Rexistências Fantásticas - SESC 24 de maio

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chegada apresentar-se é sempre desconfortável. o que dizer para estranhos, como se colocar nesse espaço compartilhado efêmero? sobretudo, não é fácil dizer de si, pensar sobre si, ter seu corpo visto-analisado-interpretado por desconhecidos com quem pretendemos compartilhar narrativa y processos criativos. numa camada mais profunda, questionamos o que é identidade, como nome, imagem, números nos são atribuídos como definidores de quem somos que, muitas vezes não dão conta das complexidades e subjetividades que compõe o que entendemos por EU.











postais escrever à mão para enviar pelo correio, um exercício quase que inventivo para corpos que não nasceram na época das distâncias. imaginar como é remeter-se ao passado, ao que entendemos de passado, construir em imagem e texto o que seríamos se fôssemos de papel, de espera, se produzir levasse tempo e espera além de um toque numa máquina que cabe na palma da mão.



VERONIKA DECIDE VIVER O sol amanheceu cinza. Da janela, eu já não via mais caminhos. A cama bagunçada, as roupas jogadas, os poucos sapatos já não me serviam mais, muitos deles arrebentados de tanto chorar. O quarto fedia a mofo. As plantas estavam aos avessos, secas, implorando por atenção. A babosa despedaçada. Li no jornal que hoje era o dia mais triste do ano. Tava até difícil pra respirar. Num impulso, me levantei da cama e fui direto pro espelho. Tudo o que eu via era um rosto, borrado de maquiagem mesclada aos pelos nascentes e, lágrimas, um oceano escorria dos meus olhos e eu senti, eu senti o gelo da água tocando a minha pele. Doía. Ardia. Queimava. Enquanto eu não sabia de onde vinha essa dor, eu continuava a chorar. O peito coçava, o pulmão lamentava, e eu intoxicada. Era o mofo. O banheiro, a lavanderia, a geladeira, os armários, os sapatos, a cama, a babosa, tudo fedia a mofo. As escadas fediam a mofo. A porta do prédio tinha um cheiro repugnante. Era mofo. Andei pelas ruas, passei de loja em loja, fui até quitanda na esperança de sentir outro cheiro, mas as pessoas estavam fedendo a mofo. Cheguei a conclusão de que o mundo estava mofado. Não é possível que eles não conseguem sentir esse odor. Minhas pálpebras já não sustentavam mais o peso do maldito mofo. Então eu corri. Corri lutando contra a gravidade embolorada, pedindo pra que as deusas atrasasse o escuro pra que eu pudesse encontrar um refúgio. E como uma gueparda, eu corri ainda mais. O vento já não me acompanhava, o ritmo era pulsante, eu já conseguia sentir o meu coração batendo mais forte, o gosto do sangue na boca, o aroma do profano pairando no ar e os meus cabelos passaram a cantar: hoje eu decidi viver e os meus passos vão florescer ninguém mais vai sofrer a dor que é morrer Ouvindo esse canto que a lua se manifestou e disse: a coragem é contagiosa. E num piscar, ressuscitou o calor dos corpos dançantes. Era o que faltava pra esse mundo mofado.







Material produzido durante as oficinas Rexistências Fantásticas: memórias poéticas no Sesc 24 de maio, em julho de 2019. Projeto do selo Móri Zines, teve mediação por Giovanna Gim e Luare Erremays integrantes da coletiva Chakumbolo - que idealizou Trajetos Celulares.


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