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Três décadas fazendo história

Três décadas fazendo história

Existe o antes e o depois da Cootram na história do cooperativismo de trabalho. em todo o pais. O que aconteceu no Rio, na Fiocruz, foi o marco de um processo que começa em 1975, na Universidade Federal de Santa Maria - RS quando demos início a urna ampla discussão sobre o real papel da Universidade. Um rico debate, com posições que ideologicamente se confrontavam, resultou na afirmação da necessidade de se estabelecer parcerias com a comunidade. Nasceu, neste contexto, o Curso Superior de Tecnólogos em Cooperativismo, voltado para o cooperativismo rural, com o apoio do Ministério da Agricultura.

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Na década de 80, mais especificamente a partir de 1984,0 curso começa a passar por diversas mudanças em seu perfil, em função da busca permanen e de interação e adequação ás exigências do mercado de trabalho. No inicio da década de 900 curso se volta para o cooperativismo de trabalho, uma área completamente nova que nos levou a criara Cootrasma - Cooperativa dos Trabalhadores de Santa Maria Ltda. como o melhor caminho para comprovarmos, na prática, sua realização. A Cootrasma foi a primeira experiência de transferência de tecnologia na área de cooperativismo de trabalho no Brasil.

Neste momento tínhamos dentro da Universidade um instituto privado— Instituto Superior de Cooperativismo— e uma cooperativa que agilizaria as relações com a comunidade O lnscoop e a Cootrasma realizavam um bom trabalho, inclusive com a Cootrasma participando de licitações e ampliando seu mercado para outras regiões do Estado, quando nos chega o convite do Rio para assessorara Fiocruz na implantação da Cootram.

Construímos e produzimos um modelo que estava dando certo. Mudamol s a cultura e o enfoque da relação capital e trabalho. As estatísticas indicando que 6 mercado informal era bem maior que o formal, as empresas fechando as porias, muitos trabalhadores buscando alternativas de uma forma não tradicional, e a ¡prática indicando que a forma organizativa mais adequada, naquele momento, era o I cooperativismo e a oportunidade de um trabalho digno e permanente. Antes, não havia relação de trabalho sem carteira assinada. O símbolo do emprego era à carteira assinada e, conseqüentemente; a CLT. Essa nova cultura gera mu tos conflitos e discussões que ainda hoje estão em pauta.

A ida para o Rio significava, com a repercussão nacional, a grande oportunidade de consolidação das cooperativas de trabalho e a ampliação desses debates. Montou-se em Manguinhos um modelo, já testado no Rio Grande do Sul, que respeitou todas as formas de organizações locais. Com Manguinhosab e-se a discussão nacional do cooperativismo de trabalho como altemativa. É o fim da fase em que só o Rio Grande do Sul elaborava sobre essa questão, mexendo com as estruturas tradicionais. A partir daí conquistamos um espaço que não teríamos com nossos próprios canais. Com seu papel histórico, Manguinhos hoje é tão distante quanto etemamente próximo. .

lrineu Miguel Righi Diretor -Presidente do Instituto Superior de Cooperativismo

determinada informação. Aquelas informações vão tendo eco a cada momento. É, sem duvida, um processo de crescimento.

Trabalhamos com um grupo social que historicamente tem um pensar a curto prazo e temos que vender um projeto de vida que depende de uma perspectiva de médio prazo. Enquanto não se transpõe esse processo, ou seja, elas não comecem a investir em algo que não seja imediato, o caminhar é muito lento. No mínimo, é preciso mixar respostas imediatas com respostas a médio prazo para que o processo seja bem sucedido. No primeiro retomo eles sairão, como quem se emprega e, na véspera do carnaval, recebem o dinheiro para sair na sua escola de samba. Como quem faz habitação - e habitação é um projeto de futuro - para pessoas que precisam de respostas imediatas. Elas vendem a habitação e compram a fantasia, a comida ou bebem. Para o nosso projeto esse salto é fundamental. E para que ele seja dado tem que haver confiança. Tem que acreditar. E essa crença existe. Essa mesma análise é possível fazer com a equipe. Fazer um estágio em uma grande empresa ou na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares aponta para perspectivas bastante diferenciadas. Não temos a menor dúvida de que qualquer estudante que tenha tido uma experiência profissional na Incubadora sai com uma bagagem extremamente rica, plural. Forma-se um profissional interessante, que sabe entender a linguagem de vários grupos, ou várias expectativas ou, ainda, que sabe dar respostas. A confiança cresce e a resposta vai sendo cada vez melhor à medida que fica clara a questão da transposição do tempo. Mesmo considerando-se que no grupo nem todos têm o mesmo grau de engajamento e de efervescência, na grande maioria essas características são visíveis. Toma-se difícil não misturar as cooperativas com a equipe. Quando um vai bem, o outro vai bem e vice-versa. Quando são muito fortes os conflitos internos isso se reflete nas cooperativas e assim por diante. Um joga energia no outro para seguir adiante. O grupo é plural. Primeiro, porque é interdisciplinar, com

