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Radiação solar como indicador para tomada de decisão do conforto térmico na avicultura de postura

Radiação solar como indicador para tomada de decisão do conforto térmico na avicultura de postura A sensação de desconforto térmico é maior ou é percebida muito mais rapidamente quando há a entrada de radiação solar nos galpões de criação, principalmente os de laterais totalmente abertas, como é o caso dos galpões em sistemas convencionais

Autores: Evandro Menezes de Oliveira 1 , João Victor do Nascimento Mós 2 , Bruno Emanoel

Teixeira 2 , Tatiana Carlesso dos Santos 1 , Sheila Tavares Nascimento 2

(1) Departamento de Zootecnia, Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 87020-900 (2) Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, Distrito Federal, 70910–970

Aavicultura possui uma demanda para atender princípios de bem-estar animal que a sociedade impõe sobre o mercado e este consequentemente sobre o produtor rural. Desta forma, modificações na cadeia produtiva da avicultura de postura levaram a implementação de sistemas de produção em que as aves são criadas livres de gaiolas, com acesso a área externa do galpão (Free range) ou sem acesso (Cage - -free), mas com a preocupação maior em permitir a expressão de comportamentos inatos à espécie e, também, o seu bem-estar[2]. Po rém, no Brasil, o principal sistema de produção ainda é o sistema con vencional, em que as aves são alojadas em gaiolas suspensas. Entretanto, independente do sistema de criação adotado, os fatores ambientais possuem grande influência sobre as aves.

Normalmente, observa-se que, na grande maioria das proprieda des, a mensuração de valores da umidade relativa (UR, %) e tempe ratura do ar (Tar, ºC) são os fatores meteorológicos utilizados para ava liar o conforto térmico das aves de postura. Porém, a utilização somen te dessas duas variáveis (UR e Tar) para o manejo de cortinas, o acio namento de sistemas de ventilação e o resfriamento do ambiente leva a uma tomada de decisão negligente ou tardia quando se trata de locais de clima tropical, como é o caso da maioria das regiões do Brasil. Por is so, faz-se necessária a inclusão, também, da radiação solar sobre os galpões, que é observada a partir do cálculo de índices que consideram a interferência do sol.

A carga térmica radiante (CTR, W m-2) é um índice que reflete a sensação térmica do animal, para isso, considera-se toda a radiação emitida pelo sol que atinge a super fície terrestre por meio de ondas eletromagnéticas. Em trabalho an terior, com aves em sistema Free

Figura 1. Parâmetros observados como problemática nos sistemas de galpões convencionais ou automatizados da avicultura de postura no Brasil

range, observamos que as aves não utilizam os piquetes para não per manecem expostas à radiação nos horários mais quentes do dia, geral mente entre 11h e 16h [5], e que nesses horários elas buscaram al gum recurso de sombreamento para se proteger da radiação solar, que pode ser artificial pelo uso de mate riais telados como sombrite ou natural, proporcionado pela sombra de árvores.

A sensação de desconforto tér mico é maior ou é percebida muito mais rapidamente quando há a en trada de radiação solar nos galpões de criação, principalmente os de la terais totalmente abertas, como é o caso dos galpões em sistemas con vencionais. Essa condição se agrava quando as aves permanecem aloja das em sistemas de gaiolas, onde a possibilidade de alteração de com portamento para buscar sombra é limitada ou que permita a abertura das asas ou outro comportamento relacionado às tentativas de termor regulação, ocasionado pela densidade de aves por gaiola, que torna o espaço reduzido. Para otimizar a produtividade, os sistemas mais modernos possuem a estrutura do posicionamento das gaiolas em for mato vertical, que permite alta densidade de alojamento de aves por gaiola, e a altura dos andares che gam a ser bem próximas do teto, o que é prejudicial, pois a ave está mais próxima da carga de radiação que foi absorvida e fica retida a de pender do tipo de telhado.

A radiação solar e os galpões de produção

Os galpões de criação com as laterais abertas são facilmente encontrados na avicultura de postura, projetados para alojamento de alta densidade de animais por área. Este fato gera a grande quantidade de excre mentos e a radiação solar é utilizada como uma ferramenta para secar os dejetos e evitar o acúmulo de con centração de gases tóxicos aos animais, como a amônia (NH3). Porém, a entrada de radiação solar dentro do galpão atinge as aves por meio da radiação refletida (Figura 1).

