Revista Periscópio

Page 1

periscopio

Foto: Arquivo Pessoal/ Léo Lima

ANO 1 | JUNHO 2016 | N o 01

104 anos do tupi

Momentos marcantes, histórias de vida e curiosidades da trajetória do galo carijó preservadas pelo tempo

universo mangá

Quadrinhos japoneses ganham cada vez mais adeptos e e incentivam novos hábitos entre os mais jovens


2

Expediente Revista Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), produzida por alunos da disciplina Técnica de Produção em Jornalismo Impresso Reitor Prof. Dr. Marcus David Vice-reitora Profª. Drª. Girlene Alves da Silva Diretor da Faculdade de Comunicação Prof. Dr. Jorge Carlos Felz Ferreira Vice-Diretora Profª. Drª. Marise Pimentel Mendes Coordenadora do Curso de Jornalismo Integral Profª. Drª. Cláudia de Albuquerque Thomé Chefe do Departamento de Métodos Aplicados e Técnicas Laboratoriais Profª. Drª. Maria Cristina Brandão de Faria Professores Orientadores Prof. Me. Guilherme Moreira Fernandes Prof. Me. Rodrigo Fonseca Barbosa Edição Lucas Guedes e Bruno Marangon Projeto Gráfico Bruna Luz e Naiara Neves Reportagem Bruno Marangon Bruno Paiva Débora Alves Isabella Gonçalves Lucas Alves Moisés Fialho

facebook.com/mergulhodiario mergulhodiario@gmail.com PERISCÓPIO JUNHO 2016

(32) 2102 - 3612


Editorial

3

aviso aos

C

navegantes

onfesso que é difícil expressar tamanha gratidão em poder apresentar e entregar a edição da revista Periscópio, resultado de um trabalho tão apaixonante, embora árduo, que envolveu os alunos da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na disciplina Técnica em Produção de Jornalismo Impresso. Porém, faz-se necessário afirmar que, sem a intensa mobilização da equipe, não teríamos chegado até aqui. Desde o início do semestre, quando nos deparamos com o cronograma de atividades proposto a partir da ementa da disciplina, sabia-se que o desafio seria grande. Introduzir uma nova experiência em termos de impresso exigiu de nós não somente a capacidade de pautar, produzir, apurar, fotografar, redigir, ilustrar, editar e diagramar, mas também compreender a realidade das redações no mundo contemporâneo, naturalmente, pela ótica do

simulacro acadêmico. Para legitimar a revista, não poupamos debates sobre sua estrutura e dimensões, sobretudo no que tange seu projeto gráfico e organização editorial, além das possibilidades de recursos complementares aos textos e abordagens disruptivas no jornalismo de revista. Após alguns dias de ideias, testes e “rabiscos digitais”, nosso trabalho começou a tomar forma, revelando os primeiros sinais de que estávamos no caminho certo. Mas, afinal, por que “Periscópio”? Para além do imaginário oriundo do tradicional instrumento de navegação, temos aqui a síntese de uma reflexão abstrata e, por vezes, invisível aos olhos leigos, mas evidente no tratamento que damos às notícias. A missão, agora intrínseca, de “mergulhar” na informação, torna-se mais complexa à medida em que submergimos no campo da apuração e nos aventuramos em busca das riquezas do jornalismo em

águas profundas. Sendo uma produção acadêmica, há neste projeto um compromisso com a comunicação de qualidade, pautada também pela necessidade de oferecer, em meio à era da instantaneidade, conteúdos abundantes em detalhes, perspectivas e dados, sempre com a preocupação de torná-los acessíveis e compreensíveis ao mais leigo leitor. Para o cumprimento de tal propósito, nossa publicação será online, versão indispensável nos dias de hoje. Meu espaço vai chegando ao fim, mas a tempo de dar voz aos meus ilustres colegas e suas produções. Aqui não caberiam todos os agradecimentos, ainda que alguns se façam necessários, então aproveito para dedicar minhas últimas palavras ao ator mais importante deste processo: você. Em nome da equipe Periscópio, desejo-lhe uma excelente leitura, de forma que nosso humilde conhecimento transcenda as barreiras do simplório aprendizado. Lucas Guedes

PERISCÓPIO . JUNHO 2016


4

ÍNDICE

Mobilidade

12 16 26

6

Saturação sinaliza demanda por alternativas no transporte POLÍTICA

12

Comitê questiona gastos elevados na Câmara cuLtura

16

Coletivo incentiva visibilidade a músicos de Juiz de Fora conjuntura

22

Cenário brasileiro fomenta debate sobre modelos econômicos tecnologia

26

Usuários transformam jogos eletrônicos em novo esporte

PERISCÓPIO . JUNHO 2016


5

32

recorte

Artista revela seu processo criativo em ensaio fotográfico aniversário

38

Narrativas e memórias revelam 104 anos de história do Tupi

38

comportamento 44

Crescimento do mangá no Brasil transcende a literatura especial

44 50

32

50

Uma nova perspectiva sobre a experiência de ser tatuado

PERISCÓPIO JUNHO 2016


Mobilidade

6

Transporte ativo Lucas Alves

Foto: Divulgação/PJF

O número de veículos circulando em Juiz de Fora cresce rapidamente, mas a infraestrutura não consegue acompanhar o ritmo e os congestionamentos se tornam cada vez mais comuns nas principais vias da cidade. Para especialistas, a solução é o incentivo aos transportes ativos, alternativa pouco incentivada na cidade.

As obras viárias foram anunciadas em 2012, pelo então prefeito Custódio Mattos, e prometiam favorecer o transporte coletivo urbano na cidade

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


7

Mobilidade

Foto: Lucas Alves

Juiz de Fora - ponte Luis Ernesto Bernardino Alves Filho

A ponte Luiz Ernesto Bernardino Alves Filho, próxima ao Tupynambás, foi uma das obras anunciadas pelo programa “Nova Juiz de Fora”; foi concluída em 2014.

N

os últimos dez anos, a frota de veículos circulando em Juiz de Fora praticamente dobrou. De acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), em abril de 2006, o número total de veículos registrados na cidade era de 125.938, contrastando com os 245.717 em abril deste ano. As consequências reais desses números já podem ser observadas nas principais vias do

município. Os engarrafamentos têm se tornado cada vez mais frequentes e transitar pelos corredores da região central pode se mostrar como um grande desafio. Embora seja um consenso entre especialistas que a forma mais eficiente de solucionar o problema do tráfego nas grandes cidades seja o aprimoramento do transporte coletivo, estes são os que mais sofrem diante dos congestionamentos nas

vias centrais. Dados fornecidos pelo aplicativo Infotrans, disponível no site da Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra), mostram como a velocidade média dos transportes coletivos ficam reduzidas nas avenidas principais, especialmente durante os horários de pico (veja o quadro da próxima página).

“A gente acredita que, quanto mais informação o cidadão tiver, melhor poderá se locomover. Trabalhamos com esse conceito de dar transparência e o máximo de informações que a gente conseguir para a população de Juiz de Fora”

PERISCÓPIO JUNHO 2016


8

Mobilidade Velocidade Média (VM), Distância Percorrida (DP) e Tempo Médio Gasto (TMG): Avenida Getúlio Vargas: VM = 9 Km/h - DP = 1,17 Km TMG = 8 minutos Av. Juiz de Fora (Quintas Avenida até Granjas Betânia): VM = 26 Km/h - DP = 3,57 Km - TMG = 8 min. Av. Juiz de Fora (Granjas Betânia até Quintas Avenida): VM = 28 Km/h - DP = 3,61 Km - TMG = 8 min. Av. Itamar Franco (Getúlio Vargas até Osvaldo Aranha): 7 Km/h - DP = 1,27 Km - TMG = 12 min.

OBRAS VIÁRIAS ANUNCIADAS EM 2012: Mergulhão da Avenida Francisco Bernardino Ponte da Praça dos Três Poderes Mergulhão da Rua Benjamin Constant Rampa de Descida do Viaduto Augusto Franco Viaduto Mariano Procópio Ponte da Rua Antônio Lagrota Ponte do Tupynambás Viaduto do Tupynambás Para o especialista em transporte e trânsito José Luiz Britto, o sistema existente em Juiz de Fora é arcaico e apresenta sinais de esgotamento. “Não é de boa qualidade e, acima de tudo, não é confiável. Além disso, só contamos com uma modalidade, que é PERISCÓPIO . JUNHO 2016

Av. Itamar Franco (Osvaldo Aranha até Getúlio Vargas): 16 Km/h - DP = 1,38 Km - TMG = 8 min. Av. Itamar Franco (ASCOMCER até Osvaldo Aranha): 8 Km/h DP = 1,96 Km - TMG = 15 min. Av. Rio Branco (Manoel Honório até Bom Pastor): 12 Km/h - DP = 3,74 Km - TMG = 19 min. Av. Rio Branco (Bom Pastor até Manoel Honório): 13 km/h - DP = 3,81 KM - TMG = 17 min. Av. JK (Viaduto até a Simeão de Farias): 17 km/h - DP = 6,10 Km TMG = 13 min.

Av. JK (Simeão de Farias até Viaduto): 15 Km/h - DP = 6,19 Km - TMG = 15 min. Av. JK (Simeão de Farias até Benfica): 54 Km/h - DP = 1,52 Km - TMG = 4 min. Av. JK (Benfica até Simeão de Farias): 46 Km/h - DP = 1, 51 km - TMG = 5 min. Av. Francisco Bernardino : 27 Km/h - DP = 1,51 Km - 5 min.

a rodoviária. Isso é bastante ruim para a população, que não possui outras alternativas”. Segundo ele, o incentivo aos coletivos parece ser a melhor solução para a saturação da região central. “Novas vias poderão ajudar, mas as cidades têm um limite para o crescimento. Logo, o melhor é adequar a frota ao espaço disponível”. A fala do especialista é endossada pelo secretário de transporte e trânsito do município, Rodrigo Tortoriello, que também vê a ampliação da qualidade do transporte coletivo como a melhor solução para o trânsito juiz-forano. “Você só vai incentivar que a pessoa deixe o carro em casa se ela tiver um transporte no qual tenha confiança, ou seja, que ela saiba onde vai passar e que tenha toda uma estrutura de fácil acesso”. Tortoriello ressalta que a Prefeitura de

Juiz de Fora (PJF) vem realizando uma série de ações que visam melhorar a qualidade dos transportes coletivos na cidade. Ainda de acordo com o secretário, a conclusão do processo licitatório para o transporte coletivo urbano, no final de abril deste ano, representa um grande ganho para a mobilidade urbana do município. “A partir de agora, você tem um contrato, direitos e deveres, tanto do poder público, quanto da inciativa privada. Os [consórcios] que vão operar o novo sistema passam a ter uma série de obrigações que não tinham antes. E a administração municipal também passa a ter uma série de compromissos para manter a boa qualidade desse serviço”, destaca. Além do processo licitatório, Tortoriello informa que outras

Velocidade Média (VM), Distância Percorrida (DP) e Tempo Médio Gasto (TMG):


9

Mobilidade dar transparência e o máximo de informações que a gente conseguir para a população de Juiz de Fora”, ressalta o secretário. A PJF também implementou, nos últimos anos, o o Infotrans, que divulga para a imprensa e para o cidadão boletins sobre mudanças emergenciais no trânsito, como acidentes e interdições; e a Área Azul Digital, com aplicativo e parquímetros.

Obras Viárias Com o objetivo de melhorar o tráfego nas principais vias da cidade e oferecer uma infraestrutura que consiga suportar melhor o crescente número de veículos em circulação, em 2012, o então prefeito Custódio Mattos (PSDB),

anunciou um conjunto de obras viárias como parte do programa “Nova Juiz de Fora”, que visava sobrepor as barreiras físicas do município, representadas pelo rio Paraibuna e pela ferrovia, responsáveis por cotidianas situações de retenções e congestionamentos. Dentre as obras anunciadas, somente as pontes Wilson Coury Jabour Júnior, Luiz Ernesto Bernardino Alves Filho e Wandenkolk Moreira já foram concluídas e a obra do Viaduto e Acesso do Tupynambás está em execução. De acordo com assessoria da Secretaria de Obras, as demais construções estão com seus projetos finais em fase de revisão e algumas podem ser iniciadas ainda este ano. Na avaliação de José Luiz Britto, a transposição do ParaibuFoto: Lucas Alves

medidas, de caráter mais imediato, foram e estão sendo tomadas pela Prefeitura no sentido de aprimorar o transporte coletivo na cidade. Dentre elas, o sistema de GPS implantado na frota de ônibus em 2014, o aplicativo “No Ponto” que permite aos usuários conferir, em tempo real, o horário de chegada dos coletivos nos pontos - e o Centro de Controle e Monitoramento, que iniciou suas operações no ano passado, com dez câmeras instaladas em cruzamentos estratégicos da cidade, acompanhando o tráfego em tempo real. “São várias ações, e a tecnologia é um aliado nosso nesse processo. A gente acredita que, quanto mais informação o cidadão tiver, melhor poderá se locomover. Trabalhamos com esse conceito de

O incentivo ao uso do transporte coletivo e a melhoria da sua qualidade é uma das alternativas para o problema do trânsito

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


10

Mobilidade na e da ferrovia é primordial para facilitar os deslocamentos. “A verdade é que, sem dinheiro, nada se faz, mas pelo menos as pontes foram construídas e, sem dúvida, melhoraram bastante a circulação naquela região, com reflexos para todo o seu entorno”, pontua ele. “Falam na construção de trincheiras e/ou viadutos, mas, na realidade, o projeto melhor seria o rebaixamento da via férrea, que possibilitaria acabar com as passagens de nível e, consequentemente, com os atropelamentos de pedestres”, enfatiza. O secretário de transporte e trânsito, Rodrigo Tortoriello, ressalta que só a introdução do binário na Avenida Brasil - viabilizada pela implantação das duas pontes - resultou em uma mudança significativa na forma de deslocamento da região em torno do rio. “A outra parte das obras, que é a transposição da linha férrea, começa agora, com a implantação do Viaduto do Tupynambás, que vai permitir uma ligação direta norte/sul da cidade sem que

“Na verdade, estamos na contramão do que vem ocorrendo no resto do mundo, onde cada vez mais as autoridades incentivam as pessoas a não usarem o automóvel, ofertando-lhes transporte público de qualidade”

PERISCÓPIO .JUNHO 2016

seja necessário que se passe pela Rio Branco”, afirma.