Cooperativa dos Trabalhadores da Chácara de Del Castilho - COOPERDEL . Favela Chacara de Dei Castilho, Município do Rio de Janeiro. Fase: Fundada, em operação — acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 11197 e 02/98 - 64 horas, Assessoria antes do mercado —80 horas, administração -60 horas, formação —48 horas Cursos: Limpeza Geral, Rotinas Administrativas, Contabilidade de Cooperativa e Rotinas Administrativas Setores: Limpeza Hospitalar e Costura Histórico: Início das atividades em outubro de 97com cerca de 40 pessoas. Entrada no mercado em dezembro de 97. Associados: 60 Postos de Trabalho: 39

uma gama respeitada de formações; segundo, pelas mais diversas razões que levam tanta cooperativados quanto técnicos a integ-rar o projeto. Alguns, por razões ideológicas, vêem as cooperativas como um instrumento de libertação da classe trabalhadora, mesmo conhecendo os limites do projeto; outros militam na área de educação popular e vêem aquele espaço como um instrumento de formação e de educação; outros, ainda, pelo exercício da profissão. E tem a chamada militância profissional, quando se trabalha numa perâpectiva ideológica com a qual se concorda. Há os que se engajam simplesmente pela crença num país melhor e mais humanitário. Temos teólogos quase exercendo o sacerdócio ao lado de pessoas que investem na sua realização profissional ou que apostam nas ações libertárias. Isso soma e divide o tempo todo. É difícil apontar o que une e o que divide, presentes tanto no discurso pontual quanto no projeto. Mas, na prática, são bem maiores os fatores que somam. Ora os Conflitos

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Estudo, educação e uma porção de cbisas que não tenho eu quero dar pro meu filho. Entrei na cooperativa por causa do meu pai que também é de lá. É uma coisa boa que dá preferência pra gente arrulhar serviço. O presidente fala, ai pede o voto. As pessoas vão e votam. Tem sempre uma que não !evadia a mão. É que não concordou. Quem ganha é a maioria que votou.

Marcos cooperativado

Cooperativas em em formação

Cooperativa dos Trabalhadores do Caminho do Job

Bairro da Pavuna — RJ

Fase: Formação, Curso de Cooperativismo — 04 /98 — 36 h, projeto -16 horas. Histórico: Inicio das atividades: 09/97. Entrada no Mercado: 05/98. Grupo inicial com cerca de 30 pessoas Associados: 30 Postos de Trabalho: 21

vão freando, ora o somatório de identidades, a partir de uma postura ética que aponta soluções e uma vida melhor, acelera o projeto. O objetivo principal não gera qualquer dúvida ou confusão. Os meios e os instrumentos é que geram os conflitos. Não há questionamentos quanto a ação em si: as vitórias são sempre coletivizadas.

A equipe como um todo, no início, sentiu o choque de uma demanda com a qual não tinha intimidade, como o conhecimento do mercado. Os militantes, particularmente, saíram de uma dinâmica e entraram em outra completamente diferente. Foram formados num combate permanente ao mercado capitalista. E, no entanto, estavam engajados num processo de montar empresas que necessitam criar instrumentos para aumentar o grau de competitividade. Na prática, foram obrigados a rever alguns conceitos, reconstrui-los e incorporar outros que não eram considerados antes.

A consciência de que é necessário manter uma estrutura que seja funcional, ter voz de comando, exigir organização, representa um grande desafio. Os postos de trabalho, o sucesso das cooperativas, dependem em grande parte do trabalho dessa equipe que tem como função, no mínimo, montar uma estrutura eficiente.

Uma grande preocupação é a possibilidade de institucionalização do projeto. Muitos temem que, com o seu crescimento, não haja mais espaço para a paixão, a dinâmica do novo, as respostas criativas e tudo se transforme numa grande rotina de tarefas burocráticas. Têm o forte sentimento de que crescimento é sinal de institucionalização, e que esse processo mataria a alma do projeto: os cooperativados, as comunidades e a relação democrática construída durante esses primeiros anos com a equipe e com uma proposta de profundas transformações sociais. São eles que seguram, e também se emocionam, com o dia-a-dia do trabalho junto aos cooperativados. A equipe de campo, em contato permanente com as comunidades, como ela mesmo afirma "é fratura exposta lá na base".

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro do Grotão Bairro da Penha/RJ

F a se: F ormação, Curso de Cooperativismo — 04 /98 — 28 horas Histórico: Inicio das atividades em 01/98. Grupo inicial com 30 pessoas. Boa organização comunitária Associados: 30 pessoas

Também ternos uma perspectiva para os filhos dos cooperativadps de ingressarem num projetinho para ver o trabalho como uma coisa boa e não ficarem soltos por ai. A gente não tinha nada e agora está tendo assessoria, aprendendo contabilidade, como deve estar atuando, se comportando e se organizando. Antes, como costureira, eu era obrigada a pegar aquele preço mínimo, sendo muitas vezes escravizada pela cliente. Como cooperativa eu já posso comprar o tecido, confeccionar a roupa. E estamos vendendo, aumentando gradativamente nossa produção e nossa renda.

Márcia Gonçalves cooperativada

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro da Caixa D'Água Bairro da PenhaIRJ

Fase: Formação, em operação e acompanhamento no mercado , Curso de Cooperativismo — 04/98 — 92 horas, Projeto-16 horas Histórico: Inicio das atividades: 01/98. Entrada no mercado: 05/98. Grupo bem organizado Associados: 30 Postos de Trabalho: 22

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