O mundo dos mortos

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Marcio Bertachini

Sheol

Hades Tánatos Kever Táphos Mnéma

o

dos

de Gênesis a Apocalipse


Projeto Gráfico e Editoração

Márcio Bertachini

Composição – 03/2018 Atibaia – São Paulo

Capa—Tela a óleo de Rembrandt de 1632—O rapto de Perséfone permissão https://commons.wikimedia.org/wiki/File%3ARembrandt__The_Rape_of_Proserpine_-_Google_Art_Project.jpg

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Referências As citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida – Edição Revista e Corrigida (ERC) de 1994, salvo menção específica:

ERA (Edição Revista e Atualizada) TB (Tradução Brasileira) NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje) RV (Reina Valera) Fiel (Almeida Revisada Fiel) As citações bíblicas com “duplas” aspas são literais (como em “Persiste em ler” na ERC), enquanto as com aspas ‘simples’ são uma adaptação do texto original (como em ‘persistindo em ler’). Os textos demarcados por [colchetes] dentro das citações bíblicas são acréscimos do autor para uma melhor compreensão do texto. O texto grego do Novo Testamento examinado foi o da “Trinitarian Bible Society, England – H KΑINH ΔIAΘHKH”. O texto hebraico do Antigo Testamento foi examinado on-line em www.hebraico.pro.br/r/biblia/quadros.asp


Meditemos um pouco: reconstrua o raciocínio o que o homem não pode ver no espaço breve de sua vida curta

Júlio Ribeiro – ‘A carne’


abertura

06

no Antigo Testamento

09

entre os Testamentos

22

duplo ParĂŞntesis

36

no Novo Testamento

40

9 Motivos

48

o destino do Sheol

55

fechamento

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Abertura “Porventura não são poucos os meus dias? Cessa pois, e deixa-me para que por um pouco de tempo eu tome alento; antes que me vá, para nunca mais voltar, à terra da escuridão e da sombra da morte; terra escuríssima, como a mesma escuridão, terra da sombra da morte e sem ordem alguma, e onde a luz é como a escuridão” (Jó 10.20-22). Jó, num momento de agonia em meio à sua extrema dor, descreve a morte do ponto de vista de alguém que não vê esperanças, onde tudo é negro, falta luz, falta ordem, não há revelação, a morte é certa e infalível, porém sem alento, sem esperança e sem recompensa. Outro servo, porém, já experimentado nos muitos sofrimentos, consegue ver na mesma morte motivo de júbilo, esperança e colheita. “Preciosa é à vista do Senhor a morte dos seus santos” (Sl 116.15). 6


Seu segredo é revelado dois versículos acima. “Tomarei o cálice da salvação, e invocarei o nome do Senhor” (Sl 116.13). Inspirado pelo Espírito Santo, podia como que antever a oferta deste bendito cálice, séculos à frente, com os olhos espirituais abertos pela fé. “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida” (Jo 6.54-55). Com qual dos dois o caro leitor e leitora se identifica? É tudo treva e solidão ou motivo de júbilo precioso? O medo atormenta com a aproximação da morte ou o coração irradia ante as infinitas promessas de vida eterna? Não são com os olhos mortais que encontraremos descanso, pois o Senhor indaga nosso amigo desconsolado, Jó. “Ou se te descobriram as portas da morte, ou viste as portas da sombra da morte?” (Jó 38.17). “Portanto é pela fé... tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, par a que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos” (Rm 4.16 / Ef 1.18). Possamos nos assegurar e alegrar com o salmista. “Mas Deus remirá a minha alma do poder da sepultura, pois me receberá” (Sl 49.15). O apóstolo Paulo, neste mesmo Espírito, afirma:

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“Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Co 15.19). Não devemos nos agarrar ávida e unicamente a esta vida, com todos os seus desejos e conquistas, mas nos atentar para o conselho deste mesmo santo. “Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências [ou desejo carnal desenfreado] do engano; e vos renoveis no espírito do vosso sentido; e vos revistais do novo homem... Desperta, tu que dor mes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá” (Ef 4.22-24, 5.14). Queira agora Ele começar a nos esclarecer a respeito de tão solene assunto, pois desceremos aos umbrais da eternidade, abrindo seus ferrolhos mais antigos e visitando suas inúmeras câmaras. Observaremos suas leis e traçaremos seus limites. Diferenciaremos os vários termos cunhados pelo Espírito Santo em Sua Santa Palavra, ora referindo-se à morte comum, ora ao destino das almas – salvas e perdidas –, quais sejam: Kever, Tánatos, Sheol, Hades e outros que se fizerem necessários. Que este breve estudo possa ‘resplandecer a glória da pessoa do Filho’ (Hb 1.1-2) e ‘livrar todos os que, com medo da morte, estão por toda a vida sujeitos à servidão’ (Hb 2.15), seja do mundo, da carne ou do diabo.

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no Antigo Testamento A respeito da morte em si mesma nada temos a falar, é uma experiência universal e obrigatória, já que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23) e “não há homem que não peque” (1 Re 8.46). Mas o grande dilema humano continua sendo o destino de nossas almas após a morte do corpo físico. E sobre isto temos muito a falar. Há um sem número de teorias para as necessidades e curiosidades humanas, mas somente a Palavra de Deus pode escancarar este mistério de forma lúcida, consciente e espiritual, por ser ela a única Escritura que “é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito [região inatingível pelo mais brilhante intelecto e pelo maior avanço tecnológico], e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4.12). 9


Podemos crer sem ver, afinal, esta bendita Escritura, que é “divinamente inspirada” (2 Tm 3.16), “nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.21). Por causa desta inspiração divina, que somente a Bíblia com seus 66 benditos livros possui, podemos trespassar a morte e vislumbrar o destino de nossas almas e espíritos. No entanto, antes de começarmos nossa jornada por este mundo desconhecido e temido, algumas observações preliminares devem ser feitas. E isto é para que não tenhamos de interromper o assunto mais à frente com considerações que deveriam ser do domínio de todos aqueles que se familiarizam com a Palavra da verdade. Em primeiro lugar o óbvio, pois se nos propusemos a falar de um destino das almas, é porque somos imortais. O corpo morre, mas a alma tem de permanecer em algum lugar, pois é indestrutível. Não há aquilo que se costuma chamar de ‘extinção’. Os céus e a terra se desintegrarão por intervenção divina a certa altura, mas nenhuma alma deixará de existir conscientemente sequer um piscar de olhos após a morte física. “E, acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus d’Abraão, o Deus d’Isaque e o Deus de Jacó? Ora Deus não é Deus de mortos, mas dos vivos” (Mt 22.31-32).

