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Referências
As citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida – Edição Revista e Corrigida (ERC) de 1994, salvo menção específica: ERA (Edição Revista e Atualizada de 1997). As citações bíblicas com “duplas” aspas são literais (como em “Persiste em ler” na ERC), enquanto as com aspas ‘simples’ são uma adaptação do texto original (como em ‘persistindo em ler’). Os textos demarcados por [colchetes] dentro das citações bíblicas são acréscimos do autor para uma melhor compreensão do texto. Os verbetes enfatizados foram consultados no Dicionário Brasileiro Melhoramentos, 4ª Edição, de 1968. O texto grego do Novo Testamento examinado foi o da “Trinitarian Bible Society, England – H KΑINH ΔIAΘHKH”.
Índice
Introdução ao tema
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Os Frutos que buscamos
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O Espinho de Paulo
07
Os Espinhos de Todos
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Espinheiros, Cardos e Abrolhos
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Espinhos Santos
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Pôr à prova
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Pôr à guerra
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Admoestações Finais
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INTRODUÇÃO AO TEMA
Sofrimento, esta experiência mais que humana. Fonte inesgotável em toda literatura universal, com todas as suas confusas vertentes, e invariavelmente atrelado ao corpo e alma. Nós, cristãos, até podemos compreender, à luz da Palavra de Deus, por que o mundo sofre e agoniza como fruto inevitável do pecado. Mas a partir do momento que alguém aceita Jesus como seu Senhor e salvador, não deveria esperar que as coisas mudassem repentinamente? Não seríamos como que colocados fora do alcance de suas garras, por termos obtido a paz com Deus por Cristo e seu sacrifício? Como que blindados às suas ações que imaginamos nocivas? Não! É certo que o cristão ainda sofre. Mas por que sofre? Para que sofre? Como vencê-lo? Nada melhor que buscar estas respostas na Palavra de Deus, examinando a vida de homens profundamente espirituais que admiramos, e que também sofreram. Analisaremos um símbolo em especial, o 'espinho'. E começaremos por Paulo, o maior dos apóstolos, com um espinho que o perseguiu por toda sua vitoriosa vida de forma muito particular e peculiar. Se você sofre, é hora de conhecer seus motivos e intenções para se libertar, não do sofrimento, mas da inércia e da angústia que o acompanha, e glorificar a Deus mesmo em meio à mais ardente prova.
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OS FRUTOS QUE BUSCAMOS
Muito se cogita sobre o espinho que Paulo carregava, aventando-se inúmeras interpretações ao símbolo. Não faremos uma longa análise sobre seu espinho em particular. Vamos lançar apenas uma hipótese de interpretação, mais para ajudar nosso entendimento quanto às dimensões que estes espinhos podem tomar. Nosso real intento é analisar os espinhos que se atrelam à nossa vida espiritual em Cristo, tanto no âmbito individual – o crente em si mesmo – quanto no coletivo – a Igreja. Como disse Tiago, “Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos” (Tg 5.17 - ERA), e Pedro arremata nos garantindo “que sofrimentos iguais aos vossos estão se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo” (1 Pe 5.9 - ERA). É objetivo deste estudo comprovar que todo o salvo em Cristo carrega o seu espinho peculiar. Demonstraremos, perseguindo o símbolo pelas páginas inspiradas da Palavra de nosso bendito Senhor, os motivos de Deus para tal permissão santa em nossas vidas, bem como exortar os irmãos ‘a permanecerem fundados e firmes na fé, e não se movendo da esperança do evangelho’ (Cl 1.23), apesar das fraquezas, das necessidades e das perseguições que nos afligem constante, inegável e necessariamente.
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O ESPINHO DE PAULO
Comecemos pela passagem de interesse, e que desenvolveremos a nosso favor adiante. “E, para que me não exaltasse pelas excelências das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de me não exaltar. A cerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim. E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade pois mais me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” (2 Co 12.7-10). Deste texto notamos que Paulo não nasceu com seu espinho, mas foi-lhe “dado” em algum momento de sua vida cristã para que não se “exaltasse pelas excelências das revelações”. Foi um espinho que lhe apareceu na condição de Paulo, e não mais Saulo. Vamos nos deter por ora na expressão “um mensageiro de Satanás”. A palavra original para “mensageiro”, no texto grego do Novo Testamento, é a mesma usada para os anjos (άγγελος – aggelos). Vejamos alguns exemplos. Os sete anjos de Apocalipse que em breve vão tocar suas trombetas e derramar as suas sete taças são ‘aggelos’, que poderiam ser traduzidos por ‘mensageiros’ (Ap 8 e 16). Quando “um anjo do Senhor” abre as portas da prisão 7
para os apóstolos em Atos 5.19, este mensageiro é um ‘aggelo’. ‘E quando o primogênito é introduzido no mundo, todos os anjos de Deus o adorem’ (Hb 1.6), estes anjos são ‘aggelos’. E para não haver dúvidas de que esta palavra grega define tanto os anjos do Senhor, quanto os anjos de Satanás, Apocalipse nos auxilia: “E houve batalha no céu: Miguel e os seus anjos [aggeloi] batalhavam contra o dragão... a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás... e os seus anjos [aggeloi]...” (Ap 12.7-9). Mas vejamos como há diferença na forma como foi traduzida esta palavra nas duas versões mais comuns da Bíblia. Tanto em Mateus 11.10, quanto Marcos 1.2 e Lucas 7.27, esta mesma palavra ‘aggelon’, tratando de João Batista – “Eis que diante da tua face envio o meu ‘aggelon’ –, foi traduzida por “anjo” na Edição Revista e Corrigida (ERC), mas foi traduzida por “mensageiro” na Edição Revista e Atualizada (ERA). João Batista não era um anjo celeste propriamente, mas era um mensageiro diante do Senhor. Ora, se a mesma palavra é traduzida de forma diferente, ora anjo, ora mensageiro, para facilitar a interpretação do texto, poderíamos traduzir também sem nenhum problema aquela expressão “um mensageiro de Satanás” por “um anjo de Satanás”. Assim teríamos a conotação de que aquele espinho na carne de Paulo não fosse físico, mas espiritual, com suas consequências físicas. Seriam “os dardos inflamados do maligno” a que Paulo se refere em Efésios 6.16? Seria um agente satânico que o perturbava e o enfraquecia, mas sob a 8
