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2020
7. Juízes Concepção Prov[oc]ação Brincando com números Três mulheres O trigo e o lagar O velo de Gideão Um levita e uma concubina
1. Concepção Juízes, como o próprio nome diz, percorre um período de julgamento – sombrio – da recém nação que se apossou da terra da Palestina, segundo vimos nas 7 notas anteriores do livro de Josué. Israel agora vai administrar suas próprias necessidades físicas e espirituais. Há duas marcas importantes que resumem bem a qualidade do serviço prestado à própria nação e ao seu Deus. Primeiro, a frase constante que aparece logo no primeiro capítulo – “Manassés não expulsou os habitantes... Tampouco expulsou Efraim... Tampouco Zebulom... Aser... ...” Contentaram-se em conseguir um lugarzinho ao sol, e desde que aquelas nações ‘teimavam’ em permanecer lá, o que fazer?! Há outra frase terrível que aparece pelo menos duas vezes neste livro – “cada um fazia o que parecia bem aos seus olhos”. Não se espante! Não se refere aos nossos dias! Já somam mais de 3 mil anos, mas parece que nada tem mudado, não? Os juízes vão se acumulando na eterna misericórdia do Senhor, quando a liberdade era interrompida pela nova negligência do povo. Seis períodos cíclicos são mencionados de libertação e escravidão, mas é bem provável que outros juízes e outros juízos se deflagraram sobre a nação.
E tenho que me adiantar um pouco no tempo. Estes seis períodos são seguidos depois pela entrada em cena de Samuel, o profeta (já no livro de I Samuel). Ele, podemos entender assim, seria o sétimo juiz (número interessante!) que
libertaria a nação, não na qualidade de simples libertador, mas na qualidade de profeta que proclama a vontade do Senhor. Porque todo o problema de Israel, bem como da Igreja hoje, é a negligência espiritual em cumprir a vontade do Senhor, vontade esta que passa sempre e invariavelmente pela Palavra de Deus escrita. Um bom exemplo disto é a descrição do tempo em que vivia Samuel. “E o jovem Samuel servia ao SENHOR perante Eli; e a palavra do SENHOR era de muita valia naqueles dias; não havia visão manifesta” (1 Sm 3.1). A Palavra escrita que eles tinham à disposição no seu tempo estava relegada a último plano, e não bastava simplesmente resolver a questão da opressão causada pelos inimigos, era preciso relembrar, condenar, conclamar o povo para ouvir e cumprir as palavras de Deus. A Palavra de Deus escrita sempre foi e sempre será a única salvaguarda do povo de Deus. Três mulheres se destacam neste cenário decadente – Débora, Jael e uma certa concubina sem nome. Elas demarcam bem o início e o fim de uma sociedade sem a soberania de Deus. Este livro inicia com a menção da morte de Josué e finda com a sentença de que “cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos”. Teremos oportunidade de comprovar o que dissemos acima nas nossas próximas notas.
2. Prov[oc]ação Vimos em nossa nota de abertura que Israel não pôde (¿não pôde, não teve coragem ou se contentou com o que tinha?!) expulsar seus inimigos de sua terra. Mas algo mais já estava se somando a esta indiferença. “E quanto a vós, não fareis concerto com os moradores da terra; antes, derrubareis os seus altares. Mas vós não obedecestes à minha voz. Por que fizestes isso?” (2.2). O que começara com a simples mistura, terminava em idolatria na permanência dos altares de deuses estranhos. É e será sempre assim. Qualquer brecha, qualquer mínima permissão em nossas vidas resultará em nova escravidão e novo castigo. Lembra sempre aquela palavra – Um abismo chama outro abismo. Vamos ouvir o que o Senhor continua a dizer sobre estas brechas espirituais. “Assim também eu disse: [Eu] Não os expulsarei de diante de vós; antes estarão como espinhos nas vossas ilhargas, e os seus deuses vos serão por laço” (2.3). Todas as brechas em nossas vidas, sejam por agência de Satanás, sejam por negligência de nossa parte, acabarão por laço em nossa vida, que sufocarão tanto nossa vida física – mental e emocional – e primordialmente espiritual. O Senhor não tem por obri-
gação limpar o nosso jardim, quando é de nossa responsabilidade fazêlo. A vida é uma luta constante em todas as áreas da vida humana, e principalmente quando temos que atuar segundo os moldes do caráter de Deus. Nossa luta é redobrada, nossas quedas mais acentuadas, mas o que temos que entender é que (e não podemos usar isto como desculpa!), mesmo presos a estes laços, Deus ainda atua de forma proveitosa para Seu reino e nosso crescimento. Israel tinha algo a aprender e também a nos ensinar.