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Seus corpos estavam mortos já há muito tempo, sem função orgânica alguma, mas Deus os considera vivos por Se relacionar agora com suas almas vivas, a sede mais profunda de suas emoções, intenções e pensamentos, pois Ele é Deus de vivos, semelhante à Sua própria natureza – que nos foi transmitida no ato da criação – e realçada por um de Seus nomes: “o Deus vivo e verdadeiro” (1 Ts 1.9). Somente os seus corpos mortos terão de ressuscitar, ou seja, terão de reaver – de uma forma milagrosa típica e digna do poder do Criador – seus corpos físicos desfeitos no pó, inclusive os que não herdaram a salvação, como está escrito: “Não vos maravilheis disto; porque vem a hora em que os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação” (Jo 5.28-29). Duas considerações: tanto os bons quanto os maus deverão ‘sair’ para a ressurreição, portanto ela é universal. Mas o mais interessante é que Jesus diz que os que estão nos sepulcros “ouvirão” a sua voz. Ora, obviamente nenhum corpo morto pode ouvir voz alguma, pois estarão desfeitos em pó. Não haverá nenhum ouvido físico pronto para ouvir, a menos que Ele esteja se referindo aos donos daqueles corpos, suas almas imortais e conscientes, esses ouvirão e receberão seus corpos para ‘saírem’, ressuscitarem, para refazer a totalidade do ser criado à imagem e semelhança de Deus, e aí sim julgados integralmente pelo Justo Juiz.

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Quanto a esta integralidade do ser, devemos também relembrar ou esclarecer a constituição tripla do ser humano: corpo, alma e espírito. Geralmente se confunde estes dois últimos ingredientes que não podem ser vistos ou separados. Esta divisão tripla percorrerá toda a Escritura, começando pela criação original. “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” (Gn 2.7). Não há nem pode haver intenção, descrição e linguagem mais precisas, simples e inconfundíveis que estas. Querer distorcer o óbvio é não querer dar crédito à verdade. Primeiro o Oleiro toma um ingrediente físico encontrado em abundância na natureza, o pó da terra, e com ele modela um recipiente que receberá o ingrediente gerador de vida, Seu fôlego, e só então o homem passa a ser uma alma vivente. Podemos usar uma ilustração muito simples: somente quando a energia elétrica – o fôlego – percorre a lâmpada física – o corpo – há a produção de luz – o brilho resultante da interação de um elemento físico visível e um elemento invisível. Assim, podemos dizer seguramente que o homem não é um corpo e nem é um espírito. Ele é uma alma. De outra forma, ele não possui uma alma, mas possui um corpo em que sua alma se movimenta ou se expressa, e possui um espírito que o move. Para um estudo mais amplo e detalhado deste assunto, recomendo Chafer em sua Teologia Sistemática, obra indispensável para todo cristão. 12


Quanto a estes dois assuntos, a ressurreição universal e a imortalidade da alma, eles serão abordados no decorrer do estudo de forma indireta e que servirão como complemento e demonstração destas realidades. Feitas estas observações necessárias, podemos iniciar nossa descida rumo ao mundo inferior. Comecemos então a perseguir as pistas que a Palavra de Deus oferece àqueles que estão prontos a ouvir. “E Abraão expirou e morreu em boa velhice, velho e farto de dias: e foi congregado ao seu povo; e sepultaramno Isaque e Ismael... na cova de Macpela” (Gn 25.8-9). Aqui já somos informados dos diferentes destinos do corpo e da alma deste servo de Deus. Observe que ele é primeiro “congregado ao seu povo”, e só então ‘sepultado’. O primeiro fala do destino imediato da sua alma, sendo reunido “ao seu povo”. Abraão é apontado na Bíblia como o pai da fé, pois nele ‘seriam benditas todas as famílias da terra’ (Gn 12.3). É dito dele que alcançou a justiça divina pela fé: “Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça” (Rm 4.3). E mais: “E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé, quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de todos os que creem... que também andam nas pisadas daquela fé de nosso pai Abr aão” (Rm 4.1112). Ele detém, por assim dizer, oficialmente, a linha contínua e inigualável daqueles que creem em Deus e Sua bendita Palavra. Por isto, ele é congregado, reunido, juntado ao seu povo, o povo formado por aqueles que alcançaram bom testemunho antes dele, começando por Abel, e também de13


pois dele, até Cristo e sua gloriosa ressurreição, pois a vitória ímpar do Filho de Deus trará uma mudança esplendorosa quanto ao destino das almas dos santos no Novo Testamento, como comprovaremos mais adiante. Esta congregação nada tem a ver com a reunião de cadáveres em um cemitério, pois é instantânea à morte, é o destino que somente Deus pode dar, conforme a obra que cada um tiver. Caberá aos seus dois filhos dar o destino de seu corpo mortal: “e sepultaram-no na cova”. A próxima ilustração divina será mais clara quanto a esta divisão física e espiritual. “... e teve um filho Raquel e teve trabalho de parto... E aconteceu que, saindo-lhe a alma (porque morreu)... foi sepultada... E J acó pôs uma coluna sobr e a sua sepultura” (Gn 35.16-20). Nada mais claro. Sua alma eterna se desvencilha de seu corpo mortal, tendo certamente seu destino, e este corpo sem vida é sepultado numa sepultura (do hebraico Kever) enfeitada por Jacó. Podemos levantar uma coluna do mais caro mármore existente para a memória dos nossos mortos, mas só Deus pode, em sua bendita graça, nos dar “a estrela da manhã” (Ap 2.28). Nosso primeiro termo hebraico, Kever refere-se sempre ao destino do corpo físico: a sepultura comum. Sua forma verbal, sepultar, também é formada pelo mesmo radical de três consoantes: RVK – ‫קבר‬

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Para não haver possibilidade de enganos, outro caso é citado bem mais à frente. “E clamou ao Senhor e disse: Ó Senhor meu Deus, também até a esta viúva, com quem eu moro, afligiste, matando-lhe seu filho? Então se mediu sobre o menino três vezes, e clamou ao Senhor, e disse: Ó Senhor meu Deus, rogo -te que torne a alma deste menino a entrar nele. E o Senhor ouviu a voz de Elias: e a alma do menino tornou a entrar nele, e reviveu” (1 Re 17.20-22). Na passagem anterior, a alma foi retirada por causa da morte do corpo, aqui, bendito seja Deus em eterno, a alma retorna para o reviver do corpo. Onde ele estava? Onde ele aguardava? Continuemos! À semelhança de seu pai Abraão, Isaque morrerá, será “recolhido aos seus povos” e será sepultado (Gn 35.29). O recolhimento relaciona-se à alma, a sepultura, ao cadáver. Embora esta versão indique “povos” no plural, tanto a ERA quanto a Fiel a trazem no singular. Também Moisés e Arão terão o mesmo destino, conforme Nm 27.13. A Palavra de Deus, em sua característica típica de acrescentar revelações a cada nova página, fará uma observação agora um tanto diferente. No entanto, ela foi prejudicada pela forma como foi traduzida, ou melhor, interpretada. Trocou-se o valor espiritual real dela por uma opinião humana. E sempre deve haver perda no teor espiritual quando o homem se intromete com suas astúcias.

