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Entrevista a Rui Gonçalves

ENTREVISTA EM EXCLUSIVO | RUI GONÇALVES

Do motocross ao todo-o-terreno

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É UM DOS GRANDES DESTAQUES ENTRE OS PORTUGUESES NO DAKAR 2021. RUI GONÇALVES VAI PARTICIPAR PELA PRIMEIRA VEZ NA MÍTICA PROVA, SENDO UM ESTREANTE ABSOLUTO. MESMO NO TODO-O-TERRENO É MUITO INEXPERIENTE, UMA VEZ QUE FEZ A MUDANÇA EM FINAIS DE 2019 – MAIS DE UM ANO DEPOIS DE SE DESPEDIR DO MOTOCROSS ENQUANTO PILOTO.

TEXTO: BERNARDO MATIAS / FOTOS: RUI GONÇALVES

Oano de 2021 fica marcado pela estreia de Rui Gonçalves no Dakar. Depois de uma carreira recheada de êxitos no motocross, onde levou bem alto a bandeira de Portugal no Mundial, o piloto volta ao ativo para uma modalidade muito diferente daquilo a que está habituado – o todo-o-terreno. O plano de treino era extenso para este ano, mas tudo foi condicionado pela pandemia. Assim, no Dakar Rui Gonçalves será praticamente um estreante absoluto inclusive no todo-o-terreno e no deserto. Teve apenas a participação no Rali da Andaluzia em outubro. Fique a par das expectativas e objetivos do transmontano para o Dakar 2021 na entrevista exclusiva do Motorcycle Sports que pode ler nas páginas seguintes.

Motorcycle Sports (MS): Do motocross para o todo-o-terreno. Conte-nos como surgiu esta nova fase da sua carreira. Já era uma pretensão ou foi uma oportunidade inesperada?

Rui Gonçalves (RG): ‘É verdade que é uma transição pouco habitual, digamos assim. Depois de eu ter terminado a carreira no campeonato do mundo [de motocross] em 2018 com a última participação no Grande Prémio de Portugal, depois passei a ter alguns cargos no campeonato do mundo de motocross e também a começar a participar em algumas provas do campeonato nacional de enduro. Incluindo a participação nos Seis Dias no Chile a representar a seleção nacional. E a partir daí começaram a surgir alguns contactos, e tive uma proposta da equipa oficial da Sherco para passar a integrar a equipa e mudar-me assim para os ralis, participando no Dakar em 2021. Já começou há bastante tempo, já faço parte da equipa há mais de um ano. Mas foi uma coisa um bocadinho... como hei de dizer? Não foi inesperada, mas também não foi uma coisa de que eu estivesse muito à espera. Mas após um primeiro contacto com a equipa tudo se proporcionou e chegámos a um acordo para que eu passasse a representar a equipa’.

MS: Depois de se retirar do motocross e das experiências no enduro faltava aquele «bichinho» da competição?

RG: ‘Sim, é verdade. Depois de ter estado ausente durante algum tempo sem provas o «bichinho» voltou outra vez a estar cá e sentia que ainda tinha algo para dar. Desta vez numa modalidade diferente, numa modalidade em que ainda tenho muito a aprender e ainda estamos apenas no início. É uma modalidade completamente diferente daquilo a que eu estava habituado, mas para a qual estou motivado para aprender ao máximo e tentar evoluir a cada prova’.

MS: O Rui Gonçalves não é «velho» para o motociclismo, ainda tem 35 anos de idade. Perspetiva uma carreira a longo prazo, com muitos anos no todo-o-terreno ou é uma coisa para durar pouco tempo?

RG: ‘Não gosto de fazer perspetivas ao longo prazo. O que é certo é que nesta modalidade de todo-o-terreno e dos rally raid a experiência ganha-se apenas com a participação nas provas. E este ano, por exemplo, um ano bastante atípico em que tínhamos planeado fazer muitas provas – inclusivamente o campeonato do mundo e, claro, testes e treinos em Marrocos foi completamente impossível fazer. Ou seja, praticamente o Dakar será uma das minhas primeiras provas tirando o Rali da Andaluzia que fizemos aqui em Espanha há uns meses. Se vai ser ao longo prazo? Acho que primeiro vou ter de deixar passar o primeiro Dakar. Estive lá no ano passado [2020] apenas para ver e tirar algumas ideias de como teria de me preparar para a prova. Mas o que é certo é que apenas a participação em provas poderá trazer uma grande experiência e, assim, podermos ficar a saber quais os pontos a melhorar para a prova seguinte. Também estou consciente que isso demorará algum tempo, não quero queimar nenhuma etapa. Quero, sim, a cada prova, a cada treino, a cada teste que eu faça, ir melhorando. E aí começar, então, a pensar quem sabe em resultados e a ver mais à frente. Neste momento tenho de passar por uma experiência, neste caso o meu primeiro Dakar em 2021. E depois, então sim, começar a fazer uma projeção mais à frente no futuro’.

