VERÓNICA e J. OLIVEIRA, "Ode ao novo século"

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ESCOLA SECUNDÁRIA ARTÍSTICA ANTÓNIO ARROIO

ODE AO NOVO SÉCULO Readaptação da obra Frei Luís de Sousa

Realizado no âmbito da disciplina de Português Verónica Rodrigues n.º 24 e João Oliveira n.º 9 2010-2011


ACTO I Sala espaçosa, marcada por uma lareira central e janelas rasgadas cobertas por cortinados corridos. As paredes, forradas a papel florido, na pequena mesa, entre os sofás, bolos secos e chá de malva. Ao canto, três cadeiras que outrora serviram o assento de muitos oficiais, agora, restos de madeira bolorenta e assentos esburacados, corroídos pela vaidade de poder dizer: sou nobre! Sou veludo!

CENA I Madalena está sentada com uns papéis sobre o colo, agarra um dos papéis e lê-o para si, sorri e repete a última frase em voz alta. MADALENA (lendo a frase calmamente de olhos cerrados) “Olhares de luto, olhares de mar Se tivesse asas o mundo, Para onde me iriam levar?”

CENA II JOÃO (entra na sala e dirige-se a Madalena) – Diz Madalena? Estavas a falar comigo? MADALENA (sem tirar os olhos dos papéis) – Não, estava só a ler alto. JOÃO (senta-se ao lado de Madalena, encosta a cabeça para trás e inspira profundamente, Como se lhe custassem a sair as palavras) – Estive meia hora à volta da mesma conversa com a mulher-a-dias, ela dizia-me que lhe tinha falecido a irmã e que estava indisponível por duas semanas, e eu não ouvia palavra, sorria e findava com um abanar de cabeça afirmativo: “Pois… Hum-hum” até ela aumentar o tom de voz para um campo, que graças a deus, ainda enxergo… Que vergonha, ela passou-se, acusoume de não saber ser sério, e despediu-se do emprego entre soluços e lágrimas… Depois ainda fui espancado pelo meu orgulho que não me permitiu pedir-lhe desculpa. Desde há uns dias para cá que isto tem ido de mal a pior, televisão, já só com legendas… MADALENA (acena que sim com a cabeça) JOÃO – No que pensas Madalena? Que te aflige? MADALENA – Estou só a ler. JOÃO – Tens outra pessoa? Não me mintas.


MADALENA (pousa os papéis em cima da mesa que tem em frente, o seu olhar pousa vinte segundos no de João) – Não brinques comigo. JOÃO – Fala mais alto Madalena. MADALENA (revira os olhos e engole em seco, a sua voz sai rouca e diminuída) – Não tenho ninguém JOÃO – Assim não dá Madalena, sabes que os meus ouvidos já quase que não funcionam, desde aquele acidente… só te peço um pouco de respeito, amor… Onde tens andado? Mal te vejo, e quando ponho os olhos em ti não me ligas, ficas presa nesse silêncio que sempre te foi maior c’á boca, presa nesse vácuo que te contém… Fala comigo, Madalena… MADALENA – Não sejas ridículo! JOÃO – Não sejas o quê? Sabes uma coisa?... Esquece… Não vale pena! Vou deitar-me, amor, já vi que não chegamos a lado nenhum (beija Madalena na testa e sai da sala) MADALENA – Melhor assim. (levanta-se, fecha os olhos e leva a mão à testa; dirige-se à porta e sai)

ACTO II CENA I

TELMO (levantando-se da cadeira ) – Madalena!? Como entraste? MADALENA (pendurando o casaco no bengaleiro ao lado da porta) – Sou feita de segredos! (aparte) e de truques também. TELMO (dirige-se até Madalena, dá-lhe um abraço, volta a sentar-se, encosta-se, tira o isqueiro do bolso e um cigarro que tinha em cima da mesa e acende-o) – Como está tudo? Já te decidiste? MADALENA – Já… Penso que sim. TELMO – Senta-te, Madalena, podes sentar-te aí. E então? Qual é a tua escolha? Queres beber qualquer coisa? Estás bonita hoje!