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“E levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas para o consolarem: recusou porém ser consolado, e disse: Na verdade com choro hei de descer ao meu filho até à sepultura [mundo dos mortos – NTLH; Sheol – TB]. Assim o chorou seu pai” (Gn 37.35). José, o filho amado de Jacó com sua esposa escolhida, Raquel, havia sido vendido como escravo, e seus irmãos convenceram seu pai que ele estava morto. Jacó, então inconsolável, profere as palavras acima. No entanto, na língua original hebraica, ele não quer nos passar a ideia de que estava se referindo à sepultura comum, onde não pode haver nenhum reencontro amoroso e cheio de saudades. Ele teria usado o termo ‘Kever’, como vimos há pouco, se não tivesse nenhuma esperança de revê-lo. Mas ele usou uma outra: Sheol - ‫שא(ו)ל‬ Esta palavra nada tem a ver com uma sepultura fria, mas sua tradução mais apropriada seria ‘mundo dos mortos, mundo inferior, abismo’ como consta no “Dicionário Hebraico – Português da Ed. Sinodal”, embora abismo seja tradução de outros termos nas duas línguas bíblicas. Sheol trata do destino da alma, jamais do corpo. Observe também que Jacó se refere a este lugar como tendo que ‘descer’ para encontrar seu filho. É possível que ele mesmo não tivesse o pleno entendimento do que dizia. Mas ele cria que poderia descer até seu filho para reencontrá-lo. Ora, ele certamente conhecia a história de seu avô como a de seu pai, daqueles de quem o escritor aos Hebreus declara: 16


“Pela fé ofereceu Abraão a Isaque... sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito... considerou que Deus era poderoso para até dos mortos o ressuscitar. E daí também em figura ele o recobrou” (Hb 11.17-19). Preciosa fé que se eleva vencedora de sobre o mais terrível dos inimigos do homem e se coloca protegido e satisfeito na promessa de um Deus que não pode mentir. O leitor tem se comportado assim? Tem olhado firmemente para o alto e visto as ternas misericórdias de Deus? Porque Jacó conhecia o Deus vivo e verdadeiro, nunca jamais se contentaria com uma tumba fria e muda, como Abraão seu avô não se contentou. Criam, como nós hoje, que há um lugar em que nossos entes queridos aguardam, embora com certa diferença que já trataremos. Por isto ele usou a palavra Sheol, diferente das anteriores que representavam apenas o lugar do corpo morto – Kever. E assim será por toda Escritura. Em Kever tudo cessa, tudo se cala, não passando de alguns palmos do solo empoeirado. No Sheol, tudo é vivo, tudo fala, pois é o lugar seguro e secreto da alma, para os ‘bons’ e ‘maus’. “O Senhor é o que tira a vida e a dá: faz descer à sepultura [mundo dos mor tos – NTLH; Sheol – TB] e faz tornar a subir dela. O Senhor empobrece e enriquece: abaixa e também exalta. Levanta o pobre, do pó, e desde o esterco exalta o necessitado, para fazê-lo assentar entre os príncipes, para fazê-lo herdar o trono de glória: porque do Senhor são os alicerces da terra, e assentou sobre ele o mundo. Os pés dos seus santos guardará, porém os ímpios ficarão mudos 17


nas trevas... o Senhor julgará as extremidades da terra” (1 Sm 2.6-10). As associações nesta importante passagem não são sem propósito, mas servem para aguçar nossos sentidos espirituais. Este novo sítio, o Sheol, começa a ser conectado aos alicerces da terra, não mais alguns centímetros de profundidade em que se prende a sepultura. E, principalmente, este lugar mistura-se com o julgamento de Deus. Mas, observe, o mesmo Sheol que serve de cenário para trazer de volta o pobre que será galardoado em glória, servirá para emudecer o ímpio nas trevas. Claramente as trevas se fazem sobre a alma, não sobre o corpo morto na sepultura, pois certamente o justo também experimentará a escuridão da tumba. É igual para todos, bons e maus. É o salário do pecado. Mas o julgamento dos atos deles associa-se ao Sheol. O livro de Provérbios fará com extrema sabedoria e singeleza esta nobre distinção. “Os seus pés descem à morte [Mavet – ‫]מות‬: os seus passos firmam-se no inferno [Sheol – rodapé RC]” (Pv 5.5). O órgão, o pé, só pode receber a morte. É meramente físico. Do pó ao pó. Mas o passo, a ação, a vontade que dirigiu aquele pé destina-se ao Sheol, lugar de julgamento. Aquele é mero objeto, este é a fonte de sua direção. Aquele não pode ser condenado, este pode, pois envolve o andar, o caminhar, o escolher, “porque os seus olhos estão sobre os caminhos de cada um, e ele vê todos os seus passos... Ele conhece pois as suas obras” (Jó 34.21,25). 18


Também o Salmo 49.14-15, nem poderia deixar de ser, traça o mesmo conceito. “Como ovelhas são enterrados [encurralados no Sheol - TB]; a morte se alimenta deles; e os retos terão domínio sobre eles na manhã; e a sua formosura na sepultura [no Sheol - TB] se consumirá, por não ter mais onde more. Mas Deus remirá a minha alma do poder da sepultura [Sheol – rodapé RC], pois me receberá.” Aqui, mais uma vez, a opinião prevaleceu sobre a tradução. Não obstante, a própria versão que utilizamos anota em seu rodapé que a palavra original para sepultura é Sheol, não Kever. Mas por que não fez o mesmo com ‘enterro’? De qualquer forma, concluímos duas coisas: que o destino da alma se encontra no Sheol, como já vimos, mas que esta alma piedosa ainda será redimida de lá para ser recebida pelo remidor. Comentaremos esta passagem novamente a respeito do Messias. O Salmo 89.48, por sua vez, deixará claro que ninguém no Antigo Testamento poderia fugir desta condição. “Que homem há que viva e não veja a morte? Ou que livre a sua alma do poder do mundo invisível [Sheol]?” Assim como nenhum homem podia se livrar, no período do Antigo Testamento, da morte (únicas exceções para o adiamento de Enoque e Elias), igualmente não podia burlar o destino da sua alma eterna, o Sheol. Tanto bons quanto maus, todos desciam ao Sheol. Para as mentes atentas e informadas de que Deus faz diferença entre um ímpio e um 19


justo, isto já insinuava que ali deveria haver alguma separação que distinguisse os salvos dos perdidos. Sempre há esperança para os piedosos. Eles podiam contar, pela fé, sempre ela! com um poderoso remidor que os privasse daquela situação constrangedora. “Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros, o verão; e, por isso, os meus rins se consomem dentro de mim” (Jó 19.25-27). A tão aguardada ressurreição garantirá que suas próprias carnes verão a Deus com os mesmos olhos do passado. Como é precisa a bendita palavra de Deus, somente uma mente confusa poderia encontrar aqui margem para qualquer outra coisa que não a ressurreição programada por Aquele que é a ressurreição e a vida. Assim, um breve resumo se faz necessário antes de nos adiantarmos com novas e mais profundas considerações. Todos, indistintamente, que viveram no período do Antigo Testamento, tiveram como destino do corpo mortal a sepultura, traduzida da palavra Kever; e da alma, o lugar dos mortos, tradução literal de Sheol. Não havia diferença. Tanto bons quanto maus se encontravam finalmente ali. Alguns não tinham esperança alguma, sendo reservados nas trevas. Alguns bem-aventurados aguardavam o Remidor que os resgatasse.

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E aqui se instaura o grande divisor de águas. Este Remidor, claramente, é nosso bendito Senhor Jesus, isto é, “a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem... sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos [sob o Antigo Testamento], sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente [o Novo Testamento], para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.22-26). Todos tinham o mesmo destino no Antigo Testamento porque o sangue eficaz de Cristo ainda não havia sido derramado, como bem declara e ensina o gigante de Hebreus.

“Porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire os pecados... consistindo somente em manjares, e bebidas, e várias abluções [ou cerimônias de purificação] e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção [ou reforma]. Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo [seu corpo]... nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção” (Rm 10.4; 9.10-12).

