POETAS DE ONTEM E DE HOJE
Professora: Elisabete Miguel Língua Portuguesa
Miguel das Neves – 10º ano – N.º 12 – Turma D – 1
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Introdução
Este trabalho, elaborado no âmbito da disciplina de português, é composto pela minha escolha de 20 poemas, de 20 poetas portugueses diferentes, abrangendo um lapso temporal que pretendi alargado, entre os séculos XV e XXI. Porque gosto muito de escrever, decidi também incluir o texto da minha autoria, de homenagem ao meu país e que intitulei “Eu e Portugal”. Junto do título de cada poema, coloquei a fotografia do seu autor, a data do nascimento e, já tendo acontecido, a da morte. Dos 20 poemas, como foi pedido, escolhi um, ilustrei-o, com uma fotografia tirada por mim, e elaborei um pequeno texto justificativo dessa ilustração. Para terminar, expliquei, sucintamente, a razão da seleção poética, por fim, indiquei os sítios de onde recolhi os poemas aqui colocados.
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POEMAS
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Amigo
Alexandre O’Neill Mal nos conhecemos
(1924-1986)
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo, Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) «Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado, É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, «Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill
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Na idade dos porquês
Professor diz-me porquê? Por que voa o papagaio
Alice Gomes (1910-1983)
Que solto no ar Que vejo voar Tão alto no vento Que o meu pensamento Não pode alcançar?
Professor diz-me porquê? Por que roda o meu pião? Ele não tem nenhuma roda E roda gira rodopia E cai morto no chão...
Tenho nove anos professor E há tanto mistério à minha roda Que eu queria desvendar! Por que é que o céu é azul? Por que é que marulha o mar? Porquê? Tanto porquê que eu queria saber! E tu que não me queres responder!
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Tu falas, falas professor Daquilo que te interessa E que a mim não interessa. Tu obrigas-me a ouvir Quando eu quero falar. Obrigas-me a dizer
Quando eu quero escutar. Se eu vou a descobrir Fazes-me decorar. É a luta professor A luta em vez de amor.
Eu sou uma criança. Tu és mais alto Mais forte Mais poderoso. E a minha lança Quebra-se de encontro à tua muralha.
Mas Enquanto a tua voz zangada ralha Tu sabes professor Eu fecho-me por dentro Faço uma cara resignada E finjo Finjo que não penso em nada.
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Mas penso. Penso em como era engraçada Aquela rã Que esta manhã ouvi coaxar. Que graça que tinha Aquela andorinha Que ontem à tarde vi passar!...
E quando tu depois vens definir O que são conjunções E preposições... Quando me fazes repetir Que os corações Têm duas aurículas e dois ventrículos E tantas Tantas mais definições... O meu coração O meu coração que não sei como é feito Nem quero saber Cresce Cresce dentro do peito A querer saltar cá para fora Professor A ver se tu assim compreenderias E me farias Mais belos os dias.
Alice Gomes
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Os Vendilhões do Templo
Deus disse: faz todo o bem Neste mundo, e, se puderes, Acode a toda a desgraça E não faças a ninguém
António Aleixo (1899-1949)
Aquilo que tu não queres Que, por mal, alguém te faça.
Fazer bem não é só dar Pão aos que dele carecem E à caridade o imploram, É também aliviar As mágoas dos que padecem, Dos que sofrem, dos que choram.
E o mundo só pode ser Menos mau, menos atroz, Se conseguirmos fazer Mais p'los outros que por nós.
Quem desmente, por exemplo, Tudo o que Cristo ensinou. São os vendilhões do templo Que do templo ele expulsou.
E o povo nada conhece... Obedece ao seu vigário, Porque julga que obedece A Cristo — o bom doutrinário.
