10 2019
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Ideia e desafio!
Surgiu-nos a ideia e o desafio de comentar toda a Escritura com notas que falassem tanto dos assuntos típicos de cada livro, como também dos assuntos que permeiam toda a Palavra de Deus. Temos seguido mês após mês escrevendo 7 notas para cada livro sagrado e finalizamos agora, com mais de um ano de trabalho, e uma triste interrupção de quase 6 meses neste período, os 5 primeiros livros de Moisés, chamado o Pentateuco. Estes cinco livros abordam o começo das coisas físicas e espirituais, e tentamos tocar nos principais assuntos, avançando muitas vezes no tempo e na Escritura, tentando formar um quadro inicial de tudo o que Deus tem feito e prometido. Espero que estas 35 notas de abertura nos abram a mente e o espírito de conhecimento dos propósitos de Deus para a humanidade e o universo.
Que o Senhor, em sua infinita misericórdia e graça, nos fortaleça e revista nesta longa tarefa, tanto ao que escreve quanto ao que lê!
GĂŞnesis
1. Concepção Gênesis é o princípio das coisas que se veem, bem como de algumas coisas que não se veem. As muitas coisas que não se veem neste livro, estarão espalhadas, pulverizadas, pelos 66 livros sagrados de nossa bendita e eterna Palavra de Deus. Não podemos ver neste princípio com clareza, por exemplo, que Deus nos “elegeu nele antes da fundação do mundo”, assunto que será esclarecido somente em Efésios 4.1 e outras passagens também no Novo Testamento, isto devido à grandeza do tema. Aqui temos o início de tudo que se desenrolará pela história da humanidade, desde a formação de famílias e clãs até a formação de cidades-estados e reinos poderosos. Mas todas estas instituições civis estarão à mercê do maior problema da humanidade: o pecado. Ele já aparece em sequência quase imediata à formação do primeiro casal humano. E com ele, todas as posteriores deformações sociais, culturais, políticas, econômicas, religiosas... que seguem até hoje. Ninguém deveria estranhar o estado vil em que se encontra o mundo em todas estas relações. A tríade perversa – carne, mundo e diabo – já se delineia neste precioso livro, lembrando, só para ilustrar, dos casos das lentilhas de Esaú, do cataclismo noético e da atuação da serpente junto ao primeiro casal, o pai da mentira.
Mas, se o homem foi lançado da presença divina, sem condições de retornar por seus próprios méritos, há da parte de Deus o novo elemento – fé – baseado no sacrifício animal instituído logo após a queda de Adão, que ele bem soube aproveitar, e que permeará não só este livro, mas todo o Antigo Testamento. A fé será sempre individual, até a chamada de Abraão, com seu maior exemplo de fé em obediência ao chamado divino: “Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei” (Gn 12.1).
E aqui começam os grandes problemas de interpretação da Escritura: a ligação da fé com a herança de uma terra prometida, ainda que Abraão mesmo e seus filhos “eram estrangeiros e peregrinos na terra” (Hb 11.13). Um povo será formado, os judeus, que terminarão exilados, por suas próprias escolhas errôneas, a um dos maiores impérios antigos, o Egito, cumprindo um princípio pronunciado somente em Gl 6.7-8: “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna” (Gálatas 6:7,8). Este princípio, ao contrário do que se pensa, começa no plano espiritual, e reflete no material. Tudo o que vemos é reflexo do mundo espiritual, como bem atesta a indicação divina a Moisés, já no livro de Êxodo – “levantarás o tabernáculo conforme ao modelo que te foi mostrado no monte” (23.30). A luz do mundo físico só é constituída de sete espectros, como vemos no arco-íris, porque em Jesus, “a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo” (Jo 1.9), repousaria “o Espírito do Senhor, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor”, como previsto por Isaías 11.2. Gênesis trata da abertura dos grandes temas que serão desenvolvidos, do simples para o complexo, do físico para o espiritual, da sombra para a luz fulgurante, e que serão discorridos pelos 65 livros seguintes. Em Gênesis começam as grandes dificuldades relacionadas ao pecado, mas em Gênesis mesmo Deus já demonstra que está disposto a salvar, mas somente pela fé no sacrifício de Alguém que viria tomar nosso lugar, representado como sombra pelo sangue de animais inocentes. Comentaremos a seguir as muitas ‘fugas’ decorrentes dos nossos muitos erros, “pois não há homem que não peque”.
2. FugaS Se em Gênesis inicia o primeiro pecado humano, inicia também a sua consequência mais comum: a fuga. Ela percorre todos os atos do homem em toda a Escritura por ser retrato fiel de toda a humanidade. Mas neste livro em especial temos os primeiros relatos desta fraqueza moral, como consequência de nossos erros e pecados. Não seria bom condenar os personagens que vamos tratar agora, "porque todos tropeçamos em muitas coisas" (Tg 3.12). O primeiro caso, um clássico que se repetirá desde então, é Adão passando a culpa par a Eva e esta par a a ser pente. A ser pente só não jogou a culpa sobre ninguém pois já tinha perdido toda a vergonha, era inimigo declarado. Mas além de fugirem da presença de Deus, costuram folhas de figueira na tentativa de cobrir sua nudez. A figueira, em toda a Escritura, se relaciona ao ministério de governo, e nos lembramos bem que após os fariseus rejeitarem seu Messias, ele amaldiçoa profeticamente a figueira (Mt 21.19), anunciando o fim do governo de Israel, cumprido cerca de 40 anos depois com a tomada de Jerusalém por Tito, general romano. No caso de Adão e Eva, simboliza que eles agora tomarão a rédea do seu governo, sem Deus se preciso for, contaminados mesmo. Deus os perdoará com o primeiro sacrifício de um animal inocente, mas seguirão fora de seu jardim governando suas próprias vidas. Desde então, temos duas bases: ou aceitamos o sacrifício divino e seguimos com Deus, ou costuramos nossas figueiras e seguimos 'achando' que Ele nos aprova, ou como alguns dizem – Ele lá e eu cá! Quantas vezes fugimos, ou fingimos, diante de Deus com nossos pecados e tentamos, como Adão, cobrir nossa vergonha com coisas fúteis e sem valor, escondendo-nos em nossos 'princípios cris-
tãos', em nossa religiosidade autossuficiente, em desculpas lançadas sobre 'a antiga serpente', e não 'julgando a nós mesmos' como recomenda 1 Co 11.31. Quanto a Abraão, fugiu para o Egito, esquivando de grave seca (a partir de Gn 12.10), mas esquecendo que é melhor estar com o Senhor no meio de uma terra seca, a estar em terra agradável longe de Sua vista. E quantos não caem nesta tentação transitória e depois se veem, como Abraão, bem abastecidos talvez, mas carregando o ônus de perder o contato com sua esposa querida, deixando-as à mercê de um ímpio qualquer. Ou filhos que se perdem pelo excesso de zelo ao patrimônio, e pouco zelo pelos de sua própria casa. Se o sacrifício para a posse de bens superar o sacrifício para a formação do caráter da criança, talvez ela tenha tudo o que a carne exige, mas pouco que sua alma e coração necessitem. Lembre-se de que continua sendo verdade que "o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores" (1 Tm 6.10). Outra fuga muito conhecida é a de Jacó, diante de seu irmão, justamente irado, ao driblar a bênção distribuída por seu pai, Isaque (Gn 27). Fazendo-se passar por Esaú, vestindo roupas que não eram dele, com cheiro de seu irmão, com um guizado que ele não prepararia, faz um papel vergonhoso, mentindo e enganando sob orientação de sua mãe. Este conluio custará a ela perdê-lo de vista por muitos anos, e a ele trabalho longo, penoso e 'injustiçado' sob a mão de outro parente que o igualava em 'esperteza' (Gn 29). 'Toda casa dividida contra si mesma não pode subsistir' – é uma verdade que nunca mudará. Uma família – constituída sob os princípios divinos da união de um homem e de uma mulher, como já orientava o próprio Deus em
Gn 2.24 ("deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne") e reprisava o filho de Deus a mesmíssima fórmula em Mt 19.5 – é uma entidade sagrada que Deus ainda respeita e venera, ainda que hoje seja palco de pecados vergonhosos que rebaixam não somente a mesma família, mas a humanidade como um todo, e que serão motivo para o justo e breve juízo de Deus. "Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula" (Hb 13.4).
Nem vamos comentar a compra vergonhosa, de um lado, e a venda de mesmo caráter da parte do outro, de sua primogenitura, no caso das lentilhas (Gn 25.28-34). Esqueceram que eram irmãos e deveriam viver em união sagrada, não em mesquinharia baixa. "Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união" (Sl 133.1). Hoje tudo se compra e tudo se vende, tudo tem seu preço, mas, bendito seja Deus!, continua gratuita a oferta da salvação de Deus em Cristo na cruz: "Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde, comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite" (Is 55.1). A oferta é gratuita, amorosa, única e "pode também salvar perfeitamente os que por ele [Jesus] se chegam a Deus' (Hb 7.25).
No próximo capítulo abordaremos os 'encontros' que marcarão vidas para sempre. Se os pecados trazem marca dolorosa pelo afastamento, os encontros trazem alívio na alma pelo perdão dispensado.
3. Encontros Todos temos uma passagem bíblica predileta. Minha esposa segura lágrimas quando ouve ou lê Isaías 54.6-7. "Porque o Senhor te chamou como a mulher desamparada e triste de espírito; como a mulher da mocidade, que fora desprezada, diz o teu Deus. Por um breve momento te deixei, mas com grandes misericórdias te recolherei." Ela encontrou sua necessidade de perdão divino aqui, ouvindo uma palavra escrita cerca de 2700 anos atrás, como um eco que nunca diminui ou para no tempo. Um dia Jacó, nosso personagem da nota anterior, saiu fugido de casa, com seu irmão respirando ameaças e morte. Havia trabalhado muito em terra distante, 14 anos pela mulher que amava (quem esperaria tanto nos dias atuais?!) e mais sete pelo gado próprio. Era hora de retornar. Mas tinha aquele problema: a lembrança de um Esaú irado. Estaria esperando numa cilada? Cheio de ódio e amargura? Eu não sei quanto a vocês, mas sempre que leio este encontro entre os dois irmãos (Gn 33), sinto que Esaú foi mais digno que o filho eleito. Jacó, sempre cheio de estratégias, temendo seu irmão, agrupa sua família em bandos, na frente os menos favoritos (teve mal exemplo de Isaque, seu pai) e antes de todos, seus servos que levam presentes para aplacar sua ira. O primogênito não olha para nada daquilo – "Então Esaú correu-lhe ao encontro, e abraçou-o, e lançou-se sobre o seu pescoço, e beijou-o; e choraram". Muitas lágrimas correram pela simples saudades de tanto tempo perdido, mas muitas também correram pela vergonha, pela culpa, pela frustração...
Cabe aqui aquela palavra do Senhor – "Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós" (Mt 6.14). Outro encontro que rende todo um doutrinamento do gigante de Hebreus é o de Melquisedeque e o pai da fé. À parte esta questão doutrinária, gostaria de fazer uma espécie de analogia para o tempo presente deste encontro. Vou somente transportar a passagem central: "Porque este Melquisedeque, que era rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, e que saiu ao encontro de Abraão quando ele regressava da matança dos reis, e o abençoou..." (Hb 7.1). Se nós nos colocássemos na posição de Abraão – como homens de fé aceitos em Cristo, assim como Abraão se encontrou com Melquisedeque somente depois da matança dos reis, também nós, somente depois da batalha de toda uma vida, "contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais" (Ef 6.12), teríamos a bênção certa, final e celestial. A entrada à fé em Cristo parte do mesmo pressuposto da chamada de Abraão do meio de um povo corrupto. Nada havia nele que o recomendasse, assim como nada há em nós que nos recomende a Deus, "porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto (a fé advinda da graça) não vem de vós, é dom de Deus" (Ef 2.8).
Mas a vida de fé, em santa separação e constante luta 'contra toda impiedade que se levanta contra Deus' (Jd 1.15), é a consequência natural da nova vida implantada em nós. As lutas serão inevitáveis – contra a carne, o mundo e o diabo – mas a vitória também nos é assegurada pela promessa de quem não pode mentir: "Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé" (1 Jo 5.4).
O invisível é a chave para a vitória sobre tudo que é visível, jamais se esqueça! Mas o encontro que mais me anima, santifica, consola e fortalece é o encontro a meio caminho de Isaque e sua futura esposa, Rebeca. Nada há mais precioso ao cristão que este encontro em analogia futura. Provavelmente eu volte a tocar neste assunto. Assim como Abraão (o Pai) enviou seu servo (relato de Gn 24) mais chegado (Espírito Santo) para encontrar uma esposa em terra distante (Igreja como corpo de Cristo) para seu amado filho Isaque (Filho), assim nós "seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor" (1 Ts 4.17), pois "também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu" (2 Co 5.2). Pois como "Isaque trouxe-a para a tenda de sua mãe Sara, e tomou a Rebeca, e foi-lhe por mulher, e amou-a" (Gn 24.67), também temos preciosa promessa: "E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também" (Jo 14.3). O leitor e leitora anseiam por este dia? Ou lhe é indiferente sua iminente volta? Jesus encontrará um povo bem disposto e atento (e falo do corpo cristão!), ou um povo cheio do mundo em seus olhos e dormindo pesadamente?
Se sua esperança se encontra apagada como no segundo caso, aconselho um colírio infalível para esta miopia intermitente: "Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças; e roupas brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que vejas" (Ap 3.18). Comentaremos em nossa quarta nota deste livro ímpar dos começos, os 'sentidos precipitados'.
4. Sentidos precipitados Meu pai sempre diz que tudo na vida é uma questão de prioridade. Temos inúmeras vertentes de ação nesta vida, como casa, trabalho, família, filhos, pais, cuidados com o corpo e também cuidados com o espírito. Pois “se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1 Co 15.44), como diria Paulo. Seria algo totalmente natural e muito mais simples cuidarmos de tudo que nos cerca visivelmente, especialmente quando todas estas coisas influem diretamente em nosso bem estar. Mas e as coisas espirituais? Vamos relegá-las a último plano já que não podemos vê-las?! Vamos examinar três casos em que os sentidos físicos suplantaram o bom senso espiritual, e os resultados foram desastrosos.
Começo com “Ló, que ia com Abrão, tinha rebanhos, gado e tendas. E não tinha capacidade a terra para poderem habitar juntos; porque os seus bens eram muitos” (Gn 13). Novamente a riqueza se interfere na amizade e familiaridade dos homens. Não sou contra a riqueza, mas temos que ver bem a quem queremos servir. Quem terá a primazia, a riqueza que pode separar amargamente ou a simplicidade da vida que pode descansar em paz? Abraão propõe que se separem, e dá a Ló a oportunidade de escolher primeiro – “Se escolheres a esquerda, irei para a direita; e se a direita escolheres, eu irei para a esquerda”. Abraão estava firme na promessa de seu Deus. Qual a diferença se fosse para um lado ou outro, desde que tivesse o seu Senhor a guiá-lo e confortá-lo? Então “levantou Ló os seus olhos, e viu... escolheu para si toda a campina do Jordão... e armou as suas tendas até Sodoma”. Tudo começou nos olhos, numa sequência em espiral decadente até chegar em Sodoma.