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entre os Testamentos Eis o remidor divino-humano que os fiéis do Antigo Testamento tanto esperavam. Enquanto só podiam se valer de sangue de animais, seus pecados nunca poderiam ser removidos definitiva e maravilhosamente, mas apenas cobertos, esperando pacientemente o bendito e gracioso dia em que o sangue de Jesus os purificasse de todo o pecado (1 Jo 1.7). Por isso mesmo, ficaram retidos no Sheol, aguardando pelo seu abençoado Remidor juntamente com os ímpios. No entanto, muito justamente, havia uma diferença crucial entre a circunstância dos grupos. E o próprio Senhor Jesus trará a lume. “Ora, havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à por ta daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do ri22


co; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e mor r eu também o r ico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me r efr esque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sor te que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar para cá. E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, pai Abraão; mas, se algum dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tão pouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite” (Lc 16.19-31). Antes de adentrarmos no texto propriamente, devemos ter em mente 2 pontos de extrema importância prática, não só para a interpretação correta deste cenário intrigante, mas para o perfeito entendimento de todo o ensinamento de Jesus em sua época. Primeiro, o contexto da vida e obr a de J esus é que fornecerá as bases da interpretação sadia e espiritual de to23


dos os seus santos ensinos. Apesar dos quatro evangelistas, que narraram a vida e obra de Jesus, terem escrito seus livros no período do Novo Testamento, o Senhor mesmo viveu no período do Antigo Testamento. “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir” (Mt 5.17). O Messias de Israel deveria cumprir a Lei pois vivia sob ela. Era o fardo pesado que Ele tanto desejava carregar, retirando-o das costas oprimidas dos judeus. “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos” (Gl 4.4-5). A plenitude dos tempos a que Paulo se refere é a este período glorioso em que Cristo pode habitar livremente em seus filhos – não pela lei, mas pela fé – a dispensação da Igreja. Sobre esta mudança do fardo para a liberdade, da lei para a graça, novamente Hebreus comenta. “Porque, se o sangue dos touros e bodes e a cinza de uma novilha, esparzida sobre os imundos, os santifica, quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo? E, por isso, é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da 24


herança eterna. Porque, onde há testamento, necessário é que intervenha a morte do testador. Porque um testamento tem força onde houve morte; ou terá ele algum valor enquanto o testador vive?” (Hb 9.14-16). Nada mais claro, preciso e digno daquele que é, que era e que sempre será. Com a morte do testador – o Filho unigênito entregue na cruz como oferta viva, santa e agradável a Deus – o Novo Testamento passa a vigorar em seu sangue, como Ele mesmo já havia adiantado a seus discípulos. “E, tomando o pão e havendo dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isso em memória de mim. Semelhantemente, tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22.1920). Antes daquelas duas palavras singulares, majestosas e incomparáveis – “Está consumado” – tudo é lei. Mas agora estamos sob nova base, muito mais sólida e graciosa que a Lei, é a Graça infinita de Deus em Jesus Cristo pela virtude do Espírito Santo. Portanto, a cena inédita, escabrosa e solene de Lucas 16 passa-se sob a Lei, ou seja, os destinos dos dois cidadãos em questão foram traçados segundo os méritos da Lei. Sob a graça presente, como logo comprovaremos, houve uma mudança sensível no cenário. Segundo, não se deve crer aqui que se trate de uma parábola. E mesmo que fosse uma parábola, deveria ser en25


tendido como algo literal, realmente acontecido, pois “Deus não é homem para que minta”. Quando lemos, por exemplo, Jesus dizendo: “Houve um certo homem...”, este homem certamente existiu, pois saiu da mesma boca que disse: “Haja luz. E houve luz”. “Sempre seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso” (Rm 3.4). Uma parábola nada mais é que uma história contemplada pelo Deus Onisciente e Onipresente, tão real e verdadeira quanto a história de Paulo, Pedro, eu ou você, usada como exemplo ou ilustração de uma realidade espiritual. Lembre-se: “Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?” (Jo 3.12). Mas aqui não se trata de uma parábola. Aqui se narra uma história ao vivo contada como advertência para o destino dos homens na época, que recusavam o teor espiritual da Lei de Moisés e dos Profetas. E a diferença entre uma parábola (ou comparação) e uma história específica está no nome dado ao homem pobre da história: Lázaro. Em nenhuma parábola se menciona o nome do personagem, a não ser aqui, uma história direta e literal. Esta história, e juntamente todas as parábolas, são literais e verdadeiras, vividas pelos personagens sem nome, mas contempladas pelo “Pai que vê em oculto” (Mt 6.18). Daquele que disse, “Eu sou a verdade” (Jo 14.6), não pode sair nenhuma mentira ou uma história da carochinha para ilustrar uma realidade espiritual tremenda.

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Retornando então ao ponto em questão, e deixado de lado as questões menores, o importante é que o rico, “estando em tormentos”, achou-se no Hades ( Άδης ). Bendito seja Deus, sempre há aqueles que preferem se manter fiéis ao texto original a se meter em muitas astúcias. Nesta tradução que manuseamos, a palavra grega para o lugar dos mortos permaneceu quieta. Infeliz realmente foi a interpretação equivocada e afoita da ‘Revista e Atualizada’ e da ‘Bíblia Fiel’, denegrindo-a para ‘inferno’. Também perfeita foi a tradução exata da ‘Nova Tradução da Linguagem de Hoje’ – “mundo dos mortos”. A primeira achou por bem deixar a palavra incólume como no original, a última a traduziu sensatamente. É sempre melhor não emitirmos opinião quando não temos certeza sobre o assunto ou mesmo não queremos prolongá-lo, a interpretar infielmente, ainda mais em se tratando dos oráculos de Deus. É mais conveniente não votar, que votar e não pagar (Ec 5.5). Esta nova palavra, agora na língua grega do Novo Testamento, nada tem a ver com inferno. Comentaremos ainda que o inferno propriamente dito é o destino final e eterno dos ímpios e incrédulos de todas as eras, mas somente depois do julgamento final. Hades é uma velha figura emprestada do mundo grego, que representava tanto o deus que regia, quanto o próprio lugar em que baixavam as almas dos mortos. Também de muito interesse para o que vamos propor à frente, é que no Hades grego desciam todos, bons e maus, como a história de Lázaro bem o atesta. Uma pesquisa simples do termo 27


pela internet deixará claro, no entanto, que o Hades grego original muito tinha de meras fantasias humanas. O Criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis, fará a devida correção dos exageros da imaginação popular. Assim, a descrição viva que Jesus faz a respeito de tudo que o Antigo Testamento vinha ensinando, porém de forma abstrata, didática, põe fim a qualquer dúvida, como unicamente poderia ser. No Hades então, distinguimos os dois ambientes para bons e maus: o seio de Abraão – descanso para os que creram, e um lugar de tormento – castigo para os infiéis e impenitentes. Separando as duas regiões antagônicas, um “grande abismo”, este instransponível. Junto a Abraão, o pai da fé, encontra-se um dos filhos da fé, Lázaro. Mais ao longe, um incrédulo e impenitente sem nome, em sofrimento indizível, pois como vínhamos dizendo, o corpo pode descansar e desaparecer, mas a alma permanecia em uma destas duas regiões. Ele ergue então os olhos, e vê ao longe, separado para sempre, Lázaro reconfortado, e ordena (estava acostumado a isto!) a Abraão que mande Lázaro refrescá-lo com água, pois sua alma não havia se extinguido, estava ali, ainda com as capacidades humanas bem vivas. Percebendo que nada ia conseguir pra si mesmo, apela à lembrança de sua casa e seus irmãos, pois a memória ainda lembrava. Insinua a ressurreição de algum dos mortos, pois obviamente nunca passou pela mente que o filho de Deus um dia, na verdade muito breve!, ressuscitaria.

