Da ceia à ressurreição - Ciclo 4

Page 1


Projeto Gráfico e Editoração Márcio Bertachini

Atibaia – São Paulo Composição – 2007 Reedição – 2016

ministerioescrito.blogspot.com ministerioescrito@hotmail.com


Diretrizes Chegamos ao 4º e derradeiro ciclo. Nada mais conveniente que uma ceia íntima para mudar radicalmente os cenários anteriores de incompreensão, perseguição e incredulidade. Mas em contraposição a esta cena quase celestial, uma das mais infernais se seguirá: a cruz. Antes porém, Pedro, em sua fatídica noite, negará seu amado Senhor por seis vezes, nas casas de Anás e Caifás, conforme os textos são maravilhosamente desembaraçados pela compilação. Pilatos intentará, num ir e vir de personagens, libertar seu prisioneiro celeste inocentando-o publicamente por seis vezes, sucumbindo porém diante da simples menção do nome sombrio de César. Findo o flagelo, suas discípulas intentarão embalsamar o Senhor, enredadas no entanto por dois feriados: o sabático e o 'pães asmos'. Ao final da compilação, notas explicativas minuciosas deste período conturbado, sofrido, porém abençoado, de nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo.

3


Introdução ao texto integral “Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro; e, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, e da cidade santa, que estão escritas neste livro” (Ap 22.18-19). Sob este peso e direção é que compus esta compilação dos Santos Evangelhos segundo Mateus, Marcos, Lucas e João, que discorrem sobre o nascimento miraculoso, a vida imaculada, a morte preciosa e a ressurreição gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo, em um único livro. Não foi tarefa fácil. Primeiro pela enorme quantidade de informações contidas nestes Evangelhos, com o agravante de os escritores terem abordado a vida e a pessoa de Jesus sob um determinado ponto de vista, e de forma nem sempre cronológica. E a segunda razão, e também a mais perversa, pela tradição que recebemos de nossos pais, sem os devidos questionamentos. Vamos esmiuçar um pouco mais estas dificuldades. Muitos cristãos sabem que Mateus enfatiza Jesus como Rei; Marcos o mostra como servo; Lucas, como homem; e João o eleva à Divindade. E estes enfoques, obviamente, levaram a narrativas em que, embora centradas no mesmo personagem, um livro contenha comentários que outro omita totalmente. Ou, o que se poderá perceber algumas vezes, parecendo-se tratar de um mesmo acontecimento, pela semelhança dos textos, na verdade os fatos ocorram em tempos distintos, depois de uma observação mais acurada. 4


Exemplificando o que me propus a realizar, se tomarmos como fato a crucificação de Jesus, Mateus relata que na cruz foi escrita a seguinte sentença: “ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS” (Mt 27.37). Marcos relata: “O REI DOS JUDEUS” (Mc 15.26). Lucas, por sua vez, mostra: “ESTE É O REI DOS JUDEUS” (Lc 23.38). João, finalmente, revela: “JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS” (Jo 19.19). Observe as lacunas.

ESTE É JESUS ,

O REI DOS JUDEUS O REI DOS JUDEUS

ESTE É

O REI DOS JUDEUS JESUS

NAZARENO ,

REI DOS JUDEUS

Nenhum dos quatro textos revelou a totalidade do que fora escrito em sua condenação. Portanto, com a união das passagens referidas, teríamos o seguinte na íntegra: “ESTE É JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS”.

Nenhuma palavra falta, nenhuma se repete. Mas este é um caso fácil de se resolver. Uma simples comparação das passagens já é suficiente para se esclarecer a questão. Mas e, por exemplo, quanto à afirmação de Jesus sobre Pedro, que este o negaria três vezes antes que o galo cantasse, relatado em Mateus, Lucas e João, e um outro relato em Marcos que diz que Pedro o negaria duas vezes antes que o 5


galo cantasse três vezes? Soma-se a isto a dificuldade de encontrarmos vários personagens envolvidos na história, em dois diferentes locais, e em distintas ocasiões. Como coadunar tudo isto? Ou por exemplo, na famosa e intrigante transfiguração de Jesus ante os discípulos, cujos livros de Mateus e Marcos o colocam seis dias depois de um certo depoimento seu, e Lucas o coloca como sendo quase oito dias depois deste mesmo pronunciamento. Alguém mais apressado poderia alegar que quase oito poderia significar seis. Um físico, ou um engenheiro, poderia permitir uma negligência como esta em sua área de trabalho? Você contrataria, descansadamente, um profissional assim? Se em nosso mundo moderno necessitamos cada vez mais de precisão, e ele certamente passará, por que negligenciarmos as revelações da Palavra de Deus, que “não hão de passar”?

E aqui devemos fazer um importante comentário. E este comentário é a base, ou pedra angular, de toda a revelação escrita no livro chamado Bíblia. Foi a partir desse pressuposto e revelação que foi possível unir os quatro Evangelhos em uma só narrativa, apesar de todos os preconceitos em contrário. Usando o mesmo exemplo acima, estamos absolutamente convencidos de que Pedro negou Jesus três vezes naquela noite fatídica. E a partir deste conceito, ou preconceito por assim dizer, propus reunir as passagens relativas a estas negações. Só houve um pequeno problema. As passagens não se encaixavam de forma precisa e natural. Por um momento me desesperei. Será que não havia saída para tal impasse? Havia partido da premissa correta de que “a Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35). Sabia que “a profecia nunca 6


foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”, e que “nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação” (2 Pe 1.20-21). Não fazia nada mais que estar “comparando as coisas espirituais com as espirituais” (1 Co 2.13). A própria Palavra de Deus e o Espírito que em mim habita testificavam que o impasse estava certamente na minha incompetência em alcançar as profundezas de Deus, e jamais, nunca, poderia haver falha nas Escrituras Sagradas. E com esta certeza, levantei-me de minha cadeira, apreensivo e desconsolado, e fui refrescar minhas ideias com um copo de água. Enquanto bebia, orei assim: Ah, Senhor! Eu sei que a tua Palavra é perfeita. Preciso de tua iluminação, ou não vou poder realizar esta tarefa. Ajuda-me! Então mais uma vez o Senhor mostrou-me a sua benignidade. Como numa iluminação momentânea, e não saberia como explicar, o Senhor sussurrou-me no fundo da minha mente algo que eu nunca pensaria de mim mesmo. E a partir desta pequena pista pude montar o quebra cabeça, que o leitor poderá verificar no texto à frente. E a resolução deste questionamento calou ainda mais fundo naquela certeza, já alicerçada, de que os Evangelhos jamais poderiam conter as alegadas contradições, como alguns assim classificam apressadamente. Devo mencionar que esta passagem sempre me intrigou profundamente, e isto muito antes de sequer pensar em fazer tal compilação. E me sentia tão apreensivo quanto a ela, que logo nas primeiras páginas deste trabalho, avancei para esta passagem “problemática”, pois se eu não pudesse resolvê-la, temia não poder realizar a tarefa a que me propusera. Resolvida a questão, soube intimamente que as demais passagens teriam o mesmo destino, e regressei ao ponto em que havia interrompido, certo de que só pararia no amém final. 7


Mas o que deve ser ressaltado ao leitor é que não só os Evangelhos participam desta graça, mas “toda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra” (2 Tm 3.16-17), e que “as sagradas letras... podem fazer -te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus” (2 Tm 3.15). No entanto, quando o leitor apreciar o texto único, não terá um texto sagrado, ou canônico, apesar de estar lendo somente os Evangelhos. Porque se fosse canônico, ou fizesse parte da Palavra de Deus, deveria estar contido dentro da Bíblia, e graças a Deus não está. O Espírito de Deus resolveu por bem narrar a vida de Jesus em quatro narrativas separadas, de forma que o texto unificado não sofre a inspiração mencionada por Pedro em 2 Pe 1.20-21.

Aqui se pode dizer o inverso do que se diz da Bíblia. A Bíblia não contém a Palavra de Deus; ela é a Palavra de Deus. O texto à frente não é a Palavra de Deus; simplesmente contém a Palavr a de Deus. A vida do Messias deveria ser assim comentada, sob quatro pontos diferentes de vista, para que se cumprisse o que Moisés diz: “... pela boca de duas testemunhas, ou pela boca de três testemunhas, se estabelecerá o negócio” (Dt 19.15). E o próprio Messias assim o confirma, dizendo: “E na vossa lei está também escrito que o testemunho de dois homens é verdadeiro” (Jo 8.17). Portanto, temos que dois apóstolos confirmam sua humanidade, e outros dois que confirmam sua divindade, pois “por boca de duas ou três testemunhas será confirmada toda a palavra” (2 Co 13.1). Reunindo então tudo o que já dissemos, se os quatro 8


relatos são a Palavra de Deus, que não podem errar, e eles comentam sobre a vida de uma única e indivisível Pessoa, os quatro Evangelhos devem, naturalmente, ser passíveis de uma união perfeita e equilibrada. Com isto em mente é que pude integrar os quatro documentos em um só; e nos casos em que houvesse possíveis contradições, devido à forma diferente de narrar dos Evangelistas, estas deveriam ser resolvidas de forma natural no momento da reunião dos relatos, para que se tornassem um, da mesma forma que o personagem retratado é um, e o Espírito que os inspirou é um só. Usei, para tal contento, sem diminuir ou aumentar a Palavra de Deus, para que não incorresse nas pragas descritas no início desta introdução, uma fórmula muito simples: não poderia introduzir sequer uma vírgula no texto reunido. Como no caso citado acima, onde lemos a inscrição “Este é Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus”, o leitor poderá verificar que as quatro frases estão dentro desta única frase, sem acrescentar ou subtrair nada. Mas como eu havia dito, este trecho é facílimo de se resolver. Houve muitos textos em que, literalmente, sofri para unificá-los. A maioria das vezes devido às diferenças entre os relatos, que no momento da reunião, produziam uma quebra na continuidade lógica do todo. Também gramaticalmente, já que às vezes um texto falava no plural, e outro no singular. Seria impossível citar todas as dificuldades.

As maiores complicações foram: primeiramente, a sequência exata dos fatos, no início do ministério de Cristo; o sermão da montanha, que num primeiro olhar sobre Mateus e Lucas pareciam se tratar do mesmo sermão, mas depois, num olhar mais penetrante, os Evangelhos na verdade relatavam dois sermões: um sermão chamado “da montanha”, e outro sermão que eu designei “da planície”; a transfiguração; o ser9


mão profético; os dois cegos de Jericó; a última ceia; as negações de Pedro; Jesus perante o Sinédrio; a visita das mulheres ao túmulo no primeiro dia da semana; as aparições de Jesus aos discípulos após sua ressurreição. Todos estes textos terão suas devidas notas, para que o leitor possa entender o meu raciocínio, e também comparar com os Evangelhos, sentindo desta forma a mesma dificuldade que eu senti. Devo mencionar, também, lembrando ao leitor, que os títulos presentes nos Evangelhos, como por exemplo: “A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém”, não fazem parte do texto original, que foi escrito em grego; portanto, não são a Palavra de Deus, e, logo, podem conter erros. No mesmo exemplo acima, lendo a narrativa referente à entrada de Jesus em Jerusalém, o leitor perceberá que não houve nada de “triunfal” em sua entrada, e nem poderia ser assim, visto que o Senhor dos Exércitos adentra Israel montado num jumentinho. Houve então da minha parte algumas mudanças nestes títulos, e quando acrescentei alguma palavra, ou mesmo um título novo, o que foi acrescentado estará entre chaves. E que também será explicado pelas notas. Outra dificuldade a ser mencionada são as repetições dos ensinos de Jesus. Se dentro de um mesmo Evangelho já há semelhanças profundas em alguns acontecimentos, que se dirá de quatro? O leitor pode experimentar estas dificuldades ao comparar estas simples passagens: Mt 5:29-30 com 18:8-9; Mt 12:38-40 com 16:1-4; Lc 8:16-18 com 11:33-36; 10


Lc 11:43 com 20:46; Lc 12:11-12 com 21:12-15; Lc 13:15 com 14:5. Mas, na verdade, nem poderia ser diferente. Se pronunciando várias vezes os mesmos discursos, o público entendia muito pouco, imagine-se um único discurso, num tempo em que não havia gravadores. Também as repetições são muito interessantes, pois elas são recolocadas num novo contexto, dando maior dinamismo em suas pregações. Estes discursos repetidos em ocasiões diferentes, obviamente, foram preservados no texto unificado. Mesmo os sinais e milagres de Jesus não foram únicos, mas exaustivamente repetidos para aguçar os sentidos dos ouvintes, pois o mesmo Senhor interpela os seus apóstolos quanto ao seu entendimento; como no caso das duas multiplicações dos pães: “Como não entendeis ainda?” ( Mc 8.15-21 ). Não adentrarei agora em todas as dificuldades, pois a maior parte delas será resolvida nas notas apropriadas. Vamos, antes, ter uma visão panorâmica dos quatro Evangelhos. O Evangelho mais diferenciado trata-se de João. É neste livro que encontramos as grandes pregações de Jesus. Não há muitos milagres narrados aqui; e quase todos os que aqui são encontrados, são exclusivos deste livro, quais sejam: a água feita em vinho, a cura do filho dum régulo, a cura do paralítico de Betesda, a cura dum cego de nascença e a ressurreição de Lázaro. Somente a primeira multiplicação dos pães e seu passeio a pé sobre o mar são comuns aos outros Evangelhos. 11