António Aleixo
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Poema dum funcionário cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos dispersou-me os amigos
António Ramos Rosa
tenho o coração confundido e a rua é estreita
(1924 - )
estreita em cada passo as casas engolem-nos sumimo-nos estou num quarto só num quarto só com os sonhos trocados com toda a vida às avessas a arder num quarto só Sou um funcionário apagado um funcionário triste a minha alma não acompanha a minha mão Débito e Crédito Débito e Crédito a minha alma não dança com os números tento escondê-la envergonhado o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente e debitou-me na minha conta de empregado Sou um funcionário cansado dum dia exemplar Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever? Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço Soletro velhas palavras generosas Flor rapariga amigo menino irmão beijo namorada mãe estrela música São as palavras cruzadas do meu sonho palavras soterradas na prisão da minha vida isto todas as noites do mundo numa só noite comprida num quarto só
António Ramos Rosa
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Cavalo à solta
Minha laranja amarga e doce meu poema feito de gomos de saudade
Ary dos Santos (1937-1984)
minha pena pesada e leve secreta e pura minha passagem para o breve, breve instante da loucura
Minha ousadia meu galope minha rédea meu potro doido minha chama minha réstia de luz intensa de voz aberta minha denúncia do que pensa do que sente a gente certa
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Em ti respiro em ti eu provo por ti consigo esta força que de novo em ti persigo em ti percorro cavalo à solta pela margem do teu corpo
Minha alegria minha amargura minha coragem de correr contra a ternura. Por isso digo canção castigo amêndoa travo corpo alma amante amigo por isso canto por isso digo alpendre casa cama arca do meu trigo
Meu desafio minha aventura minha coragem de correr contra a ternura
Ary dos Santos
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E por vezes...
E por vezes as noites duram meses E por vezes os meses oceanos E por vezes os braços que apertamos
David Mourão-Ferreira (1927-1996)
nunca mais são os mesmos
E por vezes encontramos de nós em poucos meses o que a noite nos fez em muitos anos E por vezes fingimos que lembramos E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos só o sarro das noites não dos meses lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos E por vezes por vezes ah por vezes num segundo se evolam tantos anos.
David Mourão-Ferreira
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Uma chama não chama a mesma chama
Uma chama não chama a mesma chama Há uma outra chama que se chama Em cada chama que chama pela chama
E. M. G. de Melo e Castro (1932 - )
Que a chama no chamar se incendeia
Um nome não nome o mesmo nome Um outro nome nome que nomeia Em cada nome o meio pelo nome Que o nome no nome se incendeia
Uma chama um nome a mesma chama Há um outro nome que se chama Em cada nome o chama pelo nome Que a chama no nome se incendeia
Um nome uma chama o mesmo nome Há uma outra chama que nomeia Em cada chama o nome que se chama O nome que na chama se incendeia
Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro
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Quando estou só reconheço
Quando estou só reconheço Se por momentos me esqueço
Fernando Pessoa (1888-1935)
Que existo entre outros que são Como eu sós, salvo que estão Alheados desde o começo.
E se sinto quanto estou Verdadeiramente só, Sinto-me livre mas triste. Vou livre para onde vou, Mas onde vou nada existe.
Creio contudo que a vida Devidamente entendida É toda assim, toda assim. Por isso passo por mim Como por cousa esquecida.
Fernando Pessoa
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Ser poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja
Florbela Espanca (1894-1930)
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma, e sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
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Soneto
Formoso Tejo meu, quão diferente Te vejo e vi, me vês agora e viste:
F. Rodrigues Lobo (1580-1622)
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste, Claro te vi eu já, tu a mim contente.
A ti foi-te trocando a grossa enchente A quem teu largo campo não resiste; A mim trocou-me a vista, em que consiste O meu viver contente ou descontente.
Já que somos no mal participantes, Sejamo-lo no bem. Oh! quem me dera Que fôramos em tudo semelhantes!
Mas lá virá a fresca Primavera: Tu tornarás a ser quem eras de antes, Eu não sei se serei quem de antes era.
Francisco Rodrigues Lobo
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Adorai, montanhas
Adorai, montanhas, o Deus das alturas,
Gil Vicente
tambĂŠm das verduras.
