V I V I E N D A S DE PESCADORES EM
TARRAGONA
AUH0154 - História e Teorias da Arquitetura III AUH0238 - História da Urbanização e do Urbanismo II AUP0340 - Projeto Visual Gráfico Ana Cláudia Scaglione Veiga de Castro Daniela Kutschat Hanns Joana Mello de Carvalho e Silva Ivo Renato Giroto Cidade e Arquitetura 2019
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José Antonio Coderch Sentmenat (1913-1984) foi um arquiteto, designer e fotógrafo catalão. Começou seus estudos na Escola Superior de Arquitetura de Barcelona em 1932, onde teve como professor Josep Maria Jujol, um importante arquiteto de Barcelona, que é conhecido pela sua colaboração com Antoni Gaudí. Em 1942, fundou seu escritório em Barcelona juntamente com Manuel Vergés e, assim, deu início a uma fase que se estendeu até 1949, na qual predominou seu trabalho com pequenas reformas e novas construções de casas unifamiliares. Nesse período, as primeiras obras domésticas de Coderch são desenvolvidas a partir da arquitetura popular catalã, fato que é evidenciado em suas propostas para a urbanização de Les Forques em Sitges, um trabalho em que, como na casa de Ferrer Vidal, fica difícil distinguir os aterros do volume principal da casa. O tipo doméstico de Coderch reafirma sua formulação no projeto da casa Ugalde, notória por propor aproximação à arquitetura vernacular, que se manifesta na organicidade da planta e na espessura das paredes.
Figura 1. Coderch como arquiteto. La Barceloneta, 1951.
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Em 1959, foi membro do CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Posteriormente, em 1960, deixa o congresso para compor o Equipe 10, um grupo de arquitetos derivado de uma rixa interna do CIAM. Foi também associado a União de Trabalho do Lar e o Instituto Social da Marinha, onde encarregou-se de alguns projetos de complexos habitacionais, como a habitação estudada e La Barceloneta, que possuem desenhos próximos de traços não ortogonais. Além disso, um fator que caracteriza suas obras é responder, por meio delas, às necessidades físicas e às pretensões psicológicas de seus clientes. Estes são marcados pela especificidade, uma vez que tanto o edifício de Virgen del Carmen quanto La Barceloneta são edifícios da marinha destinados aos pescadores, enquanto La Maquinista é voltada para operários.
Figura 2. Coderch como designer. DISA Lamp, 1957.
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Como outros membros da Equipe 10, ele percebeu que o projeto moderno, como havia sido formulado pela vanguarda arquitetônica, era incapaz de responder às novas demandas oriundas da formação das cidades grandes e modernas. Coderch foi um dos primeiros de sua geração a ver que o rompimento com os esquemas tradicionais de implantação territorial era realmente desastroso, principalmente quando combinado com os crescentes processos de urbanização. A partir da década de 1960, Coderch e Vergès realizaram uma série de edifícios residenciais de tamanho médio em Barcelona e arredores. Sua produção arquitetônica, posteriormente, estendeu-se para além de casas e complexos habitacionais; projetou prédios comerciais, industriais e institucionais que se inserem em um contexto de introdução do movimento arquitetônico moderno na Espanha.
Figura 3. Coderch como fotógrafo. “Teresa”.
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T A R R A G
O N A
Figura 4. Figura histórica de barcos no Porto de Tarragona.
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Tarragona é uma cidade localizada na comunidade autônoma da Catalunha, e sua origem está na antiga cidade romana de Tarraco, uma das mais importantes do império no período, sendo possível ainda encontrar vestígios arqueológicos da presença romana por toda a cidade. Para guinar sua expansão, foi no século XVIII que a cidade superou suas muralhas do período Antigo para tentar consolidar um porto comercial, que seria desenvolvido sobre a área do antigo
Figura 6. Teatro do período romano
Figura 5. Catedral de Tarragona
porto romano, longe do seu núcleo principal. Dessa forma, a área central da cidade é dividida ainda hoje em cidade velha (ou parte alta), centro de sua formação, e a parte baixa, onde se encontra a área portuária. Dois bairros marítimos seriam formados nessa zona de crescimento diferenciado: o Barri de La Marina, que foi ocupado por uma burguesia nascente ligada ao comércio, e o Serrallo, bairro onde encontra-se a habitação estudada.
Serrallo se originou de um conjunto de casebres temporários de madeira juntos ao mar, destinados a abrigar atividades relacionadas à pesca. Posteriormente, a área passou a ser ocupada pelas precárias moradias dos pescadores, que seguiam a tipologia de autoconstrução e disputavam espaço com a nova ferrovia que estava sendo construída, consolidando futuramente o bairro pesqueiro.
Da esquerda para a direita: Figura 7. Vendedoras em frente à Eglesia de Sant Pere Figura 8. Porto del Moll início do sec. XX
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Figura 9. Pescadores em serviço
Figura 10. Figura histórica de barcos no Porto de Tarragona.
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Esse processo de surgimento justifica uma das origens do nome Serrallo, do italiano serraglio: um local isolado - verificando-se, de fato, esse aspecto no local, visto que é rodeado por três barreiras: o mar, a ferrovia e o rio Francolí.
Figura 11. O bairro de El Serrallo, cercado por seus obstáculos de acesso
Figura 12. Imagem histórica da primeira expansão do porto de Tarragona
Figura 13. O porto de Tarragona como é hoje, após diversas expansões
Dessa dificuldade de acesso, intensificou-se uma certa noção de “não pertencimento” dos antigos moradores do bairro em relação a Tarragona, sendo que é comum usarem o termo “subir à Tarragona”, referindo-se à parte alta. Apenas no ano de 1902 é construída uma ponte que possibilita a passagem pela ferrovia, obtendo, assim, a união do bairro com a cidade. O bairro, após o primeiro período de surgimento e urbanização, passou por alguns outros de expansão e qualificação. Num deles, em meados do século XX, o Instituto Social da Marinha reconheceu a demanda dos pescadores por moradia e promoveu a construção de habitações sociais destinadas a eles, melhorando suas condições de vida e trabalho, resultando no Conjunto de Viviendas Virgen del Carmen (1949).