No momento em que deveria fechá-los para ouvir a voz do Senhor em oração, ele os arregala e se condena, pois o Senhor não seria favorável àquela ímpia cidade, pois “eram maus os homens de Sodoma, e grandes pecadores contra o Senhor”. “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz” (Mt 6.22). Quando houver dúvida, feche os olhos, e em calma e constante oração deixe que o Senhor te guie com Seus olhos oniscientes. Não é tarefa fácil, mas é muito produtiva. Dos olhos passamos para os ouvidos. Abraão será palco de dúvidas lançadas em seus ouvidos por sua própria esposa, e não há coisa pior que sermos tentados justamente por aqueles que poderiam e deveriam nos fortalecer. Mas se “riu-se Sara consigo” após ouvir a novidade da boca do próprio anjo do Senhor, após ter-lhes dito que seriam agraciados com o filho ‘impossível’ da velhice de um e da menopausa de outra, como poderíamos imaginar que Sara também não risse de seu marido mortal? Se não temeu a Deus, como temeria os homens? Marido e mulher devem andar juntos na estrada da fé, pois se um parece sucumbir, o outro levantará o caído. Podem frequentar alegres juntamente uma denominação qualquer, cantar juntos, louvar juntos, mas a prova da fé tirará tudo a limpo no tempo da angústia. Quanto a Abraão, as dúvidas de Sara chegaram aos seus ouvidos, aninharam-se ao longo dos longos anos de cobrança ‘sufocante’ em seu coração e encontraram eco em sua incredulidade natural. Não foi, não é e nem nunca será fácil continuar esperando o invisível, contra todas as possibilidades. O resultado todos sabemos: relacionamento sexual com sua serva, um filho que seria competidor com o filho da promessa que viria depois, amarguras, separações... “Sabendo que a prova da vossa fé opera a paciência. Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma” (Tg 1.3-4).
Meu próximo sentido será a boca, mais precisamente a boca de Isaque ao abençoar o filho ‘errado’. Já vimos em nota anterior que Jacó usou do artifício de se passar pelo irmão para usurpar a bênção que certamente viria pela espera paciente da fé. Mas a questão central é a pressa. Temos uma necessidade doentia de resolver as coisas que nos convêm antes do tempo, apressadamente, sem reflexão, sem oração, com artifícios e engenhos carnais que só trarão mais sofrimento.
É interessante notar de Isaque que “os seus olhos se escureceram, de maneira que não podia ver”, e temendo a morte pronuncia diante de Esaú: “Eis que já agora estou velho, e não sei o dia da minha morte”. Mas quando Jacó fugiu, depois de enganar seu irmão, viveu pelo menos 21 anos com Labão, e ao retornar ainda seu pai vivia. Sua necessidade de abençoar o filho predileto era tanta, que mesmo desconfiando ser ardil de Jacó, como ele mesmo desconfia: “A voz é a voz de Jacó, porém as mãos são as mãos de Esaú” – abre sua boca temerariamente e abençoa o filho ‘errado’. Jacó, mais a frente, já velho e quase cego no Egito, abençoa os filhos de José de forma invertida, de forma consciente, sem dúvidas (Gn 48). Imagino que deve ter lhe doído uma pontada no coração por lembrar seu erro no passado. Deste caso, eu me lembro particularmente de uma palavra – “A ninguém imponhas as mãos precipitadamente, nem participes dos pecados de outrem” (1 Tm 5.22). Fomos criados em Cristo Jesus para abençoar, mas de forma sóbria, espiritual, sem pressa inútil. Não queiramos abençoar o que o Senhor não tem intenção de abençoar (ou pelo menos não naquele momento!), ou podemos nos associar com coisas que Deus não aprova. Nesta hora, um pouco de calma e oração não farão nenhum mal. Trataremos a seguir do fascínio do mundo na figura do Egito.
5. Egito – fascínio do mundo Todo enredo de história tem seus personagens marcantes; não poderia ser diferente com este livro inspirado por Deus, mas escrito por homem. O Egito atua neste papel marcando as vidas dos principais atores deste ato inicial. Três dos quatro maiores personagens desta trama escorregaram por esta cidade magnífica que ainda desperta curiosidade tantos séculos passados. Aproveito para recomendar a leitura de um livro muito interessante – ‘Deuses, Túmulos e Sábios’ de C. W. Ceram (você pode encontrar o livro físico na estante virtual— ww.estantevirtual.com.br). Nosso pai da fé, Abraão, esteve lá. Havia fome na terra de suas peregrinações. Recorreu ao Egito, mesmo sabendo que teria que mentir a respeito de sua ‘esposa-irmã’ (Gn 12).
Houve refrigério físico? Houve! – “E era Abrão muito rico em gado, em prata e em ouro” quando de lá saiu. Houve a palavra do Senhor? Deus se cala! Somente quando ele sai do Egito (e não sabemos quantos anos ele peregrinou por lá) e retorna “até ao lugar onde a princípio estivera a sua tenda” (Gn 13.3), Deus o visita novamente. Voltou ao lugar de onde nunca deveria ter saído, apesar das dificuldades que sua jornada prometia. As dificuldades em nossa jornada da fé não nos isentam de viver pela fé, ainda que nos custem algum sacrifício. Mas devemos perdoá-lo, pois ainda não conhecia um princípio divino proclamado pelo antítipo* de seu filho que ainda não tinha nascido, Isaque, e que teria que sacrificar simbolicamente. “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4).
Se a boca humana esquecer a divina, talvez Deus se ‘esqueça’ por um momento da humana. Mas graças a Deus, em Cristo, ainda que fujamos das dificuldades, Deus contudo mantém estendida sua misericórdia e graça. Isaque foi impedido de descer ao Egito – “Não desças ao Egito; habita na terra que eu te disser” (Gn 26.2), pois certamente já vinha em seu coração peregrinar por lá, tinha seu pai por exemplo. O Senhor se antecipou ao seu caminho. Mas mesmo indo aos filisteus por permissão do Senhor, sofrerá as consequências por se misturar com um povo que não é seu, em terra que não é sua. Aqueles que são chamados pelo Senhor devem caminhar diante do Senhor, sem olhar para a direita ou esquerda. Jacó desceu ao Egito, mas paulatinamente. Primeiro mandou seu filhos negociarem ali, pois “eis que tenho ouvido que há mantimentos no Egito” (Gn 42.2). Certo é que o Senhor queria descobrir toda a vergonha de seus irmãos que tinham vendido seu irmão caçula, José, e que viria a ser o “governador daquela terra”. Vamos entrelaçar um pouco as histórias. José tornou-se grande, poderoso, com mulher e filhos dados por Faraó, bem distante de uma peregrinação familiar pelos caminhos de uma pobre Palestina. Pareceu-lhe melhor viver ali, distante dos caminhos destinados a Abraão, vivendo longe de sua família (difícil imaginar o sofrimento e angústia que este pobre rapaz sentiu ao ser vendido como escravo pelos seus próprios irmãos!). Mas o que nos interessa é que ficou ali, e em vez de sair e retornar aos caminhos da peregrinação, chama seu pai para lá. “E fazei saber a meu pai [Jacó] toda a minha glória no Egito, e tudo o que tendes visto, e apressai-vos a fazer descer meu pai para cá’ (Gn 45.13).
Jacó, por sua vez, responde ansiosamente, esquecendo suas responsabilidades: “Basta; ainda vive meu filho José; eu irei e o verei antes que morra” (45.28). E o próprio Deus permitirá e incentivará sua descida ao Egito – “Não temas descer ao Egito, porque eu te farei ali uma grande nação. E descerei contigo ao Egito, e certamente te farei tornar a subir” (46.34). Mas ali ensinará ao povo que crescerá fora de sua terra, que uma terra estranha, ainda que gloriosa e farta, não pode acrescentar nada à vida espiritual deles, não pode nos elevar à altura dos desígnios de Deus, mas somente rebaixar. Do Egito, e por analogia, deste mundo, Deus só pode proclamar: “Ai dos filhos rebeldes, diz o SENHOR, que tomam conselho, mas não de mim; e que se cobrem, com uma cobertura, mas não do meu espírito, para acrescentarem pecado sobre pecado; que descem ao Egito, sem pedirem o meu conselho; para se fortificarem com a força de Faraó, e para confiarem na sombra do Egito. Porque a força de Faraó se vos tornará em vergonha, e a confiança na sombra do Egito em confusão” (Is 30.1-3). O mundo e suas delícias, um dia serão condenados à sombra e ao vestígio, como a figura que escolhi para esta nota bem atesta. Cabe ao cristão escolher se dará suas maiores energias ao que virará pó, ou ao que permanece para sempre! Mudaremos o foco a seguir, passando do glorioso Egito para a obscura Palestina. *Um tipo é uma figura simbólica que serve de modelo para ilustrar um fato que se cumprirá a frente. Seu antítipo é a realização da figura. Isaque é tipo de Jesus, Jesus é antítipo de Isaque.
6. Palestina – entrave do mundo A simples posição geográfica da Palestina em meio a duas regiões imperiais importantes, o Egito ao Sul e Mesopotâmicas ao norte, sempre relevou este pequeno território a mera passagem de exércitos, sempre se colidindo em guerra. Um observador assim declarou de seu melhores rios: – “Não são porventura Abana e Farpar, rios de Damasco, melhores do que todas as águas de Israel?” (2 Re 5.12). E ele nem falava de um Nilo ou um Eufrates! Mas é aqui, onde nada atrai de si mesmo, que Deus escolheria o lugar de peregrinação e posterior posse de um povo formado por Ele mesmo. Vários pequenos povos viviam ali: jebuseus, fereseus, amorreus, amalequitas... E aqui começam os problemas: povos já estabelecidos com suas famílias, seu gado, sua cultura, suas vidas, e de repente! aparece um pequeno clã vindo do norte que recebeu ordens diretas de um Deus (havia tantos!) de que toda aquela terra seria dada a eles. Não sei quanto a vocês, mas acho que ninguém daria sua possessão de mão beijada – uma terra trabalhada, suada,
conquistada dia a dia – a um povo que aparece do nada com um ‘deus’ estranho. Mas o Criador de todas as coisas dera esta ordem e esta terra, começando por um homem. “E te darei a ti [Jacó] a terra que tenho dado a Abraão e a Isaque, e à tua descendência depois de ti darei a terra” (Gn 35.12). Deus gosta de tratar com o pequeno, com aquilo que todos dão pouco valor, com o desprezado, com o ínfimo, exatamente para confundir os fortes, os grandes, os que se dão a si mesmos muito valor, mas tendo bem pouco aos olhos de Deus. Foi assim com Abraão, com Moisés, Elias, Davi, Jeremias, Jesus, Paulo... A verdade de Caim e Abel estão eternamente em jogo: o suor versus o sacrifício, a vontade humana ou a vontade divina, o mérito ou a graça. E sempre o Senhor desprezará o suor do esforço e das motivações próprias, mas renderá graças ao Seu conselho eterno.
“O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade” (Is 46.10). “Porque a terra é do Senhor e toda a sua plenitude” (1 Co 10.26). A terra da Palestina foi dada a Abraão e sua posteridade, a despeito de toda incredulidade e dureza de coração deste povo, tão insistentemente provado nas Escrituras deste mesmo povo.
Apesar de Israel estar assentado agora indevidamente em parte de seu território prometido (tocaremos neste assunto em momento oportuno); apesar de ter crucificado seu Messias; apesar de perseguir e matar tantos profetas da parte de seu Deus, esta terra pertence a eles, ninguém pode alterar esta realidade. Alguém pode contestar, pode achar cruel e arbitrária esta decisão, mas é algo que deverá resolver com Deus e Sua Palavra, e que tentaremos lançar luz à medida que avançamos nestas Notas.
Quanto à terra em si mesma, três características marcantes são postas em relevo em Gênesis: a fome cíclica¹, a violência² e a obtenção de água³. ¹“E havia fome na terra, além da primeira fome, que foi nos dias de Abraão; por isso foi Isaque a Abimeleque, rei dos filisteus, em Gerar” (Gn 26.1). ²“E perguntando-lhe os homens daquele lugar acerca de sua mulher, disse: É minha irmã; porque temia dizer: É minha mulher; para que porventura (dizia ele) não me matem os homens daquele lugar por amor de Rebeca; porque era formosa à vista” (Gn 26.7). Nem vamos falar da guerra dos 5 reis contra 4 reis em que Abraão esteve envolvido por causa de Ló (Gn 14). ³Para embasar o problema da água (associada a alguma medida de violência), leia somente os 5 versículos de Gn 26.18-22 (https:// www.bibliaonline.com.br/acf/busca?q=Gn+26%3A18-22).
O que vale a pena ser discutido, pensado e vivido por todo cristão maduro, nesta época de tanta incredulidade e desafios, é a resposta do Senhor a estes servos do passado, e estendido aos do presente – “Eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores” (Gn 28.15). Gosto de um pensamento de Spurgeon que fiz questão de decorar:
“Aquele que nos foi preparar o Céu, não nos deixará sem provisão em nossa jornada até lá.” Em nosso próximo e final capítulo (para este Livro!) abordaremos os limites que demarcam o Êxodo.
7. Nos limites do Êxodo Adão saiu expulso da presença contínua e santa do Criador logo nas primeiras impressões de Gênesis. E antes de seu término, Jacó e sua semente deslocam-se da terra prometida para a aparência gloriosa do Egito. Mas ambas as saídas trazem consequências danosas, humilhantes, escravizantes.
Mas pela graça de Deus (sempre ela!), Adão saiu com a esperança de sua salvação já simbolizada pela morte de uma animal inocente que o cobriu de suas vergonhas. Jacó saiu com a promessa de que um dia sua semente seria grande mesmo no Egito. "E disse: Eu sou Deus, o Deus de teu pai; não temas descer ao Egito, porque eu te farei ali uma grande nação" (Gn 46.3). Mas o mais gracioso, que conforta qualquer coração diante de tantas dúvidas e temores, é a presença bendita do Senhor. "E [EU] descerei contigo ao Egito, e certamente te farei tornar a subir" (46.4). O nosso Deus é um Deus que está disposto a se baixar, a se humilhar por amor de seres que habitualmente se elevam aos seus próprios olhos. Que contraste! Nós nos elevamos em nossas insuficiências óbvias, e Deus se rebaixa em Sua suficiência divinamente plena.
O Deus que chamou Abraão era desta preciosa e única qualidade, confere com o mesmo Deus que prometeu a Eva uma semente que esmagaria Satanás (3.15) através de Seu sofrimento. Caro leitor e leitora! Deus fez tudo que podia para sua salvação. Seu Filho Se entregou na cruz por amor a nós, não o recusemos pois. "Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rm 5.8).
Mas voltando ao nosso assunto, a ida da semente de Abraão a uma terra alheia já havia sido profetizada logo ao início de suas peregrinações. "Então disse a Abrão: Saibas, de certo, que peregrina será a tua descendência em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos, mas também eu julgarei a nação, à qual ela tem de servir, e depois sairá com grande riqueza... E a quarta geração tornará para cá; porque a medida da injustiça dos amorreus não está ainda cheia" (15.13-16). Pelo menos três objetivos são buscados. 1. Deus ensinará a disciplina dura da escravidão pela servidão, para tornar maior aos olhos do povo escolhido os valores da liberdade pela redenção; 2. Deus julgará a nação ímpia que usou de astúcia vil e mundana para subjugar o povo que só lhe fez bem na pessoa de José;
3. Deus aguardará pacientemente a fermentação completa do mal daquelas nações que serão desapossadas de sua terra. Assim, encerramos estas notas de Gênesis, esperando que tenha de algum modo ajudado a alicerçar os princípios morais e espirituais que Deus exige de seus filhos, bem como desejamos que o leitor e leitora continuem nesta jornada por entre a Palavra escrita de Deus.
