Marcio Bertachini 2020
Livro 9.
Samuel 1 cristoescrito@hotmail.com
Concepção Ana – sofrimento, clamor e recompensa Eli em sua cadeira Samuel – resposta de oração Saul – o rei segundo a carne Davi – o rei segundo o Espírito Jônatas – amor com restrições
Concepção O primeiro livro de Samuel trata da mudança de governo em Israel. Os Juízes, como vimos, não estiveram à altura das necessidades sociais e espirituais da nação. Uma tentativa de mudança, da mesma forma como vemos frequentemente em nossos dias, é a resposta corriqueira de uma humanidade que está pronta a mudar o exterior, mas jamais o interior. Samuel, o menino buscado com lágrimas por uma mãe que sofria de depressão recorrente, será o elo de ligação da passagem daquele período conturbado de Juízes e o não menos conturbado reinado de Saul. No canto profético de Ana, ela menciona sete filhos, mas tem fisicamente somente seis, e que tentaremos elucidar. Samuel mesmo fará poucas aparições, mas cruciais do ponto de vista profético e espiritual. Ele acumulará três funções – juiz, profeta e sacerdote. Encabeçará a queda de Israel e a captura da arca, momento culminante daquele sombrio período. Estas tristes cenas servirão como sombra da futura queda de Israel e a ‘tomada da arca’ no período tribulacional futuro. Quanto a Saul, primeiro rei estabelecido por Deus sob total anuência do povo, a princípio se mostra um rei humilde, mas ao final seu coração orgulhoso se revela sem pudor.
Perseguirá Davi em muitas ocasiões, o eleito segundo
o coração de Deus, descurando mesmo de suas obrigações reais e militares. Não poupará esforços em matar seu apaziguador de alma, mas poupará os inimigos de Deus. Jônatas, seu filho, encontrará em Davi o que não viu em seu pai, mas não terá força suficiente para acompanhá-lo em seu desterro temporário. Quanto a Davi, será perseguido implacavelmente, aguardando pela fé o cumprimento das promessas de Deus em sua vida. E se revelará fiel, ousado, cuidadoso, tanto em se tratando dos homens quanto Deus. Faremos um paralelo entre Saul e uma decadente personagem milenar, e também um paralelo entre Davi e outro personagem augusto.
O livro demonstra bem que um homem afastado de Deus pode levar um país ao sofrimento, e outro homem de coração submisso pode liderar seu povo para sua glória e progresso.
Ana – sofrimento, clamor e recompensa O livro de Samuel começa com o sofrimento de uma mulher na esperança de um filho. Representa bem o sofrimento que Israel já passou e ainda passará novamente na esperança do Messias. É certo que Ele já veio e foi desprezado por seu povo. Terá então que amargar profundas dores até Seu bendito retorno.
“Porque eu vos digo que desde agora me não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor” (Mt 23.39). Ano após ano, Ana subia para adorar ao Senhor, fazer o sacrifício anual de sua família dirigido por seu piedoso marido, Elcana. E em sua maior angústia, entre lágrimas e desespero, um sacerdote – Eli – não consegue entender sua dor e confunde com bebedeira. Veremos mais adiante que este sacerdote cumpria sua função e nada mais, estando longe de tudo que seu sacerdócio exigia. Ela não diz propriamente pelo que orava, e parece que também não importou muito ao sacerdote sabê-lo. Para ela, somente o ‘SENHOR dos Exércitos’ poderia sarar seu corpo e seu coração. Ela não correu a buscar bênçãos e imposição de mãos de homens desconhecidos, ofertar e dizimar materiais palpáveis que a Deus não interessam. Ela ofertou seu próprio pedido! “Ela, pois, com amargura de alma, orou ao Senhor, e chorou abundantemente. E fez um voto, dizendo: Senhor dos Exércitos! Se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva não te esqueceres, mas à tua serva deres um filho homem, ao Senhor o darei todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha” (1.10-11). Ela não queria um simples menino, queria um homem de Deus à altura das necessidades espirituais de Israel que cambaleava, como já frisamos outras vezes, cambaleava entre deuses estranhos e vontade
própria. E aqui temos algo precioso quanto à eleição ou predestinação. Samuel teve seu destino sagrado designado por sua mãe antes mesmo de nascer, não havia lugar para reclamação, fuga ou barganha. Assim foi, porque assim a ela agradou! Jesus será o antítipo perfeito desta escolha antecipada. Nada nem ninguém poderia alterar este amor predestinador. Mas passando à felicidade de Ana pela sua oração atendida, uma oração de agradecimento e engrandecimento será preservada nestas páginas inspiradas. E algo típico dos caminhos de Deus revelado nas entrelinhas. “Os fartos se alugaram por pão, e cessaram os famintos; até a estéril deu à luz sete filhos, e a que tinha muitos filhos enfr aqueceu” (2.5). É gracioso da parte de Deus dar além daquilo que pedimos ou pensamos. Além de Samuel, outros filhos nascerão desta que era estéril.