MADALENA – Se Deus te ouvisse, Telmo! Não me venhas com devaneios… Nossa Senhora! Sou uma mulher casada! (aparte) Mas não por muito mais tempo. TELMO – Não me venhas falar de Deus. (a fala é interrompida pela tosse) MADALENA – Devias ouvir-me, um dia destes Ele farta-se dos teus pecados e não há cá mais cálices de complacência… TELMO – Conheço Deus desde que nasci, não preciso que ninguém mo ensine com uma palmadinha nas costas e um suspiro sonorizado, ámen! MADALENA – Telmo, Telmo, que Deus te perdoe… Bom, a verdade, saiba Deus ou não é que já me decidi! Pensei e bem sei, e já tenho um plano. TELMO – Agora é só teres paciência, pondo de parte as burocracias num mês tens acabada a papelada… MADALENA (interrompendo Telmo) – Não é bem isso que tenho em mente. Não sei se na tua terra também se ouve as notícias… TELMO – As fronteiras vão fechar não é? Politiquices… Se me aparece um desses comunas à frente leva um tiro nos …! MADALENA – Vão fechar todas as comunicações entre Portugal e Espanha, o diabo da ETA… Se nos metem ao barulho… TELMO – Por dez anos não é? MADALENA – Vinte… TELMO – Ainda mal… Mas o que querias? O que te trouxe aqui? MADALENA – É isto mesmo, as fronteiras, o João… é certo que não vai ouvir as notícias, do mal o menos. Não vai ser difícil enviá-lo para Espanha, a ele e aos maus agouros. Mas ainda tenho tudo meio difuso, preciso da tua ajuda. TELMO – Já o conheço de ginjeira, parecendo que não, o homem tem muito amor a este país de fúrias e de modas… MADALENA – Pensei, sei lá, em comprar-lhe a viagem… TELMO – ... e inventar uma tanga qualquer do tipo, é para descansar? MADALENA – Sim, pensei em algo assim, digo que é para ele ir arejar as ideias… TELMO – Estás parva? Essa não vai pegar. MADALENA – Não estou aqui para aturar más criações…


TELMO – Desculpa, Madalena, não me leves a mal… Ando há 30 anos a tomar banho de água fria e a arranjar quezílias com o senhorio… Gastei tudo para publicar o livro, gastei tudo e perdi o concurso. Gasto as poupanças no tabaco e atraso-me a pagar a renda… MADALENA – Já estou cheia dessa história! Ainda há menos de um mês te emprestei dinheiro, já o gastaste? TELMO – Bem… Tive uma ideia! MADALENA – Lá vens tu montado nesse sorriso a meia-haste, quem não te conheça que te compre… Mas diz lá, conta-me a tua ideia. TELMO – Não te lembras do teu cunhado? MADALENA – O Jorge? TELMO – Ele não mora lá para o lado de nuestros hermanos? MADALENA – Barcelona, não é? (começa a revelar-se entusiasmada) TELMO – Hum-hum… Já percebeste a ideia não já? MADALENA – Sim, é capaz de resultar, o Jorge deve querer ver o irmão… TELMO – Podes ligar do meu (sorri maquiavelicamente) MADALENA (dá um beijo na face de Telmo e aceita o telefone) – Estou Jorge? (…) Tudo sim, A Joana também está boa? E os miúdos? (…) Óptimo, isso é que é preciso! (…) Olha, Jorgito, preciso de um favor (…) Cada vez mais surdo, mas olha, é mesmo dele que queria falar (…) não, quer dizer, assim-assim (…) ele fala-me tanto de ti, não estão juntos há tanto tempo (…) Sim era excelente!(…) Obrigadíssimo Jorge (…) Obrigado querido (…) Não te preocupes eu trato de tudo (…) Ele vai ficar contente (…) Em quanto tempo pensas recebê-lo? (…) Estás de férias? Óptimo, vou ver se o mando ainda esta semana (…) Beijo grande, tudo de bom! Adeus (...) Vai dando novidades. (Madalena desliga o telefone com um sorriso) TELMO – Então? Como correu? MADALENA – Bem, graças a Deus! Está tudo combinado, vou falar com o meu marido. Em princípio vai ainda esta semana. TELMO – Vai um brinde? Podemos ir àquela esplanadazita que encontrámos com vista para o rio… MADALENA – É melhor não festejarmos antes do tempo. Bom, vou andando, liga-me se precisares de qualquer coisa. TELMO (Agarra numa das garrafas que estava em cima da pequena mesa ao lado do sofá) – Só um uisquizinho, para aquecer o coração!


