A Lei e a necessidade do Intervalo em Gênesis

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Projeto Gráfico e Editoração Márcio Bertachini

Composição – 2008 Santo André – São Paulo Reedição – 2016 Atibaia – São Paulo

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Referências As citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida – Edição Revista e Corrigida (ERC) de 1994, salvo menção específica: ERA - Edição Revista e Atualizada de 1997, NTLH - Nova Tradução da Linguagem de Hoje de 2006. As citações bíblicas com “duplas” aspas são literais (como em “Persiste em ler” na ERC), enquanto as com aspas ‘simples’ são uma adaptação do texto original (como em ‘persistindo em ler’). Os textos demarcados por [colchetes] dentro das citações bíblicas são acréscimos do autor para uma melhor compreensão do texto. Os verbetes enfatizados foram consultados no Dicionário Brasileiro Melhoramentos, 4ª Edição, de 1968. O texto grego do Novo Testamento examinado foi o da “Trinitarian Bible Society, England – H KΑINH ΔIAΘHKH”.


Esclarecimentos Este livreto é parte do original publicado também neste site – “O Princípio da Substituição dos Mordomos desde a Esfera Celeste”, formado por cinco capítulos.

Na obra completa, comento as quatro grandes desgraças físicas e espirituais ocasionadas a partir da queda do ‘querubim protetor’ e da sedução dos seus ministros angélicos, quais sejam (as citações a seguir pertencem ao original):

1 - Uma das desordens, como demonstramos no início deste estudo, foi o castigo de Deus sobre todo o Universo e a consequente deformidade da Terra, habitação do exsacerdote; 2 - A segunda desgraça causada pelo anjo rebelde é a mais cara do ponto de vista Divino... O tabernáculo de Deus, Santíssimo, “não feito por mãos, isto é, não desta criação”, e todos os seus utensílios sagrados foram profanados pelo introdutor do pecado. Nada escapara à sua contaminação, nem mesmo uma espevitadeira; 3 - A terceira desgraça, resultado direto da expulsão de Lúcifer dos céus, foi um lugar vago no céu. Como ele levou consigo mais um terço dos anjos, então temos um terço das cadeiras celestes desocupadas;


4 - Eis a 4ª desgraça que prorrogamos para este capítulo: a intromissão do pecado na esfera humana.

A primeira grande desgraça é o alvo deste livreto. Apesar de o assunto ser retomado outras vezes durante o curso do original, para um melhor embasamento da proposta, este capítulo é suficientemente ilustrado e defendido por cerca de 100 citações bíblicas diretas, nem dez por cento do total original. Embora o livro como um todo dependa imensamente deste primeiro capítulo, este em si mesmo é completo, ou seja, seu assunto está desenvolvido plenamente, sem prejuízo pela falta do contexto imediato.

Agimos assim por ser este assunto por demais atraente, já que trata do início de nosso mundo, tema rodeado de mistérios e dúvidas. O leitor e leitora podem suplementar o assunto lendo o livro original aludido acima, já que vou adicionando novos ingredientes e novas considerações com vistas ao desfecho da matéria. A título de curiosidade, a imagem da capa é uma alusão ao pêndulo ou berço de Newton (1642 - 1726) criado para demonstrar empiricamente a conservação quantitativa de energia e de movimento em colisões.


Do princípio

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Lógica na Criação

19

Revelação

23

Sem forma e vazia

24

Trevas

26

Abismo

33

Dilúvio precedente

37

Súmula

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Pensai!

Deus é luz, e não habita nele treva alguma. Satanás é treva, e não habita luz alguma nele.



Do Princípio

“No princípio criou Deus os ceus e a terra” (Gn 1.1). Ha frase mais simples e ao mesmo tempo mais complexa do que esta, apesar de toda nossa fe? “No

princípio” é o princípio de tudo. Quem poderia afirmar com certeza o que houve lá, se nós nem estávamos lá? Mas o que diz a Escritura? “Toda

a escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça: para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda boa obra” (2 Tm 3.16). “Está escrito”, como disse Jesus várias vezes, para que permaneça fiel para sempre, imutável para sempre, salvadora para sempre, esclarecedora para sempre, condenadora para sempre. Qual o melhor meio de um sábio preservar sua sabedoria para as gerações futuras? Deus usou nossos próprios recursos para perpetuar o conhecimento de sua Pessoa e de suas obras: a Escrita. Nada mais lógico.

E é por fé nesta Palavra que me atrevo a descortinar o que havia “No princípio”, quando eu ainda só existia na mente e no plano de Deus. Há muito se discute sobre “como” e “quando” se deu o princípio de tudo. Basicamente, o mundo se divide entre duas teorias: o criacionismo e o evolucionismo. O evolucionismo seria a visão de que tudo está em evolução, do inferior 9


para o superior, do ocasional para o inteligente, e isto já leva alguns bilhões de anos. Só para lembrar que toda escolha tem um preço, ou usando uma ilustração de Jesus quando Ele ensina que “conhecereis a árvore pelos seus frutos”, é interessante notarmos que, conforme citação de Archer em seu excelente livro – “Merece confiança o Antigo Testamento?” –, “o evolucionismo de Darwin tornou-se a filosofia oficial dos principais movimentos ateus do século XX (tais como as formas mais puras do Nazismo e do Socialismo Marxista)... Levou inevitavelmente ao resultado que os conceitos de moral e de religião que se descobrem na raça humana sejam considerados a mera combinação fortuita de moléculas, não representando, portanto, qualquer realidade espiritual”. O criacionismo, por sua vez, seria a visão de que Deus, um Ser Inteligente e Poderoso, criasse com Ordem e Inteligência tudo o que vemos. Este ponto de vista parece ser mais lógico, refletindo também a nossa própria capacidade. Participaríamos de coisas que Deus não participa? O nosso próprio avanço intelectual, social e tecnológico provém do acaso ou de raciocínio e trabalho? Todo e qualquer trabalho que vamos realizar, por mais simples que seja, necessita antes ser contemplado em nossas mentes, planejado, para depois ser executado. Seria diferente com Deus, guardadas as devidas proporções? Vejamos alguns exemplos práticos desta verdade na Bíblia: “Pois