Mas daqui retiramos as pedras mais preciosas de sua Divindade, quando Ele declara ser um com o Pai, o pão que desce do céu, a água da vida, a luz do mundo, o bom Pastor, a porta das ovelhas, “o caminho, e a verdade, e a vida”, a ressurreição, a videira verdadeira, aquele que saiu do Pai e tornaria para Ele. Somente aqui temos menção da festa dos tabernáculos, da festa da dedicação (ou das luzes) e da primeira expulsão dos vendedores do templo, logo no início de seu ministério. Somente aqui, também, vemos a menção das três páscoas consecutivas que Jesus participaria, depois de seu batismo. E de João se extrai a fala mais longa do Senhor durante a sua última ceia. Mateus, Marcos e Lucas, por terem basicamente a mesma construção, são chamados de Evangelhos Sinóticos; termo que insinuaria a capacidade destes três Evangelhos serem compostos num só esquema. Mas na realidade, somente Mateus e Marcos participam desta aptidão. Há diferenças sutis em Lucas, que num primeiro momento parece tratar de uma reprise dos outros dois livros, mas, na verdade, num olhar mais aguçado, trata de acontecimentos diferentes. O próprio autor foi enganado muitas vezes por essas similitudes, mas tiveram que ser revistas após um exame mais minucioso de seus contextos. Estas diferenças também serão comentadas. O livro de Marcos é o mais curto, e nada comenta sobre a infância de Jesus, partindo imediatamente para a pregação de João Batista. Comparado com Mateus, embora contenha algumas inversões quanto aos episódios ocorridos antes da primeira multiplicação dos pães, no restante são idênticos. Lucas é o livro mais longo, e o único a retratar a história de Isabel e Zacarias. Nele encontramos os detalhes do nas12


cimento de Jesus e João Batista. Seu maior trunfo, no entanto, está em sua sequência da última viagem de Jesus para Jerusalém, comentando fatos e parábolas não abordados pelos outros. Comuns aos quatro evangelhos, temos: o ministério de João Batista, a primeira multiplicação dos pães, a entrada “triunfal” de Jesus em Jerusalém, Jesus preso em Getsémani, a traição de Judas, as negações de Pedro, o julgamento de Jesus pelos sacerdotes, por Herodes e Pilatos, sua crucificação, sua sepultura, sua ressurreição e seus aparecimentos em público após a ressurreição. Dito isto, passemos à forma do texto unificado. Para cada Evangelho usei uma determinada cor, para que o leitor possa visualizar com facilidade os textos. Mateus está em azul; Marcos, em vermelho; Lucas, em preto; João, em verde. Como havia dito, os títulos contêm algumas mudanças, que foram colocadas entre chaves. As passagens analisadas e agrupadas estão mencionadas nos títulos, nas cores devidas, bem como as notas necessárias. Utilizei a forma padrão na identificação das passagens, e nos casos em que havia a necessidade de divisão de um único versículo em duas ou três partes, empreguei a sequência abc para identificá-las. Quanto à fonte, servi-me da Edição Revista e Corrigida (ERC) para este trabalho. 13


O leitor, amante da Palavra de Deus, deveria se exercitar acompanhando os textos sagrados enquanto lê a síntese, para que possa entender os artifícios lógicos usados pelo escritor, e não ser um mero expectador. Lembro mais uma vez que não sendo o texto unificado inspirado como a Palavra de Deus é, poderá conter erros quanto à minha visão dos acontecimentos, e que o leitor deverá corrigir, partindo sempre daquelas premissas abordadas há pouco. Quanto às falas entre os diferentes personagens e a sequência exata do ministério do Senhor, procurei encaixá-las da melhor maneira possível, já que os textos nem sempre nos dão a ordem precisa das mesmas, visando sempre o melhor entendimento dos fatos. Espero, com a reunião destes quatro Evangelhos em um só documento, ressaltar as peculiaridades de cada passagem, aguçando-nos os sentidos para as verdadeiras proposições do Espírito Santo, ao dividir a vida de Jesus e seus apóstolos em quatro partes. Além disso, espero que as muitas possíveis contradições e dúvidas sobre certas passagens sejam iluminadas e esclarecidas, contribuindo para a verdade de que “homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”, e que “a Escritura não pode ser anulada”. Fora destes dois objetivos, a unificação não tem valor algum.

“ (2 Pe 3.10), juntamente com este livro.

14


Índice A última Páscoa: a Ceia ..................................................17 O maior será como o menor ..............................................19 Jesus lava os pés aos discípulos ........................................19 A santa Ceia ......................................................................21 Jesus prediz [novamente] que Judas o há de trair .......21 Pedro é avisado... A promessa do Consolador ..................22 As duas espadas ................................................................25 União íntima entre Jesus e os crentes................................26 Jesus repete a promessa do Consolador e de sua volta .....28 Oração de Jesus pelos seus discípulos ..............................30 Pedro é [novamente] avisado .........................................32 Jesus em Getsêmani ..........................................................33 Jesus é preso ......................................................................34 Jesus perante [Anás]. Pedro nega-o [três vezes] ...........36 Jesus perante [Caifás]. Pedro nega-o [mais três vezes] ....38 [O Concílio contra Jesus.] O suicídio de Judas .................41 Jesus perante Pilato e perante Herodes ........................42 Jesus no caminho do Gólgota............................................48 A crucifixão ......................................................................49 A sepultura de Jesus ..........................................................54 A ressurreição ..................................................................56 Dois discípulos no caminho de Emaús .............................60 Jesus aparece aos onze. A incredulidade de Tomé ...........62 Jesus aparece a alguns dos discípulos em Tiberíades .......64 Jesus aparece aos discípulos [no monte da] Galileia ....67 [Os discípulos retornam a Jerusalém...] ........................68 A ascensão.........................................................................68 Notas .................................................................................71


“Jesus nasceu em um mundo condenado pela transgressão, cresceu sob um regime transgressor, viveu entre transgressores, morreu entre transgressores, intercedeu pelos transgressores, mas nunca cometeu sequer uma transgressão.”


A última páscoa: a ceia Nota 01 - pg. 75 (Mt 26:17-25; Mc 14:12-21; Lc 22:7-18,22; Jo 13:1) Ora, antes da festa da páscoa, sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Chegou, porém, o primeiro dia dos pães asmos, em que importava sacrificar a páscoa. E chegaram os discípulos junto de Jesus, dizendo: Onde queres que façamos os preparativos para comeres a páscoa? E mandou a Pedro e a João, dizendo: Ide, preparai-nos a páscoa, para que a comamos. mos?

E eles lhe perguntaram: Onde queres que a prepare-

E ele lhes disse: Ide à cidade, e um certo homem, que leva um cântaro d’água, vos encontrará; e dizei-lhe: O Mestre diz: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a páscoa com os meus discípulos; segui-o até à casa em que ele entrar. E direis ao pai de família senhor da casa: O mestre te diz: Onde está o aposento em que hei de comer a páscoa com os meus discípulos? Então ele vos mostrará um grande cenáculo mobilado e preparado; aí fazei preparativos. E, saindo os seus discípulos, foram à cidade, e acharam como Jesus lhes tinha dito, e prepararam a páscoa. E, chegada a tarde, assentou-se à mesa com os doze apóstolos. 17


E disse-lhes: Desejei muito comer convosco esta páscoa, antes que padeça; porque vos digo que a não comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus. E, tomando o cálix, e havendo dado graças, disse: Tomai-o, e reparti-o entre vós; porque vos digo que já não beberei do fruto da vide, até que venha o reino de Deus.

E, comendo eles, disse: Em verdade vos digo que um de vós, que comigo come, há de trair-me. E eles, entristecendo-se muito, começaram cada um a dizer-lhe: Porventura sou eu, Senhor? E outro: Porventura sou eu, Senhor? Mas ele, respondendo, disse-lhes: É um dos doze. O que mete comigo a mão no prato, esse me há de trair. Em verdade o Filho do homem vai, como acerca dele está escrito, mas ai daquele homem por quem o Filho do homem é traído! Bom seria para esse homem se não houvera nascido. E, respondendo Judas, o que o traía, disse: Porventura sou eu, Rabi? Ele disse: Tu o disseste.

18


O maior será como o menor (Lc 22:24-30) E houve também entre eles contenda, sobre qual deles parecia ser o maior. E ele lhes disse: Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve. Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Eu porém, entre vós sou como aquele que serve. E vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações. E eu vos destino o reino, como meu Pai mo destinou; para que comais e bebais à minha mesa no meu reino, e vos assenteis sobre tronos, julgando as doze tribos d’Israel.

Jesus lava os pés aos discípulos (Jo 13: 2-20) E, acabada a ceia, tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que o traísse, Jesus, sabendo que o Pai tinha depositado nas suas mãos todas as coisas, e que havia saído de Deus e ia para Deus, levantou-se da ceia, tirou os vestidos, e, tomando uma toalha, cingiu-se. Depois deitou água numa bacia, e começou a lavar os pés aos discípulos, e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido. Aproximou-se pois de Simão Pedro, que lhe disse: Senhor, tu lavas-me os pés a mim? Respondeu Jesus, e disse-lhe: O que eu faço não o sa19


bes tu agora, mas tu o saberás depois. Disse-lhe Pedro: Nunca me lavarás os pés. Respondeu-lhe Jesus: Se eu te não lavar, não tens parte comigo. Disse-lhe Simão Pedro: Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça. Disse-lhe Jesus: Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo. Ora vós estais limpos, mas não todos. Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso disse: Nem todos estais limpos. Depois que lhes lavou os pés, e tomou os seus vestidos, e se assentou outra vez à mesa, disse-lhes: Entendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Ora se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. Na verdade, na verdade vos digo que não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou. Se sabeis estas coisas, bemaventurados sois se as fizerdes. Não falo de todos vós; eu bem sei os que tenho escolhido; mas para que se cumpra a Escritura: O que come o pão comigo, levantou contra mim o seu calcanhar. Desde agora vo-lo digo, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis que eu sou. Na verdade, na verdade vos digo: Se alguém receber o que eu enviar, me recebe a mim, e quem me recebe a mim recebe aquele que me enviou.

20


A santa ceia (Mt 26:26-29; Mc 14:22-25; Lc 22:19-20) E quando comiam, Jesus tomou o pão, e, abençoando-o e havendo dado graças, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente tomou o cálix, depois da ceia, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos; e todos beberam dele. E disse-lhes: Este cálix é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados. E digo-vos que, desde agora, não beberei mais deste fruto da vide até àquele dia em que o beba novo convosco no reino de meu Pai.

Jesus prediz [novamente] que Judas o há de trair Nota 02 - pg. 83 (Lc 22:21,23; Jo 13:21-30) Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, e afirmou, dizendo: Mas eis que a mão do que me trai está comigo à mesa. Na verdade, na verdade vos digo que um de vós me há de trair. Então os discípulos olhavam uns para os outros e começaram a perguntar entre si qual deles seria o que havia de fazer isto, duvidando de quem ele falava. Ora um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus. Então Simão Pedro fez sinal a este, para que pergun21


tasse quem era aquele de quem ele falava. E, inclinando-se ele sobre o peito de Jesus, disse-lhe: Senhor, quem é? lhado.

Jesus respondeu: É aquele a quem eu der o bocado mo-

E, molhando o bocado, o deu a Judas Iscariotes, filho de Simão. E após o bocado entrou nele Satanás. Disse pois Jesus: O que fazes, faze-o depressa. E nenhum dos que estavam assentados à mesa compreendeu a que propósito lhe dissera isto; porque, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe tinha dito: Compra o que nos é necessário para a festa; ou que desse alguma coisa aos pobres. E, tendo Judas tomado o bocado, saiu logo. E era já noite.

Pedro é avisado. As últimas instruções de Jesus aos discípulos. A razão da sua saída do mundo. A promessa do Consolador (Mt 26:34; Lc 22:31-34; Jo 13:31-14:31a) Tendo pois ele saído, disse Jesus: Agora é glorificado o Filho do homem, e Deus é glorificado nele. Se Deus é glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e logo o há de glorificar. Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco. Vós me buscareis, e como tinha dito aos judeus: Para onde eu vou não podeis vós ir: eu vo-lo digo também agora. 22


Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros: como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros. Disse-lhe Simão Pedro: Senhor, para onde vais? Jesus lhe respondeu: Para onde eu vou não podes agora seguir-me, mas depois me seguirás. Disse-lhe Pedro: Por que não posso seguir-te agora? Por ti darei a minha vida. Disse também o Senhor: Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos.

E ele lhe disse: Senhor, estou pronto a ir contigo até à prisão e à morte. Mas respondeu-lhe Jesus: Tu darás a tua vida por mim? Na verdade, na verdade te digo Pedro, que hoje, nesta mesma noite, não cantará o galo antes que três vezes negues que me conheces. Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito: vou prepararvos lugar. E, se eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também. Mesmo vós sabeis para onde vou, e conheceis o caminho. Disse-lhe Tomé: Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? 23


Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim. Se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai; e já desde agora o conheceis, e o tendes visto. basta.

Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, o que nos

Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai: e como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras. Crede-me que estou no Pai, e o Pai em mim: crede-me, ao menos, por causa das mesmas obras. Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas; porque eu vou para meu Pai. E tudo quanto pedirdes em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei. Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; o Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece: mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis; porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós. Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele. Disse-lhe Judas (não o Iscariotes): Senhor, donde vem 24


que te hás de manifestar a nós, e não ao mundo? Jesus respondeu, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada. Quem me não ama não guarda as minhas palavras; ora a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai que me enviou. Tenho-vos dito isto, estando convosco.

Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito. Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou: não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize. Ouvistes que eu vos disse: Vou, e venho para vós. Se me amásseis, certamente exultaríeis por ter dito: Vou para o Pai; porque o Pai é maior do que eu. Eu vo-lo disse agora antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis. Já não falarei muito convosco, porque se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em mim; mas é para que o mundo saiba que eu amo o Pai, e que faço como o Pai me mandou.

As duas espadas (Mt 26:30; Mc 14:26; Lc 22:35-39; Jo 14:31b) E disse-lhes: Quando vos mandei sem bolsa, alforje, ou alparcas, faltou-vos porventura alguma coisa? Eles responderam: Nada. Disse-lhes pois: Mas agora, aquele que tiver bolsa, tome-a, como também o alforje; e, o que não tem espada, venda o seu vestido e compre-a; porquanto vos digo que importa que 25


em mim se cumpra aquilo que está escrito: E com os malfeitores foi contado. Porque o que está escrito de mim terá cumprimento. E eles disseram: Senhor, eis aqui duas espadas. E ele lhes disse: Basta. Levantai-vos, vamo-nos daqui.

E, tendo cantado o hino, saíram para o monte das Oliveiras como costumava; e também os seus discípulos o seguiram.

Continuação das últimas instruções aos discípulos – União íntima entre Jesus e os crentes (Jo 15:1-27) Eu sou a videira verdadeira, e o meu Pai é o lavrador. Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado. Estai em mim, e eu vós: como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas: quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem. Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos. Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós; permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, 26


permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor. Tenho-vos dito isto, para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo. O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos. Vós sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mando. Já vos não chamareis servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer. Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda. Isto vos mando: Que vos ameis uns aos outros. Se o mundo vos aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, me aborreceu a mim. Se vós fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas, porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece. Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. Mas tudo isto vos farão por causa do meu nome; porque não conhecem aquele que me enviou. Se eu não viera, nem lhes houvera falado, não teriam pecado, mas agora não têm desculpa do seu pecado. Aquele que me aborrece, aborrece também a meu Pai. Se eu entre eles não fizesse tais obras, quais nenhum outro têm feito, não teriam pecado; mas agora, viram-nas e me aborreceram a mim e a meu Pai. Mas é para que se cumpra a palavra que está escrita na sua lei: Aborreceram-me sem causa. Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai 27


vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim. E vós também testificareis, pois que estivestes comigo desde o princípio.