Impasse nas ciclovias Para especialistas, uma forma inteligente de reverter o problema dos congestionamentos nos grandes centros urbanos é o incentivo ao uso de alternativas de transporte, que não os motorizados. As bicicletas, especialmente, vêm ganhando destaque nas políticas de mobilidade urbana internacionais, já que se constituem um meio de transporte limpo, ágil, de fácil acesso e que gera benefícios em diversas escalas, desde ao meio ambiente até à saúde da população. Mestre em Gestão Urbana pela Universidade Técnica de Berlim (TUB), Renata Goretti conta que, desde que voltou de uma experiência de estudar no exterior, em 2012, optou por não ter mais carro, e hoje se move pela cidade exclusivamente de bicicleta, ônibus e táxi. “O interesse na promoção do transporte ativo veio quando da observação de que Juiz de Fora precisava passar por uma reestruturação. Do contrário, enfrentaria severos problemas na mobilidade, como vemos hoje”. Em relação às condições topográficas do município e a dificuldade de implementação de vias compartilhadas, ou totalmente dedicadas às bicicletas na cidade, Renata ressalta: “Há um

percentual muito grande de vias planas ou praticamente planas sobre as quais a bicicleta pode tranquilamente circular. Para trechos com aclives mais acentuados - longos, especialmente - há recursos de embarque de bicicletas no transporte público fora dos horários de pico, por exemplo”. “O que há aqui é exatamente a imperatividade da cultura do automóvel. Todos querem ter um e se deslocar com ele para suas linhas de desejo”, aponta José Luiz Britto. “Na verdade, estamos na contramão do que vem ocorrendo no resto do mundo, onde cada vez mais as autoridades incentivam as pessoas a não usarem o automóvel, ofertando-lhes transporte público de qualidade, usando a bicicleta como modal de transporte e a locomoção a pé para as pequenas distâncias”, analisa. Britto critica também a falta de ações no que diz respeito às ciclovias e ciclofaixas. “Em Juiz de Fora, parece que as autoridades estão sempre satisfeitas com a situação atual do trânsito e notadamente, têm receio de implantar novas medidas. Havendo a ciclofaixa os condutores de veículos automotores, com toda certeza, vão passar a respeitar os ciclistas e muita gente, em razão da segurança, certamente passará a utilizar as bicicletas como meio de transporte”. Rodrigo Tortoriello, secretário de transporte e trânsito, afirma que, desde o começo de sua gestão, tem fomentado o debate


11

Mobilidade interno para que o poder público buscasse ações que pudessem resultar em algo prático para a população. “Trabalhamos com algumas ONG’s, alguns usuários de bicicleta, em pesquisa, fizemos oficinas, e agora estamos muito próximos de apresentar um trabalho bem bacana para a cidade. Um plano não para ficar na gaveta, mas com ação imediata”.

Mobilizar a cidade A ONG MobiliCidade atua na defesa e incentivo ao uso dos meios de transporte à propulsão humana, em especial a bicicleta, e na educação para o

trânsito em Juiz de Fora. Com mais de quatro anos de existência, o grupo realiza ações socioeducativas na cidade, demonstrando os benefícios do uso seguro da bicicleta como meio de transporte, lazer, esporte e estilo de vida. “Realizamos a ‘bicicletada’, que é um passeio pela cidade para chamar a atenção para a questão do trânsito e compartilhamento pacífico, a escola Bike Anjo, onde ensinamos a andar de bicicleta e avaliamos a eficácia dos modais existentes em Juiz de Fora, dentre outros”, explica Guilherme Mendes, Diretor-Presidente da organização. Guilherme destaca a ação “Vaga Viva”, realizada sobretudo durante a Semana do Trânsito,

quando membros do Mobilicidade ocupam uma vaga de carro na cidade e promovem uma reflexão acerca da ocupação diária daquele espaço. “Damos outro significado a ele, mostrando que pode ser utilizado de forma mais proveitosa pela população, e não somente por quem utiliza-o de forma privada”, defende. Usuário assíduo da bicicleta, Mendes ressalta também que a inércia do poder público em relação às políticas de apoio e incentivo aos transportes ativos é a grande dificuldade enfrentada pelo grupo hoje na cidade. “Quem deveria estar fazendo alguma coisa não está fazendo nada. Está só enrolando. Acho que essa inércia do poder publico é o que está atrasando mais”.

Foto: Divulgação/PJF

Ainda em 2012, obras na Avenida Francisco Bernardino para a abertura de uma nova e provisória via.

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


12

Política

GASTO COM VERBA INDENIZATÓRIA NO LEGISLATIVO CONTINUA ALTO Câmara Municipal de Juiz de Fora gasta mais de R$ 700 mil por semestre com ressarcimento de vereadores Moisés Fialho

G

raças à verba indenizatória, vereadores juiz-foranos podem ser ressarcidos por despesas de até R$ 8 mil por mês, havendo, frequentemente, o uso total desse valor. Porém, o que mais chama a atenção nessa situação é a diferença de gastos entre os legisladores: enquanto o menor valor registrado no segundo semestre do ano passado foi de R$ 8.531,44, pelo vereador José Fiorilo (PTC), o maior foi de quase R$ 47.788,92, pelo vereador José Emanuel (PSC). Os dados estão disponíveis no Portal da Transparência (www.transparencia.gov.br), no site da Câmara Municipal (www.camarajf.mg.gov.br) e foram divulgados em março pelo Comitê de Cidadania, grupo que acompanha os trabalhos do legislativo, por meio de seu boletim semestral. No ranking das maiores despesas, Wanderson Castelar (PT) está em segundo lugar, com R$ 46.011,95 em gastos, e Hitler Vagner (PR) em terceiro, com R$ 45.164,04. Já entre os que menos PERISCÓPIO .JUNHO 2016

gastaram, o vereador José Laerte (PSDB) figura em segundo lugar, indenizado em R$ 23.409,25, enquanto Jucélio Maria (PSB) ficou em terceiro, solicitando o ressarcimento de quase R$ 29.789,55. Ainda de acordo com o Comitê de Cidadania, há discrepância de dados na mesma categoria e notas fiscais repetidas, além de persistir o uso sistemático do item “Consultoria Técnica” - 60% dos legisladores mantiveram esse gasto durante todo o semestre. Esse tipo de despesa é voltado para a contratação específica de engenheiros para auxiliarem o legislador na elaboração de um Projeto de Lei, por exemplo. Todavia, embora o Comitê aponte a contratação de assessores para os gabinete, os parlamentares ainda gastam todo o valor disponibilizado mensalmente, que é de R$ 2 mil. O segundo maior gasto foi com locação de veículos, onde cada vereador gastou, em média R$ 1.800, seguido por publicidade institucional.

Dinheiro do contribuinte Além do salário mensal, no valor de R$ 15.031,76, os legisladores podem ser indenizados em relação a gastos com locação de imóvel; combustível; manutenção, locação e fretamento de veículos; serviços de consultoria; divulgação da atividade parlamentar; material de expediente e informática; passagens; hospedagem; alimentação; assinatura de periódicos; clipping e participação em eventos. Ao final de cada mês, todos os vereadores devem apresentar comprovantes das despesas. José Emanuel declarou R$ 21 mil com consultoria, enquanto o vereador Luiz Otávio Coelho (Pardal - PTC), gastou R$10.200 com o mesmo serviço. Este, no entanto, foi o legislador que mais gastou com veículos, utilizando o valor de R$24.883,88, enquanto José Fiorilo (PSC) gastou R$ 5.079,90. Com telefonia, Antônio Aguiar (PMDB) lidera com um gasto de R$ 6.639,93, e o vereador que menos utilizou o serviço foi Aparecido Reis Miguel Oliveira (PSB), com R$ 324,15.


13

Política

Foto: Moisés Fialho

Vereadores chegam a gastar o valor total da verba, destinada a cobrir despesas geradas pelo exercício parlamentar

Desde 2014, Fiorilo é o parlamentar que menos usa a verba indenizatória. “Muitas vezes prefiro gastar do meu próprio salário, afinal essa verba vem do dinheiro do contribuinte”, explica ele, pontuando como faz para economizar esse dinheiro. “Os gastos com gasolina, eu declaro o valor de apenas um carro, apesar de usar três. Utilizo apenas um número de telefone e muito do material que utilizo, imprimo em casa mesmo, o que também

diminui os custos”. Questionado se avalia como excessivo o valor da verba, o parlamentar defende que o uso e a destinação do recurso é de responsabilidade individual de cada membro do legislativo municipal. “Apresentamos nota fiscal de todos os serviços contratados. Se eu faço um boletim informativo por exemplo, eu tenho que declarar todo o valor gasto”, finaliza. Já José Laerte, que assumiu o mandato no ano passado e teve

o segundo menor gasto no último semestre, enfatiza que raramente gasta o valor total e que “em muitos meses, não chego a gastar nem metade, mas outros vereadores realmente viajam mais, vão a congressos. É um direito deles”. A equipe da Periscópio entrou em contato com a assessoria do vereador José Emanuel, que informou não haver disponibilidade na agenda para prestação de esclarecimentos antes da data de fechamento desta edição. PERISCÓPIO .JUNHO 2016


14

Política Movimento de Fiscalização Um dos principais questionadores da utilização da verba indenizatória é o Comitê de Cidadania (CJP/JF), que elabora e distribui semestralmente um jornal informativo, comunicando à sociedade as leis aprovadas no município, os gastos da Câmara e um resumo de suas ações. O grupo também realiza um trabalho educativo de valorização do voto consciente junto aos jovens e à comunidade em geral, além de fiscalizar o

PERISCÓPIO .JUNHO 2016

processo eleitoral, combatar a corrupção - fazendo valer a Lei 9840/99 (Contra a Compra de Votos) - e acompanha o trabalho dos vereadores, com presença constante nas reuniões ordinárias do legislativo municipal. O movimento ainda tem lugar em Conselhos Municipais como representante da sociedade civil na elaboração e acompanhamento das políticas públicas de Juiz de Fora. Desde 2001, após o trabalho de combate à cor-

rupção nas Eleições de 2000, foi proposto ao grupo dar continuidade aos trabalhos. Por meio de suas atividades, o Comitê também visa estimular a participação da população nos trabalhos da Casa, buscando sua revalorização. As reuniões do comitê acontecem toda segunda quarta-feira do mês, às 19h, na sala de reuniões do anexo da Catedral Metropolitana. Qualquer cidadão pode participar.