MADALENA – Quente já está ele, quente demais. Vá Telmo, até à próxima. TELMO – Adeus, Madalena, gostei de te ver, até á próxima. Boa sorte! (fazendo um ar desapontado) Despedem-se num abraço, Telmo leva Madalena à porta.

ACTO III CENA I JOÃO – Onde estiveste este tempo todo, Madalena? MADALENA – Fui beber um café com a Carminho… Não adivinhas com quem falei! JOÃO – Mais alto, Madalena (aproxima-se de Madalena) MADALENA (esticando a voz) – Nem vais acreditar nas novas que te trago! Lisboa é apenas uma aldeia. Teu irmão Jorge pede que lá vás passar uns dias àquela grande cidade que é Barcelona. JOÃO – Ir ter com Jorge?... A Barcelona?... É isso que dizes?! MADALENA – Sim, não é fantástico? JOÃO – E tu, amor? Ficas sozinha? Não gosto muito dessa ideia… MADALENA – Vai, vai fazer-te bem, além do mais há anos que não vês o teu irmão. JOÃO – Tens razão… A ver se apanho outros ares, se vejo outras caras e se relaxo um bocado. MADALENA – Vai, vai que eu cá me arranjo JOÃO – Devia estar contente com a ideia mas não estou… Não é mal-estar não é angústia, mas tenho um mau pressentimento. MADALENA – Estás muito cansado, deita-te um pouco. O Jorge quer ver-te ainda esta semana, vê se te decides até amanhã. JOÃO – Estive deitado a tarde toda. Amanhã tratamos da viagem… Ou ainda hoje… Achas que é de ir ainda hoje? Eles não têm voos diurnos em mais nenhum dia, e não me apetece interromper uma noite com uma viagem. MADALENA – Claro, claro, podemos ir lá agora mesmo, deixa que eu arrumo as malas… Ambos saem de cena.


ACTO IV CENA I MANUEL (abrindo a porta) – Madalena! MADALENA – Eu mesma! MANUEL – Que trazes contigo? Tantas malas… Parece que trazes a vida às costas! MADALENA – Tenho uma coisa para te contar, querido. MANUEL – Não me digas!? Vais de viagem? Não me deixes, não me deixes agora. (desmanchase em lágrimas) Fala comigo, Madalena. MADALENA – De viagem? Talvez sim (sorri) MANUEL – Porque sorris? Há quanto tempo me querias deixar? MADALENA (dá uma gargalhada) Manuel, se estou aqui é porque nada me prende lá fora. É para ti que viajo. MANUEL – Para mim?! E o João? MADALENA – Está em Espanha… Tão cedo não volta! MANUEL – Mas porquê? Como conseguiste? MADALENA – O Telmo ajudou-me, e o Jorge também. MANUEL – Sabes que não gosto nada do Telmo, é um louco que vagueia por essas cavezinhas cheias de artistas. (aparte) Que estranhamente, são sempre mais que as obras de arte. MADALENA (sorri) – Não digas essas coisas do Telmo. Beijam-se. MANUEL – Bom, isto merece um brinde! Traz esse pobre também, que desta vez ele merece.

CENA II TELMO – Meus amigos! Finalmente! MANUEL (mostrando os dentes num sorriso) – Se não fosse a persistência de Madalena…


TELMO – E a minha também. MANUEL – Bom, acomoda-te Telmo, Madalena traz-me copos. O que querem beber? TELMO – O que tens aí? (dirige-se calmamente ao armário das bebidas, agindo com uma naturalidade digna de quem julga ser bem vindo, aponta o dedo a todas as garrafas e acaba por escolher um vinho do porto, tira-o e leva-o para junto do casal) Bebem o vinho e brindam.