qual de vós querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a 10


virem comecem a escarnecer dele, dizendo: este homem começou a edificar e não pôde acabar. Ou qual é o rei que, indo à guerra a pelejar contra outro rei, não se assenta primeiro a tomar conselho sobre se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil? Doutra maneira, estando o outro ainda longe, manda embaixadores, e pede condições de paz”.

Esta comparação usada por Jesus, em Lucas 14.2832, exemplifica desígnio ou propósito escorado num planejamento minucioso anterior. Em cada vida humana presenciamos objetivos que são direcionados por planejamento, como no caso de um pequeno agricultor, descrito no Provérbio 24.27: “Prepara fora a tua obra, e apronta-a no campo, e então edifica a tua casa”. Também o rei Davi, e seu filho Salomão, quando intentaram construir uma casa ao Senhor seu Deus, tiveram invariavelmente que passar pela fase de planejamento e preparativos iniciais, como descrito em 1 Reis 5.17-18: “E mandou o rei que trouxessem pedras grandes e pedras preciosas, pedras lavradas, para fundarem a casa. E as lavravam os edificadores de Hirão e os giblitas: e preparavam a madeira e as pedras para edificar a casa.” Se nestes poucos exemplos vemos planejamento para se alcançar um alvo esperado sem surpresas, será que Deus se prestaria ao ridículo de, antes de formar tudo o que vemos, não ter planejado detalhadamente cada pequena engrenagem de sua grande Criação? Ouçamos a resposta pela Sua própria boca. “Desde

a antiguidade fundaste a terra: e os céus são obra das suas mãos” (Sl 102.25). 11


Embora Deus não tenha realizado sua grande obra com mãos palpáveis, Ele usa de elementos que nós conhecemos, pois fomos feitos “à sua imagem e semelhança”. No estudo teológico, denomina-se este artifício, o de usar elementos humanos para Deus, de Linguagem Antropomórfica. “Os

céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite. Sem linguagem, sem fala, ouvem-se as suas vozes, em toda a extensão da terra, e as suas palavras até ao fim do mundo... Ele fez a terra com o seu poder, e ordenou o mundo com a sua sabedoria, e estendeu os céus com o seu entendimento” (Sl 19.12 / Jr 51.15). Estas passagens declaram a Grandeza e a Inteligência infinitas de Deus, refletidas na grandiosidade e precisão do Universo. Assim como apreciamos a criatividade e habilidade de um Michelangelo ao estontear-nos os seus complexos afrescos e esculturas, não deveríamos apreciar a Majestade de Deus ao observarmos sua maravilhosa criação? “Lançou

os fundamentos da terra, para que não vacile em tempo algum... Quem mediu com o seu punho as águas, e tomou a medida dos céus aos palmos, e recolheu numa medida o pó da terra e pesou os montes e os outeiros em balanças? Quem guiou o Espírito do Senhor? E que conselheiro o ensinou?” (Sl 104.5 / Is 40.12). Os fundamentos foram meticulosamente preparados palmo a palmo, milímetro a milímetro, átomo a átomo, como um engenheiro sabe que, numa construção complexa, um erro no fundamento pode ser a ruína certa. Isto lembra aquela conhecida ilustração em que Jesus compara o homem pru12


dente com o insensato. “Todo

aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica, será comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto sobre aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre areia; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto sobre aquela casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruína” (Mt 7.24-27). Com tudo isto em mente, podemos concluir pela lógica, e atestado pelo testemunho da carta áurea de Deus aos homens, que “no princípio criou Deus os céus e a terra”. Eis aqui o primeiro versículo de Gênesis, em que Deus não faz esforço algum para provar sua existência nem seu ato criativo, pois Ele É, e Ele só, como descrito em Isaías 43.13. “Ainda

antes que houvesse dia, EU SOU”.

Como havia dito anteriormente, os homens basicamente se dividem em dois grupos: os que creem na Criação direta de Deus, e os que creem na evolução do nada para o tudo. Embora também encontremos os que tentam conciliar as duas teorias, tentando agradar a Deus e aos homens. Mas mesmo entre os Criacionistas há muita divergência, o que não é estranho, visto a grandeza e dificuldade do assunto. Os famosos seis dias da criação, e o sétimo de descanso, sempre foram motivo de especulação entre teólogos e leitores da Escritura. Há os que creem que estes seis dias são dias literais, e os que creem que estes dias representam longos períodos de tempo que coincidiriam com as eras geológi13