“Estas, pois, são as nações que o SENHOR deixou ficar [porque o povo deixou primeiro], para por elas provar a Israel, a saber, a todos os que não sabiam de todas as guerras de Canaã. Tão-somente para que as gerações dos filhos de Israel delas soubessem (para lhes ensinar a guerra), pelo menos os que dantes não sabiam delas” (3.1-2). Cristo pode nos ter dado tudo por sua bendita e preciosa morte, mas não vamos poder passar esta vida sem guerra aberta com o mundo, a carne e Satanás. Não vamos adentrar ao céu sem luta sangrenta, mesmo que este céu nos esteja garantido por fé. Se caímos miseravelmente, temos que buscar seu perdão na cruz e – perdoados (mas engolindo todas as consequências nefastas de nossas escolhas) – aprender a manejar nossas armas espirituais em prol do reino de Deus e do bem estar de nossas almas. Paulo bem sabia o que retratava. “Pois eu assim corro, não como a coisa incerta; assim combato, não como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão...” (1 Co 9.26-27). Podemos dizer seguramente que, no fim, praticamente tudo se resume a uma grande batalha espiritual que começa no céu e se estende até nós. “No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a ar madur a de Deus, para que possais estar firmes contr a as astutas ciladas do diabo. Por que não temos que
lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Ef 6.10-12). Vamos lutar e cair mil vezes em tantas áreas de responsabilidade humana e cristã. Choraremos e lamentaremos mil vezes, mas o Senhor nos perdoará e levantará mil vezes. E mil novas batalhas estarão à nossa espera. A guerra constante nos ensinará a batalhar com nova perspectiva, novas esperanças, novas atitudes, nova dependência divina... “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes” (Ef 6.13). O assunto desta nota está melhor desenvolvido no livreto – “Por que o cristão ainda sofre?!” – que você pode acessar gratuitamente em – https://issuu.com/ministerioescrito/docs/crist__o_sofre Em nossa próxima nota, vamos brincar com alguns números interessantes deste livro.
3. Brincando com números Platão já dizia que ‘Deus geometriza’. Os números na Palavra de Deus não são apenas quantidades aleatórias e insignificantes, mas guardam relações de ordem moral, típica [falando de tipos e antítipos], passando ao mundo espiritual, aliás, como já dissemos, tudo o que vemos é reflexo do que não vemos. Um engenheiro não desprezaria qualquer número em sua área de atuação, nem Deus vai desprezar em Sua eterna e bendita Palavra aquilo que será o padrão do julgamento para toda raça humana. Há uma sequência cíclica, como já falamos, neste período de Juízes. Israel se afastava do Senhor – o Senhor utilizava os povos ao redor para escravizá-los – o povo clamava – o Senhor levantava um libertador ou juiz – a terra descansava por um certo tempo – o povo se afastava novamente e o ciclo recomeçava. Vamos seguir esta fórmula de forma bem reduzida que será o molde das demais. “E os filhos de Israel fizeram o que era mau aos olhos do Senhor... Então a ira do SENHOR se acendeu contra Israel, e ele os vendeu na mão do rei da Mesopotâmia... ...e os filhos de Israel serviram a Cusã-Risataim oito anos. E os filhos de Israel clamaram ao Senhor...
...e o Senhor levantou-lhes um libertador, que os liber tou: Otniel... Então a terra sossegou quarenta anos... Porém os filhos de Israel tornaram a fazer o que era mau aos olhos do Senhor” (3.7-12).
O primeiro libertador foi Otniel – a terra foi escravizada por 8 anos e esteve tranquila por 40 anos após sua atuação como libertador, como segue o quadro abaixo.