“Visitou, pois, o Senhor a Ana, que concebeu, e deu à luz três filhos e duas filhas; e o jovem Samuel cr escia diante do Senhor” (2.21). Fisicamente, ela teve seis filhos, mas em sua oração ela menciona sete. Um não seria deste mundo. Samuel, o filho da oração entregue para servir à casa de Deus, é tipo mais que perfeito do Filho encarnado. Quando dedicarmos uma
nota a ele, veremos que ele acumulou as funções de juiz, sacerdote e profeta, ou seja, cumpriu os ofícios de Governo, Sacerdócio e Profecia. O próprio significado de seu nome fala profundamente desta conexão entre os dois – "Deus Ouve" ou "Nome de Deus". Mas o que não deixa dúvida é o contexto imediato da oração profética de Ana. “O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela” (2.6). Seria normal do ponto de vista humana, dizer que o Senhor dá a vida e a retira. Mas no seu caso é o inverso. Pois ela adianta muito à frente que um Filho também morreria e tornaria a subir da sepultura. Pois como veremos ainda, o sacerdócio mais legítimo, enobrecedor e divino é dar a vida e não tirar. Samuel também morreu para o mundo no momento em que foi entregue aos serviços daquele sacerdote Eli na casa de Deus, por isto seu nome será engrandecido entre seu povo. O Filho também viveu sob as mesmas diretrizes e peso. E assim como Samuel cumpriu os três ministérios divinos que comentamos logo acima, também o Filho cumpriria estes serviços numa escala jamais alcançada por qualquer mortal. Talvez Ana nada disso compreendesse, mas suas palavras retratavam algo muito além de um simples filho mortal, passava para os tempos distantes de um profeta que abalaria não só seu povo, mas o mundo inteiro.
E se você quiser comparar sua oração com a de Maria, mãe de Jesus, verá muitos traços similares que corroboram o que propusemos nesta nota. Em nosso próximo encontro, falaremos de Eli e seus vergonhosos filhos.
