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"Enfim, este é um experimento do pensamento que mostra o que se pode contemplar quando, em vez do Entendimento, aquele se deixa guiar pela Imaginação."
Denise Ferreira da Silva A dívida impagável
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Carta a quem lê Isto não é um editorial. É um feitiço. Um desejo, um sonho, uma loucurinha daquelas bem desvairadas, sabe?!. Como naquele dia estranho que Cachorro que cai fez aquela proposta indecente ao Preto Velho erê, lá antes do Fim, em 2019. – Amigo, então... tava pesando, aqui. O VAI tá aberto, né?! Acho que a gente tem que meter um projeto! Sabe, essa grana tá aí... a gente tem as nossas produções, que não são poucas como são de alta qualidade, temos pencas dificuldades de escoar elas, precisamos de grana... sabe?! Tá tudo aí. – Nossa, amigo! Real! Bora! Acho que é isso memo! Às vezes fico me perguntando como fizemos essa coisa funcionar. Slam Marginalia é uma máquina de fazer poesia. Móri Zine é uma máquina de editar publicações independentes. Quando essas máquinas se juntaram, na encruzilhada desse rio com esse mar, uma árvore nasceu. Ateliê de Futuridades Trans é um nome provisório para esse mistério. O feitiço foi juntar essas carnes, primeiro, para escrever o mistério. Nem nós sabíamos o que queríamos. Mas uma publicação de poesias para pessoas trans surgiu de imediato. Intuição. Sopro ancestral. – Não, migo, melhor. Vamos fazer uma residência artística só com pessoas trans, e ao fim da residência, a gente reúne as produções e publica numa revista física e digital, fazendo também um Slam de lançamento para celebrar essa publicação. – Bafo! 4
E aí, no meio dos planos veio o fim do mundo, de novo! Para! Respira! Dificuldade de respirar! Ansiedade! Medo! Quarentena. Aniquilação. Foi preciso mais do que coragem para retomar tudo. Mais de um ano depois, na Ilha que afunda, abri o Espumante na encruza pra agradecer, e agradecemos os sopros de todas as forças espirituais pretas e indígenas que nos sopraram a força e a sabedoria para relembrar e inventar os caminhos da vida nos tempos da aniquilação. O Ateliê foi tomando vida e forma. Se multiplicando por divisão. Ateliê pariu Eixos. Imaginação, Ancestralidade, Corpo e Riso/Gozo foram mandingas também. Mas antes veio a chamada para artistas trans, as inscrições, formulários y seleção, mas também tretas, discussões, silêncios, medos, choro, raiva, vontade de desistir... E agora estamos aqui, fazendo essa outra máquina funcionar: Imaginação não é uma revista que agora publicamos e que aqui se apresenta. Imaginação é feitiço. Imaginação nem é Imaginação. Sensíveis aos sopros de Castiel Vitorino Brasileiro, que prontamente aceitou nosso convite para encetar o segredo nesse eixo, com o Aulão de Abertura, abrimos nossa pele ao apelo transformador da Intuição. Esse é um outro nome para esse mistério. Imaginação guarda um pouco desse mistério, grafa pedaços dessas transformações que aconteceram nesses 5 dias de residência artística. Imaginação é encontro, então, de Móri Zines, Slam Marginalia, abigail Campos Leal, Castiel Vitorino Brasileiro, Dani Lakabel, Ema Delamorro, Luna Souto, Pletu, Preto Téo, Uarê Erremays, ynymagyney carú e mais um tanto de outras forças. Não lembrando que sabiam, foram lá e... feitiço! Quem lê também faz mandinga Agora é contigo Slam Marginália & Móri Zines 5
Slam Marginália é abigail Campos Leal, carú de paula, Preto Téo, uarê erremays y todes que colam junto. Móri Zines é um selo de publicação independente que desde 2016 publica pessoas LGBT+, racializadas, gordas y periféricas. Ateliê de Futuridades Trans foi contemplado pelo Programa VAI da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo em 2020, realizado inteiramente de forma virtual durante a quarentena de COVID-19. tirmos para além da binariedade gramatical da língua portuguesa, essa publicação utiliza sempre que necessário concordância nominal terminada em -e ou -u, com intuito de evidenciar o gênero neutro ou indeterminado do sujeito. realização
apoio
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Ateliê de Futuridades Trans é uma pequena fábrica de sonhos impossíveis, de prosperidades imprevisíveis, que tomou a forma provisória de uma residência virtual para pessoas trans, planejada y conjurada pela união de Móri Zines y Slam Marginalia. De junho a setembro de 2021 foram realizadas quatro residências literárias, cada uma com um tema disparador: imaginação, ancestralidade, corpo y riso/gozo. Durante uma semana, propomos a cinco encontros com integrantes do Marginália + ume artiste convidade + cerca de quatro residentes. Para esse processo, foram selecionades 16 jovens poetas periféricos y, em maioria, racializados.
