Escola Artística António Arroio
Escritos de uma época
Disciplina: Português Professora: Elisabete Miguel Aluno: Sérgio Faria, n.º 24, 10.º- J
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Índice: -Introdução -O Poema Original, Ary dos Santos - 25 de Abril, Sophia de Mello Breyner - Foram Breves e Medonhas as Noites De Amor, Al Berto - Lembra-me um Sonho Lindo, Fausto Bordalo Dias - Mãe, Miguel Torga - Amigo, Alexandre O’Neil - A Demora, Mia Couto - Redondo Vocábulo, José Afonso - Até Amanhã, Eugénio de Andrade - Nem Deus, Nem Senhor, José Mário Branco - Paz, Natália Correia - Não Posso Adiar o Amor, António Ramos Rosa - Portugal, Manuel Alegre - Morrer de Amor, Maria Teresa Horta - Povoamento, Ruy Belo - Troco-me Por Ti, Pedro Támen - Em Todas as Ruas te Encontro, Mário Césariny - Sobre um Poema, Herberto Hélder - A Noite Passada, Sérgio Godinho - Soneto do Amor e da Morte, Vasco Graça Moura - Ilustração - Explicação da Ilustração - Conclusão - Biblio/Webgrafia 2
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Introdução
Na disciplina de Português, e para trabalho do 2º período, a professora sugeriu que fizéssemos uma antologia de Poesia. Para a realização desta tarefa, apenas uma limitação, teríamos de escolher 20 poemas de diferentes poetas contemporâneos. Aceitei de bom grado a sugestão e após uma primeira recolha de poemas do meu agrado, selecionei os vinte pretendidos., Por fim, escolhi um deles, ilustrei-o, e expliquei a minha interpretação visual. Denominei este trabalho de: “Escritos de uma Época”, pois os “escritos” representam, a meu ver, um determinado tempo histórico e como os poemas são posteriores aos anos 50 do séc. XX, acrescentei “De uma Época”. Espero que a leitura do meu trabalho seja agradável e um bom contributo para que a poesia portuguesa seja mais conhecida.
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Poemas
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O Poema Original
Original é o poeta que se origina a si mesmo que numa sílaba é seta noutra pasmo ou cataclismo o que se atira ao poema como se fosse ao abismo e faz um filho às palavras na cama do romantismo. Original é o poeta capaz de escrever em sismo. Original é o poeta de origem clara e comum que sendo de toda a parte não é de lugar algum. O que gera a própria arte na força de ser só um por todos a quem a sorte faz devorar em jejum. Original é o poeta que de todos for só um. Original é o poeta expulso do paraíso por saber compreender 7
o que é o choro e o riso; aquele que desce à rua bebe copos quebra nozes e ferra em quem tem juízo versos brancos e ferozes. Original é o poeta que é gato de sete vozes. Original é o poeta que chega ao despudor de escrever todos os dias como se fizesse amor. Esse que despe a poesia como se fosse mulher e nela emprenha a alegria de ser um homem qualquer.
Ary dos Santos
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25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noite e do silêncio E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Foram Breves e Medonhas as Noites de Amor
foram breves e medonhas as noites de amor e regressar do âmago delas esfiapava-lhe o corpo habitado ainda por flutuantes mãos estava nu sem água e sem luz que lhe mostrasse como era ou como poderia construir a perfeição os dias foram-se sumindo cor de chumbo na procura incessante doutra amizade que lhe prolongasse a vida e uma vez acordou caminhou lentamente por cima da idade tão longe quanto pôde onde era possível inventar outra infância que não lhe ferisse o coração
Al Berto
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Lembra-me um sonho lindo
Lembra-me um sonho lindo, quase acabado Lembra-me um céu aberto, outro fechado Estala-me a veia em sangue, estrangulada Estoira no peito um grito, à desfilada
Canta, rouxinol, canta, não me dês penas Cresce, girassol, cresce entre açucenas Afaga-me o corpo todo, se te pertenço Rasga-me o ventre ardendo em fumo de incenso
Lembra-me um sonho lindo, quase acabado Lembra-me um céu aberto, outro fechado Estala-me a veia em sangue, estrangulada Estoira no peito um grito, à desfilada
Ai! Como eu te quero! Ai! De madrugada! Ai! Alma da terra! Ai! Linda, assim deitada! Ai! Como eu te amo! Ai! Tão sossegada! Ai! Beijo-te o corpo! Ai! Seara tão desejada!
