades tradicionais como futebol e basquete. A variedade dos esportes eletrônicos atrai muitas pessoas e o número de competições também vem crescendo. Em Juiz de Fora, entre outubro e novembro de 2017, foi organizado o primeiro campeonato de “Counter-Strike: Global Offensive” (CS: GO), na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A competição teve início no dia 6 de outubro, com fase online, e terminou no dia 11 de novembro, com as semifinais e a final sendo presenciais no anfiteatro do Instituto de Ciências Exatas (ICE/UFJF). O torneio contou com a presença de dez equipes, com cinco participantes cada, totalizando 50 jogadores, sendo voltado a pessoas vinculadas à faculdade. “A ideia surgiu a partir do Felipe, da Ciência da Computação. Depois ele falou comigo e com o Douglas, que é da Física, para gente montar um campeonato, um pequeno torneio de jogos eletrônicos porque a gente estava sentido uma carência enorme na Universidade de coisas desse tipo. Nós 64
três e mais cinco pessoas juntamos para tentar fazer um primeiro campeonato e ver como seria a aceitação do público”, contou o estudante de Enfermagem da UFJF, Lucas Turatti. A fase presencial, que era a semifinal e a final da competição, teve participação das equipes Ninjas na Quitnet, Crispy Onion Barbecue (ou simplesmente COB), Capivara Rangers e Five Bots. Ninjas Quitnet se consagrou como campeã e a equipe COB ficou com o segundo lugar. De acordo com Lucas, a ideia de realizar as fases finais na Universidade foi por conta da diminuição de custos, já que teve disponibilidade de monitores e espaço, não tendo que ter gastos com isso. “Presencialmente foram 35 pessoas que a gente conseguiu captar, até porque no dia estava chovendo, estava bastante complicado para as pessoas irem. Conseguimos bater 70 pessoas assistindo, foi o nosso máximo, pelo Twitch (site que permite a transmissão ao vivo das partidas)”, conta Lucas sobre a audiência na fase final. Depois dessa primeira experiência, os organizadores já estão pensando em dar continuidade aos torneios: “Nós da organização já pensamos em fazer outras modalidades, como de LoL e Dota, que são os que estão mais em alta na Faculdade. Inclusive teremos novidades, com mais apoio de professores para a gente idealizar e montar esse campeonato. Talvez surja uma Atlética de eSports dentro da Universidade para a gente organizar todos esses campeonatos, mas todos voltados para os alunos”, ressalta Lucas.
Foto: Facebook CSGO UFJF/Reprodução
Ninjas na Quitnet foi a equipe campeã do primeiro torneio de “Counter-Strike: Global Offensive” na UFJF
Perfil dos competidores Para o estudante de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Rodrigo Calderano, já são nove anos jogando eSports, tendo experiência em diversas modalidades, como “League of Legends” (LoL), “Dota”, “Counter-Strike: Global Offensive” (CS: GO), “Overwatch”, “PlayerUnknown’s Battlegrounds” e “Battlerite”. Ele também já participou de campeonatos online amador de LoL e vem observando o crescimento desse tipo de competição: “A cada dia observo novos recordes de jogadores online simultaneamente. Um grande exemplo é o PlayerUnknown’s Battlegrounds, que apesar de ser um jogo em estado de desenvolvimento, já teve campeonato com grande premiação, tem outros agendados por vir e está batendo recorde atrás de recorde de usuários, pico de gente online e número de venda em tão pouco tempo de lançamento”. O estudante de Comunicação da UFJF e integrante da equipe vencedora, Ninjas na Quitnet, Hugo Mendes, joga apenas “CS: GO” e tem uma rotina diária na modalidade, com treinos entre duas e três horas por dia. “Já joguei outro campeonato, mas com final presencial e da UFJF foi o primeiro. E conseguimos ser campeões, com 22 vitórias e nenhuma derrota”. Hugo gostou da ideia da competição: “Foi uma boa iniciativa dos organizadores de um primeiro torneio da UFJF. A gente conseguiu uma vaga no TUES, que é o Torneio Universitário de eSports, e vamos jogar no primeiro semestre do ano que vem”, completa. Quem também participou da competição na UFJF foi o estudante de Engenharia de Produção, Fabrício Medeiros, que fez parte da equipe COB. Além do “Counter-Strike”, atualmente ele joga “FIFA” e “Hearthstone”. “Já tentei jogar outros, mas ou não gostei