Êxodo
1. Concepção Acabamos de ler nas 7 notas de Gênesis que a prorrogação da entrada do povo da terra prometida tinha 3 objetivos, e que explanaremos agora nestas novas notas em Êxodo. A família inicial se multiplica abençoadamente, vista do ponto divino, e ameaçadoramente pela ótica egípcia. Tornaram-se um grande povo – com seu Deus único – dentro de outro bem comandado e – seus vários deuses. Haviam entrado sob permissão do Faraó de então, como homens livres que eram, e agora não podiam mais sair, passados 4 séculos de lenta subordinação. Homens livres passaram a ser escravos! E não é assim que muitos cristão se têm tornado hoje?! Começam livres, mas as provações da vida, as comodidades, as desculpas, os medos, a falta de fé, de compromisso, de esperança, tudo vai solapando paulatinamente as forças morais e espirituais, ao ponto de não reconhecerem a própria situação em que se encontram. Mas bendito seja Deus! sua inércia será motivo e razão para uma das mais poderosas e marcantes ações de Deus. Ele mesmo, através de um servo escolhido (sempre a incompreendida eleição!), trará este povo tão numeroso para fora, conduzindo-os por território estranho e deserto. E que ensejará novas tratativas e provisões, não mais com um povo escravizado, mas liberto pelo seu Deus e de caminho para casa. Mas a maior das dádivas, bem além da libertação física, é o modelo de um tabernáculo que os aproximaria eternamente do Eterno, com uma ordem sacerdotal inédita que garantisse sua continuada pureza. Não bastava libertar; aprazia a Deus santificar e glorificar pelos instrumentos representados por toda a mobília dos átrios do Senhor.
Mas a um santuário celestial contrastava uma Lei dada, não uma, mas duas vezes pelas mãos de Moisés. Poderíamos dizer que a graça os havia libertado do Egito, mas a lei os haverá preso pela rigidez intransigente da justiça. Neste sentido, um novo homem será levantado, Aarão – o pontífice mais elevado, apto não só a oferecer sacrifícios de louvor a Deus, mas reconciliar todo um povo que quebra insistentemente as leis de seu Deus.
Estes dois homens guiarão o povo por um tremendo e inóspito deserto, ora apertado pelas justas exigências de Deus, representado por Moisés, ora folgado pelas ternas misericórdias de Deus, em Aarão. Em nossa próxima nota, traçaremos um perfil sobre o chamado de Moisés, 'o homem mais manso que todos os que havia na terra' (Nm 12.3).
2. Moisés – o chamado Moisés, o menino ‘tirado das águas’, significa muito mais que o ato em si mesmo. Simbolicamente, já que será incumbido de ser o mediador da Lei de Deus (Gl 3.19-20), fala de um povo que será tirado das leis limitadas de um mundo que jaz no maligno, e elevado ao padrão moral e espiritual de seu Deus Justo e Santo.
Para a figura da água basta a confirmação de Ap 17.15: “As águas que viste, onde se assenta a prostituta, são povos, e multidões, e nações, e línguas”. Esta figura se entremete em inúmeras porções da Escritura. Israel, tirado das águas, não pertencerá mais ao mundo que adora o ‘Deus desconhecido’ retratado bem mais à frente pelo apóstolo Paulo, mas será “a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha” (19.5).
Moisés, criado ou malcriado no esplendor do Egito, terá de sair desta terra que cultua seu divino rio, para purificar-se em separação longa de 40 anos numa terra distante, Midiã. Mas, no momento exato de sua chamada para libertar seu povo (cap. 3); diante de uma visão única de um espinheiro que queimava mas não consumia; diante da voz audível de seu Deus; diante da promessa de libertação que ele mesmo um dia desejou, neste momento ímpar de sua vida, titubeou, negou. Era como se dissesse nas entrelinhas: – Agora?! Quando eu tinha alguma força política aos 40 anos, eu tive de sair fugido. E agora que sou um simples pastor, rebaixado aos olhos de todos os homens, o Senhor me convoca depois de 40 anos?! Agora quem não quer sou eu!
Não fazemos assim também em nossas vidas? Ora, o povo era de quem? O tempo era de quem? Quem prometera sua liberdade da escravidão cerca de 500 anos antes para Abraão? Esta é a marca da humanidade. Quando tem que esperar age, como quando Moisés mata em nome de Deus (2.14), e quando é convocado recusa, pois nosso tempo é mais precioso que o de Deus. Nossas prerrogativas têm mais urgência que as Dele. Ora deixemos Deus escolher o tempo, a ocasião, o modo, a duração, pois ninguém melhor do que Ele pode saber o que é melhor para seu Reino e seus filhos! Se é que queremos fazer Sua Vontade... Mas ele acaba indo. E para convencer o seu povo de que ele foi eleito para libertá-lo, está habilitado a fornecer 3 sinais: a serpente, a lepra e o sangue (cap. 4). “A antiga serpente, que é o Diabo e Satanás” (Ap 20.2), todos conhecemos. O símbolo assinala mais que uma escravidão pelas mãos de Faraó, mas de algo que vai além. O Egito escraviza o corpo, Satanás escraviza a alma. A vara de Moisés, símbolo de autoridade governamental e medida de juízo, representativamente falando, insinua que o jugo começou como algo meramente humano, mas terminou na escravidão espiritual das almas. Pelas mãos de Moisés, o governo do diabo e seu filho Faraó tornariam às mãos de Deus, sinal de Moisés pegando a serpente pela cauda e retornando à simples vara. A lepra, em toda escritura, não fala simplesmente do pecado, mas do pecado que se alastra, corrói, contamina. A mão direita de Moisés tornada em lepra mostra que Israel, debaixo da autoridade egípcia, se corrompera, se contaminara com seus usos e costumes. Mas o Senhor mesmo purificará esta nação, através da mão inflexível da justiça de Moisés. No entanto, se estes dois símbolos ainda não os convencesse, havia o terceiro, e ninguém deve ter dúvidas de seu uso, embora a Escritura se cale a respeito. Todos conhecem ou deveriam conhecer o coração humano, este ‘pequeno inferno’, como disse alguém. A água transformada em sangue, ao meu ver, fala do que vínhamos propondo nas notas anteriores. O Egito, visto pelo patriarca
Jacó como alívio de seus sofrimentos e de sua família, passa da esperança para a opressão, da vida na companhia de Deus à morte ao lado de Faraó. A cômoda e refrescante água buscada em fonte que não o Senhor, transforma-se em sangue das chicotadas de seus exatores. Não seria justo que Deus desse a beber deste sangue como recompensa aos instrumentos da injustiça?! Podemos antever Apocalipse distante deste evento cerca de 3.500 anos. “Visto como derramaram o sangue dos santos e dos profetas, também tu lhes deste o sangue a beber; porque disto são merecedores” (Ap 16.6). Um juízo terrível se abaterá sobre toda a nação que soube se aproveitar dos ‘serviços’ de um povo que deveria ser livre. E não estamos muitas vezes nós mesmos presos a estas condições – toda a escravidão proporcionada pelo mundo e o diabo, toda contaminação advinda do mundo e de nossas fraquezas morais e a distância que opera morte?
Bendito seja Deus! É nesta hora mais sombria que o Senhor se levanta! Mas isto comentaremos a seguir analisando o segundo momento de Moisés, agora sob o gracioso peso da libertação!
3.
Moisés – a libertação
Parece que depois de Moisés se juntar a Arão ele se transforma. Titubeou diante de Deus, mas depois dos sinais magníficos, da empresa maravilhosa e comissionada, de seu retorno à terra que tinha sido criado, de misturar-se ao seu sofrido povo que agonizava, uma revolução reorganizara seus pensamentos, seus sentimentos – sua fé.
Arão, figura de Jesus sacerdote e mediador, só lhe fez bem. E não é assim em nossas vidas?! Quanto não vacilamos até encontrarmos nosso Sumo Sacerdote! E depois, lavados e transformados pelo seu sacrifício na cruz, tudo fica no longínquo passado – “Eis que tudo se fez novo” (2 Co 5.17). Quarenta anos no Egito, no ‘primor’ da sociedade de então, de nada serviram a Moisés. Quarenta anos no deserto só ressecaram sua alma e espírito. Mas por um chamado pessoal, único e poderoso, renovou suas forças, e pouco a pouco desafiou não só um império, mas todas as hostes infernais. Mas o que realmente queremos enfatizar nesta nota são os 11 sinais-juízos pelas mãos de Moisés e o seu poder de convencimento (cap. 8 a 10). A vara vivificada em serpente, as águas tornadas em sangue, a praga das rãs, a praga dos piolhos, a praga das moscas, a pestilência sobre os animais da casa de Faraó, o sofrimento pela sarna, a saraiva misturada a fogo, o flagelo dos gafanhotos e o pavor das trevas não foram suficientes para libertar Israel.
É certo que Faraó chegou a titubear em certos momentos, mas era algo mais parecido com temor supersticioso que o entendimento pleno que aquele povo escravo tinha o único Deus Vivo e Verdadeiro, somado ao desplante de querer libertá-lo a qualquer custo. O último castigo então foi decisivo. A morte sentida em cada lar egípcio, pela morte de todo primogênito tanto de homens como de animais (pois estes apesar de não serem culpados intrinsecamente, estavam associados à natureza da escravidão e do pecado), resolveu a questão.
“E haverá grande clamor em toda a terra do Egito, qual nunca houve semelhante e nunca haverá; mas contra todos os filhos de Israel nem ainda um cão moverá a sua língua, desde os homens até aos animais, para que saibais que o Senhor faz diferença entre os egípcios e os israelitas” (11.6-7). Mas também houve morte no arraial israelita, um tanto diferente, claro! – uma morte substitutiva. Somente quando houve derramamento de sangue de um inocente, houve perfeita libertação. O sangue da “Páscoa do Senhor” derramado para cada família era o elemento libertador eficaz, único, precioso, extremo. Aqueles sofreram por seus próprios méritos, estes ficaram livres por mérito divino. Novamente o suor pelo sangue, a lei contra a graça, o homem versus Deus, a salvação por Outro ou a perdição por si mesmos.
O mesmo sangue da Páscoa que trouxe plena libertação ao povo oprimido foi o que condenou cabalmente o opressor. Isto me lembra uma palavra já sob o Novo Testamento. “Para estes certamente cheiro de morte para morte; mas para aqueles cheiro de vida para vida” (2 Co 2.16). E não temos as mesmas escolhas hoje?! Podemos continuar em nossos pecados, afastados de Deus e rebeldes ao Seu chamado. Ou podemos aceitar o sacrifício Vivo enviado por Deus – “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. “Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (Hb 4.16). Passaremos em seguida à terceira fase de Moisés, já no deserto, com o encargo da mediação da Lei.
4. Moisés – a mediação da Lei que enaltece Sob qualquer perspectiva humana que possamos analisar, o envolvimento com Deus é sempre progressivo, pelo simples fato de que o homem está preso ao tempo, é seu cárcere.
O Eterno já havia prometido a Abraão e sua semente, como já vimos, uma terra em possessão eterna. Então Ele acrescenta nova diretriz ao povo pelo terceiro mês da saída de Israel: “Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha” (19.5). Este povo, embora saído por graça e sangue, deve ser elevado ao padrão moral e espiritual do seu Deus, como falamos antes.
Assim, as primeiras tábuas da Lei são dadas (Êx 20 em diante) como artifício divino para prover pelo menos duas coisas: 1- ao mesmo tempo que dita regras para um convívio santo entre os próprios membros e entre seu Deus, 2- condena este povo que não pode andar dignamente pela simples observação da Lei. Comentaremos o primeiro ponto. O segundo fica para a próxima nota. Um povo saído de sua longa escravidão em terra estranha e contaminada tinha necessariamente de manter um relacionamento diferenciado com seu Deus. Não era um deus qualquer que não se importava com os caminhos de seu povo. Não era o deus desconhecido de nossos dias que pouco se importa com os destinos dos homens. Era um Deus único, vivo e diferenciado, que ainda ‘hoje’, sob novas circunstâncias, busca e forma uma ‘propriedade peculiar dentre todos os povos’. Quanto a eles, Deus fala por Moisés:
“E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo” (19.6). Quanto a ‘um reino sacerdotal’ trataremos na 6ª Nota. Quero enfatizar a necessidade de ‘o povo santo’. Só para diferenciar, o Egito era em certa medida um reino sacerdotal, mas estava longe de ser o povo santo. A Lei em si mesma, conforme Rm 7.12, “é santa, e o mandamento santo, justo e bom”.
Era a expressão moral e espiritual mais elevada de Deus para aquele momento e para aquele povo. “E ser-me-eis homens santos” (22.31) – esta era a exigência inflexível digna daquele Deus santo que os libertara sob sangue. Ele podia exigir zelo da forma mais elevada – “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão” (20.7); quanto podia se preocupar com uma pobre moça virgem violada – “Se alguém enganar alguma virgem, que não for desposada, e se deitar com ela, certamente a dotará e tomará por sua mulher” (22.16).
Do ponto de vista de Israel, Moisés só poderia concluir: “E o Senhor nos ordenou que cumpríssemos todos estes estatutos, que temêssemos ao Senhor nosso Deus, para o nosso perpétuo bem, para nos guardar em vida, como no dia de hoje” (Dt 6.24). Se o sangue da Páscoa falava em redenção, a Lei falava em santificação. A nova posição do povo exigia uma nova conduta dele, “pois o nome do Senhor é Zeloso; é um Deus zeloso” (34.14).
Também para nós, sob a graça do Novo Testamento, Deus espera “coisas melhores, e coisas que acompanham a salvação” (Hb 6.9). Não basta perdão, reconciliação, redenção. Ele deseja que sejamos ‘transformados pela renovação do entendimento, para que experimentemos qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus’ (Rm 12.2). A filiação cabe ao Pai. Nossa postura diante Dele cabe a nós.
Mas Israel pecou no momento exato em que as primeiras tábuas da Lei eram escritas pelo dedo divino. O que comentaremos na nota seguinte, sob o aspecto negativo da Lei.
5.
Moisés – a mediação da Lei que condena
Não havia melhor lugar para instaurar a Lei de Deus – o deserto. Pois no deserto não há eco, não há nada que favoreça seu cumprimento, pelo simples fato de que não há vida ali.
Como bem atesta Paulo simbolicamente, “a lei é espiritual; mas ‘o povo era’ carnal, vendido sob o pecado” (Rm 7.14). “Logo, para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita” (Gl 3.19). Temos que recorrer ao Novo Testamento para elucidar a questão da fé versus a Lei. “Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados” (Rm 2.13). Mas como poderiam cumprir esta Lei se eram carnais, como vimos acima pela boca de Paulo, judeu por excelência? Isto torna “evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé” (Gl 3.11).
São recursos, instrumentos, ou mesmo competências antagônicas. Toda a Lei divina, espiritual e santa não pode ser cumprida pela carne ou pelo esforço de qualquer homem, por mais ‘distinto’ que seja. Paulo vai novamente trazer lições aos judeus de seu tempo e para os que hoje querem se justificar pela Lei. “E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê” (At 13.39).
‘Ele’ é o personagem divino retratado dois versos antes – “aquele a quem Deus ressuscitou”. “Cristo nos [judeus conforme o contexto] resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós” (Gl 3.13). Por esta razão a Lei é dada duas vezes – pois a primeira foi anulada pela grossa idolatria de Israel ao adorar um bezerro em festa promíscua, tendo como consequência a quebra das tábuas pelas mãos de Moisés (cap. 32).