MS: O Rui Gonçalves já tocou nesse assunto, gostaria agora de aprofundar um pouco. O facto de termos tido esta pandemia fá-lo enfrentar o Dakar praticamente sem competição e com treinos limitados. Como é que foi preparar o primeiro Dakar nestas condições tão atípicas?

RG: ‘Tal como referi foi um ano bastante difícil, um ano em que eu faço uma mudança para uma modalidade que é completamente nova para mim, uma modalidade em que tenho

muito para aprender e que, tal como disse, tinha planeado fazer muitas provas, treinos e testes em condições de corrida. Foi, de todo, impossível conseguirmos isso. Apenas aqui em Portugal conseguimos fazer alguns treinos bastante produtivos e em Espanha também: treino de roadbook e também ganhar mais algum «feeling» com a moto. Mas nada daquilo que tínhamos planeado e estava programado. Agora, é verdade que vai ser igual para todos, ninguém conseguiu fazer provas, ninguém conseguiu fazer mais do que aquilo que fizemos. Tivemos alguns pilotos que moram em alguns países que têm deserto como nos Estados Unidos, Argentina ou no Chile. Mas de resto foi igual para todos, não houve provas para todos. O que é certo é que 90 ou 95 por cento dos pilotos que lá estão já têm experiência de Dakar e já participaram em provas de rali de grande dimensão. Para mim é um bocadinho diferente porque o Dakar vai ser praticamente a minha primeira prova’.

MS: Aceitaria este desafio para 2021 se tivesse surgido, por exemplo, em abril deste ano, já com a pandemia em curso e toda a incerteza?

RG: ‘Acho que sim, porque tal como disse as condições foram iguais para todos; ou seja, ninguém conseguiu fazer provas, ninguém conseguiu participar em nada de ralis este ano tirando o Rali da Andaluzia. Tal como disse gostaria de ter tido outro tipo de preparação, mas infelizmente foi assim e vamos ter de realizar este primeiro Dakar como uma preparação e também como uma aprendizagem, ganhar experiência. A atitude será um bocado essa. Mas eu acho que teria tido a mesma decisão antes de saber que ia acontecer este ano assim atípico’.

‘SOU APENAS UM ROOKIE, TENHO TUDO A APRENDER’

MS: Além de ser uma estreia no Dakar, é também um regresso às competições de alto nível internacional. Como sente o seu ritmo competitivo neste momento?

RG: ‘É difícil. É difícil dizer como é que vai ser porque, tal como disse, não tive experiência de provas. Os adversários que conheço, e conheço de ver nas provas, mas não de corrermos juntos, são todos eles... há muitos pilotos com uma qualidade enorme e com muita capacidade nesta modalidade. Eu sou apenas um rookie, tenho tudo a aprender. Acho que nesta primeira fase tenho muito a ganhar em participar juntamente com eles em provas e tirar partido da experiência deles e da sabedoria deles para conseguir evoluir e progredir com o tempo, a melhorar também os resultados’.

MS: Neste primeiro Dakar vai ser logo piloto de fábrica. Sente-se privilegiado por isso?

RG: ‘Sim. Eu sinto-me um pouco privilegiado por isso. É óbvio que participar no primeiro Dakar logo numa equipa oficial é um privilégio, acho que qualquer piloto iria sentir o mesmo. Mas é também uma responsabilidade, porque é uma equipa de fábrica, é uma equipa que tem bastante experiência nos ralis com o meu colega de equipa e com o team manager. E acho que tenho as condições para aprender durante este primeiro Dakar. E depois, tal como disse, para já não é muito a minha maneira de ser fazer grandes expectativas. Todos temos objetivos, eu também tenho os meus. Depois da participação no meu primeiro Dakar sem dúvida que iria ficar com uma ideia mais clara de tudo e de como será o futuro. Mas sem dúvida que me sinto privilegiado por estar numa equipa oficial e poder todas as condições e a logística a cargo da equipa para que eu me possa focar mais na parte do treino e da preparação para a prova’.

MS: Portanto, pode dizer-se que em termos de objetivos, para já coloca o ganho de experiência e a aprendizagem?

RG: ‘Sem dúvida, sem dúvida. E não só por ser a minha primeira participação no Dakar, por ser um ano em que tínhamos planeado as coisas de uma maneira diferente com mais participação em provas no deserto, como em Marrocos. Não foi possível. Eu penso que a aprendizagem neste primeiro Dakar é, sem dúvida, a palavra-chave para mim. E depois, a seguir a este primeiro Dakar, tirarei as minhas conclusões e faremos um plano mais para o futuro. Mas, neste momento, aprender é a palavra-chave, sem dúvida’.