O eixo imaginação foi realizado entre os dias 21 e 25 de junho, inverno rasgado, aberto por Castiel Vitorino Brasileiro (1996). Artista visual, macumbeira e psicóloga formada em Universidade Federal do Espirito Santo. Atualmente mestranda no programa de Psicologia Clínica da PUC-SP. Vive a macumbaria como um jeito de corpo necessário para que a fuga e o descanso aconteçam. Dribla, incorpora e mergulha em sua ontologia Bantu, e assume a cura como um momento perecível de liberdade. Nasceu em Fonte Grande. Vitória/Espirito Santo - Brasil.
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A dificuldade está nestes desenhos que nomeamos de palavras, porque se fossem outros, talvez nossos músculos não tivessem esses traumas. Quando a voz sai de nossa garganta, o que acontece é uma dança, e como toda dança, a temperatura que se altera desrespeita as previsões da razão. Ainda que haja ensaios das coreografias, em cada momento de movimento há o acaso da temperatura. Ainda que saibamos que o corpo ficará quente com nossa voz ou nosso rodopio, ainda assim, existe o acaso que não nos protege de absolutamente nada, porque não há o que se proteger quando não sabemos o que está por vir. Ou talvez, sentimos o músculo se contraindo, tentando proteger-se justamente da imprevisão… por isso coreografamos?
E talvez seja disso que se trata a temperatura em nosso corpo: lembretes, de que nossas águas são agridoce, geladas, quentes e mornas. Trata-se de uma anatomia da água, onde nossos membros e órgãos apresentam suas temperaturas em interação com nossas qualidades de pensar, emocionalizar, intuir. É a temperatura que caracteriza a diferença do sussurro para um grito. São temperaturas, os nossos cantos. E eu trabalho para que o movimento muscular possa ser percebido em suas quenturas e friezas, numa autonomia de binários modernos, a exemplo: quente = ansiedade, frio = depressão. Pois temperaturas não são apenas sintomas. E nós não somos apenas nossos músculos.
castiel vitorino brasileiro 8
extasiado Minha tecnologia natural Que ainda não foi explorada Sinto arder a cabeça, os pés Me aquece a garganta Que agora ecoa como mantra " O tempo é sua melhor aplicação" Caminhando em chão de terra Procurando em mim habitações que ainda não conheço Tenho um espelho no bolso Olho pra ele sempre que me esqueço Tenho anotações mental Que diariamente me lembram Seja 10x mais sagaz Os detalhes salvam mais Que espetáculos eventuais A cada 20 minutos faço uma nova atualização Me conectei de corpo, alma, sangue e devoção Sou fruto da minha projeção Alimento da minha imaginação Filho da terra, meus escritos molho o chão Filho da terra respirando cimento Num mundo cistêmico Momento pandêmico E eu só querendo o balanço da rede dançando com o vento Querendo um girassol com a cor do meu pensamento Tecnologia orgânica em movimento Sou terra, letra, fogo, tecnologia do corpo Sou prosa, verso, grito rompendo o silêncio Anunciando o prelúdio dos corpos extasiados em movimento
Lakabel 9
Conjuração_de_transmutação_em_vida, atear_embarcações