As segundas tábuas, então, falam da posteridade que viria para cumpri-la cabalmente, no mesmo sentido que fala Paulo aos Gálatas em relação à promessa. “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo” (Gl 3.16). Cristo, como recebedor das promessas, cumpriu a totalidade da Lei para liberar o povo que deveria viver pela fé. “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim abrogar [revogar, anular], mas cumprir” (Mt 5.17). “Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. “Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado” (Rm 3.20). “Logo, tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno” (Rm 7.13). Diante de uma Lei que não pode ser quebrantada por causa da justiça inflexível de Deus, só resta um recurso – um substituto! A próxima nota falará dele – Aarão, o mediador das culpas.
6.
Aarão – o mediador das culpas
As traduções mais frequentes de seu nome – ‘o exaltado’, ‘o elevado’, ‘aquele que traz luz’ segundo o Dicionário de Strong – colocam em distinção única sua sagrada pessoa. Não que houvesse algo de sagrado intrinsecamente, mas seu ofício desempenhava uma atuação ímpar – oferta e perdão.
Ele é figura da mais santa oferta e do mais gracioso perdão jamais concedido em qualquer tempo à humanidade – Jesus, O Nome sobre todo e qualquer nome. Tudo o que a Lei (pelas mãos de Moisés) não pôde aperfeiçoar, a misericórdia e a graça (pelas mãos de Arão) santificou e prometeu aperfeiçoar para sempre. “Também ungirás a Arão e seus filhos, e os santificarás para me administrarem o sacerdócio” (30.30). E como diz Hebreus a respeito destes sacerdotes tão humanos: “Porque todo o sumo sacerdote, tomado dentre os homens, é constituído a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados; e possa compadecer-se ternamente dos ignorantes e errados; pois também ele mesmo está rodeado de fraqueza” (Hb 5.1-2).
Eis a contradição suprema: apesar de estar rodeado de fraqueza, oferece dons e sacrifícios a favor dos homens nas coisas concernentes ao próprio Deus. Não ilustra perfeitamente nossa própria condição neste tempo?! Ainda que pecadores resgatados em Cristo, com toda nossa fraqueza inerente, somos constituídos seus embaixadores, como bem demonstra Paulo:
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados... De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse” (2 Co 5.19 e 20). Há um abismo intransponível a qualquer homem entre um verso e outro: antes – um pecador destituído de qualquer privilégio; agora – embaixadores de Cristo! Os extremos só puderam ser unidos porque Um se rebaixou para nos elevar. Diferentemente de Arão que tinha, “como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e depois pelos do povo”, Jesus apareceu “uma vez, oferecendo-se a si mesmo” (Hb 7.27). Aqueles, por serem pecadores e mortais, ofereciam sacrifícios contínuos; este, por Sua perfeição e eternidade, ofereceu-Se a Si mesmo. Ousaria alguém dizer que não estamos em melhores condições do que eles, “porque não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Rm 6.15)?!
Se algum deles quebrasse qualquer porção da Lei, tinham a quem recorrer: os sacerdotes que os representavam diante de Deus. “Assim Arão levará os nomes dos filhos de Israel no peitoral do juízo [justiça advinda do tribunal] sobre o seu coração, quando entrar no santuário, para memória diante do Senhor continuamente” (28.29). Somente os dons e sacrifícios da ordem sacerdotal Aarônica impedia que Deus os destruísse ao quebrarem a Lei. “Se tu, Senhor, observares as iniquidades, Senhor, quem subsistirá? Mas contigo está o perdão, para que sejas temido” (Sl 130.3-4).
Certo é que seus pecados não eram removidos, apagados, esquecidos, perfeitamente pagos como hoje somos privilegiados através do sacrifício de Jesus. Mas suas ofertas indicavam que um dia tudo seria plenamente quitado pela única oferta viva que fosse digna de Deus. “Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus; que não necessitasse, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e depois pelos do povo; porque isto fez ele, uma vez, oferecendo-se a si mesmo. Porque a lei constitui sumos sacerdotes a homens fracos, mas a palavra do juramento, que veio depois da lei, constitui ao Filho, perfeito para sempre” (Hb 7.26-28). Ó querida e querido leitores, já se reconciliou com Deus pela fé no sacrifício perfeito de Cristo? E se já reconciliado, tem se portado como embaixador de Deus neste mundo de trevas? Não descanse enquanto não puder responder positivamente a estas perguntas, pois elas serão retomadas um dia pelo justo juiz. Para a santa atuação destes sacerdotes em favor de seu povo, Deus instruirá a construção de um tabernáculo, apto para apresentar homens pecadores a um Deus Santo que requer justiça. Este será nosso próximo assunto – o Tabernáculo.
7. O Tabernáculo O deserto era o melhor lugar para a implantação de um tabernáculo que representasse Deus e Sua santa presença. Como já dissemos antes a respeito da Lei, neste lugar seco nada há que insinue algo de bom ou louvável no homem. É lugar de secura e morte, símbolos perfeitos para uma humanidade caída. Mas é lugar perfeito para o Senhor demonstrar sua misericórdia e graça. “Porque um tabernáculo estava preparado, o primeiro, em que havia o candeeiro, e a mesa, e os pães da proposição; ao que se chama o santuário. Mas depois do segundo véu estava o tabernáculo que se chama o santo dos santos, que tinha o incensário de ouro, e a arca da aliança, coberta de ouro toda em redor; em que estava um vaso de ouro, que continha o maná, e a vara de Arão, que tinha florescido, e as tábuas da aliança; E sobre a arca os querubins da glória, que faziam sombra no propiciatório; das quais coisas não falaremos agora particularmente (Hb 9.2-5). Se o leitor e leitora quiserem entrar mais minuciosamente no assunto, já que não podemos nos alongar aqui, pode ler o livro – O Tabernáculo em pormenores – pelo link https://issuu.com/ministerioescrito/docs/tabern__culo Este era o único lugar apropriado para o exercício ministerial de Arão e seus filhos – homens separados por Deus em um lugar preparado por Deus. E o mais espantoso: “E me farão um santuário, e habitarei no meio deles” (25.8). O que se conclui por exclusão, que Deus não habitava em meio a mais nenhum povo naquele período. Por causa de sacerdotes santificados, com vestes apropriadas, que ofereciam sacrifícios agradáveis a Deus, em um tabernáculo que representava o próprio céu, é que Deus podia habitar ali. Graciosa presença!
E não é exatamente assim conosco, nestes tempos de fria formalidade?! “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1 Pe 2.5). Também Deus não pode habitar em nenhum mortal que não esteja nestas condições específicas. Embora haja muito que se falar do Tabernáculo, pretendo apenas resvalar em 2 pontos.
Comecemos pelo sacrifício contínuo. “Isto, pois, é o que oferecereis sobre o altar: dois cordeiros de um ano, cada dia, continuamente. Um cordeiro oferecerás pela manhã, e o outro cordeiro oferecerás à tarde... por cheiro suave; oferta queimada é ao Senhor. Este será o holocausto contínuo por vossas gerações, à porta da tenda da congregação, perante o Senhor, onde vos encontrarei, para falar contigo ali” (29.38-42).
Este sacrifício contínuo fala intimamente da oferta de Cristo, não aos homens, mas a Deus. É uma oferta de cheiro suave, diferente de outros sacrifícios que são para as culpas do homem. É Cristo ofertando-Se ao Pai. Não fala dos pecados do homem, mas da necessidade da justiça executada por um substituto – Cristo. Antes da salvação proposta ao homem, há uma vontade aceita da parte do Filho em agradar o Pai dentro do plano eterno. “Então disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hb 10.9).
“Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6.38). Assim como na fórmula do ato criativo do mundo em cada dia de Gênesis, “e foi a tarde e a manhã...”, também a mesma fórmula é usada aqui para este holocausto, pela manhã e pela tarde. Significa que Deus estava plenamente disposto a perdoar primeiramente ao judeu, já que o tabernáculo era para aquele povo tirado do Egito. Mas que também os outros povos, em seu determinado tempo, também veriam estendida esta bem aventurança.
Deus era propício, através do holocausto contínuo de animais inocentes, a perdoar qualquer judeu que tivesse quebrado a lei dada por Moisés. Assim como – hoje – Deus está disposto e propício a perdoar qualquer pecador que se aproxime pela fé ao cordeiro divino. “Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2 Co 5.19). Em apenas um ano, 730 cordeiros inocentes eram sacrificados, tudo para indicar que no momento oportuno de Deus para a humanidade, Um único sacrifício divino e eterno viria a cumprir plena “salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego” (Rm 1.16). Mas passemos ao segundo ponto, e este fala da sombra sobre o propiciatório como lemos logo acima. A glória dos querubins sombreando o propiciatório de ouro mostra de forma precisa o que Hebreus mesmo lança luz. “... aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hb 2.9). Eis aqui o caráter propiciatório de Cristo em sua morte substitutiva que o rebaixava ante os próprios anjos. Mas se houve esta sombra sobre Jesus, ao se mostrar propício aos pecadores, Hebreus também esclarece. “Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos...” (Hb 2.9).
“Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas” (Ef 4.10). Um dia Ele se rebaixou até a morte para que nós pudéssemos, pela fé, ser elevados até a vida dele mesmo. E você que me lê agora, conhece este Jesus assentado à destra da Majestade que um dia Se assentou no vale da sombra da morte por você? Pois este conhecimento fará toda a diferença em sua existência, nesta e na próxima.
LevĂtico
1.
Concepção
É fácil demonstrar o tema central, a linha mestra que dirige todo este sagrado livro. Basta visualizar a imagem-tabela anterior, quando fizemos uma simples busca pela palavra ‘santo’ e ‘santíssimo’ (segundo a Concordância Bíblica da SBB de 1997). Interessante notar que o incremento percentual de Levítico sobre Êxodo para os 2 termos (santo 22-52 e santíssimo 5-12) são praticamente idênticas: um acréscimo de 136% e 140% respectivamente. O resultado parece nos insinuar o seguinte. Gênesis é o lugar da queda, do afastamento, não há que procurar algo que não se pode encontrar. Êxodo é o caminho que se abre para uma possível santidade ainda por vir, já que um povo seria libertado da escravidão representativa do pecado. Levítico é a cena ideal em que Deus pode buscar e exigir santidade. Em Levítico se faz a maior e mais complexa exigência divina: “Porque eu sou o Senhor, que vos fiz subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo” (Lv 11.45). Mas devemos lembrar – a sagrada exigência se atrela unicamente ao povo que saiu do Egito, libertado, como vimos, pelo sangue da Páscoa. Como já falamos anteriormente, o Deus santo exige santidade daqueles que são aproximados Dele, não há outra maneira de prosseguir neste relacionamento. A ordem é bela, sublime, necessária: ‘Eu vos libertei da escravidão para ser o seu Deus, portanto, devido à minha santidade – já que Eu Sou o Senhor – posso exigir que andem em conformidade à minha natureza’. Se podem ou se vão andar nesta regra é outra questão. E já adiantamos que não vão. Já dentro do santuário erguido, mencionado
na última nota em Gênesis, dois filhos de Arão serão consumidos por levarem um fogo ‘estranho’ ao altar (Lv 10). Haviam acabado de ser ungidos para o sacerdócio mais sublime (cap. 8 e 9). Passaram por 3 etapas de purificação e adaptação para exercerem seu ministério (cap. 8 em diante) – unção, consagração e santificação – conforme já se havia estipulado em Êxodo 29. Mas tudo era elevado demais e a ‘carne’ subia o tom. Todos decaíram ao ponto de, ao final do mesmo livro, o Senhor colocar bênçãos e maldições (cap. 26 e 27) condicionando uma existência feliz ou precária pela atitude deles ante Suas leis. “Se andardes nos meus estatutos, e guardardes os meus mandamentos, e os cumprirdes, então eu vos darei as chuvas a seu tempo...” (26.3-4). “Mas, se não me ouvirdes, e não cumprirdes todos estes mandamentos... Então eu também vos farei isto...” (26.14-16).
Podemos hoje agradecer e louvar ao nosso Senhor por não seguirmos leis escritas em pedra, pois, além da habitação permanente do Espírito Santo, “todas quantas promessas há de Deus, são nele [em Cristo] sim, e por ele o Amém, para glória de Deus por nós” (2 Co 1.20). Graças ao sangue de sua cruz, Cristo “nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” (Ef 1.3-4).
A santidade também nos é exigida como consequência da eleição divina, porém com a diferença de não estarmos presos pelas leis dadas a Israel. Falando de Jesus, “agora alcançou ele ministério tanto mais excelente, quanto é mediador de uma melhor aliança que está confirmada em melhores promessas (Hb 8.6). Continuando, para contribuir com a santidade prática daquela jovem sociedade, ritos purificadores para a lepra no corpo e na casa (cap. 14), onde dedicaremos uma nota especial. Sacrifícios específicos para tantas necessidades são esmiuçados, tudo para garantir a pureza
daquele povo. Basta ler os 7 primeiros capítulos e a complexidade de suas ofertas. Em suma: o tema central deste livro é a santidade – pessoal e coletiva. Podemos embasar esta premissa numa bela palavra já no Novo Testamento, pois eles estavam na sombra, nós na perfeita luz de Cristo.
“Rogo-vos, pois... que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados” (Ef 4.1). Em nossa próxima nota abordaremos os ‘dons e ofertas’ representados nos dois primeiros capítulos deste santo livro.
2.
Dons e ofertas
Há uma diferença conceitual entre o que somos e o que apresentamos. Mas na essência dos conceitos, tudo o que apresentamos deriva daquilo que somos, como exemplificou nosso próprio Senhor. “Porque da abundância do seu coração fala a boca (Lc 6.45).
Não poderia ser diferente com nosso bendito substituto. Se analisarmos com cuidado as diferenças entre os 3 primeiros sacrifícios de sangue de Levítico 1, e as ofertas de alimentos do 2º capítulo, perceberemos esta mesma beleza. Já vimos que os sacrifícios e ofertas com cheiro agradável representam Cristo em oferta ao Pai, a base de toda resolução amorosa e salvadora em Deus. Não representa de forma alguma o pagamento de nossos pecados, que naturalmente não poderiam ser agradáveis.
Ambas as ofertas destes 2 capítulos são de cheiro agradável, pois tudo é proveniente de Cristo. Emana dele ao Pai, único que pode apreciar perfeitamente as ofertas de Seu Filho. Assim, as ofertas de sangue deste primeiro capítulo apontam para a oferta do corpo de Cristo em sua mais pura simplicidade e sublimidade, são Sua expressão humana neste mundo. É o que diz a Escritura: “Porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire os pecados. Por isso, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste; holocaustos e oblações [ofertas] pelo pecado não te agradaram. Então disse: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), para fazer, ó Deus, a tua vontade. Como acima diz: Sacrifício e oferta, e holocaustos e oblações pelo pecado não quiseste, nem te agradaram (os quais se oferecem segundo a lei). Então disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade. Tira o primeiro, para estabelecer o segundo (Hb 10.4-9). Todos aqueles holocaustos de animais nunca agradaram a Deus, mas enquanto o primeiro sacerdócio, debaixo de Arão, não pu-
desse ser retirado, vigorariam como meio de perdoar os pecados daquele povo. Assim, o corpo santo do Filho preparado como oferta divina em Sua descida até nós, supre todas as necessidades divinas de reconciliação e humanas de salvação. Mas Cristo não ofereceu somente seu corpo ao Pai em forma sacrificial – ofereceu também Seus dons, sua submissão santa em prol de um mundo que pouco se importava com Ele. É o que falam as ofertas de manjares (ou alimentos) em suas várias divisões no segundo capítulo sob – a flor de farinha – e esta sempre acompanhada do azeite e do incenso. Nenhum traço de fermento poderia ser encontrado nesta oferta, pois, como dissemos, não representa o pecador, mas a oferta do Santo ao Pai. “E a trará aos filhos de Arão, os sacerdotes, um dos quais tomará dela um punhado da flor de farinha, e do seu azeite com todo o seu incenso; e o sacerdote queimará como memorial sobre o altar; oferta queimada é, de cheiro suave ao Senhor” (2.2).