Seis períodos (nos moldes citados acima) são mencionados de escravidão e libertação. Com Sangar, nenhuma contagem é feita, e o outros 5 juízes da linha inferior, mesmo só mencionando o tempo de seu ministério, não entram no esquema acima, por isso não serão levados em conta. Observe que a tendência numérica de anos de escravidão tendeu ao aumento. Começa com 8 e finda em 40 anos de escravidão (cinco vezes mais). Já o tempo de libertação, apesar de ser bem maior (▲) que a escravidão nos 4 primeiros ciclos, é reduzido (▲) pela metade nos 2 últimos. Acho que podemos chegar a algumas conclusões, ou pelo menos indicações interessantes. Pelo lado humano, sua ineficiência é sempre crescente, apesar de algumas oscilações aparentes. No quadro, o castigo gerado pela negligência começa em 8 anos, findando em 40, apesar de uma aparente melhora indicada pelo número 7 no meio do período. Já do lado divino, a tendência da graça divina aumentou logo no início, estabilizou nos 40, caiu drasticamente em 6 e subiu para 20 anos de libertação.
Ao final dos ciclos (Jefté e Sanção), a escravidão supera em duas vezes a libertação, mas na somatória Total, a graça libertadora superou a escravidão pelo pecado em 2,073 vezes (226/109). Acho que os números falam por si mesmos. Mas quero deixar duas passagens para o leitor e a leitora meditarem e também compararem com o curso deste mundo em franca decadência. Tire suas próprias conclusões. “Onde o pecado abundou, superabundou a graça de Deus” (Rm 5.20). “O homem que muitas vezes repreendido endurece sua cerviz, de repente será quebrantado sem que haja cura” (Pv 29.1). Em nossa próxima nota destacaremos o curso de 3 mulheres.
4. Três mulheres Três mulheres e um pequeno flash de suas vidas são expostos neste livro de Juízes. Comecemos por Débora. Não era uma mulher comum, mas uma profetisa, e “julgava a Israel naquele tempo” (4.4). Não temos dúvida que fosse uma mulher de espírito nobre, haja vista que o Senhor falava por seu intermédio. Mas era uma falta grave que não houvesse homens a altura deste glorioso ministério. Na falta de homens, Deus usará mulheres muitas vezes, não como um segundo lugar honroso, pois é certo que as mulheres tenham mais capacidade que os homens em muitos aspectos, até mais sensibilidade espiritual, mas não foi assim que Deus determinou. Deus deu ao homem a obrigação, desde o jardim do Éden, de guardar e administrar a vida social, religiosa e familiar. O problema é quando homens negligenciam por falta de intimidade divina sua tarefa de cabeça do lar e sociedade. Então Deus usará quantas mulheres forem necessárias para humilhar o homem que abandona suas tarefas. Lembremos que Miriã, irmã de Arão, era contada como profetisa (Ex 15.20), exatamente em um momento crítico, quando Israel era escravo no Egito. A relação ministerial das duas se dá no mesmo momento de decadência moral e espiritual. Vamos reiterar – a mulher não é inferior ao homem, o homem é quem se deixa inferiorizar por sua má vontade. E isto normalmente não afeta a mulher. A clara vergonha de Baraque está na forma um tanto jocosa de Débora transmitir sua profecia a ele. “Porventura o Senhor Deus de Israel não deu ordem, dizendo: Vai, e atrai gente ao monte Tabor, e toma contigo dez mil homens... E
atrairei a ti para o ribeiro de Quisom, a Sísera... e o darei na tua mão” (4.6-7). A resposta dele a Débora mostra bem sua intimidade e dependência do Senhor, e a réplica dela resolve tudo. “Se fores comigo, irei; porém, se não fores comigo, não irei. E disse ela: Certamente irei contigo, porém não será tua a honra da jornada que empreenderes; pois à mão de uma mulher o Senhor venderá a Sísera” (4.8-9). O arremate de toda a incapacidade masculina em defender os interesses de Deus está na segunda mulher que aparece nesta história. Jael convida o mesmo inimigo para descansar e aplicar o golpe fatal. O cântico de Débora fará sua graciosa menção. “Bendita seja entre as mulheres, Jael, mulher de Héber, o queneu; bendita seja entre as mulheres nas tendas. Água pediu ele, leite lhe deu ela; em prato de nobres lhe ofereceu manteiga. À estaca estendeu a sua mão esquerda, e ao martelo dos trabalhadores a sua direita; e matou a Sísera, e rachou-lhe a cabeça...” (5.24-26).
Mas ao peso destas duas nobres mulheres, a terceira serve como contrapeso vergonhoso. Uma certa concubina sem nome se associa a um levita desconhecido e seu desfecho é um estupro coletivo e um esquartejamento impiedoso. Não vamos entrar nesta história agora, pois faremos uma nota para este levita sem direção. O que quero deixar à vista do leitor é a decadência moral da última em relação às primeiras. Reflete bem o estado a que se pode chegar quando cada um faz o que quer.