Me movimento para sobreviver ao trânsito gerado por essas ruínas humanas. Transito, corro, ocorro E uma hora eu sento como pedido de socorro. Clamo descanso em mim. Não morro. Mas vejo que faço parte de uma história de cóleras coloniais. E cansada de estar atada no adoecimento pelo toque das grandes casas tais Me obrigando a coreografar só o que sangra Como se tudo aqui estivesse morto, olho para o futuro e vejo embarcações de novo. Dentro dessa merda de barco eu sei que irei pegar fogo. Estalo as labaredas em mim de novo Atearemos chamas como gozo Que nasce madeira de uma grande fogueira Labaredas de veias que limpam às poeiras Deixadas pelo seu rastro. Me permito a mecanismos orgânicos, orgásmicos Intuitivos, táticos e tatos sobrenaturais que ardem suavemente árduos quentura, ondulação no lógos No peito, no posso Vejo através da fumaça. Fluido, plasma, galaxia portal número 333 para um mistério que se passa em algum espaço-agora-feitiço. Faço minhas palavras indícios e amuletos para me guiar entre alguns mundos. E nesse movimento o barco precisará queimar e afundar as suas cinzas. Profundo. 10
Porque há um trânsito impedindo o pulsar do nosso edy no mundo. E sei que caminho, eu também virarei cinzas mas, pedi para companheires de outras histórias e fogueiras para que coloquem elas nas margens de um lindo rio e chorem sorrindo em mim. Até que eu cresça de novo com novas 9 intenções, ∞ intuições, novos caminhos, novas veias, 21 novos corações Para quando eu abrir meus olhos aos 7 meses eu lance os feitiços que eu já lancei quando olhei para esta página. Não sei mais o nome e nem a temporalidade. Eu não quero mais essa humanidade do progresso, do moderno grego colonialista. Eu retiro o seu poder de nomear humana, profana, quista O que eu nutro não se mata, se vida Vivência aos poucos e pipocos adquiridas. E não mais só sob suas referências eu sublimo minhas camadas. E nas minhas trilhas irei encontrar as áreas cortadas e dizimadas. Fluxiono em áreas amadas e armadas Pra toda vez que for preciso Transmutar
VIDA.
Luna Dy Cortes 11
Mente de malokeyra é terra que ninguém anda, lá o errado é cobrado mais se andar pelo certo o respeito é dobrado! E vivo assim entre laços, juntando meu cacos e pedaços e o que eu chamo de referência é tudo aquilo que tem me atravessado. Entre vitórias e arregaços, tomando cuidado com os meus passos, andando sobre azulejos que é pra não deixar rastros, a caminhada é longa e nessa louca vida eu só estou de passagem, já estou até calejada! Minha maior luta é mostrar que a minha carne não é a carne mais barata. E não! Não é imaginação é realidade, é todo dia um corpo preto sangrando ao chão É a polícia que confunde o trabalhador com o ladrão É a bala perdida que tem sempre a mesma direção. E olha que coisa mais louca, enquanto eu estou aqui falando, mais um amigo está descendo as terras dentro de um caixão! 12
E agora eu te pergunto! Mais quantas vidas vocês ceifarão? Mais quantos de nós chorarão? Mais quantos sonhos vocês destruíram? As vossas mãos estão manchadas de sangue. E não! Não me venha com essa desculpinha de que eu não tive a intenção. Hoje eu visto preto por dentro e por fora, eu tento pensar mas meu coração chora! E chora calado, e agora minha maior vontade é pegar racista, facista e transfóbico e fazer um estrago! Estejam em paz todes aqueles que perderam suas vidas pro cistema genocida, estejam em paz! Vocês perderam suas vidas, mais não perderemos a guerra, eu posso ter qualquer nome mas meu sobrenome é favela e ELA te pede paz, a favela pede paz. PAREM! PAREM DE NOS MATAR!