cas já tanto estudadas e comprovadas cientificamente. Aqui temos muitos problemas, dos quais vou abordar rapidamente o principal, pois não sou perito quanto à parte científica. Se todo o Universo foi criado em seis dias, sendo que o homem no sexto, pela cronologia e genealogia oferecidas pela Bíblia o planeta não poderia ter mais que dez ou quinze mil anos, o que não corresponderia com a ciência, que, embora moralmente duvidosa, também não pode ser descartada. Seria hipocrisia de nossa parte recorrer constantemente ao avanço tecnológico, que nos é agradável, e desprezarmos cabalmente a ciência quando nos pareça contrária. Já está mais que comprovado cientificamente pela Geologia e estudos afins que a Terra tem milhões de anos. Mas há uma outra teoria comumente denominada ‘Teoria do Intervalo’, citada pelo Dr. Oswald Chambers no início do século XIX, portanto ainda antes das primeiras descobertas de fósseis e artefatos do homem pré-histórico feitas na década de 1850, em que provavelmente entre o primeiro versículo de Gênesis e o segundo versículo haja um incalculável espaço de tempo. Esta teoria, embora muito combatida, tenta responder a questões importantes que não são discutidas de forma extensiva na Bíblia, e que são esquecidas propositalmente pela dificuldade de interpretação. Não vou me ater a todas as possíveis teorias a respeito da criação, pois meu objetivo não é tocar em assuntos há muito debatidos. Além de haver escritores infinitamente bem mais capacitados para isto, mencionarei somente a Teoria do Intervalo, por ser esta, a meu ver, a que responde melhor a 14


algumas velhas questões e que melhor se coaduna com o todo da Escritura, dentro de princípios de interpretação citados pela própria Revelação da Palavra de Deus, e que mencionarei ao longo do estudo. Antes, contudo, vale a pena ressalvar que não é mais importante o conhecimento dessas Teorias que a fé depositada na Palavra de Deus. Menciono o fato porque ao iniciar a minha fé em Cristo e os meus estudos na Bíblia, cria com sinceridade que o Universo todo tivesse sido criado em seis dias. Mas conforme fui me desenvolvendo e aprendendo, percebi que ela não respondia todas minhas indagações; mas a minha fé ainda repousa no testemunho infalível da Palavra de Deus de que tudo foi criado por intervenção direta de Deus. Porque Jesus mesmo disse: “Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13:31). Se tudo foi criado em seis dias, ou seis longos períodos de tempo, com ou sem intervalo, ou algo novo que ainda não alcançamos, o que importa, como disse Paulo, é Cristo, e este crucificado por nossos pecados. Embora a Palavra de Deus não possa desmentir a realidade. Retornando então ao que foi dito, a Palavra de Deus assevera que “no princípio criou Deus os céus e a terra”. O segundo versículo de Gênesis diz por sua vez que “a terra, porém, era sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo. E o Espírito de Deus se movia por sobre as águas”. Se crermos que aqueles seis dias são o começo absoluto da criação dos céus e da terra, teremos então de admitir que Deus começou sua criação com o seguinte projeto arquitetônico para o planeta: não havia forma, estava vazia, havia trevas e uma “face do abismo” de difícil interpretação. Para 15


ajudar, havia uma como que ‘tsunami’ global. Eu havia dito há pouco que me basearia em princípios de Interpretação ditados pela própria Palavra de Deus, e isto também segue uma lógica. Quando se compra algum produto eletrônico sofisticado, a primeira coisa que vamos fazer é dar uma olhada no Manual de Instruções, já que é o fabricante que tem as melhores condições e o dever de nos ensinar como o produto deve funcionar. Jamais o consumidor deve alterar a forma de funcionamento do produto, ou certamente acabará por danificálo. Encaro a Bíblia da mesma forma. Se ela é a Carta de Deus aos homens, e que fala de assuntos complexos e invariavelmente com propósitos bem acima de nosso cotidiano egoísta, também deve conter o Manual de Instruções para seu perfeito funcionamento, que são os Princípios de Interpretação. É porque não se seguem estes Princípios que vemos uma Igreja dividida em tantas denominações e dogmas, tantas manifestações teológicas incongruentes, tantos egos elevados. Esquecem-se de um princípio fundamental ditado por Cristo, quando diz que “toda cidade, ou casa dividida contra si mesma não subsistirá” (Mt 12.25).

Antes, porém, vamos analisar esta questão de forma puramente racional e lógica, e depois com o apoio da Escritura. Vou começar pela lógica por ser este argumento natural a todos nós, independente da Revelação Específica de Deus. Embora a lógica possa ser prejudicada por preconceitos vários, ela se encontra naturalmente em todos nós, ainda que em vários estágios. Deve-se lembrar, porém, que o argumento 16


lógico deve ser encarado como um subsídio de demonstração, mas que jamais deve se sobrepor à Revelação Específica de Deus. A Revelação é que deve direcionar, ou mesmo redirecionar, o argumento lógico, para que este cumpra o papel simples de atestar, de concordar, de aceitar a Revelação. Portanto, se a lógica não concordar com a Revelação, é porque ela está deturpada por algum motivo, e deve retornar à sua posição primária em obediência à Revelação. Para quem acha que não há lugar para raciocínio ou inteligência lógica no culto de adoração a Deus, deveria examinar estas passagens: “Rogo-vos,

pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm 12.1).

Um Deus racional, inteligente, deve ser adorado à altura. “Que

farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento” (1 Co 14.15). Aqui se vê a interação entre a espiritualidade e a inteligência. A espiritualidade não deve cegar nosso entendimento, antes, deve alargá-lo, como demonstra Paulo em Efésios 1.17-18. “... para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação, tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos...” 17


Vemos de novo a união da ‘sabedoria e da revelação, para que saibais’. A revelação deve alargar o conhecimento para enxergarmos o que antes estava muito distante. A aceitação, porém, de uma revelação sem base lógica ou racional poder-se-ia dizer que se trata de fanatismo religioso. Dito isto, podemos começar uma análise lógica e racional para o problema da criação original, passando depois para o testemunho da Palavra de Deus.