(1465-1536?)
Adorai, desertos e serras floridas, o Deus dos secretos, o Senhor das vidas. Ribeiras crescidas, louvai nas alturas Deus das criaturas.
Louvai, arvoredos de fruto prezado, digam os penedos: Deus seja louvado! E louve meu gado, nestas verduras, o Deus das alturas.
Gil Vicente
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Vão as serenas águas Vão as serenas águas Do Mondego descendo Mansamente, que até o mar não param; Por onde minhas mágoas
Luís de Camões
Pouco a pouco crescendo,
(1524-1580)
Para nunca acabar se começaram. Ali se ajuntaram Neste lugar ameno, Aonde agora mouro, Testa de nove e ouro, Riso brando, suave, olhar sereno, Um gesto delicado, Que sempre na alma me estará pintado.
Nesta florida terra, Leda, fresca e serena, Ledo e contente para mim vivia; Em paz com minha guerra, Contente com a pena Que de tão belos olhos procedia. Um dia noutro dia O esperar me enganava; Longo tempo passei, Com a vida folguei, Só porque em bem tamanho me empregava. Mas que me presta já, Que tão fermosos olhos não os há?
Oh quem me ali dissera Que de amor tão profundo O fim pudesse ver inda alguma hora!
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Que houvesse aí no mundo Apartar-me eu de vós, minha Senhora! Para que desde agora Perdesse a esperança, E o vão pensamento, Desfeito em um momento, Sem me poder ficar mais que a lembrança, Que sempre estará firme Até o derradeiro despedir-me.
Mas a mor alegria Que daqui levar posso, Com a qual defender-me triste espero, É que nunca sentia No tempo que fui vosso Quererdes-me vós quanto vos eu quero; Porque o tormento fero De vosso apartamento Não vos dará tal pena Como a que me condena: Que mais sentirei vosso sentimento, Que o que minha alma sente. Morra eu, Senhora, e vós ficai contente!
Canção, tu estarás Aqui acompanhando Estes campos e estas claras águas, E por mim ficarás Chorando e suspirando, E ao mundo mostrando tantas mágoas, Que de tão larga história Minhas lágrimas fiquem por memória.
Luís de Camões 37
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O corvo e a raposa
É fama que estava o corvo Sobre uma árvore pousado
Manuel Maria Barbosa du Boccage (1765-1805)
E que no sôfrego bico Tinha um queijo atravessado.
Pelo faro, àquele sítio Veio a raposa matreira, A qual, pouco mais ou menos, Lhe falou desta maneira:
- Bons dias, meu lindo corvo; És glória desta espessura; És outra fénix, se acaso Tens a voz como a figura.
A tais palavras, o corvo, Com louca, estranha afouteza, Por mostrar que é bom solista Abre o bico e solta a presa.
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Lança-lhe a mestra o gadanho E diz: - Meu amigo, aprende Como vive o lisonjeiro À custa de quem o atende.
Esta lição vale um queijo; Tem destas para teu uso. Rosna então consigo o corvo Envergonhado e confuso:
- Velhaca, deixou-me em branco; Fui tolo em fiar-me dela; Mas este logro me livra De cair noutra esparrela.
Manuel Maria Barbosa du Boccage
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Viagem
É o vento que me leva. O vento lusitano.
Miguel Torga (1907-1995)
É este sopro humano Universal Que enfuna a inquietação de Portugal. É esta fúria de loucura mansa Que tudo alcança Sem alcançar. Que vai de céu em céu, De mar em mar, Até nunca chegar. E esta tentação de me encontrar Mais rico de amargura Nas pausas da ventura De me procurar...
