Afonso Sousa - Poesia

Page 1

Escola Artística António Arroio Língua Portuguesa - Poesia

Prof.ª Elisabete Miguel Afonso Sousa – n.º 1 – 10.º ano – F 2011-2012



Índice: •

Introdução

Fernando Pessoa

Luís de Camões

Alexandre O’Neill

O porquê

Minha ilustração

Conclusão

Fontes



Na disciplina de português, a professora sugeriu que fizéssemos um “dossiê de poesia”, com 20 poemas,do

nosso agrado e que, desses 20 poemas, escolhêssemos um , ilustrando-o com um desenho ou fotografia de nossa autoria, explicando o porquê da nossa seleção. Optei por, neste meu trabalho, subordinado ao tema ‘vida’, apenas incluir poemas de Fernando Pessoa, de Luís de Camões e de Alexandre O’Neill. Selecionei e ilustrei, por ser o meu preferido, o poema de Fernando Pessoa “renego lápis partido”.

Fotografia: do post Life Is Good



Fernando Pessoa


Verdadeiramente Verdadeiramente

Nada em mim sinto. Há uma desolação Em quanto eu sinto. Se vivo, parece que minto. Não sei do coração

Outrora, outrora Fui feliz, embora Só hoje saiba que o fui. E este que fui e sou, Margens, tudo passou Porque flui.

6-4-1934 Poesias Inéditas (1930-1935)


O que é vida e o que é morte

O que é vida e o que é morte Ninguém sabe ou saberá Aqui onde a vida e a sorte Movem as coisas que há.

Mas, seja o que for o enigma De haver qualquer coisa aqui, Terá de mim próprio o estigma Da sombra em que eu o vivi.

10-4-1934 Poesias Inéditas (1930-1935)


Renego, lápis partido, Renego, lápis partido, Tudo quanto desejei.

E nem sonhei ser servido Para onde nunca irei.

Pajem metido em farrapos Da glória que outros tiveram,

Poderei amar os trapos Por ser tudo que me deram.

E irei, príncipe mendigo, Colher, com a boa gente,

Entre o ondular do trigo A papoila inteligente.

12-4-1934 Poesias Inéditas (1930-1935).


Montes, e a paz que há neles, pois são longe... Montes, e a paz que há neles, pois são longe... Paisagens, isto é, ninguém... Tenho a alma feita para ser de um monge Mas não me sinto bem.

Se eu fosse outro, fora outro. Assim Aceito o que me dão, Como quem espreita para um jardim Onde os outros estão.

Que outros? Não sei. Há no sossego incerto Uma paz que não há, E eu fito sem o ler o livro aberto Que nunca mo dirá...

9-5-1934 Poesias.


Cessa o teu canto! Cessa o teu canto! Cessa, que, enquanto O ouvi, ouvia Uma outra voz

Como que vindo Nos interstícios

Foi tua voz

Que anjo, ao ergueres

Encantamento

A tua voz

Que, sem querer,

Sem o saberes

Nesse momento

Veio baixar

Vago acordou

Sobre esta terra

Um ser qualquer

Onde a alma erra

Alheio a nós

E com as asas

Que nos falou?

Soprou as brasas

Do brando encanto Com que o teu canto Vinha até nós.

Ouvi-te e ouvi-a No mesmo tempo

De ignoto lar? Não sei. Não cantes! Deixa-me ouvir

Não cantes mais!

Qual o silêncio

Quero o silêncio

Que há a seguir

Para dormir

A tu cantares!

Qualquer memória

E diferentes Juntas a cantar.

E a melodia Que não havia, Se agora a lembro, Faz-me chorar.

Da voz ouvida, Ah, nada, nada!

Desentendida,

Só os pesares

Que foi perdida

De ter ouvido,

Por eu a ouvir...

De ter querido Ouvir para além

9-5-1934

Do que é o sentido

Poesias

Que uma voz tem.


Houve um ritmo no meu sono, Houve um ritmo no meu sono, Quando acordei o perdi.