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Lógica na Criação

Sem o testemunho da Escritura, parece-nos lógico e mesmo razoável crermos em um Deus Onipotente, Onisciente e Onipresente. Não haveria nada que Ele não pudesse fazer, ou então não poderia ter controle sobre todo o Universo. Não haveria nada que Ele não pudesse conhecer, ou então Lhe faltaria sabedoria para agir soberanamente. Não haveria nenhum lugar onde Ele não pudesse estar, ou então este lugar estaria fora de Seu domínio. Se temos uma noção instintiva e universal de um Deus nestas proporções, como poderíamos admitir que este Deus Maravilhoso e Santo, cheio de Amor, pudesse começar nossa habitação, a Terra, sem forma, vazia, com uma face do abismo em trevas, e encoberta por águas? Esta visão não parece mais uma construção paralisada por falta de verba ou competência, como estamos acostumados a ver, deixada ao relento e aos roedores em meio ao capim que cresce em seus alicerces? Parece ilógico coadunar um Deus Criador de Ordem e Propósito com expressões tão negativas como trevas, abismo, dilúvio, vazia. Se isso for possível, teremos de admitir que Deus seja o criador arbitrário e direto das trevas e do abismo, e que o Espírito de Deus pairou sobre este dilúvio inicial ocasionado por Ele mesmo. Qual a razão lógica em começar algo assim, se Ele é o dono de todo o poder, beleza e perfeição? Ou então, numa segunda hipótese mais coerente, 19


Deus, implicando e escorado em todas as Suas Santas Características e Peculiaridades, formou os céus e a Terra em Caráter perfeito, de forma instantânea e madura. Então, se pouparmos Deus da criação e promoção direta das trevas, abismo, águas inundantes e ambiente sem forma, há que se considerar a possibilidade de um agente externo oposto e contrário à vontade do Criador, que de alguma forma se intrometesse em Seu plano, por Sua permissão onisciente, contaminando Sua Criação Original, sendo, portanto, o verdadeiro responsável por aquele estado deplorável. Assim como em nosso mundo físico percebemos e convivemos com forças antagônicas, o bem e o mal, a justiça e a injustiça, provavelmente no ambiente celestial também houvesse algo ou alguém que se opusesse à Perfeição e Santidade de Deus.

Podemos perceber este antagonismo, como reflexo, em nosso próprio desenvolvimento físico, ao sermos abalados por agentes externos que não temos controle, como as disfunções orgânicas várias, os agentes bacterianos e a própria morte. Também no campo intelectual, e principalmente no moral, vemos uma oposição brutal, e que provavelmente parte daquele mesmo inimigo que se incita contra Deus desde o princípio da criação. E este ser avesso, em luta aberta e franca contra Deus, além de levar à destruição uma possível ordem universal anterior a esta, tem infectado toda a criação desde o princípio. A questão então se divide em dois pontos: ou Deus é o criador das trevas, ou as trevas se colocaram entre Deus e seu plano original. Visto que pela lógica não podemos imputar a Deus a 20


criação direta das trevas, no sentido de que Ele pudesse dizer a respeito dela que “era boa” tanto quanto disse da luz (Gn 1.4), inundemos de luz o palco escuro e limitado do raciocínio, observando o que está escrito.

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Revelação

Se a dificuldade da lógica se encontra nas palavras trevas, abismo, águas inundantes, sem forma e vazia, então essas mesmas palavras deveriam ser examinadas à luz da Revelação, em suas várias aparições pelo texto bíblico, sempre dentro do seu contexto próprio, pois texto sem contexto é pretexto. O que estas expressões insinuarem através de suas várias ocorrências, deverá ser transportado na mesma proporção para sua primeira aparição, “olho por olho, dente por dente”. É o que faremos a seguir. Seguindo pela ordem do texto Sagrado, vemos no 2º verso de Gênesis: “E

a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”.

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Sem forma e vazia Como já foi notado por grandes teólogos bíblicos, a expressão sem forma e vazia é a tradução do hebraico tohu wabohu, encontrada em algumas passagens que denotam um estado caótico devido ao julgamento Divino. Em sua Bíblia anotada, o Dr. Scofield coloca três textos exemplificando esta questão. “Porque assim diz o Senhor que tem criado os céus, o Deus que formou a terra, e a fez; ele a estabeleceu, não a criou vazia [tohu], mas a formou para que fosse habitada” (Is 45.18). Se Deus não a fez para ser um caos, subentende-se que este estado não fazia parte de Sua Vontade Original. “Porque será o dia da vingança do Senhor, ano de retribuições pela luta de Sião... E ele estenderá sobre ela cordel de confusão e nível de vaidade [tohu... wabohu]” (Is 34.8,11). Tendo-se o cuidado de ler o contexto, veremos Deus usando esta expressão como consequência de julgamento da nação de Edom, por seus maus tratos a Israel. “Deveras o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios, e não entendidos; sábios são para mal fazer, mas para bem fazer nada sabem. Observei a terra, e eis que estava assolada e vazia [tohu wabohu]; e os céus, e não tinham a sua luz” (Jr 4.22-23). Aqui, o profeta Jeremias antecipa a destruição de Jerusalém por seus muitos pecados, antevendo sua destruição 24


total pelo Império Babilônico em 586 a.C., e muito bem registrado pela história. Nestes três casos, vemos que a expressão tohu wabohu refere-se a um estado de calamidade advindo de um julgamento prévio por Deus, o que nos leva a deduzir que o estado caótico encontrado logo após a criação dos céus e da terra, também sejam resultado de um julgamento ou castigo Divino. Apesar desta colocação feita por tão renomadas autoridades, talvez para muitos não fale com a devida propriedade, devido à falta de conhecimento da língua hebraica. Mas se Deus não faz acepção de pessoas, como está escrito, temos que encontrar provas mais convincentes dentro de nossa própria capacidade intelectual, ou seja, dentro de nossa própria língua.