Eli em sua cadeira A simbologia usada para descrever a condição espiritual deste sumo sacerdote – e por extensão de todo o povo que ele julgava – fica perfeitamente anotada em sua primeira e última aparição neste livro. “Então Ana se levantou, depois que comeram e beberam em Siló; e Eli, sacerdote, estava assentado numa cadeira, junto a um pilar do templo do Senhor” (1.9). “E, chegando ele [um soldado fugido da batalha], eis que Eli estava assentado numa cadeira, olhando par a o caminho [este homem sempre contemplou, mas nunca viveu o Caminho]; porquanto o seu coração estava tremendo pela arca de Deus... E sucedeu que, fazendo ele menção da arca de Deus, Eli caiu da cadeira para trás, ao lado da porta, e quebrou-se-lhe o pescoço e morreu; porquanto o homem era velho e pesado; e tinha ele julgado Isr ael quar enta anos” (4.13,18). Eli entra em cena assentado e sai dela assentado. Isto sempre me lembra das palavras do verdadeiro sacerdote. “Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos, dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com seu dedo querem movê-los...” (Mt 23-14). Embora estas cadeiras sejam diferentes em função, pois uma trata do sacerdócio e a dos escribas na transmissão da lei,
têm a mesma concepção do uso. A concepção de Jesus a respeito de seu próprio ministério sacerdotal e profético é totalmente discrepante com o termo ‘assentado’. “E disse-lhe Jesus: As raposas têm covis, e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lc 9.58). E de novo. “E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). Jesus não tinha onde reclinar a cabeça, Eli no entanto descansava todo o corpo. Eli não foi sacerdote nem juiz à altura de seu cargo. Preferiu honrar seus filhos em franco pecado para com Deus e o povo a honrar seu Senhor, seu ministério e a própria lei de Moisés. “Eram, porém, os filhos de Eli filhos de Belial e não conheciam o SENHOR; por quanto o costume daqueles sacer dotes com o povo era que, oferecendo alguém algum sacrifício, vinha o moço do sacerdote, estando-se cozendo a carne, com um garfo de três dentes em sua mão... e tudo quanto o garfo tirava o sacerdote tomava para si; assim faziam a todo o Israel que ia ali a Siló” (2.12-14). A repreensão do Senhor será à altura. “Por que desprezais o meu sacrifício e a minha oferta, que ordenei se fizessem na minha morada, e por que honras a teus filhos mais do que a mim, de modo a vos engordardes do principal de todas as ofertas do meu povo Israel? Portanto, diz o SENHOR, Deus de Israel:... Eis que vêm dias em que cortarei o teu braço e o braço da casa de teu pai, par a que não haja mais velho algum em tua casa... E isto te será por sinal, a saber, o que sobrevirá a teus dois filhos, a Hofni e a Finéias: que ambos morrerão no mesmo dia” (2.27-34). Nada mais terrível para um sumo sacerdote que se esquece de suas obrigações divinas para com Israel e seu Deus, encobrindo o pecado de seus filhos e também sacerdotes.
E a maneira como Deus trará este castigo é uma guerra entre os vizinhos filisteus e o seu povo escolhido. E aqui devemos aprender uma dura lição, nós que nos estribamos em nossa filiação divina, nossa salvação pela fé. A primeira batalha é travada e os filisteus a vencem. A pergunta óbvia logo surge: “Por que nos feriu o Senhor hoje diante dos filisteus?” (4.3). Afinal não somos seus filhos, a menina dos seus olhos?! E quando não encontramos a resposta, ou não ousamos escancará-la aos nossos próprios olhos, subterfúgios vãos são criados. “Tragamos para nós de Siló a arca do pacto do Senhor, para que ela venha para o meio de nós, e nos livre da mão de nossos inimigos” (4.3). Agora a vitória seria de se esperar mais do que certa, afinal o símbolo máximo da presença divina estava ali. “Quando a arca do pacto do Senhor chegou ao arraial, prorrompeu todo o Israel em grandes gritos, de modo que a terra vibrou... os filisteus se atemorizaram” (4.5-7). “Então pelejaram os filisteus, e Israel foi derrotado, fugindo cada um para a sua tenda” (4.10). Será que havia algum problema com a arca? Deus havia mudado? Não!
Suas vidas é que estavam tortas e baseadas em símbolos e rituais que não valiam nada sem a justiça de cada dia praticada. Podemos fazer jejuns proclamados por um pastor ou um juiz de toda a nação, mas se nossas mãos estiverem contaminadas por pecado não confessado e lavado na cruz, todos os símbolos e rituais de nada valerão. Se não nos separarmos em santidade do mundo ímpio que nos cerca, faremos muito barulho que incomodará até os vizinhos, mas a derrota será certa. O tempo deixará tudo muito claro, e assim como a vergonha co-
briu uma nação que se fartava de símbolos, temo que uma solene advertência esteja pesando sobre a cabeça de nossas igrejas. “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; oxalá foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca” (Ap 3.15-16). Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.