CENA III Passado uns anos, a culpa e o pecado começam a preencher a cabeça de Madalena. Exteriormente mantém-se o mesmo casal, uns ou outros desentendimentos que acabam sempre em bem. Faz esta manhã exactamente três anos desde o fecho das fronteiras. Madalena e Manuel acordam um ao lado do outro, Manuel desvia o cabelo para trás da orelha de Madalena e sussurra-lhe docemente ao ouvido. MANUEL – Sabes Madalena? Cada linha que navegámos foi-nos marcada na pele. Cada segundo que passámos foi manipulado pelo Deus de todas as Bíblias, cada passo que demos, ora curto ora largo, termina em palavras que não me cabem mais na boca. E por ser tão grande o nosso amor já trago dores nas costas. (ri-se e beija a testa de Madalena) Madalena sorri e liga a televisão que tem à sua frente no quarto canal. Ouvem-se as notícias. TVI- ‘’Foram presos quatro activistas da ETA responsáveis pelos últimos ataques terroristas. A situação revela-se calma, os Primeiros-Ministros de ambos os países chegam a acordo quanto à reabertura das fronteiras.’’ Manuel levanta-se da cama, a sua respiração está ofegante, leva a mão à testa e está a suar. MANUEL – Madalena, preciso de um copo de água, rápido! MADALENA – Vou já amor, tem calma. Volto em segundos. (Madalena desce as escadas a correr, também ela está a suar, vai à cozinha e enche um copo. Entretanto ouve um barulho vindo de cima. Chega novamente ao quarto e vê Manuel a arrumar apressadamente algumas roupas numa mala, noutra algum dinheiro que tira debaixo do colchão, e ao seus olhos passa uma luz de um fósforo aceso por Manuel.) Larga isso, Manuel. O que vais fazer? MANUEL – Foge, rápido! Eu levo tudo lá para baixo e já vou ter contigo. Temos de sair daqui, desta casa, deste país. Antes que eles venham, que eles entrem por aqui a dentro! Não lhes sentes o cheiro? Ouve! É a multidão a gritar lá fora. É um povo insatisfeito de vícios, um mar de embriagados de luto a agitarem as bandeirolas. E ele, o João não tarda estará aqui a saber de sua justiça!


MADALENA – (apaga o fósforo e senta-se na cama a chorar) Estás louco, Manuel, louco. Não posso ver-te assim. Estou farta das tuas paranóias. MANUEL – Não te preocupa tudo isto? Três anos de fronteiras fechadas, um século de manifestações, e a nossa casa ao lado da Câmara Municipal… Não vês que querem matar pessoas como nós? MADALENA – Não posso mais ouvir-te. Madalena sai de casa para se dirigir a casa de Telmo.

ACTO V CENA I MADALENA – Telmo, preciso de falar contigo! TELMO – Que se passa, Madalena? O que aconteceu? Que cara é essa? MADALENA – O Manuel, está louco. Vai de mal a pior. D’antes ainda aguentava, era sempre a arrumar as coisas, gritava comigo por os talheres não estarem no sítio certo... mas agora, foi o grito final. TELMO – Que foi desta vez? MADALENA – Valha-me Deus! Ele queria pegar fogo à casa; fez as malas... não foram nem cinco segundos que me demorei lá em baixo! TELMO – Esse homem tem a maleita dos doidos! Não sei como conseguiste gramar este tempo todo com um homem que gosta da comida que servem no avião. Anda cá, Madalena. (abraçam-se) MADALENA – Tenho que me desprender desse homem, e… para complicar ainda mais… tenho saudades do João. TELMO – Só estás assustada, só estás confusa, isto tudo vai passar querida, tem calma. MADALENA – Cada nova escolha que faço é uma agulha nas pernas, um morder nos poros. TELMO – Senta-te Madalena, jurei ser o primeiro a dar-te um copo com água. MADALENA – E se ele voltar? Se o João voltar e descobrir estes anos de mentiras... (cansada Madalena leva a mão à testa e quase tropeça na cadeira que tem atrás dela. Senta-se e inspira) TELMO – Com sorte, o coitado não… Dorme cá hoje, Madalena. Dou-te uma cama, é dura mas tenho cobertores e amanhã posso aquecer um púcaro com água para tomares um duche quente. (Telmo vai buscar um colchão e estende-o encostado à parede, cobre-o com um lençol e uma manta de lã)