permissão e supervisão de Deus? Na verdade, seria importante que assim o fosse, pois ele não falaria de algo que não tivesse experiência, não poderia nos exortar a batalhar contra as “hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais” (Ef 6.12), se ele mesmo não tivesse experimentado tais batalhas em sua vida e ministério. Como ele mesmo colocou, “em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído... Porque não ousaria dizer coisa alguma que Cristo por mim não tenha feito” (Fp 4.12 / Rm 15.18). Assim, poderíamos entender melhor certo impedimento que Paulo comentou, quando queria rever os irmãos de Tessalônica: “Pelo que bem quisemos uma e outra vez ir ter convosco, pelo menos eu, Paulo, mas Satanás no-lo impediu” (1 Ts 2.18). Aquele agente do mal o esbofeteava, enfraquecendo e tentando. “E vós sabeis que primeiro vos anunciei o Evangelho estando em fraqueza da carne; e não rejeitastes, nem desprezastes isto que era uma tentação na minha carne, antes me recebestes como um anjo [aggelon] de Deus, como Jesus Cristo mesmo” (Gl 4.14). Provavelmente, neste combate com as hostes espirituais do mal, ele se sentisse como Daniel, que depois de uma visão – uma visão, e não uma luta, uma revelação da bondade do Senhor, e não uma bofetada de Satanás – perdeu todas as suas forças, como ele mesmo relata para nosso proveito: “E só eu, Daniel, vi aquela visão; os homens que estavam comigo não a viram: não obstante, caiu sobre eles um grande temor, e fugiram, escondendo-se. Fiquei pois eu só, e vi esta grande visão, e não ficou força em mim: e transmudou 9
-se em mim a minha formosura em desmaio, e não retive força alguma... e, ouvindo a voz das suas palavras, eu caí com o meu rosto em terra, profundamente adormecido” (Dn 10.7-9). Em outra ocasião, depois de outra visão, ele nos relata: “E eu, Daniel, enfraqueci, e estive enfermo alguns dias...” (Dn 8.27). Embora ele nem tivesse passado por uma luta espiritual, somente um contato visual já o enfermou fisicamente por alguns dias. Também o apóstolo João, depois de ver Jesus em glória, ‘caiu a seus pés como morto’ (Ap 1.17). Nosso bendito Senhor e Deus, nos dias de sua carne, também foi esbofeteado e tentado em proporções maiores. No Jardim do Getsêmani, a luta espiritual foi tamanha, que “o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão” (Lc 22.44). Poderíamos continuar multiplicando as passagens para demonstrar os efeitos de uma batalha espiritual em nosso corpo físico, garantindo que o espinho de Paulo não era uma simples deficiência física, mas o resultado terrível de algo que se passava nas entranhas de sua alma e espírito. Mas como havíamos dito, não é o objetivo principal deste breve estudo determo-nos em Paulo e seus sofrimentos, pois ele já se encontra na glória e em descanso merecido, e sim ‘examinarmo-nos a nós mesmos’ (2 Co 13.5), pois ainda temos de ‘combater o bom combate’, ainda nos resta ‘cumprir a carreira’, ainda temos de ‘guardar a fé’ (2 Tm 4.7).
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OS ESPINHOS DE TODOS
Se queremos compreender a verdadeira natureza deste símbolo, que se associa contrariamente às excelências espirituais, cabe o maior princípio de análise e estudo das Escrituras: “comparando as coisas espirituais com as espirituais” (1 Co 2.13). Assim, iniciemos pelo primeiro relato que introduz os espinhos na esfera humana. “E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela: maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá...” (Gn 3.17-18). No Éden não havia espinhos. Não se justificavam. Tudo era perfeito. Tudo estava em consonância com o caráter santo de Deus. Nada havia ainda que pudesse ferir o relacionamento entre um Deus Santo e uma criatura à sua imagem e semelhança. Mas entrando o pecado, surgem os espinhos. A terra contaminada e amaldiçoada passa a produzi-los. Por mais bela que a rosa seja, seus espinhos sempre nos alertam para os perigos desta contaminação. “A terra pranteia e se murcha; o mundo enfraquece e se murcha... Na verdade a terra está contaminada por causa dos seus moradores... Por isso a maldição consome a terra; e os que habitam nela serão desolados...” (Is 24.4-6). Triste cena, porém necessária diante da santidade do Santo e Justo. É perfeitamente razoável, necessário e óbvio concluir que estes espinhos não sejam somente físicos, mas sobretudo 11
espirituais. Aliás, aqueles são reflexo destes. Assim como o salário do pecado é a morte, esta morte deve ser entendida tanto no sentido físico (a sepultura em que todos seremos lançados) quanto no espiritual, ou seja, todos nascemos “mortos em ofensas e pecados”, “não tendo esperança, e sem Deus no mundo”, sendo “por natureza filhos da ira, como os outros também” (Ef 2.1,12,3). E quais os frutos desta natureza morta? A longa lista das “obras da carne” vergonhosamente registrada em Gálatas 5, e que se encontram latentes em cada coração humano. Utilizei a palavra latente por seu significado extremamente apropriado: “Diz-se da atividade ou caráter que, em certo momento, não se manifesta, mas que é capaz de se revelar ou desenvolver quando as circunstâncias sejam favoráveis ou se atinja o momento próprio para isso”. Em outras palavras, todas as imoralidades mais profundas se encontram escondidas em nossos corações, esperando o momento exato para se mostrar como tal, e disto estamos todos sujeitos. Somente a atuação eficiente do Espírito Santo e o lavar constante da Palavra de Deus podem deter o seu ressurgimento. A Palavra de Deus nos adverte contra a corrupção moral de nossos corações: “Enganoso é o coração, mais do que todas as cousas, e perverso: quem o conhecerá?” (Jr 17.9). Assim podemos entender melhor a figura que Paulo propõe: “Ora o aguilhão da morte é o pecado” (1 Co 15.56). Em outras palavras, o ferrão da morte é o pecado, ou seja, o pecado nos aferroou (física e espiritualmente) gerando a morte. E disto todos somos participantes, como está escrito: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a 12