Desnecessário falarmos do azeite – a unção do Espírito – e do incenso – a intercessão conciliatória do Filho, estes dois ingredientes tão conhecidos do cristão. Mas faço questão de mencionar duas passagens sob este novo prisma. “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos digo são espírito e vida (Jo 6.63). “E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela tua palavra hão de crer em mim (Jo 17.20).
Tudo o que Ele era e tudo o que produziu em vida são as marcas mais sagradas da divindade perfeita e absoluta jamais vistas na humanidade. Cristo ofereceu-Se todo, sem reservas, sem engano, sem pecado, sem restrições pessoais. Ofereceu tudo o que era e tudo o que tinha. Não há Deus semelhante a Ele em qualquer aspecto que possamos analisar. Não há salvação maior, mais perfeita e eterna a ser proporcionada. Não deveríamos, semelhantemente, darmos o valor condizente, atendermos humildemente a “uma tão grande salvação” (Hb 2.3)?
“Porque todo o sumo sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios; por isso era necessário que este [Jesus] também tivesse alguma coisa que oferecer (Hb 8.3). Ele já Se ofereceu. A nós cabe aceitar, pela fé, o único sacrifício que atende todas as necessidades do pecador. Logo veremos dois ingredientes diametralmente opostos em seu efeito espiritual – o mel e o sal.
3.
O mel e o sal
Nada poderia haver mais doce que o mel e mais salgado que o sal. Portanto, antagônicos, irreconciliáveis. Os dois elementos são citados em relação aos sacrifícios e ofertas logo no início deste livro.
“E todas as tuas ofertas dos teus alimentos temperarás com sal; e não deixarás faltar à tua oferta de alimentos o sal da aliança do teu Deus; em todas as tuas ofertas oferecerás sal” (Lv 2.13). Desnecessário insistir nas características singulares deste importante elemento – realce do sabor e preservação. Cristo, verdadeira oferta de manjar agradável a Deus, soube como ninguém realçar e preservar Sua oferta ao Pai e aos homens. “E todos lhe davam testemunho, e se maravilhavam das palavras de graça que saíam da sua boca; e diziam: Não é este o filho de José?” (Lc 4.22). Nossas palavras têm sido assim, ou têm se perdido ao vento pela sua inutilidade? “E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia” (Jo 6.39). Podemos ficar tranquilos – o sal de nosso Senhor é de tal pureza, que nada nem ninguém pode contaminar ou fazer perder. E se estivermos nele, podemos descansar na promessa de uma vida eterna. O sal não podia faltar em nenhuma oferta de manjares que representavam Cristo em Sua relação com o Pai e com os homens. E também não pode faltar em nossas relações com Deus e nossos semelhantes.
“Andai com sabedoria para com os que estão de fora, remindo o tempo. A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um” (Cl 4.5-6). Mas se o sal era o elemento imprescindível, o mel era o elemento desprezível. “Nenhuma oferta de alimentos, que oferecerdes ao Senhor, se fará com fermento; porque de nenhum fermento, nem de mel algum, oferecereis oferta queimada ao Senhor” (Lv 2.11).
Juntamente com o fermento, símbolo sabidamente representativo do pecado, o mel representava todas as ações derivadas da fermentação paulatina do fermento – aquilo que agrada aos paladares humanos, mas não pode agradar a Deus. Produto da ação coletiva das abelhas, não pode preservar as relações humanas ou divinas. Nenhuma sociedade entre homens, por mais religiosa ou eticamente compromissada, pode aperfeiçoar o reino de Deus ou dos homens, se não estiver arraigada no sal da preservação de Cristo. As palavras podem ser agradáveis, o tom pode ser apreciado, as ações podem ser compatíveis com uma sociedade que busca a unidade e o avanço social, mas certamente afundará no mais grosseiro pecado sem o sal da bendita Palavra de Deus. Interessante notarmos que a terra prometida aos primeiros pais também era uma “terra que mana leite e mel” (Lv 20.24). Mas não se deixe enganar pelas belas e agradáveis palavras usadas para a descrição da terra – elas nada têm a ver com a perfeita estatura de Cristo nem com Sua pureza. Era o melhor que a terra poderia produzir debaixo da lei e de um sacerdócio passageiro. Insistiremos nesta tecla quantas vezes forem necessárias. Buscando tudo que for humano, encontraremos descaso, sofrimento e culpas. Mas se buscarmos ao Senhor e Sua Palavra, alcançaremos compromisso, paz acima de todo o entendimento e perdão eterno. Nenhum mel ou fermento podia derivar da sublimidade de Cristo, nem deveriam ser encontrados naqueles que se rendem a Ele.
Nossas vidas, por palavras ou obras, deveriam sem vividas e mantidas pelo sal da verdade de Deus. “Por isso façamos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade” (1 Co 5.8). A seguir, falaremos dos 6 ingredientes que não podiam ser aceitos no altar do holocausto.
4.
6 ingredientes proibidos
Passamos a analisar agora um tema interessante que se contrapõe ao sacrifício de aroma agradável – as ofertas sem aroma agradável. E aqui sim podemos encontrar o homem em toda sua deformidade, a partir do cap. 4. “Fala aos filhos de Israel, dizendo: Quando uma alma pecar, por ignorância, contra alguns dos mandamentos do Senhor... oferecerá ao Senhor, pelo seu pecado, que cometeu, um novilho sem defeito, por expiação do pecado. Mas o couro do novilho, e toda a sua carne, com a sua cabeça e as suas pernas, e as suas entranhas, e o seu esterco, enfim, o novilho todo levará fora do arraial a um lugar limpo, onde se lança a cinza, e o queimará com fogo sobre a lenha; onde se lança a cinza se queimará” (4.2-3, 11-12). O sangue – representando a vida – e a gordura – o ego – eram integralmente queimados sobre o altar do holocausto (v. 10). Mas os 6 elementos do v.11 deveriam ser queimados fora do arraial, a saber – o couro do novilho, sua carne, a cabeça, as pernas, as entranhas e o excremento. Nada no homem que o ligasse ao mundo de alguma maneira poderia ser queimado dentro do tabernáculo.
1) A pele – este órgão de extrema sensibilidade e que Satanás conhece tão bem. “Então Satanás respondeu ao Senhor, e disse: Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida” (Jó 2.4). 2)
A carne – figura tão conhecida do cristão.
“O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita” (Jo 6.63).
3) A cabeça – nossa racionalidade em combate eterno com o espírito. “Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Co 4.4). 4) As pernas – nossa inconstância neste mundo a buscar por si mesmas agradar a Deus.
“Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece” (Rm 9.16). 5)
As entranhas – sede de nossos sentimentos corrompi-
dos. “Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente” (Rm 1.24-25).
6) O excremento – o dejeto final da boa culinária tão cultuada pelo mundo. “Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4.4). Nada destas coisas tem valor no reino de Deus, por isto eram queimadas fora do arraial. E continuam sem valor para Deus e deveriam ser reputadas como tal para todo cristão espiritual.
“Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna” (Gl 6.8). Semear na carne é dar vazão aos 6 ingredientes e fomentar a corrupção; semear no Espírito é viver por Ele na base da experiência de Paulo. “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé
do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2.20). Que Deus nos dê força em Sua graça soberana para darmos mais a Ele que a nós mesmos. Em nossa próxima nota abordaremos uma das mais velhas doenças da humanidade – a lepra.
5.
A lepra no homem e na casa
A lepra era a mais temida das pragas na antiguidade. É uma doença com período de incubação variado, ou seja, contraída a doença, sua manifestação clínica com os primeiros sinais pode levar de 1 a 7 anos, ou ainda mais. Alastra-se de forma crônica, lenta, atingindo inúmeras partes do organismo. Quem a contraísse estava condenado ao isolamento e desprezo. Não há símbolo melhor para tipificar o pecado e suas consequências, tanto na vida individual quanto na coletiva. Mas queremos frisar que a lepra dentro do povo de Israel não representa o pecado de forma genérica. Era o pecado que entrava furtivamente, lentamente na vida dos cidadãos salvos do Egito, aquele povo que fora salvo das garras da escravidão e agora deixavam a lepra dominá-los. Não é o pecado do perdido, mas do salvo. É o pecado não no mundo, mas dentro de nossas igrejas, atualizando agora a figura. Tanto é assim que a lepra no homem quanto na casa deveria ser examinada e confirmada pelo sacerdote daquele povo salvo. “Quando um homem tiver na pele da sua carne, inchação, ou pústula, ou mancha lustrosa, na pele de sua carne como praga da lepra, então será levado a Arão, o sacerdote... E o sacerdote examinará a praga na pele da carne; se o pelo na praga se tornou branco, e a praga parecer mais profunda do que a pele da sua carne, é praga de lepra; o sacerdote o examinará, e o declarará por imundo” (Lv 13.2-3). Se fosse declarado imundo, deveria ser apartado do arraial, vivendo separadamente. Paulo também soube identificar a lepra na Igreja e tratou de separá-la. “Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais. Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro?
Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai pois dentre vós a esse iníquo” ( 1 Co 5.11-13). Quando nossos líderes não têm capacidade ou mesmo intenção de tratar a lepra, terá de vê-la alastrar-se paulatinamente em seu meio até a perda de toda a sensibilidade espiritual. Mas quando o sacerdote examinasse e a lepra tivesse sido curada, deveria purificar o leproso de sua doença para voltar ao convívio de seu povo e posteriormente à sua casa.
Em linguagem espiritual, o pecador já se havia acertado com Deus, havia feito sua reconciliação e se aproveitado das Suas muitas misericórdias. Era então dever do sacerdote reconduzi-lo, perfeitamente purificado, ao convívio dos seus e de sua casa. E a base desta purificação estava na oferta de duas aves vivas – uma que era sacrificada (14.4-5) e outra que seria solta, molhada no sangue da primeira, em campo aberto (v. 7).
É a bendita e eterna base que nos lava de todo o pecado: a morte e ressurreição de Cristo. “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação” (Rm 4.25). Transportando para nossos dias de fria formalidade eclesiástica, podemos ver uma bela exortação ao auto julgamento que impede a lepra em seu avanço mortal. “Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1 Co 11.31-32). O segredo para impedir o aparecimento da lepra em nossas vidas está em nossa consagração irrestrita a Deus. “Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome, para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que
sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior; para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus” (Ef 3.14-19). Um tal estado de espírito como este não pode aceitar a lepra. Este é um exercício íntimo de fé e entrega diária. E a Palavra de Deus é nosso refúgio bendito contra todas as investidas do mal, tão somente ela. Queira Deus, em Sua infinita graça, nos preservar puros desta chaga que tem contaminado as vidas de tantos cristãos e da preciosa Igreja do Deus Vivo. Comentaremos a seguir sobre as festas solenes dadas a Israel, como sombra dos bens futuros.
6.
As 8 festas solenes do Senhor parte 1
Nada há tão belo como as festas planejadas a Israel, tanto do ponto de vista da graciosa intimidade do Senhor e seu povo, quanto do ponto de vista profético. Costuma-se contar estas festas como sendo sete, mas logo no início de Levítico 23 uma festa semanal não contada é apontada – “o sábado do descanso, santa convocação”. Era por causa deste descanso semanal que os outras festas teriam seu lugar na vida daquele povo, acrescentando que “seis dias trabalho se fará, mas o sétimo dia será o sábado do descanso”, e não o inverso, descanso e então o trabalho. Significando que as festas subsequentes teriam como objetivo proporcionar o verdadeiro descanso quando se cumprissem profeticamente ao longo do tempo, como ensina Hebreus.
“Portanto, resta ainda um repouso para o povo de Deus [Israel] (Hb 4.9). Assim, o descanso eterno daquele povo começava com a segunda festa – a Páscoa do Senhor (v. 5). E na ver dade ela já se havia realizado no tempo – na saída forçada de Israel do Egito e que já comentamos. Tudo começou aqui. Sangue de um substituto havia sido derramado, embora animal. Mas chegaria o momento para o sangue divino que os redimisse de forma perfeita, completa, única. “Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós” (1 Co 5.7). Primariamente, este Cordeiro foi enviado para Israel, como Ele mesmo garantiu – “Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15.24). Nós, gentios, entraremos depois nesta provisão, mas isto será assunto mais para frente.
Mas a Páscoa salvadora exige uma nova associação – a festa dos pães asmos [sem fermento]. Já vimos que o fermento representa o pecado, este ingrediente tão nocivo em nossas vidas. Não há como ser aproximado ao Senhor sem que Ele exija em contrapartida nossa pureza de vida, ou santidade. “Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Por isso façamos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade” (1 Co 5.7-8). Chegados à posição de “filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa” (Fp 2.15) – pelo sangue da Páscoa, agora temos que manter esta posição na vida diária pelo alimento diário de Cristo mesmo. “Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu; não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre” (Jo 6.57-58). A quarta festa – Primícias – fala de um molho, ou pequeno feixe, tirado do total da colheita. Ou seja, uma colheita total está prevista no tempo, mas neste momento, depois que “houverdes entrado na terra, que vos hei de dar” (v. 10), um representante da primeira colheita seria ofertada ao Senhor nesta festa específica. É pena que não possamos esmiuçar este assunto nestas notas. Teremos que ser breves. As primícias representam a ressurreição de Cristo e Sua chegada ao Pai, nas regiões celestiais. “Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem. Porque assim como a morte veio por um homem [Adão], também a ressurreição dos mortos veio por um homem [Jesus]...
Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda [mais precisamente Sua segunda vinda]” (1 Co 15.20-23). Cristo foi o primeiro a ressuscitar para nunca mais morrer. Logo ao ressurgir da tumba, Ele garantiu a Madalena: “Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20.17). Mas antes de subir acima de todos os céus na ressurreição, Ele havia descido ao fundo do abismo naqueles 3 dias de sepultamento, e de lá retirou um pequeno feixe como garantia de que toda massa eleita um dia seria também apresentada ao Pai. “Por isso diz: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens. Ora, isto – ele subiu – que é, senão que também antes tinha descido às partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas” (Ef 4.8-10). Ele levou cativo, juntamente consigo, todos os salvos que aguardavam, no lugar dos mortos, a ressurreição dos mortos. Era o molho primário que nos garante que, um dia não muito distante, todos ressuscitaremos como declara Paulo. Mas não podemos continuar este interessante assunto. Deixo o link de um livro deste autor sobre o assunto, caso queira se aprofundar. https://issuu.com/ministerioescrito/docs/o_mundo_dos_mortos
Passaremos em seguida às 4 festas restantes.
7.