Porque saí do abandono De mim mesmo, em que vivi?

Não sei que era o que não era. Sei que suave me embalou,

Como se o embalar quisera Tornar-me outra vez quem sou.

Houve uma música finda Quando acordei de a sonhar.

Mas não morreu: dura ainda No que me faz não pensar.

11-6-1934 Poesias.


Já me não pesa tanto o vir da morte. Já me não pesa tanto o vir da morte. Sei já que é nada, que é ficção e sonho, E que, na roda universal da Sorte, Não sou aquilo que me aqui suponho.

Sei que há mais mundos que este pouco mundo Onde parece a nós haver morrer — Dura terra e fragosa, que há no fundo Do oceano imenso de viver.

Sei que a morte, que é tudo, não é nada, E que, de morte em morte, a alma que há Não cai num poço: vai por uma estrada. Em Sua hora e a nossa, Deus dirá.

6-7-1934 Novas Poesias Inéditas.


Do fundo do fim do mundo

Do fundo do fim do mundo Vieram me perguntar Qual era o anseio fundo Que me fazia chorar.

E eu disse: «É esse que os poetas Têm tentado dizer Em obras sempre incompletas Em que puseram seu ser.»

E assim com um gesto nobre Respondi a quem não sei Se me houve por rico ou pobre.

14-7-1934 Poesias Inéditas (1930-1935)


A lâmpada nova A lâmpada nova No fim de apagar Volta a dar a prova

De estar a brilhar.

Assim a alma sua Deveras desperta Quando a noite é nua

E se acha deserta.

Vestígio que ergueu Sem ser no lugar De onde se perdeu...

Nasce devagar!

3-8-1934 Poesias Inéditas (1930-1935)


Não digas nada! Não digas nada! Não, nem a verdade! Há tanta suavidade Em nada se dizer E tudo se entender — Tudo metade De sentir e de ver... Não digas nada! Deixa esquecer.

Talvez que amanhã Em outra paisagem Digas que foi vã Toda esta viagem Até onde quis Ser quem me agrada... Mas ali fui feliz... Não digas nada. 23-8-1934 Poesias Inéditas (1930-1935)



Luís de Camões


Sete anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; mas não servia ao pai, servia a ela,

e a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia, passava, contentando-se com vê-la; porém o pai, usando de cautela

em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos lhe fora assi negada a sua pastora, como se a não tivera merecida,

começa de servir outros sete anos, dizendo: - Mais servira, se não fora para tão longo amor tão curta a vida…


O céu, a terra, o vento sossegado… As ondas, que se estendem pela areia… Os peixes, que no mar o sono enfreia… O nocturno silêncio repousado…

O pescador Aónio, que, deitado onde co vento a água se meneia,

chorando, o nome amado em vão nomeia, que não pode ser mais que nomeado:

- Ondas (dezia), antes que Amor me mate, tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo

me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate, move-se brandamente o arvoredo; leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.


Enquanto quis Fortuna que tivesse Esperança de algum contentamento,

o gosto de um suave pensamento me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse minha escritura a algum juízo isento,

escureceu-me o engenho co tormento, para que seus efeitos escrevesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos a diversas vontade! Quando lerdes num breve livro casos tão diversos, verdades puras são, e não defeitos…

E sabei que, segundo o amor tiverdes, tereis o entendimento de meus versos!


Aquela triste e leda madrugada,

cheia toda de mágoa e de piedade, enquanto houver no mundo saudade quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada

saía, dando ao mundo claridade, viu apartar-se de ua outra vontade, que nunca poderá ver-se apartada.

Ela viu as lágrimas em fio,

que de uns e de outros olhos derivadas se acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas que puderam tornar o fogo frio

e dar descanso às almas condenadas.


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança;

do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria,

e, em mim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia, outra mudança faz de mor espanto, que não se muda já como soía.


Alexandre O’Neill


AMÔRE

O Amôre, graça de mau gosto, muitas vezes na boca, sempre no sentimento, veio, trota trotando, ter comigo.