morte passou a todos os homens, porque todos pecaram [em Adão]” (Rm 5.12 - ERA). Então, todos nascemos ferroados pelo pecado, estendendo seus ferimentos em nossa “carne mortal” durante nossa curta e enferma existência, até o derradeiro suspiro, a morte do corpo. Concluindo, os espinhos produzidos pelo pecado de Adão são estendidos a toda a raça humana, tanto no sentido físico quanto espiritual. Sofremos pelos espinhos de nossa própria carne, pelos espinhos do mundo que “jaz no maligno” (1 Jo 5.19 - ERA) e pelos espinhos com que Satanás nos açoita, como no caso do apóstolo Paulo. Mas devemos diferenciar entre os espinhos que carregamos antes de nossa salvação em Cristo, e depois de nossa perfeita justificação e santificação. Quanto aos espinhos físicos e espirituais antes do nosso novo nascimento em Cristo, podíamos fazer muito pouco. Como disse o Senhor Jesus, “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Com Cristo, no entanto, somos elevados a uma nova e superior posição, pois “Deus... nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo... como também nos elegeu nele... para que fôssemos santos e irrepreensíveis... e nos predestinou para filhos de adoção... nos fez agradáveis a si no Amado. Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas... em quem também fomos feitos herança... tendo iluminados os olhos do vosso entendimento... e vos vivificou... e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (Ef 1.3-2.6). Essa nova posição em Cristo, por si só, já nos libertará 13
de muitos dos nossos incômodos espinhos físicos e espirituais. Por exemplo, “a paz de Deus, que excede todo o entendimento”, ‘preenchendo nossos corações e nossos sentimentos’ (Fp 4.7), já eliminará um grande número de males físicos e psíquicos, visto que as angústias constantes são um dos principais fatores predisponentes a várias doenças. Também a vida santificada em Cristo nos levará a condutas de acordo com a vontade de Deus, desviando-nos dos pecados cotidianos, que, certamente, produzem seus terríveis espinhos. “Depois Jesus encontrou-o no templo, e disse-lhe: Eis que já estás são; não peques mais, para que te não suceda alguma coisa pior” (Jo 5.14). Vamos verificar o que aconteceu com Israel em suas atitudes contrárias à vontade de Deus. “Mas se não lançardes fora os moradores da terra de diante de vós, então os que deixardes ficar deles vos serão por espinhos nos vossos olhos, e por aguilhões nas vossas ilhargas, e apertar-vos-ão na terra em que habitardes” (Nm 33.55). Neste caso, Israel colheu, como tem colhido até hoje, os espinhos condizentes com sua conduta rebelde em não obedecer ao Senhor. Não é o mesmo caso de Paulo. Mas podemos aprender que todas as nossas negligências, omissões, rebeldias, excessos, tanto físicos quanto espirituais, trarão espinhos que nos apertarão num futuro próximo ou distante. Outro caso semelhante, encontramos em Juízes. “E... Gideão veio ao Jordão... e disse aos homens de Sucote: Dai, peço-vos, alguns pedaços de pão ao povo... Porém os príncipes de Sucote disseram: Está já a palma da mão 14
de Zeba e de Salmuna na tua mão, para que demos pão ao teu exército? Então disse Gideão: Pois quando o Senhor der na minha mão a Zeba e a Salmuna, trilharei a vossa carne com os espinhos do deserto, e com os abrolhos” (Jz 8.4-7). Aqui se trata mais de negligência e omissão. Ao invés de fortalecerem aquele que queria fazer a vontade do Senhor, abandonam-no à sua sorte. Todos os que agem assim terão seus espinhos. “E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido” (Gl 6.9). “Quem faz bem é de Deus; mas quem faz mal não tem visto a Deus” (3 Jo 11). Vejamos outra negligência comum. “Passei pelo campo do preguiçoso, e junto à vinha do homem falto de entendimento; e eis que toda estava cheia de cardos [são plantas espinhosas, comentado mais à frente], e a sua superfície coberta de urtigas” (Pv 24.30-31). “Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha que dividir com o que tiver necessidade” (Ef 4.28). “Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs. A esses tais, porém, mandamos e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo que, trabalhando com sossego, comam o seu próprio pão” (2 Ts 3.11-12). “E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). Assim, por estas poucas passagens, podemos verificar que nossas atitudes, separadas da vontade do Senhor em Sua Palavra, trarão certamente seus espinhos indesejáveis. Evi15
dentemente que o Senhor trabalhará em nós através dos seus efeitos. O grave erro de Davi, com relação a seu filho Absalão, trouxe consequências desastrosas tanto para seu filho quanto para ele mesmo e seu reino. Mas o Senhor seguramente não o abandonou, mas trabalhou em sua alma e espírito, pois “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5.20). “E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas... porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus” (Rm 8.26,38-39). “Tudo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo 6.37), ainda que estejamos cravados de espinhos, com todas as suas dores e fraquezas. Este é o caráter santo e imutável de Deus.