15

Política Alternativas em debate

O

presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Wellington Magalhães (PTN), anunciou, em fevereiro deste ano, a conclusão do processo licitatório para a contratação de serviços de correio, telefonia móvel, consumo de gasolina e locação de veículos, que substituirão, aos poucos, a verba indenizatória na Casa. O Projeto de Lei 1432/15, proposto em 2014, visa a substituição da verba indenizatória por licitações para a prestação dos serviços necessários. Atualmente, a verba mensal disponível para cada vereador de Belo Horizonte é de R$ 15 mil, totalizando um a despesa de R$ 615 mil ao mês e R$ 7,38 milhões ao ano para o legislativo municipal, sendo que a prestação de contas também feita por meio de nota fiscal. Com o processo licitatório, Magalhães estima uma

economia de 30% no orçamento, já que, além da redução dos valores que decorrem do volume total contratado, haverá redução da oferta de itens. Em março do ano passado, atendendo orientação do Ministério Público Estadual, o órgão anunciou a decisão de licitar todos os recursos envolvidos na verba indenizatória. A previsão inicial da mesa diretora era de que em até quatro meses todos os itens contratados pelos parlamentares para custear as despesas do mandato fossem licitados. Entretanto, uma série de entraves burocráticos teria retardardado os procedimentos. Hoje, cada gabinete abastece de quatro a cinco carros. Agora, apenas um receberá gasolina, com limite máximo de gasto de R$ 800 ao mês. Na telefonia, cada escritório receberá um celular - e não mais 15. Na prática, inicia-se o processo de substituição da verba indenizatória por uma forma de contratação institucional. Com a iniciativa, a Câmara Municipal

de Belo Horizonte será pioneira no país na implementação de uma alternativa à verba. Em entrevista ao jornal Estado de Minas, o presidente da Câmara ressaltou que dos R$ 15 mil previstos para gastos com o mandato de vereador, 80% - R$ 12 mil - referem-se à manutenção de carros, gastos com correio, gasolina e telefonia móvel. Neste momento, a Casa dá prosseguimento à conclusão do processo de licitação dos serviços de gráfica e de material de escritório, para os quais, o teto individual mensal será de R$ 3 mil. Magalhães afirma que o processo vai ter mais transparência sem a necessidade de apresentação de nota e a compra licitada, uma vez que, agora, o vereador passará a usar somente o que foi licitado pela Câmara. Ainda de acordo com o chefe do legislativo municipal, a mudança servirá também como exemplo para outros órgãos do Poder Legislativo brasileiro, reforçando o caráter inédito da proposta no cenário nacional.

Vereador e Partido Político

Verba Indenizatória Vereador e Partido Político Verba Indenizatória

1 - Ana Rossignoli (PDT) 2 - André Mariano (PMDB) 3 - Antonio Aguiar (PMDB) 4 - Aparecido Oliveira (PPS) 5 - Chico Evangelista (PP) 6 - H. Vagner de Oliveira (PR) 7 - José Emanuel (PSC) 8 - José Fiorilo (PDT) 9 - José Laerte (PSDB) 10 - José Márcio (PV) 11 - Jucélio Maria (PSB) 12 - Julio Gasparette (PMDB) 13 - Léo de Oliveira (PMN)

R$ 45.073,07 R$ 33.932,15 R$ 44.452,31 R$ 41.963,09 R$ 44.548,28 R$ 45.164,04 R$ 47.788,92 R$ 8.631,44 R$ 23.409,25 R$ 44.457,42 R$ 29.789,55 R$ 43.061,71 R$ 43.642,83

14 - Luiz Otávio Coelho (PTC) 15 - Nilton Militão (PTC) 16 - Oliveira Tresse (PSC) 17 - Roberto Cupolillo (PT) 18 - Rodrigo Mattos (PSDB) 19 - Wanderson Castelar (PT)

R$ 41.158,26 R$ 44.558,13 R$ 32.548,62 R$ 34.462,99 R$ 44.532,41 R$ 46.011,95

Total = R$ 710.990,91

PERISCÓPIO JUNHO 2016


“Música Na Faixa”, organizado pelo coletivo A

Isabella G


“Música Na Faixa”, organizado pelo coletivo Avenida Independência, revela talentos locais Isabella Gonçalves

Avenida Independência, revela talentos locais

Gonçalves

Fotos: Divulgação, Pedro Rezende e Avenida Independência


Cultura

18 Foto: Pedro Henrique Rezende

Lançamento da primeira edição da Avenida Independência reuniu debate sobre Jornalismo Cultural

O

brasileiro tem “complexo de vira-lata” e disso todo mundo já sabe desde os tempos de Nelson Rodrigues. Juiz de Fora é a rainha dessa mania, merecedora de uma coroa, com cerimônia televisionada ao vivo para premiação. Heresia mesmo foi o dia no qual ouvi que a produção cultural era fraca. Questionei logo: “Já parou para pesquisar, ouvir, ler e ver?” As pessoas ficam é num casulo surdo e cego, fechadas como no Mito da Caverna de Platão, mas com efeito contrário: ao invés de saberem só do que está dentro, baseiam-se no que está fora, sem conhecer a realidade local, e assim fazem uma comparação irreal da realidade. Falam, mas não se permitem vivenciar os outros sentidos e, de fato, absorver o que a cidade oferece. Posso dizer que, por muito tempo, fiz parte dessa alienação cultural. Só me permiti ver e ouvir mesmo,

PERISCÓPIO .JUNHO 2016

quando entrei na universidade. Ao me atentar para tudo o que me cerca, percebi a riqueza. Ressalto, especialmente, a música juiz-forana. Ô povo bom para fazer som! E aí, no meio disso tudo, surgiu um coletivo, impulsionado por uma disciplina de Jornalismo Cultural da UFJF, chamado “Avenida Independência”, com o slogan “Ouvir a cidade”. A ideia do projeto foi a de servir como ponte entre o público e esses artistas. Afinal, temos músicos de excelência na cidade, mas que poucos conhecem. Essas apresentações ficam no underground, fora dos holofotes que as grandes casas de show da cidade oferecem. Estão em pequenos bares, em shows ao ar livre e em espaços culturais, que só quem conhece mesmo passa a saber. A informação não chega a todos e, com isso, poucos são os que têm a oportunidade de ouvir, de fato, o que Juiz de Fora tem de produção musical.

A Avenida Independência surgiu nessa perspectiva, tendo como produto principal uma revista digital dedicada especialmente à música autoral da cidade, além de um blog que conta com coberturas semanais sobre os eventos culturais. Aos poucos, o coletivo foi crescendo em ideias e número de integrantes, criando o projeto “Música Na Faixa”. A responsável pelo edital, Hyrlla Tomé, alega que a sua concepção “nasceu nessa intenção de criar mais produtos de qualidade para o cenário autoral de Juiz de Fora, que atuem na divulgação desses artistas e que pudessem mostrar, além das músicas, as suas trajetórias”. Um dos curadores do projeto, Thiago Menini, defende que a iniciativa vai atuar como uma afirmação da música autoral juiz-forana. “É uma oportunidade diferenciada para os músicos, porque eles vão poder falar dos próprios desafios de suas carreiras, dos pro-


Cultura

19 Foto: Carime Elmor

cessos de composição e apresentar suas músicas. Isso tudo com uma gravação de qualidade e contando com a divulgação da Avenida Independência.” Com gravações frequentes, os episódios serão lançados mensalmente no site do coletivo, tendo a duração de 30 minutos. “Cada um desses episódios vai ter um artista ou banda como protagonista, sendo ele constituído por essas apresentações no Maquinaria, tendo músicas intercaladas a trechos de entrevistas”, conta Hyrlla. O projeto é uma parceria da Avenida Independência com outros profissionais da cidade, contando com Lucas Soares na sua coordenação e Pedro Soares na direção.

Os músicos selecionados E quais são esses artistas que representarão a cidade no projeto? O “Na Faixa” teve 36 inscritos, que seguiram a tendência musical de Juiz de Fora, rica em estilos que perpassam pelo MPB, rock, samba e rap. Thiago Menini comenta que o edital chegou a diversos perfis de músicos. “Todos se esforçaram bastante e enviaram um material de qualidade para a avaliação. Alguns, inclusive, mostraram CDs já lançados, fato que jogou a qualidade do edital pra cima.” Para o integrante da banda Silva Soul Marcelo Castro iniciativas como essas são muito importantes, uma vez que antigamente, ou o artista era muito mainstream ou assumia uma característica completamente underground, e tocava no porão para meia dúzia de pessoas. “Hoje, você tem a internet que traz essa possibilidade de atingir todo mundo e essas seis/ sete pessoas que frequentavam o

Músicos se apresentam em Encontro de Compositores de acordo com a ordem de chegada.

underground formam um público participativo, assim criou-se uma outra dimensão desses guetos e participações.” Para ele, o “Música Na Faixa” vai ser essencial para a banda Silva Soul, uma vez que atuará como uma atualização da produção do grupo, mostrando a identidade atual da banda, as novas músicas e os projetos atuais. Caetano Brasil está na música desde os seus doze anos, tendo lançado o seu primeiro CD recentemente. Assim como Marcelo, o artista acredita que iniciativas como a da Avenida Independência e da Lei Murilo Mendes são alicerces para o desenvolvimento de trabalhos culturais na cidade. “Eu tenho observado que esses projetos têm um custo que não é barato. Então, investir nessas políticas de incentivo nunca é demais. Todas as bandas aprovadas no ‘Música Na Faixa’ desenvolvem

trabalhos que eu conheço de perto e são muito sérios. A gente sempre precisa de mais e mais apoio para que consiga se expressar através desses meios”, comenta. O processo de curadoria foi dividido entre três integrantes que tinham a mesma função de escutar cada uma das oito faixas dos 40 inscritos. Os critérios adotados foram: originalidade, composição, execução e arranjo, sendo cada um deles pontuado com uma nota de até 25 pontos. No final, foram somadas as pontuações de cada um dos curadores, sendo os oito primeiros colocados, os selecionados do edital. “São músicos, grupos e conjuntos que possuem um objetivo claro em suas carreiras, e estão em busca de se aperfeiçoar. Com isso, a ideia do projeto acaba sendo boa para todo mundo”, Thiago comenta. PERISCÓPIO .JUNHO 2016


Cultura

20

Conheça os músi Caetano Brasil

Desde os doze anos se aventura na música, tendo conhecido o clarinete, seu principal instrumento, em uma oficina de música da cidade. Depois, participou do Clube do Choro, onde teve os seus primeiros contatos com os músicos profissionais juiz-foranos. Caetano é nome de artista e o rapaz sempre soube que queria levar essa característica para muito além da certidão. Recentemente, lançou o seu primeiro CD “Caetano Brasil”, que reúne uma verdadeira mistura de jazz, ritmos latinos e folclore oriental.

Carlos Fernando Cunha

É formado na Bituca, universidade de música popular, e mora em Juiz de Fora desde 2001. Seu primeiro CD foi o “Zeroquarenta”, gravado em 2011, sendo que quatro anos depois, lançou o seu segundo disco “Baobá”. Além de cantor, o músico é pesquisador e professor da UFJF, atuando no Bacharelado de Música, na Graduação de Educação Física e no Programa de Pós-Graduação em Educação. PERISCÓPIO .JUNHO 2016

Laura Jannuzzi

A cantora se aventura pela música independente desde 2012, quando participou do projeto “Fogueira dos Cantos”. Foi em 2013 que se assumiu, em definitivo, como cantora e compositora, passando a participar do Encontro de Compositores, de festivais e saraus. Esse ano foi marcado pela estreia do seu CD “Ondes”, uma compilação dos trabalhos já desenvolvidos ao longo desses anos como musicistas.

DOIS NÓS

O projeto de música instrumental foi criado pelos mineiros Daniel Lovisi e Rick Vargas em 2011, unindo o dedilhado às melodias autorais. Influenciados por vários estilos, como a bossa nova, o choro, o samba, e o baião, a banda procura a riqueza presente na música brasileira. Desde sua formação, o duo tem atuado em importantes festivais, tendo lançado o primeiro disco “Nascer das Águas” nesse mesmo ano, que traz composições autorais e obras de importantes compositores brasileiros.


Cultura

21

sicos do NA FAIXA BANDA MATILDA

Formada por 4 mulheres, a banda reúne uma pitada de sonho misturada com influências brasileiras diversas e uma boa dose de poesia. Seu primeiro CD “Patuá” foi lançado em 2015, tendo sido ele apoiado pela Lei Murilo Mendes e pela Catarse, plataforma de crowdfunding. A proposta do disco é a de, fugindo de rótulos musicais, conversar com o sensível e o lúdico de cada um

RAÍ FREITAS &U BANDÃO De Volta Redonda/RJ, o estudante de Ciências Humanas da UFJF vem de família de artistas, sendo filho de um cartunista e uma musicista. O músico se aventura em suas composições autorais desde 2008, sendo que o seu primeiro EP “O Andarilho” foi influenciado por diversas vertentes musicais e concretizado de forma completamente independente, a partir da venda de palha italiana. Agora, em parceria com “U Bandão”, lançou o seu mais novo single “Pra você ficar feliz”.

UIARA LEIGO

Influenciada por uma mistura de estilos, que vão do baião ao rock, perpassando também pelo samba e o MPB, Uiara Leigo se caracteriza por ter uma voz firme e estilo marcante. Seu projeto “Meu Canto é Segredo” traz uma mistura de religiões afro-brasileiras com o samba de terreiro, indo também ao encontro do rock nacional. A cantora defende uma liberdade de criação sem rótulos, característica marcada em seu trabalho híbrido e de grande qualidade musical.