Samuel – resposta de oração Vimos em nossa primeira nota que este rapaz foi resposta de larga oração de uma pobre mãe perseguida pela rival que a natureza favorecera. Mas onde abunda o pecado de um lado, a graça superabunda de outro. Este rapaz virá a ser o intermediário entre o período de juízes (ou teocracia) e o reinado. Acumulará os três ofícios mediatórios entre Deus e os homens, a saber, será juiz, profeta e sacerdote, segundo as passagens seguintes. “Samuel julgou a Israel todos os dias da sua vida” (7.15). “Samuel crescia, e o Senhor era com ele... E todo o Israel... conheceu que Samuel estava confirmado como profeta do Senhor” (3.1920). “Não cesses de clamar ao Senhor nosso Deus por nós, para que nos livre da mão dos filisteus. Então tomou Samuel um cordeiro de mama, e o ofereceu inteiro em holocausto ao Senhor; e Samuel clamou ao Senhor por Israel, e o Senhor o atendeu. Enquanto Samuel oferecia o holocausto...” (7.8-9). Apesar de Samuel não ser da linhagem de Arão, portanto legalmente não teria direito ao sacerdócio levítico, Deus o levantou para tal. É da prerrogativa divina substituir os ministros que falham em sua missão – poderíamos citar Davi no lugar de Saul, Paulo no lugar de Judas, Igreja no lugar de Israel, Jesus no lugar de Lúcifer... Aquele Eli, devidamente assentado na cadeira de Arão, será substituído por um que não tem sangue sacerdotal, mas é fruto de oração e promessa. Ele é erguido em um tempo em que “a palavra do Senhor era muito rara naqueles dias; as visões não eram frequentes” (3.1). É ele quem levará o povo a um arrependimento e perdão aos olhos do Senhor, depois que a arca é tomada pelos filisteus e Israel
passa a ser subordinado a eles. Acompanhemos um trecho. “E desde o dia em que a arca ficou em Queriate-Jearim passouse muito tempo, chegando até vinte anos; então toda a casa de Israel suspirou pelo Senhor. Samuel, pois, falou a toda a casa de Israel, dizendo: Se de todo o vosso coração voltais para o Senhor, lançai do meio de vós os deuses estranhos e os astarotes, preparai o vosso coração para com o Senhor, e servi a ele só; e ele vos livr ar á da mão dos filisteus. Os filhos de Israel, pois, lançaram do meio deles os baalins e os astarotes, e ser vir am ao Senhor . Disse mais Samuel: Congregai a todo o Israel em Mizpá, e orarei por vós ao Senhor. Congregaram-se, pois, em Mizpá, tiraram água e a derramaram perante o Senhor; jejuaram aquele dia, e ali disseram: Pecamos contra o Senhor” (7.2-6). Não havia necessidade da presença da arca, mas de arrependimento sincero e busca sincera da vontade do Senhor. O jejum em si mesmo de nada adiantaria, se não estivesse atrelado ao – Pecamos contra o Senhor! Que isto nos sirva de lição, nestes tempos de formalismo eclesiástico, modinhas espirituais, jejuns vazios, cultos de muitos glórias! e pouco arrependimento. Mas Samuel fala também de algo ainda maior. Ouçamos esta profecia contra a casa de Eli. E eu suscitarei para mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o meu coração e a minha alma, e eu lhe edificarei uma casa firme, e andará sempre diante do meu ungido” (2.35). O nome Samuel tanto pode significar "Deus Ouve" quanto "Nome de Deus". E quem na história humana podia dizer que sempre Deus o ouvia e carregava o próprio nome de Deus? Jesus também acumulou os três ofícios de Samuel. Era rei, profeta e sacerdote por excelência. E quem podia, com maior autoridade, preparar o povo ao arre-
pendimento e perdão absolutos? Samuel foi a resposta de Deus em um tempo conturbado, a um povo largado e mal direcionado pelos seus sacerdotes. Jesus foi a resposta divina para seu povo escravizado por Roma, por seus líderes gananciosos e sacerdotes corruptos. E continua sendo verdade – mesmo nestes tempos cruéis, contaminados e indiferentes – que este Filho de Deus nos perdoa, lava, liberta da escravidão do pecado e de Satanás e nos transporta para seu reino de luz. E assim como Samuel nada tinha que ver com a casa de Arão, também Jesus nada tinha, como está escrito: “De sorte que, se a perfeição fosse pelo sacerdócio levítico (pois sob este o povo recebeu a lei), que necessidade havia ainda de que outro sacerdote se levantasse, segundo a ordem de Melquisedeque, e que não fosse contado segundo a ordem de Arão? (Hb 7.11).