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ESPINHEIROS, CARDOS E ABROLHOS
Vamos abrir uma pequena trilha em nosso caminho principal e verificar a diferença entre estes três símbolos. A única semelhança são os espinhos que carregam. Segundo o Dicionário Melhoramentos de 1968, Cardo é o nome comum a várias plantas espinhosas. Ele cita até um cardo-penteador, espécie de erva espinhosa do Velho Mundo (Europa) que servia para levantar os pelos de tecidos de lã nos lanifícios. Abrolhos, por sua vez, são plantas herbáceas (ervas) de fruto espinhoso. Os cardos parecem ter seus espinhos nas folhas da erva ou no receptáculo das suas flores. Aqui são nos frutos. Espinheiros são plantas espinhosas de alta resistência e durabilidade. Sem entrar no mérito da Botânica, pois não é a nossa área, eu me atreveria a relacionar estas três figuras com nosso corpo, alma e espírito. E assim como os espinhos podem se localizar num destes três pontos – galhos, folhas e frutos –, também podemos inferir, por analogia simbólica, que eles se projetem pelas três partes constituintes do ser humano. Nossos espinhos podem ser físicos, morais ou espirituais. Como um espinho físico, poderíamos lembrar Timóteo, “por causa do... estômago, e das... frequentes enfermidades” (1 Tm 5.23). Como um espinho moral, poderíamos citar os cristãos 17
de Corinto. Como eles não haviam ‘se limpado do fermento velho’ (1 Co 5.7) por causa da sua carnalidade, o pecado deles se transformou em “fornicação, e fornicação tal, qual nem ainda entre os gentios, como é haver quem abuse da mulher de seu pai” (5.1). A imoralidade era tanta, que Paulo os entregou a Satanás “para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus” (5.5). Às vezes a amputação radical de um membro é necessária para a limpeza da massa. Finalmente, Saul foi fustigado claramente por um espinho espiritual, pois “o assombrava um espírito mal da parte do Senhor” (1 Sm 16.14). É bem verdade que ele fazia parte do Antigo Testamento, totalmente diferente do Novo, que está baseado em promessas e sacrifício melhores do que aquele. Mas podemos aprender com seus erros. Se o escudo da nossa fé não estiver alicerçado sobre o perfeito entendimento da amplitude e alcance do sacrifício de Cristo e sobre o conhecimento doutrinário idôneo da Palavra de Deus, que é a espada do Espírito Santo, não poderemos apagar todos os “dardos inflamados do maligno” (Ef 6.16). Cabe a nós, portanto, determinar e examinar a sede dos nossos espinhos e tratá-los à luz da palavra de Deus: seja confissão, seja oração, seja paciência e perseverança, “sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto” (Rm 8.28).
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ESPINHOS SANTOS
Não há absolutamente nada que exista que não tenha um objetivo. Podemos não compreender qual seja. Podemos até algumas vezes achar injusto. E outras preferimos fechar os olhos a contemplar a dura realidade que nos cerca. “O Senhor fez todas as coisas para os seus próprios fins, até ao ímpio para o dia do mal” (Pv 16.4), e, mais comumente do que gostaríamos, “brotam os ímpios como a erva” (Sl 92.7). Grandes personagens bíblicos tiveram de suportar graves espinhos. Aliás, esta proporção não é aleatória. Quanto maior o cargo, maiores as responsabilidades e maior o sofrimento. Por outro lado, vencendo, maiores as glórias. Davi teve um terrível espinho em sua vida: Saul. Enquanto este não morreu, não deixou aquele em paz. Mas se por um lado Davi é injusta e cruelmente perseguido por seu inimigo, forçando ele a bradar: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte...”, Aquele que utiliza ‘todas as coisas para o bem daqueles que amam a Deus’ vai inspirá-lo a recitar: “... não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam” (Sl 23.4). Os espinhos da vida podem nos machucar e atrapalhar e mesmo atrasar nossa jornada, mas a ‘bondade e misericórdia nos seguirão todos os dias da nossa vida’, pois ‘habitaremos na Casa do Senhor por longos dias’ (Sl 23.6). Deus alcançou seus objetivos na vida de Davi. Seu galardão? “Porém a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será firme para sempre” (2 Sm 19
7.16). Em breve poderemos vê-lo assentado em seu trono, em Jerusalém, reinando sobre o seu povo e todas as demais nações no Reino Milenar de Cristo. A nação de Israel que andava já folgada no deserto, logo travou luta com seu primeiro inimigo espinhoso: Amaleque. E aqui vamos fazer uma pequena interrupção a nosso favor. Amaleque é tido por símbolo da carne. Não é por acaso que ele seja filho de Esaú (Gn 36.8-16), aquele que vendeu sua primogenitura e perseguirá, inconformado com sua sorte, Jacó em suas jornadas pelo deserto. “E Moisés edificou um altar, e chamou o seu nome, o Senhor é minha bandeira. E disse: Porquanto jurou o Senhor, haverá guerra do Senhor contra Amaleque de geração em geração” (Êx 17.15-16). Porventura Paulo não reportava a isso mesmo, quando lamentava? “Porque o que faço não o aprovo, pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço... De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7.15,17-18). “Porque a carne milita [ou combate, luta, guerreia] contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer” (Gl 5.17 - ERA). Esta luta em nós será travada até o último suspiro, até o último momento de vida da carne. “Semeia-se o corpo em corrupção, ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia [desonra, vergonha], ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará 20