Miguel Torga
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O poeta
Trabalha agora na importação e exportação. Importa metáforas, exporta alegorias. Podia ser um trabalhador
Nuno Júdice (1949 - )
por conta própria, um desses que preenche cadernos de folha azul com números de deve e haver. De facto, o que deve são palavras; e o que tem é esse vazio de frases que lhe acontece quando se encosta ao vidro, no inverno, e a chuva cai do outro lado. Então, pensa que poderia importar o sol e exportar as nuvens. Poderia ser um trabalhador do tempo. Mas, de certo modo, a sua prática confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere, com a pedra do instante, o que passa a caminho da eternidade; suspende o gesto que sonha o céu; e fixa, na dureza da noite, o bater de asas, o azul, a sábia interrupção da morte.
Nuno Júdice
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Retrato de uma princesa desconhecida
Para que ela tivesse um pescoço tão fino Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Sophia de Mello Breyner (1919-2004)
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos Para que a sua espinha fosse tão direita E ela usasse a cabeça tão erguida Com uma tão simples claridade sobre a testa Foram necessárias sucessivas gerações de escravos De corpo dobrado e grossas mãos pacientes Servindo sucessivas gerações de príncipes Ainda um pouco toscos e grosseiros Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente Para que ela fosse aquela perfeição Solitária exilada sem destino.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Canção duma sombra
Ah, se não fosse a névoa da manhã E a velhinha janela, onde me vou Debruçar, para ouvir a voz das cousas, Eu não era o que sou. Teixeira de Pascoaes Se não fosse esta fonte, que chorava,
(1877-1952)
E como nós cantava e que secou... E este sol, que eu comungo, de joelhos, Eu não era o que sou.
Ah, se não fosse este luar, que chama Os espectros à vida, e se infiltrou, Como fluido mágico, em meu ser, Eu não era o que sou.
E se a estrela da tarde não brilhasse; E se não fosse o vento, que embalou Meu coração e as nuvens, nos seus braços, Eu não era o que sou.
Ah, se não fosse a noite misteriosa Que meus olhos de sombras povoou, E de vozes sombrias meus ouvidos, Eu não era o que sou.
Sem esta terra funda e fundo rio, Que ergue as asas e sobe, em claro voo; Sem estes ermos montes e arvoredos, Eu não era o que sou.
Teixeira de Pascoaes 49
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Lamento para a Língua Portuguesa
Não és mais do que as outras, mas és nossa, e crescemos em ti. nem se imagina que alguma vez uma outra língua possa
Vasco Graça Moura (1942 - )
pôr-te incolor, ou inodora, insossa, ser remédio brutal, mera aspirina, ou tirar-nos de vez de alguma fossa, ou dar-nos vida nova e repentina. mas é o teu país que te destroça, o teu próprio país quer-te esquecer e a sua condição te contamina e no seu dia a dia te assassina. mostras por ti o que lhe vais fazer: vai-se por cá mingando e desistindo, e desde ti nos deitas a perder e fazes com que fuja o teu poder enquanto o mundo vai de nós fugindo: ruiu a casa que és do nosso ser e este anda por isso desavindo connosco, no sentir e no entender, mais valia que fossem de outra sorte
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mas sem que a desavença nos importe nós já falamos nem sequer fingindo que só ruínas vamos repetindo. talvez seja o processo ou o desnorte que mostra como é realidade a relação da língua com a morte, o nó que faz com ela e que entrecorte a corrente da vida na cidade. em cada um a força da vontade e tão filosofais melancolias nessa escusada busca da verdade e que a ti nos prendesse melhor grade. bem que ao longo do tempo ensurdecias, nublando-se entre nós os teus cristais, e entre gentes remotas descobrias o que não eram notas tropicais mas coisas tuas que não tinhas mais, perdidas no enredar das nossas vias por desvairados, lúgubres sinais, mísera sorte, estranha condição, em que, por nos perdermos, te perdias. neste turvo presente tu te esvais, por ser combate de armas desiguais. matam-te a casa, a escola, a profissão, a técnica, a ciência, a propaganda, o discurso político, a paixão de estranhas novidades, a ciranda da violência alvar que não abranda entre rádios, jornais, televisão. e toda a gente o diz, mesmo essa que anda por tempos de ignomínia mais feliz e o repete por luxo e não comanda, com o bafo de hienas dos covis,