As primeiras foram motivo de honra e inclusive apoio e encorajamento aos homens de então, a última reflete a fraqueza moral que se junta a um homem meramente religioso, e tem um castigo a altura. Que isto nos sirva de lição nestes tempos mornos, relapsos, fortemente religioso, negando entretanto a verdadeira piedade. Nosso próximo encontro falará de Gideão e seus muitos tipos.
5. O trigo e o lagar Antes de adentrar aos símbolos, vamos entender alguns conceitos. Lagar era o local específico para o esmagamento tanto de uvas como azeitonas. Comparemos. “E as eiras se encherão de trigo, e os lagares transbordarão de mosto (pr oduto da uva) e de azeite” (Jl 2.24).
Assim como a uva era pisada no lagar, o trigo era malhado nas eiras (campo) para separar o grão da palha e depois era trilhado (esmagado) em lugar específico por força animal – “Não atarás a boca ao boi que trilha o grão” (1 Co 9.9). Para saber mais sobre um lagar antigo, dividido em três recipientes como na imagem abaixo, acesse https://cafetorah.com/lagar-de-mais-de-2100-anos-encontrado-emisrael/
Mas Gideão aparece batendo o trigo no lagar. “...e Gideão, seu filho, estava malhando o trigo no lagar, para o salvar dos midianitas” (Jz 6.11). O entendimento superficial do caso é que Gideão malhava (ou batia) ali, às escondidas, pois para o bandido é bem melhor roubar o volume já pronto que o total que ainda será trilhado, poupando seus
esforços. Mas o tipo tem uma visão de maior alcance – futuro já cumprido e futuro ainda por cumprir. Israel é comparado ao trigo em inúmeras passagens. “Ah, malhada minha, e trigo da minha eira! O que ouvi do Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, isso vos anunciei” (Is 21.10). João Batista já adiantava em seu batismo de água ao povo judaico, que aquele Jesus que logo seria apresentado a eles “tem a pá, e limpará a sua eira, e recolherá no celeiro o seu trigo (falando do remanescente judaico fiel), e queimará a palha com fogo que nunca se apagará” (Mt 3.12). O lagar é também definido na Escritura como lugar de juízo ou julgamento. Fala tanto de um futuro que para nós já é passado – como o cativeiro de Israel profetizado pelos grandes profetas Isaías e Jeremias e outros, quanto do futuro ainda por vir no período tribulacional do esmagamento de Israel e dos gentios. Falando do passado: “Jerusalém gravemente pecou, por isso se fez er r ante... por isso foi pasmosamente abatida, não tem consolador; vê, Senhor, a minha aflição, porque o inimigo se tem engrandecido... pois ela viu entrar no seu santuário os gentios [cativeiro na Babilonia]... Todo o seu povo anda suspirando, buscando o pão... Atendei, e vede, se há dor como a minha dor, que veio sobre mim, com que o Senhor me afligiu, no dia do furor da sua ira... O Senhor atropelou todos os meus poderosos no meio de mim; convocou contra mim uma assembleia, para esmagar os meus jovens; o Senhor pisou como num lagar a virgem filha de Judá” (Lm 1.8-15). Falando do futuro de Israel e nações em seu redor: “E ouvi uma voz do céu, que me dizia: Escreve: Bemaventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor... Lança a tua foice, e sega; a hora de segar te é vinda, porque já a seara da terra está madura. E aquele que estava assentado sobre a nuvem meteu a sua foice à terra, e a terra foi segada [Israel para salvação – não fala de lagar nem de ira julgadora].