Fausto Bordalo Dias
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Mãe
Mãe: Que desgraça na vida aconteceu, Que ficaste insensível e gelada? Que todo o teu perfil se endureceu Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa Cansada de palavras e ternura, Assim tu me pareces no teu leito. Presença cinzelada em pedra dura, Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes. Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio. Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes Por detrás do terror deste vazio.
Mãe: Abre os olhos ao menos, diz que sim! Diz que me vês ainda, que me queres. Que és a eterna mulher entre as mulheres. Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga 12
Amigo
Mal nos conhecemos Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo, Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, Um coração pronto a pulsar Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) «Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado, É a verdade partilhada, praticada. «Amigo» é a solidão derrotada! «Amigo» é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, «Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill 13
A Demora
O amor nos condena: demoras mesmo quando chegas antes. Porque não é no tempo que eu te espero. Espero-te antes de haver vida e és tu quem faz nascer os dias. Quando chegas já não sou senão saudade e as flores tombam-me dos braços para dar cor ao chão em que te ergues. Perdido o lugar em que te aguardo, só me resta água no lábio para aplacar a tua sede. Envelhecida a palavra, tomo a lua por minha boca e a noite, já sem voz se vai despindo em ti. O teu vestido tomba e é uma nuvem. O teu corpo se deita no meu, um rio se vai aguando até ser mar.
*** Poeta de expressão portuguesa.
Mia Couto Nasceu na Beira. Moçambique.
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Redondo Vocábulo
Era um redondo vocábulo Uma soma agreste Revelavam-se ondas Em maninhos dedos Polpas seus cabelos Resíduos de lar, Pelos degraus de Laura A tinta caía No móvel vazio, Congregando farpas Chamando o telefone Matando baratas A fúria crescia Clamando vingança, Nos degraus de Laura No quarto das danças Na rua os meninos Brincando e Laura Na sala de espera Inda o ar educa
José Afonso
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Até Amanhã
Sei agora como nasceu a alegria, como nasce o vento entre barcos de papel, como nasce a água ou o amor quando a juventude não é uma lágrima.
É primeiro só um rumor de espuma à roda do corpo que desperta, sílaba espessa, beijo acumulado, amanhecer de pássaros no sangue.
É subitamente um grito, um grito apertado nos dentes, galope de cavalos num horizonte onde o mar é diurno e sem palavras.
Falei de tudo quanto amei. De coisas que te dou para que tu as ames comigo: a juventude, o vento e as areias.
Eugénio de Andrade
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Nem Deus, Nem Senhor A luz é tão cega Que nunca se entrega Só se deixa ver numa razão de ser Sem sequer entender Os olhos que a vão receber E o rasto que fica É uma coisa antiga Que a gente tem para dar E só pode encontrar Quando volver a procurar Salvo pelo amor Só se pode ser salvo pelo amor O sentido perdido… ganhador não tem Deus nem senhor Esta dor Anda a solta por aí Que eu bem a vi Ai se eu pudesse parar Se eu vos pudesse contar Salvo pelo amor Não existe derrota para a dor Com o seu capital triturador Não tem deus nem senhor É simplesmente dor Que o que faz questão de ser Sem entender que a vida toda surgiu Dum sol que nunca se viu Nem sei se existe José Mário Branco 17
Paz
Irreprimível natureza exacta medida do sem-fim não atinjas outras distâncias que existem dentro de mim.
Que os meus outros rostos não sejam o instável pretexto da minha essência. Possam meus rios confluir para o mar duma só consciência.