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Trevas O segundo relato notável a respeito das trevas encontra-se em Êxodo 10.21-23, quando Deus castiga a nação do Egito por não querer deixar Israel sair ao deserto. Note que, no entanto, Israel permanecia em luz.

“Então disse o Senhor a Moisés: Estende a tua mão para o céu, e virão trevas sobre a terra do Egito, trevas que se apalpem. E Moisés estendeu a sua mão para o céu, e houve trevas espessas em toda a terra do Egito por três dias. Não viu um ao outro, e ninguém se levantou do seu lugar por três dias; mas todos os filhos de Israel tinham luz em suas habitações”. Este mesmo castigo pelas trevas poderá ser visto pelos rebeldes impenitentes durante a tribulação no reinado próximo do anticristo, aquele a quem eu chamo de ‘o filho primogênito da globalização’. “E o quinto anjo derramou a sua taça sobre o trono da besta, e o seu reino se fez tenebroso; e eles mordiam as suas línguas de dor” (Ap 16.10). “... porque o dia do Senhor vem, ele está perto: dia de trevas e tristeza; dia de nuvens e de trevas espessas... O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor” (Jl 2.1-2,31). “Ai daqueles que desejam o dia do Senhor! Para que quereis vós este dia do Senhor? Trevas será e não luz... Não será pois o dia do Senhor trevas e não luz? Não será completa escuridade sem nenhum resplendor?” (Am 5.18,20). 26


“E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem” (Mt 24.29-30), nas palavras do próprio Senhor Jesus. Vejamos agora algumas exortações para que o homem deixe o mundo das trevas. Sinta, com sua mente renovada em Cristo, o teor espiritualmente negativo em todas as citações a seguir. “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mt 6.22-23). “E a condenação é esta: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz, e não vem para a luz para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus” (Jo 3.19-21). Aqui, além da diferença gritante entre luz e trevas, percebe-se que luz refere-se a boas obras, enquanto trevas referem-se a obras más. “Falou-lhes pois Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8.12). “Eu sou a luz que vim ao mundo, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas” (Jo 12.46). “A noite é passada e o dia é chegado. Rejeitemos 27


pois as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz” (Rm 13.12). “Portanto nada julgueis antes de tempo, até que o Senhor venha, o qual trará também à luz as coisas ocultas das trevas” (1 Co 4.5). “Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo” (2 Co 4.6). Nesta passagem iluminada, vemos o paralelo perfeito entre as trevas da criação e as trevas do coração. Assim como Cristo nos tirou das trevas do pecado, como visto acima, Deus retirou a terra das trevas do castigo, dizendo: “Haja luz. E houve luz” (Gn 1.3). “Porque noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: andai como filhos da luz” (Ef 5.8). “Dando graças ao Pai que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz; o qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” (Cl 1.12-13). “Quem há entre vós que tema a Jeová, e ouça a voz do seu servo? Quando andar em trevas, e não tiver luz nenhuma, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus” (Is 50.10). Assim como o homem pecador que não se arrepende permanece nas trevas do conhecimento espiritual, se ele morrer nestas condições receberá as mesmas trevas como castigo. “Mas eu vos digo que muitos virão do oriente e do ocidente, e assentar-se-ão à mesa com Abraão, e Isaque, e 28


Jacó, no reino dos céus; e os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores: ali haverá pranto e ranger de dentes” (Mt 8.11-12). Aqui, Jesus mostra a condenação eterna dos filhos rebeldes do povo de Israel que crucificaram o seu Messias, e a oportunidade que Deus dá aos demais povos ao arrependimento, agora no Messias ressurreto.

“Tendo os olhos cheios de adultério, e não cessando de pecar, engodando as almas inconstantes, tendo o coração exercitado na avareza, filhos de maldição; os quais, deixando o caminho direito, erraram seguindo o caminho de Balaão, filho de Bosor, que amou o prêmio da injustiça; mas teve a repreensão da sua transgressão; o mudo jumento, falando com voz humana, impediu a loucura do profeta. Estes são fontes sem água, nuvens levadas pela força do vento: para os quais a escuridão das trevas eternamente se reserva” (2 Pe 2.14-17). “Ai deles! Porque entraram pelo caminho de Caim, e foram levados pelo engano do prêmio de Balaão, e pereceram na contradição de Coré. Estes são manchas em vossas festas de amor, banqueteando-se convosco e apascentando-se a si mesmos sem temor: são nuvens sem água, levadas pelos ventos de uma para outra parte: são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas impetuosas do mar, que escumam as suas mesmas abominações: estrelas errantes, para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas” (Jd 11-13). Também certa categoria de anjos já foi condenada às trevas devido à sua enorme rebeldia. Leia o contexto para uma melhor compreensão. 29


“Porque se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo” (2 Pe 2.4). “E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão, e em prisões eternas até ao juízo daquele grande dia...” (Jd 6).