E saiu do templo, que está no céu, outro anjo, o qual também tinha uma foice aguda. E saiu do altar outro anjo, que tinha poder sobre o fogo, e clamou com grande voz ao que tinha a foice aguda, dizendo: Lança a tua foice aguda, e vindima os cachos da vinha da terra, porque já as suas uvas estão maduras. E o anjo lançou a sua foice à terra e vindimou as uvas da vinha da terra, e atirou-as no grande lagar da ira de Deus [judeus e nações impenitentes]. E o lagar foi pisado fora da cidade, e saiu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, pelo espaço de mil e seiscentos estádios” (Ap 14.13 -20). Entendo que a primeira sega trata do remanescente de Israel para salvação, e a vindima final, sem distinção, do julgamento de Israel impenitente ao cerco final pelos gentios congregados pela besta que subirá do abismo. Sou propenso a entender a primeira ceifa como a morte do remanescente fiel pelo cerco final a Israel, como que sendo ‘salvos pelo fogo’ (algo semelhante se encontra em 1 Co 3.15). Este cerco final não distinguirá o justo do injusto, pois o problema é o Israel nacional. O Senhor usa este conflito final para libertar seu remanescente que ‘morre no Senhor’, diferenciando do grupo que não morre no Senhor, mas que fará o pacto com a besta e tem seu destino com ele. As nações agem por ódio racial e espiritual, mas Deus olha para o coração. “Porventura lavra todo o dia o lavrador, para semear? Ou abre e desterroa todo o dia a sua terra? Não é antes assim: quando já tem nivelado a sua superfície, então espalha nela ervilhaca, e semeia cominho; ou lança nela do melhor trigo, ou cevada escolhida, ou centeio, cada qual no seu lugar? O seu Deus o ensina, e o instrui acerca do que há de fazer... O trigo é esmiuçado, mas não se trilha continuamente, nem se esmiúça com as rodas do seu carro, nem se quebra com os seus cavaleiros. Até isto procede do Senhor dos Exércitos; porque é maravilhoso em conselho e grande em obra (Is 25.24-29).
O Senhor fará “diferença entre o justo e o ímpio; entre o que serve a Deus, e o que não o serve” (Ml 3.18). Assim como o trigo é malhado, mas não esmagado, no lagar de Gideão, o Rei dos reis também baterá seu trigo no lagar da ira do Deus Todo-Poderoso, quando todas as nações estiverem reunidas no grande vale de Megido. E assim como os filisteus não poderiam ver este trabalho íntimo de Gideão, também as nações naquele dia não vão compreender que o objetivo maior desta grande batalha final é separar para Deus um povo disposto a segui-lo por fé até as últimas consequências. Em seguida falaremos do velo de Gideão e seu significado intrigante.
6. O velo de Gideão e seu significado distante Esta passagem sempre traz muita curiosidade ao leitor, mas geralmente ficamos muito aquém de seu significado espiritual. Levei muitos anos para entender que era uma sombra de algo muito distante, e talvez ainda esteja incompleta em minha mente. A primeira desconfiança de Gideão trata da identidade do Deus que falava com ele. Era até natural. E isto fala do primeiro advento de Cristo. Também os judeus da época desconfiaram de Sua identidade como Messias prometido. “Então o anjo do Senhor lhe apareceu, e lhe disse: O Senhor é contigo, homem valor oso... E ele disse: Se agor a tenho achado graça aos teus olhos, dá-me um sinal de que és tu que falas comigo... [os fariseus não fizeram o mesmo?!] E entrou Gideão e preparou um cabrito e pães ázimos [sem fermento] de um efa de farinha; a carne pôs num cesto e o caldo pôs numa panela; e os trouxe até ele debaixo do carvalho, e os ofereceu... E o anjo do Senhor estendeu a ponta do cajado, que estava na sua mão, e tocou a carne e os pães ázimos; então subiu o fogo da penha, e consumiu a car ne e os pães ázimos; e o anjo do Senhor desapareceu de seus olhos...” (6.12-21). Assim como Gideão desconfiou da identidade do anjo divino, também Israel duvidou do homem divino em Sua primeira vinda, e como castigo o Senhor desaparece da vida nacional de Israel, pois vai trabalhar com os gentios a partir de então. Isto posto, temos a segunda imagem futura para confirmar esta tipologia. “E disse Gideão a Deus: Se hás de livrar a Israel por minha mão, como disseste, eis que eu porei um velo de lã na eira; se o orvalho estiver somente no velo, e toda a ter r a ficar seca, então conhecer ei que hás de livrar a Israel por minha mão, como disseste. E assim sucedeu; porque no outro dia se levantou de madrugada, e apertou o velo; e do orvalho que espremeu do velo, encheu uma taça de água (6.36-38).