Continuação das últimas instruções aos discípulos – Jesus repete a promessa do Consolador e da sua própria volta (Jo 16:1-33) Tenho-vos dito estas coisas para que vos não escandalizeis. Expulsar-vos-ão das sinagogas; vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus. E isto vos farão, porque não conheceram ao Pai nem a mim. Mas tenho-vos dito isto, a fim de que, quando chegar aquela hora, vos lembreis de que já vo-lo tinha dito; e eu não vos disse isto desde o princípio, porque estava convosco. E agora vou para aquele que me enviou: e nenhum de vós me pergunta: Para onde vais? Antes, porque isto vos tenho dito, o vosso coração se encheu de tristeza, todavia digovos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for, enviar-vo-loei. E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo. Do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais; e do juízo, porque já o príncipe deste mundo está julgado. Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que 28


há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar. Um pouco, e não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis; porquanto vou para o Pai. Então alguns dos seus discípulos disseram uns para os outros: Que é isto que nos diz? Um pouco, e não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis; e: porquanto vou para o Pai? Diziam pois: Que quer dizer isto: Um pouco? Não sabemos o que diz. Conheceu pois Jesus que o queriam interrogar, e disselhes: Indagais entre vós acerca disto que disse: Um pouco, e não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis? Na verdade, na verdade vos digo que vós chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará, e vós estareis tristes; mas a vossa tristeza se converterá em alegria. A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque é chegada a sua hora; mas, depois de ter dado à luz a criança, já se não lembra da aflição, pelo prazer de haver nascido um homem no mundo. Assim também vós agora, na verdade, tendes tristeza; mas outra vez vos verei, e o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém vo-la tirará. E naquele dia nada me perguntareis. Na verdade, na verdade vos digo que tudo quanto pedirdes a meu Pai, em meu nome, ele vo-lo há de dar. Até agora nada pedistes em meu nome; pedi, e recebereis, para que o vosso gozo se cumpra. Disse-vos isto por parábolas: chega, porém, a hora em que vos não falarei mais por parábolas, mas abertamente vos falarei acerca do Pai. Naquele dia pedireis em meu nome, e não vos digo que eu rogarei por vós ao Pai; pois o mesmo Pai vos ama; visto como vós me amastes, e crestes que saí de Deus. Saí do Pai, e vim ao mundo: outra vez deixo o mundo, e vou para o Pai. 29


Disseram-lhe os seus discípulos: Eis que agora falas abertamente, e não dizes parábola alguma. Agora conhecemos que sabes tudo, e não hás mister de que alguém te interrogue. Por isso cremos que saíste de Deus. Respondeu-lhes Jesus: Credes agora? Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um para sua parte, e me deixareis só, mas não estou só, porque o Pai está comigo. Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.

Oração de Jesus pelos seus discípulos (Jo 17:1-26)

Jesus falou assim, e, levantando seus olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti; assim como lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste. E a vida eterna é esta: Que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer. E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse. Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste: eram teus, e tu mos deste, e guardaram a tua palavra. Agora já têm conhecido que tudo quanto me deste provém de ti; porque lhes dei as palavras que tu me deste; e eles as receberam, e têm verdadeiramente conhecido que saí de ti; e creram que me enviaste. Eu rogo por eles: não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. E todas as mi30


nhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e nisso sou glorificado. E eu já não estou mais no mundo; mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós. Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse. Mas agora vou para ti, e digo isto no mundo, para que tenham a minha alegria completa em si mesmos. Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os aborreceu, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo, como eu do mundo não sou. Santifica-os na verdade: a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade. Eu não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim. Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste: porque tu me hás amado antes da criação do mundo. Pai justo, o mundo não te conheceu; mas eu te conheci, e estes conheceram que tu me enviaste a mim. E eu lhes fiz 31


conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja.

Pedro é [novamente] avisado Nota 03 - pg. 84 (Mt 26:31-33,35; Mc 14:27-31) Então Jesus lhes disse: Todos vós esta noite vos escandalizareis em mim; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão. Mas, depois de eu ressuscitar, irei adiante de vós para a Galileia.

Mas Pedro, respondendo, disse-lhe: Ainda que todos se escandalizem em ti, eu, porém, nunca me escandalizarei. E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje, nesta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás. Mas Pedro disse com mais veemência: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de modo nenhum te negarei. E da mesma maneira diziam todos os discípulos também.

32


Jesus em Getsêmani (Mt 26:36-46; Mc 14:32-42; Lc 22:40-46; Jo 18:12) Tendo Jesus dito isto, saiu com os seus discípulos para além do ribeiro Cedrom, onde havia um horto chamado Getsêmani, no qual ele entrou e seus discípulos. E Judas, que o traía, também conhecia aquele lugar, porque Jesus muitas vezes se ajuntava ali com os seus discípulos. E, quando chegou àquele lugar, disse aos seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar. E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, a Tiago e a João, começou a ter pavor, e a angustiar-se muito. Então lhes disse: A minha alma está profundamente cheia de tristeza até à morte; ficai aqui, e velai comigo. E, indo um pouco mais para diante cerca de um tiro de pedra, prostrou-se sobre o seu rosto, pondo-se de joelhos, orando para que, se fosse possível, passasse dele aquela hora. E disse: Aba, Pai, todas as coisas te são possíveis; se queres, passa de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres. E voltando para os seus discípulos, achou-os adormecidos; e disse a Pedro: Simão, dormes? Então nem uma hora pudestes velar comigo? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação: na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca. E, indo segunda vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua 33


vontade. E, voltando, achou-os outra vez dormindo de tristeza, porque os seus olhos estavam carregados, e não sabiam que responder-lhe. E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras. E apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava. E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão. E levantando-se da oração, voltou terceira vez, e disselhes: Dormi agora, e descansai. Basta; é chegada a hora. Eis que o Filho do homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos; eis que está perto o que me trai.

Jesus é preso (Mt 26:47-50a,51-56; Mc 14:43-45,47-52; Lc 22:47-53; Jo 18: 3-11) E, estando ele ainda a falar, eis que chegou Judas, um dos doze, e com ele grande multidão com lanternas, espadas e varapaus. Pois tendo Judas recebido a coorte e oficiais dos principais sacerdotes e fariseus, e dos escribas e dos anciãos do povo, e capitães do templo, veio para ali. Sabendo pois Jesus todas as coisas que sobre ele haviam de vir, adiantou-se, e disse-lhes: A quem buscais? Responderam-lhe: A Jesus Nazareno. Disse-lhes Jesus: Sou eu. 34


E Judas, que o traía, estava com eles. Quando pois lhes disse: Sou eu, recuaram, e caíram por terra. Tornou-lhes pois a perguntar: A quem buscais? E eles disseram: A Jesus Nazareno. Jesus respondeu: Já vos disse que sou eu: se pois me buscais a mim, deixai ir estes. Para que se cumprisse a palavra que tinha dito: Dos que me destes nenhum deles perdi. Ora, o que o traía, tinha-lhes dado um sinal, dizendo: Aquele que eu beijar, esse é: prendei-o, e levai-o com segurança. E logo, aproximando-se de Jesus, disse: Rabi, Rabi. Jesus, porém, lhe disse: Amigo, a que vieste? E logo chegou-se a Jesus para o beijar, e disse-lhe: Eu te saúdo Rabi. E beijou-o. E Jesus lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do homem? E, vendo os que estavam com ele o que ia suceder, disseram-lhe: Senhor, feriremos à espada? Então Simão Pedro, que tinha espada, estendendo a mão, desembainhou-a, e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. E o nome do servo era Malco. Mas Jesus disse a Pedro: Mete a tua espada na bainha; 35


porque todos os que lançarem mão da espada à espada morrerão. Ou pensas tu que eu não poderia agora orar a meu Pai, e que ele não me daria mais de doze legiões de anjos? Como pois se cumpririam as Escrituras, que dizem que assim convém que aconteça? Não beberei eu o cálice que o meu Pai me deu? Deixai-os; basta. E, tocando-lhe a orelha, o curou. Então disse Jesus à multidão: Saístes com espadas e varapaus a prender-me, como a um salteador? Todos os dias me assentava junto de vós, ensinando no templo, e não estendestes as mãos contra mim, mas esta é a vossa hora e o poder das trevas. Mas tudo isto aconteceu para que se cumpram as escrituras dos profetas. Então todos os discípulos, deixando-o, fugiram. E um certo mancebo o seguia, envolto em um lençol sobre o corpo nu. E lançaram-lhe a mão. Mas ele, largando o lençol, fugiu nu. Jesus perante [Anás]. Pedro nega-o [três vezes] Nota 04 - pg. 86 (Mt 26:50b,69-72; Mc 14:46,66-70a,72; Lc 22:54a-57; Jo 18:12-23) Então a coorte, e o tribuno, e os servos dos judeus, aproximando-se, lançaram mão de Jesus, e o prenderam e o manietaram. E conduziram-no primeiramente a Anás, por ser sogro de Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano. Ora, Caifás era quem tinha aconselhado aos judeus que convinha 36


que um homem morresse pelo povo. E Simão Pedro e outro discípulo seguiam a Jesus. E este discípulo era conhecido do sumo sacerdote, e entrou com Jesus na sala do sumo sacerdote. E Pedro estava da parte de fora, à porta. Saiu então o outro discípulo que era conhecido do sumo sacerdote, e falou à porteira, levando Pedro para dentro. Ora estavam ali os servos e os criados, que tinham feito brasas, e se aquentavam todos sentados, porque fazia frio; e com eles estava Pedro, aquentando-se também embaixo, no pátio. Então a porteira, uma das criadas do sumo sacerdote, vendo a Pedro, que se estava aquentando ao fogo, olhou para ele, e disse: Não és tu também dos discípulos deste homem galileu? Tu também estavas com Jesus Nazareno. Porém ele negou-o diante de todos, dizendo: Mulher, não sou. Não o conheço, nem sei o que dizes. E saiu fora ao alpendre, e o galo cantou. E a criada, vendo-o outra vez, começou a dizer aos que ali estavam: Este é um dos tais. Mas ele o negou outra vez. E, saindo para o vestíbulo, outra criada o viu, e disse aos que ali estavam: Este também estava com Jesus, o Nazareno. E ele negou outra vez com juramento: Não conheço tal homem. E o galo cantou segunda vez. E Pedro lembrou-se da 37


palavra que Jesus lhe tinha dito: Antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás tu. E, retirando-se dali, chorou. E o sumo sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina. Jesus lhe respondeu: Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se ajuntam, e nada disse em oculto. Para que me perguntais a mim? Pergunta aos que ouviram o que é que lhes ensinei; eis que eles sabem o que eu lhes tenho dito. E, tendo dito isto, um dos criados que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: Assim respondes ao sumo sacerdote? Respondeu-lhe Jesus: Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, por que me feres?

Jesus perante [Caifás]. Pedro nega Jesus [mais três vezes] (Mt 26:57-68,73-75; Mc 14:53-65,70b,71; Lc 22:54b,58-65;Jo 18:24-27) Anás mandou-o manietado, à casa do sumo sacerdote Caifás. E ajuntaram-se todos os principais dos sacerdotes, e os anciãos e os escribas. E Pedro o seguiu de longe até dentro do pátio do sumo sacerdote e, entrando, assentou-se entre os criados, para ver o fim, aquentando-se ao lume. Ora os príncipes dos sacerdotes, e os anciãos, e todo o conselho, buscavam falso testemunho contra Jesus, para pode38


rem dar-lhe a morte; e não o achavam. Porque muitos testificavam falsamente contra ele, mas os testemunhos não eram conformes; mas por fim chegaram duas, e testificavam falsamente contra ele, dizendo: Nós ouvimos-lhe dizer: Eu derribarei este templo, construído por mãos de homens, e em três dias edificarei outro, não feito por mãos de homens. E nem assim o seu testemunho era conforme.

E, levantando-se o sumo sacerdote no sinédrio, perguntou a Jesus, dizendo: Nada respondes? Que testificam estes contra ti? Mas ele calou-se, e nada respondeu. O sumo sacerdote lhe tornou a perguntar, e disse-lhe: És tu o Cristo, Filho do Deus Bendito? E Jesus, porém, guardava silêncio. E, insistindo o sumo sacerdote, disse-lhe: Conjuro-te pelo Deus vivo que nos diga se tu és o Cristo, o Filho de Deus. Disse-lhes Jesus: Tu o disseste; digo-vos, porém, que Eu o sou, e vereis o Filho do homem assentado à direita do poder de Deus, e vindo sobre as nuvens do céu. Então o sumo sacerdote rasgou os seus vestidos, dizendo: Blasfemou; para que precisamos ainda de mais testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia. Que vos parece? E todos o consideraram culpado de morte. E eles, respondendo, disseram: É réu de morte. Então alguns cuspiramlhe no rosto e lhe davam punhadas, e vendando-lhe os olhos, 39


feriam-no no rosto, e perguntavam-lhe dizendo: Profetiza-nos, Cristo, quem é o que te bateu? E os servidores que detinham Jesus zombavam dele, e davam-lhe bofetadas. E outras muitas coisas diziam contra ele, blasfemando. E Simão Pedro estava ali, e aquentava-se. Disseram-lhe pois: Não és também tu um dos seus discípulos? Ele negou, e disse: Não sou. E um pouco depois, vendo-o um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, disse: Não te vi eu no horto com ele? Tu és também deles. Mas Pedro disse: Homem, não sou. E passada quase uma hora, aproximando-se os que ali estavam, um outro afirmava, dizendo a Pedro: Verdadeiramente tu és um deles, porque és também galileu, pois a tua fala te denuncia. E Pedro disse: Homem, não sei o que dizes. Então começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: Não conheço esse homem de quem falais. E logo, estando ele ainda a falar, cantou o galo. E, virando-se o Senhor, olhou para Pedro, e Pedro lembrou-se da palavra do Senhor, como lhe havia dito: Antes que o galo cante hoje, me negarás três vezes. E, saindo Pedro para fora, chorou amargamente.

40


[O concílio contra Jesus.] O suicídio de Judas (Mt 27:1-10; Mc 15:1; Lc 22:66-23:1) E, logo ao amanhecer, ajuntaram-se todos os príncipes dos sacerdotes, e os anciãos do povo, e os escribas, e todo o sinédrio, e conduziram Jesus ao seu concílio; e formavam juntamente conselho contra Jesus, para o matarem; e lhe perguntaram: És tu o Cristo? Dize-no-lo. Ele replicou: Se vo-lo disser, não o crereis; e também, se vos perguntar, não me respondereis, nem me soltareis. Desde agora o Filho do homem se assentará à direita do poder de Deus. E disseram todos: Logo, és tu o Filho de Deus? E ele lhes disse: Vós dizeis que eu sou. Então disseram: De que mais testemunho necessitamos? Pois nós mesmos o ouvimos da sua boca. E, levantando-se toda a multidão deles, e ligando Jesus, o levaram e entregaram ao presidente Pôncio Pilatos. Então Judas, o que o traíra, vendo que fora condenado, trouxe, arrependido, as trinta moedas de prata, aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo: Pequei, traindo o sangue inocente. go.