Mas profundamente triste foi o próprio Senhor Jesus Cristo ter experimentado o abandono de Deus nas trevas, por nossos pecados. “E, chegada a hora sexta, houve trevas sobre toda a terra até a hora nona. E à hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloi, Eloi, lama sabactâni? Que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” (Mc 15.33-34).

Parece lógico supor, após analisarmos todas estas passagens, que as trevas, seja no sentido físico, seja no sentido espiritual, retratem, na realidade, o castigo sobre o pecado e a desobediência. Mas resta ainda observarmos algumas passagens mais esclarecedoras. “E esta è a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas” (1 Jo 1.5). Esta declaração é óbvia demais. Se Deus é luz, e nele não há trevas nenhumas, como pôde Ele ter feito a terra em trevas? As trevas são o oposto da própria essência Divina. Portanto, é obvio que as trevas, descritas em Gênesis, são resultado do pecado, e visto que o pecado não pode partir de Deus, já que “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos” (Is 6:3), alguém mais estava presente no dia da 30


criação, e que de alguma forma foi o responsável pelo pecado e pelo julgamento de toda a terra. Há ainda outra declaração que mostra bem a separação intransponível entre luz e trevas. “Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?” (2 Co 6.l4). Então se Deus é luz, como poderia ter Ele partilhado das trevas no princípio da Sua criação? Mas não precisamos nos prender ao passado ou mesmo só ao presente; também nos foi revelado o futuro, já que é o Hoje de Deus. Quando Deus tiver condenado todos os ímpios e impenitentes, e do outro lado, limpado dos nossos olhos toda lágrima, a lágrima da vergonha do pecado, Deus então erguerá uma Nova Cidade. “E levou-me em espírito a um grande e alto monte, e mostrou-me a grande cidade, a santa Jerusalém, que de Deus descia do céu... E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro. E a cidade não necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem alumiado, e o cordeiro é a sua lâmpada; e as nações andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória e honra... E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de lâmpada nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os alumia; e reinarão para todo o sempre” (Ap 21.10,22-24; 22.5). Assim, vemos as trevas banidas da presença de Deus, e, em seu lugar, a luz natural do Cordeiro, que disse: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8:12). Ele alumiará não só a Terra, mas todo o novo Universo. Seria, na mesmíssima pro31


porção, indigno do caráter santo de Deus a presença, daquilo que será banido eternamente, na criação original. Resta-nos examinar e esclarecer outra passagem. “Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas cousas” (Is 45.7). Olhando esta declaração isoladamente, pode parecer que luz e trevas são criações semelhantes de Deus. Mas lembre-se: texto sem contexto é pretexto. Se, como vimos, Deus é luz, e nele não há trevas nenhumas, então Ele não pode ter criado as trevas, tanto quanto o mal, de Sua Própria Natureza, mas como justiça e juízo sobre o pecado e a desobediência. Citando o Dr. Scofield, “Deus fez a tristeza e a desgraça como frutos certos do pecado” . Creio que somente a análise da palavra trevas em toda a Bíblia é mais que suficiente para entendermos que Deus criou os céus e a terra de forma pura e santa. Mas que devido à introdução do pecado, que veremos mais a frente, Deus condenou a Terra à escuridão, sem forma e vazia, e encoberta pelas águas como castigo. Daí, o famoso relato da criação em seis dias, na verdade, tratar-se da reconstrução do mundo abalado. Mas não podemos ainda nos satisfazer. Temos que analisar as outras duas expressões marcantes.

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Abismo Lembre-se de que havia trevas sobre a face do abismo, as mesmas trevas analisadas há pouco, portanto, o abismo também não pode ser coisa boa. Embora a palavra abismo seja a tradução de pelo menos duas palavras do grego, que não será estudado aqui, é interessante notar que em qualquer dos casos, o abismo reporta ao castigo divino. Observemos. “E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tão pouco os de lá passar para cá” (Lc l6.26). A famosa história do rico e Lázaro levados ao lugar chamado Hades, no grego, que era o lugar dos mortos na mitologia grega, neste triste sítio havia um abismo intransponível entre os salvos e perdidos. Leia todo o contexto de São Lucas 16. Fazendo um breve parêntesis, não se deve crer aqui que se trate de uma parábola. E mesmo que fosse uma parábola, deveria ser entendido como algo literal, realmente acontecido, pois “Deus não é homem para que minta”. Quando lemos, por exemplo, Jesus dizendo: “Houve um certo homem...”, este homem certamente existiu, pois saiu da mesma boca que disse: “Haja luz. E houve luz”. “Sempre seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso” (Rm 3.4). Uma parábola nada mais é que uma história contem33


plada pelo Deus Onisciente e Onipresente, tão real e verdadeira quanto a história de Paulo, Pedro, eu ou você, usada como exemplo ou ilustração de uma realidade espiritual. Lembre-se: “Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?” (Jo 3.12). Mas aqui nem se trata de uma parábola. Aqui se vê uma história ao vivo contada como advertência para o destino dos homens na época, que recusavam o teor espiritual da Lei de Moisés e dos Profetas. E a diferença entre uma parábola (ou comparação) e uma história específica está no nome dado ao homem pobre da história: Lázaro. Em nenhuma parábola se menciona o nome do personagem, a não ser aqui, uma história direta e literal. Esta história, e juntamente todas as parábolas, são literais e verdadeiras, vividas pelos personagens sem nome, mas contempladas pelo “Pai que vê em oculto” (Mt 6.18). Daquele que disse, “Eu sou a verdade” (Jo 14.6), não pode sair nenhuma mentira ou uma história da carochinha para ilustrar uma realidade espiritual tremenda. Mas voltemos à história. Aquele abismo que separava os salvos dos ímpios no Hades, ou lugar dos mortos, na época da Lei, antes do sacrifício do Filho de Deus por nossos pecados, separava, conforme a descrição, dois recintos: o lado de Abraão, que confortava Lázaro e os da mesma sorte, do lado do sofrimento, no qual estava o rico e muitos outros. Não vamos nos deter na questão doutrinária. Se o leitor se interessar pelo assunto, pode ler um livreto deste mesmo autor que trata detalhadamente, com inúmeras passagens citadas, sobre “O Lugar dos Mortos’. O que queremos demonstrar é que o abismo fazia separação cirúrgica no Lugar dos mortos, separando o tecido 34