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É preciso Memórias Póstumas de um Trans Carvão
Houve em mim uma necessidade de gritar quando eu me calei, e em todas as vezes que machuquei o joelho, lá estavam as palavras para que sobre ela eu me debruçasse, buscando entender o que pulsava no meu peito. - Sai estendendo minhas dores no varal da vida, sem ao menos prestar atenção no sol. Era eu quem amanhecia tarde! Quando eu falo sim, é porque o não se tornou inconcebível, aprender sobre a vida digna requer abrir mão de uma oratória branca e rasgar a ausência do privilégio que nunca chegou. Eu desafino nas palavras pois me falta acorde e não corte, sou marcado pelo portugues ensinado, enquanto discuto sobre o dileto criado pelos meus, para ressignificar uma existência potente e latente, mas nunca apta para estar presente nesse mundo anti-eloquente. barco de palavras pular, se jogar, assaltar, fugir, correr, me deixando em dúvida se ainda uso essas que deixaram pra trás. É preciso tomar consciência desse corpo vivo, pegar o tempo linear, versus, entender do formato que é feito o umbigo, lamber o pé do ouvido da preta, jogar conversa dentro, encruzilhar as feridas e as letras, trazendo a tona, o tom das mais sinceras certezas, que um alicerce de afeto entre os nossos corpos, vale mais que um pregadora biologia que ainda é freira. Levantemos!!! Há pegadas no caminho que leva a caverna, mas também há fauna, flora e a fera, pegajosa esperança que me faz tropeçar, mas na fuga por paz, não há paladar que me breca*. Conheça-te a ti mesmo e verás do que és capaz, por anos há diálogos que esteve ausente, tatear é o primeiro passo para aprender ou apreender o andar, para amar, se transbordar, afinal, se perder antecede o se achar. 14
Há terras no meu coração que nunca me pertenceu, eu em silêncio absoluto me confundo com o breu, posso ser tempestade de vento, mas a brisa que vos beija sou eu, e depois que dividi reflexões, sinto que dividi pesos que aprendi a dizer adeus, por onde andava os outros corações, que tinha falas, frases e reações onde os olhos brilhavam como os meus ? Vamos fazer uma roda, circular ar, lar, fazer girar, as falas, as frases, mas sem olhar as horas, vamos agora cantar... Depois vamos se ouvir, insistir nessa escuta sensível, que o outro nunca contou, mas a construção do espaço, foi se discorrendo ali, sentir o gosto da saliva querendo nos derramar, se torna um espaço seguro, construir, para juntar, afagos, cuidados, sigo saudando todos os encontros que tive naquele lugar... Me pegava em um tempo linear, mal sai do meu lugar e sinto que o movimento circular ultrapassou o meu PC e germinei afeto em mim e deixei um pouco do meu naquela circunferência do presente circular.
Pletu 15
una carta para quantos agoras couberem no ynymagynável
TRADUÇÃO o trabalho de escuta do barulho ensurdecedor. (re)aprender uma escuta antiga. uma conversa antiga. orientações de uma antiga. escuta do que grita no peito.
‘’tradutores’’ foram os primeiros a traduzir memórias antigas e de futuros ynymagynáveys que nos orbita a história. naquele tempo as coisas ainda não eram tão intensas para todas as vidas, a trasnmutação chegou devagar, depois de séculos de sufocamento dessa memória pelo medo.
além da montanha, no quando te vi onça, me contou não/ser caminho A nado com baleias que cospem fogo, enquanto cuspo água de todos os meus orifícios felinos. conjuro. meu pai me avisou para tomar cuidado com os animais, mas me disse também para amar os cães. da pedra sobre a nascente ele me olhou. y ele também não gosta de felinos, disse sempre preferir a lealdade canina. na transmutação descobri ronronar, me ama ainda assim. 16
jornal da exystêncya 101 D.Y.
além da montanha, no quando me vi onça, me contou ser caminho em corrente de ar, com gaviões que fazem chover de seus estômagos, enquanto cuspo água de todos os meus orifícios felinos. conjuro. da terra vermelha debaixo de meus pés boiúna me comeu y saiu pela minha boca, não morry. o quando o mar encontra puruba y quiririm, quando a luz da lua anunciava as águas, me tremi inteiro, ou ia ou ia, do outro lado da encruza uma lembrança de fogo. atravessei com vovó. na próxima minhas asas serão conjuradas. aguçado atravessei aquela parte da praia como um raio, corri como corro no anseio da caça e da fome antes de um longo inverno. o ímpeto voraz, não sabia se era de fome ou prazer, êxtase, quanto mais rajava o céu e a terra, mais ansiava pelo choque. a transmutação não era interrompida, talvez apenas por nós mesmos, a magya da conjuração de nossa existência, durante aquele aprendizado, rio, mar, dunas, mata se dava soberana, se transmutava o ynfynyto. além da montanha, no quando nos comi, onça, me contou ser caule de mil flores, com frutos sabor de rainha, enquanto cuspo cipós de meus sonhos de felino. conjuro.
em março de 2020, houve uma grande ynundação, na antiga ainda terra da garoa. 17
do vale, puxando consigo raízes antigas do plantio de chá, a água pegou rota pela rua direita, devastou o marco zero, se encontrou com outro, que vinha da várzea depois do terminal. da colmeia da são bento, pegando rota pela líbero badaró, a água sobrepujou o concreto. é preciso anunciar nascer desta terra, entre o rio tamanduateí e o córrego anhangabaú, e que é além deles. a ynundação aconteceu quando as águas se rebelaram, quando os fluxos passaram a exigir um outro lugar no território que compõe, no qual nasce, e do qual é desapropriado - como se fosse possível - pelos de calças compridas.