Eles, porém, disseram: Que nos importa? Isso é conti-

E ele, atirando para o templo as moedas de prata, retirou-se e foi-se enforcar. 41


E os príncipes dos sacerdotes, tomando as moedas de prata, disseram: Não é lícito metê-las no cofre das ofertas, porque são preço de sangue. E, tendo deliberado em conselho, compraram com elas o campo dum oleiro, para sepultura dos estrangeiros. Por isso foi chamado aquele campo, até ao dia de hoje, Campo de sangue. Então se realizou o que vaticinara o profeta Jeremias: Tomaram as trinta moedas de prata, preço do que foi avaliado, que certos filhos d’Israel avaliaram. E deram-nas pelo campo do oleiro, segundo o que o Senhor determinou.

Jesus perante Pilatos e perante Herodes Nota 05 - pg. 92 (Mt 27:11-31; Mc 15:2-20; Lc 23:2-25; Jo 18:28-19:16) E foi Jesus apresentado ao presidente para a audiência. E era pela manhã cedo. E não entraram na audiência, para não se contaminarem, mas poderem comer a páscoa. Então Pilatos saiu fora e disse-lhes: Que acusação trazeis contra este homem? Responderam-lhe, e disseram-lhe: Se este não fosse mal feitor, não to entregaríamos. Disse-lhes pois Pilatos: Levai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei. Disseram-lhe então os judeus: A nós não nos é lícito matar pessoa alguma. (Para que se cumprisse a palavra que Jesus tinha dito, significando de que morte havia de morrer). 42


E começaram a acusá-lo, dizendo: Havemos achado este, pervertendo a nossa nação, proibindo dar o tributo a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, o rei. Tornou pois a entrar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus, e o interrogou dizendo: Tu és o rei dos Judeus? Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-to outros de mim? Pilatos respondeu: Porventura sou eu judeu? A tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a mim: Que fizeste? Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo: se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus: mas agora o meu reino não é daqui. Disse-lhe pois Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus, e disselhes: Não acho culpa alguma neste homem. E, sendo acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos de muitas coisas, nada respondeu. E Pilatos o interrogou outra vez, dizendo: Nada respondes? Não ouves quantos testificam contra ti? 43


E nem uma palavra mais respondeu, de sorte que o presidente estava muito maravilhado. Mas eles insistiam cada vez mais, dizendo: Alvoroça o povo ensinando por toda a Judeia, começando desde a Galileia até aqui. Então Pilatos, ouvindo falar da Galileia, perguntou se aquele homem era galileu. E, sabendo que era da jurisdição de Herodes, remeteu-o a Herodes, que também naqueles dias estava em Jerusalém. E Herodes, quando viu a Jesus alegrou-se muito; porque havia muito que desejava vê-lo, por ter ouvido dele muitas coisas, e esperava que lhe veria fazer algum sinal; e interrogava-o com muitas palavras, mas ele nada lhe respondia. E estavam os principais dos sacerdotes, e os escribas, acusandoo com grande veemência. E Herodes, com os seus soldados, desprezou-o, e, escarnecendo dele, vestiu-o de uma roupa resplandecente e tornou a enviá-lo a Pilatos. E no mesmo dia Pilatos e Herodes entre si se fizeram amigos; pois dantes andavam em inimizade um com o outro. E, convocando Pilatos os principais dos sacerdotes, e os magistrados, e o povo, disse-lhes: Haveis-me apresentado este homem como pervertedor do povo; e eis que, examinando-o na vossa presença, nenhuma culpa, das de que o acusais, acho neste homem. Nem mesmo Herodes, porque a ele vos remeti, e eis que não tem feito coisa alguma digna de morte; mas vós tendes por costume que eu vos solte alguém pela páscoa. Castigá-lo-ei pois, e soltá-lo-ei. Ora, por ocasião da festa, costumava o presidente soltar um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse. E tinham então um preso bem conhecido, chamado Barrabás, um 44


salteador que, preso com outros amotinadores, tinha cometido uma morte por causa de uma sedição feita na cidade. E a multidão, dando gritos, começou a pedir que fizesse como sempre lhes tinha feito. E Pilatos lhes respondeu, dizendo: Quereis que vos solte o Rei dos Judeus?

Porque ele bem sabia que por inveja os principais dos sacerdotes o tinham entregado. Mas os principais dos sacerdotes incitaram a multidão para que fosse solto antes Barrabás, dizendo toda a multidão à uma: Fora daqui com este, e solta-nos Barrabás. Portanto, estando eles reunidos, disse-lhes Pilatos: Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo? Então todos tornaram a clamar, dizendo: Este não, mas Barrabás. E, estando ele assentado no tribunal, no lugar chamado Litostrotos, e em hebraico Gábata, sua mulher mandou-lhe dizer: Não entres na questão desse justo, porque num sonho muito sofri por causa dele. Falou pois outra vez Pilatos, querendo soltar a Jesus: Qual desses dois quereis vós que eu solte? E eles disseram: Barrabás. E Pilatos, respondendo, lhes disse outra vez: Que quereis pois que faça de Jesus a quem chamais Rei dos Judeus, chamado Cristo? 45


Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que matasse Jesus. Disseram-lhe todos: Seja crucificado. O presidente, porém, pela terceira vez, lhes disse: Mas que mal fez este? Não acho nele culpa alguma de morte. Castigá-lo-ei pois, e soltá-lo-ei. Mas eles instavam com grandes gritos, pedindo que fosse crucificado: Crucifica-o, crucifica-o. E os seus gritos e os dos principais dos sacerdotes redobravam. Então Pilatos, querendo satisfazer a multidão, julgou que devia fazer o que eles pediam. E soltou-lhes o que fora lançado na prisão por uma sedição e homicídio, que era o que pediam; mas tomou a Jesus e o açoitou.

E logo os soldados do presidente, conduzindo Jesus dentro à sala, que é a da audiência, reuniram junto dele toda a coorte. E, despindo-o, o cobriram com uma capa de escarlate; e, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça, e em sua mão direita uma cana; e, ajoelhando diante dele, o adoraram, dizendo: Salve, Rei dos judeus. E, cuspindo nele, tiraram-lhe a cana, e batiam-lhe com ela na cabeça. E davamlhe bofetadas. Então Pilatos saiu outra vez fora, e disse-lhes: Eis aqui vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele crime algum. Saiu pois Jesus fora, levando a coroa de espinhos e o vestido de púrpura. E disse-lhes Pilatos: Eis aqui o homem. 46


Vendo-o pois os principais dos sacerdotes e os servos, clamaram, dizendo: Crucifica-o, crucifica-o. Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós, e crucificai-o; porque eu nenhum crime acho nele. Responderam-lhe os judeus: Nós temos uma lei, e, segundo a nossa lei, deve morrer, porque se fez Filho de Deus. ficou. és tu?

E Pilatos, quando ouviu esta palavra, mais atemorizado E entrou outra vez na audiência, e disse a Jesus: Donde Mas Jesus não lhe deu resposta.

Disse-lhe pois Pilatos: Não me falas a mim? Não sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar? Respondeu Jesus: Nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse dado; mas aquele que me entregou a ti maior pecado tem. Desde então Pilatos procurava soltá-lo; mas os judeus clamavam, dizendo: Se soltas este, não és amigo de César: qualquer que se faz rei é contra o César. Ouvindo pois Pilatos este dito, levou Jesus para fora, e assentou-se no tribunal. E era a preparação da páscoa, e quase à hora sexta; e disse aos judeus: Eis aqui o vosso Rei. Mas eles bradaram: Tira, tira, crucifica-o. 47


Disse-lhes Pilatos: Hei de crucificar o vosso Rei? Responderam os principais dos sacerdotes: Não temos rei, senão o César. Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo: considerai isso. E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos. Então entregou-lho, para que fosse crucificado. E tomaram a Jesus, tiraram-lhe a capa, vestiram-lhe as suas vestes e o levaram para fora a fim de o crucificarem. Jesus no caminho do Gólgota (Mt 27:32; Mc 15:21; Lc 23:26-32; Jo 19:17) E, levando ele às costas a sua cruz, saiu para o lugar chamado Caveira, que em hebraico se chama Gólgota. E quando o iam levando, tomaram um certo Simão, cirineu, pai de Alexandre e de Rufo, que vinha do campo, e puseram-lhe a cruz às costas para que a levasse após Jesus. E seguia-o grande multidão de povo e de mulheres, às quais batiam nos peitos, e o lamentavam. Porém Jesus, voltando-se para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, chorai antes por vós mesmas, e por vossos filhos. Porque eis que hão de vir dias em que dirão: Bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que não geraram, e os peitos que não amamentaram! Então começarão a 48


dizer aos montes: Caí sobre nós, e aos outeiros: Cobri-nos. Porque, se ao madeiro verde fazem isto, que se fará ao seco? E também conduziram outros dois, que eram malfeitores, para com ele serem mortos.

A crucifixão Nota 06 - pg. 94 (Mt 27:33-56; Mc 15:22-41; Lc 23:33-49; Jo 19:18-37) E, chegando ao lugar da Caveira, deram-lhe a beber vinho com mirra, misturado com fel; mas ele, provando-o, não quis beber. E ali o crucificaram, e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda, e Jesus no meio. E cumpriu-se a Escritura que diz: E com os malfeitores foi contado. E era a hora terceira, e o crucificaram. E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. E Pilatos escreveu também um título, e pô-lo por cima da sua cabeça a sua acusação; e nele estava escrito em letras gregas, romanas, e hebraicas: ESTE É JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS. E muitos dos judeus leram este título; porque o lugar onde Jesus estava era próximo da cidade. Diziam pois os principais sacerdotes dos judeus a Pilatos: Não escrevas, Rei dos Judeus; mas que ele disse: Sou Rei dos Judeus. 49


Respondeu Pilatos: O que escrevi, escrevi. Tendo pois os soldados crucificado a Jesus, tomaram os seus vestidos, e fizeram quatro partes, para cada soldado uma parte; e também a túnica. A túnica, porém, tecida toda d’alto a baixo, não tinha costura. Disseram pois uns aos outros: Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de quem será. Para que se cumprisse a Escritura que diz pelo profeta: Dividiram entre si os meus vestidos, e sobre a minha vestidura lançaram sortes. Os soldados, pois, fizeram estas coisas. E, assentados, o guardavam ali. E o povo estava olhando. E os que passavam blasfemavam dele, meneando as suas cabeças, e dizendo: Ah! Tu, que destróis o templo, e em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo; se és Filho de Deus, desce da cruz. E da mesma maneira também os príncipes dos sacerdotes, com os escribas e anciãos, e fariseus, diziam uns para os outros, escarnecendo: Salvou os outros, e a si mesmo não pode salvar-se. Se é o Cristo, o escolhido de Deus, o Rei d’Israel, desça agora da cruz, para que o vejamos e acreditemos nele; confiou em Deus; livre-o agora, se o ama; porque disse: Sou Filho de Deus.

E também os soldados, o escarneciam chegando-se a ele, e apresentando-lhe vinagre, e dizendo: Se tu és o Rei dos Judeus salva-te a ti mesmo. E o mesmo lhe lançaram também em rosto os salteadores que com ele estavam crucificados. 50


E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa. E um dos malfeitores que estavam pendurados blasfemava dele, dizendo: Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo, e a nós. Respondendo, porém, o outro, repreendia-o, dizendo: Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação? E nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam; mas este nenhum mal fez. E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso. E era já quase a hora sexta, e, chegada a hora sexta, houve trevas sobre toda a terra até à hora nona, escurecendose o sol. E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eloí, lama sabactâni? Que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? E alguns dos que estavam ali, ouvindo isto, diziam: Eis 51


que chama por Elias. Estava pois ali um vaso cheio de vinagre. E logo um deles, correndo, tomou uma esponja, e embebeu-a em vinagre, e, pondo-a numa cana, dava-lhe de beber. Os outros, porém, diziam: Deixa, vejamos se Elias vem livrá-lo. Depois, sabendo Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede. E encheram de vinagre uma esponja, e, pondo-a num hissope, lha chegaram à boca. do.

E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consuma-

E, clamando Jesus outra vez com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. E, havendo dito isto, expirou. E o centurião, que estava defronte dele, vendo que assim clamando expirara, deu glória a Deus, dizendo: Na verdade, este homem era justo. E eis que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo; e tremeu a terra, e fenderam-se as pedras. E abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados; e, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa, e apareceram a muitos. 52


E o centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto, e as coisas que haviam sucedido, tiveram grande temor, e disseram: Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus. Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto como era a preparação (pois era grande o dia de sábado), rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas, e fossem tirados. Foram pois os soldados, e, na verdade, quebraram as pernas ao primeiro, e ao outro que com ele fora crucificado. Mas, vindo a Jesus, e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas. Contudo um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. E aquele que o viu testificou, e o seu testemunho é verdadeiro; e sabe que é verdade o que diz, para que também vós o creiais. Porque isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz: Nenhum dos seus ossos será quebrado. E outra vez diz a Escritura: Verão aquele que traspassaram. E estavam ali, olhando de longe estas coisas, todos os seus conhecidos, e algumas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia, para o servir; entre as quais estavam Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu, Salomé; e muitas outras, que tinham subido com ele a Jerusalém. E toda a multidão que se ajuntara a este espetáculo, vendo o que havia acontecido, voltava batendo nos peitos.