Graças a Deus, a lei de Moisés foi cumprida por Cristo, para que nós vivamos em novidade de vida, sujeitos ao Espírito Santo e não mais à lei que nada pode acrescentar ao sacrifício de Jesus. Arrependimento e santidade são a resposta divina para aqueles que não querem submergir juntamente com Laodiceia, a igreja ímpia, satisfeita e misturada de nossos dias. A seguir falaremos de Saul e seu reinado.
Saul – o rei segundo a carne Enquanto Samuel julgava Israel, tudo ia relativamente bem. Mas ele envelhece, e seus filhos passam a julgar em seu lugar. “Seus filhos, porém, não andaram nos caminhos dele, mas desviaram-se após o lucro e, recebendo peitas, perverteram a justiça” (8.3). Talvez Samuel tivesse descurado um pouco na educação dos filhos, diante das necessidades do povo e seu zelo por Deus. Nem sempre conseguimos vencer em todas as áreas, e todos mais cedo ou mais tarde percebemos esta dificuldade comum. “Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram ter com Samuel, a Ramá, e lhe disseram: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam nos teus caminhos. Constitui-nos, pois, agora um rei para nos julgar, como o têm todas as nações (8.4-5).
A resposta para nossas dificuldades não está em observar o que os que nos cercam fazem, mas buscar a orientação do Senhor. Ele sempre dará uma saída mais honrosa, duradoura e edificante. O Senhor não tem dúvida do que se passava no coração daquele povo. “Disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não é a ti que têm rejeitado, porém a mim, para que eu não reine sobre eles” (8.7).
Saul será a resposta em equivalência do coração seco e duro daquele povo. Foi Deus quem o escolheu, é bem verdade, mas ele foi levantado para mostrar àquele povo que haveria um alto preço a se pagar por se afastar do Deus vivo. Quero me basear numa passagem um tanto quanto estranha para traçar um perfil deste rei de ânimo duplo. Aqueles que conhecem um pouco da Bíblia sabem de sua carreira tresloucada.
O começo de sua história traça duas linhas de pensamento interessantes. A Palavra de Deus o descreve “jovem e tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro homem mais belo do que ele; desde os ombros para cima sobressaía em altura a todo o povo” (9.2). Ou seja, sua aparência externa era extremamente importante para ele mesmo, não era algo importante como comentário de um historiador, mas uma dica do que seu coração se alimentava. Seu raio de ação no entanto passava pelos interesses de seu pai, pois saiu à busca das jumentas dele. Suas posses falavam muito. E quando não as encontram, depois de muito busca, seu companheiro de viagem fala de um ‘vidente’ – Samuel – que poderia lhes informar seu paradeiro. Parece que Saul não tinha conhecimento deste homem, ou se conhecesse seu nome e importância na vida de Israel, não lhe dava o valor necessário. Aliás foi o moço que providenciou algum dinheiro para presentear o profeta. Samuel então o ungirá rei de Israel ao dia seguinte e anunciará três sinais que analisaremos com mais atenção. “Quando te apartares hoje de mim, encontrarás dois homens junto ao sepulcro de Raquel, no ter mo de Benjamim, em Zelza, os quais te dirão: Acharam-se as jumentas que foste buscar, e eis que já o teu pai deixou de pensar nas jumentas, e anda aflito por causa de ti, dizendo: Que farei eu por meu filho?” (10.2). Raquel foi a mulher amada de Jacó, pai da nação de Israel. Acho que estes dois homens em seu túmulo testificam tanto a morte espiritual de Israel quanto a de Saul. Ambos estavam perdidos, o primeiro que buscava um rei, o segundo que buscava as jumentas de seu pai. Se não fosse a eleição certa de Deus nas vidas de ambos, a morte continuaria rondando e dominando suas vidas. Passemos ao segundo sinal. “Então dali passarás mais adiante, e chegarás ao carvalho de Tabor; ali te encontr ar ão três homens, que vão subindo a Deus, a Betel, levando um três cabritos, outro três formas de pão, e o outro