- depois da ynundação e da guerra, fomos isolados do restante do país e continente, a guerra que persistiu foi a entre os sobreviventes, os do subsolo e os da superfície, nesse tempo perdemos muito material bélico e tecnologia, e hoje a tecnologia que temos são outras, diferentes, outros materiais, apenas o que temos aqui, perto de nós - guardião em conjuração, tradução de algum canto do quando 101 (depois da ynundação) a carta da jovem vida foi entregue ao seu pai no cair da noite pela própria lua. 18
jornal da exystêncya 101 D.Y.
além da montanha, no quando nos percebi onça, me contou não, além caminho em rajada, como raio, com enguias y micos que roubam os de calças compridas, enquanto cuspo fogo de todos os meus orifícios felinos. conjuro. ynymagynar, una tradyção para sonhar. de suas costelas para as costas fez nascer costa, fissura e ai no abismo {que fui pássaro} vi nascer asas já bem longe da encosta. sob essa sentença de morte e anúncio de vída sem negociação, a dita transgeneridade - sobretudo de corp(terrytóry)os pretes, indígenas e mestiços (ditos pardos), ainda que profana e indigna (de vida), deste ainda abre nova rota para a ynundação, ainda que incongruente (e por sermos) somos a prova da falha do projeto colonial, a memória em carne. digo, a transgeneridade ainda é problema do branco, não nosso. mas que sonho somos, se não essa ficção mal contada? como ser flecha e se projetar do osso, quando o que flui nele é anúncio de existência de fluxo interrompido? deixar de ser transgênero/ transexual/ trans/ cisgênero, homem e mulher? 19
deixar de ter no ‘’ser’’ o que funda e finda viver. ‘’o mesmo requer o ser, o diverso estabelece a Relação.’’ (GLISSANT, o mesmo e o diverso) negocyações e ações para um amanhã ynymagynável: além da montanha, no quando te vi onça, me contou não/ser caminho A nado com baleias que cospem fogo, enquanto cuspo água de todos os meus orifícios felinos. conjuro. tradução antes da (re)inserção no fluxo (ou ausência dele) do qual deriva a necessidade de tradução, no sulco que o olho cria - grafa - no osso. o olho - no olhar - grafa o osso, come enquanto grafa, cria sulcos, pelos quais se nada, se afoga, foge - se projeta como uma flecha além margem - e é puxado. pode se pegar impulso em pedra, galho, correnteza, lagoa e represa. mas não somos uma única flecha, elas são como extensões de nossos braços, somos o osso e o sulco, a flecha e a mira, mas o que corre nesses sulcos, come ao mesmo tempo que voamos - nos projetamos. é simultâneo. nos projetamos porque nos comem
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jornal da exystêncya 101 D.Y.
para alguns vivemos o fim, tenho pro meu coração que vivemos o começo, a sequência do ciclo sem fim, onde sou o passado de alguns que leem essas histórias; mas sei que estou também no futuro dos que estão por vir dos mesmos que me leem agora, e é preciso dizer; que toda cura iniciada no hoje que virá a ser ontem é sequenciada no amanhã, é assim que podemos hoje conversar na beira do rio dos sonhos e ynymagynáveys. nos entendemos porque antes de você alguém redescobriu saber as palavras que sei, e antes desse alguém, outro redescobriu escutar e conhecer outras tantas palavras - formas de viver.
ynymagyney carú 21
quem fez Capa Guilhermina Augusti. Pretosfera entre atravecar escurecer. Acrílica e plástico sobre tela, 2020.
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Lakabel é aglomerado de sentimentos que ainda não desvendou. Veio pro mundo escrito e agora precisa expor, desde o freestyle agressivo ao poema de amor. MC/ Poeta/ Artista do corre.
Rapper, poeta e compositore, conhecida como “Ema do Morro” nascida e criada no Capão Redondo e moradora do município de Mauá\Sp nas quebradas do Zaira. Atualmente trampa no projeto do seu primeiro EP, chamado “Elu por trás das grades”, que retrata a vivência de uma corpa Trans Não Binária dentro do CIStema carcerário e também mostrando a vida de uma mona de quebrada dando as caras nas ruas, becos e vielas de ESSEPÊ, sobrevivendo no Ritmo da Margem.