são do necrótico, nas partes mais baixas da terra, e que um grupo de homens sofria ardentemente pelos seus pecados, representado pelo homem rico sem nome. Este mesmo abismo também está relacionado ao julgamento de certo anjo, e também na tribulação vindoura. “E o quinto anjo tocou a sua trombeta, e vi uma estrela que do céu caiu na terra; e foi-lhe dado a chave do poço do abismo. E abriu o poço do abismo, e subiu fumo do poço, como o fumo de uma grande fornalha, e com o fumo do poço escureceu-se o sol e o ar. E do fumo vieram gafanhotos sobre a terra; e foi-lhes dado poder, como o poder que têm os escorpiões da terra. E foi-lhes dito que não fizessem dano à erva da terra, nem a verdura alguma, nem a árvore alguma, mas somente aos homens que não têm nas suas testas o sinal de Deus... E tinham sobre si rei, o anjo do abismo; em hebreu era o seu nome Abadom, e em grego Apoliom (Destruidor)” (Ap 9.1-4,11). Aqui, vemos gafanhotos representando demônios, que sobem do abismo para atormentar a última geração humana no auge de sua rebelião contra Deus, e que provavelmente são os mesmos anjos que estiveram presos em cadeias para o dia do juízo, descritos em Jd 6 e 2 Pe 2.4. “A besta que viste foi e já não é, e há de subir do abismo, e irá a perdição; e os que habitam na terra (cujos nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo) se admirarão vendo a besta que era e já não é, mas que virá” (Ap 17.8). Vemos que a própria besta, filho legítimo de Satanás em sua imagem e semelhança, ressuscita do abismo. “E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave do 35


abismo, e uma grande cadeia na sua mão. Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos. E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que mais não engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto, por um pouco de tempo” (Ap 20.1-3). O próprio Satanás será preso no abismo por tempo já determinado de mil anos, logo após sua ação maléfica na tribulação. Mas temos um texto interessante em Lucas 8:31 (leia o contexto do versículo 26 ao 33), em que os demônios possuindo um certo homem, à repreensão de Jesus, “rogavam-lhe que os não mandasse para o abismo”. Certamente estes demônios viram na eternidade passada seus irmãos sendo lançados no abismo, e sabiam o que lhes esperava se para lá fossem enviados. Lembre-se de Jd 6 e 2 Pe 2.4. Como em linguagem figurada, “a manada precipitou-se de um despenhadeiro no lago” (Lc 8.33), insinuando a prisão futura destes demônios, por ordem do Senhor, para o início do reino milenar de Cristo. Todas estas passagens mostram com clareza que o abismo está relacionado a lugar de julgamento, e não seria diferente quando o abismo estava escancarado no princípio da criação, pois o Espírito de Deus pairava por sobre as águas e podia-se ver sua face desnuda.

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Dilúvio Analisando este quarto e último ponto referente à criação original, demonstramos de forma cabal o ambiente caótico da criação como consequência de julgamento do pecado.

O primeiro relato de um dilúvio encontra-se na famosa história de Noé e sua arca. “E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra, e que toda a imaginação dos pensamentos do seu coração era só má continuamente. Então se arrependeu o Senhor de haver feito o homem sobre a terra, e pesou-lhe em seu coração... Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus: tudo o que há na terra expirará” (Gn 6.5-6,17). O motivo para tamanha destruição deveria ser de peso. Nada mais que rebeldia profunda e falta de arrependimento poderiam trazer consequências tão graves. Esta declaração tão contestada pelos homens sábios de todas as gerações foi confirmada pelo próprio Senhor Jesus, de quem ‘ninguém é digno de desatar a correia da alparca’ (Jo 1.27).

“Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a todos – assim também será a vinda do Filho do homem” (Mt 24.38-39). Uma passagem interessante relaciona três castigos como consequência de rebeldia: sobre os anjos lançados nas 37


trevas, o mundo humano sob o dilúvio e a destruição de Sodoma e Gomorra sob cinzas. “Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo; e não perdoou ao mundo antigo, mas guardou a Noé, pregoeiro da justiça, com mais sete pessoas, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios; e condenou à subversão as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-as a cinza, e pondo-as para exemplo aos que vivessem impiamente...” (2 Pe 2.4-6). Uma outra passagem interessante, que sob um olhar mais rápido e descuidado pareceria se tratar do dilúvio de Noé, não necessariamente se reporta a ele. “Bendize, ó minha alma ao Senhor: Senhor Deus meu, tu és magnificentíssimo, estás vestido de glória e de majestade. Ele cobre-se de luz como de um vestido, estende o céu como uma cortina. Põe nas águas os vigamentos das suas câmaras; faz das nuvens os seus carros, anda sobre as asas do vento. Faz dos ventos seus mensageiros, dos seus ministros um fogo abrasador. Lançou os fundamentos da terra, para que não vacile em tempo algum. Tu a cobres com o abismo, como com um vestido: as águas estavam sobre os montes; à tua repreensão fugiram, à voz do teu trovão se apressaram” (Sl 104.1-7). A sequência do relato parece sugestiva e coerente com o todo da Escritura. No 1º verso vemos o próprio Deus, em glória e majestade, vestido da luz. Em seguida, estende os céus. Após, cria os ministros, seus anjos. Então lança os fundamentos da terra. Tudo ia bem. Não poderiam, sem intervenção estranha, vacilar jamais. Mas de repente, ela é coberta 38