com vigor. Semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual” (1 Co 15.42-44). Só a morte da carne poderá nos livrar definitivamente de sua inimizade. Como o Senhor falou também a Moisés: “Então disse o Senhor a Moisés: Escreve isto para memória num livro, e relata aos ouvidos de Josué; que eu totalmente hei de riscar a memória de Amaleque de debaixo dos céus” (Êx 17.14). Mas até aquele glorioso dia, devemos travar luta incessante contra nossa carne, e podemos vencer pela ajuda do Espírito Santo que em nós habita, como está escrito: “O maior servirá o menor... Amei Jacó, e aborreci Esaú” (Rm 9.12-13). O filho que se vendeu, o primogênito Esaú, e por simbologia a semeadura do corpo animal, que foi vendida por Adão a Satanás, deve servir ao filho escolhido pela eleição divina, que representa o novo homem implantado em nós pelo novo nascimento em Cristo. Vamos esmiuçar este parágrafo. Esaú representa satisfatoriamente a carne, pois, para satisfazer a concupiscência (apetite carnal desordenado) de sua carne, vendeu sua primogenitura, que lhe dava direito de receber porção dobrada da herança, por um prato de lentilhas, que vão ao ventre e depois são lançados fora vergonhosamente. Ele representa então, ou imita, a ‘escritura’ da terra que Adão vendeu a Satanás, quando este também o tentou com um fruto “agradável aos olhos” (Gn 3.6). Jacó, por sua vez, por sua posição de irmão menor, representa Cristo, “feito um pouco menor do que os anjos” (Hb 2.9), e por tabela aquele que nasce de novo por crer em Cristo, ‘eleito nele antes da fundação do mundo... e predestinados para filhos de adoção’ (Ef 1.4-5). 21
“De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição; sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado... assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação... e por fim a vida eterna” (Rm 6.4-6,19,22). “Porque os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o espírito, para as coisas do espírito. Porque a inclinação da carne é morte, mas a inclinação do espírito é vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus... Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus” (Rm 8.5-8). Na figura do Antigo Testamento, Amaleque só era vencido quando Moisés apontava para as regiões celestes em Cristo. “Quando Moisés levantava a sua mão, Israel prevalecia; mas quando ele abaixava a sua mão, Amaleque prevalecia” (Êx 17.11). “Portanto tornai a levantar as mãos cansadas, e os joelhos desconjuntados, e fazei veredas direitas para os vossos pés, para que o que manqueja se não desvie inteiramente, antes seja sarado. Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor... e ninguém seja fornicador, ou profano, como Esaú, que por um manjar vendeu o seu direito de primogenitura. Porque bem sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar de arrependimento, ainda que com lágrimas o buscou” (Hb 22
12.12-14,16-17). Mas Israel falhou em não expulsar todos os seus inimigos, chegando ao ponto de ‘se prostituírem após outros deuses e se encurvarem a eles’ (Jz 2.17). “Pelo que a ira do Senhor se acendeu contra Israel; e disse: Porquanto este povo traspassou o meu concerto... tão pouco desapossarei mais de diante deles a nenhuma das nações, que Josué deixou, morrendo; para por elas provar a Israel, se hão de guardar o caminho do Senhor, como seus pais o guardaram... Estas pois são as nações, que o Senhor deixou ficar, para por elas provar a Israel, a saber, a todos os que não sabiam de todas as guerras de Canaã. Tão-somente para que as gerações dos filhos de Israel delas soubessem (para lhes ensinar a guerra)...” (Jz 2.20-22, 3.1-2). Chegamos ao ponto principal deste estudo. Os motivos oniscientes de Deus se revelam. Aplicando a figura já proposta em Números 33.55 à página 13, os espinhos semeados pelo povo de Israel em sua negligência espiritual, tinham como objetivo “pôr à prova” e ‘ensiná-los para a guerra’.
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Pôr à prova
Serão postos à prova para ver se suportarão a correção do Senhor, o castigo justamente infligido por seu desleixo. O escritor aos hebreus também nos adverte: “Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção [eis a verdadeira prova: admitir o erro e inclinar-se ante o açoite], Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além do que tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos: não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.5-10). Por trás destes dois motivos que estamos a analisar, está aquele que move todas as ações de Deus: sua santidade. Um Deus santo busca inevitavelmente a santidade de seus filhos. E a correção que Ele nos impõe, sendo ou não a nossa culpa direta – pois não procuramos culpados, mas analisamos os motivos mais profundos de Deus para nos provar –, esta correção deve ser admitida por nós com “reverência”, sem nos rebelarmos ou fugirmos, pois o Senhor procura os frutos da santidade em nós. Se pecamos, e o Senhor nos castiga, confessemos o pecado conforme 1 João 1.9 e esperemos pas24
sar “o dilúvio do açoite”, pois ‘a misericórdia do Senhor dura para sempre’ (Sl 136). Se o Senhor nos aflige sem causa aparente, como no caso de Jó, oremos por sua misericórdia e graça, reverentemente, pacientemente, pois ele a seu tempo dará seu galardão. Na verdade, não deveríamos somente suportar a correção, mas nos regozijar com ela, como demonstra Paulo: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5.3-5). Vamos nos deter um pouco nesta passagem, por sua extrema importância prática. O texto afirma categoricamente que a tribulação “produz” a paciência. Mas será que a tribulação por si só pode produzir, invariavelmente, paciência? Comparemos com outro texto do mesmo autor. “Portanto tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau, e, havendo feito tudo, ficar firmes (Ef 6.13). Aqui o apóstolo já não foi tão categórico. A resistência na adversidade está vinculada à armadura de Deus, ou seja, a resistência não virá como fruto certo da tribulação, mas como fruto da armadura por nós vestida. Assim, teríamos duas idéias incongruentes, algo indigno na santa Escritura. Na verdade, não era intenção de Paulo passar a impressão equivocada de que a tribulação certamente produz a paciência. O problema está na tradução deste texto, como veremos. A palavra grega original que foi traduzida como 25