SILVA SOUL

O grupo surgiu em 2002, sendo que muita coisa mudou desde então. Em 2006, a sua formação foi alterada, e, nesse mesmo ano, foi lançado o primeiro EP chamado “Na função” de 3 músicas, trabalho que evoluiu até 2012, ano de lançamento do CD “Baile do Silva”. O Baile do Silva é uma reunião de dois elementos primordiais: música e dança, uma vez que as festas organizadas pelo grupo foram as responsáveis por dar origem às suas primeiras músicas autorais. PERISCÓPIO .JUNHO 2016


Conjuntura

22

Crise ecônomica no brasil, tragédia anunciada Moisés Fialho Foto: Agência Brasil

consumidores consigam empréstimos a taxas menos exorbitantes durante a crise, os bancos federais têm cada vez mais preenchido esta lacuna, oferecendo empréstimos subsidiados com tarifas inferiores aos bancos privados. Estas operações passaram de 40% do total em 2010 para 55% em 2015. Como o governo afrouxou a política fiscal, o Banco Central (BC) prematuramente reduziu sua taxa básica de juros em 2011 e 2012. Isto aumentou a inflação, que é agora bem acima do limite de 6,5% imposto pelo BC e da meta do governo de 4,5%. Desde julho do ano passado, dirigentes de política monetária do BC têm mantido o valor em 14,25%, o que representa Crise da economia foi um dos fatores do afastamento de Dilma Rousseff quase dois pontos percentuais a mais do que antes da decisão de cortar os juros. Juntamente com os últimos anos, a ecopara 6,75% do PIB; que desde a falta de rigor macroeconôminomia do Brasil tem de- então tem aumentado pelo menos co, havia uma forte intromissão cepcionado: ela cresceu quatro pontos percentuais. em média, 2,2% ao ano, durante É provável que este seja o o primeiro mandato da presiden- terceiro ano consecutivo em que te Dilma Rousseff (PT), um ritmo o governo não consegue capital mais lento de crescimento do o suficiente para pagar os credoque na maioria dos nossos países res: a meta para o superávit privizinhos, e muito menor que em mário, que exclui os juros devipaíses como a China ou a Índia. dos sobre a dívida, foi cortada de O PIB deste ano já encolheu em 0,5% para basicamente nada. A 4,05%, e espera-se nova queda dívida pública bruta do Brasil, de em 2017. O consumo anual das 70%, pode parecer pequena em famílias diminuiu pela primeira comparação aos 197% da Grécia vez desde que o PT chegou ao po- ou aos 246% Japão, mas as altas der em 2003. Ao mesmo tempo, a taxas de juros de cerca de 14% despesa pública subiu. Em 2014, ao ano fazem os empréstimos quando Dilma buscou a reeleição, bancários diminuírem. o déficit orçamental duplicou Para permitir que empresas e

N

PERISCÓPIO . JUNHO 2016


23

Cojuntura microeconômica: o governo adotou uma política industrial desajeitada de incentivo ao setor privado, por exemplo, insistindo em baixas taxas sobre as concessões para executar projetos de infraestrutura.

Mercado em crise Burocracia, falta de infraestrutura e uma moeda forte também são agravantes para a falta de competitividade da atual indústria brasileira. Assim, os consumidores têm sido a principal fonte de demanda. Nos últimos dez anos, os salários no setor público têm crescido mais rapidamente do que o PIB. Isso permitiu aos consumidores comprarem mais, o que incentivou ainda mais gastos. Agora, o círculo virtuoso está virando vicioso. Os salários reais têm diminuído desde

março de 2015 (em comparação com o ano anterior), principalmente porque a produtividade dos trabalhadores brasileiros não justificou as altas de salários anteriores. O desemprego nas principais regiões metropolitanas, que estava abaixo de 5% em 2014, aumentou para 8,2%

em fevereiro, e fechou o primeiro trimestre de 2016 com uma alta para 11,2%. Para melhorar suas finanças, o governo federal cortou os gastos com seguro-desemprego (que tinha subido mesmo quando a taxa de desemprego estava caindo) além de outros benefícios. Impostos, incluindo o imposto sobre os combustíveis, subiram, assim como as contas de água e eletricidade. O objetivo era reduzir a demanda (após uma grande seca em 2014) e manter os preços regulados para controlar a inflação, mas estes aumentos tiveram efeito contrário.Tudo isso está prejudicando o capital disponível, uma grande parte do qual é gasto para pagar de volta o crédito ao consumo de antes. A confiança do consumidor também caiu para o menor nível da história, segundo a Fundação Getúlio Vargas. O

PERISCÓPIO . JUNHO 2016


Conjuntura

pode aliviar a política monetária “uma vez que iria minar a sua credibilidade e haveria riscos de aumento da inflação. Embora a queda de Dilma tenha animado os mercados, Michel Temer (PMDB) não pode trazer o Brasil de volta à vida com mais gastos e menores taxas de juros”. O economista propõe a

diminuição da intervenção estatal: “Se entendemos que impostos reduzem a atividade econômica e empobrecem uma nação, aumentos de tributos deveriam ser evitados a qualquer custo. Se entendemos que a despesa pública representa um desperdício, deveríamos reduzir ao máximo o tamanho e as atribuições do governo. Se a gestão pública é inerentemente ineficiente, adotar práticas de gestão das empresas privadas é não apenas inócuo como também contraproducente, pois retarda a tomada de medidas efetivas na vã esperança de otimizar a administração da burocracia governamental. Se a infraestrutura brasileira se encontra em uma situação calamitosa, a última coisa de que necessitamos é de investimento público como solução para as estradas, portos, aeroportos. Que se conceda à livre-iniciativa a possibilidade de realizar investimentos nesses setores — sem amarras artificiais, obviamente.” Foto: Agência Brasil

governo não tem dinheiro para impulsionar investimentos. A Petrobras, maior investidora do Brasil, está no meio de um escândalo de corrupção que paralisou os gastos: o investimento precipitado pode ter no ano passado reduzido o crescimento do PIB em um ponto percentual. O economista Wesley Almeida argumenta que “a falha em conter os gastos já levou todos as três grandes agências de avaliação a tirarem o Brasil de suas listas de crédito de grau de investimento premiado. Agora temo que a atual política monetária se torne ineficaz. O Banco Central poderia ajustar as taxas para tornar o mercado mais competitivo, em vez de manter os preços sob controle. O ex-ministro das Finanças Joaquim Levy já havia cortado R$ 70 bilhões, fora do gasto discricionário previsto para 2015. Mas isso foi um corte em torno das bordas: cerca de 90% dos gastos do governo precisam de aprovação do Congresso (ou mudança constitucional) para serem aplicados.” Almeida também complementa que o Banco Central não

24

“Se entendemos que a despesa pública representa um desperdício, deveríamos reduzir ao máximo o tamanho e as atribuições do governo.”

PERISCÓPIO .JUNHO 2016

Michel Temer (PMDB) tem a difícil tarefa de estabilizar a economia


Conjuntura

O livre mercado como opção Segundo economistas da Escola Austríaca como Von Mises, Friedrich Hayek e Karl Menger, imposto significa expropriação de riqueza do cidadão, independentemente da finalidade a que se destina. Tudo o que o estado gasta é pago pelo cidadão por meio da tributação. Na melhor das hipóteses, impostos nada adicionam à atividade econômica: o que seria gasto pelos indivíduos agora será pelo estado. É tirar de X para dar a Y. Porém, como o estado não está sujeito ao teste de lucros e prejuízos, o gasto público é sempre ineficiente. Ademais, impostos desincentivam (quando não impossibilitam por completo) a atividade econômica e a acu-

25

mulação de capital, ao embutir um custo adicional à produção. Impostos dilapidam a riqueza de uma nação duplamente: ao impedir uma maior produção e a formação de capital e ao desperdiçar os recursos que seriam usados pela iniciativa privada. Tributos significam uma subtração da atividade econômica. Taxar a sociedade significa empobrecê-la. Logo, qualquer aumento de impostos implica a redução da riqueza de uma nação. Na visão dos conservadores e socialistas, entretanto, impostos não significam necessariamente uma redução da riqueza em uma economia, e isso depende, segundo eles, da destinação e do uso “eficiente” dos impostos. Apesar de o livre mercado ter sido empregado com sucesso em países como Hong Kong,

Nova Zelândia e Singapura, o sistema foi duramente criticado por economistas como o britânico John Maynard Keynes que condenou a política econômica laissez-faire em várias ocasiões. Em “The end of Laissez-faire” (1926), uma de suas mais famosas críticas, Keynes argumenta que as doutrinas do laissez-faire são dependentes em certa medida, do raciocínio dedutivo impróprio e que a intervenção de mercado ou de estado é mais eficaz e deve ser determinada numa base “caso a caso”. Hayek, apesar de ser um defensor do liberalismo, afirmou que: “uma política de laissez-faire e livre concorrência tende a ser endogenamente desestabilizadora e pró-cíclica. A necessidade de controle dos bancos centrais é inevitável.” PERISCÓPIO .JUNHO 2016


PRESS START Jogos eletrĂ´nicos competitivos constituem nova modalidade esportiva e mercado milionĂĄrio Bruno Paiva


Tecnologia

E

m um mundo onde tudo evolui tecnologicamente, os esportes não ficam de fora. Os chamados e-sports, ou esportes eletrônicos, na tradução, já reúnem multidões de fãs diante das telas, alcançando o faturamento mundial de 747,5 milhões de dólares em 2015, segundo relatório divulgado pela empresa norte-americana Super Data Research. Este número pode aumentar em até 100% até 2018, tendo sido estimado que mais de 70 milhões de pessoas tenham acompanhado esses jogos no ano de 2013 (último dado disponível). Empresas de videogames, como Blizzard, Valve e Sony, cada vez mais projetam games pensando em sua vertente competitiva e, - por que não? -, esportiva. Os jogos que mais atraem jogadores e/ou espectadores são os dos gêneros estratégia e FPS, atraindo majoritariamente jovens entre 15 e 24 anos, cursando ensi-

ENTENDA OS TERMOS

e-sports: Jogos eletrônicos jogados de forma competitiva por equipes, que disputam campeonatos. FPS: jogos de tiro em primeira pessoa, onde o objetivo é eliminar todos do time inimigo Youtuber: pessoa que faz vídeos para o youtube, geralmente expressando suas opiniões sobre assuntos variados ou até mesmo jogando algum jogo

27 no médio ou superior. Os participantes da cultura gamer se colocam na dupla condição de jogadores e espectadores. E como se explica essa febre, que faz com que muitos prefiram assistir jogos a jogá-los? Segundo estudos de cientistas da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, a gratificação vem de elementos que também estão presentes nos esportes “comuns”: a admiração por habilidades de determinado jogador, a busca pela melhora das próprias habilidades nos games e uma espécie de “fuga” da vida real e das obrigações do dia a dia. Algumas pesquisas definem os esportes eletrônicos como “uma área de atividades esportivas em que os jogadores desenvolvem e treinam suas capacidades mentais ou físicas no uso de tecnologias de informação e comunicação”. O ramo apresenta números Gaming Houses: casa de jogos de uma determinada equipe para onde os jogadores profissionais se mudam para viver a rotina de treinamento. sgolounge: site de apostas em equipes do jogo “Counter Strike: Global Offensive” Nexus: base inimiga do jogo “League of Legends”. Mod: Modificação feita por usuários em games, tornando-os um tipo de “jogo dentro do jogo”.

expressivos: 91 bilhões de dólares foram gastos por cerca de 1,9 bilhão de gamers em todo o planeta entre 2011 e 2016, segundo a Liga Brasileira de Esportes Eletrônicos. A Ásia lidera a participação nesse modelo esportivo, tendo 47% do engajamento global nos jogos. Em seguida, a América do Norte, com 22%. A América Latina tem a menor fatia desse bolo, com apenas 4%. No entanto, a coisa muda de figura quando o assunto é faturamento. O Brasil detém o 4º maior faturamento com e-sports no mundo, tendo também um dos maiores engajamentos nas redes sociais na América Latina. O fenômeno dos esportes eletrônicos apresenta oportunidades de negócios para empreendedores e constitui alternativa de lazer para pessoas em todo o mundo. A revista Periscópio investigou histórias nestes dois campos. Warcraft - jogo da Blizzard, que serviu de base para a inspiração de diversos jogos, inclusive das concorrentes. MOBA: gênero de games baseados no mod “Dota” do “Warcraft”, onde existem três trilhas, com torres, um exército e cinco pessoas em cada time (2 times). O objetivo neste estilo de jogo é destruir a base adversária. Sites Fantasia: sites de aposta customizados, que usam da interatividade.

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


Tecnologia

28

OPÇÃO DE LAZER foca mais na exposição de novos Os games se tornaram o nicho games, que também constituem de indústria de entretenimento um atrativo para os campeonatos. que mais cresce no planeta, com Os jogos podem ser assistidos faturamento correspondente a quase o dobro do segundo coloca- online via streams (transmissão do, o cinema, e dez vezes superior de dados ao vivo via internet) e já ao faturamento do mercado musi- começam a aparecer em canais de cal. Do faturamento total do setor, televisão, como a ESPN, a pioneira no Brasil,e Band Sports. 78% vem das receitas com publicidade e patrocínios (ver As streams são importantes Infográfico). No Brasil, serviços e é a partir de os maiores eventos são sites como o “Twitch” a Brasil Mega Arena e (www.twitch.com) que a Brasil Game Cup. A a maior parte da coisa Brasil Mega Arena é acontece. A streamer um evento que, além e estudante de engede campeonatos, connharia de produção ta com a presença de Mayra Hilel, 24, relatou youtubers famosos que o principal motivo Foto: Mayra Hilel entre os jovens para para jogadores-espectaatrair bilheterias. Já Mayra diz que apesar de fazer dores assistirem outras streams de outros jogos, o seu a Brasil Game Cup jogo favorito ainda é “Dota 2”. pessoas jogando, além Infográfico: Superdata Research, Nova Iorque.