com o abismo, e os montes são cobertos por águas, descrição conforme o estado do intervalo de Gênesis. Aqui parece ser forçoso e simplista uma interpretação favorável ao Dilúvio de Noé; primeiramente pelo contexto citado, e depois pela declaração do verso 7: “à tua repreensão fugiram, à voz do teu trovão se apressaram.” No dilúvio de Noé, as águas abaixam naturalmente, enquanto aqui parece ser um caso de atuação poderosa “à tua repreensão”, que coincide com a narrativa encontrada em Gênesis 1.9-10. O que nos leva a crer que entre os versos 5 e 6 do Salmo referido, haja um acontecimento oculto, que coincide com o espaço de tempo entre o 1º e 2º versos da criação dos céus e terra em Gênesis. Mas o que importa aqui, a esta altura, é o fato de que o dilúvio de Noé foi devido ao julgamento de Deus sobre uma humanidade pecaminosa e perversa, assim como o dilúvio em que a Terra se encontrou depois da criação original. Analisados estes quatro importantes pontos, gostaria apenas de fazer uma ressalva quanto ao texto original, que poucos podem perceber, mas quando percebem não dão seu devido valor. Iniciamos este estudo transcrevendo as primeiras palavras de abertura do texto sagrado. Estamos tão acostumados a elas que qualquer outra coisa soa mal aos ouvidos. Mas o original hebraico assim inicia. “Em um princípio criou Deus os céus e a terra”. Na língua original não há a ideia de definição exata de quando seria este princípio, ou seja, ela dá a entender que é somente mais um dos princípios de Deus. Ou seja, a própria Escritura não afirma em seu texto original que aquele princípio seja o ponto de partida de tudo, assim como os seis dias da criação são apenas outro princípio. 39


É bem verdade que o hebraico do Antigo Testamento foi escrito somente com suas consoantes, e que os massoretas bem mais tarde adicionaram as vogais, que indicariam o artigo definido ‘o’ ou indefinido ‘em’. Mas os massoretas foram fiéis à tradição oral corrente à época, pois seria muito mais simples reescrever “No princípio”, que querer complicar com algo indefinido “Em um princípio”, pois ninguém teria aceito tal interpretação. Seria o mesmo que confundir “o Deus de Israel” com “um Deus de Israel”. Mas o santo Escritor, na Sua infinita sabedoria e com todo o zelo pela Sua bendita Palavra, usou esta mesma linguagem no Novo Testamento, agora em língua grega, para não haver desculpas quanto às nossas falhas e teimosias. “Em um [não há artigo definido no original] princípio era o Verbo” (Jo 1.1).

O Verbo Divino também está situado em um de Seus inúmeros e soberanos princípios.

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A Suma do que temos dito é: Queríamos demonstrar, primeiramente através da lógica, e depois pela interpretação das Escrituras, que não era compatível com o caráter de Deus uma criação original cujos componentes descritos na narrativa inicial de Gênesis fossem tão negativos. Analisamos então, comparativamente, ao longo da Escritura, os quatro termos usados na narração: sem forma e vazia, trevas, face do abismo e águas inundantes. Nas cerca de 40 passagens descritas para ilustração, os quatro termos estão sempre em conexão com castigo e julgamento divinos, e mais ainda, as quatro expressões são resultado físico e/ou espiritual diretos do pecado da rebeldia. Tudo o que vimos até aqui corrobora dignamente com o enunciado de Tiago: “Tudo de bom que recebemos e tudo que é perfeito vêm do céu, vêm de Deus, o Criador das luzes do céu. Ele não muda, nem varia de posição, o que causaria a escuridão” (Tg 1.17 – NTLH). Ou Ele trouxe o caos porque Ele mudou, porque variou de posição, porque deixou momentaneamente de Ser o que É, ou Ele se viu obrigado a julgar o mundo de então, condenando-o às trevas e ao longo abandono.

Portanto, em um princípio não definido, criou Deus os céus e a Terra, de forma pura, santa, apta para algum propósito inicial Perfeito de Deus, “para que não vacile em tempo algum”. Somente alguém com personalidade marcante poderia se confrontar com Deus, a ponto de ‘forçar’ Deus a introduzir os quatro elementos de castigo. Daí uma terra sem forma e vazia, havendo trevas sobre a face do abismo, e o Es41


pírito de Deus pairando sobre as águas que cobriam toda a Terra. Neste intervalo de tempo incomensurável, neste estado de profundo coma em que nosso futuro lar se encontrava, entre o 1º e o 2º versículos de Gênesis, é que temos de encontrar os motivos mais profundos, segundo a Lei, para tamanho julgamento.

É o que faríamos a seguir.

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“Tudo de bom que recebemos e tudo que é perfeito vêm do céu, vêm de Deus, o Criador das luzes do céu. Ele não muda, nem varia de posição, o que causaria a escuridão.” Tg 1.17 – NTLH



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