Sobre a Paisagem

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SOBRE A PAISAGEM1

Murilo Romeu Vanderlei da Silva Orientador: Agnaldo Aricê Caldas Farias Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo / Março de 2021


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Resumo “Sobre a paisagem” é uma série composta por seis trabalhos elaborados a partir da discussão da paisagem e da incisão sobre ela. A discussão baseia-se na sobreposição das noções de paisagem, fragmento e bricolage de Milton Santos, Anne Cauquelin e Claude Lévi-Strauss , bem como da reflexão de textos e obras de artistas, arquitetos, cineastas e escritores. Para a elaboração dos trabalhos é também avaliada a influência do contexto pandêmico no qual “Sobre a paisagem” foi em grande parte produzido, e a relação entre os processos de formação da paisagem natural e da paisagem construída das cidades. Palavras-chave: Paisagem, arte-arquitetura, fragmento.

Abstract “About the landscape” is a series of six works which resulted of a discussion about landscape and of the insertion above it. The discussion is based on the overlap of notions of landscape, fragment and bricolage of Milton Santos, Anne Cauquelin and Claude Lévi-Strauss, as well as of the reflection of texts and works of artists, architects, film-makers and writers. For the development of the works is also observed the influence of the pandemic context in which “About the landscape” was mostly produced, and the relation between the generation process of the natural landscape and the built landscape of the cities. Keywords: Landscape, art-architecture, fragment.


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Agradecimentos Aos meus pais e à minha irmã, pelo amor, suporte e ensinamentos imensuráveis. Às seis, que comigo são sete. A todos os meus amigos. Ao Agnaldo Farias, pela sua orientação, pelo interesse no desenvolvimento deste trabalho e sobretudo pela sua amizade. À Marta Bogéa, Milton Braga e Guilherme Wisnik, que muito contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho. A todos do MMBB, pelos ensinamentos diários e pela amizade de cada um. À universidade pública e a todos que a fazem existir.


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Índice

Introdução Ponto de partida

Despejo inicial

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Ilha dos amores

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Serra Pelada

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Totêmico + Suiseki

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Serrapilheira

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08 12 Uma distinção entre paisagem e espaço

Conclusão

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Bibliografia

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Considerações sobre o fragmento

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Processos de formação

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A entropia se faz visível

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O pensamento selvagem

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Introdução Este trabalho surgiu como soma de diversos interesses que se acumularam ao longo da graduação, e que aos poucos foram acomodados entre os campos da arquitetura, da arte e do design. Eu não poderia imaginar, nos meus primeiros anos de FAU, que meu trabalho final de graduação seria de qualquer forma próximo ao que ele se tornou, tão distante da ideia inicial de projeto de arquitetura que me interessava. Vejo que ele só é possível por conta da multidisciplinaridade do currículo da FAUUSP e de sua estrutura, que juntos possibilitaram experimentações tanto teóricas e práticas que certamente pavimentaram o caminho deste trabalho. Destaco as aulas de Construção do Edifício e Arquitetura e Indústria, onde aprendi a manipular o concreto armado e a flexibilizar a noção de projeto; as aulas de História da Arte, Aspectos da Linguagem Contemporânea e Fundamentos Sociais, nas quais me foi apresentada a maior parte dos trabalhos e textos que servem de referência a este trabalho; as aulas de Projeto de Edificação e de Arquitetura e Cinema, onde as referências de projeto se estenderam de edifícios existentes a esculturas, intervenções artísticas e espaços narrados pelas diversas mídias. Acredito que o título do trabalho - “Sobre a Paisagem” - seja mais explicativo do que um breve resumo poderia ser, já que o trabalho tanto discute a paisagem quanto incide sobre ela. Qualquer tentativa de o descrever em uma frase me parece contemplar algumas das experimentações em detrimento das outras. Embora este trabalho esteja dividido em duas partes - uma primeira, teórica, e uma segunda, prática -, textos e experimentações foram se desenvolvendo concomitantemente; o processo da primeira experimentação levava ao estudo de um novo texto, e esse texto suscitava novas experimentações. Inegavelmente, o contexto pandêmico que se instaurou em meio à execução do trabalho levou a uma reflexão dele como um todo. Novos textos surgiram, assim


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1. Ferreira Gullar, “Manifesto Neoconcreto”. Publicado originalmente em 1a. Exposição Neoconcreta, catálogo. Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1959. In: Aracy A. Amaral (coord.). Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 1950-1962. São Paulo, Pinacoteca do Estado, 1977. 2. Claude Lévi’Strauss, “O Pensamento Selvagem”. Campinas, Papirus, 2012.

como novos impedimentos e possibilidades, além de situações inesperadas. Um dos primeiros textos estudados, “Manifesto Neoconcreto”1, de Ferreira Gullar, que evidencia a necessidade de se percorrer uma obra de arte que é inapreensível de um só ponto de vista, serviu de base para o desenvolvimento de um trabalho que é apresentado virtualmente. Materialidades e escalas próprias da construção civil, que podem ser vistas na primeira experimentação, precisaram ser repensadas na escala ora de uma área de serviço, ora de um quarto. A paisagem, essencialmente coletiva, começou a ser pensada a partir da escala do indivíduo. O livro que dá nome ao capítulo que conclui a primeira parte deste trabalho é “O Pensamento Selvagem”2, de Claude Lévi-Strauss. Se antes da pandemia ele era aqui lido como o elo entre a paisagem do bricoleur e o pensamento mítico, passou a também sinalizar o caminho que segui nas últimas experimentações, que se deram, mais do que nunca, na medida do possível. Acredito que estas reviravoltas e tantas outras que também se deram - trabalhos que foram pensados e deixados de lado, textos que se mostraram insuficientes, vontades que foram compreendidas, administradas, e resignadas - apenas tornaram o trabalho mais interessante de ser realizado, proporcionando-o camadas que não seriam de forma alguma passíveis de projeto. A primeira parte deste trabalho começa no ponto de partida - o estudo das obras de Daniel Acosta - onde me foi apresentado mais profundamente o conceito de paisagem. Em seguida, no primeiro capítulo, “Uma distinção entre paisagem e espaço”, aproximo a definição de paisagem de Milton Santos à obra de arte neoconcreta descrita por Ferreira Gullar. No capítulo seguinte, “Considerações sobre o fragmento”, parto da bem-vinda relação criada por Paola Berenstein entre a obra de Hélio Oiticica e as diferentes noções de fragmento apontadas pela filósofa e ensaísta Anne Cauquelin para identificar brevemente alguns fragmentos de paisagem. O terceiro


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capítulo, “Processos de Formação”, é uma reflexão a partir de um texto de Robert Smithson, “A Sedimentation of The Mind”3, acerca da continuidade entre as materialidades da paisagem natural e da paisagem construída, bem como também uma definição maior dos termos empregados durante o trabalho. O quarto capítulo, “A Entropia se Faz Visível”, leva o nome de uma entrevista4, também de Robert Smithson, na qual o artista apresenta o conceito de Entropia em sua obra e em seu entendimento da paisagem. Se o capítulo anterior se baseia no texto de Smithson, este atua mais como um complemento, onde sobreponho ao sistema entrópico da paisagem o sistema cíclico. No quinto e último capítulo, “O Pensamento Selvagem”, me baseio, como já dito acima, no livro de Claude Levi’Strauss, mais precisamente no primeiro capítulo, para aproximar os fragmentos de paisagem à produção do bricoleur. A segunda parte é composta pelas seis experimentações. Elas ora se aproximam das discussões de um texto, ora contemplam todos eles. Cada uma delas abrange um contexto imediato, abordado na discussão específica de cada experimentação, visando que o conjunto delas tenha certa unidade, ao mesmo tempo que sejam alcançadas suas particularidades. Cada experimentação - chamada assim, e não de experimento, por considerar a importância de todo o processo de pré-produção, produção e pós-produção – segue sua metodologia específica própria. “Despejo Inicial”, que deu início a este trabalho, foi concebida e realizada totalmente no canteiro experimental da FAUUSP, antes da notificação do primeiro caso de Covid-19 no mundo. “Ilha dos Amores”, por sua vez, foi iniciada no canteiro experimental, mas interrompida pela quarentena, e recomeçada no contexto da pandemia em meu apartamento. “Serra Pelada” surgiu através da frustração de tentar apreender - sem sucesso - a paisagem através de imagens de satélite, no confinamento do lar. “Totêmico”

3. Robert Smithson, “A Sedimentation of the Mind”. Publicado originalmente em Artforum, Setembro de 1968. In: Jack Flam (org.) “Robert Smithson, The Collected Writings”. Nova York, New York University Press, 1979. 4. Robert Smithson, “Entropy Made Visible”. Publicado originalmente em On Site #4, 1973. In: Jack Flam (org.) “Robert Smithson, The Collected Writings”. Nova York, New York University Press, 1979.


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e “Suiseki” foram coincidentemente desenvolvidas juntamente com as vacinas, e só saíram do papel após o início da vacinação. “Serrapilheira” foi pensada e executada no último mês deste trabalho. Figura 01: Nicolas Poussin. “Paisagem com Diógenes”. Óleo sobre tela, 160x221cm, 1647.


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Ponto de partida A aproximação inicial a este tema se deu através do estudo em pesquisa de iniciação científica5, também sob orientação do Prof. Dr. Agnaldo Farias, da obra do artista Daniel Acosta, em especial de suas “Paisagens Portáteis”. A pesquisa teve como objetivo a elaboração de um relatório com análises dos trabalhos que compõem a obra do artista do ponto de vista do entrelaçamento dos campos da arquitetura, do design e da arte. No período que contempla as obras analisadas, as quais certamente se aproximam deste trabalho em muitos aspectos, Acosta se volta para a forma como nós, que residimos no ambiente construído, incorporamos a ideia de natureza ao espaço em que vivemos. Essa incorporação se dá através de uma depuração racionalizada, por onde são expurgados todos os conceitos imprevisíveis e vivos do ambiente natural, transformando a natureza natural, como se refere Acosta, em uma natureza estandardizada. Salvo o distanciamento temático entre a obra de Acosta e este trabalho, acredito que é relevante informar o momento de aprofundamento em nível de pesquisa sobre a paisagem e a confluência dos trabalhos de artista, arquiteto e designer presentes na obra de Acosta, que certamente pavimentaram o caminho de experimentação proposto aqui. Mas apenas o contato com a obra de Acosta não justificaria o interesse pela paisagem. Após uma conversa na qual Agnaldo me perguntou de onde vinha o interesse por esse tema, revisitei trabalhos feitos durante o curso de arquitetura e urbanismo e até mesmo a pinturas a óleo que fiz quando era criança, para identificar um interesse comum pela apreensão dos diferentes momentos e temporalidades da paisagem. O resgate desse material foi fundamental para que eu enxergasse um caminho de desenvolvimento e uma comunicação entre as experimentações aqui mostradas.

5. Murilo R. V. da Silva, “A Obra de Daniel Acosta: Entrelaçamento entre arte, design e arquitetura com o objetivo de questionar o estatuto destas três disciplinas”. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2020.


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Figura 02: Daniel Acosta, “Estação Avançada com Paisagem Portátil Unidade Compacta”. MDF, compensado, fórmica e lâmpadas fluorescentes, dimensões variáveis, 2004.


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Uma distinção entre paisagem e espaço Segundo Milton Santos, em “A Natureza do Espaço6”: “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima [...] A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais concretos. Nesse sentido a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção transversal. O espaço é sempre um presente, uma construção horizontal, uma situação única. Cada paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos, providas de um conteúdo técnico específico. Já o espaço resulta da intrusão da sociedade nessas formas-objetos. Por isso, esses objetos não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é, de significação, de valor sistêmico. A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente”.

6. Milton Santos, “A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção”. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2006. 7. Ferreira Gullar, “Manifesto Neoconcreto”. Publicado originalmente em 1a. Exposição Neoconcreta, catálogo. Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1959. In: Aracy A. Amaral (coord.). Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 1950-1962. São Paulo, Pinacoteca do Estado, 1977.

No momento em que faço o projeto das experimentações que compõem este trabalho, parto de um espaço do arquiteto, do artista. O processo de execução das experimentações é o espaço temporal delas, de formação até o presente do espectador. O “produto final” pode ser entendido como um fragmento de paisagem (noção que será explicitada no capítulo seguinte) esteja ele em uma galeria, uma casa ou em um gramado. Ele é esvaziado de significados atribuídos pelo artista que não sejam ligados à materialidade e à técnica, cabendo ao espectador ressignificar esta paisagem, atribuindo-lhe um espaço individual. Esta passagem entre espaço do artista, espaço da obra (que se torna aqui fragmento de paisagem) e espaço do espectador se aproxima do processo descrito por Gullar no “Manifesto Neoconcreto7” (1956): “Terá interesse cultural específico determinar as aproximações entre os objetos artísticos e os instrumentos científicos, entre a intuição do artista e o pensamento objetivo do físico e do engenheiro. Mas, do ponto de


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Figura 03: Diller Scofidio, “Blur Building”. Yverdon-Les-Bains, Suíça. 2002.