As 8 festas solenes do Senhor parte 2
Vimos na última nota a ressurreição de Jesus na festa das Primícias. Pela ordem delas, a seguinte seria a festa dos Cinquenta. “Depois para vós contareis desde o dia seguinte ao sábado, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta movida; sete semanas inteiras serão. Até ao dia seguinte ao sétimo sábado, contareis cinquenta dias; então oferecereis nova oferta de alimentos ao Senhor” (Lv 23.15-16). Esta oferta de alimentos não vinha da colheita da terra como a festa anterior, mas “das vossas habitações trareis dois pães de movimento...” (v. 17). Como temos o Novo Testamento a nos complementar, esta festa dos cinquenta coincide com a festa de Pentecostes, como contam os primeiros versículos de Atos. Era a descida do Espírito Santo para, de duas massas, fazer uma só. Compare as duas passagens abaixo. “... dois pães de movimento; de duas dízimas de farinha serão, levedados se cozerão...” (v.17). “Também com o pão oferecereis...” (v. 18). “Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos [judeus e gentios] fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio... E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades” (Ef 14,16). As duas massas levedadas, simbolicamente falando do pecado na esfera dos dois grupos, passam a ser contadas como uma pela união do Espírito Santo, com base na cruz de nosso Senhor. A sexta festa era “memorial com sonido de trombetas, santa convocação” (23.24). Não creio que tenha algo a ver com as trombetas para a ressurreição dos santos no Novo Testamento e arrebatamento
dos vivos da Igreja, como profetizado em 1 Ts 4.15-17. Mas creio que fale mais intimamente aos judeus da fase final de Apocalipse, como assevera o Mestre. “Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os seus escolhidos [ramo judaico] desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus” (Mt 24.30-31). Este povo ainda será reunido diante dos sofrimentos e castigos que vigorarão no período tribulacional por vir. Mas também haverá refrigério para eles, como promete a próxima festa. “Mas aos dez dias desse sétimo mês será o dia da expiação; tereis santa convocação, e afligireis as vossas almas; e oferecereis oferta queimada ao Senhor” (23.27).
Será um dia sem igual – libertação perfeita e plena para um povo escolhido desde milênios; e acima de tudo – perdão pleno e perfeito de todos os seus graves pecados. Como bem profetiza o Novo Testamento. “Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades” (Rm 11.25-26). “E jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniquidades” (Hb 10.17). Assim, lavados e perdoados para sempre, cumprir-se-á a cura para tantas pragas e sofrimentos num descanso milenial em sua sagrada e prometida terra, como anuncia a oitava festa. “Aos quinze dias deste mês sétimo será a festa dos tabernáculos ao Senhor por sete dias” (23.34).
Esta última festa representa o tão almejado descanso de um povo que, figuradamente falando, ainda peregrina por um deserto sem seu Deus e sem um lar santo, embora indevidamente assentada numa terra que ainda será plenamente sua. “Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que [Eu] semearei a casa de Israel, e a casa de Judá, com a semente de homens, e com a semente de animais. E será que, como velei sobre eles, para arrancar, e para derrubar, e para transtornar, e para destruir, e para afligir, assim [Eu] velarei sobre eles, para edificar e para plantar, diz o Senhor. “Porque, eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá mais lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão. Mas vós folgareis e exultareis perpetuamente no que eu crio; porque eis que [Eu] crio para Jerusalém uma alegria, e para o seu povo gozo. E exultarei em Jerusalém, e me alegrarei no meu povo; e nunca mais se ouvirá nela voz de choro nem voz de clamor. Não haverá mais nela criança de poucos dias, nem velho que não cumpra os seus dias; porque o menino morrerá de cem anos; porém o pecador de cem anos será amaldiçoado. E edificarão casas, e as habitarão; e plantarão vinhas, e comerão o seu fruto” (Is 65.17-21). Mal podemos esperar por este dia, em que todas as coisas estarão sujeitas a Cristo, e este ao Pai, cumprindo todas as coisas, tanto as celestiais quanto as terrenas. Terminamos assim estas notas de Levítico e nos prepararemos para o Livro de Números, quando Deus assim nos conceder de Sua preciosa e desejada graça.
NĂşmeros
1.
Concepções
Podemos somente agora, agraciados pela toda suficiente misericórdia e comunhão de Deus, retomarmos nossas notas pelos livros de nossa sagrada Palavra de Deus. Números é bem conhecido como o “livro do deserto”. Mas deveria ser conhecido também como o livro das “preparações para a guerra”. Passado um ano naquele deserto, já no segundo ano o povo de Israel será contado, através de um censo, buscando os varões com mais de vinte anos aptos para a guerra. Tiveram um convívio pacífico com seu Libertador, mas agora era hora de entenderem seu real propósito como povo chamado por Deus – lutar as guerras do Senhor. E juntamente com a numeração deste pequeno exército, as disposições deste povo no arraial: o lugar preciso onde cada tribo se assentará, sempre ao redor da tenda da congregação, o centro e motivo de suas forças. A primeira Páscoa depois da saída do Egito será celebrada, preparando o povo para suas batalhas futuras, mas com viva recordação da Páscoa passada que os libertara da escravidão do Egito. Mas nem tudo será vitória e santidade. Conhecemos bem isto em nossas vidas. Murmuradores e suas queixas trarão juízo e lágrimas sobre este povo, lembrando que se temos que lutar contra o mundo que nos cerca, também lutamos contra a carne, nosso íntimo e maior inimigo.
E no rastro desta carne, a tão famosa passagem do envio dos espias que acovardam o coração de toda uma nação, e um castigo à altura do seu erro. Tiveram que retroceder, como nós mesmos muitas vezes somos obrigados a vergonhosamente retroceder. Dois personagens se levantam: Balaão e suas perversas tranqueiras – tipo de Satanás, e Josué e sua silenciosa e bendita nomeação – tipo de Jesus.
E duas tribos e meia preferirão não entrar na terra prometida, mas ficar um pouco antes, satisfeitos em verem a terra da promessa somente à distância. Este livro demonstra inequivocamente que, apesar de uma bênção araônica que promete bênção, proteção, misericórdia e paz (Nm 6.22-27), as escolhas do povo em incredulidade e rebeldia anulam temporariamente todos seus benefícios.
É o que devemos temer também neste tempo presente onde todas as promessas de Cristo ao seu povo podem ser embaraçadas pela nossa carnalidade. A próxima nota focará o “tempo de guerra”.
2. Tempo de guerra Esteve o povo feliz com seu Deus por um ano naquele deserto, participando de todas as bênçãos e realidades espirituais. Mas agora era tempo de privações e provações. Os corações iam ser provados. Observando nossas próprias vidas não deveríamos levantar dúvidas quanto aos resultados. O povo é contado – todos os varões “da idade de vinte anos para cima, todos os que em Israel podem sair à guerra” (Nm 1.3). Ninguém pode ser poupado nas guerras do Senhor. Podemos não gostar, podemos fingir, podemos fugir, mas cedo ou tarde seremos confrontados com o mundo e seus pecados, o diabo e suas tranqueiras. Este ano feliz debaixo do Senhor é reflexo da Lei que isentava o recém casado de participar das guerras por um ano. “Quando um homem for recém-casado não sairá à guerra, nem se lhe imporá encargo algum; por um ano inteiro ficará livre na sua casa para alegrar a mulher, que tomou” (Dt 24.5). O Senhor tomou um povo do Egito e ficou em sua casa para alegrar sua feliz e ditosa Israel. Mas agora tudo mudou.
Todas as tribos são convocadas, exceto uma – Levi. Porque Levi tinha por herança, não uma terra, não uma semente, nem o físico – mas o SENHOR. “Por isso Levi não tem parte nem herança com seus irmãos; o Senhor é a sua herança, como o Senhor teu Deus lhe tem falado” (Dt 10.9).
Eles nada tinham que ver com a posse da terra, mas com a administração de um ministério reconciliatório entre Deus e seu povo. É uma bela figura para nós, corpo de Cristo. As duas citações seguintes do Novo Testamento dizem tudo. “Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Ef 6.12). “Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse (2 Co 5.19-20). Os levitas e nós não temos direito à perpetuidade da terra.
Eles e nós ministramos as coisas espirituais, e as materiais nos servem apenas de subsistência. Nós e eles temos nossa habitação no santuário, e dali devemos beber e comer. “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra; porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus (Cl 3.1-3). A seguir comentaremos sobre as tão temidas e costumeiras ‘queixas’.
3. Queixas Não há ser humano que em certos momentos da vida não apresente suas queixas a Deus ou aos homens. É mal da humanidade esquecermos todas as dádivas divinas, e no primeiro momento de angústia desbocarmos em reclamações.
Israel também era assim. Experimentou uma libertação sem igual da escravidão do Egito. Recebeu leis sem igual em toda a história da humanidade. Foi agraciado com um sacerdócio ímpar em toda fase da espiritualidade humana. Mas não era o bastante. O pão do céu não era suficiente. Era como uma privação para eles. Pouco importava se era Deus quem os alimentava. Queriam mais. “E o vulgo, que estava no meio deles, veio a ter grande desejo; pelo que os filhos de Israel tornaram a chorar, e disseram: Quem nos dará carne a comer? Lembramo-nos dos peixes que no Egito comíamos de graça [??!!]; e dos pepinos, e dos melões, e dos porros, e das cebolas, e dos alhos. Mas agora a nossa alma se seca; coisa nenhuma há senão este maná diante dos nossos olhos” (11.4-6). Um pouco mais a frente, vão falar de uma forma um pouco mais atrevida. “E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito para que morrêssemos neste deserto? Pois aqui nem pão nem água há; e a nossa alma tem fastio deste pão tão vil (21.5). Não é assim conosco? Temos sido cobertos de bênçãos espirituais nas regiões celestiais. Temos sido perdoados de nossos muitos e
graves pecados. O Senhor nos tem acompanhado em nossas jornadas e nos protegido de tantas misérias. Mas ainda não basta. O lixo que o Egito nos oferece parece melhor que tudo o que Deus tem feito por nós. Parece que a escravidão com manjares era melhor que a liberdade com pesares. Não passavam fome de forma alguma! Nem precisavam trabalhar pelo seu alimento, vinha tudo de graça. Mas sempre as queixas e as mentiras. Então o Senhor faz algo que pareceria bom aos olhos naturais. Se é carne que querem, carne terão! “Por isso o Senhor vos dará carne, e comereis; não comereis um dia, nem dois dias, nem cinco dias, nem dez dias, nem vinte dias; mas um mês inteiro, até vos sair pelas narinas, até que vos enfastieis dela; porquanto rejeitastes ao Senhor, que está no meio de vós, e chorastes diante dele, dizendo: Por que saímos do Egito?” (11.18-20).
Devemos ter cuidado com nossas reclamações. Poderá o Senhor nos ouvir e dar exatamente o que – carnalmente – desejamos, mas com um preço muito alto a se pagar. O salmista teve perfeita iluminação das consequências. “Porém cedo se esqueceram das suas obras; não esperaram o seu conselho. Mas deixaram-se levar à cobiça no deserto, e tentaram a Deus na solidão.E ele lhes cumpriu o seu desejo, mas enviou magreza às suas almas” (Sl 106.13-15). Gosto de uma outra versão que diz assim. “E ele satisfez-lhes o desejo, mas fez definhar a sua alma” (Revista e Corrigida). Corremos sempre o risco de – para satisfazer a carne e seus desejos – definhar nossas almas e nos afastar do Senhor e manchar nossa comunhão santa, que tanto nos tem trazido alento.
Repensemos sempre nossos valores morais e espirituais, e assim prossigamos em nossa feliz jornada até nossa habitação celestial. No próximo capítulo daremos uma ‘espiada’ no comportamento de doze ‘espias’.
4.
Espias
É interessante notar como o Senhor quer antever ao povo de Israel seus inimigos que logo terão que enfrentar. Ele não esconde a realidade deles, como muitas vezes nós fazemos, como que ‘dourando a pílula’.
“Envia homens que espiem a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel; de cada tribo de seus pais enviareis um homem, sendo cada um príncipe entre eles” (13.2). Não eram homens comuns, mas príncipes. Esperaríamos de homens deste gabarito uma mesma fala, um mesmo entendimento. Mas podemos aprender daqui que mesmo príncipes também podem ser fracos na fé. Porque na verdade não se trata de nomenclatura social ou eclesiástica, mas da fé viva que nos alimenta e move.
A resposta foi desconcertante. Primeiro a parte boa. “E contaram-lhe, e disseram: Fomos à terra a que nos enviaste; e verdadeiramente mana leite e mel, e este é o seu fruto” (13.27). Agora a decisão. “Porém, os homens que com ele [Calebe] subiram disseram: Não poderemos subir contra aquele povo, porque é mais forte do que nós” (13.31).
Confirmaram em primeiro plano que a terra era boa como o Senhor havia dito. Mas, pelas suas palavras, não poderiam subir pois, segundo suas óticas, o Senhor os havia enganado. Eram povos muito poderosos. E realmente eram. O Senhor nunca dissera o contrário. A diferença estava não na força dos povos, mas no poder dos deuses. Aqueles serviam deuses imaginários, estes um Deus Vivo e verdadeiro. Josué e Calebe enxergaram pela fé esta verdade.
“E Josué, filho de Num, e Calebe filho de Jefoné, dos que espiaram a terra, rasgaram as suas vestes. E falaram a toda a congregação dos filhos de Israel, dizendo: A terra pela qual passamos a espiar é terra muito boa. Se o Senhor se agradar de nós, então nos porá nesta terra, e no-la dará; terra que mana leite e mel. Tão-somente não sejais rebeldes contra o Senhor, e não temais o povo dessa terra, porquanto são eles nosso pão; retirou-se deles o seu amparo, e o Senhor é conosco; não os temais” (14.6-9). Toda a diferença está nestas 4 palavras – o Senhor é conosco! E o Senhor, o mesmo Deus da antiguidade, é convosco?! Então nada tema, pois tudo ao nosso redor nada é perto de nosso grandioso Deus! Mas o povo seguiu o conselho da maioria, e decidiu algo sinistro contra estes dois ‘loucos’. “Mas toda a congregação disse que os apedrejassem” (14.10).
Resumindo a história, o povo todo foi condenado a peregrinar por aquele deserto até que todos se consumissem, exceto Josué e Calebe que sobreviveriam e tomariam posse da terra, como será confirmado no livro de Josué. Mas o que eu quero enfatizar é que, apesar destes dois soldados divinos sobreviverem a toda uma geração e entrarem na posse da terra, contudo tiveram que suportar o mesmo castigo de toda congregação – 40 anos de peregrinação no deserto. Israel como um todo pecou, Israel como um todo foi condenado. Transportando este exemplo de coletividade para a Igreja, posso perguntar: Será que ao pecarmos como cristãos individuais não prejudicamos todo o corpo de Cristo, sua Igreja?
Não embaraçamos a jornada de todo o corpo?
Não enfraquecemos todo o nosso testemunho? Não envergonhamos todos o bom nome de nosso Salvador? Estas são perguntas terríveis que a mim mesmo me doem. E quero que você que me lê medite nelas, pois um dia teremos todos que nos haver com Deus. “Porque já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?” (1 Pe 4.17). A seguir veremos Balaão, que se levanta contra o povo de Deus.
5.
Balaão e sua oposição
Todo cristão que lê a Escritura conhece Balaão. Vamos reprisar rapidamente sua principal atuação e comentar o que realmente levou Israel ao pecado. Balaque, inimigo do povo de Deus, por medo e angústia de Israel que se aproximava de suas terras, convoca o ‘profeta’ para amaldiçoar o povo santo. “Vem, pois, agora, rogo-te, amaldiçoa-me este povo, pois mais poderoso é do que eu; talvez o poderei ferir e lançar fora da terra; porque eu sei que, a quem tu abençoares será abençoado, e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado” (22.6). E por três vezes bem que ele tentou. Mas o Senhor, falando por uma mula, “impediu a loucura do profeta” (2 Pe 2.16).
Como Balaão bem percebeu e por fim profetizou: “Fala aquele que ouviu as palavras de Deus, o que vê a visão do Todo-Poderoso; que cai, e se lhe abrem os olhos: Quão formosas são as tuas tendas, ó Jacó, as tuas moradas, ó Israel! (Nm 24:4-5). É muito peculiar esta visão de Deus. É como diz o apóstolo Paulo: “o amor de Cristo nos constrange” (2 Co 5.14).