Divisão dos 747,5 milhões de dólares entre diversas áreas dos e-sports.

PERISCÓPIO .JUNHO 2016

da diversão, é a melhora de suas próprias habilidades. “Eu comecei a jogar games quando estava no Ensino Médio. Na época meus amigos iam pra lan house jogar “DotA” e eu ia junto, daí comecei a gostar. Depois de um tempo eu larguei o “DotA” e fiquei jogando só “COD” (“Call of Duty”) em console. Um amigo meu me deu uma chave do “Dota 2” (remake de DotA) de presente e eu voltei a jogar. Comecei a me interessar pelo jogo cada vez mais, e resolvi criar uma página no Facebook para divulgar conteúdo relacionado ao jogo. Um dia, resolvi fazer uma stream de “Dota 2”, para ver como era. Depois disso, todo dia eu recebia mensagem de pessoas pedindo stream, então decidi continuar” - relata. O jogador de e-sports tem uma rotina tão árdua quanto a de qualquer outro esportista. Os campeonatos no Brasil distribuem até 30 mil dólares em premiação. Levando isso em consideração, jovens de todo o país têm mudado de cidade e até mesmo trancado cursos na faculdade para viver em inéditos centros de treinamento, as “Gaming Houses” (Casas de Jogo), jogar até 14 horas por dia e ganhar R$ 3 mil por mês, em média. Na China, local onde os e-sports têm grande apelo e reconhecimento, “LoL” (League of Legends) e “Dota 2” já são considerados esportes oficialmente pelo governo chinês. Jogadores profissionais são tão populares quanto os jogadores de futebol no Brasil e universidades do país chegaram até a implementar cursos de graduação em “LoL” e “Dota 2”.


29

Tecnologia

E-SPORTS COMO NEGÓCIO

sociais que vão além da esfera dos jogos, como atividades de inclusão digital na periferia, o incentivo do crescimento dos e-sports no âmbito universitário com a Liga Universitária Gamer, iniciativas de inclusão das mulheres no cenário dos e-sports, campanhas de popularização da modalidade em faculdades e colégios públicos e palestras sobre o mercado. Foto: Luis Guilherme Costa

O estudante de artes e fã de profissionais e amadores na busca de uma equipe, com uma “Counter Strike: Global interface de rede social. A Offensive”, Eric Goulart, empresa trabalha com 18, diz que o que o fez os jogos de estratégia interessar por assistir “Dota 2”, “League of e-sports foram aposLegends” e “Heroes tas em sites relacioof the Storm”, e o nados à cena profisFPS “Counter Strike: sional do jogo. “Me Global Offensive”. Reinteressei pelo jogo centemente, organizou depois de ter visto seu primeiro campeem uma promoção Foto: Bruno Paiva onato, para equipes e comprado, então “Assistir e-sports é algo simples e bem casual. de “Dota 2”. depois de um tempo Ver jogo da LG (Luminosity) Luis Guilherme Coseu acabei viciané que nem ver jogo do seu ta, ou Chicão, como time de futebol, na quarta”, do. Já sobre assistir afirma Eric. é conhecido na Interpartidas, o interesse net, é um dos sócios veio a apostar no “csgolounge”. No início eu não conhecia muito bem, da empresa. Trabalhava na X5 Mega Arena (XMA), que hoje em então não sabia apostar direito. Apostava em um time das partidas dia tem o nome de Brasil Mega profissionais e via no que dava. Na Arena, na área de organização e execução de campeonatos, onde época, a Luminosity (equipe de conheceu os idealizadores da Liga, “CS:GO” brasileira) nem existia, e, após algumas conversas, enera Kabum! ainda. Daí foram trou na sociedade. Apesar de não passando por reformas até chegater começado o projeto, ele diz rem onde estão hoje” - conta. Em contribuir com a maior parte das relação à preferência do público dos e-sports em relação ao cinema ações da empresa: “Eu já trabalhava há algum tempo nessa área e a Liga e à música, Eric atribui esse fato Brasileira de Esportes Eletrônicos à interatividade proporcionada por esses produtos. “O fato é que é precisava de alguém para criar e uma diversão casual, que não exi- coordenar projetos. Alguém com experiência. Acabei sendo essa pesge atenção, e você pode usufruir soa. Fiz engenharia da computação a qualquer momento, em casa ou na Unicamp, mas desde os 18 anos fora”, complementa. venho tentando me inserir nesse mercado, atuando bem pouco na minha área. Eu organizei cerca de 40 campeonatos amadores dentro do Dota antes de entrar efetivamente para a equipe da XMA.” Luis Guilherme é responsável pela maioria das atividades da A Liga Brasileira de Esportes empresa, desde publicações no Eletrônicos (LBEE) é uma emFacebook, até a organização de presa implementada em fevereiro competições e planejamento de projetos presenciais e sociais. deste ano, que atua nessa área Sobre estes projetos, respondeu e organiza campeonatos. Além que além dos campeonatos, a disso, o site (http://lbee.com.br/) LBEE organiza também ações da instituição auxilia jogadores

“Eu sempre fui apaixonado por “Dota 2”. No começo a ideia era conseguir movimentar um cenário cru e com muito espaço para crescer. Com essa história no “Dota” fui adquirindo cada vez mais experiência, fazendo contatos e me apaixonando cada vez mais pelo o que eu faço: levar conteúdo para a comunidade, dar um suporte para todos os jogadores e profissionalizar de verdade o cenário. Esse é um sonho meu e da Liga, e esse interesse só cresce.” PERISCÓPIO .JUNHO 2016


30

Tecnologia O site pretende implementar um sistema de “Gold” (moeda digital), que irá premiar jogadores de acordo com conquistas, com a possibilidade de se adquirir camisas, bottons, equipamentos periféricos para computador e brindes, comprados com o Gold. Também será implementado um sistema de ranqueamento no uso do site, priorizando os usuários mais assíduos. Além disso, está em desenvolvimento um sistema em que equipes podem se desa-

fiar em partidas amistosas, com a consequente evolução no ranking e obtenção de premiações, em caso de vitória. Luis Guilherme diz ainda não ser mensurar os retornos, visto que o empreendimento está em sua fase inicial. Ele complementa dizendo que “a previsão é a melhor possível, o mercado de games é um mercado sem crise, é estável e só cresce, é uma mina de ouro para quem sabe realmente onde investir”. No entanto, ressalta que

alguns empreendedores não têm muito sucesso no ramo, exatamente por esperar sucesso imediato. “Normalmente os projetos dessa área não dão certo, e as pessoas se perguntam muito o por que disso. O problema é que é um mercado novo e as pessoas querem retorno imediato e não tem paciência para plantar, regar a plantinha e depois colher os frutos. Querem na hora, querem dinheiro fácil e, como tudo na vida, o que vem fácil, vai fácil”, conclui.

Foto e Infográficos: Liga Brasileira de Esportes Eletrônicos

Campeonato Mundial de “LoL” de 2014, realizado na Alemanha.

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


31

Tecnologia Dota 2 Imagem: Valve

“Defense of the Ancients 2” (“Defesa dos Anciãos”) é um MOBA (Multiplayer Online Battle Arena, ou Campo de Batalha Multijogador Online) da empresa Valve, criadora de grandes sucessos como a série “Half Life” e “Portal”. O jogo usa de estratégia, com dois times de cinco jogadores que se organizam em três linhas de batalha, buscando destruir as torres e a base inimiga. Foi baseado em um mapa do “Warcraft”, jogo da rival Blizzard, e desenvolvido pelos próprios jogadores, que foram contratados pela Valve, tempos depois, para continuar o desenvolvimento em um nível profissional. Por ter sido baseado no jogo “Warcraft”, a todo momento a concorrente compete sobre os direitos de patente sobre os personagens (vários personagens tiveram seus nomes alterados para evitar problemas na justiça). Segundo jogadores, mesmo tendo estes problemas, o jogo continua fiel ao “Dota” original e é considerado por unanimidade o remake oficial do famoso mapa de “Warcraft”.

League of Legends Imagem: Logodownload.org

O “LOL”, como é conhecido, é atualmente o jogo mais jogado do mundo, com mais espectadores, equipes profissionais e campeonatos. Da empresa Riot Games, seu sistema é semelhante ao do “Dota 2”, por ser um MOBA. Possui três linhas de batalha e, como objetivo final, a destruição do Nexus (base) inimiga. A sua semelhança não é coincidência: ambos os jogos foram baseados no mesmo mapa do “Warcraft”. Porém, “League of Legends” (“Liga das Lendas”) usou personagens totalmente novos, mas nada que se distancie muito do “Dota” original. Existem algumas diferenças técnicas entre o MOBA da Riot Games e o “Dota”: no “LOL”, as características são melhor visualizadas quando o jogo é observado mais a fundo.

Heroes of the Storm Imagem: Blizzard

“Heroes of the Storm” (“Heróis da Tempestade”), ou “HotS”, é o MOBA da Blizzard, a mesma criadora do “Warcraft”. Posteriormente inserido no mercado, busca bater de frente com “LOL” e “Dota 2”, usando o conhecido sistema de três trilhas, base, torres e cinco contra cinco. Baseado no “Dota” original, como os MOBAs anteriormente citados, usa de figuras conhecidas pelos jogadores de “Warcraft”, “Diablo” e “Starcraft”, também games da Blizzard. Alguns de seus personagens possuem extrema semelhança com os de “Dota 2”, gerando uma intertextualidade significativa entre os jogos do gênero. Foi criado para buscar jogadores que não se adaptaram à mecânica de “Dota” e “LOL”, facilitando diversas funções. “HotS” muda radicalmente algumas ideias que eram fixas e impossíveis de abandonar para os concorrentes. Chegou tardiamente no mercado, portanto, dependeu da inovação para se estabelecer.

Counter Strike: Global Offensive Imagem: Logodownload.org

Game de FPS (First Person Shooter, ou Atirador em Primeira Pessoa), produzido pela Valve, desenvolvido a partir de mod criado por jogadores em outro jogo da empresa, o “Half Life”. Neste jogo, figuram em cada partida cinco jogadores que tem como objetivo matar os cinco adversários da equipe inimiga. Cada jogador tem um dinheiro inicial, que usa para a compra das armas designadas para sua função no jogo. Foi criado a partir da percepção da Valve de que refazer jogos a partir de modificações criadas por usuários era algo que dava retorno financeiro e criava uma base de fãs. Recente-

PERISCÓPIO JUNHO 2016 .


Ar(te) & Riscos Isabella Gonรงalves


33

Recorte

Luiz Gonzaga tem nome de artista e se destaca em Juiz de Fora por seu estilo único e pela diversidade de trabalhos.

As obras desse ensaio podem ser vistas na galeria Hiato, localizada na Rua Coronel Barros, 38, São Mateus. PERISCÓPIO .JUNHO 2016


Recorte

34

ORIGENS

‘‘

No colégio, eu fiz uma prova e uma professora me viu desenhando no verso. No final da aula ela me disse que conhecia um artista que oferecia bolsas de estudos e me perguntou se eu tinha interesse.

‘‘

"

Eu falei: a senhora acha que isso aí que eu faço dá? Ela disse que sim. E eu aceitei, mas falei de boa. Levei alguns desenhos para a galeria, o artista gostou e me deu a bolsa. Foi assim que tudo começou.

"

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


35

Recorte

REFERÊNCIAS

‘‘

A princípio, eu não tinha pretensão de ser alguma coisa. Eu desenhava por prazer, por curtição. Eu fui treinando muito com o quadrinho, porque minha mãe sempre gostou muito de Turma da Mônica. Outra referência foi o livrinho religioso Sentinela. Mais para a frente, eu comecei a ler quadrinhos de super herói e foi esse tipo de leitura que me deu muita base de anatomia.

"

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


Recorte

‘‘

36

MUDANÇA

Quando eu mexi a primeira vez com spray, eu achei muito doido, mas foi mais pela falta de prática. O primeiro grafite que eu fiz foi feito por pincel mesmo. Foi quando eu cheguei na obra Os Simpáticos que eu senti necessidade de usar o spray. E aí foi nessa que eu peguei mais ou menos a manha.

"

‘‘

TÉCNICA

Na galeria eu aprendi a trabalhar mais o lápis e o nanquim, que é o material que mais me marca hoje como artista. Foi só muito tempo depois que eu comecei a trabalhar com o cor e essa influência veio devido ao grafite. Até então eu não enxergava cor, eu nunca fui muito de colorir, nem mesmo na escola.