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vista estético, a obra começa a interessar precisamente pelo que nela há que transcende essas aproximações exteriores: pelo universo de significações existenciais que ela a um tempo funda e revela.”

Essa é a forma encontrada aqui para discutir a paisagem, e não o espaço. É importante notar que essa possibilidade só pode surgir no campo da arte, já que, ao contrário do que se dá na paisagem real, o espectador não necessita encontrar no campo da arte uma significação ligada a função, ou seja, cada experimentação não necessita desempenhar um papel prático. Não precisa ser identificada como uma casa, uma ponte, ou uma cadeira, mas sim como algo. Não à toa, a arquitetura tem se aproximado cada vez mais do campo da arte, e dessa aproximação têm surgido alguns dos exemplos mais frutíferos de espaços arquitetônicos contemporâneos, como o Museu de Arte Contemporânea de Kanazawa, do SANAA Architects, o Museu de Arte de Teshima, de Ryue Nishizawa, o Blur Building, de Diller Scofidio + Renfro e até mesmo The Weather Project, de Olafur Eliasson na Tate Modern, embora este último seja uma instalação. Santos evidencia que a paisagem só permite a suposição do passado, pois é constituída de fragmentos. Não se busca reconstituir um passado, uma paisagem natural primordial, mas sim se aproximar dos processos de formação dessa paisagem natural, que está em constante transformação, ainda que simultaneamente sofrendo a transformação imposta pelo homem. São esses processos físicoquímicos que aqui interessam. A paisagem natural não é uma imagem fixa, mas sim algo mutável que tem como denominador comum os seus agentes internos que a modificam. A lógica construtiva e a lógica da vivência do espaço não são indiferentes a esses processos, mas de alguma forma uma resposta a eles. Sendo assim, essa relação é de grande interesse de ser estudada, como já vem sendo por diversos autores, artistas e arquitetos.


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Considerações sobre o fragmento Em “Court traité du fragment – Usages de l’oeuvre d’art8” (1986), a filósofa e ensaísta Anne Cauquelin aponta três posicionamentos acerca da noção de fragmento, traduzidos e comentados por Paola Berenstein Jacques em “Estética da Ginga9”. O primeiro enxerga o fragmento como algo insuficiente: “O que diz efetivamente o crítico amargo da desordem fragmentária? Que o fragmento é parte indevidamente despregada de um todo, do qual sinaliza o lamentável desaparecimento, e, aliado ao furor dos homens, à sua ignorância, nada mais é que fenda, fissura mortífera que introduz a dissonância na harmonia inicial. Por isso, é preciso recolocá-lo em seu lugar, como uma peça de quebra-cabeça que deve entrar a qualquer custo no desenho geral”

O segundo, por sua vez, percebe uma autonomia de significado no próprio fragmento, acentuando seu valor isolado de um contexto, de certa forma como resposta única a ele: “O fragmento é essa explosão, fechada nela mesma e indivisível, a única resposta a dar ao universo infinito. Forma perfeita, na sua rotunda brevidade, ela iguala, nos limites que são os nossos, a instantaneidade da presença do todo”.

Aproximando-se dos conceitos de paisagem e espaço de Milton Santos, pode-se dizer que o primeiro posicionamento dado pela autora sugere a necessidade da identificação do espaço no qual se insere o fragmento (então paisagem) para que este tenha valor. Já o segundo atribui ao fragmento um valor tão excessivo que ele se transforma, ao mesmo tempo, em paisagem e elemento substitutivo do espaço. Ambos os posicionamentos, como aponta Jacques, funcionam na lógica do elemento em relação ao todo, no primeiro como parte do todo, no segundo como cópia dele. A autora aponta então uma opção que não referencie o fragmento a uma razão já estabelecida e unitária, unificadora:

8. Anne Cauquelin, “Court traité du fragment – Usages de l’oeuvre d’art” . Paris, Aubier, 1986. 9. Paola Berenstein Jacques, “Estética da Ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica”. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2001.


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“Em vez de considerar o Fragmento como destituído de sentido – o sentido pertencendo ao “todo” ao qual ele se opõe – ou como o sentido “concentrado” – ele sendo o microcosmo, uma cópia perfeita do “todo” , é melhor considerar que o Fragmento tem um sentido próprio, singular, intrínseco, que não pode ser compreendido numa lógica unitária. O mais interessante é buscar uma forma singular de tratar o Fragmento, isolando-o, destituindo-o de todas as ligações possíveis, evitando explicações e, sobretudo, recusando as referências exteriores: promover a solidão e a auto referência. Esse isolamento, esse desatamento, se faria necessário, sem sombra de dúvida, a toda e qualquer abordagem relacionada ao universo fragmentário, da mesma forma que é necessário, num laboratório, isolar um vírus in vitro para estudar seu mecanismo particular, seu metabolismo próprio.”

A “Floating Island”, de Robert Smithson, pode ser lida como um fragmento de paisagem que pertence ao todo, ao mesmo tempo que o copia, já que se referencia tanto ao Central Park quanto à ilha de Manhattan como um todo. O fragmento que este trabalho busca atingir se aproxima da terceira consideração: “A relação interna do Fragmento com ele mesmo (auto referência) não faz parte do que podemos ver, e acontece fora de toda ligação com o exterior. Ou seja, o Fragmento constitui um mundo à parte, um sistema autônomo, difícil de ser captado, mas não totalmente fechado em si: o que o cerca é intransponível, porque inacabado. Um paradoxo. Entretanto, um fragmento não existe para significar o que quer que seja, mas para se designar a si mesmo e, através de seus limites, delimitar o mundo em torno de si. É preciso, sobretudo, aceitar esse vazio de significação resultante da auto referência e renunciar a qualquer linearidade. Na lógica fragmentária, somos confrontados com o acaso, o aleatório, o ocasional, o efêmero e com a incompletude. Mas o que não tem fim é também da ordem do infinito. A anulação do “antes” e do “depois”, somente a consideração do pontual, do detalhe... O verdadeiro fragmento não quer se religar a nada, nem mesmo a outro fragmento; nunca vai em direção à unidade. Isso cria um fragmento isolado, em dissidência, em desunião, em interrupção.”


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Ao aproximarmos esta última noção de Fragmento de Cauquelin ao “universo de significações existenciais que (a obra) a um tempo funda e revela” descrito por Gullar, encontramos um mundo particular da obra como denominador comum. Da mesma forma que o sistema material dos elementos da paisagem, os fragmentos e as obras neoconcretas estão ali para serem reinterpretados pelo homem e suscitarem assim um novo espaço. Sobrepor a noção de Fragmento à noção de paisagem leva a uma multiplicidade de escalas, do grão de areia que se desprendeu de uma pedra aos

Figura 04: Robert Smithson, “Floating Island”. Barcaça, rebocador, terra, pedras, árvores e arbustos, dimensões variáveis, Nova York,1970-2005.


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estilhaços terrestres que formaram a lua. Essa sobreposição me leva de imediato a três casos. O primeiro, A Piscina das Marés de Leça da Palmeira, de Álvaro Siza. O segundo, a cidade dos Imortais de Borges10. O terceiro, as Suisekis, pedras de exibição japonesas. As piscinas de Siza não são parte da paisagem natural, e nem parte da cidade, mas são algo único, um elemento que absorve o pedaço de praia e rochas que ali estavam antes dela existir, como também a face do seu terreno que é voltada para a calçada. Siza cria os momentos de interrupção necessários para que sua arquitetura se baste enquanto fragmento, ainda que continue utilizando os elementos que estão ao seu redor. Ali dentro, uma parede tem outro significado; o mundo que adentramos quando descemos a rampa de acesso nos mostra que aquilo já não é o mundo de instantes atrás. Ao descer, a vista monótona que temos da orla é roubada, e só nos é permitido observar as texturas das fôrmas que ergueram as paredes de concreto. Luz e sombra se tornam os protagonistas, até o momento em que encontramos um espaço entre pedras e paredes de concreto que aprisiona as águas das marés. Aquelas pedras e a água do mar não são mais um pedaço da praia rochosa que já existia ali, mas outra coisa – um fragmento – que não pode mais ser vista como um pedaço daquela praia. Ao criar a contenção das paredes de concreto, Siza permite um movimento de absorção: inicialmente da geometria e da espacialidade prévias das rochas - nas quais ele ancora as contenções de concreto - e posteriormente das águas das marés, que ultrapassam as contenções e se aprisionam nas piscinas.

10. Jorge Luis Borges, “El Inmortal”. In: “El Aleph”. Buenos Aires, Sudamericana, 2016.

Esse é um exemplo de intervenção arquitetônica que se atenta ao sistema material prévio da paisagem e o utiliza, respeitando-o ao mesmo tempo em que se impõe; é uma adição a esse sistema, que espacialmente, desde que foi realizada, é entendida como


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uma piscina. Algum desavisado que por ali passe no inverno, época em que a piscina é esvaziada, encontrará apenas a parcela da arquitetura perene, em que o conjunto de funções da piscina inexiste. Nem por isso ele a entenderá como uma continuação da paisagem, mas como algo. Esse indivíduo notará esse caráter fragmentário da intervenção, possivelmente como os primeiros exploradores que sobrevoaram as Linhas de Nazca, no Peru. Nada impede que daqui dois mil anos uma nova sociedade encontre os vestígios da Piscina das Marés e os atribua um significado religioso -uma celebração da água ou das marés, ou porque não, da lua tal como atribuímos às linhas peruanas ou a Stonehenge. Ela será vista desvinculada de sua função de agora, e encontrará outra em um outro espaço. O que nos escapa a uma compreensão funcional costuma ser deslocado para o campo da ritualística e da religiosidade. A Cidade dos Imortais de Borges, por sua vez, é uma cidade fechada que por ser imortal transita pelas eras, transmutando-se sempre em forma possível de ser identificada como cidade. Sua imortalidade pressupõe sua sobrevivência através das eras (ainda que esteja vazia). A cidade dos imortais não pode ser vivenciada por um mortal que ali chega. Sua temporalidade é diferente (vide o estado de quase hibernação intelectual que os imortais preservam). Olhar para ela é como olhar para uma montanha: se enxerga toda a sua monumentalidade, e um olhar atento revelará aos poucos suas particularidades. Porém, toda ela é construída em um processo temporal que nos foge do controle. Ali tudo já aconteceu, e o que acontece é imperceptível, como as transformações naturais da paisagem. É o edifício humano elevado à categoria de paisagem. Assim, atua como um fragmento simbólico de toda a paisagem construída, envolto em si só enquanto citadela que se basta. Não à toa é adentrada através de uma série de labirintos escuros e subterrâneos que afastam o desbravador do conto da noção de

Figura 05: Álvaro Siza, “Piscina das Marés”. Leça da Palmeira, Portugal. 1966.


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11. Andrei Tarkovski, “Solyaris”. União Soviética, Mosfilm e Chetvyortoe Tvorcheskoe Obedinenie, 1972. 12. Robert MacFarlane, “Montanhas da Mente: História de um Fascínio”. Rio de Janeiro, Objetiva, 2005.

tempo que ele passou ali dentro. O labirinto-túnel é um agente que possibilita a transição entre dois cenários extremamente distintos, assim como as paredes de concreto das piscinas de Siza, ou as autoestradas japonesas que tornam possível a viagem da Terra para Solaris no filme de Andrei Tarkovski11. Estas alternativas atuam em um âmbito arquitetônico, ainda que de forma simbólica. A obra de arte, no entanto, não precisa necessariamente ser atravessada espacialmente pelo espectador. O exemplo de fragmento da paisagem que me vem ao pensamento que mais se aproxima da obra de arte descrita por Gullar são as Suisekis pedras de exibição japonesas, ou “pedras dos estudiosos” - que Robert McFarlane descreve em “Montanhas da Mente12”:


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“Eram extraídas de cavernas, leitos de rios e encostas de morros, e montadas em pequenos pedestais de madeira. Tais pedras – guardadas pelos estudiosos em seus gabinetes, ou exibidas sobre as escrivaninhas, a exemplo dos nossos pesos para papéis – eram apreciadas por expressarem a história e as forças relativas à sua própria formação. Cada detalhe na superfície da pedra, cada sulco, nódulo, bolha de ar, saliência ou perfuração expressava uma eternidade. Cada pedra era um pequenino cosmo que cabia na palma da mão. As pedras dos estudiosos não eram metáforas da paisagem: eram a própria paisagem [...] Se as examinarmos bem de perto e nos detivermos algum tempo em tal exame, perdemos a noção de escala, e os círculos, cavernas, colinas e vales que a natureza nelas inscreveu assumem dimensões por onde, segundo parece, seríamos capazes de caminhar.”