Este povo tinha, mal recebida a Lei, se prostituído física e espiritualmente, numa festa profana em que se levantava um bezerro de ouro pelas mãos de Arão. Desprezou a entrada em Canaã com medo de seus moradores. Desprezou a água, o maná e comeram carne a sair pelos narizes. Mas o Senhor vê um povo eleito. Suas tendas são formosas, apesar de toda rebeldia e incredulidade. Porque Ele olhava para a Rocha que os redimia, comprados por sangue de um cordeiro divino.
Este SENHOR que os resgatou do Egito “não viu iniquidade em Israel, nem contemplou maldade em Jacó; o Senhor seu Deus é com ele” (Nm 23.21). Não é assim conosco? “Mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus” (1 Co 6.11). Recebemos e experimentamos um perdão sem igual, somos abençoados com toda sorte de bênçãos espirituais e logo em seguida caímos miseravelmente. E o Senhor continua nos amando e perdoando, esquece todas as nossas transgressões confessadas, pois ele é e sempre será fiel ao sacrifício de seu Filho. “Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre [não por alguns dias] os que são santificados” (Hb 10.14). Balaão entendeu isto. Então partiu para outra estratégia, muito usada por Satanás.
Se Deus não pode amaldiçoar o que Ele santificou e perdoou, então deixemos que o próprio povo se corrompa e manche sua comunhão alegre com Deus. Não estamos falando de salvação aqui, mas de comunhão por causa desta salvação segura e eterna. “E Israel deteve-se em Sitim e o povo começou a prostituir-se com as filhas dos moabitas. Elas convidaram o povo aos sacrifícios dos seus deuses; e o povo comeu, e inclinou-se aos seus deuses. Juntando-se, pois, Israel a Baal-peor, a ira do Senhor se acendeu contra Israel” (25.1-3). “Eis que estas [mulheres moabitas] foram as que, por conselho de Balaão, deram ocasião aos filhos de Israel de transgredir contra o Senhor no caso de Peor; por isso houve aquela praga entre a congregação do Senhor” (31.16). A mistura é a arma sutil e certa da contaminação do povo de Deus. Foi assim com Israel e ainda é assim com os cristãos.
O antídoto contra a mistura é a separação, também conhecida como santificação – alvo maior do cristão. Sempre que o santo se mistura com o profano, o profano nada ganha e nada perde, mas o santo tudo perde. Perde sua comunhão, sua alegria, sua esperança, sua paz, seu avanço espiritual... E aqueles que já tiveram esta experiência sabem como é difícil retornar ao ponto que estava antes, espiritualmente falando. “Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas? E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Por isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; e não toqueis nada imundo, e eu vos receberei; e eu serei para vós Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso” (2 Co 6.14-18). Comentaremos a seguir sobre Josué, levantado a favor do povo.
6.
Josué e sua posição
No mundo físico, a toda ação corresponde sempre uma reação de mesma intensidade mas em sentido contrário. No caso de Deus não é bem assim, pois onde abundou o pecado, superabundou a graça de Deus. A graça supera a mera retribuição. Se Balaão é erguido para o mal do povo de Israel, Josué é erguido para sua bênção. Moisés estava chegando ao fim de sua jornada. O Senhor o reclama para si. Então Moisés pede um substituto. “O Senhor, Deus dos espíritos de toda a carne, ponha um homem sobre esta congregação, que saia diante deles, e que entre diante deles, e que os faça sair, e que os faça entrar; para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor” (27.16-17).
Poderia ele descansar em paz sem que soubesse que alguém estaria apto para dirigir aquele povo que ele mesmo retirou do Egito? “Então disse o Senhor a Moisés: Toma a Josué, filho de Num, homem em quem há o Espírito, e impõe a tua mão sobre ele. E apresenta-o perante Eleazar, o sacerdote, e perante toda a congregação, e dá-lhe as tuas ordens na presença deles. E põe sobre ele da tua glória, para que lhe obedeça toda a congregação dos filhos de Israel” (18-20). Há duas provisões toda suficientes nesta nomeação. Uma espiritual, outra natural. Não bastava para Deus qualquer homem. Somente um que tivesse ‘o Espírito’. E quão perigoso se torna quando homens que não têm o Espírito, são colocados à frente de nossas igrejas. Jesus já predizia.
“Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores” (Mt 7.15). A provisão natural era a formalidade da passagem do cargo pelo velho Moisés. Ninguém melhor do que aquele que libertou o povo teria mais direito a isto. Todo o povo observa atentamente a imposição de suas mãos sobre o novo guia deles. Não havia dúvidas de que um substituto já estava garantido e provisionado por Deus mesmo.
No Novo Testamento também vemos esta provisão espiritual e ‘psicológica’. “Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Os quais, tendo descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo (porque sobre nenhum deles tinha ainda descido; mas somente eram batizados em nome do Senhor Jesus).
Então lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo” (At 8.14-17). Também os pais da Igreja foram pessoalmente impor as mãos para mostrar ao povo judaico que os gentios, neste caso, também recebiam o Espírito Santo. Mas falaremos melhor sobre esta questão no momento oportuno. Josué, juntamente com Calebe, serão os únicos a entrar na terra prometida. Todo o povo restante, incluindo Moisés e Arão, serão impedidos de lá entrarem. Comentaremos no livro de Deuteronômio o motivo espiritual maior para esta cena. No próximo comentário, e fechando este livro, falaremos sobre duas tribos e meia que preferiram ‘ficar de fora’.
7.
Duas tribos e meia
É sempre desconcertante quando pedimos insistentemente algo para Deus, e depois que Ele nos concede torcemos o nariz. Quem nunca passou por isto?! Israel vivia escravizado no Egito, literalmente vivendo nos subúrbios da grande cidade, oprimido e desgraçado. Deus levanta um homem que os retira de lá com sinais nunca vistos na curta história daquele povo. “E o Senhor nos tirou do Egito com mão forte, e com braço estendido, e com grande espanto, e com sinais, e com milagres” (Dt 26.8). O Senhor os guia por um deserto escasso de tudo, mas sustentado em todas as provações. “Que te guiou por aquele grande e terrível deserto de serpentes ardentes, e de escorpiões, e de terra seca, em que não havia água; e tirou água para ti da rocha pederneira; que no deserto te sustentou com maná, que teus pais não conheceram; para te humilhar, e para te provar, para no fim te fazer bem” (Dt 8.15-16). Seria razoável acreditar que, diante de todo o trabalho do Senhor em salvar um povo sem mérito algum, Ele não tivesse o melhor para este povo? Ainda que não pudesse compreender todos os propósitos do Senhor em sua jornada, desacreditar a Deus seria contrário a tudo o que eles experimentaram no passado. Mas 2 tribos e meia fizeram isto. Não estamos julgando, pois sempre fazemos o mesmo em nossas vidas, em um assunto ou outro. Apenas analisamos e tentamos tirar proveito desta lição.
“E Moisés deu ordem aos filhos de Israel, dizendo: Esta é a terra que herdareis por sorte, a qual o Senhor mandou dar às nove tribos e à meia tribo... Já duas tribos e meia tribo receberam a sua herança aquém do Jordão, na direção de Jericó, do lado do oriente, ao nascente” (Nm 34.13,15). Preferiram não entrar na terra da promessa, antes acharam que ali já estava bom, pelo menos aos seus olhos. Gosto de uma palavra de Hebreus. “Temamos, pois, que, porventura, deixada a promessa de entrar no seu repouso, pareça que algum de vós fica para trás” (4.1). Nunca foi nem nunca será da vontade do Senhor deixar ninguém para trás. Se alguns ficam, é porque – em incredulidade – não conseguiram antecipar pela fé o melhor. Mas pagarão o preço por isto, tanto no sentido físico quanto no espiritual. O próprio Senhor tem uma parábola para tal desleixo espiritual. “Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus” (Lc 9.62). Não obstante toda negligência destas tribos em não querer entrar na posse de sua terra, Deus se eleva acima de toda miséria humana, e envia João Batista como precursor do Salvador para iniciar seu ministério exatamente do outro lado do Jordão, aquém da terra prometida. “Estas coisas aconteceram em Betabara, do outro lado do Jordão, onde João estava batizando” (Jo 1.28). É do caráter gracioso de Deus buscar e salvar o que se tem perdido. E quanto somos gratos por isto!
DeuteronĂ´mio
1.
Concepção
Deuteronômio é conhecido como o Livro da repetição da Lei, já que muitos elementos dos livros anteriores estão reprisados neste. Mas eu quero propor outra perspectiva. Levei bastante tempo para entender que este livro trata na verdade de uma ‘Retrospectiva’. Israel estava prestes a entrar em sua terra, e Deus, através de Moisés, queria relembrar a todos que lá entrassem os fatos mais marcantes de toda aquela longa e desnecessária peregrinação no deserto. Somado ao fato que todos os israelitas que saíram do Egito estavam mortos, e seus filhos se encontravam bem em frente ao seu destino prometido. O capítulo 8 é a chave para este entendimento e quero usar uma nota exclusiva para ele. Este livro é o mais utilizado nas pregações do Messias de Israel quando de seu ministério terreno, como que ofertando novamente a entrada deste povo em seu descanso, mas, como aqueles, também recusaram Sua palavra. O Senhor deixará bem claro neste livro que nada há de recomendável neste povo, mas a diferença crucial entre eles e os povos que serão destruídos a seguir é a presença visível – fogo e nuvem – de um Deus invisível. Também o Senhor antecipa um lugar central de adoração onde será erigido o futuro templo de Sua Glória, lugar único de sacrifícios e da verdadeira ordem sacerdotal. E as festas solenes, que já comentamos, serão reprisadas para memória eterna desta jovem nação.
Deuteronômio termina com uma série de bênçãos e maldições, e que nem precisamos comentar quais prevaleceram para este privilegiado povo. Faz também uma previsão futura e distante sobre cada tribo de Jacó. E Moisés é chamado para ver sua terra prometida de longe, mas condenado a não entrar nela, castigo que veremos sua necessidade espiritual.
Deuteronômio é mais que simples repetição – é uma mensagem profética à única nação liberta milagrosamente da escravidão por seu Deus, e que espera frutos dignos de arrependimento. Daí a insistência na proclamação das principais leis a este povo que está às portas de Canaã.
2.
A chave de Deuteronômio
Como eu já havia insinuado na primeira nota, este livro trata de uma retrospectiva dos principais eventos e mandamentos para o povo que ia entrar na terra de seus pais, já que estes sucumbiram todos pelo caminho. Dividirei o assunto em 3 passagens, e que passam pelo capítu-
lo 8. “E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias os seus mandamentos, ou não” (8.2). Tudo foi medido para lembrar este povo todo o resultado das suas peregrinações. Ele foi guiado indiscutivelmente, como bem atestam a coluna de fogo de noite e a nuvem de dia. Mas algo sinistro – coisas que não gostamos de ouvir ou passar – somos forçados a entender. Guiar o caminho é uma coisa, provar nossa conduta é outra. Humilhar e provar são as tônicas deste Deus santo que servimos. Pareceria que Deus queria saber o que havia neles ou em nós, mas Ele bem o sabe, como proclama em Salmos. “Pois ele conhece a nossa estrutura [os de antes e os de agora]; lembra-se de que somos pó” (103.44). Ele não tinha dúvida nenhuma com quem tratava. Na verdade, esta prova e humilhação era para eles mesmos se conhecerem, eles mesmos se auto avaliarem, eles mesmos se penitenciarem e buscarem a Deus de todo o coração. E assim passamos ao próximo verso.
“E te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem teus pais o conheceram; para te dar a entender que o homem não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor viverá o homem” (8.3). Novamente humilhar e agora – passar fome – para lembrálos, e a nós também, de que a verdadeira felicidade não passa somente pelo pão, mas passa obrigatoriamente pela eterna Palavra de Deus. Tomo como exemplo uma experiência particular. Morei numa casa que era abastecida de água por um poço, retirada por bomba automática. Um certo ano a seca foi grande, a água baixou demais e queimou a bomba. Tivemos que pedir para aprofundar o poço, o que levou alguns dias. Tivemos que comprar água e buscar em outro ponto para o banho. Eu me lembro muito bem do momento em que vi a água jorrando livremente pela bomba. Uma felicidade me invadiu. E me lembro muito bem do Senhor lançar um pensamento em minha mente: a alegria pela água jorrando deve ser a mesma pela Palavra de Deus a nos jorrar, deve ter o mesmo efeito – trazer vida!
Eles receberam tudo: maná físico e espiritual, e ainda assim murmuraram inúmeras vezes. Deus queria um povo bem disposto, pronto e resignado a tudo por seu Deus e reino. A retrospectiva era bem necessária para alertá-los. E quem sabe não seja também necessária em nossos dias?! Temos reclamado demais, exigido demais de Deus em nossas mesquinharias, em nossos egoísmos, buscando mais bênçãos e menos Sua Vontade. Queira Deus, em Sua bondade e sabedoria, lembrar sua Igreja dos seus direitos e também dos seus deveres. Mas passo ao terceiro ponto desta explanação. E muitos não vão gostar da minha interpretação. Mas que poderia eu fazer se devemos antes agradar a Deus que aos homens?! Este povo saído do Egito, debaixo de dura escravidão, experimentou algo totalmente inusitado. Não precisavam trabalhar, no sentido legal da palavra, para seu sustento. Tinham maná que caía graciosamente do céu. Não pagavam conta de luz, embora tivessem à disposi-
ção uma coluna de fogo que os iluminava pelas noites. Nem tinham suas vestimentas e pés desgastados pelas caminhadas. Vejamos. “Nunca se envelheceu a tua roupa sobre ti, nem se inchou o teu pé nestes quarenta anos” (v.4). Mas eu digo que este é um milagre à inversa. Vamos comparar com Paulo? “Eu de muito boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado” (2 Co 12.15). “Em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas (2 Co 11.26-28). Israel não conhecia nada destas coisas. Tinha tudo e ainda murmurava. Paulo quase nada tinha mas ainda glorificava o Deus de seus pais. Quarenta anos vazios num deserto, sendo alimentados graciosamente, e nada de produção física ou espiritual. Seu testemunho era um silêncio aterrador aos ouvidos do mundo.
Aquela nação que em breve entraria em sua terra tinha que aprender estas lições, pois tudo mudaria no momento em que pisassem em Canaã. Queira Deus que também nós, igreja e corpo de Cristo, acordemos desta mesma inércia espiritual e sacuda o mundo com uma pregação sincera, viva e salvadora! Ah Senhor, reaviva tua Igreja, em nome de Jesus, o mesmo de ontem, hoje e amanhã!
3.
Uva, boi e linho
Esta nação que ia entrar em terra que não era sua, mas que era dada por Deus pela injustiça e corrupção dos que lá habitavam, tinham que ser diferentes. Não poderiam se misturar com os povos à sua volta, por mais tentador que fosse. Há muitos relatos diretos desta verdade pelos cinco livros que estamos examinando.
Mas há três figuras muito interessantes no cap. 22 que atestam bem esta verdade. Passam desapercebidas, parecendo ter sua função somente física e temporal. Mas toda a Escritura tem seu cumprimento e alvo primordial o espiritual. Vamos ao primeiro. “Não semearás a tua vinha com diferentes espécies de semente, para que não se degenere o fruto da semente que semeares, e a novidade da vinha” (v. 9).