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mais que uma vela vã nos ventos panda cheia do podre cheiro a que tresanda. foste memória, música e matriz de um áspero combate: apreender e dominar o mundo e as mais subtis equações em que é igual a xis qualquer das dimensões do conhecer, dizer de amor e morte, e a quem quis e soube utilizar-te, do viver, do mais simples viver quotidiano, de ilusões e silêncios, desengano, sombras e luz, risadas e prazer e dor e sofrimento, e de ano a ano, passarem aves, ceifas, estações, o trabalho, o sossego, o tempo insano do sobressalto a vir a todo o pano, e bonanças também e tais razões que no mundo costumam suceder e deslumbram na só variedade de seu modo, lugar e qualidade, e coisas certas, inexactidões, venturas, infortúnios, cativeiros, e paisagens e luas e monções, e os caminhos da terra a percorrer, e arados, atrelagens e veleiros, pedacinhos de conchas, verde jade, doces luminescências e luzeiros, que podias dizer e desdizer no teu corpo de tempo e liberdade. agora que és refugo e cicatriz esperança nenhuma hás-de manter: o teu próprio domínio foi proscrito, laje de lousa gasta em que algum giz se esborratou informe em borrões vis. 55
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de assim acontecer, ficou-te o mito de seres de vastos, vários e distantes mundos que serves mal nos degradantes modos de nós contigo. nem o grito da vida e do poema são bastantes, por ser devido a um outro e duro atrito que tu partiste até as próprias jantes nos estradões da história: estava escrito que iam desconjuntar-te os teus falantes na terra em que nasceste. eu acredito que te fizeram avaria grossa. não rodarás nas rotas como dantes, quer murmures, escrevas, fales, cantes, mas apesar de tudo ainda és nossa, e crescemos em ti. nem imaginas que alguma vez uma outra língua possa pôr-te incolor, ou inodora, insossa, ser remédio brutal, vãs aspirinas, ou tirar-nos de vez de alguma fossa, ou dar-nos vidas novas repentinas. enredada em vilezas, ódios, troça, no teu próprio país te contaminas e é dele essa miséria que te roça. mas com o que te resta me iluminas.
Vasco Graça Moura
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Semântica electrónica
Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado Ordeno ao ordenador que me ordenhe o ordenhado
Vitorino Nemésio (1901-1978)
Ordinalmente Ordenadamente Ordeiramente. Mas o desordeiro Quebrou o ordenador E eu já não dou ordens coordenadas Seja a quem for. Então resolvo tomar ordens Menores, maiores, E sou ordenado, Enfim - o ordenado Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado. - Mas - diz-me a ordenança Você não pode ordenhar uma máquina: Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca. De mais a mais, você agora é padre,
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E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha Velhaca, mesmo uma ovelha velha, Quanto mais uma vaca! Pois uma máquina é vicária (você é vigário?): Vaca (em vacância) à vaca. São ordens... Eu então, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado, Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa (Para acabar a conversa Como aprendi na Infantaria), Ordenhado chorei meu triste fado. Mas tristeza ordenhada é nata de alegria: E chorei leite condensado, Leite em pó, leite céptico asséptico, Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!