PERISCÓPIO .JUNHO 2016

"


37

Recorte

‘‘

LIBERDADE

Vai ter uma exposição em breve com oito artistas e cadeiras pintadas. Aí eu vou poder pintar a cadeira do jeito que eu quiser, ela está lá em casa agora. Além desse trabalho, estou fazendo pintura em algumas lonas de caminhão, a ideia é fazer uma exposição com elas. Dessa linha de trabalhos em outras superfícies, também fiz um cubo todo desenhado. As coisas vão acontecendo naturalmente.

"

Confira mais artes de Luiz Gonzaga em: http://gonzaguianos.blogspot.com.br PERISCÓPIO .JUNHO 2016


104 anos do Galo Carijรณ


Conquistas, personagens e momentos que marcaram a histĂłria do Tupi DĂŠbora Alves


40

Aniversário

O

ano era 1912. Um grupo de amigos, jogadores do Tupynambás, chateados por não estarem disputando os jogos da equipe, resolvem sair do clube do qual faziam parte e fundarem seu próprio time. Assim, em 26 de maio, gerado em meio a uma grande rivalidade, nascia o Tupi Football Club, consagrado carijó de Juiz de Fora. Com as cores preta e branca, o clube de Santa Terezinha parava a cidade nos dias de clássico contra seus maiores rivais: Sport e Tupynambás. Na tentativa de sempre um superar o outro, as equipes e diretorias eram motivadas a se manterem fortes, movidas por uma rivalidade que demandava mais esforço e trabalho.

Muitos acreditam que o Tupi carrega um estigma de possuir poucas conquistas, fato que leva algumas pessoas a fazerem chacota com o time. Entretanto, o que quase ninguém sabe, talvez pela falta de informações, é que o carijó coleciona, no futebol, mais de 80 títulos em sua história, nas diversas categorias e competições. Segundo pesquisas do torcedor Leonardo (Léo) Lima, que passa seus dias de folga em busca de notícias e histórias sobre o clube, as vitórias do time surpreendem qualquer um. “Tem muita coisa que eu nem imaginava que o Tupi tinha feito, mas pelo que já consegui pesquisar até agora, são 82 títulos, que por serem antigos, muita gente não divulga e não sabe”, afirma o torcedor.

Foto: Débora Alves

“Admiro no Tupi o fato de que, independente das dificuldades, nunca parou de disputar o futebol, principalmente os campeonatos de prestígio” Ronaldo Dutra Pereira, jornalista que acompanhou o Tupi entre 1976 e 1981

Acervo pessoal do torcedor Léo Lima, em homenagem a seu pai Eurico, ex jogador do Tupi.

1921

1933

Campeão Oficial de Juiz de Fora (primeiro título do clube)

Vice-campeão do Mineiro

PERISCÓPIO .JUNHO 2016

Hoje, quatro anos após completar seu centenário, o Tupi vive um grande momento: a disputa na série B do Campeonato Brasileiro. O evento é aguardado com grandes expectativas por seus torcedores, jogadores e por todos que acompanham a trajetória do clube, visto que o clube não participa desta competição desde 1987. Francisco Tiago Gonçalves da Hora, conhecido apenas como Gonçalves, é goleiro do Carijó há 6 anos e vive um momento único em sua carreira no time. “É um sonho se realizando ver o Tupi entre os grandes clubes do Brasil. Uma oportunidade profissional para todos de estar aparecendo e podendo mostrar nosso futebol”, comemora.

1975 Campeão Regional

1983 Campeão Mineiro da 2ª divisão e Campeão Regional

1985 Campeão Mineiro do Interior


Aniversário

41

Foto: Arquivo Pessoal

Foto: Arquivo Pessoal/ Léo Lima

Foto: Arquivo Pessoal/ Léo Lima

Foto: Reprodução/ Tribuna de Minas

Personagens que fizeram história

2001 Campeão Mineiro do Módulo 2

José Calil Ahouagi é considerado um dos maiores nomes da história do Tupi. Ele foi jogador, treinador, diretor e presidente do clube. Ficou à frente de suas maiores conquistas. Dedicou

praticamente toda a vida ao Carijó, principalmente entre as décadas de 1940 e 1960. Em homenagem, a rua da sede do Tupi, no bairro Santa Terezinha, recebeu seu nome.

Toledo, ou Toledinho, é o artilheiro do clube, com mais de 200 gols em jogos oficiais e um dos personagens principais do “Fantasma do Mineirão”. Emocionado, Toledo relembra o momento marcante em que, aos 16 anos, tornou-se jogador do carijó. “Morava no Manoel Honório e fui convidado para treinar no Tupi juvenil. Fui, mas errei o dia. Não era o treino do juvenil, mas do profissional. Perguntei se podia assistir ao treino, e o treinador do juvenil, que também estava lá, permitiu.

Estava faltando um jogador no time reserva, e pediram para eu entrar só pra completar. Entrei como ponta esquerda, mas não sou canhoto. Treinei tão bem que quando acabou o treino, eles me deram o contrato pra assinar e já comecei a jogar o futebol. Meu pai era desses torcedores que brigavam na arquibancada por causa do Tupi, tudo dele era Tupi. E quando eu cheguei em casa com o papel para ele assinar, acho que foi o melhor presente que dei a ele em toda a minha vida.”

Em 1965, Eurico, que era ponta esquerda, veio de Niterói, juntamente com mais 10 jogadores para fazer vários testes no Tupi, mas foi o único do grupo que ficou. Quando contratado, o clube estava mal no Campeonato Regional, mas após sua chegada, juntam-

ente com mais alguns jogadores, o time foi campeão da competição. Durante o Fantasma do Mineirão e depois da partida contra a seleção brasileira, foi contratado pela Portuguesa, de São Paulo. Voltou para o Tupi em 1969 e encerrou a carreira em 1971.

Ademilson, ou Adê, é o artilheiro dos últimos anos. Chegou no clube em 2007, onde ficou por oito anos. Foi campeão do Campeonato Mineiro do Interior em 2008.Em 2011, conquistou com o clube o título de Campeão Brasileiro da série D e participou do acesso do Tupi em 2013

para a série C. É reconhecido pela sua raça em campo. Sobre o carinho dos torcedores, o ex-atleta diz: “sinto a sensação de dever cumprido, por corresponder à altura do que os torcedores esperavam de mim. É gratificante, um sentimento que vou levar pelo resto da minha vida”.

2003 Campeão Mineiro do Interior

2008

2011

2012

Campeão Mineiro Campeão Brasileiro da série do Interior e Campeão da Taça D Minas

Campeão Mineiro do Interior

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


42

Aniversário

Foto: Jorge Couri/ Jornal Diário da Tarde

Fantasma do Mineirão

E

m 1966, o Tupi viveu um dos momentos de maior reconhecimento nesses 104 anos. O time disputava o Campeonato Regional com o Sport, Barbacena, Santos Dumont e outros clubes mais próximos. Após notável esforço, chegou no turno em último lugar e mudou de treinador, ficando sobre o comando de Geraldo Magela. No returno, já com Magela, o Tupi conseguiu ser campeão. Na época, o vencedor da região de Juiz de Fora jogava com o de Belo Horizonte. Foi então que o Cruzeiro - formado por jogadores como Tostão, Dirceu Lopes, Evaldo, Piazza e Raul - veio para a partida no campo do Tupi. O Carijó ganhou por 3 a 2, com gols do atacante Moacyr Toledo. No jogo em Belo Horizonte, o Tupi emplacou mais uma vitória: 1 a 0. A rivalidade entre Cruzeiro e Atlético Mineiro fez com que o galo da capital chamasse o Tupi para uma disputa. Mais uma vez, o Carijó venceu. Assim também foi com o América Mineiro, vencendo todos os jogos em Belo Horizonte. Daí surgiu o nome “O Fantasma do Mineirão”. Com a visibilidade, a seleção brasileira chegou a convidar o Tupi para um jogo em Caxambu (MG). O Atlético havia jogado e perdido por 7 a 0, mas, com o time juiz-forano, o resultado foi bem diferente. Nos 90 minutos regulamentares, o Tupi vencia por 1 a 0, com gol de João Pires. Graças a um acréscimo de mais de vinte minutos, a Seleção conseguiu empatar o jogo.

PERISCÓPIO .JUNHO 2016

Na emblemática foto, os jogadores Eurico e Toledo, após um dos jogos do Fantasma do Mineirão. Eles nunca tinham jogado no Mineirão. O estádio era novo, grande e tinha as banheiras de hidromassagem, que ambos nunca tinham usado. Segundo Léo Lima, filho de Eurico, “eles ficaram um tempão no vestiário depois do jogo, dentro da banheira quente, impressionados!” “É uma competição muito difícil, com clubes que já têm experiência e disputam a série B a muito tempo. Sabemos das dificuldades, mas nossa equipe tem se preparado muito bem.” Gonçalves, goleiro do Tupi, sobre o Campeonato Brasileiro da série B.

MILAGRE CARIJÓ

C

om a fama de conquistar tudo com emoção e sofrimento, em 2006 o Tupi viveu um momento que ficou marcado para sempre no coração de seus torcedores: o “Milagre Carijó”. Naquele ano, o time estava na segunda divisão do Campeonato Mineiro, prestes a desistir da

competição e ser rebaixado sem jogar. Na última rodada, precisava ganhar por dois gols de diferença, além de depender do resultado de mais dois jogos em outras cidades. O Tupi fez sua parte e terminou com o placar que precisava, mas ainda restava oito minutos dos outros jogos. Pelo alto-falante do Estádio Municipal conseguiram transmitir, através de uma rádio de Uberaba, os minutos finais dos outros jogos. Léo Lima conta como foi emocionante viver esse momento: “a torcida e os jogadores ficaram juntos, todos em silêncio, escutando a rádio e esperando o momento final das outras partidas. Tudo deu certo e o time conseguiu se classificar para a primeira divisão”. De 2006 em diante, o clube viveu grande ascensão, o que colaborou para que o Tupi chegasse ao status que tem atualmente.


43

Aniversário Histórias de torcedores “Quando eu era mascote do clube, tinha uns 8 anos, os jogos eram no Santa Terezinha. O estádio era menor, a torcida ficava perto do alambrado, tinha uma atmosfera diferente. Não esqueço, eu dentro do vestiário, junto com os outros meninos, quieto num cantinho, com medo de fazer alguma coisa e alguém tirar a gente de lá. Parece que ainda sinto o cheiro de gelol de massagem. Ficava deslumbrado com tudo”. Ruan Roque, torcedor do Tupi “Outra coisa marcante era quando o massagista do Tupi “O Tupi ocupa e sempre ocupou dava uma rapadura pra cada um espaço imensurável e que nada, jogador. Era um ritual, a místinem ninguém, poderá mudar. É ca de que a rapadura ia ser um uma relação de amor que foi creenergético natural. E ele dava um scendo a cada ano. O clube ajudou pedaço de rapadura pra gente na criação e sustento da minha também. São momentos que família (meu pai trabalha no clube mesmo tendo bastante tempo, há 22 anos). Além disso, contribuiu eu não esqueço. Vem a imagem muito para a minha relação com certinha na minha cabeça.” meu pai. Gostamos de ficar coLéo Lima, torcedor do Tupi, mentando sobre o time, falando filho do ex-jogador Eurico e sobre o dia a dia do clube, e sempre dono de um acervo do clube vamos juntos ao estádio assistir aos jogos.” “Por influência do meu pai, Rita de Cássia, torcedora e filha acompanho o Tupi desde que era de Helim Lopes Pereira, funpequeno. Quando criança, eu encionário do Tupi. trava em campo junto com os jogadores, no estádio Salles de Oli“Vivi dois momentos muito marcantes com o Tupi, que foi quando eu e mais dois amigos fomos sozinhos para Curitiba para acompanhar o jogo contra o Atlético Paranaense na Arena da Baixada, onde conseguimos pela primeira vez a classificação para a terceira fase da Copa do Brasil. O mais marcante, sem dúvida, foi o acesso à série B. Nunca me emocionei tanto na minha vida”.

“Tivemos a felicidade de empatar com a seleção, além do fantasma do Mineirão, que também foi uma série de vitórias jamais esquecidas. Essa, com certeza, foi a coisa mais gratificante que poderíamos fazer pelo Tupi, porque foi ali que ele ficou reconhecido”, afirma Toledo, um dos principais jogadores que vivenciaram esse período do clube.

veira, em Santa Terezinha. Vou em todos os jogos com meus sobrinhos e procuro agendar minhas viagens de acordo com o calendário do Tupi. O último jogo que não pude ir foi em setembro de 2011. Com chuva ou com sol, sempre estou no Estádio, independente se é jogo da série B, C ou D.” Leandro Lanna, torcedor do Tupi

“Admiro no Tupi o fato de que, independente das dificuldades, nunca parou de disputar o futebol, principalmente os campeonatos de prestígio”.