Estas pedras atuam como fragmentos que se bastam enquanto paisagem, ao mesmo tempo que se correspondem a uma paisagem maior que é virtual. Seus tamanhos – sempre limitados ao que uma pessoa pode carregar – se aproximam muito, em escala, de algumas das mais célebres esculturas de Brancusi. Ainda, enquanto as suisekis atuam como fragmentos da paisagem natural, as esculturas polidas de Brancusi se apropriam em suas superfícies convexas das paisagens construídas nas quais se inserem, apropriando-se dessa paisagem não através de um mero reflexo, mas de um reflexo que é fruto das particularidades de seu material e de seus trechos côncavos e convexos; do polimento máximo à oxidação proveniente da passagem do tempo. Essa apropriação dos elementos da paisagem na qual a escultura de Brâncusi se insere é visível, mas diferente de como ocorre nas pedras incorporadas no projeto de Álvaro Siza, se dá numa espacialidade virtual. As duas, no entanto, necessitam da espacialidade da paisagem em que se inserem para atingirem sua totalidade.


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A suiseki se basta. Mesmo que exista no passado como parte de uma paisagem maior, é elevada pelo ofício do artista - ou do estudioso - a um objeto total e livre de significações externas à sua materialidade, até o momento em que encontra o espectador. Sua superfície orgânica, própria dos processos de formação da paisagem natural, é impossível de ser apreendida totalmente de apenas um ponto de vista. Diferentemente das Piscinas de Siza - que precisam das rochas, do mar e suas marés e da orla de Matosinhos -, da Cidade dos Imortais de Borges – que precisa dos túneis que a conectam ao mundo mortal - a suiseki não tem nenhum vínculo obrigatório com a paisagem para que sejam mantidas suas particularidades que a tornam completa. Creio que esta ausência da obrigatoriedade do vínculo com a paisagem é interessante por si só, mas ganha potência quando observada de dentro do contexto pandêmico que vivemos – e que se instaurou durante a execução deste trabalho. Se antes já era explícita a diferença entre pensar a paisagem que envolve o indivíduo e que se impõe sobre ele em sua força, como nas pinturas sublimes de Turner - ou até mesmo como uma vastidão a ser desbravada e apreciada pelo homem, como em muitos dos quadros de Caspar David Friedrich -, e pensá-la a partir da comodidade do interior de um escritório ou de uma sala onde ela está exposta sobre uma escrivaninha, agora, em um contexto pandêmico, podemos pensar de forma semelhante a paisagem construída das cidades, isolados em nossos apartamentos e casas, olhando a cidade pela janela dia após dia e vendo-a como um ambiente inóspito, perigoso, e sobretudo, distante.


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Processos de formação Parece um bom caminho, após olhar para as suisekis e para os processos de formação de rochas contidos nela, que o trabalho se volte para a materialidade da paisagem construída e seus processos de formação. Faz-se necessário então um esclarecimento sobre os termos continuamente aqui repetidos. Foram definidos como processos de formação da paisagem natural aqueles que ocorrem independentemente da ação humana direta, que serão abordados em suas particularidades nos registros das experimentações realizadas neste trabalho. Pode-se considerar aqueles processos que já ocorriam antes do Antropoceno, mas também as ocorrências durante nossa era geológica, resultantes indiretas da ação humana. Os processos de formação da paisagem construída, por sua vez, são resultantes diretos da atividade humana. Eles diferem, principalmente, por terem uma temporalidade distinta e por serem fruto de uma racionalização. É importante frisar que, quando cito os processos de formação da paisagem construída, estou me referindo aos processos físicos. Essa abordagem pode parecer de início um pouco simplista. No entanto as materialidades com as quais construímos as nossas cidades são fruto de uma racionalização acumulada através dos tempos e de sua adaptação a diversos contextos socioeconômicos, das quais elas são indissociáveis. Assim como qualquer decisão tomada nas experimentações passa por um processo de racionalização; é ela que nos permite colocar lado a lado os dois grupos de processos. Robert Smithson, em “A Sedimentation of The Mind13”, atenta ao fato de que as “manifestações da tecnologia” partem da materialidade natural: “As manifestações da tecnologia são, algumas vezes, menos “extensões” do homem [...] do que agregados de elementos. Mesmo as ferramentas e as máquinas mais avançadas são feitas da matéria-prima da terra.”

Figura 06: Robert Smithson, “Asphalt Rundown”. Asfalto despejado sobre terra, dimensões variáveis,Cava dei Selce, Roma, Itália. 1969. 13. Robert Smithson, “A Sedimentation of the Mind”. Publicado originalmente em Artforum, Setembro de 1968. In: Jack Flam (org.) “Robert Smithson, The Collected Writings”. Nova York, New York University Press, 1979.


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O que existe é uma atualização - disfarçada de aperfeiçoamento - de técnicas construtivas, de materiais, de modificações da paisagem para determinados usos e, consequentemente, novos espaços. Toda essa transformação ainda depende da mesma matéria natural. Da mesma forma, Robert MacFarlane discorre sobre as técnicas de representação no campo das artes, especificamente na pintura a óleo, destacando a sua origem mineral: “A pintura a óleo é o veículo adequado para a representação dos processos geológicos, pois a tinta traz consigo as paisagens: é feita de minerais. A tinta a óleo foi criada no século XV, quando pintores flamengos – principalmente , os irmãos Van Eyck – experimentaram misturas de óleo de linhaça e vários pigmentos naturais, descobrindo uma substância que, além de ter cor mais vibrante, era mais maleável, em termos de tempo de secagem, do que a têmpera fabricada à base de ovo. Muitos dos pigmentos misturados ao óleo tinham origem mineral. Carvão mineral era utilizado para retratar as sombras da pele humana, especialmente pelos pintores flamengos e holandeses do século XVII. Calcário negro e carvão comum eram empregados na produção da tinta marrom. Os tons de azul-claro utilizados na representação de montanhas como espécie de películas posicionadas ao fundo, digamos, na obra de Claude ou Poussin eram produzidos por carbonatos de cobre ou compostos de prata. O célebre efeito “esbatimento”, tão apreciado pelos mestres holandeses na pintura de céus (e que confere ao céu texturas que reproduzem, de modo extraordinário, a consistência dos cirrosestratos), era obtido por meio de vidro moído, usado como pigmento, e de cinzas, como contexto. “Sinople”, ou terra vermelha, era empregada para emprestar às faces ou às vestimentas tons rosados, ou no esboço de afrescos sobre gesso. A geologia, por conseguinte, está intimamente relacionada à história da pintura; na pintura a óleo de paisagens, a terra é utilizada para expressar a si mesma.14”

Os processos de formação da paisagem construída – assim como os de representação - estão portanto intimamente ligados a uma matéria-prima da terra, e as novas materialidades e

14. Robert MacFarlane, “Montanhas da Mente: História de um Fascínio”. RIo de Janeiro, Objetiva, 2005.


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plasticidades resultantes deles são fruto do aperfeiçoamento técnico e do contexto socioeconômico. Se a diferença de escala possibilita que a paisagem seja triturada para que ela mesma se represente em uma pintura - ilusoriamente transportando-se do campo tridimensional para o plano bidimensional da tela nada impede que ela seja utilizada para se representar em obras espaciais. Aqui também há um estreitamento com o Manifesto Neoconcreto, e com o fardo da escultura, que nunca é indiferente ao bidimensional da pintura. No texto “A transição da cor do quadro para o espaço e o sentido de construtividade15” (1959) Hélio Oiticica narra um trecho do processo de transição do plano do quadro para o tridimensional em sua obra. Embora ele se refira mais diretamente aos seus Relevos, Bilaterais, e Núcleos, é interessante a este trabalho observar a forma como o pigmento das suas telas transita para o mundo real em seus Bólides, tornando-se muito próximo a materiais como terra e brita, que contidos em vidros, caixas ou sacos plásticos, passam a ostentar uma solidez que não existiria sem esses elementos que os emprestam a forma, ainda que temporária. Afinal, basta a manipulação dos sacos plásticos ou a inclinação do recipiente de vidro ou da caixa de madeira para que a forma se altere, reinventando toda a ordem do conjunto.

15. Hélio Oiticica, “A transição da cor do quadro para o espaço e o sentido de construtividade”. In: Gloria Ferreira e Cecília Cotrim (orgs.) – “Escritos de artistas, Anos 60/70”. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006.

Enxergamos o mesmo fenômeno na manipulação de materiais com grande plasticidade utilizados na manipulação da paisagem. É o caso do concreto armado moldado em fôrmas ou as grandes quantidades de terra movidas em obras de terraplanagem, ou na obra “Asphalt Rundown”, de Smithson, na qual o artista despeja asfalto quente sobre uma encosta, que se solidifica a medida que a percorre. A diferença em relação aos Bólides de Oiticica é que a fôrma sai, e a matéria assume uma forma que se aproxima mais do que entendemos como permanente. De fato, na nossa escala


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temporal, o concreto desmoldado, o arrimo criado, o asfalto resfriado se mostram como algo permanente. No entanto eles são um momento em relação à paisagem transtemporal sobre a qual eles incidem, seja essa a paisagem construída - urbana e mais imediata - ou a paisagem natural. As obras de Frank Gehry em Los Angeles são de certa forma uma resposta a esse momento. Ao entender que a constância do contexto no qual seus projetos serão inseridos é na verdade a constante transformação dos edifícios16, Gehry vê a oportunidade de criar uma arquitetura que se encaixa em seu contexto metamórfico pela negação dele. Assim, cria fragmentos de paisagem autossuficientes, que se comunicam não com a temporalidade imediata dos edifícios ao seu redor, mas que respondem às suas próprias paisagens, temporalidades e contextos. Seus edifícios, assim como a paisagem para Milton Santos, se tornam transtemporais. Não à toa eles se tornam icônicos, alçados muitas vezes à categoria de monumento e aproximados do campo da arte. Um desavisado pode supor que essa hiperindividualização do edifício em relação ao contexto é seu próximo estágio evolutivo. Mas é claro que a paisagem da cidade não pode ser composta apenas por edifícios como os de Gehry. Uma cidade que passa a ter edifícios que respondem apenas às suas próprias lógicas perde seus ícones - que lhes dão os endereços e sua funcionalidade -, e passa a ser apenas um apanhado de formas diversas. Esse mesmo desavisado pode supor que quando Oiticica narra seu processo de transição do quadro para o espaço ele o atribui um sentido evolutivo. Se isso fosse verdade, não existiriam mais pintores, que teriam se transformado não só em escultores como também em fotógrafos. Estes últimos já teriam inclusive se transformado em cineastas. É interessante então olharmos para a

16. Ver Rafael Moneo, “Inquietud teórica y estrategia proyectual En la obra de ocho arquitectos contemporáneos”. Barcelona, Actar, 2004, e Alejandro ZaeraPolo, “Arquitetura em Diálogo”. São Paulo, Ubu Editora, 2016.


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entrevista de Smithson que dá nome ao próximo capítulo, na qual o artista enxerga esse sentido na formação da paisagem não como evolutivo, mas como entrópico, em que um sistema que contém energia caminha para o repouso. Como tento mostrar brevemente ao longo do próximo capítulo, isso não contempla totalmente o entendimento das temporalidades da paisagem, do homem e das situações que caminham de forma contrária a esse sentido entrópico, como por exemplo a pintura que é ressignificada a partir da produção tridimensional posterior a ela, ou a interferência dos novos materiais criados pelo homem nos ciclos que já ocorriam antes do Antropoceno.


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A entropia se faz visível


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Livre tradução da entrevista de Robert Smithson para Alison Sky “Entropy made visible17” de 1973, o título desse capítulo aborda a ideia central da entrevista, na qual Smithson chama a atenção para o papel do processo entrópico de transformador da paisagem e sua relação com a atividade humana, e uma tentativa de observar esse conceito de um outro ponto de vista. A tradução dos trechos citados do livro, como o título, também é livre. Smithson define inicialmente a entropia como “uma condição que é irreversível, que vai de encontro a um equilíbrio gradual”, bastante próxima à definição da segunda lei da termodinâmica, o que elabora mais a frente, no mesmo parágrafo: “Você tem um sistema fechado que eventualmente se deteriora e começa a se desfazer, e então não há como você refazê-lo como era. Um exemplo pode ser o estilhaçamento do vidro de Marcel Duchamp , e sua tentativa de reunir todos os pedaços de acordo com a composição original, tentando superar a entropia.”

Em determinado momento, Sky pergunta se a entropia não é uma metamorfose, ou um processo contínuo no qual elementos passam por uma transformação em um sentido evolucionário. Smithson recorre ao conceito de “entropia fluvial”, no qual toda a energia vai diminuindo em um sentido, em um processo irreversível que pode ser entendido como uma metamorfose evolutiva, porém não de forma idealista. A evolução neste caso não se pretende aperfeiçoamento, mas sim a apresentação de uma situação diferente. Neste caso há apenas a transformação de tudo em direção a algo que não existe. Essa noção de sistema em constante transformação tendendo a um equilíbrio escapa do projeto arquitetônico, no qual quase sempre há a necessidade de se encontrar a solução final, como aponta Sky. Smithson relembra o erro de engenharia que criou o lago que deu nome à região de Salton Sea, no sul da Califórnia, onde, numa tentativa de conter

Página anterior: Figura 07: Plantações em Salton Sea, Califórnia, Estados Unidos da América. Fonte: Google Earth 17. Robert Smithson, “Entropy Made Visible”. Publicado originalmente em On Site #4, 1973. In: Jack Flam (org.) “Robert Smithson, The Collected Writings”. Nova York, New York University Press, 1979.