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E assim como Abraão advertiu que mesmo se alguém ressuscitasse seus irmãos não o creriam, também em nossos dias, com a ressurreição do filho do Altíssimo, ainda não se crê, pelo simples fato que não creem na Palavra de Deus. É por fé invisível nessa bendita Palavra que cremos e sabemos que Jesus ressuscitou. Mas antes deste sagrado advento, no momento mesmo de sua terrível cruz, ali ele manteve um diálogo inusitado com um de seus companheiros de infortúnio. Enquanto um deles acusava e provocava o Mestre, outro o reverenciava e justificava. O que gerou, da parte de Jesus, a seguinte promessa: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23.43). E aqui temos que afastar alguns enganos. Jesus falava de um paraíso debaixo da lei, ainda no Antigo Testamento. Nada tem a ver com o paraíso debaixo da graça no Novo Testamento. Lembre-se de que Jesus viveu e morreu debaixo da lei. E também devemos lembrar que Ele mesmo profetizou várias vezes que após sua morte permaneceria 3 dias e 3 noites no seio da terra. Ele não subiu aos céus imediatamente após seu último suspiro, mas desceu como qualquer mortal ao Sheol, afinal ele tomou o lugar de toda a humanidade que viveu antes e depois dele, e tinha que sofrer e carregar as mesmas sequelas de todo e qualquer homem. “... pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do Homem três dias e

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três noites no seio da terra [literalmente, coração da terra]” (Mt 12.40). Alguns podem alegar apressadamente que ele se referia apenas ao seu corpo, mas bendito seja Deus, a Palavra de Deus é muito mais sábia e sincera que isto. Atos 2.23-27 esclarecerá o assunto: “... a este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, tomando-o vós, o crucificastes e matastes pelas mãos de injustos; ao qual Deus ressuscitou, soltas as ânsias da morte, pois não era possível que fosse retido por ela. Porque dele disse Davi: Sempre via diante de mim o Senhor, porque está à minha direita, para que eu não seja comovido; por isso, se alegrou o meu coração, e a minha língua exultou; e ainda a minha carne há de repousar em esperança. Pois não deixarás a minha alma no Hades, nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção.” Outras versões interpretarão Hades inadequadamente como ‘morte’ e ‘inferno’. Observe que a alma (não o corpo) permanecerá no Hades, e que o Santo não veria corrupção, falando agora da decomposição do corpo. As palavras de Davi encontram-se precisamente no Salmo 16.10, onde a palavra Hades é originalmente Sheol. 30


Somente a TB e a Reina Valera colocam esta expressão pura, sem interpretação. E assim matamos dois coelhos numa cajadada só. Primeiro fica compr ovado de for ma categór ica e inequívoca que o Sheol do Antigo Testamento é o mesmo Hades do Novo – não um inferno ou morte sem sentido, mas um lugar devidamente preparado para receber as almas de todos os homens. Segundo, compr ovamos que J esus desceu obr igatoriamente ao Sheol/Hades após sua morte, e, desnecessário dizer, ficou do lado de Abraão. Que cena não deve ter sido para todos os que ali se encontravam. Alegria indizível para todos que o aguardavam, e terror sem conta sobre todos os que o desprezaram. De que lado você estaria, caro leitor e leitora? Não descanse enquanto não puder responder à mais importante das questões humanas. Mas aproveitando a menção a Jonas, também poderíamos conjecturar de forma racional inversa que, assim como Jesus desceria ao Sheol após sua morte, encontraríamos naquele incidente de Jonas, ao ser engolido pelo monstro marinho, algo parecido com a experiência de Jesus. E não é que encontramos? Temos que entender que Jonas morreu dentro daquele monstro, sendo ressuscitado 3 dias e 3 noites após seu acidente. Somente assim o sinal de Jonas seria preciso, justo e tão formidável quanto a ressurreição de Jesus. Crer que Jo31


nas tivesse permanecido vivo no sistema digestivo do monstro é macular o maior dos milagres da vida humana. Jesus morreu e ressuscitou? Então Jonas morreu e ressuscitou! Não pode ser de outra forma diante de um Deus coerente, que não admite confusão, sendo Ele mesmo o antítipo de um tipo que não morreu e nem ressuscitou. Seria um tipo falho, falso, infiel. “E orou Jonas ao SENHOR, seu Deus, das entranhas do peixe. E disse: Na minha angústia clamei ao Senhor, e ele me respondeu; do ventre do inferno (péssima tradução! o original traz Sheol) gritei, e tu ouviste a minha voz. Porque tu me lançaste no profundo, no coração dos mares [seu corpo], e a corrente das águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado por cima de mim. E eu disse: Lançado estou de diante dos teus olhos; todavia tornarei a ver o teu santo templo. As águas me cercaram até à alma [‫ – ֶנפֶׁש‬nefesh - muito além do corpo], o abismo me rodeou, e as algas se enrolaram na minha cabeça [pode haver dúvidas quanto sua morte?]

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Eu desci até aos fundamentos dos montes [mas ele não estava no mar?]; a terra me encerrou para sempre com os seus ferrolhos [muito mais que simples morte temporal]; mas tu fizeste subir a minha vida da perdição, ó Senhor meu Deus. Quando desfalecia em mim a minha alma [nefesh - à beira da morte sua oração iniciou e continuou pelo Sheol adentro], lembrei-me do Senhor; e entrou a ti a minha oração, no teu santo templo” (Jn 2:1-7). Para a alma que descansa nos sagrados princípios de Deus, que confia nos seus testemunhos, nos seus sinais, nas suas parábolas, na palavra da verdade, não há o que resistir, não há o que estranhar. Nada se confunde, tudo se completa, casa perfeitamente, e o homem não tem o direito de duvidar ou separar estas verdades. Mas continuemos. Outra passagem que afirma e confirma que Jesus desceu ao Hades é Efésios 4.7-11. E já aproveitamos para avançar no assunto. “Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo. Pelo que diz: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens. Ora, isto — ele subiu — que é, senão que também, antes, tinha descido às partes mais baixas da terra? [muito mais que sete palmos] Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas. 33


E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo.” O mesmo Senhor que subiu acima de todos os céus, é o mesmo que antes havia descido “às partes mais baixas da terra” para cumprir todas as coisas, inclusive nossa pena. E, cumprida a pena de forma servil e gloriosa como nosso eterno e bendito substituto, “levou cativo o cativeiro”. De que cativeiro Ele poderia estar falando? Quem havia no Hades, lugar provisório das almas de todos os homens, tanto bons quanto maus? Qual dos grupos estava vivendo há tanto tempo em cativeiro, em lugar que não lhe era próprio? Um dos grupos, já vimos, estava irmanado ao pai da fé aguardando pacientemente o remidor que os levasse às moradas eternas e se desvencilhasse para sempre do grupo que andava nos caminhos de Caim. Nosso Deus tem o bendito hábito de separar bodes e ovelhas (Mt 25.33). Ambos os grupos aguardavam: aqueles aguardavam o remidor que os retirasse vitorioso dali, estes que o juiz dos viventes fosse derrotado e não os pudesse condenar segundo a medida de sua impenitência. O Hades não servia para os salvos, assim como ainda o Hades não serve para os ímpios. Ambos devem ter um destino eterno após seu julgamento formal e final. 34


escultura do deus Hades e seu cão Cérbero permissão https://pt.wikipedia.org/wiki/Hades


duplo Parêntesis Antes de partirmos para as condições que regem o Novo Testamento, preciso aclarar duas questões que podem ser levantadas. A primeira tendo a ver com o que já escrevemos, a segunda com o que virá.