muito ou não era razoavelmente bom”, comenta. A experiência com jogos é de longa data: “Comecei a jogar bem pequeno. Ganhei meu primeiro Nintendo quando tinha uns 5 anos. O CS eu conheci na lan house, em uma época que todo mundo saía de prova e ia jogar. Deve ter sido por volta dos meus 12 ou 13 anos isso. Já o FIFA eu jogo desde a versão FIFA 12, quando eu tinha uns 16 anos, isso porque eu jogava o Winning Eleven antes, que aí eu já nem lembro mais quando comecei. Fui para o FIFA porque fiquei revoltado com a versão demo do PES 12. O Hearthstone eu também comecei com uns 15 ou 16 anos. Já cheguei a jogar Yu-Gi-Oh e Pokémon TCG quando mais novo, mas nunca fui fã de jogos de cartas não. Alguns amigos me mostraram no ensino médio e resolvi dar uma chance”. Assim como Hugo, Fabrício também gostou da competição: “Achei a ideia de fazer um campeonato muito interessante. Eu mesmo já tinha até pensando em organizar algo do tipo porque é um movimento crescente no mundo todo, mas tive outras tarefas que me impediram na época. Apesar de algumas falhas na organização, acho que foi muito bom para um primeiro torneio e pode muito bem ajudar a estruturar algo maior daqui a pouco. Quem sabe uma olimpíada de eSports da UFJF?” Para o estudante de Engenharia de Produção, a disputa pelas vitórias é deixada um pouco de lado: “Já cheguei a participar de campeonatos de FIFA anteriormente, mas nunca nada muito grande. Como sempre estive dividindo o meu tempo que destino a esses hobbys e o resto da minha vida, sempre que entro nesses campeonatos entro para me divertir mesmo. Acho que o ambiente com pessoas interessadas em uma coisa em comum ajuda até em fazer novas amizades, igual o esporte tradicional”. 65
Arte: Pesquisa Game Brasil 2017/Reprodução
Realidade dos eSports no Brasil A Pesquisa Game Brasil observa o comportamento, o sil responderam um questionário entre os dias 1º e 16 de consumo e as tendências do gamer brasileiro. Para a edi- fevereiro. Entre as análises, foram observadas dados dos ção de 2017, 2.947 pessoas de todos os estados do Bra- eSports no país, conforme os infográficos a seguir.
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Cenário feminino no eSports Formada em Marketing, Isadora Pacheco, atualmente, joga o “Counter-Strike” e tem experiência em outras modalidades: “Cheguei a jogar Point Blank uma época atrás, foi através dele que conheci o CS. E no começo desse ano eu jogava H1Z1, mas só às vezes”. Ela já participou de dois campeonatos femininos de Point Blank e de duas ligas femininas no Counter-Strike, mas sempre pela internet, em que qualquer equipe podia participar. “O último que participei foi no mês passado, na Liga Feminina da GC (Gamers Club) de CS”, conta. Apesar da participação do público feminino em games ser grande no país, tendo 53,6% dos jogadores segundo a Pesquisa Game Brasil 2017, a participação das mulheres nos esportes eletrônicos não é tão massiva quanto dos homens. Tanto na parte competitiva, quanto na recreativa
a presença delas ainda é muito pequena. “Ainda acho que o cenário de eSports feminino é bem limitado. Tanto na parte de incentivo e estrutura quanto na presença do jogo em si. É muito mais difícil uma menina jogar do que um cara. É só entrar em qualquer partida para receber palavras ofensivas e insultos”, afirma Isadora. Sobre competições direcionadas às mulheres, ela comenta que são poucas: “Que se joga mesmo, só quando tem a liga especialmente para o público feminino. As outras podemos até entrar para competir, como a Vivo Keyd, que está na liga profissional. Mas elas são a única equipe de CS feminina que tem uma parte da estrutura que os homens têm. De resto, nem se compara”.
Visibilidade na mídia No Brasil, times mais conhecidos pelo principal esporte do país, o futebol, começam a investir no mundo dos games. Quem deu o pontapé inicial no mercado foi o Santos, em 2015. Remo, Flamengo, Corinthians, Avaí, Atlético Paranaense, Goiás e ABC foram outras equipes que têm investido em diversas modalidades dos esportes eletrônicos, sendo que alguns deles começaram no mundo dos games este ano de 2017. Além disso, algumas das principais emissoras da televisão fechada transmitem algumas das competições de eSports, sendo que algumas têm até programas específicos para isso, como ESPN, Esporte Interativo e SporTV. “A entrada de clubes e da mídia tradicional no eSports eleva o patamar dos investimentos e, com isso, aumenta a capacidade das organizações de investir em
infraestrutura como as Gaming Houses, contratação de profissionais que maximizam o desempenho dos jogadores como psicólogos, preparadores físicos entre outros. E com a visibilidade da mídia, atrai mais patrocinadores, gerando mais renda para as organizações”, acredita o estudante de Economia da UFJF Pedro Ventura. Ele joga duas das maiores modalidades dos esportes eletrônicos: “Counter-Strike: Global Offensive” e “League of Legends” e conta que começou em 2012, primeiramente assistindo a transmissões amadoras no YouTube para depois comprar o jogo. Para Pedro, a falta de tempo é uma barreira para disputar competições, por não poder se dedicar aos jogos.
Foto: Bernardo Medeiros
“Counter-Strike: Global Offensive” é uma das modalidades de eSports mais populares
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