um odre de vinho. Eles te saudarão, e te darão dois pães, que receberás das mãos deles” (10.3-4). Tabor significa ‘altura’, e o encontro com estes três homens fala da visita de Deus, do alto, para mudar a triste situação da sepultura do primeiro sinal. Os três homens iam a Betel – Casa de Deus – lugar propício para tal mudança. Não quero dar a entender jamais que a casa de Deus seja alguma igreja denominacional atual ou antiga. É a presença do próprio Deus, que na época do Antigo Testamento era a habitação que Ele escolheu para se revelar ao seu povo escolhido. Ele não recebeu dos cabritos, animais que certamente seriam oferecidos ao Senhor no tabernáculo, pois o Senhor já apontava que Saul não teria direito a nenhum contato com o sacerdócio. Seria rei, não sacerdote. Todos sabem que seu maior erro foi exatamente sacrificar na ausência de Samuel (cap. 13). Recebeu dois dos três pães, anunciando que o Senhor o reviveria do túmulo e mais, através de seu reinado justo e santo, seu povo poderia também ser revivido para a glória de Deus. Mas o Senhor conhecia seu coração. O vinho não lhe foi dado pois ele não teria comunhão com seu povo – nem com Deus – e também não estaria disposto ao sacrifício pessoal pelo bem maior de seu reinado. Uma passagem muita clara deste egocentrismo pernicioso em Saul está em suas palavras logo após sua negligência em destruir totalmente os amalequitas. “Ao que disse Saul: Pequei; honra-me, porém, agora diante dos anciãos do meu povo, e diante de Israel, e volta comigo, par a que eu adore ao Senhor teu Deus” 15.30). A sua honra vinha antes da do Senhor. “Depois chegarás ao outeiro de Deus, onde está a guarnição dos filisteus; ao entrares ali na cidade, encontrarás um grupo de profetas descendo do alto, precedido de saltérios, tambores, flautas e harpas,
e eles profetizando. E o Espírito do Senhor se apoderará de ti, e profetizarás com eles, e serás transformado em outro homem” (10.5-6). Este terceiro sinal é o poder revitalizador, capacitante e imprescindível do trajeto do túmulo de Raquel para as alturas celestiais. Um pouco da doutrina do Novo Testamento pode trazer mais luz para com o que ocorreu com Saul e com todo aquele que já saiu do túmulo dos seus pecados e foi transformado em novo homem pelo batismo da fé. “Se, pois, fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus... pois que já vos despistes do homem velho com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se r enova par a o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.1,9-10). Assim como Saul, nós também fomos ressuscitados do túmulo da morte pelo pecado, despidos do velho homem escravizado e vestidos do novo para um aprimoramento e aproximação da imagem divina. Mas a partir daqui, uma ordem fica bem clara – buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. A manutenção e o aprimoramento do novo homem depende de nossas escolhas diárias entre o santo e profano, passando por uma vigília incessante, busca constante da vontade de Deus e leitura constante de Sua bendita Palavra. Saul não entendia nada destas coisas, não se importava com elas, a não ser ele mesmo. A igreja presente em que vivemos denominada pelo Senhor como Laodiceia (Ap 3), em sua lasciva mornidão, também não entende destas coisas e não se importa com elas, a não ser com ela mesma. Que ela possa mudar seu rumo, sair do túmulo de sua arrogância e começar a buscar as coisas que são do alto, pois o fim se aproxima rapidamente.
Davi – o rei segundo o Espírito Vimos na nota anterior que Saul entra em cena buscando as jumentas perdidas de seu pai. A jumenta é um símbolo da nação de Israel escravizada pela lei que não a liberta jamais (leia como o Senhor vê Israel em Jr 2.24). Saul nunca teve intenção de libertá-las, mas trazê -las de volta à escravidão da lei, e por consequência do pecado.