Quero que suba à minha fronte a serenidade desta condição: harmonia exterior à estátua que sabe que não tem coração.
Natália Correia
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Não Posso Adiar o Amor
Não posso adiar o amor para outro século não posso ainda que o grito sufoque na garganta ainda que o ódio estale e crepite e arda sob montanhas cinzentas e montanhas cinzentas Não posso adiar este abraço que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar ainda que a noite pese séculos sobre as costas e a aurora indecisa demore não posso adiar para outro século a minha vida nem o meu amor nem o meu grito de libertação Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa
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Portugal
O teu destino é nunca haver chegada O teu destino é outra índia e outro mar E a nova nau lusíada apontada A um país que só há no verbo achar
Manuel Alegre
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Morrer de Amor
Morrer de amor ao pĂŠ da tua boca
Desfalecer Ă pele do sorriso
Sufocar de prazer com o teu corpo
Trocar tudo por ti se for preciso
Maria Teresa Horta
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Povoamento
No teu amor por mim há uma rua que começa Nem árvores nem casas existiam antes que tu tivesses palavras e todo eu fosse um coração para elas Invento-te e o céu azula-se sobre esta triste condição de ter de receber dos choupos onde cantam os impossíveis pássaros a nova primavera Tocam sinos e levantam voo todos os cuidados Ó meu amor nem minha mãe tinha assim um regaço como este dia tem E eu chego e sento-me ao lado da primavera
Ruy Belo
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Troco-me por Ti
Troco-me por ti Na brasa da fogueira mal ardida renovo o fogo que perdi, acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.
E só trocado, parece, por não ser na verdade conjugo o velho verbo e sou, remido esquartejado, o retrato perfeito em que exacerbo os passos recolhidos pelo tempo andado.
Pedro Tamen
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Em Todas as Ruas te Encontro
Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco conheço tão bem o teu corpo sonhei tanto a tua figura que é de olhos fechados que eu ando a limitar a tua altura e bebo a água e sorvo o ar que te atravessou a cintura tanto tão perto tão real que o meu corpo se transfigura e toca o seu próprio elemento num corpo que já não é seu num rio que desapareceu onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco
Mário Cesariny
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Sobre um Poema
Um poema cresce inseguramente na confusão da carne, sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, talvez como sangue ou sombra de sangue pelos canais do ser. Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência ou os bagos de uva de onde nascem as raízes minúsculas do sol. Fora, os corpos genuínos e inalteráveis do nosso amor, os rios, a grande paz exterior das coisas, as folhas dormindo o silêncio, as sementes à beira do vento, - a hora teatral da posse. E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. E já nenhum poder destrói o poema. Insustentável, único, invade as órbitas, a face amorfa das paredes, a miséria dos minutos, a força sustida das coisas, a redonda e livre harmonia do mundo. - Em baixo o instrumento perplexo ignora a espinha do mistério. - E o poema faz-se contra o tempo e a carne. 25
Herberto Hélder
Soneto do Amor e da Morte
Quando eu morrer murmura esta canção que escrevo para ti. quando eu morrer fica junto de mim, não queiras ver as aves pardas do anoitecer a revoar na minha solidão. quando eu morrer segura a minha mão, põe os olhos nos meus se puder ser, se inda neles a luz esmorecer, e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer, sempre a doer de tanta perfeição que ao deixar de bater-me o coração fique por nós o teu inda a bater, quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura
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A Noite Passada