A sensação de desconforto térmico é melhor percebida quando há a entrada de radiação solar nos galpões de criação

Figura 2. Médias anuais dos parâmetros meteorológicos de temperatura do ar (Tar, ºC), umidade relativa do ar (UR, %) e da velocidade do ar (Vv, m s-1) incidente nos dois principais municípios produtores de ovos do Brasil, municípios de Bastos – SP e Santa Maria de Jetibá – ES. (Adaptado INMET, 2019)

A radiação solar é um efetivo mecanismo de ganho de calor e isso ocorre pelo mecanismo de transferência calor por radiação de ondas curtas

Consequentemente, para a avaliação de conforto térmico das aves de postura, não é interessante utili zarmos apenas a temperatura do ar (ºC), porque a carga térmica radian te é consideravelmente maior quando há incidência solar no galpão. Dessa forma a radiação solar é um efetivo mecanismo de ganho de ca lor e isso ocorre pelo mecanismo de transferência calor por radiação de ondas curtas, que são as ondas ele tromagnéticas provenientes do sol. O tipo de radiação refletida é uma das formas de radiação que atinge a superfície terrestre e entra nos gal pões quando as cortinas estão abertas [4].

Por isso, índices de conforto tér mico como o Índice de Temperatura e Umidade (ITU) e o índice de Tem peratura do Globo e Umidade (ITGU), que são comumente utilizados para determinar o conforto térmico de animais, não são interessantes nesses casos, pois só levam em con sideração as variáveis de Tar (ºC) e UR (%). Esses índices não caracteri zam o ambiente como um todo e fatores importantes como a radia ção solar são negligenciados [3]. Portanto, neste artigo iremos discu tir sobre os fatores meteorológicos, principalmente como a radiação so lar afeta a produção nos galpões de aves de postura, sobretudo, em sis temas convencionais e automatizados que são os predominantes no Brasil.

Metodologia

Para isso, analisamos os dados meteorológicos de temperatura do ar (Tar, ºC), umidade relativa do ar (UR, %), velocidade do ar (Vv, m s-1) e da radiação solar (Rad, W m-2) incidente nas duas principais regiões produtoras de ovos no Brasil durante o ano de 2019 [6]. Os gal pões de criação de poedeiras dos municípios de Bastos, SP e Santa Maria de Jetibá (próximo a Vitória, ES), ambos pertencentes a região Sudeste do Brasil, encontram-se em uma tendência/transição à substi tuição de sistemas convencionais por automatizados para a produção de ovos.

A média anual dos dados meteo rológicos da temperatura do ar (26 à

31ºC) e velocidade do vento (5 à 5,2 m s-1) apresentaram valores muito próximos nos dois locais. Porém, a umidade relativa do ar foi maior pa ra o município de Santa Maria de Jetibá – ES (77%) enquanto que para Bastos – SP observou-se média infe rior a 50% (39%), e a radiação solar observamos o oposto, sendo uma maior incidência em Bastos com 791 W m-2 em comparação a Santa Maria de Jetibá, com 294 W m-2 (Fi gura 2).

Portanto é interessante avaliar a distribuição da radiação solar para todos os meses do ano nas duas lo calidades. Em trabalhos anteriores desenvolvidos pelo nosso grupo, re latamos que o máximo da radiação solar que atinge o Brasil, geralmen te, ocorre às 15h. Então, para a obtenção da radiação solar máxima padronizamos a coleta de dados apenas desse horário para os 12 me ses do ano de 2019 (Figura 3).

A radiação solar média em Bas tos é de aproximadamente 489 W m-2, valor superior comparado com o município de Santa Maria de Jeti bá durante o ano inteiro. Os maiores índices de radiação solar, para ambas localidades, correspondem

com a estação do verão, entre os meses de outubro e março, e que portanto, deve ser associado às mé dias de temperatura e umidade relativa do ar para o planejamento adequado de alternativas de ambiência nas instalações.

Observa-se que na região Sudes te do Brasil as condições meteorológicas são muito diferentes entre estados e municípios, principalmente em relação a radiação solar. Por is so, é importante mencionar que geralmente as recomendações para o Brasil seguem as mesmas recomen dações, isto é, sugerindo-se a utilização de técnicas como construção do galpão no sentido leste-oeste, a pintura do telhado com tinta bran ca na parte externa e dentro do galpão a instalação de ventiladores e aspersores. Entretanto, a partir da demonstração desses resultados é possível inferir que não há uma única recomendação de ambiência e climatização para a mesma região do país, sendo necessária a avalia ção de cada situação, por um profissional capacitado, com experiência em ambiência e conforto térmico, para detectar esses parâmetros que têm impacto direto na produção de

É interessante avaliar a distribuição da radiação solar em todos os meses do ano

Figura 3. Distribuição da incidência de radiação solar ao longo dos 12 meses do ano de 2019, nos dois principais municípios produtores de ovos do Brasil, municípios de Bastos – SP e Santa Maria de Jetibá – ES. (Adaptado INMET, 2019)

ovos e, a partir disso, recomendar alternativas de ambiência adequa das a cada realidade, e que por sua vez, auxiliarão no conforto e bem estar dos animais, com reflexos no desempenho zootécnico das aves.