Vitorino Nemésio
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Eu e Portugal
Quando eu nasci, Quando o tempo começou a fugir Para mim tudo era novo E muitas coisas para descobrir
Dou graças por existir Um abraço à minha mãe que me fez Ainda não me canso de dizer Que me orgulho em ser português
Apesar dos problemas De eu nascer muito antes do tempo Ainda me sinto orgulhoso De ter existido o meu nascimento
Tive oportunidade de conhecer amigos, A minha cidade natal Lugares, pessoas e costumes Aqui no meu país, Portugal
Vivo em Lisboa, já fui à praia no Algarve Mas, com tanto trânsito, cheguei muito tarde Já fui a Abrantes, já fui ao Esporão, A aldeia do meu coração
Fui ao Porto, fui a Braga E ainda não me cansei de percorrer esta estrada Atravessei a ponte 25 de Abril Já fui de comboio ao Estoril
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Já fui a Coimbra À Serra da Estrela e também a Sesimbra Passei por Bragança Cidade com muita esperança
Já fiz canoagem em Montemor Onde havia muitos e vários animais Vou aproveitar que ainda há tempo Para dar uma olhadela em Cascais
Já fui ao bairro Alto ver a minha avó Tão querida que ela é, deu-me um pão-de-ló Portugal, minha nação, meu país Por causa de ti é que sou tão feliz.
Miguel das Neves (março de 2012)
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Poema escolhido e a minha imagem
Viagem É o vento que me leva. O vento lusitano. É este sopro humano Universal Que enfuna a inquietação de Portugal. É esta fúria de loucura mansa Que tudo alcança Sem alcançar. Que vai de céu em céu, De mar em mar, Até nunca chegar. E esta tentação de me encontrar Mais rico de amargura Nas pausas da ventura De me procurar...
Miguel Torga
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Fotografia de Miguel das Neves (Parque das Naçþes, em 19/02/2012)
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Justificação da imagem para o poema “Viagem”
A leitura de ”Viagem” trouxe-me à memória os inúmeros passeios que faço no Parque das Nações, onde, também eu, muitas e muitas vezes, ‘tudo alcanço sem alcançar’. Recordei, também, o vento forte que sopra quando passeio, o céu sem fim, umas vezes azul límpido, outras azul acinzentado e o mar que parece nunca acabar. Nesses passeios, viagens curtas da minha vida, a minha mente viaja pela paisagem e eu tenho de me procurar para me voltar a encontrar aqui no meu país lusitano, Portugal.
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Texto final Quando me foi pedido para elaborar um dossiê de poetas de língua portuguesa, a minha primeira ideia foi pesquisá-los na internet, mas tendo o cuidado de selecionar autores diversos, de épocas diferentes, para abranger épocas e estilos também diversificados. Depois, de ter feito a minha opção dos textos, ocorreu-me pesquisar na internet e colocar, nos poemas, a imagem de cada autor, o nome e a data do nascimento e, sendo o caso, da morte. Não conheço todos os autores e poemas portugueses mas, na minha pesquisa, foram estes 20 que me chamaram mais à atenção. Uns porque os considerei engraçados, outros porque me trouxeram recordações, ou os considerei profundos porque falam da realidade, da família, da amizade e outros porque falam da minha língua e do meu país. Quando chegou o momento de selecionar, de entre os 20 textos, o meu preferido hesitei entre os versos de Miguel Torga e ”Ser Poeta” de Florbela Espanca, pois sensibiliza-me a arte do Poeta ao, através do manejo metafórico da palavra, expressar tantos sentimentos. Por razões afetivas, que expliquei, decidi pelo poema “Viagem” para o qual concebi, e concretizei, uma fotografia. Neste meu dossiê, “Poetas de ontem e de hoje”, e porque me pareceu interessante escrever um texto meu, de acordo com o tema, juntei “Eu e Portugal”. Para concluir, quero referir que, apesar das vicissitudes, sobretudo de ordem informática, que me obrigaram a refazer partes do trabalho e, em consequência, entregá-lo um pouco depois do desejado, gostei muito de o ter feito.