Velo, segundo o site https://dicionario.priberam.org/[velo], significa – 1. Lã de cordeiro, carneiro ou ovelha. 2. [Por extensão] A pele desses animais com a respectiva lã. Ou seja, o que Gideão usou como teste da fidelidade de Deus, foi um pedaço de lã e sua pele obviamente extraída de uma ovelha sacrificada. É praticamente óbvio interpretar que se trata de Cristo e do povo judaico em sua relação de intermediação sacrificial. O fato de que o orvalho estava primeiramente só na lã e não no campo, significava a vinda de Cristo ao povo de origem das promessas. O mundo ficava de fora por enquanto. Vamos comparar? “[Jesus] Veio para o que era seu [povo da promessa], e os seus não o receberam” (Jo 1.11). Os primeiros apóstolos e discípulos, logo no início de seus ministérios, pregavam de Cristo exclusivamente aos judeus, como indica Atos. “Mas Paulo e Barnabé, usando de ousadia, disseram: Era mister que a vós [judeus] se vos pregasse primeiro a palavra de Deus; mas, [então vem a mudança na direção da pregação] visto que a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os gentios (At 13.46). Então vem o segundo sinal usando o mesmo velo. “E disse Gideão a Deus: Não se acenda contra mim a tua ira, se ainda falar só esta vez; rogo-te que só esta vez faça a prova com o velo; rogo-te que só o velo fique seco, e em toda a terra haja o orvalho” (6.39).
Agora o orvalho fica somente no campo (o mundo) e o velo (Israel) fica seco. É a segunda parte de At 13.46 logo acima. Ou visto de outro lado, a oportunidade aos gentios hoje, Paulo pode garantir. “Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado (Rm 11.25). Como Israel desconheceu seu Messias, Deus passou o direito de reconhecê-lo entre os gentios – o velo molhado e o campo seco primeiramente, e depois o velo seco e o campo molhado falam exatamente desta mudança de exercício. Esta fórmula também está resumida em Romanos. “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego” (1.16). É gratificante saber que a Igreja já estava escondida nos planos relacionados a Israel, muito antes dela vir a existir, que nós hoje podemos participar desta herança nos santos. E você, leitor e leitora, já aceitou o sacrifício do Cordeiro em sua vida? É de suprema importância para o seu destino eterno, especialmente porque o fim vem!, e muito mais breve do que você imagina. Em nossa próxima nota, comentaremos sobre um levita, sua concubina e um triste relacionamento que revelava bem o estado social e moral daquele período.
7. Um certo levita e uma certa concubina Comentamos na nota 4 alguma coisa sobre esta concubina e seu triste fim, mas agora vamos dar proeminência ao levita. Em nenhum momento seus nomes são citados. Eu acredito que suas histórias não tinham nenhuma exclusividade, era algo comum naqueles dias em que cada um fazia o que queria. Somente o desfecho inusitado e cruel dava a entender que a situação estava crítica em todos os sentidos. Seria como nos noticiários de hoje, nada mais nos espanta, quando de repente algo extremo nos indicaria o estado real das coisas, como que para nos acordar da letargia predominante. A história do levita que sai a peregrinar demonstra o estado do tabernáculo e das coisas do Senhor. Os levitas tinham garantido por ordem divina através de Moisés seu sustento diário no templo, já que eles trabalhavam exclusivamente para o Senhor. “E separarás os levitas do meio dos filhos de Israel, para que os levitas sejam meus... E os levitas, dados a Ar ão e a seus filhos, dentre os filhos de Israel, tenho dado para ministrarem o ministério dos filhos de Israel na tenda da congregação e par a fazer expiação pelos filhos de Israel, para que não haja praga entre eles, chegando-se os filhos de Israel ao santuário” (Nm 8.14,19). Os levitas tinham seu ministério elevado de oficiar no templo do Senhor, e seu sustento estava garantido pelos dízimos que se recolhiam do povo. Mas quando ele começa a peregrinar, podemos subentender duas coisas – seu sustento estava em falta no seu trabalho ministerial (pois o povo estava em falta com o Senhor e seu templo, lembre que cada um fazia o que queria!), e a casa sacerdotal não teve força moral e espiritual para mudar o estado das coisas. Ele se vê então obrigado a peregrinar. E nós sabemos por experiência própria – todas as vezes que saímos da proteção divina, negligenciando a fé, a oração, a leitura constante da Palavra de Deus, acabamos nos prostituindo de alguma forma, tanto no campo sexual quan-