53


A sepultura de Jesus (Mt 27:57-66; Mc 15:42-16:1; Lc 23:50-56; Jo 19:38-42) E depois disto, chegada já a tarde, porquanto era o dia da preparação, isto é, a véspera do sábado, chegou um homem rico de Arimateia, cidade dos judeus, por nome José, senador honrado, homem de bem e justo, que também era discípulo de Jesus, mas oculto, por medo dos judeus, e que também esperava o reino de Deus, que não tinha consentido no conselho e nos atos dos outros. Este foi ter ousadamente com Pilatos, e pediu-lhe o corpo de Jesus. E Pilatos se maravilhou de que já estivesse morto. E, chamando o centurião, perguntou-lhe se já havia muito que tinha morrido. E, tendo-se certificado pelo centurião, mandou que o corpo fosse dado a José; o qual comprara um fino e limpo lençol. Então foi e tirou o corpo de Jesus. E foi também Nicodemos (aquele que anteriormente se dirigira de noite a Jesus), levando quase cem arráteis dum composto de mirra e aloés. Tomaram pois o corpo de Jesus e o envolveram em lençóis com especiarias, como os judeus costumavam fazer, na preparação para o sepulcro. E havia um horto naquele lugar onde fora crucificado, e no horto um sepulcro novo lavrado numa rocha, em que ainda ninguém havia sido posto. E José o pôs no seu sepulcro novo (por causa da preparação dos judeus, e amanhecia o sábado, e por estar perto aquele sepulcro), e, rodando uma grande pedra para a porta do sepulcro, foi-se. E as mulheres, que tinham vindo com ele da Galileia, seguiram também e viram o sepulcro, e como foi posto o seu corpo. E estavam ali Maria Madalena e Maria mãe de José, 54


assentadas defronte do sepulcro. E no dia seguinte, que é o dia depois da Preparação, reuniram-se os príncipes dos sacerdotes e os fariseus em casa de Pilatos, dizendo: Senhor, lembramo-nos de que aquele enganador, vivendo ainda, disse: Depois de três dias ressuscitarei. Manda pois que o sepulcro seja guardado com segurança até o terceiro dia, não se dê o caso que os seus discípulos vão de noite, e o furtem, e digam ao povo: Ressuscitou dos mortos; e assim o último erro será pior do que o primeiro. E disse-lhes Pilatos: Tendes a guarda; ide, guardai-o como entenderdes. E, indo eles, seguraram o sepulcro com a guarda, selando a pedra. E, passado o sábado, Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para irem ungi-lo. E, voltando elas, prepararam especiarias e unguentos, e no sábado repousaram, conforme o mandamento.

55


A ressurreição Nota 07 - pg. 95 (Mt 28:1-15; Mc 16:2-11; Lc 24:1-12; Jo 20:1-18) E, no fim do sábado, muito de madrugada, sendo ainda escuro, foram ao sepulcro levando as especiarias que tinham preparado; e diziam umas às ouras: Quem nos revolverá a pedra da porta da sepultura? E, olhando, viram que já a pedra estava revolvida do sepulcro; e era ela muito grande. E eis que houvera um grande terremoto, porque um anjo do Senhor, descendo do céu, chegou, removendo a pedra, e sentou-se sobre ela. E o seu aspecto era como o relâmpago, e o seu vestido branco como neve. E os guardas, com medo dele, ficaram muito assombrados, e como mortos. E, entrando, não acharam o corpo do Senhor Jesus. Correu pois Maria Madalena, e foi a Simão Pedro, e ao outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes: Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram. E, no sepulcro, viram um mancebo assentado à direita, vestido de uma roupa comprida, branca; e ficaram espantadas.

Mas o anjo, respondendo, disse às mulheres: Não tenhais medo; pois eu sei que buscais a Jesus Nazareno, que foi crucificado. Ele não está aqui, pois já ressuscitou, como havia dito. Vinde, vede o lugar onde o Senhor jazia. Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galileia; ali o vereis, como ele vos disse. 56


E, saindo elas apressadamente, fugiram do sepulcro, porque estavam possuídos de temor e assombro; e nada diziam a ninguém, porque temiam. Então Pedro saiu com o outro discípulo, e foram ao sepulcro. E os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais apressadamente do que Pedro, e chegou primeiramente ao sepulcro. E, abaixando-se, viu no chão os lençóis; todavia não entrou. Chegou pois Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu no chão os lençóis, e que o lenço, que tinha estado sobre a sua cabeça, não estava com os lençóis, mas enrolado num lugar à parte. Então entrou também o outro discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro, e viu, e creu. Porque ainda não sabiam a Escritura: que era necessário que ressuscitasse dos mortos. Tornaram pois os discípulos para casa admirando consigo aquele caso. E aconteceu que, estando elas perplexas a esse respeito, de manhã cedo, ao nascer do sol, quando já despontava o primeiro dia da semana, foram ver o sepulcro; eis que pararam junto delas dois varões, com vestidos resplandecentes. E, estando elas muito atemorizadas, e abaixando o rosto para o chão, eles lhes disseram: Por que buscais o vivente entre os mortos? Não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos como vos falou, estando ainda na Galileia, dizendo: Convém que o Filho do homem seja entregue nas mãos de homens pecadores e seja crucificado, e ao terceiro dia ressuscite. Ide, pois, imediatamente, e dizei aos seus discípulos que já ressuscitou dos mortos. E eis que ele vai adiante de vós para a Galileia; ali o vereis. Eis que vo-lo tenho dito. E lembraram-se das suas palavras. E, voltando elas pressurosamente do sepulcro, com temor e grande alegria, correram a anunciá-lo aos onze e a todos os demais. 57


E, indo elas, eis que Jesus lhes saiu ao encontro, dizendo: Eu vos saúdo. E elas, chegando, abraçaram os seus pés, e o adoraram. Então Jesus disse-lhes: Não temais; ide dizer a meus irmãos que vão a Galileia, e lá me verão.

E, quando iam, eis que alguns da guarda, chegando à cidade, anunciaram aos príncipes dos sacerdotes todas as coisas que haviam acontecido. E congregados eles com os anciãos e tomando conselho entre si, deram muito dinheiro aos soldados, dizendo: Dizei: Vieram de noite os seus discípulos e, dormindo nós, o furtaram. E, se isto chegar a ser ouvido pelo presidente, nós o persuadiremos, e vos poremos em segurança.

E eles, recebendo o dinheiro, fizeram como estavam instruídos. E foi divulgado este dito entre os judeus, até ao dia de hoje. E Jesus, tendo ressuscitado na manhã do primeiro dia da semana, apareceu primeiramente a Maria Madalena, da qual tinha expulsado sete demônios. E Maria estava chorando fora, junto ao sepulcro. Estando ela pois chorando, abaixou-se pois para o sepulcro; e viu dois anjos vestidos de branco, assentados onde jazera o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. E disseram-lhe eles: Mulher, por que choras? Ela lhes disse: Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram. 58


E, tendo dito isto, voltou-se para trás, e viu Jesus em pé, mas não sabia que era Jesus. cas?

Disse-lhe Jesus: Mulher, por que choras? Quem bus-

Ela, cuidando que era o hortelão, disse-lhe: Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei. Disse-lhe Jesus: Maria! Ela voltando-se, disse-lhe: Raboni (que quer dizer, Mestre). Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.

Maria Madalena, partindo, foi e anunciou aos discípulos que tinham estado com ele que vira o Senhor, e que ele lhe dissera isto, os quais estavam tristes e chorando. E, ouvindo eles que vivia, e que tinha sido visto por ela, não o creram. E eram Maria Madalena, e Joana, e Maria, mãe de Tiago, e as outras que com elas estavam, as que diziam estas coisas aos apóstolos. E as suas palavras lhes pareciam como desvario, e não as creram.

59


Dois discípulos no caminho de Emaús (Mc 16:12-13; Lc 24:13-35) E depois manifestou-se noutra forma a dois deles, que iam de caminho para o campo. E, indo estes, anunciaram-no aos outros, mas nem ainda estes creram.

E eis que no mesmo dia iam dois deles para uma aldeia, que distava de Jerusalém sessenta estádios, cujo nome era Emaús; e iam falando entre si de tudo aquilo que havia sucedido. E aconteceu que, indo eles falando entre si, e fazendo perguntas um ao outro, o mesmo Jesus se aproximou, e ia com eles. Mas os olhos deles estavam como que fechados, para que o não conhecessem. E ele lhes disse: Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes? E, respondendo um, cujo nome era Cléofas, disse-lhe: És tu só peregrino em Jerusalém, e não sabes as coisas que nela têm sucedido nestes dias? E ele lhes perguntou: Quais? E eles lhe disseram: As que dizem respeito a Jesus Nazareno, que foi varão profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo: e como os principais dos sacerdotes e os nossos príncipes o entregaram à condenação de morte, e o crucificaram. E nós esperávamos que fosse ele o que remisse Israel; mas agora, sobre tudo isso, é já hoje o terceiro dia desde que essas coisas aconteceram. É verdade que também algumas mulheres dentre nós nos maravilharam, as quais de madrugada foram ao sepulcro; e, não achando o seu corpo, voltaram, dizendo que também tinham visto uma visão 60


de anjos, que dizem que ele vive: e alguns dos que estavam conosco foram ao sepulcro, e acharam ser assim como as mulheres haviam dito; porém a ele não o viram. E ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?

E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras. E chegaram à aldeia para onde iam, e ele fez como quem ia para mais longe. E eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque já é tarde, e já declinou o dia. E entrou para ficar com eles. E aconteceu que, estando com eles à mesa, tomando o pão, o abençoou e partiu-o, e lho deu. Abriram-se-lhes então os olhos, e o conheceram, e ele desapareceu-lhes. E disseram um para o outro: Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava, e quando nos abria as Escrituras? E na mesma hora, levantando-se, tornaram para Jerusalém, e acharam congregados os onze e os que estavam com eles; os quais diziam: Ressuscitou verdadeiramente o Senhor, e já apareceu a Simão. E eles lhes contaram o que lhes acontecera no caminho, e como deles foi conhecido no partir do pão.

61


Jesus aparece aos onze. A incredulidade de Tomé (Mc 16:14; Lc 24:36-48; Jo 20:19-31) Chegada pois a tarde de aquele dia, o primeiro da semana, finalmente apareceu aos onze, e cerradas as portas onde os discípulos, com medo dos judeus, se tinham ajuntado, falando destas coisas assentados juntamente, chegou Jesus e pôs -se no meio deles, e disse-lhes: Paz seja convosco. E eles, espantados e atemorizados, pensavam que viam algum espírito. E ele lançou-lhes em rosto a sua incredulidade e dureza de coração, por não haverem crido nos que o tinham visto já ressuscitado: Por que estais perturbados, e por que sobem tais pensamentos aos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo: apalpai-me e vede; pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. E, dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e pés e o lado. E, não o crendo ainda por causa da alegria, e estando maravilhados vendo o Senhor, disse-lhes: Tendes aqui alguma coisa que comer? Então eles apresentaram-lhe parte de um peixe assado, e um favo de mel. O que ele tomou, e comeu diante deles. E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas, e nos salmos. Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem 62


as Escrituras. E disse-lhes: Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressuscitasse dos mortos; e em seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas as nações, começando por Jerusalém. E destas coisas sois vós testemunhas.

Disse-lhes pois Jesus outra vez: Paz seja convosco, assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós. E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados lhe serão perdoados: e àqueles a quem os retiverdes lhes são retidos. Ora Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. nhor.

Disseram-lhe pois os outros discípulos: Vimos o Se-

Mas ele disse-lhes: Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos e não meter o dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei. E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou -se no meio, e disse: Paz seja convosco. Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. 63


meu!

Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus

Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bemaventurados os que não viram e creram. Jesus pois operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.

Tiberíades (Mt 28:16a; Jo 21:1b-24) E os onze discípulos partiram para a Galileia, e manifestou-se Jesus junto do mar de Tiberíades assim: estavam juntos Simão Pedro, e Tomé, chamado Dídimo, e Natanael, que era de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu, e outros dois dos seus discípulos. Disse-lhes Simão Pedro: Vou pescar. Dizem-lhe eles: Também nós vamos contigo. Foram, e subiram logo para o barco, e naquela noite nada apanharam. E, sendo já manhã, Jesus se apresentou na praia, mas os discípulos não conheceram que era Jesus. Disse-lhes pois Jesus: Filhos, tendes alguma coisa de comer? 64


Responderam-lhe: Não. E ele lhes disse: Lançai a rede para a banda direita do barco, e achareis. Lançaram-na, pois, e já não a podiam tirar, pela multidão dos peixes.

Então aquele discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor. E, quando Simão Pedro ouviu que era o Senhor, cingiu -se com a túnica (porque estava nu) e lançou-se ao mar. E os outros discípulos foram com o barco (porque não estavam distantes da terra senão quase duzentos côvados), levando a rede cheia de peixes. Logo que desceram para terra, viram ali brasas, e um peixe posto em cima, e pão. tes.

Disse-lhes Jesus: Trazei dos peixes que agora apanhas-

Simão Pedro subiu e puxou a rede para terra, cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes, e, sendo tantos, não se rompeu a rede. Disse-lhe Jesus: Vinde, jantai. E nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: Quem és tu? Sabendo que era o Senhor. Chegou pois Jesus, e tomou o pão, e deu-lho, e, semelhantemente o peixe. E já era a terceira vez que Jesus se manifestava aos seus discípulos depois de ter ressuscitado dos mortos. E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? 65


E ele respondeu: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas. me?

Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-

Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me?

amo.

E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te

Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas. Na verdade, na verdade te digo, que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias: mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos; e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras. E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me. E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava, e que na ceia se recostara também sobre o seu peito, e que dissera: Senhor, quem é que te há de trair? 66


será?

Vendo Pedro a este, disse a Jesus: Senhor, e deste que

Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu. Divulgou-se pois entre os irmãos este dito, que aquele discípulo não havia de morrer. Jesus, porém, não lhe disse que não morreria; mas: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Este é o discípulo que testifica destas coisas e as escreveu: e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro.

Jesus aparece aos seus discípulos [no monte da] Galileia Nota 08 - pg. 102 (Mt 28:16b-20; Jo 21:1a) Depois disto manifestou-se outra vez aos discípulos; Jesus lhes tinha designado para o monte. E, quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinado-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos. Amém.

67


[Os discípulos retornam a Jerusalém e Jesus novamente se manifesta] Nota 09 - pg. 104 (Mc 16:15-18; Lc 24:49) E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado. E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão. E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai: ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder.

A ascensão (Mc 16:19,20; Lc 24:50-53; Jo 21:25) E levou-os fora, até Betânia; e depois de lhes ter falado, levantando as suas mãos, os abençoou. E, aconteceu que, abençoando-os o Senhor, se apartou deles e foi recebido no céu, e assentou-se à direita de Deus. E adorando-o eles, tornaram com grande júbilo para Jerusalém. E estavam sempre no templo, louvando e bendizendo a Deus. Amém. E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, co68


operando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram. Amém. Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem.

Amém.

69


“Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto.”