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as enchentes causadas pelo rio Colorado na região, foi construído um canal por onde a água do rio escoou, ocupando toda uma região localizada abaixo do nível do mar, inundando cidades e linhas férreas. O local se transformou em um paraíso turístico nos anos 1960, até que a salinização da água do lago - que não podia ser escoada - aumentou drasticamente com a evaporação e com os pesticidas das plantações vizinhas lançados no lago, matando peixes e tornando a água imprópria para banhistas. À época da entrevista, esse processo ainda não tinha ocorrido por completo: “É impossível nadar em Salton Sea porque cracas cresceram em todas as rochas. Ainda há algum esqui aquático e alguma pesca. Há também um plano para dessalinizar Salton Sea. É há diversos tipos de projetos estranhos para fazê-lo. Um deles consistia em trazer escória da Kaiser Steel e com ela construir um dique. E então temos um exemplo de uma espécie de efeito dominó onde um erro gera outro erro, ainda que estes erros sejam, de certa forma, empolgantes para mim - eu não os vejo como algo desanimador.”

18. Alicja Kwade, “Light Transfer of Nature”. Espelhos, cobre, madeira e pedra, 150 x 250 x 268 cm, 2015.

A própria temporalidade na qual se encaixam a entrevista e as posteriores ocorrências em Salton Sea reforçam a fala de Smithson sobre uma evolução de não aperfeiçoamento; relembrar os diversos planos futuros em uma entrevista passada para salvar um local que está morto no presente gera uma confusão de temporalidades e espacialidades interessante ao campo da experimentação artística. Uma confusão de espacialidades, que de certa forma pode ser usada para ilustrar esse caso, é a encontrada em alguns dos trabalhos de Alicja Kwade, como “Light Transfer of Nature18” (2015), no qual a artista sobrepõe materialidades diferentes inicialmente dispostas em um triângulo fechado - através de um simples, mas engenhoso jogo de espelhos. Algo que de certa forma lembra o que Smithson diz sobre o projeto arquitetônico enquanto imagem final, impossível, ao que oferece como exemplo de contraposição o caso do parque em Anchorage, Alaska, e das erupções vulcânicas na Islândia:


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“É como o terremoto de Anchorage, responsável pela criação de um parque. Depois do terremoto uma parte da área danificada foi transformada em parque, o que me parece um modo interessante de se lidar com o inesperado e com sua incorporação dentro de um ambiente comunitário [...] também as recentes erupções próximas à Islândia. Uma

Figura 08: Salton Sea, Califórnia, Estados Unidos da América. Fonte: Google Earth


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comunidade inteira foi submersa por cinzas vulcânicas. Isso gerou um tipo de sistema de casa enterrada [...] você pode dizer que isso gerou um tipo de arquitetura enterrada temporária que relembra meu (trabalho) “Partially Buried Woodshed19” de Kent State, Ohio, onde despejei toneladas de terra sobre um galpão até a viga principal de sua cobertura colapsar.”

Tanto o terremoto quanto as erupções são processos de formação da paisagem natural que existem há milhares de anos. O próprio lago de Salton Sea também se insere na discussão destes processos, já que foi comprovado recentemente que o vale onde se situa, antes da criação do lago desértico, vêm se alternando entre deserto e lago de forma cíclica, em um processo que dura milhares de anos20. Talvez este seja o principal desencontro entre os processos de formação da paisagem natural e os processos de formação causados pelo homem, a temporalidade. O discurso entrópico de Smithson é válido para discutir a paisagem ao levarmos em conta o Antropoceno, tão recente em comparação com o tempo geológico. A entropia ganha força no exemplo dado pelo artista, as crateras resultantes da exploração de minérios:

19. Robert Smithson, “Partially Buried Woodshed”. Kent, Ohio, Estados Unidos da América, 1970. 20. Ver Nathalie Farigu, “What Happened Here, At The Salton Sea?” In: ourworld.unu.edu

“Aparentemente, quando foram feitas as leis de recuperação de minas (mining reclamation laws) pretendia-se restaurar as minas como eram antes de serem exploradas[...] você pode imaginar o resultado ao tentarem lidar com a mina Bingham, em Utah, uma escavação de uma milha de profundidade e três de diâmetro[...] uma pessoa da companhia de mineração responsável me disse que eles pretendem encher o buraco gerado pela exploração; mas é claro que alguém se perguntará onde a companhia conseguirá o material para enchê-lo[...] eles dizem que demoraria algo como 30 anos e que teriam que pegar a terra de uma outra montanha [...] é uma tentativa de recuperar um terreno selvagem que não existe mais. Aqui temos que aceitar a situação entrópica e aprender como reincorporar estas coisas que nos parecem feias.”


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O impacto deixado pela mineração citado por Smithson se observa de duas formas distintas nas escalas temporais humana e da paisagem; se na primeira enxergamos esse impacto como algo irreversível, na segunda o que vemos é um pequeno impacto que acarreta em alterações ao longo de um processo de milhares de anos. O conceito de entropia na paisagem se sustenta do ponto de vista da abordagem humana, antropocênica, porque entendemos a paisagem como algo esgotável ao nosso usufruto. Quando falamos em um canudo que demora algumas centenas ou milhares de anos para se decompor não estamos necessariamente nos preocupando com a natureza, mas com a deterioração dela durante o tempo em que vivemos e que, portanto, a usamos. A mina citada por Smithson é um ponto de encontro entre um sistema entrópico (do usufruto da natureza pelo homem) com um sistema cíclico da natureza. O mesmo se dá com o lago de Salton Sea. Afinal vivemos com sorte 90 anos sobre uma terra que tem bilhões de anos. Não podemos resgatar um início dos processos, tampouco adivinhar um fim deles. Buscamos, no entanto, observar as mudanças da paisagem construída, e contentar-se com os vestígios de um sistema cíclico em andamento, da mesma forma que nos contentamos em contar um ano sem sentirmos a translação da terra ao redor do Sol. O time-lapse é talvez o meio de registro que mais explicita essa diferença temporal e a busca para dominá-la. Ele não apenas satisfaz a nossa necessidade de compreender e consumir um processo que se desenrola em uma temporalidade diferente da nossa atenção, como também nos coloca em uma posição de dominação sobre ele. Um time-lapse em um documentário nos mostra como uma flor desabrocha ou como o sol nasce e se põe em segundos. Ele abate qualquer grandiosidade do processo e o torna subjugado à vontade do homem; um dia pode ter 24 horas ou três segundos. As fotografias de Michael Wesely21 capturam

21. Ver Michael Wesely, Série “Potsdamer Platz, Berlin”. Fotografias de longa exposição,1997-1999.


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através da longa exposição diversas temporalidades diferentes simultaneamente: a altura do sol em cada dia do ano somada à construção de um edifício, com adição da animação das pessoas no local e o afastamento de mobiliário de um lado para o outro. O que se altera com mais frequência evidentemente é aquilo que é mais temporário ou recente. Ali ficam evidenciadas as folhas de uma árvore que caem no outono, mas ainda assim a paisagem territorial permanece intacta, já que o tempo de exposição de um ano, considerado longo para nós, é insignificante no registro da variação do território que escapa ao homem. Se deixássemos a câmera esse tempo todo voltada para uma montanha desinteressante do ponto de vista econômico teríamos um registro praticamente estático, apenas com a posição do sol se alterando acima dela. Não a veríamos lentamente se transformando em um planalto ou tampouco notaríamos sua diminuição de centímetros de altura. Por isso julgo importante a representação da soma dessas temporalidades, contemplando tanto um sistema entrópico quanto um sistema cíclico. As experimentações que são apresentadas ao longo deste trabalho foram uma forma que encontrei de me debruçar sobre isso. Acredito que um artifício fundamental e simples para abordar essa soma de temporalidades seja o diálogo entre o bidimensional e o tridimensional, o que de novo me leva à produção neoconcreta, ao olhar para o círculo e a esfera, o triângulo e a pirâmide (ou cone), o quadrado e o cubo (ou cilindro). Um cone refletido, como um pião, talvez seja o volume que exemplifica de forma mais objetiva a justaposição desses dois sistemas (entrópico e cíclico). O uso de formas e volumes primários também facilita a equiparação de materialidades diferentes para reorganizá-las enquanto conjunto, contrapondo a distinção delas de acordo com o aperfeiçoamento técnico de cada uma, como na obra de Kwade. Mecanismo que é útil para espacializar a discussão do capítulo seguinte, que conclui a primeira parte, teórica, deste trabalho.


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O Pensamento Selvagem Este capítulo leva o nome traduzido para português da obra de Claude Lévi-Strauss de 1962 “La Pensée Sauvage22”, e é um breve comentário do primeiro capítulo do livro, “A ciência do concreto”, no qual são discutidos os conceitos de bricolage, conhecimento científico e pensamento mítico, que se mostraram bastante relevantes a este trabalho. Optei, para melhor entendimento e coerência, por desenvolver esse capítulo partindo de um resumo do texto de Lévi-Strauss, para que este instrumente o comentário que o segue, onde o relaciono aos capítulos anteriores deste trabalho. Ele é o último capítulo teórico geral deste trabalho, e foi fundamental para que as últimas experimentações ocorressem. O autor começa o capítulo mostrando como, por muito tempo, foi agradável olhar para diversas línguas como sendo incapazes de ter um pensamento abstrato, omitindo que não era só a riqueza em nomes abstratos que essas línguas possuíam. Lévi-Strauss cita o exemplo do povo chinuque, que, para uma frase como “O homem mau matou a pobre criança”, diz “A maldade do homem matou a pobreza da criança”. O homem mal, substantivo adjetivado, transforma-se em dois substantivos. Cita também o exemplo de um povo havaiano que apenas dava nome ao que lhe era útil. O que se conclui é que o se entende como um nível de abstração alto ou baixo dos termos varia não em função das capacidades intelectuais, mas dos interesses particulares de cada sociedade, que são, naturalmente, desiguais entre si. O que uma denomina extensivamente na outra é denominado por um termo, e viceversa. “Como nas linguagens profissionais, a proliferação conceitual corresponde a uma atenção mais firme em relação às propriedades do real, a um interesse mais desperto para as distinções que aí possam ser introduzidas. Essa ânsia de conhecimento objetivo constitui um dos aspectos mais negligenciados do pensamento daqueles que chamaremos de “primitivos”. Se ele é raramente dirigido para realidades

22. Claude Lévi’Strauss, “O Pensamento Selvagem”. Campinas, Papirus, 2012.


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do mesmo nível daquelas às quais a ciência moderna está ligada, implica diligências intelectuais e métodos de observação semelhantes. Nos dois casos, o universo é objeto de pensamento, pelo menos como meio de satisfazer a necessidades.”

Da mesma forma, cada civilização superestima a orientação objetiva de seu pensamento. Ao olhar para o “selvagem” como guiado apenas pelas necessidades orgânicas ou econômicas, não percebemos que ele nos olha da mesma forma, julgando seus desejos como mais equilibrados que os nossos. Após citar diversos exemplos de profunda distinção e nomenclatura de fauna e flora por parte dos indígenas e de outros povos tidos como primitivos, Lévi-Strauss evidencia a relação de causa e consequência entre conhecimento e utilidade: “[...] as espécies animas e vegetais não são conhecidas porque são úteis; elas são consideradas úteis ou interessantes porque são primeiro conhecidas.”

23. A.C. Fletcher, “The Hakoo: A Pawnee Ceremony”. Washington, Bureau of American Ethnology, 1904. Apud Claude Lévi’Strauss, “O Pensamento Selvagem”. Campinas, Papirus, 2012.

A ciência está diretamente ligada à classificação, que é entendida pela nossa civilização como objetiva, e, portanto, ciência. Ela, no entanto, apenas supre a necessidade de classificação, que é por si só mais virtuosa do que sua ausência. o objeto da ciência é se afastar cada vez mais da desordem inicial. Essa exigência de ordem constitui a base do pensamento primitivo, porque constitui a base de qualquer pensamento. O autor cita um pensador indígena23 que nota que “cada coisa sagrada deve estar em seu lugar”. Estar em seu lugar é o que a torna sagrada, já que sua retirada deste posto desencadearia a desordem geral. Assim se explicam também as ritualísticas, onde cada pequena parte ocupa seu devido lugar. Muitas abordagens se aproximam do pensamento mágico, tido como ilusório pela ciência. A primeira distinção entre magia e


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ciência é que a primeira postula um determinismo global, e a outra distingue níveis nos quais apenas a alguns é aplicável um determinismo, inaplicável aos outros. O autor então questiona se poderíamos, também, já que esse pensamento mágico segue seus ritos que ainda não foram diagnosticados pela ciência, compreender esse determinismo mágico como uma pré-ciência que ainda não foi desvendada, já que a ciência é tão recente na história da humanidade. Isso o leva ao Paradoxo Neolítico, relativo ao período em que se confirmou o domínio do homem sobre as grandes artes da civilização: cerâmica, tecelagem, agricultura e domesticação de animais. Nada disso foi atingido por uma observação passiva ou por acaso, mas sim através de séculos de observação ativa e metódica. Mas se o homem neolítico é o acúmulo do interesse contínuo em observar ativamente, como explicar os milênios de estagnação que o separam da ciência moderna? Esse paradoxo é respondido apenas com a divisão do conhecimento científico em dois: um próximo da percepção e do sensível, e outro mais distanciado. Dessa forma, é satisfatório por um bom tempo atribuir a semelhanças estéticas a mesma propriedade, já que qualquer classificação é mais interessante que nenhuma. A partir de um momento se mostra necessário reclassificar o que é então percebido como mitos e ritos. Eles não são, portanto, menos científicos. Lévi-Strauss introduz então uma das discussões que este trabalho procura abordar: “Aliás, subsiste entre nós uma forma de atividade que, no plano técnico, permite conceber perfeitamente aquilo que, no plano da especulação, pôde ser uma ciência que preferimos antes chamar de “primeira” que de primitiva: é aquela comumente designada pelo termo bricolage.”