to nos sociais e espirituais, ou seja, sempre perderemos. O levita ‘achou’ a concubina somente ao sair da companhia do Senhor e seu dever diário, é o que lemos. “Aconteceu também naqueles dias, em que não havia rei em Israel, que houve um homem levita, que, peregrinando aos lados da montanha de Efr aim, tomou para si uma concubina [não uma esposa]” (19.1). Mas “a sua concubina adulterou contra ele” (19.2). Um relacionamento que não é do Senhor está sempre no perigo de cair pelas intromissões estranhas. Não que em um relacionamento devidamente apropriado não vá surgir problemas, mas o próprio acerto da união tenderá a ser um escudo contra os ataques do inimigo e sempre poderemos contar com a graça de nosso Deus. A mulher o deixa e vai para a casa de seu pai. Ele vai “atrás dela, para lhe falar conforme ao seu coração, e para tornar a trazê-la” (19.3). Sempre que nos associamos num relacionamento errôneo, não aprovado por Deus, vamos querer falar ao coração do outro e não ao coração de Deus. Mas ele comete um erro maior – “agora vou à casa do Senhor” (19.18), levando sua concubina. O problema não estava na concubina, ela só era o efeito colateral dele ter deixado a casa do Senhor, o resto são consequências que o Senhor pode até perdoar, mas seus efeitos ficarão marcados para todo sempre. Continuando sua história, seu servo indica uma cidade nãoisraelita para pousarem, e o levita dá logo sua sentença que parece ser muito espiritual. “Não nos retiraremos a nenhuma cidade estranha, que não seja dos filhos de Israel; mas iremos até Gibeá” (19.12). Mas é nesta cidade bem conhecida dos filhos de Israel que todo desfeche grosseiro acontece. Julgamos muitas vezes que o que se diz santo tenha melhor atitude que aquele que julgamos profano, perdido, sem moral, irreparável.
Gosto de uma frase de um livreto antigo – “O livro da vida” de Walter Graciano” – que mostra a experiência vivida do escritor: “Há cristão cuja maldade supera a de qualquer inimigo sem Deus”. Finalizando, a cidade que ‘era’ do Senhor protagonizou um estupro coletivo da concubina (mas queriam o homem mesmo!), sua morte, seu esquartejamento, e a destruição de uma cidade. Vamos trabalhar um pouco este ponto.
“Assim ajuntaram-se contra esta cidade todos os homens de Israel, unidos como um só homem... Então os filhos de Benjamim saíram de Gibeá, e derrubaram por terra, naquele dia, vinte e dois mil homens de Israel... Por ém esfor çou-se o povo... e choraram perante o Senhor até à tarde, e perguntaram ao Senhor, dizendo: Tor nar -me-ei a chegar à peleja contra os filhos de Benjamim, meu irmão? E disse o Senhor: Subi contra ele... Também os de Benjamim no dia seguinte... derrubaram ainda por terra mais dezoito mil homens...” (20.1125). Vou direto ao ponto – somente lágrimas não consternam o Senhor; lágrimas e busca simples do Senhor, mesmo invocando Seu nome, também deixam a desejar; mas lágrimas associadas a arrependimento sincero embebido no sangue do Cordeiro, este sangue fará toda a diferença. “Então todos os filhos de Israel, e todo o povo, subiram, e vieram a Betel e choraram, e estiveram ali perante o Senhor, e jejuaram
aquele dia até à tarde; e ofereceram holocaustos e ofertas pacíficas perante o Senhor” (20.26). Mas há um alcance mais distante para tudo isto – uma figura. Israel como um todo também deixou o Senhor, prostituindo-se com muitos deuses e muitas nações. As nações e seus deuses não podem melhorar sua situação, não podem trazer perdão nacional. Foram destruídos e envergonhados sequencialmente em seus vários exílios, uniram-se como um só povo e retornaram para sua casa no tempo presente (hoje parcialmente descansados na Palestina), mas ainda não se arrependeram verdadeiramente. Serão novamente dizimados no período tribulacional em breve, e somente quando clamarem ao Senhor nacionalmente, reconhecendo seu verdadeiro Messias sacrificado, terão paz plena em si mesmos e o mal desterrado de sua terra. Somente um grito nacional poderá mudar a triste trajetória deste povo escolhido. “Porque eu vos digo que desde agora me não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor” (Mt 23.39). Findamos assim estas notas em Juízes e partimos, seguros na piedade de Deus em Cristo, para o livro de Rute, hiato gracioso entre estes juízes e Samuel.