Como diz a Escritura, “a lei não é da fé” e “não pode nunca aperfeiçoar os que se chegam a Deus”. A primeira menção do termo ‘jumenta’ aparece em Gn 49.9-11. “Judá é um leãozinho... O cetr o não se ar r edar á de J udá... até que venha Siló; e a ele se congregarão os povos. Ele amarrará o seu jumentinho à vide, e o filho da sua jumenta à cepa [tronco ou linhagem] mais excelente; ele lavará a sua roupa no vinho, e a sua capa em sangue de uvas”. Esta profecia é muito indicativa quanto à pessoa de Jesus em suas duas vindas. Ele é o leão da tribo de Judá que reinará sobre Israel em sua segunda vinda, e subjugando todos os povos em redor. Também impregna sua capa no sangue das uvas, numa clara alusão ao lagar pisado do capítulo 19 de Apocalipse. Mas Quando Ele lava as suas roupas em vinho, demonstra seu sangue sacerdotal derramado em sua primeira vinda.
No entanto, algo mais interessante está em jogo. Um dia Ele amarraria seu jumentinho (a jovem nação de Israel saída do Egito) à vide (sacerdócio levítico com holocaustos que não poderiam lavar, mas apenas cobrir seus pecados); e depois amarraria a filha da jumenta (esta jumenta representa agora o jumentinho crescido, que desprezou seu Senhor em sua primeira vinda – “E, engordando-se Jesurum, deu coices (engordaste-te, engrossaste-te, e de gordura te cobriste) e deixou a Deus, que o fez, e desprezou a Rocha da sua salvação” - Dt 32.15). Resta agora ao remanescente fiel (a filha da jumenta) durante a
perseguição no período tribulacional futuro, reconhecer seus pecados e ser introduzido ao sacerdócio de Cristo à videira mais excelente. Note, no entanto, que na primeira vinda de Jesus, ele desamarra ambos os animais descritos acima, no intuito de oferecer seu novo sacerdócio baseado em promessas melhores, como está escrito: “Ide à aldeia que está defronte de vós, e logo encontrareis uma jumenta pr esa, e um jumentinho com ela; desprendei-a, e tr azeimos” (Mt 21.2). Como Israel recusou seu Messias, sua nova oferta será exatamente na tribulação de sete anos que logo se iniciará, no entanto debaixo do espremer das uvas da nação. Retornando então ao assunto inicial, Saul, por sua vida carnal, tendo inicialmente uma iluminação e capacitação do Espírito, descamba em uma vida de egocentrismo que afeta todas as suas obrigações como rei e como homem. Descuida de Israel e persegue o novo rei levantado em substituição à sua negligência, incompetência e arrogância. “Então Samuel lhe disse: O Senhor rasgou de ti hoje o reino de Israel, e o deu a um teu próximo, que é melhor do que tu” (15.28). A entrada de Davi em cena é digna de nota, tamanha a diferença de ocupação e preocupação de ambos. “Disse mais Samuel a Jessé: São estes todos os teus filhos? Respondeu Jessé: Ainda falta o menor, que está apascentando as ovelhas” (16.11). Lembram bem as palavras de Jesus em seu ministério terreno – “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15.24). Não ouviríamos jamais palavras como as que Davi proferiu na boca de Saul.
“E, vendo Davi ao anjo que feria o povo, falou ao Senhor, di-
zendo: Eis que eu pequei, e procedi iniquamente; porém estas ovelhas, que fizeram? Seja, pois, a tua mão contra mim, e contra a casa de meu pai” (2 Sm 24.17). Há uma diferença gritante entre estes dois homens, um que queria fazer a sua vontade, outro que buscava a vontade do Senhor acima de tudo. A palavra de Gálatas 5.17 mostra e explica perfeitamente a rixa e perseguição injusta de Saul sobre Davi. “Porque a carne luta contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes se opõem um ao outro, para que não façais o que quereis”. A diferença de ambos se mostra no desfecho de suas vidas, excelentemente profetizado em Romanos 8.6. “Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz”.