Cabe aqui o aprofundamento do termo. A nota dos tradutores da primeira edição brasileira do livro24 é um bom ponto de partida. Diz ela que:

24. Nota de Almir de Oliveira Aguiar e M. Celeste da Costa e Souza, tradutores da 1ª edição pela Editora Nacional.


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“O Bricoleur é o que executa um trabalho usando meios e expedientes que denunciam a ausência de um plano preconcebido e se afastam dos processos e normas adotados pela técnica. Caracteriza-o especialmente o fato de operar com materiais fragmentários já elaborados, ao contrário, por exemplo, do engenheiro que, para dar execução ao seu trabalho, necessita da matéria prima.”

O Bricoleur, para o autor, é aquele que trabalha com as mãos - e com o que tem à mão - , mas sem que seu produto seja a finalidade direta desse trabalho manual, como é em muitas vezes o caso do artista. Assim como no pensamento mítico, o bricoleur trabalha com o repertório que tem, e que, mesmo sendo limitado, é o único de que dispõe. É o pensamento mítico, então, umas espécie de bricolage intelectual, e ambos passíveis, portanto, de resultados excepcionais e imprevistos. Sobre as atribuições do bricoleur, o autor continua: “O Bricoleur está apto a executar um grande número de tarefas diversificadas, porém, ao contrário do engenheiro, não subordina nenhuma delas à obtenção de matérias-primas e de utensílios concebidos e procurados na medida de seu projeto: seu universo instrumental é fechado, e a regra de seu jogo é sempre arranjar-se com os “meios-limites”, isto é, um conjunto sempre finito de utensílios e de materiais bastante heteróclitos, porque a composição do conjunto não está em relação com o projeto do momento nem com nenhum projeto particular, mas é o resultado contingente de todas as oportunidades que se apresentaram para renovar e enriquecer o estoque ou para mantê-lo com os resíduos de construções e destruições anteriores.”

A semiparticularização dos elementos do conjunto é chave aqui, pois dá o suficiente para que o bricoleur opere as ferramentas e materiais sem determinar exatamente o uso deles. É nesse meio do caminho que também se encontra a reflexão mítica, entre o percepto (conjunto de sensações que ultrapassa a escala do indivíduo) e o conceito (como ideia, projeto). Entre a imagem/


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percepto e o conceito está ainda o signo, já que este se refere a si mesmo, mas também a algo (o que também é feito pelo conceito). A diferença do signo para o conceito é que sua capacidade é limitada. Utilizando como o exemplo o bricoleur; ele pode se entusiasmar com o projeto, mas confrontará o que tem a seu dispor para colocá-lo em prática, da mesma forma que um mito surgirá a partir do conjunto de conhecimentos e vivências pré existentes de uma civilização (percepto), apenas organizado de uma forma específica. Isso fica claro quando o autor utiliza o exemplo de um cubo de madeira com função atribuída e como matéria: “Este cubo de carvalho pode ser um calço, para suprir a insuficiência de uma tábua de abeto, ou ainda um soco, o que permitiria realçar a aspereza e a polidez da velha madeira. Num caso, ele será extensão, no outro, matéria. Mas essas possibilidades são sempre limitadas pela história particular de cada peça e por aquilo que nela subsiste de predeterminado, devido ao uso original para o qual foi concebida ou pelas adaptações que sofreu em virtude de outros empregos.”

O mesmo ocorre com o engenheiro, que não pode fazer qualquer coisa. Ainda que ele tenha um potencial ilimitado, ele esbarra no conjunto de ferramentas e meios possíveis quando da execução de seu projeto. Ele ainda continua operando através do conceito, e não do signo. O engenheiro (conceito) expande o conjunto existente. O bricoleur (signo), reorganiza esse novo conjunto. O autor fala sobre esses papéis no campo da arte: “[...] a arte se insere a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico, pois todo mundo sabe que o artista tem, ao mesmo tempo, algo do cientista e do bricoleur: com meios artesanais, ele elabora um objeto material que é também um objeto do conhecimento.”

O autor adentra então outro assunto que também interessa a este trabalho, a escala, partindo de um retrato de autoria de Clouet:


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Figura 09: François Clouet, detalhe de “Elisabeth d’Autriche (1554-1592) reine de France”, óleo sobre tela, 250 x 370 cm, 1571.

“[...] se sabe que ele gostava de pintar em proporções menores que as da natureza; seus quadros são, portanto, como os jardins japoneses, os carros em miniatura e os barcos dentro de garrafas o que, em linguagem de bricoleur, denominam-se “modelos reduzidos”[...] pode-se perguntar se o efeito estético de uma estátua equestre maior que o natural provém do fato de ela elevar um homem às dimensões de um rochedo e não de reduzir às proporções de um homem, o que, no início é percebido de longe como um rochedo. Enfim, mesmo o “tamanho natural” supõe o modelo reduzido, pois que a transposição gráfica ou plástica implica sempre uma certa renúncia a certas dimensões do objeto.”

Para o autor, a redução da escala torna menos temível a totalidade do objeto em questão. Ao o diminuirmos, ele obrigatoriamente é simplificado, o que gera uma ilusão de controle. Em resumo:


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“a virtude intrínseca do modelo reduzido é que ele compensa a renúncia às dimensões sensíveis pela aquisição de dimensões inteligíveis”.

Esse modelo reduzido se assemelha a segunda noção de fragmento mencionada por Cauquelin, trazida anteriormente: “O fragmento é essa explosão, fechada nela mesma e indivisível, a única resposta a dar ao universo infinito. Forma perfeita, na sua rotunda brevidade, ela iguala, nos limites que são os nossos, a instantaneidade da presença do todo”.

Dessa forma, Lévi-Strauss atribui a arte uma finalidade de conceber uma imagem homóloga ao do objeto, restringindo-a a agir dentro da concepção de fragmento acima. No entanto, é interessante a este trabalho a discussão sobre como a escala pode ser trabalhada de diversas formas para contemplar as diferentes noções de fragmento, em especial, a terceira noção de fragmento descrita anteriormente, onde ele tem “um sentido próprio, singular, intrínseco, que não pode ser compreendido numa lógica unitária” e ainda “isolando-o, destituindo-o de todas as ligações possíveis, evitando explicações e, sobretudo, recusando as referências exteriores”. É claro que o artista essencialmente reflete - querendo ou não - o espaço no qual está inserido quando cria algo. É aí que se torna interessante ao desenvolvimento desse tipo de fragmento o espaço da obra mostrado por Ferreira Gullar no “Manifesto Neoconcreto” - o “universo de significações existenciais que ela a um tempo funda e revela”. Retomando o retrato de Clouet, Lévi-Strauss mostra como a arte ocupa uma posição intermediária entre a ciência e o bricolage, ao comentar sobre os conhecimentos envolvidos na reprodução por Clouet de um colarinho de renda em escala menor na pintura:


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“Mesmo se a figuração de um colarinho de renda num modelo reduzido implica, como demonstramos, um conhecimento interno de sua morfologia e de sua técnica de fabricação (e, se se tratasse de uma representação humana ou animal, teríamos dito: da anatomia e das posturas), ela não se reduz a um diagrama ou a uma tabela de tecnologia, ela realiza a síntese das propriedades intrínsecas e das que dependem de um contexto espacial e temporal.” Creio que é interessante salientar, como conclusão dos capítulos teóricos deste trabalho, essa posição intermediária da arte, e consequentemente, do artista, assim como também do arquiteto. O interesse inicial no livro que origina este último capítulo se deu, para mim, a partir do olhar para a produção das cidades, e consequentemente da paisagem urbana, em particular a brasileira. Produção essa que se dá hora de forma altamente instrumentada, sobre a qual os arquitetos e engenheiros se debruçam em maior número para projetar edifícios de vinte pavimentos, hora pelos bricoleurs, das favelas das grandes cidades à arquitetura vernacular do sertão nordestino, hora pelos mutirões de habitação que reúnem arquitetos e futuros moradores. Essa produção que se acumula concilia o projeto com o acaso, além de se inserir sobre a paisagem natural, gerando uma paisagem que é essencialmente transtemporal. Como já dito anteriormente, julguei interessante que a paisagem, ao ser extraída do espaço, tenha sua materialidade enfatizada, e que ela ganha então grande importância nas experimentações deste trabalho. A posição intermediária do artista, ou do arquiteto, entre o concreto e o abstrato, entre o bricoleur e o engenheiro, entre funcionalidade e infuncionalidade, dá a liberdade de caminhar por entre os polos, sem a necessidade de se comprometer totalmente com um deles, gerando infinitas possibilidades de discussão da paisagem.


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Sobre a paisagem

Despejo inicial

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Ilha dos amores

76

Serra Pelada

100

Totêmico + Suiseki

114

Serrapilheira

142


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Despejo inicial


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A primeira experimentação voltou-se para a formação de solos, motivada inicialmente por alguns trabalhos do escritório de arquitetura madrilenho Ensamble Studio – mais precisamente as “Estruturas da Paisagem”, no parque de Tippet Rise, e a “Trufa25”, realizada na Costa da Morte, na Espanha – que consistem em estruturas de concreto armado que são geradas em meio ao ambiente natural, valendo-se deste para conferir sua forma final. As “Estruturas da Paisagem” são soluções encontradas, segundo os autores, para que a arquitetura resolvesse o programa solicitado pelo parque de Tippet Rise, porém, sem interferir no cotidiano da fauna que ali já existia. Embora muito interessante visualmente, essa intenção, de certa forma, de camuflagem das estruturas, não foi o que me chamou atenção inicialmente, mas sim o processo pelo qual essas estruturas foram construídas – através das manifestações de tecnologia, como diria Smithson. Aportadas

Figura 10: Ensamble Studio, “Structures of Landscape”. Tippet Rise, Montana, Estados Unidos da América, 2016. 25. Ensamble Studio, “The Truffle”. Costa da Morte, Espanha, 2010.


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em meio a montes de terra criados por escavadeiras, cobertos por apenas uma lona que os separava do elemento moldado, o concreto armado despejado de um caminhão betoneira. À medida que essa massa ainda dentro de sua qualidade plástica, como um solo argiloso, preenche o volume a ela designada, a lona é comprimida pelo seu peso, adotando a forma dos montes de terra que cobre, não sem antes registrar suas dobras na superfície da massa, numa condição mútua de pressões e imposição de limites. Após a cura do concreto a terra ao redor é retirada, quase que arqueologicamente. A lona então aderida na superfície do concreto é retirada, e a peça final se impõe visualmente pela primeira vez, demonstrando sua altura total em relação ao solo daquela área. Há a existência da imagem de um solo, tanto no processo construtivo, evocada pelos montes de terra, quanto nas superfícies da estrutura final, em contraponto ao solo que está logo abaixo da estrutura.

Figura 11: Ensamble Studio, Terra utilizada como fôrma parcialmente retirada em “Structures of Landscape”. Tippet Rise, Montana, Estados Unidos da América, 2016.


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O despejo de matéria ainda plástica que se torna posteriormente sólida sobre terra também acontece décadas antes em “Asphalt Rundown” (1969), de Robert Smithson, já mencionado anteriormente, onde é visível a referência a uma matéria transformada diversas vezes, citada pelo próprio artista. O projeto da primeira experimentação é simples, apenas um croqui em três passos. No primeiro, uma forma de madeira. No segundo, um monte de terra. No terceiro, o negativo dos outros dois em argamassa armada. O despejo me pareceu uma técnica interessante de se estudar nessa primeira experimentação, aliado a uma observação livre dos processos de formação de solo, sedimentação, compactação. A execução começava pelas fôrmas de compensado, simples, de 30x30cm. Utilizei uma placa que estava a bastante tempo no canteiro experimental da FAU. Após serrá-la nas dimensões idealizadas, lixei as rebarbas que sobraram em suas laterais, encontrando o contraste entre a superfície da madeira recém lixada e a superfície que ficara exposta ao tempo do canteiro, que evidenciava um processo de sedimentação da própria placa. Logo após, preguei os compensados obtendo a fôrma do primeiro passo do croqui, adicionada de fundo, e logo parti para o despejo de terra. De imediato já foi me apresentada a instabilidade da movimentação de terra enquanto parte de projeto.