Jo 12.24


Nota 1

pg. 17

A última páscoa: a ceia A mais famosa, singular e graciosa das ceias pela qual Jesus tanto desejara participar, foi, na verdade, a comemoração da ruptura final do Antigo Testamento, quando Deus, temporariamente, muda seu foco de atenção de Israel, como nação, para “o sangue do novo Testamento” (Mc 14.24), objetivando a formação de um novo corpo, sem fronteiras e sem nacionalidade: a Igreja. Para tanto, é necessário entender que a ceia foi dividida em dois momentos, e que todos os Evangelhos sinalizam. Vamos tomar Lucas por base. No capítulo 22.14-16, Jesus já havia ceado a páscoa, pois os versos 17 e 18, construídos da mesma forma, permitem esta interpretação: “E, chegada a hora, pôs-se à mesa, e com ele os doze apóstolos. E disse-lhes: Desejei muito comer esta páscoa, antes que padeça; porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus. E, tomando o cálix, e havendo dado graças, disse: Tomai-o, e reparti-o entre vós; porque vos digo que já não beberei do fruto da vide, até que venha o reino de Deus”. Agora, o leitor deve notar que, nos versos 19 e 20, há uma nova celebração, com os mesmos ingredientes da anterior. No versículo 19, Jesus reparte o pão com os discípulos. E no versículo 20, “semelhantemente tomou o cálix, depois da ceia”. Ou seja, Jesus novamente tomou o vinho, depois de ter dito, anteriormente, que não beberia novamente “do fruto da vide”. Isto nos revela pelo menos duas verdades. 71


1 Primeiro, que a ceia teve dois momentos distintos: a ceia da páscoa propriamente dita, tipicamente a festa judaica por excelência, aquela que tinha ligação com a libertação do povo judeu do cativeiro egípcio, através da matança dos primogênitos de todo o povo do Egito, e, em contrapartida, a oferenda de um cordeiro pascal que libertaria os hebreus. Era a ceia que, todos os anos, todos os judeus comemoravam em suas casas. E a segunda ceia, instituída pelo Senhor a partir daquele momento, referente a “todos quantos o receberam... aos que creem no seu nome” (Jo 1.12). Que será explicada na segunda verdade, mais à frente. Relembrando aquela parábola que os escribas e fariseus compreenderam perfeitamente, a parábola dos lavradores maus, em Mt 21, Mc 12 e Lc 20, o Senhor Jesus havia dito: “portanto eu vos digo que o reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos”. Esta citação será melhor explicada por Paulo, em sua carta aos Romanos, capítulo 11.25, dizendo “que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado”. Quando a totalidade dos gentios houver entrado no novo corpo que Jesus propõe em sua carne e seu sangue, a Igreja, então o próprio Senhor tornará a tratar com a nação de Israel, pois “também eles, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados: porque poderoso é Deus para os tornar a enxertar. Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro [oliveira brava], e, contra a natureza enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira!... E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades” (Rm 11.23-24,26). É por este motivo que Jesus havia dito que não beberia novamente do fruto da vide enquanto não viesse o reino de Deus, e não comeria mais a páscoa enquanto não se cumprisse 72


ela no reino de Deus. Assim como Israel, rebeldemente, desprezou o maná no deserto, sombra que representava o corpo do seu Messias, dizendo tais sórdidas palavras – “a nossa alma tem fastio deste pão vil” (Nm 21.5) – também se sentenciou ao pronunciar contra o verdadeiro “maná que desce do céu”, enchendo a medida do seu cálice – “Seja crucificado... O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27.23,25).

Quando Israel, como nação, se arrepender dos seus pecados e cumprir o que Jesus predissera – “... não me vereis até que venha o tempo em que digais: Bendito aquele que vem em nome do Senhor...” (Lc 13.35) –, naquele futuro e terrível dia, então se cumprirá a verdadeira páscoa para Israel, a páscoa da libertação dos seus pecados. 2 A segunda verdade para aquela nova instituição, que estava baseada nos mesmos elementos da primeira – pão e vinho –, revela que o Novo Testamento deriva do cumprimento do Antigo Testamento, “porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus; nem também para a si mesmo se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no santuário com sangue alheio; doutra maneira, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo; mas agora na consumação dos séculos uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo. E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo, assim também Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação” (Hb 9.24-28). E nesta sua segunda vinda, quando o Senhor retornar em glória para aniquilar “a abominação da desolação”, libertando Israel de todos os seus inimigos físicos, e também de seu maior 73


inimigo espiritual, a incredulidade, é que Ele poderá novamente participar da ceia da páscoa, ao implantar o reino de Deus sobre a terra. “E este será o meu concerto com eles, quando eu tirar seus pecados. Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento. Porque assim como vós também antigamente fostes desobedientes a Deus, mas agora alcançastes misericórdia pela desobediência deles, assim também estes agora foram desobedientes, para também alcançarem misericórdia pela misericórdia a vós demonstrada. Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia” (Rm 11.27-32). Seria quase uma blasfêmia da minha parte se eu interrompesse o texto exatamente neste ponto, na maior das doxologias apresentadas por Paulo. “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas: glória pois a ele eternamente. Amém” (Rm 11.33-36). Passada a euforia do escritor, continuemos no texto. Havíamos tomado Lucas, como base, para mostrarmos dois momentos distintos dentro da mesma ceia. Mateus também corresponde à ideia de Lucas, ao 74


duplicar o momento em que todos, reunidos à mesa, estavam comendo. Observe atentamente aos versículos 21 e 26 do capítulo 26. Marcos segue a mesma proposta. Analise os versos 18 e 22 do capítulo 14. João demonstra a mesma questão. A partir de Jo 13.2, “acabada a ceia”, Jesus vai lavar os pés aos discípulos, e no verso 12 é mencionado que ele “se assentou outra vez à mesa”. Não devem restar dúvidas, portanto, que a primeira ceia relacionava-se com a ceia da páscoa, festa totalmente judaica, que insinuava que um “cordeiro pascal” “devia morrer pela nação”, como o próprio Caifás profetizara, em Jo 11.49-52. Logo em seguida à sua comemoração da antiga festa, Jesus vai instituir o novo Testamento, “que está confirmado em melhores promessas”, pois “é mediador dum melhor concerto”, e com isto “alcançou ele ministério tanto mais excelente” (Hb 8.6). Mas entre estas festas interpõe-se algo inédito, que só João comenta. É a lavagem dos pés dos discípulos pelo Mestre. E como eu posso garantir que este humilde ato se interpõe entre as ceias? João relata que, “acabada a ceia”, Jesus vai lavar os pés aos discípulos, mas nada comenta sobre o novo partir do pão e o novo beber do vinho. Esta necessidade é esclarecida em 1 Co 11.23-29. O apóstolo Paulo está falando exatamente acerca desta nova instituição, e, acrescenta ao final, que “qualquer que comer este pão ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor”. Desconheço alguém que tenha participado desta ceia mais indignamente do que Judas, e por 75


este atrevimento, como bem lembrou Pedro, “precipitando-se, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram” (At 1.18). Mas o texto aos Coríntios prossegue, apesar da advertência, incentivando a que “examine-se pois o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice”. Portanto, “aquele que está lavado” deve, antes de apressadamente se atirar à ceia, examinar se nada há de profano em suas condutas, e se houver, confessar os seus pecados, pois “não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo” (Jo 13.10). Jesus comenta sobre a situação dos seus apóstolos: “Ora vós estais limpos, mas não todos. Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso disse: Nem todos estais limpos” (Jo 13.10,11).

Resumindo, todos os seus apóstolos, menos um, já estavam inteiramente lavados pela fé depositada em seu Senhor e Cristo, e necessitavam somente, pela figura do lavar dos pés, da lavagem dos pecados ocasionais em suas caminhadas pela vida, “pois não há homem que não peque” (1 Re 8.46). Este símbolo também pode ser visto pelos olhos atentos dos amantes do tabernáculo edificado por Moisés no deserto, na bacia de cobre, que se situava entre o altar do holocausto, fora do tabernáculo, e a presença íntima de Cristo dentro do tabernáculo. Conforme o ritual proposto por Deus a Moisés no período da Lei, o sacerdote deveria primeiro oferecer um sacrifício neste altar, e só após ver seu rosto refletido na bacia de cobre, cuja imagem refletida na água representava o auto-exame, poderia adentrar à intimidade inigualável do “trono da graça”, que, por sua vez, só estaria disponível ao povo comum depois do 76


corpo e do sangue do verdadeiro “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Vamos fazer uma breve e importantíssima, porém desprezada, analogia a respeito. Se o Senhor Jesus afirmou que os seus apóstolos já estavam inteiramente lavados (e ninguém deveria ser ingênuo ou profano a ponto de afirmar que ele não estivesse se referindo ao perdão absoluto dos seus pecados), e Cristo ainda nem havia morrido, mas alicerçava esta preciosa salvação em sua morte futura, em cumprimento às profecias do Antigo Testamento, que se dirá da situação daqueles que foram “reconciliados com Deus pela morte de seu filho” (Rm 5.10), já realizada “uma vez, para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.28), e ainda termos o privilégio bendito de sabermos que “Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus”? (Hb 9.24) Resta-nos somente o conforto tremendo de Paulo, “porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor!” (Rm 8.38,39). Retornando ao assunto, é óbvio, portanto, que o momento da lavagem dos pés dos discípulos por Jesus deve ser antes da instituição da ceia referente ao Novo Testamento, pois está em sintonia com aquele momento do auto-exame, e posterior confissão dos pecados, pois “ele é fiel e justo, para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça” (1 Jo 1.9). 77


Devo mencionar, antes de findar esta nota, duas diferenças textuais. Em Jo 13.2, pela ERC, lemos “acabada a ceia”. Na ERA, no entanto, algo bem diferente: “durante a ceia”. Não há necessidade de recorrermos à fonte grega para solucionar o impasse. Não parece racional supor que o dono da festa, em pessoa, se despisse ante os convidados, ferindo o coração do ritual judaico da páscoa, para implementar algo totalmente inusitado. “Acabada a ceia”, e cumprido tudo o que concerne à tradicional páscoa judaica, Jesus pôs-se a demonstrar uma nova realidade. Também há uma diferença entre os textos de Mt 26.29 e Mc 14.25, nesta edição usada por nós (ERC). A ERA apresenta a correção exata, quando comparada com o texto grego da versão Londrina da Sociedade Bíblica Trinitariana. A tradução correta para o texto de Mateus na ERC seria: “... não beberei deste fruto da vide até àquele dia em que o beba, novo, convosco no reino de meu Pai”, e não “de novo”.

Nota 2

pg. 21

Jesus prediz [novamente] que Judas o há de trair Introduzi a palavra “novamente” neste título porque, na realidade, Jesus predissera esta traição mais duas vezes. A primeira se deu durante a ceia da páscoa. A segunda, logo depois de Jesus lavar os pés dos discípulos. E a terceira, em seguida à instituição da santa ceia. O leitor deveria rever o contexto destas três predições para concluir, com maior propriedade, que elas se deram em situações diferentes. 78


Sem dificuldade, podemos entender esta tripla advertência como a negação, por parte de Judas, não só da pessoa do Filho, mas, igual e atrevidamente, das três Pessoas. Pois “quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou” (Jo 5.23), e, igualmente, faz “agravo ao Espírito da graça” (Hb 10.29). “Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um” (1 Jo 5.7).

Nota 3

pg. 32

Pedro é [novamente] avisado Primeiramente, devemos notar que são dois os avisos de Jesus a respeito da fraqueza de Pedro. E daí a explicação para o acréscimo no título. O Senhor já o havia avisado durante a ceia, lá no conforto do “cenáculo mobilado”. O fato ocorrido durante a ceia foi descrito em Lc 22.31-34 e Jo 13.36-38. “Tendo cantado o hino, saíram para o monte das Oliveiras”, e, durante a caminhada, o Mestre repete a triste previsão. A mesma sequência é observada em Mt 26.30-35 e Mc 14.26-31. Mas observe que, apesar de serem dois momentos distintos, nenhum dos Evangelistas agrupou os fatos num só livro. Num primeiro momento, pareceria que Jesus somente estivesse confirmando aquela realidade, não fosse uma pequena diferença entre as suas falas. Mateus, Lucas e João são unânimes ao descreverem que, antes que o galo cantasse, Pedro o negaria 79


três vezes. Marcos, no entanto, altera a fórmula prescrevendo que o galo cantaria duas vezes antes que Pedro o negasse três vezes. Num olhar mais cínico, resolveríamos o impasse alegando que Marcos apenas aumentou a sagacidade do galo, não alterando, contudo, a estrutura básica de que, antes que o galo cantasse, Pedro o negaria três vezes. Mas não é o que lemos em Marcos. Vemos, ao contrário, no capítulo 14. 66-72, logo após Pedro negá-lo a primeira vez, o galo cantando já uma vez. Se o galo cantou logo depois que Pedro negou Jesus pela primeira vez, onde está a verdade, proposta por Lucas, de “que não cantará hoje o galo antes que três vezes negues que me conheces”? O galo se equivocou?

Vamos reconsiderar os contextos para um melhor entendimento do que vamos propor mais à frente. Durante a ceia, portanto dentro do cenáculo preparado para tal, o mestre interpela, única e diretamente, a Pedro. Releia as passagens de Lucas e João citadas acima. Mas no caminho para o monte das Oliveiras, nos mesmos textos de Mateus e Marcos indicados acima, Jesus estende o seu aviso para todos os seus apóstolos. E Pedro, arrojado como sempre, jura-lhe novamente sua lealdade. Peca duplamente, pois além de duvidar da previsão anterior, desdenha o novo aviso do Mestre, não lhe dando a devida honra ao desmentir o pronunciamento do Todo-Poderoso. “Os lábios do tolo entram na contenda, e a sua boca brada por açoites” (Pv 18.6). 80


Para um crime duplo, um castigo duplo. É o que constataremos na próxima nota.

Nota 4

pg. 36

Jesus perante [Anás]. Pedro nega-o [três vezes] Devemos inicialmente, para compreendermos com mais clareza o que estava envolvido naquela terrível noite, separar as peças deste complicado quebra-cabeça, para depois recompormos o todo. João detalha, com precisão, que Jesus foi conduzido “primeiramente a Anás”, e, depois de manietado, mandado “ao sumo sacerdote Caifás” (Jo 18.13,24).