Ronaldo Dutra Pereira, jornalista que acompanhou o Tupi entre 1976 e 1981

“Sei que tenho que separar o lado torcedor do lado profissional. Mas tem hora que o coração fala mais alto, é inexplicável. Sou apaixonado pelo clube”. Walker Campos, preparador de goleiros do Tupi e trabalha no time há 17 anos Foto: Acervo Pessoal

Poucas pessoas sabem O Tupi foi precursor em outros esportes, como basquete, vôlei, ciclismo, remo, bocha e malha. Na década de 40, uma forte equipe de basquete. Na década de 30, um projeto de fazer uma Cidade Olímpica no Centro de Juiz de Fora, tão grande era o envolvimento com outros esportes. O lado empreendedor do time em outras modalidades contribuiu para que tivesse a maior torcida entre os demais clubes da cidade.

Pai e Filha têm como tradição acompanhar o Tupi

PERISCÓPIO JUNHO 2016


Comportamento

44

MADE IN JAPAN Mangás e animes orientais conquistam público brasileiro Bruno Marangon

O

Japão pode estar do outro lado do mundo, mas a distância não inibe a força da influência nipônica no Brasil. Como se trazida por um sol nascente, cujos raios são capazes de atingir e iluminar terras distantes, o impacto da cultura oriental por meio dos animes e mangás, por exemplo, se faz presente em todo o país, levando os brasileiros a figurarem entre os maiores consumidores desses produtos fora da nação insular.

ENTENDA OS TERMOS Mangás: Quadrinhos

produzidos no Japão, equivalentes a HQs ocidentais, como os de Batman, Superman, entre outros.

Animes: Adaptações animadas das histórias retratadas nos mangás, como um filme PERISCÓPIO .JUNHO 2016

As animações do gênero, exibidas aqui pela primeira vez na década de 60, ficaram um bom tempo fora da programação, até retornarem nas décadas de 80 e 90 com ainda mais força. “A Princesa e O Cavaleiro” e “Speed Racer” foram substituídos por “Cavaleiros do Zodíaco”, “Sailor Moon” e “Yu Yu Hakusho”, por exemplo, que rapidamente se popularizaram com brinquedos, mochilas e jogos, além de abrir espaço para outras produções.

Na mesma época, os primeiros mangás licenciados chegavam ao Brasil, como “Lobo Solitário”, que conta a história de um samurai andarilho e seu filho, e “Akira”, apresentando uma Tóquio futurista, onde habitam indivíduos com poderes psíquicos. Ao final dos anos 90 e início de 2000, “Pokémon”, “Dragon Ball Z” e “Yu-Gi-Oh!” se tornaram febre entre crianças e jovens brasileiros, se consolidando com um estrondoso sucesso. No entanto, a doutora em Ciências da Comunicação e especialista em mangá, Sonia Luyten, afirma que, inicialmente, houve desafios para que essas obras fossem importadas. “Na realidade, o Brasil falhou em ser o primeiro país do mundo a ler mangá pelos não-descendentes de japoneses. Sendo aquele com a maior colônia de imigrantes nipônicos, o mais natural é que o ‘boom’ da cultura pop ocorresse aqui no início dos anos 90”, destaca. A especialista pontua ainda que o próprio Japão, antes dessa década, não estava preparado para

ou série de TV adaptada para livros ou outras mídias.

de acordo com trejeitos e personalidade próprios a ele.

Cosplay: Fazer um cosplay

Manhwa: Quadrinhos

é o ato de se caracterizar como um personagem, seja de mangás, filmes, jogos, entre outros. A caracterização envolve as vestimentas comuns ao personagem e, em alguns casos, a interpretação do mesmo,

produzidos na Coreia, equivalentes aos mangás japoneses.

Shonen: Demografia de

publicação japonesa referente ao público jovem masculino.


Comportamento

45

exportar os mangás. “O consumo era interno e não havia essa intenção naquele momento. Eram necessários contratos específicos com alguma editora brasileira”. Ela conta ainda que esse tipo de produção só começou a se popularizar aqui após os norte-americanos começarem a publicá-lo, além de traduzir as animações para a televisão.

Atualmente, as principais editoras que publicam mangás no mercado são a Panini Comics e a JBC, embora a NewPOP e a Nova Sampa também tenham obras licenciadas. Os quadrinhos japoneses são publicados de acordo com o calendário de cada distribuidora, sendo que algumas têm periodicidade mensal, enquanto outras têm seus volumes lançados bimestralmente. Os principais compradores são jovens de cerca de 12 a 25 anos de idade. Somente no mês passado, 17 títulos tiveram volumes lançados

Seinen: Demografia de

publicação japonesa referente ao público masculino adulto.

Shojo: Demografia de

publicação japonesa referente ao público jovem feminino.

Josei: Demografia de

publicação japonesa referente ao público feminino adulto.

Arte: Vinicius Gomes Rodrigues

MERCADO FAVORÁVEL

pela Panini, enquanto a JBC foi responsável por 16, totalizando 33 obras em publicação, com tiragens de 10 a 30 mil exemplares. Com a exceção de apenas um desses títulos, todos se enquadravam nas categorias shonen e seinen, demons-

Kodomo: Demografia de

publicação japonesa referente ao público infantil, independente de gênero.

Streaming: Serviço que

permite aos usuários de internet assistirem a filmes, séries, animes, etc. online.

Fansub: serviço prestado

trando a preferência da maioria dos consumidores por séries que se enquadrem nesses estilos. Em 2005, apenas cinco mangás eram publicados pela Panini, enquanto, em 2010, a JBC trazia 12 títulos aos consumidores brasilei-

por uma ou mais pessoas que se prestam a legendar filmes, séries e animes e disponibilizar as traduções na internet, para que o público possa ter acesso.

Figures: bonecos que

reproduzem, geralmente de maneira fiel, personagens de animes, quadrinhos, filmes, etc.; também chamados de action figures.

PERISCÓPIO .JUNHO 2016


Comportamento

46

Categorias de leitores

Quantidade de títulos das principais editoras (abr/2016)

Shonen

20

Seinen

12

Shojo

1

Total

33

ros, números consideravelmente abaixo dos atuais, evidenciando o crescimento desse mercado ao longo dos anos. Hoje, é possível encontrar os mais variados estilos à venda, já que algumas livrarias têm separado prateleiras, antes ocupadas pelas tradicionais Histórias em Quadrinhos (HQs), para essas produções. De acordo com Sonia, mesmo após a chegada desses produtos no país, ainda houve uma certa resistência por parte da população em geral: “Inicialmente, o mangá foi visto com cautela por pais e professores. Achavam que as histórias eram violentas e até sexuais, devido ao fato de não respeitaram a classificação da editoração seguida no Japão. O material traduzido foi lido aqui por todos e, muitas vezes, algumas histórias eram destinadas para um público leitor específico”, conta.

ABSORVENDO A CULTURA O advento da internet e o crescente público consumidor incentivou o licenciamento de cada vez mais mangás e animes e a criação de diversos serviços, como os de PERISCÓPIO .JUNHO 2016

streaming e os fansubs, responsáveis por legendar animações japonesas e disponibilizá-las na rede. Em Juiz de Fora, eventos como o Anime No Katagi e o Anime Drops difundiram ainda mais a cultura nipônica, constituindo pontos de encontro para seus amantes. O primeiro deles, realizado anualmente entre 2011 e 2013, se tornou o maior da região. Além do comércio de produtos do segmento, esses eventos contam ainda com salas para exibição de animes e concursos para seleção dos melhores cosplays entre os participantes. Outros eventos ainda são realizados periodicamente, como o Anime Pop JF, que teve a sua terceira edição realizada nos dias 14 e 15 de maio deste ano. Há também grupos com esse interesse em comum, que realizam atividades em conjunto, proporcionando integração entre seus participantes. O grupo Otaku Force conta com quase 1200 integrantes no Facebook, a maioria deles de Juiz de Fora e região. Camila Sampaio é uma das integrantes do grupo e leitora assídua de mangás. “Leio mais mangás do que vejo animes, pelo menos um volume ou dois por semana”, destaca.

“Minha coleção é bem variada. Uma parte está na casa da minha mãe e a outra, mais recente, na minha. Costumo separar os mangás em saquinhos plásticos para proteger da umidade, traças e poeira excessiva”, explica. Camila conta ainda que, no momento, armazena-os em caixas em função da falta de espaço, mas pretende montar uma prateleira especifica para esses itens, além de alguns figures e outros objetos que coleciona. Seu primeiro contato com esse universo foi ainda criança, mas não sabia diferenciar as produções orientais e ocidentais. “Entendi o que era anime com “Sakura Card Captors”, também meu primeiro mangá. Sendo muito nova, não me adaptei ao formato, principalmente pelo sentido de leitura. Somente com 15 anos realmente me interessei, por indicação de um ex-namorado. Semanas depois, fui apresentada a “One Piece”, que leio até hoje”. Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Camila Sampaio afirma que, apesar da leitura não ser um de seus hábitos favoritos na infância, foi atraída pelas histórias e o estilo dos diálogos, além dos


Comportamento

Estilo próprio Os mangás e animes japoneses são tradicionalmente divididos em várias categorias: shonen, seinen, shojo, josei e kodomo. Todas se referem a públicos-alvo específicos a cada publicação. As obras de categoria shonen são orientadas a um público jovem masculino enquanto as seinen têm como alvo o público masculino

Em Juiz de Fora, eventos como o Anime No Katagi e o Anime Drops difundiram ainda mais a cultura nipônica, constituindo pontos de encontro para seus amantes.

Foto: Igor Tibiriçá

quadros, impressos em preto e branco. Ainda hoje, Camila admite que sempre procura saber se uma história é interessante antes de incluir em sua coleção, dando preferência aos gêneros romance e terror. Apesar de nunca ter feito cosplays de personagens específicos nos eventos que participou, Camila é fã do estilo “lolita”, também oriundo do Japão entre as décadas de 70 e 80, que envolve o uso de saias, rendas, laços e babados, de forma a parecer infantil, elegante ou modesta, evitando uma imagem adulta, sexualizada ou vulgar. Porém, ela afirma que ainda pretende fazer um cosplay com o marido, além de usar um produzido anteriormente.

47

Muitos amantes de mangás e animes vão aos eventos caracterizados como personagens

adulto, normalmente compreendido entre os 18 e 40 anos. Shojo e josei são suas respectivas contrapartes femininas. Já os kodomo são focados em um público infantil, independente do gênero. Apesar dessa divisão, muitos jovens preferem obras mais adultas, que discutam temas mais sérios, perturbadores ou de maneira mais aprofundada. No Brasil, as produções shonen e seinen também fazem sucesso com as mulheres. É o caso da estudante Laura Matos. “Sempre gostei mais dos seinen e shonen, por causa dos temas, da ação e dos combates. Acho que o principal diferencial nos animes foi a violência. Há pouca censura nas cenas de ação, com sangue e embates violentos. Era uma coisa para a qual eu não tinha uma tolerância em filmes hollywoodianos, mas adorava em desenhos”, reconhece. Diferente de Camila, Laura só teve um contato maior com animes recentemente, mas reconhece que também não sabia situá-los.

“Meu primeiro contato foi com ‘Naruto’. Gostava muito do desenho, exibido de manhã na TV, e resolvi procurar na internet para ver. Naquele tempo, não entendia a diferença entre ele e desenhos como ‘X-Men Evolution’ e ‘Super Choque’, exemplifica. Laura já fez quatro cosplays para participar de eventos, mas afirma que não é seu foco no momento. “Sempre gostei de ver as pessoas fantasiadas e sempre tive vontade de fazer o mesmo, até que criei coragem para isso. Gostaria de continuar, mas é um hobby em que se gasta muito dinheiro, por mais simples que se queira fazer o personagem”, afirma. Apesar de achar a leitura de mangás mais rápida, ela diz que também teve dificuldade no início, devido ao sentido da mesma ser da direita para a esquerda. Com o tempo, passou a conhecer outros tipos de títulos, inclusive através de indicações de amigos, e chegou a ler alguns manhwas, PERISCÓPIO .JUNHO 2016


Comportamento

Foto: LolikaCute

48

Estilo lolita é tradicionalmente japonês, mas tem adoradores também no Brasil

notando o maior detalhamento dos personagens e cenários. “O traço dos desenhos é uma das particularidades. O manhwa parece ser feito com uma caneta bem fina, os personagens são mais ‘esticados’ e sem aqueles clássicos olhos imensos de mangás”, analisa. Alguns manhwas já foram publicados no Brasil, como “Chonchu - O Guerreiro Maldito” e “Priest”, embora o número de obras japonesas lançadas aqui seja muito superior. Rodrigo Passos é estudante de Psicologia e conta que embora tenha se afastado do universo dos mangás e animes, ainda consome os produtos com alguma periodicidade. “Assistia animes com bastante frequência há uns quatro PERISCÓPIO .JUNHO 2016

anos, mas, hoje em dia, não acompanho mais. Leio mais ou menos uma vez por mês e estou acompanhando um que está sendo lançado agora”, diz. “Coleciono as histórias que mais gosto. Tento manter minha coleção bem completa e só começo a comprar um título novo quando outro encerra”, admite ele, que também tem preferência pelos estilos shonen e seinen. Apesar de nunca ter se caracterizado, ele afirma que tem interesse em fazer isso como uma forma divertida de homenagear algo que se gosta.