A vinha, ou campo de videiras, fala sempre de sacerdócio. É uma pena que não possamos alongar o assunto já que não é objetivo destas notas entrar em detalhamento. Mas se o leitor e leitora quiserem se aprofundar neste assunto, pode ler outro livro deste autor, exposto em ISSUU – “Figueira, Videira, Oliveira – 3 Ofícios distintos”. https://issuu.com/ministerioescrito/docs/3_arvores Já vimos que a ordem sacerdotal encabeçada por Arão era exclusiva daquele povo. Seu culto, suas leis, seus sacerdotes eram únicos e não poderiam jamais, em hipótese alguma, misturar-se com seus vizinhos, ou a novidade que o símbolo produziria seria degenerada. Uma passagem basta, que associa a lepra ao descuidado em obedecer seus sacerdotes. “Guarda-te da praga da lepra, e tenhas grande cuidado de fazer conforme a tudo o que te ensinarem os sacerdotes levitas; como lhes tenho ordenado, terás cuidado de o fazer” (24.8).
A Igreja lavada no sangue do Cordeiro também corre risco de lepra espiritual, quando associa ou assimila regras mundanas, mesmo debaixo de regras eclesiásticas, ao seu sacerdócio que se baseia na separação, ou mais precisamente – Santidade ao Senhor! Deus não admite misturas, e a segunda figura trata outro enfoque da mesma questão. “Com boi e com jumento não lavrarás juntamente” (v. 10).
Se o primeiro símbolo fala de sacerdócio, este segundo fala de serviço. Sob qualquer forma que encararmos este ponto, também não poderia haver mistura. Qualquer hebreu que fosse realizar algo para Deus, não poderia ter ajuda do estranho. Deus não aceitaria ajuda externa para alcançar qualquer objetivo, pequeno ou grande. Vamos ter oportunidade de tratar deste assunto de forma bem clara mais à frente em outro livro sagrado. Para nós, basta lembrarmos que também a Igreja de Cristo não pode depender das forças humanas, sociais, e muito menos espirituais, que possam advir de qualquer lugar, exceto da própria Igreja. Há um preço sempre caro a se pagar quando misturamos estas forças. O terceiro símbolo fala de algo mais íntimo. “Não te vestirás de diversos estofos de lã e linho juntamente” (v. 11). Se usarmos Apocalipse 19.8 como base, “o linho fino são as justiças dos santos”. Veremos mais à frente que a justiça deriva tanto de Deus quanto do próprio homem. Há algo, por assim dizer, que Deus declara, mas há algo que exercemos com base naquela justiça primeira. A justiça de Israel, bem como da Igreja, deriva da justiça imputada de Deus por causa do sacrifício do cordeiro que viria e que já veio. Não é algo que dependa de atos de nossa parte. Somos justos em Cristo e ponto final.
Mas a vida que levamos neste mundo passa obrigatoriamente por atos e atitudes que foram ou deveriam ter sido construídos pela justiça imposta em nós por Cristo. Como a simbologia da árvore e seus frutos. A lã fala da tentativa de se alcançar o padrão divino por nossos esforços e a Palavra de Deus é clara ao afirmar que o suor não tem lugar na casa de Deus. O justo sempre viveu, vive e viverá da fé, falando de posição recebida ou conduta derivada desta posição. O que nos move é a fé, não as obras. Esta é resultado daquela, e não o inverso. Seja sacerdócio, seja serviço, seja conduta – SANTIDADE AO SENHOR! Nossa próxima nota associará a posição da Lei diante da Arca do Senhor.
4.
Uma arca provisória para a segunda Lei
Sempre que lemos um relato em algum ponto da Escritura, não significa que tudo que poderíamos aprender dele esteja ali. O que está escrito ali é importante naquele ponto. Talvez outra narrativa acrescente algo que torne o assunto mais apurado, preciso. A lei dentro da arca exemplifica o que falamos. Êxodo não diz tudo o que Deuteronômio fala. Este livro complementa a fala do outro. Mais uma boa razão para entendermos que este quinto livro de Moisés seja muito mais que mera repetição, mas uma retrospectiva necessária com novos detalhes que se tornam importantes neste ponto. Não vamos fazer uma comparação dos textos, vamos apenas comentar o princípio envolvido.
Após as primeiras tábuas da lei serem quebradas, as novas são lavradas e depositadas cuidadosamente. “Naquele mesmo tempo me disse o SENHOR: Alisa duas tábuas de pedra, como as primeiras, e sobe a mim ao monte, e faze-te uma arca de madeira; e naquelas tábuas escreverei as palavras que estavam nas primeiras tábuas, que quebraste, e as porás na arca... E virei-me, e desci do monte, e pus as tábuas na arca que fizera; e ali estão, como o Senhor me ordenou.” (10.1-2,5). Nada se comenta em Êxodo sobre esta arca que servia para depósito da lei. Era uma arca provisória, pois as tábuas seriam guardadas em definitivo na arca do Senhor. Ou seja, as tábuas ficaram provisoriamente guardadas nesta arca feita por Moisés e somente depois de construída a arca do Senhor, ou do Testemunho, seriam depositadas em definitivo ali, como comenta Ex 40.20.
“Tomou o testemunho, e pô-lo na arca, e colocou os varais na arca; e pôs o propiciatório em cima da arca”. É interessante notarmos que 3 memoriais se encontravam na arca do Senhor, e nenhuma delas trazia um bom testemunho de Israel. Havia duas tábuas novas da lei, pois as velhas haviam sido quebradas por rebeldia do povo. Havia um pote com maná que lembrava que Israel também tinha desprezado o pão do céu, como já vimos. E havia a vara de Arão que exclamava também a rebeldia do povo quanto ao sacerdócio araônico. As três esferas ministeriais foram maculadas por Israel – o governo de Deus pelas tábuas da lei quebradas; a profecia divina pelo maná desprezado; o sacerdócio divino pela vara florescida. Realmente, o testemunho ali depositado não era nada bom. Mas o que intriga era a necessidade de uma arca provisória para as novas leis. Até o momento tenho a seguinte visão.
Aquela arca provisória era Jesus em carne. Simbolizava o homem que viria peregrinar por Israel buscando arrependimento de seu povo, enaltecendo a lei e a Deus. Ele mesmo deixou bem claro. “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim anular, mas cumprir” (Mt 5.17). Mas o que eu quero fazer meu leitor e leitora entenderem, é que as primeiras tábuas nada falavam da necessidade de uma arca para guardar aquele valioso documento escrito. Pois a lei pura, sem algo que a confine, só pode ser quebrada ao final. Pecadores arruinados não podem cumprir nenhum aspecto da lei por toda uma vida. Logo, esta lei é totalmente condenatória. Mas as segundas tábuas guardadas em Jesus, além de preservar seu testemunho que é santo, liberta-nos de seu cumprimento para nossa salvação. Jesus cumpriu toda a lei, para que a fé, tão somente a fé nEle, pudesse nos salvar, porque Ele cumpriu a lei que nós não podemos cumprir.
Era isto o que dizia aquela lei guardada ou escondida na arca provisória. De um lado, a lei não podia ser anulada, pois estava devidamente guardada. E de outro, mostrava a misericórdia de Deus escondendo-a dentro do Filho de Deus, para não consumir a eles e nem a nós. As primeiras tábuas nuas falam da condenação de pecadores, pois não podem ser cumpridas por quem quer que seja da descendência de Adão. As segundas mostram que um dia elas seriam guardadas no único local tangível e digno – no corpo do Messias de Israel, o cabeça da Igreja. “Por isso, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste; holocaustos e oblações pelo pecado não te agradaram” (HB 10.5-6). Nele estavam não só a salvaguarda da lei, mas graciosa esperança para judeus e gentios.
Podemos arrematar o assunto com uma belíssima e resumida palavra de Paulo: “Para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26). Vamos ainda tocar neste assunto, se Deus o permitir, quando chegarmos em Reis, pois quando Salomão inaugura o templo do Senhor, dois testemunhos haviam sumido. A seguir falaremos da escolha de Jerusalém, a cidade eterna do Deus eterno.
5.
Jerusalém, a cidade eterna
Nenhuma cidade causa tanta confusão, tanta discórdia, tanta perplexidade como Jerusalém. Esta cidade nada é em si mesma. Seu valor eterno está na sua associação com o Eterno. “Mas o lugar que o Senhor vosso Deus escolher de todas as vossas tribos, para ali pôr o seu nome, buscareis, para sua habitação, e ali vireis” (12.5). Este não é um lugar que o homem escolheu, mas o próprio Deus escolheu, e para fazer ali uma habitação Sua. É Deus na terra. Fala do ponto geográfico que cumpre o pedido do Filho bem mais à frente – ‘Venha a nós o vosso reino’. A importância desta escolha se nota claramente no número de vezes que esta expressão ‘o lugar que o Senhor escolher’ aparece neste mesmo capítulo – SEIS vezes. E mais QUINZE vezes por este livro de Deuteronômio, totalizando 21 mensagens proféticas (3x7). Todas as tentativas humanas serão encetadas para prejudicar, disputar, invalidar este local escolhido, numa má vontade para com Deus e seu reino de justiça. Mas nada disto importa, pois este é o local escolhido pelo criador dos céus e da terra para ali colocar Seu Santo nome neste mundo, entronizar seu Filho herdeiro, subjugar todas as nações rebeldes, e elevar eternamente o povo descendente de Israel. Hoje, Jerusalém nada mais é que palco de disputas entre os povos, mas ainda será o local de descanso do trono do Messias de Israel e onde Ele julgará com justiça todo o mundo. Oito palavras separam o descanso eterno deste povo em sua terra escolhida – “Bendito o que vem em nome do Senhor”. Este dia se aproxima.
Volta, ó Senhor, para os muitos milhares de Israel!
6.
O Profeta eterno
Falamos da cidade eterna em nossa nota passada e agora falamos do profeta eterno. Já insinuamos ali que a sorte desta cidade e deste profeta estão intimamente ligadas. “O Senhor teu Deus te levantará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis... e porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar” (18.15,18). Moisés, o profeta da lei, está para ser desligado de Israel, mas a garantia de um novo profeta fica eternizada aqui. O transitório partia, porque o eterno assumiria um dia seu lugar. Parece claro insinuar também que a lei – em um tempo futuro – teria fim como intermediação entre Deus e o povo, porque em verdade só o condenava, para dar lugar a outra sorte de salvação – pela fé na graça de Deus. Neste contexto do profeta que fala em nome do Senhor, uma advertência é levantada. “Porém o profeta que tiver a presunção de falar alguma palavra em meu nome, que eu não lhe tenha mandado falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta morrerá” (v. 20). Este profeta divino que se levantaria – a voz de Deus em carne – carregava também este peso, por isto mesmo Ele assegurou em seu ministério terreno: “Porque lhes dei as palavras que tu me deste; e eles as receberam, e têm verdadeiramente conhecido que saí de ti, e creram que me enviaste” (Jo 17.8).
Este profeta celeste não vai simplesmente pronunciar a lei ao povo de Israel, vai vivê-la em toda a sua essência. Cumprirá cada jota e cada til da lei, e com um diferencial sagrado – sem pecado. Somente nEle a Lei de Deus pode ser completa no sentido mais pleno, pois é proclamada e vivida, não no céu, mas na terra, entre seus irmãos. Moisés pronunciava a vontade do Senhor, o povo a ouvia, e logo depois a quebrava com suas fraquezas e maldades. Este profeta, por ser o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, podia cumprir e ao mesmo tempo se compadecer de seu povo escravizado pelo pecado. A Lei dada no Sinai era de tal forma terrível, que se um animal tocasse o monte deveria ser apedrejado. Mas Jesus podia dizer sem restrições a uma pecadora: “Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais” (Jo
8.11). A Lei na boca de Moisés jamais falaria assim. Mas na boca do Profeta que estava prestes a morrer por seu povo, havia plena misericórdia e graça. O profeta divino viveu e morreu sob a Lei, ressuscitou, assentou-se à direita de Deus, e estendeu seu perdão e justiça própria a toda a humanidade.
A graça venceu a Lei, sem no entanto rebaixá-la ou enfraquecê-la. Moisés morreu, mas o Filho permanece para sempre. Falaremos em seguida deste Moisés que morreu, e sua ligação com a Lei que ele mesmo promulgou.
7.
Adeus, Moisés!
Acompanhamos as jornadas e decisões deste famoso libertador, personagem mais célebre de Israel, mas agora é hora de nos despedirmos. Deus o chama para seu merecido descanso, mas com uma ressalva mais fúnebre que a própria morte. “Então subiu Moisés das campinas de Moabe ao monte Nebo... E disse-lhe o Senhor: Esta é a terra que jurei a Abraão, Isaque, e Jacó, dizendo: À tua descendência a darei; eu te faço vê-la com os teus olhos, porém lá não passarás” (34.1-4). Duas questões quero trabalhar neste texto. Primeiro no nome do monte, Nebo – nome de uma divindade babilônica, conforme dicionário hebraico extraído do site dosenhor.com.
Lembramos que tudo começou em Abrão, um pagão chamado de uma cidade babilônica para peregrinar pela Palestina, terra esta que agora depois de mais de quatro séculos Moisés antevê sobre este monte. Era como se Deus dissesse: – Eu tirei um homem e sua família do poder deste deus pagão, eles peregrinaram por esta terra no passado, foram escravizados por cerca de 400 anos, Eu os libertei do poder de faraó pelo gracioso sacrifício pascal, e agora você se encontra diante da terra, juntamente com este grande povo, que Eu prometi àquele homem. Este passado e seu deus pagão antigo vão ficar para trás em breve. Tudo será novo. E não é assim conosco? Andamos perdidos em nossos delitos e pecados, servindo ao deus deste mundo corrupto, mas veio a cruz e pudemos entrar no bendito descanso de Deus e seu Cordeiro. Mas para Moisés não podia ser assim. Venceu tudo, viu por antecipação aquela formosa terra, mas não entrou. E há um motivo es-
piritual muito simples para isto: Moisés é símbolo máximo daquilo que ele mesmo foi escolhido para entregar ao seu povo – a Lei. Vamos tocar neste ponto outras muitas vezes e creio que ainda não será suficiente para alguns. “Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1.17). Onde há lei, não pode haver graça. Sempre será assim – lei e graça são incompatíveis para o homem caído. Hebreus deixará claro. “(Pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou) e desta sorte é introduzida uma melhor esperança [a graça em Cristo], pela qual chegamos a Deus” (Hb 7.19). Moisés, como doador da Lei que condena, não pode entrar na terra prometida, pois esta terra é a recompensa do descanso, e a Lei não pode fazer isto, consequentemente, Moisés não pode passar, simbolicamente falando, para o outro lado. Mas Josué o fará, pois não está preso à Lei, mas pela lei da fé, e que vamos comentar isto nas próximas notas. Mas há um terceiro ponto bem interessante. Notemos. “Era Moisés da idade de cento e vinte anos quando morreu; os seus olhos nunca se escureceram, nem perdeu o seu vigor” (34.7).
Vimos acima a relação simbólica entre Moisés e a Lei. Esta simbologia não permitiu sua entrada à terra prometida. Os dois elementos simbólicos acima falam também do caráter da Lei. A Lei de Deus não fecha os olhos a ninguém, pois todos estão condenados por ela. A justiça exigida por Deus é imparcial, não se esconde ou rebaixa. Também jamais perde seu vigor, sua força condenatória por sua intransigência não recua jamais. Todos estão condenados aos olhos perfeitos de Deus.
Aí reside o caráter triste da lei – nunca perde seu vigor, e por isto não pode permitir o descanso de nenhuma carne em nenhum momento. Isto é papel da graça. Moisés sairá de cena, e outro capitão, ligado agora à fé, aparece – Josué. Encerramos assim as 7 notas de cada livro de Moisés, o chamado Pentateuco, e partimos para os 12 livros históricos seguintes – Josué a Ester. Obrigado por me acompanhar nesta jornada e espero contar com você nas próximas edições. Que o Senhor Jesus, em sua misericórdia, nos capacite para tal tarefa.