Pedro esteve presente nas duas reuniões secretas. Em Jo 18.16 e 18.24,25, podemos comprovar, sem dificuldades, esta realidade. E, na casa dos dois sacerdotes, Pedro “aquentava-se” “com os servos e criados” (Jo 18.18 e 25). Já temos os dois ambientes, separados um do outro, necessários para o cumprimento das duas previsões de Jesus a respeito de Pedro. Juntemos todas as peças envolvidas no constrangimento de Pedro: a porteira da casa de Anás (Jo 18.17); alguns dos que se aquentavam com Pedro na casa de Caifás (Jo 18.25); o parente de Malco, cuja orelha fora cortada (Jo 18.26); certa criada, que o vira “assentado ao fogo” (Lc 22.56); “outro”, dos que estavam assentados com ele (Lc 22.58); outro, “passada quase uma hora” (Lc 22.59); “uma das criadas do sumo sacerdote” (Mc 14.66); novamente a mesma criada (Mc 14.69); 81


“uma criada” (Mt 26.69); “outra criada”, depois que ele saiu “para o vestíbulo” (Mt 26.71). Citei somente os personagens com algum grau de distinção entre eles. Soma-se a esta dificuldade a projeção de três ambientes distintos, dentro de duas residências separadas: o vestíbulo (Mt 26.71), o alpendre (Mc 14.68), e os dois átrios em que Pedro se aquentava. Nem mesmo uma mente brilhante poderia reunir todos estes fragmentos incongruentes em somente três negativas, das quais estamos tão acostumados a ouvir. A única alternativa para a solução do problema é seguirmos a pista dada pelo Senhor, quando ele profere duas profecias aparentemente complementares. Como vimos, João é o único livro a fazer menção da primeira reunião na casa de Anás, “sogro de Caifás”. Pedro entra juntamente com “o outro discípulo que era conhecido do sumo sacerdote”. E a partir daqui, as dificuldades se iniciam. João faz a clara divisão entre a casa de Anás e a de Caifás. Os outros três Evangelhos, no entanto, citam somente que Pedro estava na casa do sumo sacerdote, porém sem nomeá-lo. E as dificuldades aumentam, pois apesar de Caifás ser “o sumo sacerdote daquele ano”, Anás também era designado sumo sacerdote, conforme Jo 18.15-16,19. Lucas confirma esta questão em seu capítulo 3.2, embora, pela lei dada a Moisés por Deus, só pudesse haver um sumo sacerdote, impedido de ministrar somente com sua morte, cujo filho primogênito tomaria o cargo. Anás e Caifás eram sogro e genro; enquanto o verdadeiro sumo sacerdote ia sendo julgado às escondidas. Portanto, não há distinção entre os sacerdotes nos três Evangelhos primeiros. E enquanto João entrelaça as negações de Pedro com os inquéritos promovidos por Anás e Caifás, os outros escritores 82


separam totalmente as narrativas, permitindo-nos supor que não haja ligação entre as narrativas, ou seja, elas foram vistas e narradas como um todo, sem se preocupar com o ambiente ou com o número preciso dos que acusavam a Pedro. Afinal, cada Evangelho, como vimos, contém somente uma previsão de Jesus acerca da fraqueza de Pedro. Portanto, cada escritor se preocupou em mostrar apenas o cumprimento da sua profecia em particular. E daí a confusão, e a aparente contradição entre os personagens e as negativas. Vamos recolocar as peças nos seus devidos lugares. Temos que partir da afirmação clara e inequívoca de que Pedro entrou com o “discípulo que era conhecido do sumo sacerdote Anás”. A porteira o reconhece, conforme Jo 18.15-17. Esta é a única mulher que interpela a Pedro no livro de João. Se nos voltarmos para os outros textos, veremos que outras mulheres reconhecem a Pedro. Se a porteira, mencionada por João, for a mesma criada citada em Mt 26.69-70, Mc 14.6667 e Lc 22.56-57, notamos que ela, novamente, vai denunciá-lo em Mc 14.69. Pelo entendimento do verso 68, ele já estava no alpendre da casa, e o galo cantou a primeira vez. O alpendre é um local protegido que cobre a entrada de um edifício, levandome a crer que o pátio, em que Pedro estava se aquentando, fosse coberto, daí a expressão “embaixo” de Mc 14.66. A expressão “fora”, em Mt 26.69, deve ser entendida como fora da audiência, pois ele já estava dentro da casa, no pátio. Observe que o outro discípulo “entrou com Jesus na sala do sumo sacerdote”, em Jo 18.15. Por este motivo não introduzi esta palavra, pois está subentendida pelo texto. Entra em cena, então, “outra criada” que o ameaça (Mt 26.71), agora no vestíbulo, estrutura coberta que protege a porta que dá para a rua. Diante de mais uma negação, a porta da rua 83


seria a serventia da casa. Mas Marcos não narra esta sequência, pois comenta os dois casos com a mesma empregada, que obviamente não saiu da casa de Anás, e pula para um grupo de homens, agora na casa de Caifás. Entretanto, o galo cantou pela segunda vez, quando Pedro nega a Jesus, pela terceira vez, na casa de Anás. Não há como considerar os três relatos, em Marcos, como se tudo tivesse ocorrido na casa de Anás. Tanto Marcos como os outros escritores mesclaram as narrativas, objetivando principalmente o cumprimento do relato de sua profecia única. Jesus é então conduzido “à casa do sumo sacerdote Caifás”. “E Pedro o seguiu de longe” (Mt 26.58), e entrou juntamente com o grupo que acompanhava a Jesus, pois ele já havia estado com aqueles homens. É por isto que eu creio que as três primeiras negações de Pedro estão relacionadas somente com as denúncias das mulheres, já que os homens da época não tinham nenhuma consideração por elas; mais ou menos o que acontece hoje. Aqueles que compreendem o significado da afirmação de Paulo – “a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne” (Gl 5.17) –, entenderão o motivo de Pedro arriscar-se novamente na casa de Caifás. Ele precisava provar para seu Mestre, e para si mesmo, que não era aquele desertor que Jesus antevera. E tinha um ponto a seu favor: só as mulheres o haviam reconhecido; o grupo de homens ainda não se manifestara. Então, entrou decidido “até ao pátio do sumo sacerdote, e, entrando, assentou-se entre os criados, para ver o fim” (Mt 26.58; Jo 18.24-25). Desta feita, os homens começam a incriminá-lo, e como de costume, “o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 84


26.41). Ao final, depois de mais três derrotas, o galo cantará pela terceira vez, e se antes Pedro “chorou”, como relata Marcos a respeito das três primeiras negações, agora “chorou amargamente”, ao ser contemplado por Jesus, depois que “começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: Não conheço esse homem” (Mt 26.74; Lc 22.61-62). E assim cumpriram-se as duas previsões de Jesus a respeito de Pedro, que virá a ser, mais à frente, o pilar do corpo de Cristo. Apesar das possíveis falhas quanto à união de todas as peças, tanto na ordem dos elementos envolvidos, ou simplesmente nas falas dos personagens, contudo, para o perfeito entendimento e elucidação das passagens envolvidas, deve ficar claro, não permitindo que o preconceito secular embarace a visão, que Pedro negou a Jesus por seis vezes, conforme as duas previsões diferentes que o próprio Senhor vaticinara. Cabe ao leitor verificar e corrigir os possíveis deslizes cometidos na intersecção dos textos, pois o escritor também faz parte daqueles que estão “sujeitos às mesmas paixões” (At 14.15). Quanto à mudança nos títulos, foi necessário acrescentar o nome dos inquisidores, já que os títulos dos Evangelhos apresentam somente “Jesus perante o Sinédrio”. Esta expressão contém uma verdade e um equívoco. Realmente, nos textos envolvidos, o Sinédrio esteve presente ao julgamento de Jesus. A palavra “Sinédrio” foi substituída por “concílio” na ERC, usada por nós. Mas devemos fazer distinção entre o Sinédrio oficial, responsável pelo julgamento das questões religiosas, e o grupo 85


de homens que compunha o Sinédrio, mas não em caráter oficial. A oficialidade de qualquer ação judicial se escora, basicamente, em dois princípios: a convocação do acusado, de forma legal e oficial, ao local apropriado para o seu julgamento, e a imparcialidade deste ato. Nada disto foi obedecido. Levado pela madrugada a dois ambientes nada oficiais, as casas de Anás e Caifás, “os principais dos sacerdotes, e os anciãos, e todo o conselho, buscavam falso testemunho contra Jesus, para poderem dar-lhe a morte” (Mt 26.59). O Sinédrio, ou concílio, presente na casa de Caifás, está representado pelos seus membros, mas sem a devida legalidade da ação, haja vista todas as suas irregularidades. O leitor deve acompanhar com cuidado os julgamentos, na íntegra, no texto reunido, e comprovar a indução do processo por parte dos carrascos.

E como não havia nada de legal naqueles processos noturnos, Lucas comenta sobre o verdadeiro concílio, realizado “logo que foi dia”; depois, porém, de Jesus ter sido escarnecido e espancado na casa de Caifás. O concílio legal foi instaurado, mas com a base corrompida da anterior. O texto referente a este concílio, mais à frente, encontrase somente em Lc 22.63-71, e foi nomeado [O concílio contra Jesus]. Observe que não houve mais necessidade de testemunhas falsas. Queriam somente a confissão formal de Jesus de que ele era o Filho de Deus. E Jesus não responde categoricamente como antes, na masmorra de Caifás: “Eu o sou” (Mc 14.62). Não havia mais necessidade de Caifás rasgar suas vestes, apogeu daquela peça teatral. Afinal, “De que mais testemunhas necessitamos? Pois nós mesmos o ouvimos da sua boca”, durante a madrugada. 86


Nota 5

pg. 42

Jesus perante Pilatos e perante Herodes Se lermos os textos, referentes ao julgamento feito por Pilatos, de forma separada, deixaremos, de um lado, escapar o verdadeiro esforço de Pilatos em soltar Jesus, e do outro lado, a manipulação, por parte dos líderes religiosos, da “multidão maldita que não sabe a lei”, e do próprio Pilatos. Tem-se a impressão de um jogo rápido, de um Pilatos inerte, descompromissado, alheio às necessidades do seu réu. Mas não foi assim. Inversamente proporcional, quanto mais os líderes acusavam Jesus, mais Pilatos o justificava, chegando a declarar sua inocência por seis vezes. Os quatro textos, embora isoladamente pareçam do mesmo teor, desvendam uma sequência admirável quando confrontados mutuamente. Além da sequência ser precisa quanto à continuidade das falas, e quanto às seis justificações de Pilatos, mantém um enredo sempre crescente e envolvente, com os judeus jogando com todas as armas disponíveis em seu arsenal diabólico, passando pelas mentiras, pela manipulação do povo contra Jesus ao incitá-los a pedir Barrabás, e posteriormente incitando-os novamente a que o crucificassem, e, por fim, constrangendo cinicamente a Pilatos, ao insinuarem sua deslealdade para com César. Aqueles sacerdotes, “dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne”, corrompem, visível e despudoradamente, o “coração da lei”, persuadindo um gentio, “separado da comunidade de Israel, e entranho aos 87


concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo”, resoluto da inocência do rei dos judeus, pois já havia “determinado que fosse solto”, a crucificar “o Santo e o Justo”, “o Príncipe da vida”, pedindo, em troca, “um homem homicida” (Rm 9.4-5 / Ef 2.12 / At 3.13-15). Pilatos, numa artimanha ousada, atende parcialmente o pedido dos judeus soltando Barrabás. Mas não entrega Jesus para ser crucificado. Resolve castigá-lo, para depois soltá-lo. Pensou que se o povo o visse maltratado e ferido o esqueceriam. Manda até que eles mesmos o crucifiquem, diante de sua inocência. Mas a consciência nebulosa de Pilatos foi barrada pela intervenção poderosa e cruel do nome de César. Como “a amizade do mundo é inimizade contra Deus”, “lavou as mãos diante da multidão”.

Não estou querendo, absolutamente, inocentar Pilatos, que tinha como obrigação áurea zelar pela justiça. Quero apenas lembrar que havia alguém em pior situação que a dele: Caifás, de quem Jesus fala: “aquele que me entregou a ti maior pecado tem”. Pilatos foi, de longe, o menor dos inimigos do Senhor.

88


Nota 6

pg. 49

A crucifixão Seguindo o padrão, Lucas e João revelam acontecimentos não narrados por Mateus e Marcos, dificultando a interposição dos fatos.

Uma das dificuldades está no caso dos salteadores crucificados com Jesus. Mateus e Marcos narram, igualmente, que ambos o injuriavam. Não se pode desprezar “o testemunho de dois homens” (Jo 8.17). Lucas, por sua vez, revela que somente um salteador blasfemava, enquanto o outro o repreendia. É lógico, portanto, concluir que um dos malfeitores se arrependeu das suas palavras e obras, e a sinceridade profunda deste ato está em consonância com a grandeza de seu galardão: “... hoje estarás comigo no Paraíso”. É bom sempre relembrarmos que enquanto o verdadeiro Cordeiro morria pelos nossos pecados, os sacerdotes, em seu templo, insistiam em oferecer seus sacrifícios animais costumeiros, sem, contudo, a partir daqui, satisfazer as necessidades de um povo pecador. Jesus, “porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo”, e, como consequência, “mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei” (Hb 7.24,12).

89


Nota 7

pg. 56

A ressurreição Mais uma vez, devemos escolher entre evidências e tradição. A tradição mais corrente é a de que Jesus tenha morrido numa sexta-feira e ressuscitado no domingo, embora fira gravemente as palavras proféticas do próprio ressurreto, quando, ainda em vida, demarcou o tempo necessário para o descanso do seu corpo mortal: “Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas; pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra” (Mt 12.39,40). Entre sexta-feira e domingo não cabem três noites e três dias. A menos que este período de tempo não fosse literal, mas figurado. E se assim for, talvez a morte de Jesus também tenha sido figurada, e ele tenha, então, partido para a Índia, como alguns creem. Pois afinal, quem de nós viu a Jesus, morto ou ressuscitado? “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes” (1 Co 15.33). “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras...” (1 Co 15.3-4). A mesma palavra que nos exorta a uma fé inabalável quanto às “coisas que se não veem”, tais como a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, é a mesma palavra que nos dá as condições desta morte e desta ressurreição. Jesus ressuscitou, sim, no primeiro dia da semana, o nosso Domingo; mas, não, não morreu numa sexta-feira, pois fere as palavras daquele que é a verdade. 90