1. Temos que diferenciar destino da alma e destino do corpo. Todas as almas antes da morte e ressurreição de Cristo foram, sem nenhuma exceção, depositadas no Sheol enquanto aguardavam reaver seus corpos, ou seja, sua ressurreição. Jesus, ao ressuscitar, levou cativo o cativeiro, levou consigo as almas de todos os santos que aguardavam com Abraão, mas não com seus corpos físicos. Eles aguardam hoje nos céus, até o momento de reaverem seus corpos físicos, mas transformados como menciona Paulo em 1 Coríntios 15, pelo poder da ressurreição. Este evento se dará logo 36


ao final da tribulação, sete anos depois que os cristãos da verdadeira Igreja forem arrebatados ou ressurretos. Leiamos Is 26.19-21. “Os teus mortos viverão, os teus mortos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó, porque o teu orvalho, ó Deus, será como o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos. Vai, pois, povo meu [povo judaico de Isaías], entra nos teus quartos e fecha as tuas por tas sobr e ti; escondete só por um momento, até que passe a ira. Porque eis que o SENHOR sairá do seu lugar para castigar os moradores da terra, por causa da sua iniquidade; e a terra descobrirá o seu sangue e não encobrirá mais aqueles que foram mortos.” O contexto fala inequivocamente da futura tribulação: ‘passe a ira’, ‘castigar os moradores da terra’, ‘a terra descobrirá o seu sangue’. Isaías fala de mortos do Antigo Testamento que viverão e ressuscitarão, apontando claramente à reunião da alma com o corpo que jaz desfeito em pó, mas somente depois de passada a ira que se abaterá sobre todo o mundo. As almas dos santos antes de Cristo estão com Ele hoje nos céus, mas estas almas se revestirão de seus corpos ressurretos e glorificados somente depois da tribulação. Diferentemente do corpo de Cristo neste tempo presente, no retorno silencioso de Jesus a receber nos ares seu corpo, que se dará brevemente antes da tribulação, todos receberemos nossos corpos glorificados ou pelo arrebatamento dos vivos, ou por ressurreição dos que morreram na fé de Cristo. Discutiremos esta questão mais a frente. 37


A segunda vinda de Cristo propriamente, vinda esta gloriosa em que todo o olho o verá ao fim da tribulação, tem a ver com a ressurreição dos santos do Antigo Testamento como citado em Isaías. Há que se diferenciar seu retorno para seus santos justificados em seu sangue antes da tribulação, e seu retorno com seus santos para castigar o mundo impenitente de forma global e visível. Nós, por assim dizer, estamos ligados ao início da tribulação, enquanto aqueles ao final.

2. Assim como a sepultura comum e rasa era tradução da palavra Kever antes de Cristo, o Novo Testamento também traduz sepultura, túmulo, sepulcro por pelo menos duas palavras gregas que nada têm a ver com Hades, são elas: τάφος – táfos

e

μνήμα – mnéma

Falando de Lázaro, “Jesus achou que já havia quatro dias que estava na sepultura [mnemeío]” (Jo. 11.17). De Cristo, foi revolvida “uma pedra para a porta do sepulcro [mnemeíou]” (Mc 15.46). “E estavam ali Maria Madalena e a outra Maria, assentadas defronte do sepulcro [táfou]” (Mt 27.61).

De Davi, “que ele morreu e foi sepultado [etáfe], e o seu túmulo [mnema] permanece entre nós até hoje” (At 2.29 - ERA). Os dois termos parecem ser intercambiáveis, conforme se comparam os textos, para o túmulo físico e frio do corpo morto. 38


Uma passagem que poderia insinuar algo mais que o lugar físico do corpo é Jo 5.28. “Não vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros [tafou] ouvirão a sua voz.” Mas diante de todo o contexto que vamos tecendo cuidadosamente, é mais óbvio e acertado interpretar que quem ouve não é o corpo no túmulo, mas a alma no Hades, para receber seu corpo ressuscitado. Estamos falando da ressurreição do corpo físico, para englobar a alma, como vimos logo acima. Quando Jesus chamou Lázaro, como um apontamento futuro de todas as ressurreições, chamou claramente a alma, que saiu do Sheol, recebeu seu corpo (embora ainda não glorificado, pois voltou como pecador preso ao corpo do pecado) e saiu para louvar a Deus como homem em sua totalidade. Chegará o bendito dia em que todos renderemos glória ao Cordeiro em nossos corpos glorificados, numa multidão sem par, inigualável, perfeita, digna do próprio Deus.

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no Novo Testamento Graças a Deus, nosso julgamento foi perfeita e definitivamente repassado para Cristo, seu sangue nos tem lavado e dado direito à árvore da vida. Sendo assim, quando Cristo subiu aos céus, passados 3 dias e 3 noites literais, levou consigo todo o grupo que cria e esperava a vitória da cruz, a vitória do perdão, a vitória da justificação, a vitória da santificação, a vitória da glorificação. Todos eles ansiavam ‘a cidade de firmes fundamentos’ (Hb 11.10). Subiram escoltados poderosamente nos carros de Deus, “vinte milhares, milhares de milhares”, como acrescenta para nosso deleite o salmista em 68.17-18, a mesma passagem de Efésios que acabamos de transcrever.

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Os de Cristo subiram com Ele, os de Satanás continuarão ali até serem arremessados no final dos tempos no lago de fogo, cada filho com seu pai espiritual. É sempre assim. Esta parte do Hades ficará vazia até aquele dia, martelando e relembrando aos demais que é sempre melhor sofrer “como o povo de Deus do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado”, pois ‘temos em vista a recompensa’ (Hb 11.25-26). Subiram para nunca mais voltar. E assim, um novo paraíso, o verdadeiro e eterno, baseado não na lei, mas na graça que é pela fé, está aberto, franqueado a todo aquele que agora anda “nas pisadas daquela fé de nosso pai Abraão” (Rm 4.12). Paulo teve a graciosa oportunidade de antever este sagrado recinto de todos os santos. “Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos (se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado até ao terceiro céu [tr íto our anó – τρίτο ουρανó].

