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A BRISA DO MAR QUE BATEU AQUI
by Metrô 47
Overão de 1987 foi marcado por um evento que deixou de cabelos em pé as autoridades e atiçou os pescadores, surfistas, artistas e malucos de todos os cantos. No final daquele ano, o litoral brasileiro foi invadido pela carga de um navio suspeito, que vinha do outro lado do mundo, transportando uma mercadoria que a lei não admite. Do tipo que faz o tempo acontecer devagar e as pessoas precisarem de colírios. Os primeiros desavisados não entenderam muito bem quando encontraram latas de conserva sem rótulo algumas cheias do que parecia ser algum tipo de chá. Pescadores cruzaram caminho com o material misterioso em alto mar e acabaram entregando para a polícia, que deu início a uma caçada voraz para impedir que as latas chegassem à população. Mas a concorrência era grande demais, a notícia correu rápido e as pessoas estavam encantadas, fissuradas em suas buscas. Surfistas entravam na água com uma missão além das ondas, gente de todo o canto correu para o litoral pra garantir a sua cota. O frenesi foi geral, ninguém entendia o que estava acontecendo exatamente, mas a onda paz e amor tomou conta, o episódio ficou conhecido como “Verão da Lata”. E não era só o mistério que deixava o fascínio, dizem os entendedores que o negócio era de qualidade, muito superior ao que se encontrava no país. A quantidade também impressionava, o cálculo é de que mais de quinze mil latas seladas industrialmente chegaram à costa do Brasil. Soava como lenda, um sonho improvável, mas o brusquense sempre foi realizador e quando os jornais passaram a reportar as aparições milagrosas, teve turma de amigos que resolveu agir. Quem queimou da lata vivia outros tempos, épocas de solteiro, de correr atrás de aventura. Não precisaram ir para longe, a correnteza espalhou as latas pela costa de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul também. “Presente de Poseidon”, a galera comentava. A ditadura militar tinha acabado há pouco tempo e a Constituinte estava sendo instituída no Brasil. Como não era grande centro, Brusque pouco sofria com o clima de repressão que ainda pairava nas capitais ao norte. Todo mundo se conhecia por aqui, quem andava com quem, quem era filho de quem. Nessas épocas, a polícia era escassa na cidade, mas corria o rumor de que tinham uma lista com os nomes de quem observar de perto.
Da turma que “incomodava”, boa parte morava fora de Brusque, as famílias tinham condições de enviá-los para estudar fora nas cidades maiores da região. Ainda assim, no final de semana, se encontravam, sem falta. Não era preciso marcar nada, pouco prático, dado a falta de internet. Todos sabiam que o ponto de encontro era na Confeitaria Koehler, onde a cerveja acompanhava as tradicionais empadinhas da casa. Pelas 19h, quando o atendimento encerrava, o destino era o Beto Belli, no Duchê, hoje em dia, Duda Belli Bar, onde iam madrugada adentro. Quando o negócio das latas veio à tona, o destino era certo. Aceleraram para a Praia do Araçá, onde os pescadores eram amigos de longa data. Só que dessa vez, as embarcações não traziam só corvinas, robalos e bagres. Depois de um final de semana bem aproveitado em Porto Belo, os brusquenses voltavam para casa enlatados e carregados com um estoque que garantiria um verão pra ficar na memória (ou muito pelo contrário?). Chamavam o negócio de Mike Tyson, nocauteava no primeiro, segundo assalto. A companhia perfeita para um sábado de sol na cachoeira. Com um Led Zeppelin bombando no toca-fitas, reuniam os amigos e partiam Guabiruba adentro fazendo fumaça e falando bobeira. O pessoal gostava da natureza, combinava com o estilo “hipongo”. Um sonho da galera era se mudar para aqueles cantos do interior. O Schuma era o favorito quando o estômago roncava, restaurante de família, onde chegavam de olhos
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vermelhos, cheios de graça, prontos para atacar um delicioso marreco recheado. Claro que nem só de brisa viviam os rebeldes brusquenses. Na extinta Granja Fala Fala, varavam a madrugada do dia 24 para o 25 de dezembro, no embalo das primeiras festas de Natal de Brusque. Em datas menos especiais, Bar do Coelho era o lugar queridinho da galera, tinha uma galinha frita inesquecível e funcionava 24h, para alegria dos lariquentos da madrugada. Mesmo para quem tinha acesso fácil a todo tipo de experiência extrassensorial, a chegada das latas no Brasil foi um evento eufórico. Teve marchinha no carnaval carioca, “da lata” virou gíria para incrível e a Fernanda Abreu cantava sobre o “Veneno da Lata”, era só do que se falava naquele verão. Apesar dos esforços das forças policiais, a conta é de que conseguiram recuperar apenas um quarto das 15 mil latas contendo 1,5 kg de “veneno” cada. Nunca chegaram a encontrar nada com criminosos profissionais. Parece que a mercadoria simplesmente chegou em quem deveria, de músicos famosos à molecada do interior. A origem do incidente se deu quando o Solana Star partiu da Austrália, uma embarcação com bandeiras panamenhas, que alegou uma pane elétrica para parar no Brasil. Oficialmente, o porão estava carregado com 22 toneladas de suco, mas uma investigação do DEA (Administração de Fiscalização de Drogas) americano, indicava que o conteúdo da carga não condizia com os papéis. Avisadas sobre o caso, as autoridades iniciaram as buscas pela embarcação, mas sem recurso o suficiente para fazer um trabalho eficaz. Não se sabe até hoje o que se passou no Solana Star. As teorias mais plausíveis especulam que avistaram de longe um antigo navio de guerra usado pelos brasileiros na investigação e tomaram um susto. Alguém em terra havia falado mais do que deveria. O plano original, segundo os americanos, consistia em atracar no Rio de Janeiro e dividir o conteúdo entre dois barcos rumo a Miami. A expectativa era 100 milhões de dólares de lucro para a quadrilha que organizou a transação. Mas quando notaram que havia algo suspeito acontecendo, a tripulação do Solana Star decidiu lançar as latas no mar e descer em terras cariocas. Tiveram uns dias de tranquilidade curtindo a cidade maravilhosa até as primeiras latas começarem a aparecer. Dos sete que estavam no navio, seis deixaram o Brasil às pressas, sabendo que a polícia logo chegaria neles. O único que ficou para trás identificou-se como somente o cozinheiro, mas a polícia não comprou a inocência e ele foi condenado. Descobriram que havia se apaixonado por uma carioca e tentou a sorte para ficar perto do novo affair. Diz que não sabia de nada, mas tem sugestões sobre quem deve interpretá-lo num filme hipotético sobre o episódio, “Seria um blockbuster!”. Pela perspectiva americana, a operação foi um sucesso, impediram que 22 mil quilos de maconha entrassem nos EUA. A polícia brasileira ainda lamenta a falta de equipamentos que não permitiu a apreensão da carga no momento certo. E quem encontrou as latas viveu um verão histórico que mudou o diálogo sobre a maconha no Brasil.