MADALENA – Não quero pedir-te demais, Telmo, mas estou exausta... Não há mesmo problema em ficar aqui uns dias? TELMO – Uns dias, uns meses, todas as horas, todos os segundos que precisares para descansar, para te recompores deste ardor ... MADALENA – Vou deitar-me então. Até amanhã... És um grande amigo, Telmo. (Madalena deita-se) TELMO – Dorme bem, amanhã estarei aqui para o que precisares. Vou só ao Zé beber um copo, discutir Kubrick e Kusturica e um pouco de leitura, sei lá, Sousa Tavares, o meu Pessoa… E Pintura, e Arte! E Arte, querida! Já dormes? Pois bem então. (sai de cena)

CENA II MADALENA – (assim que acorda) Telmo? Estás aí? Tive um sonho... um pesadelo... era João que voltava, descobria tudo... e depois, o Manuel… o Manuel matava-o. Telmo? Telmo? (ouvese a porta a bater e Madalena desce segura que é Telmo, abre a porta sem hesitar) Telmo?! Ai valha-me Deus nossa Senhora, valha-me Deus do Céu! (senta-se no chão a chorar) JOÃO – (avançando pela porta aberta) Madalena, como foste capaz? MADALENA – Perdoa-me... perdoa-me as feridas que infligi e tentei curar... de punhal numa mão e álcool etílico na outra... JOÃO – Madalena... MADALENA – De olhos cerrados... de vergonha, agora confesso. JOÃO – Já devia saber que não se morre numa ausência... obrigaste as minhas pernas a fugir para quintais vizinhos, e vá de pôr cravos na minha campa. MADALENA – Cravos, não… nunca… sei bem que não te agrada o apelo que fazem ao povo. Antes rosas! Mas desculpa-me, não sou o que projectaste, os sonhos e promessas que criaste para mim... Perdoa-me, eu ainda te amo. Foi só uma fase, um devaneio meu, estava cansada, perdida... Sei que nunca mais me vais olhar como antes mas… por favor... perdoa-me, João. JOÃO – Sonhos e promessas demasiadamente belos para serem cumpridos não é? Mais um furto que não te cabe na latitude das mãos. MADALENA – Ouves-me? Consegues ouvir-me bem? JOÃO – Três anos servem para muita coisa… Algumas coisas que deram para direito...

CENA III MANUEL (entrando pela mesma porta e acompanhado de Telmo)


– Madalena! Era aqui que estavas? Foi para a casa deste doido que fugiste? E quem é esse homem ao teu lado? É outro? Quantos são? Que se lixe a aliança, mesmo sem aliança sou teu marido, e exijo-te que me expliques esta história toda! JOÃO – Você que diz ser marido da minha mulher, sabe que dia é hoje? É mais um Sábado igual a todos aqueles que já perdi, afastado de um país que não é o meu! MANUEL – João?! (começa a tremer e as suas faces ficam ridiculamente vermelhas) JOÃO – Sou eu sim! E como se chama você? Quem é você e desde quando toma por sua a minha mulher? (avança para Manuel) MANUEL – não me fale nesse tom por favor, isto não é o fim do mundo. É só um grande mal entendido. (investe para a porta e começa a correr, até que João o agarra) JOÃO – de que tem medo? Vamos resolver isto como homens a sério! (empurra Manuel para trás) Manuel avança para a frente e empurra João. Ambos trocam ofensas e punhos cerrados. MADALENA – Nossa Senhora! Agora estão os dois loucos! (Olha para Telmo que se encontra a fumar o seu cigarro, impávido a olhar para a luta) MANUEL – Não quero que isto fique pior… Vamos ter uma conversa séria os dois… (João dálhe um murro na cara) JOÃO – Também eu quero muita coisa… Quero a minha avó de volta, quero que ganhe o Benfica, quero ovos-moles e carapaus com arroz de tomate, quero ouvir a Madalena sentada na poltrona a ler alto, concentrada, mergulhada nos papéis, e eu a falar com ela, e ela a não dizer palavra, presa naquele silêncio enternecedor… MANUEL – Para dizer a verdade, também eu tenho saudades de uns jaquinzinhos com arroz de tomate… JOÃO – Ou um bacalhauzinho com batatas a murro… MADALENA (baixinho, para Telmo) – Não sei o que dizer destes dois loucos, estou farta de aqui estar a ouvi-los… é melhor deixálos sozinhos, antes que se lembrem de quem começou isto… Madalena e Telmo saem de cena.


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