E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso [παράδεισον] e ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é lícito falar” (2 Co 12.1-4). É prazeroso sabermos que a Escritura não deixa margem para dúvidas profanas. Paulo foi arrebatado até o 41


‘terceiro céu’, também chamado ‘paraíso’. Esta palavra grega (parádeison) é a mesma de Lc 23.43 (paradeíso), quando Jesus prometeu a um dos malfeitores crucificados que naquele mesmo dia estariam juntos. Ou seja, o paraíso que estava no Hades, separando os ‘bons’ dos ‘maus’, agora foi transferido até o terceiro céu. Ali agora é nosso lugar para sempre! E como anseio por este dia! Também o leitor e leitora anseiam por “ser revestidos da nossa habitação, que é do céu”? (2 Co 5.2). Paulo também ansiava, estando ‘em aperto, tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor’ (Fp 1.23). Onde Cristo está, estaremos. Não temos mais que descer ao paraíso de um Hades temporário, local provisório que “sangue de bodes e bezerros” davam direito, mas subimos a um paraíso celestial, eterno, junto ao trono do próprio Deus, junto a Cristo, “por seu próprio sangue”, “havendo efetuado uma eterna redenção” (Hb 9.12). Sim, podemos descansar. A vitória de Cristo sobre a morte foi tal, que depois de ascender vitorioso aos céus carrega em suas poderosas mãos uma chave estonteante que ninguém jamais, em tempo algum, ousará roubá-la. “E eu, quando o vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; eu sou o Primeiro e o Último e o que vive; fui morto, mas eis aqui 42


estou vivo para todo o sempre. Amém! E tenho as chaves da morte [tanátou] e do inferno [ádou]” (Ap 1.17-18). Note a força destas expressões. Aquele que morreu, mas que agora ‘vive para todo sempre’, tem as chaves da morte (Tánatos) e do inferno (Hades). Se nenhum salvo em Cristo hoje baixará mais sua alma ao Hades depois de sua morte física, mas subirá imediatamente junto a Cristo, também está garantido que nenhum perdido deixará de cair ali. A Igreja, ou o corpo de Cristo, comprado com seu precioso sangue, não está mais sujeito ao poder do Hades, como Jesus prometeu a Pedro. “Pois também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno [ádou] não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18). Como dantes, o Hades está em vista aqui, não o inferno ou a simples morte temporal. Repito, nada mais temos a ver com o Hades, o mundo inferior dos mortos, o seio de Abraão, o paraíso provisório dos santos do Antigo Testamento, mas somente com as regiões celestiais em Cristo Jesus. E façamos um breve parêntesis. A nova palavra grega para morte (Tánatos – θάνατος) é a morte física em seu sentido mais comum, embora algu43


mas vezes inclua também a morte espiritual. Transcrevo 3 passagens exemplificando. “Porque o salário do pecado é a morte [tánatois], mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23). “São ministros de Cristo? (Falo como fora de mim.) Eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte [tanátois], muitas vezes” (2 Co 11.23). “Nós sabemos que passamos da morte [tanátou] para a vida, porque amamos os irmãos; quem não ama a seu irmão permanece na morte [tanáto]” (1 Jo 3.14). Mas embora Cristo já possua as chaves da morte e do Hades, contudo todos continuam morrendo para o mundo físico. O salário do pecado não pode deixar de ser repassado a nenhum homem. Mesmo Elias e Enoque que ainda não provaram do sabor da morte, terão de prová-lo cabalmente naquele período tribulacional que em breve se abaterá sobre toda a humanidade perdida. Embora o poder da morte tenha sido subtraído de Satanás, quando de sua derrota na cruz, a morte ainda é o instrumento de julgamento do pecado de Adão e da humanidade. “E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte [tanátou], isto é, o diabo, e livrasse todos os que, com medo 44


da morte [tanátou], estavam por toda a vida sujeitos à servidão” (Hb 2.14-15). Estamos, pela graça suficiente de Deus em Cristo, livres do medo da morte, mas não da própria agência da morte. Este bilhete foi comprado por Adão e todos nós o carregamos em nossas vidas. A morte ainda é e será a recompensa que convém ao nosso erro. Não somos condenados com o mundo, mas ainda fazemos parte dele e de sua sorte temporal. No entanto, justamente porque nosso bendito Senhor já venceu a morte e possui sua chave eterna, poderá, em seu sagrado regresso prometido ao seu corpo, livrar um grande número de irmãos da garra da morte, tendo um privilégio único e incomparável. “Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem Deus os tornará a trazer com ele. Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor” (1 Ts 4.14-17). A promessa é gloriosa por demais e muito conhecida dos cristãos. 45


Ressurreição dos corpos, como uma reintegração de posse, das almas daqueles que morreram em Cristo durante o período da Igreja, arrebatamento imediato daqueles que têm Cristo e estiverem vivos em sua segunda vinda, dia este que se aproxima velozmente. O irmão e irmã partilham desta bendita esperança? Têm vivido de forma digna desta promessa e esperança? Têm orado constantemente para que o Senhor logo a cumpra? Porque “na verdade, nem todos dormiremos, mas todos ser emos tr ansfor mados”. De uma forma ou outra. “Porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Co 15.51-52). E duas perguntas soarão desafiadoras por todo o cosmos, nenhum canto do universo deixará de ouvir e maravilhar. “Onde está, ó morte [tánate], o teu aguilhão?” Pois todos os que morreram em Cristo ressuscitarão gloriosos para nunca mais morrer.

“Onde está, ó inferno [Hades - άδη], a tua vitória”? (1 Co 15.55). Pois todos os que estivermos vivos para sua silenciosa e breve vinda, seremos mudados em corpos gloriosos e arrebatados juntamente aos céus com nosso Senhor, sem se-

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quer passar pela morte, e assim habitaremos na casa do Senhor por longos dias. E se muitos não vivenciarão este privilégio ímpar daquele dia, porque tiveram que passar pela morte, contudo jamais experimentaram o Hades. “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor” (1 Co 15.58).

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9 Motivos Podemos alcançar pelo menos 9 motivos para que o Verbo em carne descesse ao Hades. Repetiremos algo do que já vimos, mas será importante para sublinhar o que vínhamos explanando.

1) Como perfeito homem que era, tinha que vivenci-

ar toda experiência da raça humana até suas últimas consequências. “E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo” (Hb 2.14).

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2) Precisava vencer o poder do Hades, abrindo um precedente para os demais. “... o qual, porém, Deus ressuscitou, rompendo os grilhões da morte; porquanto não era possível fosse ele retido por ela” (At 2.24 – ERA).

3) Libertar o cativeiro que há tanto tempo aguardava pacientemente com o pai da fé. “Tu subiste ao alto, levaste cativo o cativeiro, recebeste dons para os homens e até para os rebeldes, para que o SENHOR Deus habitasse entre eles’ (Sl 68.18). “O que quer dizer “ele subiu”? Quer dizer que ele também desceu até os lugares mais baixos da terra, isto é, até o mundo dos mortos. Assim, quem desceu é o mesmo que subiu, acima e além dos céus, para encher todo o Universo com a sua presença” (Ef 4.9-10 – NTLH).

4) Tendo libertado aquele sagrado povo das garras do Hades juntamente com Ele, deveria transferir o paraíso de então até o terceiro céu. “Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos (se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado até ao terceiro céu. E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) 49


foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é lícito falar” (2 Co 2.2-4).

5) Tendo pagado o resgate que libertava o homem de sua dívida para com Deus, comprar com seu sangue as chaves da posse do Hades e da morte, para que nenhum filho de Deus até aquele momento pudesse jamais retornar, e também garantir que os condenados só saiam dali para o julgamento final. Não temas; eu sou o primeiro e o último e o que vivo; fui morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da morte e do Hades” (Ap 1.8 – TB).