Possamos nós também nestes tempos sombrios, nestes tempos de provação para sua Igreja – esta Laodiceia morna em que vivemos – e para o mundo, antes da entrada da tribulação prometida pela Escritura que não pode errar, escolher o caminho do Espírito e não da carne. “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser; e os que estão na carne não podem agradar a Deus... por que se viver des segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis” (Rm 8.7-8,13). Em nosso próximo encontro convidaremos Jônatas para dar seu belo, mas incompleto, testemunho.
Jônatas – amor com restrições Quando nos baseamos nos erros descritos de certos personagens bíblicos, nossa intenção jamais é a de denegrir sua imagem ou nos isentarmos de culpa, como que nos desculpando pelos erros de terceiros. Não! Jamais! Nosso objetivo é trazer à luz as dificuldades de todo homem e mulher que vêm ao mundo do pecado, para tentar lançar luz em nossa jornada idêntica e fraca. A Escritura é clara ao afirmar “que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo” (1 Pe 5.9). Ninguém está isento do erro, do vacilo, do pecado, da negligência espiritual. Jônatas foi o grande amigo e irmão de Davi, num plano emocional que talvez poucos cristãos experimentem. Assim como Davi dedilhou sua arpa para apaziguar o espírito perturbado de Saul, Jônatas seu filho dedilhava seu coração nas duras provas pelas quais Davi passou pelas perseguições exatamente pelo pai daquele. Houve uma como compensação – Jônatas retribuiu ao coração cansado de Davi a mesma paz que este proporcionou a Saul. Mas não podemos deixar de ver e entender o limite seguro que Jônatas se manteve. Ele declarou toda sua amizade a Davi, ajudou-o em várias oportunidades belamente mencionadas na Palavra. Mas seu amor não chegou à intimidade do sofrimento. Ele não acompanhou Davi em seu desterro, diferentemente de muitos que o acompanharam por causa das suas dificuldades. “E ajuntou-se a ele [Davi] todo o homem que se achava em aperto, e todo o homem endividado, e todo o homem de espírito desgostoso, e ele se fez capitão deles; e eram com ele uns quatrocentos homens” (1 Sm 22.2).
Ele não tinha problema em se associar com Davi na sua glória, como ele bem afirma e sugere. “E disse-lhe: Não temas, que não te achará a mão de Saul, meu pai; porém tu reinarás sobre Israel, e eu serei contigo o segundo; o que também Saul, meu pai, bem sabe” (23.17). Mas hesitou em segui-lo na perseguição e vergonha. O destino de um deve ser o destino do outro. Preferindo a companhia de seu pai, seu destino será a morte junto a este. Não estamos julgando sua atitude, não sabemos seus compromissos com família, filhos e tudo que o cercava. Mas infelizmente, algumas vezes temos que tomar atitudes drásticas, radicais e próprias da fé. Jesus exigiria mais à frente tais atitudes. “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37).
Há um prêmio seguro e especial quando abandonamos nossos privilégios e nos colocamos ao lado do Cristo sofrido e perseguido. “E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, por amor de meu nome, receberá cem vezes tanto, e herdará a vida eterna” (Mt 19.29). Buscamos um Jesus glorificado, assentado à direita de Deus, mas esquecemos que enquanto estivermos aqui em baixo, o Senhor conclama – “E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim” (Mt 10.38). Pedro, que no momento mais crucial da vida de seu Senhor, negou-o pela fraqueza da carne, entendeu perfeitamente a ligação dos dois extremos de Seu ministério. "Mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis” (1 Pe 4:13).
em podia antecipar o apóstolo João em seu desterro na ilha de Patmos, a mesma atitude de nossa Igreja Laodiceia nesta era final em que vivemos, segura de sua riqueza, mas esquecendo sua extrema miséria espiritual. “Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu” (Ap 3.17). Ajuda-nos, Senhor, a não nos envergonharmos nem fugirmos do resto das aflições de nosso Senhor que nos resta cumprir em nossa vida cotidiana. Cumpra-se a tua vontade, assim na terra como no céu! E assim findamos estas considerações sobre o primeiro livro de Samuel e partimos, sempre acompanhados da gloriosa presença do Espírito de Deus, para seu segundo livro. Espero que você continue esta jornada conosco, pois ainda temos muito que comentar, enquanto tivermos tempo para isto!