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Fui incapaz de estabelecer um pequeno morro de terra com características próximas das quais eu havia idealizado no croqui inicial. A força da terra e a inclinação do talude que se formava com o seu despejo, bem como a forma como se comprimia de acordo com a adição de cada camada despejada sobre a anterior, tornavam a superfície do pequeno morro de terra imprevisível e de difícil controle. Logo, me vi forçado a alterar a fôrma de madeira inicial, acrescentando outros pedaços da placa de compensado, prolongando a fôrma de um cubo de 30x30x30 para um prisma de 30x60x30.


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A limitação de tempo me levou a improvisar, o máximo possível, a realização do projeto naquele mesmo dia, estendendo-se do começo da manhã até ao fim da tarde. Assim, fui juntamente do Romerito, técnico do canteiro experimental da FAU e que foi indispensável para essa experimentação, agregando todos os materiais possíveis que encontrava para segurar todo o volume de terra que despejava naquela fôrma. A composição resultante dos esforços de compressão necessários para conter a terra ali despejada me pareceu bastante interessante, e pode ser vista na página seguinte. No entanto, havia ainda o segundo despejo, do concreto armado, e que também me preocupava em questão de carga a ser comprimida pela estrutura externa montada de improviso. A mistura que preencheu o negativo da fôrma de madeira e terra foi composta por diferentes camadas de concreto, argamassa e argamassa armada, com traços diferentes para cada propósito. A primeira camada despejada foi uma fina camada de argamassa bastante plástica, quase aquosa, voltada para absorção em sua superfície das texturas da camada de terra logo abaixo dela. Ela foi aplicada ao longo de toda a terra e fundo da forma. Passada a primeira camada que registraria a textura, era necessário colocar uma armadura metálica para resistir aos esforços de tração, que foi colocada logo acima dela. Em seguida, novo despejo, dessa vez de uma camada de concreto, ou seja, a argamassa acrescida de pedras. Por fim, foi adicionada uma nova armadura metálica, seguida de uma última camada de argamassa. A fôrma foi coberta com o restante do compensado, e o processo de cura durou 5 dias. Passado o tempo de cura, a movimentação de terra se deu de forma muito diferente da inicial. Retiradas as peças externas que


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continham a fôrma e o monte de terra, iniciou-se um processo de escavação para revelação da estrutura resultante, de forma semelhante ao processo das estruturas de Tippet Rise. Já podiam se ver as diferenças de cor, textura e materialidade de cada camada de argamassa e concreto, diferentes entre si pelo traço. À medida que a terra ia sendo retirada com a ajuda de um pedaço de madeira de forma aleatória, percebia-se a dissolução do monte de terra logo abaixo da estrutura recém moldada. As diferentes camadas de terra e areia se sustentavam de formas distintas entre si, após terem sido compactadas pelo peso da argamassa e do concreto acima delas, e o morro de terra pareceu muito mais denso e resistente. Ao retirar as fôrmas laterais improvisadas, notava-se a impressão registrada por todo o processo na madeira.


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Neste momento, surgiu uma problemática que se estendeu por todas as outras experimentações: a questão espacial, não conceitual, mas de armazenamento. A partir do momento em que o processo se mostrou de grande relevância, tornou-se difícil condicionar toda a experimentação. Ela segue armazenada tanto no canteiro experimental quanto na Seção Técnica de Modelos, Ensaios e Experimentações Construtivas da FAUUSP, antigo LAME. À medida que a terra ia sendo retirada, apareciam galhos, pequenos insetos, trechos de teia de aranha. Um pequeno ecossistema que se instalou ali por aqueles poucos dias de cura, e que já sofria de novo outra alteração. Uma incógnita durante o processo foi a sustentação da peça moldada conforme a fôrma ia sendo retirada. Ela permaneceu erguida na posição das fotos por toda a retirada da terra, tombando apenas no momento de retirada dos compensados da fôrma. As materialidades envolvidas no processo geraram interpretações curiosas sobre a escala da experimentação. Por serem terra, argamassa, concreto e compensado materiais que aparecem usualmente na escala da paisagem, a maior parte das pessoas que viram as fotos do processo tomaram a experimentação como muito maior do que realmente é, o que de certa forma reforçou sua identidade fragmentária. Alguns amigos desavisados pensaram inclusive tratar-se de uma encosta que havia desmoronado. Olhando com certa proximidade, notam-se as pequenas pedras, folhas, galhos e insetos em meio à terra, e que fincam sua presença e textura na argamassa. Retirada toda a terra e a fôrma de compensado, pôde-se notar, mesmo com o acúmulo de terra imediata na argamassa, as texturas resultantes da compressão estimulada pelo peso da argamassa e os limites impostos


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pela fôrma de madeira e pela terra. A grandeza inversamente proporcional de terra e argamassa ao longo da estrutura gerou esforços de compressão diferentes, que podem ser observados nas imagens. A própria fôrma, onde havia maior quantidade de argamassa armada sobre a terra, compactou-a de forma que ela ficou presa no compensado. A imagem abaixo mostra a fôrma rotacionada em 90 graus, com a parte do fundo coberta por terra comprimida. A superfície em alguns pontos de menor compressão, localizados na esquerda da estrutura, se assemelha a um recife de corais, observação talvez influenciada pela sobreposição do marrom terroso ao cinza da argamassa, com maiores aglomerados de terra. A superfície da direita, que sofreu maior compressão, tem um aspecto quase granular, arenoso. A peça foi colocada fora da cobertura do canteiro experimental, de forma a ser limpa, gradativamente, pela ação da chuva. Toda a terra utilizada voltou para o mesmo local de onde foi retirada. A expectativa é que a peça fique exposta até o momento em que toda a terra seja retirada de sua superfície. Não está descartada a possibilidade de se voltar para a terra e para o solo em outra próxima experimentação. A terra continuará lá para eventuais experiências.


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Ilha dos amores


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A segunda experimentação volta-se para o brotamento de água, o surgimento da água nas nascentes. Embora esta experimentação leve como título uma passagem do Canto IX d’Os Lusíadas26, sobre a qual me debruçarei mais a frente, a intenção inicial surgiu através do cinema, por onde surgiu também o interesse pela interpretação dos fenômenos da natureza pelo homem através dos mitos. O ponto de partida foi “Acidente”, de Cao Guimarães, uma coletânea de pequenos curtas gravados pelo interior de Minas Gerais, em especial “Fervedouro27”, que trata de um mergulho dado por um caminhoneiro em um fervedouro na cidade que dá nome ao curta. Por se tratar de um corpo d’água que impossibilita quem nele nada de afundar, o fervedouro remete a uma transferência de características entre materiais, entre solo e água. Um solo, que temos como algo sólido, extremamente poroso a ponto de dele brotar água, contraposto a uma água tão densa que impede o

26. Luis Vaz de Camões, “Os Lusíadas”. Porto, Porto Editora, 2006. 27. Cao Guimarães, “Fervedouro” In: “Acidente”. Belo Horizonte, Cinco em Ponto e TEIA, 2006. Figura 12: Ingmar Bergman, Still de “Jungfrukällan”. Suécia, Svensk Filmindustri, 1960.


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corpo de penetrá-la. Em um segundo momento, também dentro da filmografia, me voltei para “A Fonte da Donzela (Jungfrukällan)”, de Ingmar Bergman, um filme sueco que mistura elementos do cristianismo, paganismo e mitologia nórdica. O filme associa o surgimento da nascente de água ao local da morte de uma virgem, o que, em uma transferência livre, pode ser interpretado como o surgimento de vida a partir de uma materialidade morta, sólida, como uma rocha, como o solo. Em outras palavras, a transformação do fim de um sistema entrópico – a morte - em um início – nascente –, reiterando a ideia de sistema cíclico, e inserindo o ser humano como parte desse sistema. A partir do princípio básico do brotamento de água, que nada mais é do que um corpo d’água subterrâneo, que ao encontrar uma camada de solo intransponível, se acumula e aflora por um solo de maior porosidade, pensei que seria interessante, assim como no fervedouro do curta de Cao Guimarães, subverter a característica básica do elemento construtivo mais utilizado na construção das cidades, o concreto. Elemento estrutural, necessita ser intransponível, resistente, armado. Concreto até no nome, real, existente, verdadeiro, assim como sólido e solo. Por isso, me pareceu interessante conceber uma estrutura de concreto que vertesse água. O projeto em croqui foi mais difícil do que o da primeira experimentação, afinal de contas, a quantidade de dificuldades técnicas é significativamente maior. A imagem inicial, no entanto, não se alterou significativamente. Entre o primeiro croqui e o croqui final, antes do começo da prática, passou-se em torno de um mês. O concreto utilizado para criar a superfície vertedora de água é similar ao concreto permeável encontrado em pavimentação. De


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traço bastante distinto do concreto usual, ele carrega apenas cimento e agregados graúdos - ou seja, pedra - sem a presença de areia. A fôrma de madeira também foi feita a partir da mesma placa de compensado utilizada na primeira experimentação, com largura de 45x45cm e profundidade próxima a 10 centímetros. A imagem na página ao lado é o registro do último contato com o trabalho no canteiro experimental; devido a um acidente sofrido no final de Novembro, tive que me afastar de atividades que solicitavam esforços físicos. Em Março, fui liberado pelo médico em uma sexta feira, e posto em isolamento social, como todos, na segunda feira seguinte. Olhar para essa imagem e não ter a possibilidade de alterar a experimentação, deixada de lado em processo, ou até mesmo de acompanhar a primeira experimentação já feita, deixada às intempéries, apenas ressalta a importância das escalas temporais presentes no perpétuo fluxo de alteração da paisagem. Imagino a grama crescendo finalmente desenfreada no sítio de trabalho, os musgos crescendo na superfície exposta da primeira experimentação; situações que poderiam ser presenciadas ao longo de um semestre, perfeitamente cabíveis


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dentro de um ciclo de vida. No entanto, esse isolamento do indivíduo do local oblitera a possibilidade de vivência da paisagem – e de sua consequente transformação em espaço -, aproximando escalas temporais completamente distintas: ao desvincularmos a temporalidade das experimentações de seu espaço, a paisagem em constante transformação torna-se imaginada, virtual. Assim como imaginamos os processos geológicos por termos sido informados previamente sobre eles, ainda que esses processos atuem em uma temporalidade contada em milhares de anos. A chuva, quando não vivenciada, continua a encharcar o solo, da mesma forma como continua a o erodir; nós apenas não estamos acostumados a experimentar da mesma forma processos com diferentes temporalidades. Creio que por isso este ambiente de enclausuramento no qual este trabalho continuou a se desenvolver não invalida as experimentações pré-pandêmicas. Novas camadas de significado podem ser adicionadas, e por isso optei por recomeçar a experimentação nº 2 no ambiente doméstico, que possui uma ambivalência potente: se mostra como um ambiente onde a experimentação é propositalmente mais restrita quanto a dimensões, ao mesmo tempo que mergulha de vez sobre o ato da bricolagem, já que não há mais o apoio técnico presente no ambiente acadêmico. Comecei testando o traço do concreto poroso, que é uma das dificuldades técnicas principais dessa experimentação. Realizei os testes em potes descartáveis que tinha em casa. No primeiro teste, inclinei levemente a fôrma antes da secagem para entender o comportamento do pó de cimento diluído na pequena quantidade de água da mistura, e também vibrei a fôrma com leves batidas, de forma a diminuir as bolhas de ar dentro do concreto, o que resultou em um acúmulo de cimento na parte baixa, tornando-a


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insuficientemente porosa. No segundo, deixei a fôrma nivelada e não a vibrei, o que gerou uma distribuição homogênea do pó de cimento diluído, deixando a superfície suficientemente porosa para a passagem de água. Após os testes feitos, parti para a execução da fôrma de madeira e de seu subsequente preenchimento, que foi feito em camadas. A primeira, de concreto de traço poroso: uma fina camada ocupando toda a fôrma com uma elevação central. Após a secagem, desenformei a peça, que acabou se dividindo em uma parte central e pedaços que se quebraram das bordas. Coloquei novamente o pedaço central na forma e o cobri com uma película de plástico. Em seguida depositei os pedaços que se soltaram e despejei por cima do conjunto uma camada de argamassa com plasticidade o suficiente para preencher todos os vazios, com exceção do trecho central, coberto por plástico. Essa camada serviu de impermeabilização entre a primeira e a terceira camada, também de concreto, mas não poroso. Com a retirada das fôrmas, foi possível ver o modo como a argamassa preencheu alguns dos


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vazios das da camada porosa - o que deixou algumas manchas planas em meio às pedras da superfície – como também o registro dos diferentes traços nos compensados que serviram de fôrma. Através de um vazio deixado do meio da camada porosa até o final da última camada de concreto, foi possível conectar uma mangueira de silicone, conectada também a uma pequena bomba hidráulica, usualmente utilizada em aquários de pequeno porte. O próximo passo – e que se mostrou o mais complicado – foi a execução do invólucro que sustenta a peça de concreto e envolve a água e a bomba hidráulica. Devido a pandemia, foi impossível utilizar as máquinas e contar com o apoio técnico do LAME; os revendedores nos quais eu comprava as chapas de compensado faziam apenas cortes simples nas madeiras. Como eu não possuía maquinário disponível (e nem espaço físico para manipulação das chapas), elaborei um projeto simples, que foi executado em uma marcenaria, o que também solucionou a questão da impermeabilização da peça. Ao mesmo tempo, ser obrigado a


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desenvolver algo no AutoCad, que até então era um recurso que eu pretendia evitar, me motivou a circular mais livremente entre os polos do projeto e da bricolage, o que inclusive me levou a utilizar não apenas o AutoCad, como também o Revit – outro programa de Computer Aided Design - na experimentação seguinte, como mostrarei mais a frente. Com o conjunto funcionando – a peça de concreto, o invólucro de compensado, a bomba hidráulica e, por fim, a água – foi possível observar então como se dava o preenchimento da superfície porosa da peça de concreto pela água, e o caminho desta até cair pelas laterais e seu retorno à peça de concreto. Foi possível separar a peça em um pequeno fragmento de relevo, onde rios e ilhas se formavam com a ação da água; observar a distinção do reflexo gerado pelo fluxo de água sobre as pedras e sobre as áreas preenchidas pela argamassa; os veios deixados pelo plástico na argamassa direcionando os cursos d’água; e o som das gotas pingando no compensado e no corpo d’água que não pode ser visto.