6) Abrir o caminho que leva à presença direta e imediata a Deus para o que crê em Jesus. “Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem, que está em pé à mão direita de Deus. Mas eles gritaram com grande voz, taparam os ouvidos e arremeteram unânimes contra ele. E, expulsando-o da cidade, o apedrejavam. E as testemunhas depuseram as suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo. E apedrejaram a Estêvão, que em invocação dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (At 7.56-60). 50


“Pelo que estamos sempre de bom ânimo, sabendo que, enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor (porque andamos por fé e não por vista). Mas temos confiança e desejamos, antes, deixar este corpo, para habitar com o Senhor” (2 Co 5.6-8).

7) Rebaixado ao ponto mais baixo da condição e esfera humana, receber como contrapartida a glória e honra de Se assentar à destra de Deus. “Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas... Or a, a qual dos anjos jamais disse: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés?” (Hb 1.3,13).

8) Como nosso substituto e intercessor, nos garantir o direito de nos assentar com Ele. “... estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cr isto J esus; par a mostr ar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça, pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus” (Ef 2.5-7). 51


“Quem quiser me servir siga-me; e, onde eu estiver, ali também estará esse meu servo. E o meu Pai honrará todos os que me servem” (Jo 12.26 – NTLH).

9) Garantir o direito público e jurídico de os que não creram.

condenar

“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão” (1 Pe 3.18-19). Alguns querem entender por esta passagem uma possível última oportunidade de arrependimento, mas não nos enganemos. A pregação nada mais é que um testemunho da verdade, de tudo que se achava prometido pelos profetas. Ele pregou que tudo ‘estava consumado’ e a sorte de todos estava definitivamente alicerçada: ou na fé para salvação, ou no desprezo para condenação. Toda a Escritura abona sem concessões esta grande e suprema verdade. “Vi um grande trono branco e o que estava sentado sobre ele, de cuja presença fugiu a terra e o céu; e lugar nenhum foi achado para eles. Vi também os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono; livros foram abertos, e foi aberto outro livro que é o da vida; e foram julgados os mortos pelas coisas que estavam escritas nestes livros segundo as suas obras. 52


O mar entregou os mortos que nele havia; a morte e o Hades entregaram os mortos que neles havia; e cada um foi julgado segundo as suas obras” (Ap 20.11-13). Esta cena sem igual trata do julgamento final de todos os perdidos de todos os tempos, onde aqueles que não têm seus nomes escritos no livro da vida do Cordeiro, portanto já irremediavelmente condenados, terão suas penas aumentadas à medida do que se acha escrito nos livros das obras de suas vidas. Nada escapará, sequer um pensamento. Que julgamento não será?! Quanto a este memorável dia, não é sempre bom lembrarmos “que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deve ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?” (1 Co 6.2-3).

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Busto em mĂĄrmore do deus Hades permissĂŁo https://pt.wikipedia.org/wiki/Hades


o destino do Sheol/Hades Não vamos entrar na questão dos julgamentos do cristão, dos judeus e dos gentios em cada época específica, pois não é objeto do presente livro. Todos de alguma forma creem num julgamento divino, embora cada grupo religioso componha sua visão particular. Vou deixar apenas três passagens que garantem que cada um dos grupos humanos que mencionamos acima será devidamente julgado. Falando dos cristãos, sabemos que “todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal” (2 Co 5.10). Não se trata da salvação, que é por fé, mas da vida derivada da fé, se foi vivida da forma digna de nosso Salvador, cabendo ou não galardões que nos recompense.

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Quanto aos judeus, “a vós, ó ovelhas minhas, assim diz o Senhor DEUS: Eis que eu julgarei entre ovelhas e ovelhas, entre carneiros e bodes” (Ez 34.17). Quanto aos demais povos ou gentios impenitentes de todas as épocas, já reproduzimos a passagem acima de Apocalipse 20, quando recebem formalmente a segunda morte, estado que jamais poderá ser alterado. Uma coisa é certa, mais que a própria vida, que ninguém escapará de “diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino” (2 Tm 4.1). Mas qual o destino do próprio ‘mundo dos mortos’? Pois se foi provisório para o povo que aguardava junto a Abraão, também é provisório para o outro povo nas mesmas condições do homem rico sem nome. “Então, a morte [tánatos] e o inferno [ádes] foram lançados para dentro do lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo. E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo (Ap 20. 1415). Depois do julgamento final de todos os ímpios descrito nos versos 12 e 13, que já transcrevemos, o próprio Hades e a morte serão lançados neste lugar de muita dor e ranger de dentes, onde Satanás também foi lançado um pouco antes (v. 10). 56


Até podemos compreender o Hades sendo lançado no inferno, mas difícil entender como a morte, uma entidade não-física, seja ali lançada. Assim como o hades grego representava o deus e o local ao mesmo tempo, talvez a morte não seja somente um estado pós vida, mas que ainda seja personificada por algum agente angélico. Ou talvez o mistério somente possa ser elucidado naquele grande dia. Importa saber que tudo o que foi provisório chegará ao estado eterno. O mundo dos mortos terá finalizada sua função de guardar aqueles que aguardavam o julgamento definitivo. Para nós, os que cremos, este lugar já foi abolido, nossa presença ao próprio paraíso celeste já está garantido. A tão temida morte já não existirá. “E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Ap 21.4). Para os demais que insistem no erro da incredulidade, quando ressuscitarem para receber seus corpos eternos e receberem a recompensa que convinha ao seu erro, o lago de fogo será sua habitação eterna. Tanto a casa provisória quanto seus condenados, bem como nosso grande inimigo e de Deus, todos serão lançados no lago de fogo eterno. Somente a luz graciosa do mesmo Deus que temos adorado cobrirá a vastidão de sua nova criação. Todas as trevas físicas e espirituais serão definitivamente banidas da presença justa de Deus. Toda a luz indireta que não provém 57


da essência de Deus deixará de existir. Nossa parte será identificada pelos séculos vindouros ao templo do Cordeiro e à sua glória. “Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro... que descia do céu da parte de Deus, tendo a glória de Deus... Nela não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro... A cidade não necessita nem do sol, nem da lua, para que nela resplandeçam, porém a glória de Deus a tem alumiado, e o Cordeiro é a sua lâmpada. As nações andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória. As suas portas não se fecharão de dia, e noite ali não haverá; e a ela tr ar ão a glór ia e a honr a das nações. E não entrará nela coisa alguma impura, nem o que pratica abominação ou mentira; mas somente os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap 21.9-27).

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Fechamento Confesso que poderia ter sido mais minucioso em minha explanação de assunto de tamanha envergadura, mas o que temos lançado aqui é material farto para quem quer avançar por si mesmo, que não se contenta com respostas simplistas e superficiais, mas necessita de respostas íntimas. Óbvio que teremos limites a transpor, o estudo ao menos comparativo das línguas originais, versões que nos embaraçam interpretar corretamente a mente do Espírito, mesmo nossa condição humana fraca e negligente. Mas não podemos desanimar diante da nossa dificuldade em entender tantas e eternas promessas. Para tanto, faço coro com o último apóstolo de Cristo. 59


“Examinai tudo, retende o bem... a fim de que, estando arraigados e fundados em amor, possais compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios até a inteira plenitude de Deus.

Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a esse seja glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém.”

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