A noite passada acordei com o teu beijo descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo vinhas numa barca que não vi passar corri pela margem até à beira do mar até que te vi num castelo de areia cantavas "sou gaivota e fui sereia" ri-me de ti "então porque não voas?" e então tu olhaste depois sorriste abriste a janela e voaste A noite passada fui passear no mar a viola irmã cuidou de me arrastar chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo olhei para baixo dormias lá no fundo faltou-me o pé senti que me afundava por entre as algas teu cabelo boiava a lua cheia escureceu nas águas e então falámos e então dissemos aqui vivemos muitos anos A noite passada um paredão ruiu pela fresta aberta o meu peito fugiu estavas do outro lado a tricotar janelas 27
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas cheguei-me a ti disse baixinho "olá", toquei-te no ombro e a marca ficou lá o sol inteiro caiu entre os montes e então olhaste depois sorriste disseste "ainda bem que voltaste"
Sérgio Godinho
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Explicação da Ilustração
Eu escolhi “O Poema Original” de Ary dos Santos, pois, para além de gostar muito deste poeta, penso que este texto se destaca pelo facto de se debruçar precisamente sobre o que é a poesia. Ary dos Santos descreve a originalidade do poeta e o que este sente quando escreve o poema. Podemos verificar o que acabo de escrever, por exemplo, em [o poeta] “atira-se ao poema”, “faz um filho às palavras” e cada “sílaba é seta”, “plasmo” ou “cataclismo, deixando-se ir pelo próprio poema que cria, entregando-se a ele completamente, sem medos nem receios, pois é “capaz de escrever em sismo”. O poeta habita o mundo do sonho e da imaginação. A sua poesia é universal e todos a podem compreender, pois “sendo de toda a parte, não é de lugar algum.” O Vate fala dos sentimentos e sabe “o que é o choro e o riso”, a sua voz é a voz dos homens. Não tem sete vidas mas “é gato de sete vozes.” Por último, o poeta escreve apaixonadamente, “como se fizesse amor”. Para a ilustração, foquei-me na “Originalidade do Poeta” e então desenhei uma folha com alguns versos escritos e, consequentemente, desses versos saem linhas coloridas que, saindo do poema, representam o poeta “a deixar-se ir” e a “deixar-se fluir” pela força das palavras.
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Conclusão
Fiz este trabalho com todo o prazer pois, além de sempre ter apreciado poesia, tive a oportunidade de conhecer poetas contemporâneos, e, sem restrições temáticas, ter seleccionado os de que mais gostei. As minhas maiores dificuldades foram a Ilustração e a sua explicação, mas penso que, no fim, os obstáculos foram superados e espero que o resultado final corresponda ao pretendido. Para concluir, gostaria de dizer que na minha opinião a realização destes trabalhos é bastante importante, seja para melhorarmos a classificação na disciplina, seja para o enriquecimento da cultura de cada um.
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Bibliografia/Webgrafia:
ARY DOS SANTOS, José Carlos. (1973). Resumo. Lisboa BELO, Ruy. (1961). Aquele Grande Rio Eufrates BREYNER ANDERSON, Sophia de Mello. (1977). O Nome das Coisas. Lisboa, Moraes Editores O’NEILL, Alexandre. (1967). No Reino da Dinamarca. Lisboa, Guimarães. VASCO, Graça Moura. (2002). Antologia dos Sessenta Anos
http://www.citador.pt/poemas/foram-breves-e-medonhas-as-noites-de-amor-albertoraposo-pidwell-tavares http://letras.com/fausto/1263585/ http://www.citador.pt/poemas/mae-miguel-torga http://www.citador.pt/poemas/a-demora-mia-couto http://letras.mus.br/zeca-afonso/917489/ http://www.citador.pt/poemas/ate-amanha-eugenio-de-andrade http://www.letras.com.br/#!/jose-mario-branco/nem-deus-nem-senhor http://www.citador.pt/poemas/paz-natalia-correia http://www.citador.pt/poemas/nao-posso-adiar-o-amor-antonio-ramos-rosa http://www.citador.pt/poemas/portugal-manuel-de-melo-duarte-alegre http://www.citador.pt/poemas/morrer-de-amor-maria-teresa-horta http://www.citador.pt/poemas/trocome-por-ti-pedro-tamen http://www.citador.pt/poemas/sobre-um-poema-herberto-helder http://letras.mus.br/sergio-godinho/408981/ http://www.citador.pt/poemas/em-todas-as-ruas-te-encontro-mario-cesariny-devasconcelos
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