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Quando comecei os desenhos iniciais, pensando sobre a união entre um fragmento e água, foi inevitável o surgimento da ideia de ilha. Olhar para a mitologia retratada no filme de Bergman me fez pesquisar sobre a água na mitologia grega, o que me levou a Tétis, que é o nome dada a duas divindades: a titânide Thetys, esposa de Oceano e que representa a fecundidade “feminina” do mar, e Thetis, neta de Thetys, uma das nereidas, ninfas do mar. Thetis aparece no livro “Os Lusíadas” de Camões. É ela quem, na Ilha dos Amores, apresenta a Vasco da Gama a “máquina do mundo”, como recompensa pelas dificuldades encontradas nos mares durante as navegações. Na obra, a ilha é em si uma recompensa idílica aos marinheiros, onde se unem às nereidas através do amor. A equidade entre imortais e mortais supera a distância temporal entre eles, que possibilita a Vasco da Gama receber a “máquina do mundo”. Penso essa experimentação como uma ilha-máquina capaz de gerar um mundo; um local idílico que possibilita a superação da mortalidade através de um brotamento infinito. É claro que essa ilha-máquina não tem a pretensão de substituir a paisagem. A bomba em algum momento parará de funcionar, a energia elétrica que a move em algum momento será interrompida, a madeira do invólucro em algum momento irá ceder. Não à toa, o canto IX é o trecho mais utópico do épico de Camões.


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Serra Pelada


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“Serra Pelada” foi diretamente motivada pela entrevista “Entropy Made Visible”, de Robert Smithson. Foi difícil ler a entrevista de Smithson e não sentir a necessidade de a espacializar através da busca de imagens de satélite do Lago de Salton Sea; busca, inclusive, que ilustra o capítulo deste trabalho que leva o nome da entrevista. Ela levou à frustração já comentada anteriormente de tentar apreender – sem sucesso - a paisagem através das imagens de satélite. Em um determinado momento da entrevista, Smithson comenta sobre os três estágios da exploração de minérios: a paisagem “selvagem” (wilderness), o buraco surgido através da exploração do minério, e o futuro incerto daquela paisagem. Como escreve Milton Santos, essa paisagem é essencialmente transtemporal; como forma de me aprofundar na justaposição dos tempos – ou estágios – na paisagem, retornei a um texto visto pela primeira vez nos primeiros anos de faculdade, “The City of Artificial Excavation28”, de Peter Eisenman. O texto foi apresentado como memorial de projeto da proposta de habitação social de Eisenman ao concurso “South Friedrichstadt as a Place to Live and Work”, organizado pela Internationale Bauausstellung (IBA), como parte das estratégias de ocupação da Berlim Ocidental em 1981. Eiseman diz nos primeiros parágrafos do texto que os centros das grandes cidades têm sido - à época do texto - transformados em objetos de fetiche. Neles, alguns fragmentos são preservados como em um museu natural, ou então são remontados como animais empalhados. Diz que a cidade Berlim, no entanto, oferece uma alternativa a esses processos: “[a cidade de Berlim] é um objeto único: o local de um vazio histórico. O muro que percorre seus arredores e a atravessa já a torna quase uma cidade-museu. É um organismo recortado de uma parte dele mesmo, e uma capital recortada de seu próprio país. Portanto é a essência do fragmento: um pedaço petrificado de algo velho e um pedaço vivo de outro “algo”. Ao exibir, inevitavelmente, a presença do que era, torna-se a memória de sua própria história interrompida.”

Página anterior: Figura 13: Lago da cratera de Serra Pelada, Curionópolis, Pará. Fonte: Google Earth 28. Peter Eisenman, “The City of Artificial Excavation “. Publicado originalmente em 1981. In: JeanFrançois Bedard (org.) - “Cities of Artificial Excavation: The Work of Peter Eisenman, 1978-1988”. Nova York, Rizzoli International, 1994


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A quadra do concurso, localizada na interseção entre a Friedrichstrasse e o muro de Berlim, é para Eisenman o local paradigmático dessa noção de memória, já que foi palco de diversas transformações significativas ao longo da história alemã. É local de uma memória ambivalente, já que coexistem a memória de algo que já ali existiu, como também o embalsamento de algo que existe no presente. Tanto o muro quanto o Checkpoint Charlie, que está ao lado da quadra de projeto, incorporam as duplas condições de separação e conexão, exclusão e inclusão. A estratégia utilizada por Eisenman diante do constatado é dupla: a primeira, expor a história daquela quadra, tornando visível tudo aquilo que algum dia já foi algo singular; a segunda é assumir que Berlim pertence ao mundo, que suas especificidades e identidade foram sacrificadas na história moderna, e que agora - à época do texto - ela é o encontro de todos os lugares e ao mesmo tempo de nenhum. Essa dualidade, para Eisenman, é expressa na arquitetura através da anti-memória, que ele define como sendo:

“[...]diferente da memória sentimental ou nostálgica, já que não demanda e nem busca um passado (ou um futuro). Mas também não é apenas esquecimento, porque usa o ato de esquecer, de depurar o padrão anterior, para chegar em sua própria ordem ou estrutura. A memória obscurece a realidade do presente, isto é, tenta negar a existência do Muro de Berlim a fim de restaurar alguma ideia de passado. Antimemória, no entanto, obscurece a realidade do passado - passado que gera a realidade do não-lugar do presente - para gerar outro lugar, algum lugar. A Anti-memória não procura um progresso, não clama por um futuro perfeito ou uma nova ordem, não faz previsões [...] envolve a construção de um lugar que deriva sua ordem do obscurecimento do resgate de seu próprio passado. Dessa forma, memória e anti-memória se opõem e se colidem para produzir um objeto suspenso, um fragmento congelado que não é do passado e nem do futuro, um lugar. Digamos que pertencente ao seu próprio tempo.”


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Eisenman recorre a um procedimento de “escavação artificial”, transformando o terreno em um sítio arqueológico; primeiro, inserindo o terreno dentro das coordenadas cartesianas de Mercator, localizando-o no mundo da forma mais neutra e artificial possível; esse grid é então sobreposto aos edifícios pré-existentes do terreno. Segue-se então a escavação dos muros da Berlim do século XIX; não os muros que existiram, mas uma proposta artificial deles e de suas posições, com base nos edifícios préexistentes do terreno. Da mesma forma, vão sendo incluídas informações como as tipologias de quadra existentes, os muros do século XIX, e por fim o Muro de Berlim. A intensa sobreposição e consequentemente enfraquecimento individual destes diversos sistemas de grids, eixos e informações do espaço constroem a Anti-memória. “O terreno se torna um local de atividade e reflexão [...] [os edifícios resultantes] enquanto formas não recordam ao passado, validam o presente ou aspiram ao futuro. Suas escalas e proporções são próprias [...] o restante do terreno se dedica à autorreflexão. Torna-se um museu de sua própria arqueologia- a arqueologia que se revela pela primeira vez pela escavação artificial.”

A sobreposição dos textos de Smithson e Eisenman me levou ao garimpo de Serra Pelada, que coincidentemente começou a ser explorado em 1981, ano em que Eisenman escreveu “The City of Artificial Excavation”. O processo dessa experimentação partiu da escolha de três momentos da paisagem do garimpo; o anterior à descoberta do ouro, o da cratera resultante da exploração máxima e o atual, pós alagamento, lago artificial. Diferentemente do projeto de Einsenman, aqui o projeto se dá com base em um terreno que não é o do presente. É adotado o espaço de tempo intermediário em que o garimpo, alagado acidentalmente pela primeira vez, é drenado para a continuação da exploração. Nos dias de hoje, só se preserva o perímetro da cratera gerada pela exploração,


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Figura 14: Office of Eisenman/ Robertson Architects, Modelo de Apresentação de “IBA Social Housing”. Tília Americana pintada, papelão e acrílico, 7 x 22 x 27cm, 1981. 29. Ver Sebastião Salgado, “Gold - Mina de Ouro Serra Pelada”. Curadoria de Lélia Wanick Salgado, São Paulo, SESC Paulista, 2019. In: sescsp.org.br

nivelado pelo corpo d’água que esconde a profundidade de duzentos metros, que é o ponto de partida. Através de imagem em escala retirada do Google Earth, tracei o limite do corpo d’água, conseguindo extrair suas medidas. Antes de se tornar cratera, Serra Pelada era uma montanha, de cento e cinquenta metros de altura. Não é possível resgatar a superfície topográfica exata dessa montanha, tampouco a superfície do fundo do lago; é possível incorporar essas medidas, no entanto, através da escavação artificial. A montanha foi dividida pelos homens que chegavam ao garimpo em “barrancos”, pedaços de terra de dois por três metros destinados à exploração de cada garimpeiro, e depois cada grupo de garimpeiros. A forma encontrada de organizar e dividir a montanha nos barrancos tão


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pequenos é inusitada. Sobrepor esse grid sobre uma montanha de topografia de inclinação acentuada, e partir desse grid para escavar um terreno de forma a aumentar ainda mais essa inclinação torna a sua apreensão extremamente difícil. Realizei então a sobreposição desse grid de 2x3m sobre o perímetro, em planta. O próximo passo foi escavar e aterrar artificialmente a partir do perímetro. Desenhei uma série de curvas de nível livres, sem qualquer correspondência com a realidade correspondendo a níveis aleatórios, apenas com a obrigação de a mais alta corresponder a 150 metros de altura. Em seguida, inverti essas curvas e as estiquei, para gerar uma superfície espelhada, que por sua vez contemplasse ao invés dos 150 metros de altura da montanha os 200 metros de profundidade da cratera. A partir desses dados, gerei um volume de terra equivalente ao indicado pelas curvas de níveis. Não pretendo que esse volume seja equivalente ao real, ou ainda que seja uma aproximação. Ele é um volume correspondente a esse lugar criado na experimentação, através de uma depuração da memória (que se torna apenas o registro das alturas de 150m e 200m e do grid de 2x3m) e do presente como ponto de partida. Ele é um fragmento que atinge sua totalidade a partir da sobreposição desses dados depurados, que o desvinculam do presente e da memória, e o tornam um fragmento da Anti-memória. O último passo, já com o modelo tridimensional, é a criação de dois planos de seção, um vertical e outro horizontal. A área seccionada nos dois cortes é preenchida, então, com um grid ou de 3x3m, ou de 2x3m. A transposição do grid da superfície horizontal para a vertical adiciona a possibilidade de contabilizar o processo de escavação, atribuindo a ele uma temporalidade expressa não em tempo, mas em medida de profundidade de escavação. As seis imagens desta experimentação são pensadas para a exposição


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em um conjunto de três pranchas, cada uma com um metro e meio de altura, a metade da altura indicada nos cortes representados. Na montagem deste trabalho na sala do meu apartamento, ficam registrados à noite sobre as pranchas as linhas dos caixilhos da sala e dos fios de alta tensão dos postes da rua, que juntos compõem um grid externo ao sítio de Serra Pelada, mas interno ao desenvolvimento do trabalho como um todo.