‘produz’ é ‘energes’ — ενεργής. Esta palavra insinua o trabalho, a energia necessária para produzir algum efeito. A produção, qualquer que seja ela, é o resultado do trabalho. O que o apóstolo realmente queria ensinar é que a tribulação trabalha ou energiza a paciência, ou seja, a tribulação tem energia para trabalhar a nosso favor, desenvolvendo então a paciência, a experiência e a esperança, no entanto, desde que tomemos uma atitude positiva ante a tribulação que nos assola, como ele mesmo coloca no contexto que ‘nos gloriemos na esperança da glória de Deus’, ‘nos gloriemos nas tribulações’ e ‘também nos gloriemos em Deus por nosso Senhor Jesus, pelo qual alcançamos a reconciliação’ (Rm 5.2-3,11). Energia, em nossa língua, significa: Capacidade dos corpos para produzir um trabalho ou desenvolver uma força. Um corpo energizado, por assim dizer, não desenvolve um trabalho ou força espontaneamente, mas possui energia acumulada em si que, se direcionada de forma correta, produzirá um trabalho útil. Caso contrário, a energia acumulada será desviada e perdida. Esta mesma palavra foi traduzida satisfatoriamente três vezes em Filipenses. “... Assim também operai [ou trabalhai] a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera [Ele trabalha, não produz] em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.12-13). Dependendo então da forma como trabalharmos as tribulações e tentações, uma de duas colheitas será obtida. (Observe também que agora ‘energes’ foi traduzida corretamente neste contexto do primeiro capítulo de Tiago falando das tribulações.) “Sabendo que a prova da vossa fé obra [ou trabalha] a paciência... a ira do homem não opera a justiça de Deus” (Tg 26
1.3,20). Nossa fé é provada nas tentações e angústias, e diante das nossas reações, ou elas trabalharão a favor da paciência, que trabalhará a favor da experiência, e esta a favor da esperança, ou da revolta que não pode operar a justiça de Deus. Se Deus trabalha ou opera a nosso favor, Satanás também exerce sua influência “no curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera [ou trabalha] nos filhos da desobediência” (Ef 2.2). Não nos portemos, pois, como aquele grupo que não pôde frutificar por cair sobre pedregais, “os quais, ouvindo a palavra, logo com prazer a recebem; mas não têm raiz em si mesmos, antes são temporãos; depois, sobrevindo tribulação ou perseguição por causa da palavra, logo se escandalizam” (Mc 4.16-17). O objetivo de Deus para enviar nossos espinhos é a produção de frutos espirituais agradáveis, seja a trinta, sessenta ou cem para um, e assim para isso Ele trabalha em nós. Nossa reação, carnal ou espiritual, é que produzirá o que é agradável ou desagradável a Deus. “Humilhai-vos pois debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte; lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós. Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar, ao qual resisti firmes na fé: sabendo que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo” (1 Pe 5.6-9). Não resista, pois a resistência é a marca registrada dos ímpios incrédulos, “e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação” (Rm 13.2). O Senhor Jesus nos deixou o maior exemplo, pois “quando o injuriavam, não injuriava, e quando padecia, não 27
ameaçava, mas entregava-se àquele que julga justamente” (1 Pe 2.23). Davi, como homem pecador, portanto à mesma altura nossa, deu um bom exemplo de como suportar a correção; depois de implorar inutilmente pela vida de seu filho com Batseba, “entrou na casa do Senhor, e adorou” (2 Sm 12.20). Assim que, se o Senhor nos açoita com espinhos que nós mesmos produzimos ou com os que Ele acha útil para nossas vidas, sujeitemo-nos, reverenciemos, calemo-nos, esperemos pacientemente, pois o Senhor nos ama, e “prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue... como não nos dará também com ele todas as coisas?” (Rm 5.8-9; 8.32).
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Pôr à guerra
O segundo motivo para os espinhos é para nos treinar para a guerra. Estamos numa guerra espiritual tremenda. Satanás se empenha agora mesmo com os líderes deste mundo tenebroso para erguer seu filho primogênito, aquele a quem eu chamo de “o filho primogênito da globalização”. Temos de lutar, mas “não temos de lutar contra a carne e o sangue [não estamos numa arena física, nem nossos inimigos são físicos como eram para Israel], mas sim contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Ef 6.12). E somado à luta contra estas hostes, ainda temos de desmascarar os ‘gibeonitas’ (Js 9), aqueles que se fazem parecer uma coisa, sendo outra. “... tive necessidade de escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos. Porque se introduziram alguns... homens ímpios, que convertem em dissolução [ou libertinagem – ERA] a graça de Deus...” (Jd 3-4). Mas é na luta que aprimoramos nossa capacidade espiritual. Fugir dela nada acrescentará. Paulo conhecia bem esta realidade. “Porque quero que saibais quão grande combate tenho por vós...” (Cl 2.1). “... antes em tudo fomos atribulados: por fora combates, temores por dentro” (2 Co 7.5). “Se, como homem, combati em Éfeso contra as bestas...” (1 Co 15.32). 29
Os cristãos comuns também provaram e venceram estes espinhos. “Lembrai-vos, porém, dos dias passados, em que, depois de serdes iluminados, suportastes grande combate de aflições. Em parte fostes feitos espetáculo com vitupérios [ou insultos, injúrias] e tribulações... Porque também vos compadecestes dos que estavam nas prisões, e com gozo permitistes a espoliação [tirar a alguém, por violência ou fraude, a propriedade de alguma coisa] dos vossos bens, sabendo que em vós mesmos tendes nos céus uma possessão melhor e permanente” (Hb 10.32-34). Permitir com alegria a perda injusta de seus bens, por causa da fé adotada em Cristo (não estaríamos sujeitos às mesmas coisas?), é realmente um aprimoramento da fé, fruto inequívoco do Espírito Santo, pois olhavam (e aqui está o segredo mais profundo do gozo eterno) “a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus” (Hb 11.10). Deveria nos corar de vergonha o espetáculo triste a que temos presenciado, líderes renomados de nossas igrejas buscando e incentivando o acúmulo de riquezas vãs, sob o pretexto de uma bênção especial da parte de Deus. Resumindo então, o Senhor usa estes espinhos, aqueles que fabricamos por nossas culpas e fracassos, aqueles “dardos” com que Satanás nos machuca e aqueles que o Senhor envia em sua onisciência, para nosso aprimoramento espiritual. “E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela” (Hb 12.11). Quanto a este exercício, não poderia deixar de citar nosso maior exemplo. 30
