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A versatilidade e talento do flautista Andréa Ernest Dias

FLAUTA PARA ADMIRAR Flauta para admirar

Andréa Ernest Dias mostra por que é uma das grandes fl autistas da atual geração e conta como a infl uência familiar a fortaleceu como instrumentista

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Filha da consagrada fl autista Odette Ernest Dias, irmã do pianista Carlos Ernest Dias, Andréa conviveu com a música – leia-se fl auta – desde que nasceu. A mãe, francesa, veio para o Brasil com 22 anos, contratada para trabalhar na Orquestra Sinfônica Brasileira, em 1952. Por aqui fi cou, constituiu família e hoje, dos seis fi lhos, cinco são músicos, incluindo Andréa. “Minha mãe é uma grande solista, trabalhou nas grandes orquestras da rádio Nacional e nas orquestras da TV Globo, nos anos 1950. Tem uma experiência muito diversifi cada em música e nos passava isso quando éramos crianças. Convivi com música popular, mas também de concerto”, lembra a fl autista. Amparada pelo talento genético, Andréa decidiu estudar música de forma acadêmica. Formou-se em Flauta pela Universidade de Brasília (com a mãe como uma das professoras) e fez pós-graduação pela Universidade Federal do Rio de Ja

INFLUÊNCIAS MUSICAIS • Odette Ernest Dias

• Chiquinho do Acordeon • Netinho do Clarinete -“Foi um excelente clarinetista da Orquestra Pixinguinha, no Rio de Janeiro e da rádio Nacional. Tinha uma experiência incrível.” • Maciel do Trombone, Franklin da Flauta e Mauro Senise, com quem a flautista toca no Quinteto Pixinguinha

neiro, com uma tese sobre a expressão da fl auta popular brasileira. Estudou na Europa com grandes músicos, entre eles, Pierre-Yves Artaud, um dos mais infl uentes fl autistas franceses da atualidade. “Ele é um pesquisador e grande incentivador da música contemporânea”, avalia Andréa, que participa de várias orquestras e bandas, como a Ouro Negro, de Moacir Santos, nos moldes das big bands tradicionais. “Também trabalho muito em estúdio, desde os anos 1980, com música instrumental. Toco com o Pife Muderno, com quem gravei dois CDs, além da Orquestra Pixinguinha, uma orquestra de sopros, que inclusive gravou os arranjos originais dele, e ainda toco na Orquestra Sinfônica”, enumera. Com tanto trabalho, gravar um CD próprio era questão de tempo. “Convidei o Tomás Improta, grande pianista e meu amigo, para fazer um concerto em 2004. Selecionamos o repertório juntos e ficou superbonito. O Tomás é um pianista do jazz com uma cultura erudita muito forte. A mãe dele foi concertista internacio

nal e o pai, Eurico Nogueira França, era um grande crítico de música, escreveu vários livros na área”, explica Andréa. “Como venho nesse caminho de vários músicos diferentes, com estilos diversos, música de concerto, suingada, bossa nova, nos reunimos e encontramos essa síntese das atividades que desenvolvemos

SETUP DE ANDRÉA • Para concertos: Flauta Miyazawa • Flauta baixo, Armstrong

• Flauta em Sol, Gemeimhardt • Flautim King - “Tinha um de ébano, maravilhoso, mas sofri um assalto no ano passado e levaram embora justamente esse.”

juntos”, diz. O CD, intitulado Andréa Ernest Dias e Tomás Improta - Flauta e Piano, foi gravado em 2004 e lançado pela Biscoito Fino no fim do ano passado. Vale destacar uma participação especial: a masterização foi feita pelo pianista Lelo Nazário. “É um músico sensacional, que lapidou tudo e fez uma moldura, em termos de qualidade sonora, para o disco”, elogia a flautista.

O encontro de dois instrumentistas de percursos tão diversos e abrangentes resultou em um disco de referências plurais e sonoridade singular. Neste novo e inédito trabalho, Andréa e Improta buscaram um repertório diversificado, voltado para o popular: Edu Lobo, Pixinguinha e Moacir Santos fazem parte das faixas. “Incluímos apenas dois clássicos, Après un Revê, de Gabriel Fouré e uma seresta do Villa-Lobos, Saudades de MiImprota e Andréa: parceria para valorizar repertório bem selecionado

Formação musical no Brasil Repertório popular

nha Vida, original para voz, substituída pela flauta, e piano”, comenta a flautista, que cita ainda So in Love, de Cole Porter, clássico da música americana e Choro Bandido, de Edu Lobo e Chico Buarque. No show do disco, há a apresentação de quatro canções bônus: Coração Vagabundo (Caetano Veloso), Paraíso (de Moacir Santos, gravada no CD Choros e Alegria, da Banda Ouro Negro, em que Andréa participa), Estrada Branca, de Tom Jobim e Horas, de Dorival Caymmi. “Escolhemos músicas pouco gravadas. Criamos um clima próximo da new age. Pixinguinha não poderia ficar de fora.

Para a flautista, é preciso explorar a habilidade natural do brasileiro com a música. “Temos a característica de nos formar muito na música popular e, ao mesmo tempo, trabalhar com o mercado erudito, também na chamada música de câmara popular erudita”, conta ela, dando o exemplo da Orquestra Popular de Câmara, em São Paulo; da Escola Portátil de Música, uma escola de choro no Rio e do Conservatório de Música Popular, em Curitiba, além da UniRio e da própria UFRJ, ambas cariocas, que têm bacharelado em música popular, e da Universidade Livre de Música, em São Paulo.

A formação acadêmica, na opinião de Andréa, ajuda também na evolução técnica do instrumentista. “O estudo teórico ajuda a conhecer e entender as características de cada estilo. Se você pegar como exemplo a música Segura ele, um choro rápido do Pixinguinha, sem uma boa técnica de stacatto e dedilhado, você não consegue tocar. Sem uma boa técnica de emissão, não dá para fazer uma valsa do Edu Lobo e por aí vai”, explica.

Dois CDs, dois estilos: em Os Bambas da Flauta (Kuarup), Andréa faz participação especial e explora o repertório de Patápio e Callado. Acima, seu primeiro CD-solo.

DICAS DA FLAUTISTA • O músico deve estar sempre atualizado: desde ir para Caruaru ouvir as bandas de pife até ir às salas de concerto, fazer silêncio e ouvir. “O ideal é aprender a lidar com as mais diversas manifestações musicais.” • Experimentar epertório de música contemporânea. • Estudar o clássico: sonatas de Bach, Mozart. “São estilos que nos conduzem por um caminho de profissionalização.” • No quesito manutenção, Andréa passa apenas pano seco por dentro e fora, para tirar a gordura dos dedos. “Se precisar de sapatilhamento, mando o instrumento para meu luthier no Rio, o Franklin da Flauta.”

Optamos por um andamento de tango, distinto do choro tradicional. A música de Jacob do Bandolim, gravada em um único take, abre o CD, marcado também por muitos momentos de improviso”, destrincha Andréa.

Dentre os standards, Coisa Número 9, de Moacir Santos: “Conheci a obra de Moacir a partir do disco Ouro Negro. Nesta faixa, utilizo fl autas graves, com um timbre bem característico. Tomás criou um arranjo em 12/8, que Moacir ouviu e aprovou. Há um elemento quase percussivo no arranjo”, avalia Andréa.

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