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UM VER˜AO INESQUEC´IVEL
by Metrô 47
Brusque não tem praia. A gente sonhava o ano todo com a ideia da praia, com o cheiro, as ondas, o picolé na areia, o fliperama, as meninas de biquíni. Mas, naquele ano, 91, eu reprovei na escola. Oitava série. Quem se importa com uma reprovação na oitava série quando se tem um verão brilhante, mágico e tão aguardado pela frente? Meu pai! O meu pai decidiu, como forma de retaliação, que eu ficaria em Brusque no verão cuidando da minha avó. Era o pior castigo e humilhação na terra para um adolescente de quatorze anos ficar na cidade no verão com a vó. O que me restaria seriam o calor, o suor, a inveja e a brita. A brita é a metáfora perfeita para a cidade. Mas isso eu tento explicar depois. E lá se foi a família para Perequê. Com o carro cheio de tralhas, ventilador, morebug, televisão, Banco Imobiliário e isopor. Parecia uma cena de retirantes às avessas, uma espécie de êxodo feliz. Ficamos eu e a minha vó. Ela falava pouco. Ficava na frente da TV quase todo tempo. Não me dava muito trabalho. Até fez uma cuca para mim. E sempre me chamava pelo nome do filho dela, meu pai. Eu fingia que estava tudo certo. Mas decidi, pelos meus antepassados, que nunca mais iria reprovar na escola. Cansado da minha vó, da televisão, do Roberto Carlos, do Reveillon da Globo, dos filmes reprisados infinitamente e dos especiais de fim de ano que mais pareciam um trailer para quem cansou de viver, decidi, depois que a minha vó dormisse, que iria explorar a cidade. Brusque fica vazia nessa época do ano. Uma cidade fantasma, quente e abandonada. Mas comecei a ver, assim mesmo sem querer, beleza naquilo tudo. Percebi a cidade como nunca tinha percebido. Os manequins nas vitrines até quase falavam comigo, as casas abandonadas ganhavam ares fantasmagóricos e solenes, o rio fluía como nunca, sinuoso e escuro, os morros do vale se tornavam gigantes verdes e marrons e a cidade era só minha. Nem táxi tinha na praça! O que me chamou a atenção foi a enorme quantidade de cartas e jornais na porta das casas vazias. Afinal, não tinha ninguém para receber e ler as cartas. Uma noite entrei, sorrateiro e curioso, no terreno de uma casa. Havia uma pilha de cartas esquecidas. Era uma casa simples. Com terreno grande e brita. Não esqueci da brita não. Então, a brita é uma instituição brusquense que diz muito sobre o imaginário da cidade. Caminhar na brita é difícil, duro, cinza e sem afeto. Pensei isso enquanto caminhava na brita daquela casa. Enquanto aquela família gozava de férias na areia. Lembrei imediatamente da areia. E fiz a associação dialética entre a brita e a areia. Tomei coragem e liberdade de abrir uma das cartas. Imaginei ser uma carta secreta, de amor ou um relato de ilhas distantes, aventuras extraterrenas. Nada disso. Para minha surpresa, era um boleto da Havan, referente à compra de uma geladeira. Eu ri sozinho. Eu, a cidade, a brita e o boleto da Havan na minha mão.
Ricardo Weschenfelder
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