“Ainda que era Filho, aprendeu a obediência por aquilo que padeceu” (Hb 5.8). “Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer...” (Is 53.3 – ERA). Obviamente Ele nunca sofreu pelos seus próprios pecados, pois era “santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus” (Hb 7.26). Padeceu sempre pelas nossas injustiças, pelas injustiças de um sistema mundano corrupto e pelas investidas do diabo. Mas sofreu, exatamente por ser filho, sempre calado, aceitando seu destino, não se revoltando ou se rebelando, mas ‘entregando-se àquele que julga justamente’ (1 Pe 2.23). Sei que já apresentei esta questão um pouco antes. “Não me aborreço de escrever-vos as mesmas coisas, e é segurança para vós” (Fp 3.1). Mas há algo pior do que se rebelar ou tentar driblar os sofrimentos que nos são impostos. É querer comprar a liberdade, tentar barganhar com Deus, ‘sacrificar’ algo para obter o favor divino. “Agora pois, seja o temor do Senhor convosco: guardai-o, e fazei-o; porque não há no Senhor nosso Deus iniquidade [ou injustiça], nem aceitação de pessoas, nem aceitação de presentes [ou suborno – ERA]” (2 Cr 19.7). O único sacrifício que Deus admite é o de seu Filho, “portanto ofereçamos sempre por ele a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome” (Hb 13.15). Como dizia Oséias, “daremos como bezerros os sacrifícios dos nossos lábios” (Os 14.2).
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ADMOESTAÇÕES FINAIS
Não esquecemos a passagem central que nos iluminou o título deste livreto. “Pilatos pois tomou então a Jesus, e o açoitou. E os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, lha puseram sobre a cabeça...” (Jo 19.1-2). Ali, meus amados irmãos e irmãs, não estão somente fincados em sua gloriosa fronte os espinhos de Paulo, mas os espinhos de toda uma humanidade. Eram vários. Cada um produzia o seu sofrimento e agonia particulares, um não era igual ao outro. Mas o Senhor Jesus suportou cada um deles. Venceu-os todos. Venceu por mim. Venceu por você. Basta que creiamos e esperemos pacientemente. Ele conhece, por experiência própria, todos os nossos sofrimentos. “Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos pois com confiança ao trono da graça [não precisamos levar nada, a não ser os lábios e o coração], para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (Hb 4.15-16). Poderíamos parafrasear as palavras do Senhor: “E até mesmo os ‘espinhos’ da vossa cabeça estão todos contados” (Mt 10.30). E foi profeticamente entretecido na forma de uma coroa, porque seu reino estará baseado nesta vitória sem par. “E vi na destra do que estava assentado sobre o trono 32
um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos. E vi um anjo forte, bradando com grande voz: Quem é digno de abrir o livro e de desatar os seus selos? E ninguém no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro, nem de o ler, nem de olhar para ele. E disse-me um dos anciãos: Não chores: eis aqui o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, que venceu, para abrir o livro e desatar os seus sete selos. E olhei, e eis que estava no meio do trono e dos quatro animais viventes e entre os anciãos um Cordeiro, como havendo sido morto, e tinha sete pontas e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados a toda a terra. E veio, e tomou o livro da destra do que estava assentado no trono. E, havendo tomado o livro, os quatro animais e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo todos eles harpas e salvas de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos: porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda a tribo, e língua, e povo, e nação; e para o nosso Deus os fizeste reis e sacerdotes: e eles reinarão sobre a terra” (Ap 5.1-10). Fomos comprados ali, “com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado” (1 Pe 1.19). É inevitável, pois, que o destino de Cristo seja o nosso mesmo destino. “E, se nós somos filhos [e isto vem pelo novo nascimento em Cristo], somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo [o prefixo ‘co-’ significa simplesmente ‘com’, ou seja, herdaremos juntamente de Deus o mesmo que Cristo vai herdar por sua vitória na cruz, simplesmente porque cremos nele]: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados” (Rm 33
8.17). Não há glorificação sem padecimento. Cristo adentrou aos céus porque “ao Senhor agradou o moê-lo, fazendo-o enfermar” (Is 53.10). Mas aqui deve haver uma motivação diferente. Nós não sofreremos para sermos salvos, mas porque já somos salvos e já fomos comprados deste mundo tenebroso pelo sofrimento de Cristo em nosso lugar. E não há devolução da parte de Deus. Sofreremos ou padeceremos então, pois nos juntamos pela fé ao Senhor Jesus, sendo transportados “para o reino do Filho do seu amor” (Cl 1.13). E não pode haver comunhão entre a luz de Cristo e as trevas do mundo. Estas sempre perseguirão aquela. Nosso sofrimento, causado pelos três espinhos que já comentamos, servirá para o nosso crescimento espiritual, para então herdarmos o que Cristo já alcançou gratuitamente por nós. “Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele... para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória na revelação de Jesus Cristo” (Fp 1.29; 1 Pe 1.7). “Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse; mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo: para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e alegreis. Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória de Deus. Que nenhum de vós padeça como homicida, ou ladrão, ou malfeitor, ou como o que se entremete em negócios alheios; mas, se padece como cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus nesta parte” (1 Pe 4.1234