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Usei os seguintes sítios para o meu trabalho:
http://www.citador.pt/poemas/beleza-almeida-garrett
http://c7.quickcachr.fotos.sapo.pt/i/b73068249/7962734_45vGO.jpeg
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v177.txt
http://www.google.pt/imgres?q=fernando+pessoa&um=1&hl=ptPT&sa=N&biw=1280&bih=605&tbm=isch&tbnid=scEC7hGqhMgnTM:&imgrefurl=http://pt.wikip edia.org/wiki/Fernando_Pessoa&docid=i5oeJ7jsHKMw8M&imgurl=http://upload.wikimedia.org/ wikipedia/commons/thumb/4/42/216_2310-Fernando-Pessoa.jpg/260px-216_2310-FernandoPessoa.jpg&w=260&h=282&ei=gREfT6XsAZP78QPQ1rC5Dg&zoom=1&iact=hc&vpx=177&vp y=172&dur=539&hovh=211&hovw=194&tx=114&ty=127&sig=113079754911403145381&page =1&tbnh=123&tbnw=106&start=0&ndsp=28&ved=1t:429,r:0,s:0
http://www.citador.pt/poemas/viagem-miguel-torga
http://www.citador.pt/poemas/amigo-alexandre-oneill
http://www.google.pt/imgres?q=Alexandre+O%E2%80%99Neill&um=1&hl=ptPT&cr=countryPT&sa=N&biw=1280&bih=605&tbs=ctr:countryPT&tbm=isch&tbnid=XtCZPcGn X31YNM:&imgrefurl=http://www2.ilch.uminho.pt/portaldealunos/Estudos/EPI/AH/TCH/P2/Noeli a/oneil.htm&docid=nlSm0SsMjzKduM&imgurl=http://www2.ilch.uminho.pt/portaldealunos/Estu dos/EPI/AH/TCH/P2/Noelia/oneil.jpg&w=117&h=150&ei=NxAfT87hEMWj8gOQkfmcDg&zoom =1&iact=rc&dur=402&sig=113079754911403145381&page=2&tbnh=120&tbnw=93&start=12& ndsp=33&ved=1t:429,r:5,s:12&tx=49&ty=54
http://portodeabrigo.do.sapo.pt/espanca17.html
http://www.google.pt/imgres?q=florbela+espanca&um=1&hl=ptPT&sa=N&biw=1280&bih=605&tbm=isch&tbnid=jzykIr1prgc4M:&imgrefurl=http://bisleya.blogs.sapo.pt/78176.html&docid=vY1SspAEo3PdSM&im gurl=http://fotos.sapo.pt/fzzsWw0ZN5OEptUVZCMA/&w=300&h=328&ei=bUMgT7iIIMW38gOl 5YS_Dg&zoom=1&iact=rc&dur=332&sig=113079754911403145381&page=1&tbnh=122&tbnw =131&start=0&ndsp=27&ved=1t:429,r:6,s:0&tx=74&ty=72
http://www.google.pt/imgres?imgurl=http://4.bp.blogspot.com/_1LdrMyScRH4/SUWq VWn_RrI/AAAAAAAAEEQ/SXiRHt9STk4/s400/DavidMouraoFerreira.jpg&imgrefurl=http://abencerragem.blogspot.com/2008_12_01_archive.html&h=40 0&w=332&sz=39&tbnid=LQNsjHNnG7goUM:&tbnh=110&tbnw=91&prev=/search%3Fq%3 Ddavid%2Bmour%25C3%25A3o%2Bferreira%26tbm%3Disch%26tbo%3Du&zoom=1&q=d avid+mour%C3%A3o+ferreira&docid=oLp4HXiNFj63FM&hl=ptPT&sa=X&ei=usUhT9uKDszV8QPCr6msBw&sqi=2&ved=0CEMQ9QEwBA&dur=300
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Índice
Introdução Poemas Amigo Na idade dos porquês Os Vendilhões do Templo Poema dum funcionário cansado Cavalo à solta E por vezes Uma chama não chama a mesma chama Quando estou só reconheço Ser poeta Soneto Adorai, montanhas Vão as serenas águas O corvo e a raposa Viagem O poeta Retrato de uma princesa desconhecida Canção duma sombra Lamento para a Língua Portuguesa Semântica electrónica Eu e Portugal E Poema escolhido Justificação da imagem e imagem Texto final Sítios
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