O erro quanto a esta interpretação, e todas as demais, escora-se em conclusões apressadas ditadas por velhas análises superficiais, deslocadas de um contexto mais amplo e profético. E a perpetuação deste erro jaz, não na incapacidade dos que recebem tais ensinamentos, mas na terrível presunção de que nossos “mestres” são isentos de erros, ainda mais quando esses “mestres” possuem pomposos diplomas e cobiçados cargos eclesiásticos. A maior dificuldade para o pleno entendimento destes fatos encontra-se no dia anterior à ressurreição de Jesus: o sábado. Mas, antes, precisamos entender alguns pormenores da festa judaica da Páscoa. Jesus foi morto, como bom “cordeiro pascal” que é, no dia da Páscoa judaica, que é o dia 14 do mês de Nisan, conforme Lv 23.5. A partir do dia seguinte, portanto o dia 15, por sete dias, seria comemorada a festa dos pães asmos, ou seja, os pães sem fermento. Este primeiro dia, o dia 15, e o último dia, o dia 21, eram dias de “santa convocação: nenhuma obra servil fareis” (Lv 23.7). Portanto, o dia seguinte à Páscoa, sendo este o dia da crucificação de Jesus, é o primeiro dia dos pães asmos, no qual ninguém poderia trabalhar, um dia de descanso, um dia designado “sábado”. Sábado significa, na língua hebraica, “descanso”; tanto o dia correspondente ao sétimo dia de descanso, como qualquer outro dia da semana, em que, por motivos de festa ordenada pelo Senhor, caísse, digamos, um “feriado”. Vamos aplicar o que acabamos de apontar. No dia seguinte à crucificação de Jesus começaria o sábado do primeiro dia dos pães asmos. Por este motivo, 91


percebemos a pressa dos judeus em que se retirassem logo os corpos da cruz, quebrando suas pernas, pois, a partir do escurecer do sol, conforme o costume judaico, começaria o “grande dia do sábado” (Jo 19.31). Ele é designado como sendo um grande dia, pois é uma festa nacional, com uma convocação solene, e um descanso absoluto. Os corpos dos crucificados não poderiam permanecer “no maldito madeiro” noite adentro, pois feriria aquele dia todo especial. José de Arimateia, para não incorrer no risco de violar aquele grande dia, pois já havia “chegada a tarde” da “véspera do sábado”, correu a sepultar Jesus em seu “sepulcro novo”, “por causa da preparação dos judeus, e por estar perto aquele sepulcro”, e também porque “amanhecia o sábado” (Mc 15.42; Lc 23.54; Jo 19.41,42). Esta expressão “amanhecer”, usada por Lucas, deve ser entendida, obviamente, como o iniciar do novo dia, que, como vimos, começava com o fim da tarde, e início da noite. Os judeus, ainda hoje, guardam o seu sábado semanal a partir do início da noite de sexta-feira. A outra expressão, estranha aos nossos ouvidos, é o “dia da preparação”. Este dia é o dia da páscoa (como se lê em Jo 19.14). Neste dia, além dos comemorativos concernentes à própria páscoa, havia um estranho adicional: “Por sete dias não se ache nenhum fermento nas vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado, aquela alma será cortada da congregação de Israel...” (Êx 12.19). Todo o fermento deveria ser lançado fora das casas judaicas, sob o severo castigo de apedrejamento. Não vamos adentrar na questão pela qual o fermento, símbolo do pecado, deveria ser enxotado das casas por sete dias. O que devemos ter em mente é que aquele “grande dia” do sábado era o “feriado”, ou sábado de solenidade, por ser o primeiro dia da festa dos pães asmos. Não era um sábado semanal, o sétimo dia de descanso, um dia comum. Mas, ora, se a festa dos pães asmos durava sete dias, como já vimos, e uma 92


semana comum é composta por sete dias, parece lógico supor que em algum destes sete dias deveria, obrigatoriamente, cair um sábado comum. Vamos brincar com os números. Se somarmos ao dia da páscoa os três dias de sua sepultura, temos quatro dias. Se uma semana tem sete dias, e quatro já se foram, a probabilidade do sábado comum cair nos outros três dias seguintes é menor. Fazendo os cálculos, temos aproximadamente 57% de chance do sábado semanal cair naqueles quatro dias (o dia da crucificação mais os três dias de sepultura). E 42% de probabilidade deste sábado cair depois da ressurreição de Jesus. E é por este motivo que Lucas insere um sábado não mencionado pelos demais. Siga o raciocínio. Se, como Marcos comenta em seu capítulo 16.1, as mulheres “compraram aromas para irem ungi-lo”, depois de “passado o sábado”, como é que Lucas pôde inverter a ordem, dizendo que as mulheres “prepararam especiarias e unguentos”, e, depois, “no sábado repousaram” (Lc 23.56)? A resposta está na diferença de linguagem usada por João e Lucas, os Evangelhos diferenciados. João refere-se àquele “grande sábado”, um sábado todo especial, e que tinha ligação com o dia anterior da preparação da Páscoa (Jo 19.31). Em Lucas, notamos a palavra chave que qualifica um outro sábado: “repousaram, conforme o mandamento” (Lc 23.56). Este repouso, conforme o mandamento, está escorado na lei de Moisés: “Seis dias farás os teus negócios, mas ao sétimo dia descansarás: para que descanse o teu boi, e o teu jumento; e para que tome alento o filho da tua escrava, e o estrangeiro” (Êx 23.12). Veja também Êx 20.8-11; 34.21. Não era um dia de solenidade, um “feriado”, mas o dia de descanso semanal.

93


Reunindo, então, tudo o que vimos, teríamos a seguinte sequência: Jesus morre numa Quarta-feira (o dia da Páscoa, o “grande dia” da preparação); na Quinta-feira inicia-se a festa dos pães asmos (um sábado ordenado como solenidade ao Senhor, no qual obra servil alguma se fazia, “senão o que cada alma houver de comer”, conforme Êx 12.17); passado este sábado solene, as mulheres saem para comprar os aromas necessários para a unção do corpo do Senhor, na Sexta-feira, conforme Mc 16.1; repousam o Sábado semanal, “conforme o mandamento” (Lc 23.56); e “no primeiro dia da semana”, Domingo, vão elas ao túmulo, certas de encontrarem o cadáver. Somente desta forma podemos preservar a integridade das palavras do Senhor quanto ao tempo de sua sepultura, e ainda entendermos a diferença entre aqueles dois sábados mencionados pelos apóstolos antes da ressurreição corporal de Jesus.

Ainda com respeito a estes sábados, e mais especificamente o primeiro, podemos notar uma reunião dos “príncipes dos sacerdotes e os fariseus em casa de Pilatos”, “no dia seguinte” à crucificação de Jesus, “que é o dia depois da Preparação” (Mt 27.62). Eles, hipocritamente, dois dias antes, “não entraram na audiência, para não se contaminarem, mas poderem comer a páscoa” (Jo 18.28). Mas não se importaram em ferir o primeiro dia dos pães asmos ao se reunirem na “casa de Pilatos”. Afinal, e isto serve de sinal para quem quiser ver, eles entenderam muito bem as palavras que muitos desprezam: “Senhor, lembramo-nos de que aquele enganador, vivendo ainda, disse: Depois de três dias ressuscitarei. Manda pois que o sepulcro seja guardado com segurança até ao terceiro dia...” (Mt 27.63-64). Violaram um dia santo porque compreenderam muito bem o período de tempo no qual “aquele enganador” (para nós o 94


Verbo de Deus) profetizara. “Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta: olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz, desprezando a afronta e assentou-se à destra de Deus. Considerai pois aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos” (Hb 12.1-3). Esclarecida a questão, da qual ninguém tem mais desculpa de desprezar, passemos para outro caso dentro do mesmo texto: a sequência das visitas das mulheres ao túmulo de Jesus. Há diferenças fundamentais entre as narrativas: Lucas e João datam a visita das mulheres ao sepulcro “sendo ainda escuro”, “muito de madrugada”, enquanto Mateus e Marcos atrasam o evento para “de manhã cedo, ao nascer do sol”, “quando já despontava o primeiro dia da semana”. São dois momentos distintos. Ainda bem que há duas narrativas diferentes quanto à visão dos anjos pelas mulheres. Numa das ocasiões, um anjo somente interpela as mulheres, num tom ainda amigável, e as mulheres “correram a anunciá-lo aos seus discípulos” (Mt 28 e Lc 24). No outro caso, dois anjos lhes aparecem, num tom de voz um pouco mais severa, e as mulheres, “possuídas de temor e assombro”, “nada diziam a ninguém, porque temiam” (Mc 16). Não vamos esmiuçar toda a questão, para que o leitor tenha a chance de, comparando os quatro Evangelhos, perceber as diferenças sutis embutidas nos textos. Embora o texto reunido mostre claramente a sequência obtida, podemos resumi-la assim: as mulheres vão ao sepulcro 95


ainda muito de madrugada para ungirem ao Senhor, não o encontrando (isto faz com que Jesus tenha ressuscitado ainda mais cedo: durante a alta madrugada, bem antes do nascer do sol, enquanto todos ainda dormiam); Maria Madalena corre para avisar Pedro e os demais; enquanto isto, um anjo, o mesmo que removera a pedra do sepulcro, aparece às mulheres, e, brandamente, lembra-lhes das palavras do Senhor (atemorizadas em extremo, fogem sem contar “nada a ninguém”); neste meio tempo, João e Pedro chegam ao túmulo vazio; Maria Madalena volta ao sepulcro, e é surpreendida por dois anjos; Jesus manifesta-se “primeiramente” a ela, a qual, depois de uma breve conversa, é estimulada pelo Senhor a avisar os outros discípulos. “Ao nascer do sol”, as outras mulheres retornam ao túmulo “perplexas a esse respeito”, e os dois anjos, os mesmos que apareceram a Maria, num tom mais disciplinador, lembra-lhes da necessidade da ressurreição do Senhor; a caminho, para avisar os discípulos, Jesus “lhes saiu ao encontro”, renovando a ordem de encaminhar os discípulos para a Galileia; também elas, desta feita com “grande alegria”, correm a “anunciá-lo” “aos onze”, que ainda insistem na incredulidade. Creio que será difícil, diante do encaixe perfeito das peças no texto unificado, alterarmos a sequência proposta. “Compra a verdade e não a vendas: sim, a sabedoria, e a disciplina, e a prudência”, porque “a sabedoria é excelente para dirigir” (Pv 23.23 ; Ec 10.10).

96


Nota 8

pg. 67

Jesus aparece aos seus discípulos [no monte da] Galileia A sequência proposta pelos quatro Escritores, quanto à aparição de Jesus aos discípulos e apóstolos depois de sua ressurreição, seguindo o estilo dos Evangelhos, é contraditória à primeira vista. Porém, com o bom senso a nos guiar, podemos esquadrinhar os passos tomados pelos personagens envolvidos. Lendo Mateus em 28.10 e 16, temos a impressão do pronto atendimento dos discípulos diante da ordem do Senhor, através das mulheres, de que se encontrassem no monte da Galileia. Marcos, em seu capítulo 16.9-20, nada comenta sobre a Galileia. Em Lucas, devido o pequeno comentário do capítulo 24.49, fica a impressão de que permaneceram em Jerusalém, nunca saindo de lá. João, porém, é o único a apresentar a desobediência dos apóstolos, gerada pela sua incredulidade. Em 20.19, vemos “cerradas as portas onde os discípulos, com medo dos judeus, se tinham ajuntado”, ainda em Jerusalém. Passados “oito dias”, e ainda “as portas fechadas”, como se observa em Jo 20.26. Óbvio, então, que só depois da repreensão do Senhor quanto à “incredulidade e dureza de coração” da maioria deles, é que eles partiram para a Galileia. Depois destas duas aparições em Jerusalém, Jesus vai se apresentar pela “terceira vez” aos discípulos, “junto do mar de Tiberíades”, na Galileia, como bem enfatizam as indicações de Jo 21.1 e 14. Ainda na Galileia, Jesus se manifesta, finalmente, 97


naquele monte que, tanto os anjos quanto o próprio Senhor, já haviam “designado” (Mt 28.16). Como houve pelo menos estas duas aparições na Galileia, achei por bem delimitar com precisão os textos, fazendo o acréscimo da expressão “[no monte da]”, para diferenciá-lo do texto anterior que cita o mar de Tiberíades, localizado, também, na Galileia.

Nota 9

pg. 68

[Os discípulos retornam a Jerusalém e Jesus novamente se manifesta] O melhor relato sobre a ascensão de Jesus encontra-se no livro de Atos, escrita pelo Evangelista Lucas (o primeiro versículo de Atos é a confirmação do terceiro versículo do livro de Lucas). Aqui, a partir de 1.9 a 12, vemos que Jesus foi “elevado às alturas”, e que os discípulos, então, “voltaram para Jerusalém, do monte chamado das Oliveiras”. Se os discípulos haviam partido para a Galileia, como anteriormente vimos, eles tiveram que retornar a Jerusalém por três motivos: presenciar aquele que “foi recebido em cima no céu”; esperar “a promessa do Pai ... a virtude do Espírito Santo”; e iniciar a pregação do Evangelho, “começando por Jerusalém” (At 1.4-11 e Lc 24.47). Daí o acréscimo deste título. Agreguei os textos de Mc 16.15-18 e Lc 24.49 sob este título por dois motivos. O texto de Marcos está ligado ao seu versículo 19, que se passa em Jerusalém (“Ora o Senhor, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu”). 98


Além do mais, está em consonância com a revelação progressiva de toda a Palavra de Deus. A primeira vez que Jesus mostra a necessidade da pregação (Lc 24.44-47), ele a relaciona com a sua morte e sua ressurreição, abrindo-lhes “o entendimento para compreenderem as Escrituras”. Isto se passa em Jerusalém, quando se manifesta a eles pela primeira vez. Alicerçado o fundamento do motivo da pregação, ele passa à ordem propriamente, relacionando-a, agora, ao poder operante e capacitante que os acompanhará “todos os dias até a consumação dos séculos”. O texto é o de Mt 28.18-20, e se passa no monte da Galileia. Na terceira menção da mesma ordem, ela está associada aos frutos decorrentes da missão. Este é o texto de Marcos que estávamos considerando, e que se passa novamente em Jerusalém. Quanto ao texto de Lc 24.49, a ordem de Jesus – “ficai, porém, na cidade de Jerusalém” – insinua que já estivessem lá, e o verso 50 parece ser a continuação deste fato. Aliás, por este versículo específico de Lucas, e somado ao seu outro escrito, Atos, notamos que Jesus ascendeu aos céus do monte das Oliveiras, do lado que olha para Betânia, e não do lado que olha para Jerusalém. Já vimos algo parecido. Este momento é a grande oportunidade das nações, para o seu “arrependimento e a remissão dos pecados” (Lc 24.47). Mas “esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir como para o céu o vistes ir” (At 1.11). E a sua face, desta vez, estará voltada para Jerusalém, como está escrito: “E naquele dia estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o oriente; e o monte das Oliveiras será fendido pelo meio, para o oriente e para o ocidente...” (Zc 14.4). 99


“E esta será a praga com que o Senhor ferirá a todos os povos que guerrearem contra Jerusalém: a sua carne será consumida, estando eles de pé, e lhes apodrecerão os olhos nas suas órbitas, e lhes apodrecerá a língua na sua boca”. (Zc 14.12) “Naquele dia também acontecerá que correrão de Jerusalém águas vivas, metade delas para o mar oriental, e metade delas para o mar ocidental: no estio e no inverno sucederá isto. E o Senhor será rei sobre toda a terra: naquele dia um será o Senhor, e um será o seu nome”. (Zc 14.8-9) “Ora vem, Senhor Jesus. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós. Amém” (Ap 22.21).

100


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.