16). Palavras salutares: ‘padecimentos’, ‘aflições’, ‘vitupérios’, ‘ardentes provas’ e ‘tentações’. Quem as suporta? Quem as espera? Quem as prega? Quem se alegra? Mas este é o quinhão inevitável daquele que se associa a Cristo. “Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta: olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz, desprezando a afronta e assentou-se à destra do trono de Deus. Considerai pois aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos” (Hb 12.1-3). Nosso Senhor suportou tudo e venceu, assentando-se à destra de seu Pai, porque antevia o gozo eterno que o aguardava. É nesta esperança que também devemos lutar, aguardar e vencer. Os grandes heróis da fé, listados em Hebreus 11, “todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas [não as receberam, pois Cristo ainda não havia sido morto por seus pecados, e também ainda não havia ressuscitado à destra de seu Pai], mas vendo-as de longe e crendo-as e abraçando-as [assim devemos viver, pois Cristo já venceu e foi glorificado], confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra [confessamos e vivemos assim?]... Pelo que também Deus se não envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade” (Hb 11.13,16). Nossa cidade em breve descerá “do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido” (Ap 21.2). E 35
“nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça” (2 Pe 3.13). Paulo suportava tudo, inclusive seu amargo espinho, pois adotava a mesma fórmula, “e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.13-14). E completa na mesma fé e certeza dos fiéis do Antigo Testamento: “Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido [com todos os seus espinhos], para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas” (Fp 3.20-21). Paulo, na verdade, vê mais longe com os olhos da fé adulta em Cristo. Falando aos que foram vivificados “juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)... nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (Ef 2.5-6). Muitos não conseguem entender plenamente o que Paulo invoca aqui, pois o espírito de legalismo e de autossuficiência encontram-se ainda enraizados na alma. Ele não diz que nos assentaremos nos lugares celestiais quando morrermos num futuro incerto, mas que já “nos fez assentar” num passado certo, quando Jesus, nosso substituto e precursor, assentou-se à destra da Majestade nas alturas. Nada podemos acrescentar com nossas justiças, e nada podemos retirar com todas as nossas misérias, pecados e fraquezas. Agora somos filhos, “e, porque sois filhos, Deus enviou em nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai... e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo” (Gl 4.6-7). Muitos não conseguem compreender ou não querem 36
admitir a diferença essencial entre a justificação (que nos garante incondicionalmente a salvação e nossa consequente entrada ao paraíso) e a santificação (que nos garante, aqui sim com condições, uma melhor e mais perfeita comunhão com nosso Pai em nossa jornada rumo aos céus, pela justificação garantida em graça). Retornando então ao ponto que interrompemos, somos exortados a usar a mesma tática do Senhor para vencermos nossas provações através dos nossos espinhos: antever nossa posição celeste, como anteviu Paulo, e, juntamente com ela, a certeza de que tudo ficará para trás, quando nossos corpos forem transformados à semelhança da glória de Cristo. “Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos [e os que cremos, com Ele, para nunca mais morrermos], e foi feito as primícias [ou primeiros frutos] dos que dormem... Assim também a ressurreição dos mortos. Semeiase o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia [ou desonra, vergonha], ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará em vigor... E, assim como trouxemos a imagem do terreno [Adão], assim traremos também a imagem do celestial [Jesus em glória]” (1 Co 15.19-20,42-43,49). Por fim, amados irmãos e irmãs, sabendo que todos temos nossos espinhos particulares que nos ferem, nos vencem às vezes, nos tentam, nos enfraquecem, nos prostram muitas vezes, que faz banhar nossos travesseiros no silêncio da noite, lembremos mais uma vez que nosso glorioso e amado Senhor Jesus foi coroado com eles, suportando-os e vencendo-os a todos. E Ele mesmo, por sua experiência humana e vitória divina, “limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque 37
já as primeiras coisas são passadas... Eis que faço novas todas as coisas... estas palavras são fiéis e verdadeiras... Está cumprido” (Ap 21.4-6). Gostaria apenas de deixar como ilustração e alento para nossas almas algo comovente e digno de nota. Encontrase citado no excelente devocional “Mananciais no Deserto”, de Lettie Cowman, à página 106, editado pela Editora Betânia, 2ª Edição, de 1999. “George Matheson, o bem conhecido pregador cego da Escócia, disse certa vez: Meu Deus, eu nunca te agradeci por meu espinho. Muitas vezes te agradeci por minhas rosas, mas nem uma vez por meu espinho. Sempre sonhei com um mundo onde obterei uma compensação pela minha cruz; mas nunca pensei em minha cruz como sendo, ela mesma, uma glória presente. Ensina-me a glória da minha cruz; ensina-me o valor do meu espinho. Mostra-me que é pela vereda da dor que tenho subido a ti. Mostra-me que as lágrimas formam na minha vida um arco-íris.” E também, as palavras de Austin Phelps, à página 309 deste mesmo Manancial: “É pela estrada de espinhos que se chega ao monte da visão”. Que o Senhor Jesus, em sua infinita e suficiente graça, nos abra os olhos da esperança e do entendimento, como os deles certamente foram, e possamos não só suportar nossos espinhos, mas agradecer e louvar a Deus por eles, pois todos eles já foram suportados pelo nosso Sumo Pastor. “E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá. A Ele seja a glória e o poderio para todo o sempre. Amém” (1 Pe 5.10). 38
Resisti firmes na fé, sabendo que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo.
1 Pe 5.9