Trazia a língua de fora, tropeçava nela, fazia-se cansado, era apenas piegas.

Por que volta a bestiúncula

a rondar-me o terreiro?

É camaradagem ou aragem de cama?

Desapossados é que estamos livres para caminhar.


A VIDA DE FAMÍLIA

a vida de família tornou-se bem difícil com as contas a pagar os filhos a fazer ou a evitar a ranhosa a limpar a vida de família não tem razão de ser

não tem ração de querer

a vida de família jangada da medusa é o tablado da antropofagia

mas ficam os retratos cristo virgem maria e os sobreviventes, que vão chupando os dentes


Há um anjo para cada português

O RATO E O ANJO

Dos jornais

Anjo guardum pra cada um Da província

Um rato e um anjo da guarda

para cada.

Anjo defende o acto

Mas eis que, nestes enredos,

mau,

há dois a mais, um a menos.

a fazer ou a sofrer. Cai ao anjo a pena, Rato celebra contrato?

ao rato o pelame.

Qual!

Um regressa ao seu enxame, o outro à sua caverna.

Rato rói,

até na orelha.

E o português, desanjado,

Anjo dói

já se vê desratizado.

de outra maneira.

Chora.


DESENQUADROS: AUTOMÓVEL PARADO NA NATUREZA

Qual o nome do pássaro que vai pousar na árvore cujo nome também não se sabe? E aquela menina, ali, no canto inferior esquerdo do desenquadro, que faz à

vaquinha? E a roda que gira espadanando água como se chama? E esses vultos de palha mais além? E o automóvel parado na estrada que serpenteia monte acima? Perdoem! Um desenquadro não pergunta, apresenta.


OS DOIS RAPAZES LADRÕES DE PEIXE

sob o arco do braço peixe voa de cai xote para alcofa

sobraçá-lo seria

ostentar jóia roubada

sem plò nem plu peixe e engu lido por alcofa

a três mãos tocado

peixe triunfa no arco da memória


Poema escolhido


Renego, lápis partido, Renego, lápis partido,

Tudo quanto desejei. E nem sonhei ser servido Para onde nunca irei.

Pajem metido em farrapos Da glória que outros tiveram, Poderei amar os trapos Por ser tudo que me deram.

E irei, príncipe mendigo, Colher, com a boa gente, Entre o ondular do trigo A papoila inteligente.

12-4-1934 Poesias Inéditas (1930-1935).



O porquê Eu escolhi este poema porque é aquele que reflete melhor o meu ser e a minha vida. Contento-me com pouco e acredito que este poema explica bem isso, tenho muito a mania de escolher as pessoas com quem ando e aprendo e vou colhendo a “papoila inteligente” com a “boa gente”. O desenho , de minha autoria, representa uma mulher, que simboliza a vida. Pintei-lhe os cabelos de vermelho como símbolo da liberdade de escolha.

Conclusão

Fiz, com prazer, o desenho para o poema “Renego, lápis partido”, embora, agora, tenha algumas dúvidas quanto à minha inicial interpretação dos versos de Fernando Pessoa.

Aqui chegado, reconheço que tive muita dificuldade em organizar-me, perdi-me na pesquisa e na seleção

dos textos. Procurando encontrar o percurso adequado, acabei por me cingir a apenas três autores diferentes: Pessoa, Camões e O’Neill, o que me possibilitou ficar a conhecer mais e melhor estes poetas.

Deste trabalho, colho vários e importantes ensinamentos para o futuro, sobretudo no que diz respeito à gestão do tempo.


Fontes:

 Poemas de Fernando Pessoa: POESIA III 1934-1935

 Poemas de Luís de Camões: Ler e Comunicar. (manual escolar) 1985  Poemas de Alexandre O’Neill: tomai lá do O’Neil! Uma antologia.

 Poemas de Alexandre O’Neill: Poesias Completas, Assírio & Alvim. 2000  Poemas de Fernando Pessoa: Arquivo Pessoa

Fotografia - aqui


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.