Mangás x HQs O interesse por mangás leva alguns a procurarem aprender,

na prática, um pouco mais do processo de produção dessas obras. Cartunista e professor de um curso de desenho em Juiz de Fora, Alberto Pinto afirma que as aulas voltadas para o estilo mangá vem apresentando uma boa procura: “Temos três turmas atualmente e uma delas está cheia”. Segundo ele, o curso existe há bastante tempo, embora o tempo dedicado à faculdade o tenha impossibilitado de dar aulas por um certo período. “Agora o curso voltou com força total, com meus três alunos mais antigos ministrando aulas. Os alunos que procuram são em sua maioria adolescentes, mas, atualmente, temos alunos de todas as idades, desde crianças que querem desenvol-


Comportamento

“é um hobby em que se gasta muito dinheiro, por mais simples que se queira fazer o personagem” (LAURA)

Foto: Igor Tibiriçá

ver a sua técnica, até adultos, já mais velhos, que querem voltar a desenhar”, esclarece. “O mangá é um dos estilos que mais inspiram pessoas pelo mundo. Assim, essas pessoas procuram cursos dessa área para conhecer as técnicas específicas”. O técnico em eletrônica Wilson Oliveira é leitor tanto de histórias em quadrinhos ocidentais, quanto de mangás, mantendo uma coleção mista. Ele enfatiza que, hoje em dia, lê mais HQs por conta da acessibilidade dos títulos, mas ainda lê alguns mangás: “O material que tem saído no Brasil está bem organizado e com um preço que cabe no bolso, mas ainda leio alguns mangás. Completei os relançamentos de ‘Dragon Ball’ e ‘Yu Yu Hakusho’ e estou acompanhado ‘Zetman’, que ainda está em lançamento”, explica. “O bom do formato oriental é sua linearidade, uma história com início, meio e fim, contando a evolução de um personagem no melhor estilo ‘jornada do herói’. Ele começa muito fraco e vai ficando forte, criando laços de amizade ao longo da história. Já o formato ocidental tem algumas semelhanças mas, em estrutura, é totalmente diferente. Grande parte dos heróis foram

49

Laura gosta de fazer cosplays, mas diz que é um hobby caro

criados há muito tempo e suas histórias são contínuas, mas as equipes criativas mudam-nas e acabam alteram toda a origem dos personagens”, critica. Apesar dessas diferenças, Wilson diz que já observou inspirações de um estilo em outro. “Já tive a oportunidade de ler uma HQ canadense - ‘Scott Pilgrim’, cuja arte e história se

inspiram muito no modelo japonês - e de ver algumas características ocidentais em alguns mangás. Em resumo, ambos são materiais de entretenimento distintos mas com a mesma finalidade. Os conteúdos são vastos e tem para todos os gostos”, conclui Wilson, que também é grande fã do personagem dos quadrinhos Demolidor. PERISCÓPIO .JUNHO 2016


43

.

Tintura entre poros Isabella Gonรงalves

.

PERISCร PIO . MAIO 2016

Foto: Ramona/ Arquivo Pessoal

Tatuagem


51

Especial

C

heguei ao estúdio e encontrei uma mulher na casa dos cinquenta. Pelo seu jeito, parecia muito mais jovem de espírito que eu. Empolgada, ela conversava com o tatuador sobre a sua próxima tatuagem, um sapo. Pelo tom do assunto, parecia que aquele era mais um dia comum em sua rotina, como alguém que vai ao salão de cabeleireiro todo mês para refazer a tintura. “E então, onde vai fazer?”, ele perguntou. “Aqui!”. Ela apontou para uma parte da perna, quase em sua totalidade tatuada, e complementou: “Estou na fase de ir tapando os buracos.” Ele riu e falou: “É, eu sei como é”. Fiquei sorrindo com a conversa, enquanto me empolgava com a ideia de fazer a minha. Tudo era muito casual e amigável, não demorou muito para eu me sentir em casa naquele pequeno estúdio. Ramona ainda não havia chegado. Conferi o relógio de pulso, ele apontava dez para as duas. E então, a artista finalmente che-

gou. Ela me cumprimentou, começou a ajeitar as suas coisas e depois de aplicar o desenho sobre as minhas costas, a realidade de fazer uma tatuagem se tornou concreta. “Eu vou fazer um pontinho para você se acostumar, ok?”. Aproximou a máquina da minha pele e eu senti uma pontadinha, muito diferente da dor que eu estava imaginando. “E aí?”. “Tá tudo certo”, confirmei, confiante.

me. Ao fundo, o barulho produzido pela máquina. Ramona, a artista que escolhi para pintar em minha pele, comentou que as mulheres tinham maior resistência à dor. Fiquei surpresa, mas não deixei de sorrir com a ideia de homens demonstrando mais fragilidade. Tão irônico quanto a concepção de nós como “sexo frágil”. De bruços, eu conseguia ver, com o canto dos olhos, os pequenos potinhos de tinta ao meu lado. Havia preto, verde, azul Ramona pegava e roxo. Ramona pegava a a sua máquina sua máquina de tatuagem de tatuagem e a pinçava de forma muie a pinçava de to sutil em um deles. Em forma muito seguida, começava a rabissutil (...) car em minhas costas com a maior concentração, a “É parecido com um mesma de um artista que pincel, né?”, questionei, deixa seu pincel viajar de olhos fechados. A sen- por entre a tela em uma sação, quando ela contor- aquarela de tinta e óleo. nava a pele, era como a de Por vezes, ela colocava a fazer sobrancelha – menos ponta da máquina em um torturante, na minha opi- pote de água, exatamente nião. Em seguida, vinham como um artista que limas cores para preencher as pa o seu pincel. linhas, e aí a dor se tornaA poesia estava em reva parecida com pequenos velar uma nova superfície choques. Ia e voltava, em tão perene quanto a próum ritmo quase uniforpria pele. Até então, eu PERISCÓPIO .JUNHO2016


52

Especial morria de medo de fazer tatuagem. Acreditava se tratar de uma dor dilacerante, praticamente uma tortura. Mas ela conseguia fazer, através da delicadeza de suas mãos, com que a arte tomasse outra dimensão. “Eu tento criar a tatuagem que eu gostaria que fosse feita em mim” Conversávamos sobre temas diversos, enquanto ouvíamos as músicas que seu amigo Xurume, aquele tatuador do estúdio Bioma, escolhia. Para mim, era como se o ato de fazer uma tatuagem se assemelhasse com o de conhecer um outro universo. Jamais imaginaria que teria a experiência de entrevistar uma tatuadora durante a minha própria tatuagem. E ali estava eu. “Eu tento criar a tatuagem que eu gostaria que fosse feita em mim”, ela revelou, quando conversávamos sobre como era PERISCÓPIO . JUNHO 2016

Foto: Arquivo Pessoal Rascunhos de Ramona para tatuagens.

produzir arte “sob enco menda”, uma característica que a profissão de tatuador reservava. As tatuagens que Ramona trazia no corpo, de fato, assemelhavam-se muito com as vistas em seu portfólio. A mais recente delas era um Wookiee no braço direito, criado pelo tatuador Guilherme Melich. O desenho era todo preto, em linhas finas, construído basicamente por curvas para dar a ideia dos pelos da criatura de Star Wars.

Outra tatuagem que chamava a atenção era a de um porco alado, baseado em um texto filosófico lido pela artista. Segundo ela, o filósofo abordava a necessidade humana de transcender e o animal era uma metáfora para os defeitos do homem. “Tem muito tempo que eu queria fazer essa tatuagem, mas a gente tem mania de ir postergando as coisas”, comentei. Ramona admitiu também adiar as suas próprias.


Especial Entre tatuadores, era comum o hábito de um tatuar o outro. Era como se trocassem obras de arte. A diferença era o fato de não se tratarem de folhas ou telas. Ali, a criação se fazia na pele e todo o trabalho era exibido em corpos que se locomoviam e viviam suas próprias histórias. Exposições humanas que transitavam em terra, levando tinturas etéreas. Perguntei a ela há quanto tempo tatuava. Ramona revelou que fazia dez anos, mas a arte se tornou uma profissão somente há dois. Tudo começou quando ainda estava faculdade e ela aprendeu através de um curso com outro tatuador. Naquela época, a profissão era muito fechada, as pessoas não sentiam a menor vontade de ensinar e a tatuagem ainda era vista como marginal. Foi com o deslocamento de artistas para a profissão que a visão sobre a tatuagem mudou. A partir daí, passou a ser considerada como uma manifestação artística e o preconceito sobre ela foi decrescendo com o passar dos anos. Entretanto, ainda havia muito.

53 “Eu tatuava em alguns dias da semana e trabalhava em um bar à noite. Tatuava pessoas da própria faculdade como forma de complementar a renda”, Ramona revelou. A tatuadora também con-

estava melhor. Em Juiz de Fora, diversas tatuadoras já se destacam e o ambiente de aprendizado é muito mais aberto do que era há dez anos. Existe um cooperativismo muito

Foto: Arquivo Pessoal Desenho em aquarela, um dos estilos marcantes da artista.

tou que ser mulher na profissão era difícil justamente por conta desse ambiente marginal que era o plano de fundo da tatuagem e do machismo que o rodeava. Naquela época, era muito comum haver venda de drogas em estúdios. Agora, tudo

forte, evidenciado em eventos como os “flash days”, que procuram oferecer tatuagens a preço promocional nos estúdios e sempre contam com artistas convidados. “Posso dar um bizzu?” A mulher que eu tinha encontrado quando chePERISCÓPIO . JUNHO 2016


54

Especial guei ao estúdio já havia terminado a sua tatuagem e ela chegou perto da maca para olhar a minha. “Que barato, cara!”, disse, animada. “Eu quero ver a sua!”, comentei. Ramona parou por um momento, levantei e olhei a nova aquisição da moça. O sapo era abstrato, seus braços e pernas eram linhas em V e seu corpo era um losango contornado em preto e colorido em vermelho. “Adorei!”, exclamei, animada. E aí as duas começaram a conversar sobre outra tatuagem. “Eu estou com um lembrete lá em casa para desenhar a sua!”, Ramona disse. “Acredita que ultimamente tenho sonhado com os desenhos? Aí eu acordo com a ideia pronta na cabeça.” A moça a tranquilizou, dizendo que não apressava artistas. “Fica tranquila! Falaram pra te cobrar e eu retruquei: A Ramona é artista! Uma hora a ideia vai vir e vai ficar incrível!”, ela disse, animada. A mulher, então, se despediu e saiu do estúdio, com pinta de que voltaria muito em breve para comprar uma nova obra em leilão. Era praticamente uma colecionadora de arte, . PERISCÓPIO JUNHO 2016

mas a sua galeria particular era a própria pele. Descobri que o Bioma estava prestes a fechar. Ramona comentou que cada tatuador iria seguir o seu rumo e que aquilo era muito comum no ramo da tatuagem. “Cada um quer realizar os seus próprios projetos. Eu vou agora pra o São Mateus, a ideia é criar um estúdio que além de realizar tatuagens também ofereça oficinas artísticas.” “E quais oficinas vocês pretendem oferecer?” “O que pintar.” Ela parecia muito tranquila com a mudança, quase como se a incerteza do futuro trouxesse um novo horizonte. A casualidade das decisões espantava a quem, como eu, vivia planejando tudo no papel. Mas havia uma poesia nessa atitude espontânea. Refleti que a vida era bonita e breve demais para a gente sair contando os anos. Artistas como eles pareciam vivê-la da melhor forma. E então, terminou. Animada, me levantei e analisei a obra no espelho. Linhas delicadas formavam uma máquina de escrever, que soltava letras e essas

letras, por sua vez, transformavam-se em pássaros. O desenho era colorido por tinta aquarela. Era maravilhoso, exatamente do jeito que eu queria. “Eu amei! Muito obrigada”. O meu sorriso era largo e minha empolgação, crescente. “Você acabou comigo! Agora vou querer fazer tatuagem sempre!” “Isso é bom!”, ela disse, rindo. Eu não sabia se ela tinha noção do tipo de mudança que era capaz de realizar com a sua arte. Agradeci mil vezes e logo já descia as escadas do estúdio. Na rua, refleti sobre a quantidade de vidas que Ramona transformou com as suas ilustrações. Eu não sabia se ela tinha noção do tipo de mudança que era capaz de realizar com a sua arte. Durante a tarde, ela registrou em meu corpo um desenho que era para sempre. Agora, ele era parte de mim, tornando-se presente e futuro da minha história e da minha personalidade.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.