Impacto sobre as aves de postura

Ao receber essa carga de calor do ambiente, a ave reduz o calor pro duzido via metabolismo, ou seja, diminui a ingestão de ração e, con sequentemente, a energia que seria convertida na produção de ovos se rá utilizada para a manutenção do equilíbrio térmico corporal.

Quando estão em desconforto, a primeira alteração das aves é o seu comportamento. Os principais ob servados são: abrir as asas, eriçar as penas, esticar as pernas e tomar ba nho de areia, para melhorar a eficiência de transferência de calor por mecanismos sensíveis, sem gasto de energia por meio da condução, con vecção e radiação de ondas longas. Porém, em sistemas convencionais as aves estão alojadas em gaiolas e esse tipo de estratégia não é possível de ser realizada. Consequentemen te, as aves precisam ativar mecanismos latentes ou evaporativos, como é o caso da ofegação. Com isso, há a liberação de 550 kcal para a evapo ração de 1g de água para o ambiente [8] o que causa grande desvio de energia para esse processo, mas que deveria ser utilizada para a produ ção de ovos, e que portanto está sendo diariamente desviada para a termorregulação do corpo [1].

As aves de postura quando so frem por estresse térmico prolongado aumentam a frequência respiratória/ofegação, o que por períodos prolongados pode levar a uma dimi nuição da concentração de dióxido de carbono no sangue e de bicarbo nato, composto essencial para a formação do carbonato de cálcio; desta forma, há uma diminuição da calci ficação da casca dos ovos [9]. O resultado é o aumento de ovos com casca fina e perdas econômicas por produção de ovos invendáveis e au mento de descarte, trazendo prejuízo ao produtor. Esse efeito na produção muitas vezes não é percebido como um problema proveniente do ambiente e a recomendação para sua correção ocorre de forma errô nea, com mudança na dieta das aves, com o aumento de cálcio na ração.

Considerações finais

A associação entre a umidade relativa com a temperatura do ar, que comumente são utilizadas como va riáveis para considerar o conforto térmico de aves, com a utilização de índices que se baseiam somente na temperatura e umidade relativa do ar, não são suficientes para avaliar o conforto térmico das aves de postu ra, principalmente em sistemas de criação com os galpões que pos suem as laterais totalmente abertas (convencionais) ou somente com manejo/ acionamento de cortinas.

Assim como no exemplo para Bastos – SP e Santa Maria de Jetibá – ES, não podemos considerar uma única tomada de decisão quanto a alternativas de climatização e ambi ência das instalações visando a me

lhoria do conforto térmico das aves, pois devemos considerar outros fa tores como a radiação solar. Portanto, as recomendações precisam ser específicas para cada localidade pe la atuação de profissionais especializados, levando em consideração as condições de cada galpão e região em relação às variáveis meteoroló gicas.

Referências

1. Bicego K. C., Scarpellini, C. S., Gargaglioni, L. H. (2017). Ter morregulação. p. 423-456. In: Fisiologia das aves comerciais. ed. Jaboticabal: Funep. 2. Braga, J. da S.; Macitelli, F.; Li ma, V. A. e Diesel, T. (2018). O modelo dos “Cinco Domínios” do bem-estar animal aplicado em siste mas intensivos de produção de bovinos, suínos e aves. Revista Brasileira de Zoociências 19(2): 204-226. 3. DaSilva, R. G. (2008). Trans porte de calor e de massa. p. 101- 126. In: Biofísica ambiental. Os animais e seu ambiente. ed. Jaboti cabal: Funep. 4. DaSilva, R. G., Maia, S. C. (2013). Exchange between animals and environment: mammals and birds. p.107-114. In: Principles of animal biometeorology. first ed. Springer. London. 5. De Oliveira, E. M.; Mos, J. V. N.; Oliveira, G. S.; Souza, A. A. R.; Nascimento, S. T.; Santos, T. C.; Santos, V. M. Como a radiação so lar pode impactar o conforto térmico de poedeiras em sistema de produção free-range. Avinews Bra sil, Campinas, P. 1 - 17, 13 Maio 2020. 6. INMET 2020, Instituto Na cional de Meteorologia. Disponível em: <https://tempo.inmet.gov.br/ TabelaEstacoes/A001>. Acesso em: 05 de agosto de 2020. 7. Mellor, D. J., & Beausoleil, N. J. (2015). Extending the ‘Five Do mains’ model for animal welfare assessment to incorporate positive welfare states. Anim. Welf, 24(3), 241. 8. Nascimento, S. T., Maia, A. S. C., Gebremedhin, K. G. and Nasci mento, C. C. N., 2017. Metabolic heat production and evaporation of poultry. Poultry Science 0:1-8. 9. Borge S.A., Maiorka A., Silva A.V.F. Fisiologia do estresse calóri co e a utilização de eletrólitos em frangos de corte. Cienc. Rural, 33 (2003), pp. 975-981.

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