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Totêmico + Suiseki


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São dois trabalhos distintos, mas pensados para serem exibidos em conjunto. Acredito que faça mais sentido apresentá-los, então, primeiro a partir dos seus processos individuais e depois a partir das fotografias da montagem que exibe os trabalhos em conjunto. “Totêmico” surgiu a partir da leitura de “O Pensamento Selvagem”, e da interpretação do totem pelo antropólogo. Os totens eram até então entendidos como símbolos ingênuos da relação entre homem e natureza de sociedades primitivas, o que é desmentido por Lévi-Strauss, que os entende como uma outra forma de organização de uma operacionalidade racional. A arte, no entanto, pode fazer com que os dois sistemas coexistam. Aproximando-se do conceito de bricolage, onde o engenheiro e o bricoleur ficam em polos opostos, intermediados pelo artista, nada impede que coloquemos o artista no papel de discutir esse totem que é racional e, ao mesmo tempo, espiritual; que concilie o pensamento racional e o pensamento mítico. Dessa forma, o totem pode se estabelecer como uma junção de dualidades: do técnico e do improvisado; do refinado e do tosco, do racionalizado e do mítico. Penso que o melhor conjunto de referências é o das esculturas de Constantin Brâncusi. Elas apresentam materiais distintos com uma depuração máxima, que se equilibram entre si, de forma ao mesmo tempo racional e emocional. Algumas delas podem até mesmo ser confundidas com totens de sociedades tidas como primitivas, como “Madame L.R.”; Outras apresentam títulos que evocam a mitologia presente na construção conceitual da obra, como “Prometheus”, “The Sorceress” e “Danaïde”30. Em “Totêmico”, todos os elementos se organizam enquanto fragmento de paisagem através do empilhamento, seja na paisagem real ou na paisagem virtual, possível através do vidro sobre o qual os elementos estão dispostos. São eles: um cubo de

30. Constantin Brâncusi, “Madame L.R. (Portrait de Mme L.R.)”. Carvalho, 117cm, 1914-17. “Prometheus”. Mármore branco, 13.7 x 17.8 x 13.7 cm, 1911. “The Sorceress”. Nogueira e calcário, 113.7 x 49.5 x 64.8 cm, 1916-24. “Danaïde”. Bronze e Calcário, 40,5 x 17,1 x 21 cm, 1918.


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concreto, um prisma de chapas de aço, um prisma de compensado cru e a peça composta por parafina e terra. A intenção de reunir um conjunto de materiais próprios da construção da paisagem não os fazem ser muito diferentes dos que são reunidos com a intenção de formar um conjunto de materiais próprios da construção da escultura. O que mais diferem é no acabamento, na polidez, na forma que tomam. A base de “Totêmico” é uma peça de concreto, muito próxima das peças que compõem as bases de muitas das esculturas de Brâncusi. Os outros materiais, que são passíveis de terem suas formas finais previstas, seguem a mesma forma dessa base em planta, variando apenas em altura. O destaque aqui é o material registrado em sua organicidade, fora do meu controle: a parafina moldada sobre terra despejada. Sua execução se dá de forma similar à do concreto em “Despejo Inicial”, mas de forma mais contida. Terra é despejada em uma fôrma de compensado com vazio de 13x13x13cm a partir de um de seus cantos, até cobrir totalmente o fundo da fôrma. Em seguida, são despejadas sucessivas camadas de uma mistura de parafina com cera de soja, até que a terra seja completamente coberta. A parafina derretida transparente à medida que esfria vai se esbranquiçando, primeiro pelas suas bordas e depois pelo surgimento de manchas que lembram pequenas nuvens. O material sofre uma retração quando totalmente resfriado, o que gera uma pequena depressão no centro da peça. É então adicionada uma última camada de parafina a fim de regularizar a superfície. Com a retirada das fôrmas, é possível ver os veios do compensado nas superfícies laterais da peça, bem como algumas farpas que ficaram presas na parafina. A informação do negativo do despejo da terra registrado nela independe de um plano base, o que permite que a peça possa ser posicionada de qualquer forma. Ela


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só adquire um plano base quando é colocada acima do prisma de compensado, equivalendo as dimensões de uma das suas faces às dos outros elementos que compõem o trabalho. A leve translucidez da parafina faz com que ela pareça emitir luz quando colocada ao lado dos outros materiais, principalmente na contraposição direta com a terra escura. É esse material que ganha forma a partir da junção entre o orgânico, a paisagem natural, e a ação humana, expressa pela restrição dos outros materiais a prismas que não são próprios da linguagem orgânica da paisagem natural. É ela que realiza o percurso entre a face quadrada dos prismas e a superfície orgânica do despejo de terra. O vidro sob o totem explicita as conexões entre material e imaterial. Diferentemente do espelho, ao mesmo tempo que reflete a escultura mantém visíveis as características do local onde ela se insere, reforçando a conexão entre esses dois mundos através da sobreposição de matéria e imagem virtual, além de multiplicar o movimento ascendente e ao mesmo descendente da escultura. Assim como a “Endless Column31” (1918), de Brâncusi, ela tem um começo e um fim material, mas se prolonga infinitamente de forma imaterial.

31. Constantin Brâncusi, “Endless Collumn”. Ferro fundido, 29,3 m de altura, Târgu Jiu, Romênia, 1938.


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“Suiseki” é motivada pela pedra de mesmo nome, e tem relação direta com a discussão explicitada no capítulo “Considerações Sobre o Fragmento”. É intencionalmente mais figurativa quando contraposta a “Totêmico”, e se baseia nos princípios básicos que regem as Suisekis originais. Uma peça sobre uma base, que corresponde a uma paisagem de alguma forma, e que pode ser carregada por uma pessoa. Aqui, os dois elementos originais são substituídos: a base de madeira por uma base de ferro, e a pedra pela peça de parafina moldada em terra, que é novamente destaque. Os processos de elaboração da peça de parafina são similares ao trabalho anterior, mas com o interesse de estender a peça horizontalmente e moldá-la a partir de despejos em diversos pontos da fôrma, emulando por esse despejo uma cordilheira. Sobre esse despejo, foram despejadas camadas de parafina até a altura desejada. Após desenformar a peça, no entanto, pude observar um resultado que não havia sido pensado inicialmente. A parafina ao ser despejada na área mais baixa da superfície gerada pelo despejo de terra atingiu o fundo da fôrma, empurrando a terra para as laterais, o que gerou uma espécie


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de planalto, que não seria atingido com a mesma organicidade se tivesse sido pensado. Esse planalto, no entanto, foi muito oportuno para ressaltar a horizontalidade da peça, em detrimento de um aspecto ascendente, próprio da relação entre base e pico. Assim, é criado um limite para a expansão vertical da peça, que se torna inscrita em um prisma virtual. O surgimento desse planalto faz com que o trabalho se aproxime da mitologia. Em uma passagem de “Montanhas da Mente”, Robert McFarlane aponta que a conquista do Everest se deu pelos ocidentais pois não havia interesse dos povos tibetanos que viviam ao pé da montanha de atingir o seu pico, já que o topo das montanhas era a morada dos deuses. O planalto no trabalho então cria um plano de corte que assinala o limite que é designado à apreensão humana. Diante desse corte, achei interessante revestir esse planalto em ouro 24 quilates, atribuindo a ele o minério mais precioso em sua forma manipulável mais pura. Esse revestimento transforma o planalto em uma espécie de altar no limite apreensível da montanha.


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Serrapilheira


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Em dezembro de 2020, me deparei pela primeira vez com a palavra que dá título a este último trabalho, enquanto lia um texto de João Moreira Salles para a revista Piauí, parte de um dossiê feito pelo autor tendo abordando diversas questões relativas à Amazônia32: “O grande obstáculo à compreensão fina da floresta, a verdadeira complexidade a ser enfrentada, está na relação entre as espécies, no modo como elas interagem entre si. Uma floresta tropical é essencialmente uma cadeia de interdependências. A começar pelo fato extraordinário de ela viver de si mesma. Passeando pela mata densa do Parque Estadual do Utinga, um remanescente florestal dentro de Belém, Joice Ferreira (ecóloga que acompanha o autor) aponta para o chão. Uma camada espessa de matéria orgânica – folhas, ramos, flores – recobre o solo. É a serrapilheira. “Tudo aqui se decompõe muito rápido”, ela explica. “Uma folha vive cerca de dois anos; o que vem depois é a retranslocação, a devolução para a floresta. O solo é muito pobre, então não é dali que as plantas extraem a maioria dos nutrientes de que precisam. É da serrapilheira. A árvore mais alta e a menor herbácea vivem dela. Ou seja, a floresta se alimenta da floresta.””

Decidi então fazer uma transposição do conceito de serrapilheira da paisagem da floresta para o âmbito das experimentações aqui mostradas, coletando as matérias utilizadas e descartadas das paisagens finais de cada trabalho, e tornando-as passíveis de fomentar novas investidas. Reuni então todas as fôrmas utilizadas na produção de “Ilha dos Amores”, “Totêmico” e “Suiseki” – as fôrmas de “Despejo Inicial”, assim como a peça resultante, estão no canteiro experimental da FAUUSP, portanto inacessíveis no contexto pandêmico – algumas com registros de terra, outras com os registros das camadas de concreto e argamassa, outras ainda com leves registros das camadas de parafina. Com exceção do prisma retangular de concreto utilizado em “Totêmico”, que imprimiu em suas fôrmas retângulos exatos, as outras peças moldadas têm seus volumes finais inapreensíveis a partir de suas

32. João Moreira Salles, “Arrabalde, parte II: Sete Bois em Linha”. Publicado em Revista PIauí #171. Rio de Janeiro, Editora Alvarenga, Dez. 2020.


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fôrmas. As fôrmas estão organizadas com suas faces internas voltadas para cima, mantendo os pregos originais, formando em planta um retângulo. Elas constituem uma pequena topografia; uma composição de expressões bidimensionais que se referem a algo tridimensional. Os dois vidros colocados a 90º um do outro, apoiados nas paredes e junto às laterais desse retângulo em planta, sugerem as faces de um cubo que se desdobram para fora. A posição dos vidros em relação às fôrmas faz com que elas sejam refletidas com certa angulação. Esse reflexo, projetado em épura, permite que as fôrmas se repliquem virtualmente através dos eixos horizontal e vertical. A topografia gerada pelo empilhamento das fôrmas tem o sentido ascendente reiterado pela verticalidade dos pregos. Juntos, eles emulam uma intenção de preenchimento do volume vazio do cubo que não está ali. A contenção das fôrmas e dos vidros em um cubo virtual tem a intenção de constituir um fragmento de paisagem, mas também de constituir o mecanismo de liberação de um fragmento inapreensível, posto na imaterialidade.


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Conclusão O breve texto com o qual concluo tanto este trabalho como a graduação é uma feliz reflexão sobre o caminho percorrido entre a teoria e a prática. Os processos que se desencadearam para que este trabalho tenha sido construído foram decididos em conjunto com a imprevisibilidade, ora motivada pelo comportamento das matérias-primas, ora motivada pela pandemia. Essa relação com o imprevisto - e consequentemente com o possível - foi fundamental para a aproximação à bricolage, e de um melhor entendimento da posição arquiteto diante do canteiro. A reflexão da paisagem não apenas como fragmento mas como interior ao meu lar se mostrou imensamente frutífera, e foi fundamental para que a maior parte dos trabalhos tenha se desenvolvido. Apresento “Sobre a paisagem” com a vontade de continuar explorando os conceitos aqui descritos, sobrepondo os campos da arquitetura e da arte.


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Figura 08: Salton Sea, Califórnia, Estados Unidos da América. Fonte: Google Earth Figura 09: Detalhe de CLOUET, François. Elisabeth d’Autriche (15541592) reine de France. 1571. Óleo sobre tela. 250x370cm. Fotografia por MARÉCHALLE, Stéphane. Disponível em: < https://art.rmngp.fr/fr/ library/artworks/francois-clouet_elisabeth-d-autriche-1554-1592-reinede-france-femme-de-charles-ix_huile-sur-bois_perle-materiau>. Acesso em 17 fev. 2021. Figura 10: ENSAMBLE STUDIO. Structures of Landscape. 2016. Fotografia por BAAN, Iwan. Disponível em: < https://divisare.com/projects/344507ensamble-studio-iwan-baan-structures-of-landscape>. Acesso em 25 nov. 2020. Figura 11: ENSAMBLE STUDIO. Structures of Landscape. 2016. Fotografia por BAAN, Iwan. Disponível em: < https://divisare.com/projects/344507ensamble-studio-iwan-baan-structures-of-landscape>. Acesso em 25 nov. 2020. Figura 12: Still de BERGMAN, Ingmar. Jungfrukällan. 1960. Suécia, Svensk Filmindustri, 1960. Figura 13: Lago da cratera de Serra Pelada, Curionópolis, Pará. Fonte: Google Earth Figura 14: Office of EISENMAN/ROBERTSON Architects. Modelo de Apresentação de “IBA Social Housing”. 1981. Tília Americana pintada, papelão e acrílico, 7 x 22 x 27cm. In: The City of Artificial Excavation. Publicado originalmente em 1981. In: Jean-François Bedard (org.) Cities of Artificial Excavation: The Work of Peter Eisenman, 1978-1988. Nova York, Rizzoli International, 1994. As demais imagens presentes neste trabalho são de autoria própria, e estão devidamente descritas ao longo do texto.


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