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Pletu, homem trans preto, nascido em 1995. Formado pelas ruas da Sul - Jardim São Luís. Poeta e Produtor Cultural. Pós Graduado em Gestão de Projetos Culturais no Celacc/USP. Formado em Artes Visuais na Ítalo Brasileiro e Assist. de Prod. Cultural no Senac Lapa Scipião. Embaixador do Brasil 2020 Todxs Brasil. Integrante do Mafuá Itinerante e Produtor na Mauricio de Sousa Produções.
Luna Dy Cortes é a veia que interliga Luna Souto Ferreira com a necessidade de registrar e transmutar a vida. Criadora e criatura, nasceu em São Paulo Brasil no ano de 1999. Moradora da periferia de Taboão da serra (SP-Brasil). Propõe-se a pesquisar de maneira transdisciplinar os choques, os cortes, as curas e as simbologias de suas próprias narrativas, expandindo sua subjetividade combatendo a iminência de morte com movimento de vida. É uma Travesty e também transita como mediadora cultural, escritora, performer, artista-visual e estudante de Letras pela USP.
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abigail Campos Leal, pedaço de fumaça gorda, transita entre Arte y Filosofia como forma de criar pensamento y poéticas que contribuam materialmente para a destruição do Mundo colonial, assim como para imaginar y criar formas radicalmente outras de habitar a Terra. faz doutorado em Filosofia pela PUC-SP. é professora do curso de especialização em "Ciências Humanas y Pensamento Decolonial" pela PUC-SP. é uma das organizadoras do Slam Marginália. publicou "escuiresendo: ontografias poéticas" pela editora O Sexo da Palavra, em 2020, y "ex/orbitâncias: os caminhos da deserção de gênero", em 2021, pela Glac Edições.
Preto Téo transborda as margens da poesia movimentando saberes ancestrais através da palavra cantada, escrita, da performance y de ferramentas que descobre todos os dias. Mesclando tecnologias do teatro, música e literatura, atua enquanto poeta desde 2016, publicado em títulos como a Antologia Trans (Invisíveis Produções) e traduzido para o francês no livro Textos Para Ler Em Voz Alta (Brook Editions). Em 2018 publicou seu primeiro livro, de título EP (Padê Editorial), e no ano seguinte a zine Meia Noite (Morizines). Okó di ekê, articula e fomenta projetos independentes da comunidade Trans brasileira, visando a redistribuição de recursos adquiridos, em sua atuação como produtor cultural desde 2016. 25
uarê erremays é bicho curioso. A matéria de trabalho é o corpo, osso, músculo, gordura e fluido, movimento: através da pesquisa em dança contemporânea, (pós)pornografia e performance investiga os contornos da existência, da autonomeação, da passagem pelo mundo. A materialização dos trabalhos se configuram como diários de registro de travessia do tempo, deslocamentos geográficos e hormonais em texto e desenho. Pela urgência da autopublicação, desde 2016 toca o selo Móri Zines, cavando espaço na cena da publicação independente, se construindo como editor/ diagramador de produções literárias e imagéticas de pessoas LBTQ+, gordas e negras.
ynymagyney carú é uma ação potente, una ynundação, que atravessa ditas identidades transmasculinas, transviado, poeta, arteiro, racializado, psicólogo, uma corpa dessa terra e não outra se não nessa na qual pisa. uma corpa afoita por afetos, e ações de vida éticas e sobretudo anticoliniais. o sétimo filho. Atualmente é mestrando em psicologia clínica pela PUC São Paulo, compõe a organização do Slam Marginália (batalha de poesia feita por e para pessoas trans e gênero dissidentes), e coordena o projeto Acolhe LGBT+ na organização internacional LGBT AllOut.
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sumário
Carta a quem lê............................................................................p.06 Slam Marginália & Móri Zines Abertura.......................................................................................p.10 Castiel Vitorino Brasileiro Extasiado.....................................................................................p.12 Dani Lakabel Conjuração de transmutação em vida, atear embarcações.........p.14 Luna dy Cortes Malokeyra pensante.....................................................................p.18 Ema Delamorro É preciso memórias póstumas de um trans carvão...................p.22 Pletu una carta para quantos agoras couberem no ynymagynável.....p.26 ynymagyney carú
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