MS: O Dakar vai ser de novo na Arábia Saudita. O Rui Gonçalves esteve a observar em janeiro passado. Do itinerário que programado e que já foi divulgado pela organização, que tipo de desafios e características é que espera?

RG: ‘Como todos sabemos o Dakar é uma prova muito dura, tanto a nível físico, como a nível psicológico. São 12 dias de muitas horas em cima da moto, não só nas especiais cronometradas, mas também nas ligações, com horários muito diferentes do que eu estava muito habituado – e muita gente. É preciso levantar muito cedo, é preciso fazer muitos quilómetros de ligação pela estrada até chegar aos inícios das especiais. E depois fazer a especial e voltar de novo ao bivouac com mais uns quantos quilómetros pela estrada. São dias muito longos, uns a seguir aos outros, com o acumular do cansaço tanto físico como psicológico – porque o psicológico também vai contar muito devido à concentração que todos temos de ter na navegação. E é verdade que, vindo do motocross, era uma preparação completamente diferente, ao que tive de me adaptar. Tal como referi será uma aprendizagem também a esse nível: saber quais os segredos para melhor me preparar para uma prova destas. E isso vou descobrir com a participação nas diversas provas’.

MS: Participou recentemente no Rali da Andaluzia. Apesar de a prova espanhola ter características diferentes, em que medida é que foi útil em termos de preparação?

RALI DA ANDALUZIA COMO GRANDE PREPARAÇÃO

Os planos iniciais de Rui Gonçalves para 2020 em conjunto com a Sherco foram muito afetados pela pandemia. Assim, a preparação em grandes provas resumiu-se ao Rali da Andaluzia do passado mês de outubro. Numa estreia no pelotão internacional dos rally raid, Gonçalves terminou em 21.º, não muito longe do top 20 final.

RG: ‘Sem dúvida que foi, porque foi a minha primeira vez em contacto com um GPS de prova em prova, com os radares nas várias situações de ligação ou de neutralização. Acho que foi bastante importante ter contacto com isso antes de chegar ao Dakar, apesar de tal como disse as condições serem completamente diferentes daquelas que existirão do Dakar. Eu acho que essa parte foi muito importante para mim. Muitos dos pilotos que lá estão, já estão mais do que habituados a isso. Mas eu, como era a primeira vez, acho que foi importante ter passado por isso e também ter cometido alguns erros para aprender com eles e não voltar a repeti-los. Mas foi importante’.

‘A MOTO PROVOU SER COMPETITIVA’

MS: Sobre a moto, quais são as suas impressões?

RG: ‘É óbvio que, contrariamente ao motocross em que eu podia comparar uma marca com outra por ter corrido em várias, a minha primeira e única moto de rali é a Sherco. E vai ser com esta que eu irei participar no Dakar. A equipa temme proporcionado todas as condições necessárias e a moto também provou ser competitiva. E é óbvio que é uma prova muito longa, em que a mecânica é uma parte muito importante, para o que esperemos que a Sherco esteja também à altura. E que juntos consigamos chegar ao fim do Dakar. Acabar é, sem dúvida, o primeiro objetivo de todos os participantes e o meu também’.

MS: A Covid-19 é nesta altura uma preocupação para todos, acredito que especialmente quem vai para a Arábia Saudita daqui a menos de um mês. O Rui Gonçalves está a tomar precauções especiais ou está a seguir o normal dos últimos meses?

RG: ‘É óbvio que todos temos de ter precauções um bocadinho maiores nesta fase devido a estarmos a poucos dias de embarcar para a Arábia. Infelizmente todos sabemos, por vários atletas de grande nível – grandes jogadores de futebol, Cristiano Ronaldo, Valentino Rossi no motociclismo – ficaram em situações complicadas por testarem positivo, é uma incógnita saber realmente o que fazer para que corra bem. E é óbvio que todos os cuidados são poucos. Temos de ter um cuidado redobrado nesta fase antes de ir. Espero eu que corra tudo bem para todos, para todos conseguirmos estar presentes no arranque do Dakar’.

MS: O seu número 19 tem um significado. Pode explicar aos nossos leitores?

RG: ‘Sem dúvida que o número 19 tem um significado especial para mim. Foi um dos números que também usei no meu início de carreira. E tive oportunidade de escolher o número este ano. É óbvio que praticamente toda a gente me conhece pelo número 999, que foi o número que mais usei durante a carreira no motocross. Mas era um número bastante grande para usar no Dakar e o 19 foi a minha escolha para este primeiro Dakar. Espero que seja um número que me traga sorte e tudo me corra bem’.

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