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Figura 14. Vista aérea histórica do bairro
Figura 15. Viaduto de acesso ao bairro
Figura 16. Edificações vizinhas à habitação
Próxima página: Figura 17. Vista da orla do Porto de Moll
GRUPO DE VIVIENDAS
S VIRGEN DEL CARMEN
Figura 18. Detalhe da fachada semi esférica
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A habitação corresponde a um complexo de dois edifícios semi circulares, que possuem dois e quatro pavimentos, na região do porto. Eles são divididos internamente em módulos, onde cada lance de escada permite o acesso a dois apartamentos por andar. Enquanto o primeiro complexo, próximo à linha férrea, possui quatro níveis (térreo e três andares) e seis módulos, o segundo possui apenas dois níveis e cinco módulos (fig. 5.1 e 5.2). A habitação foi projetada pelo arquiteto José Coderch e teve a participação de Joan Zaragoza e Manuel Valls.
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Analisando os projetos de Coderch e Valls, em ordem cronológica, percebe-se que o Conjunto de Viviendas para pescadores de Tarragona é um dos primeiros a romper com a ortogonalidade. Essa quebra se faz de maneira extremamente acentuada, optando pela forma que é a antítese da reta: a curva. Apesar de ser possível supor que essa escolha formal estivesse em concordância com o entorno, sobretudo pela presença da linha do trem, a partir desse ponto a ruptura com a ortogonalidade volta a se repetir ao longo dos projetos de Coderch.
Figura 19. Detalhe da fachada semi esférica
Figura 20. Planta da habitação
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Na planta inicial do projeto (fig. 20), nota-se a presença de duas varandas por apartamento, uma na fachada e outra na parte posterior; já na sua execução, há varandas apenas na fachada. A varanda posterior se conectava com a lavanderia, sendo um possível local para se colocar as roupas ao sol; a partir da vista aérea nota-se a utilização da cobertura para este fim, tornando o terraço um espaço comunitário. Em contrapartida, é possível observar o térreo com uso de depósito de materiais de pesca e afins, na proporção de um depósito para cada apartamento. Optar por tornar os depósitos locais privados, diferentemente da lavanderia, reforça a importância da atividade pesqueira para os moradores. É característico, atualmente, as ruas que circundam o edifício servirem de estacionamento para os moradores - o qual inclusive bloqueia a vista dos complexos habitacionais -, mostrando ser esta uma demanda recente dos habitantes, a qual não estava presente na época da concepção do projeto, visto que as garagens ficaram em segundo plano, para dar lugar aos depósitos. A grande quantidade de automóveis revela não só a nova necessidade, como também o novo perfil de morador da habitação.
Figura 21. Detalhe da fachada
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Figura 22. Corte do conjunto com 3 pavimentos
Figura 24. Elevações do grupo de viviendas Virgen del Carmen
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Figura 23. Corte do conjunto com 2 pavimentos
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Figura 25. Planta de implantação
Na virada do século XXI, a pesca familiar entrou em decadência e o porto foi modernizado, voltando-se para a atividade comercial em maior escala, associada à indústria petroleira e seus derivados. Além disso, a costa recebeu investimentos a fim de fomentar o turismo, havendo a melhoria da infraestrutura urbana, revitalização de espaços públicos e o estabelecimento de museus que consolidam o histórico portuário e pesqueiro da região, intensificando, inclusive, a aplicação de investimentos privados no bairro portuário. Como resultado desses novos processos, o custo de vida em Serrallo aumentou, ocasionando sua gentrificação, expulsando os antigos moradores, sobretudo os pescadores, que perderam também seus espaços de trabalho. Nota-se, assim, uma certa dualidade de acontecimentos, visto que as imagens da pesca e do pescador tradicional são usadas como atração para o turismo ao mesmo tempo em que essa parcela da população local e sua atividade perdem espaço no território. Serrallo passou, portanto, de um bairro pesqueiro para um enclave temático destinado aos turistas .
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Fontes iconográficas
Capa - Google Earth Abertura de capítulo “O arquiteto” - joseantoniocoderch.org Figura 1 - HIC > Arquitectura Figura 2 - experimenta.es Figura 3 - joseantoniocoderch.org Abertura de capítulo “A cidade” - Google Earth Figura 4 - el serrallo ahir ia vui Figura 5 - civitatis.com Figura 6 - tarragonaturisme.cat Figura 7 - el serrallo ahir ia vui Figura 8 - el serrallo ahir ia vui Figura 9 - el serrallo ahir ia vui Figura 10 - rapejun.com Mapa de El Serrallo - gifex.com Figura 11 - Google Earth Figura 12 - miquelangelmaga.cat Figura 13 - miquelangelmaga.cat Figura 14 - el serrallo ahir ia vui Figura 15 - Google Earth Figura 16 - Google Earth Figura 17 - flickr.com/franganillo Abertura do capítulo “A habitação” - Revista Domus Figura 18 - Revista Domus Figura 19 - Revista Domus Figura 20 - Revista Domus Figura 21 - Google Earth Plantas A e B - Acervo Secretaria Ayuntamiento de Tarragona Figura 22, 23, 24 e 25 - Acervo Secretaria Ayuntamiento de Tarragona
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Fontes bibliográficas
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BEATRIZ COLPANI CAROLINE MENDES DANYELLA MANAIA MARCELA SANTOS MIGUEL MERMEJO