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SESC | Serviço Social do Comércio Departamento Nacional Rio de Janeiro Abril de 2012
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SESC | Serviço Social do Comércio Presidência do Conselho Nacional Antonio Oliveira Santos
Produção Editorial Assessoria de Divulgação e Promoção/DG Christiane Caetano
Departamento Nacional Direção-Geral Maron Emile Abi-Abib
Supervisão Editorial e Edição Fernanda Silveira
Divisão Administrativa e Financeira João Carlos Gomes Roldão
Produção Gabriela Varanda
Divisão de Planejamento e Desenvolvimento Álvaro de Melo Salmito
Projeto Gráfico Studio Creamcrackers
Divisão de Programas Sociais Nivaldo da Costa Pereira
Fotos Cesar Duarte
Consultoria da Direção-Geral Juvenal Ferreira Fortes Filho
Stills retirados do filme Sudário: Carlos Vergara e São Miguel das Missões, de Carlos Vergara e Gustavo Moura produzido por Duas águas.
Projeto e Publicação Coordenação Gerência de Cultura/DPS Márcia Leite Assessoria de Artes Plásticas Caroline Soares de Souza Leidiane Alves de Carvalho Lúcia Helena Cardoso de Mattos Texto Luiz Camillo Osório
Carlos Vergara viajante: experiências de São Miguel das Missões : catálogo da exposição. – Rio de Janeiro: SESC, Departamento Nacional, 2012. 56 p. : il. ; 28 cm. Bibliografia: p. 35. ISBN 978-85-89336-84-0. 1. Vergara, Carlos, 1941- – Exposições - Catálogos. 2. Arte brasileira – Século XX - Exposições. I. SESC. Departamento Nacional. CDD 759.981
Revisão de Texto Clarisse Cintra Produção Gráfica Celso Mendonça Estagiário de Produção Editorial Adonis Nóbrega
©SESC Departamento Nacional Av. Ayrton Senna, 5555 – Jacarepaguá Rio de Janeiro – RJ CEP 22775-004 Tel.: (21) 2136-5555 www.sesc.com.br Impresso em abril de 2012 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/2/1998. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida sem autorização prévia por escrito do SESC Departamento Nacional, sejam quais forem os meios e mídias empregados: eletrônicos, impressos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
É incontestável a relevância da cultura para o povo brasileiro, haja vista as originais manifestações no campo das tradições nacionais. Uma das missões precípuas do SESC é fomentar a atividade cultural, que acontece, dentre outras formas, com a itinerância de espetáculos e de exposições artísticas a comunidades inimagináveis até mesmo para a maioria dos brasileiros. Por meio de projetos como o ArteSESC, a entidade garante a democratização do acesso à cultura, estimulando a produção artística brasileira, investindo em espaço e estrutura para a apresentação das mais variadas modalidades culturais e, acima de tudo, promovendo a formação e qualificação de um público que habita os quatro cantos do Brasil. A credibilidade e o êxito alcançados pelo SESC nesse âmbito fez da entidade uma referência para a disseminação da produção cultural do país.
Antonio Oliveira Santos Presidente do Conselho Nacional do SESC
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Ao longo de sua história, o SESC se tornou referência no que diz respeito à difusão da atividade cultural em projetos que percorrem todo o país, contemplando algumas de suas diretrizes intrínsecas. Diante do cenário artístico atual, o projeto ArteSESC celebra a arte contemporânea por meio de obras que proporcionam novas tendências para a arte brasileira. Com esse propósito, a concepção da exposição Carlos Vergara viajante ― Experiências de São Miguel das Missões está fincada tanto na missão do SESC de levar a arte Brasil afora por meio da itinerância de exposições, como na promoção de um trabalho artístico extremamente singular, instigando o interesse pelo conhecimento e o estímulo a uma nova compreensão da realidade pela apreciação de suas obras. Em todo o seu trabalho, Carlos Vergara perfaz um itinerário de parte da nossa cultura e história, utilizando-se dos mais variados tipos de materiais e técnicas. Isso o constitui como um artista de extrema importância para a arte contemporânea, característica que faz sua obra manter relação de afinidade com o papel afirmado pelo SESC para a cena cultural brasileira.
Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC
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Sumário
Apresentação Ver o outro: a experiência de São Miguel
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Entrevista
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Obras em exposição
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Acrílico lenticular (3D)
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Lenço
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Pintura
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“Diferentemente da música, que entra e invade, na pintura, a pessoa tem de se permitir, se deixar.” Carlos Vergara
Carlos Augusto Caminha Vergara dos Santos nasceu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 1941. Na década de 1950, chegou ao Rio de Janeiro e trabalhou como analista de laboratório; em paralelo, dedicava-se ao artesanato de joias, as quais foram expostas na 7a Bienal Internacional de São Paulo em 1963, ano em que descobriu o desenho e a pintura. Participou, então, das emblemáticas mostras Opinião 65 e 66, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e foi um dos organizadores da mostra Nova Objetividade Brasileira. Carlos Vergara também foi cenógrafo e figurinista de peças teatrais; suas obras dialogavam com o expressionismo e a arte pop. Inseriu a fotografia e os filmes super-8 em sua prática e desenvolveu uma série de trabalhos sobre o carnaval carioca. No âmbito da arquitetura, criou painéis para edifícios com materiais e técnicas do artesanato popular. Na pintura, produziu quadros abstratos geométricos, explorando tramas de losangos em campos cromáticos. A partir de suas diversas viagens pelo Brasil, Vergara ampliou sua técnica por meio do uso de elementos naturais locais, figurando com uma exímia contribuição para a inserção do rico cenário brasileiro no universo das artes plásticas.
Apresentação A obra de Carlos Vergara nunca temeu o confronto. Primeiro, nos anos 1960, esse confronto tinha uma marca política. Vivíamos sob uma ditadura. Na década seguinte, época de ressaca e desorientação ideológica, ela vai mergulhar fundo na energia popular, extrair daí um tônus poético que atravessasse a paralisia criativa. Suas fotografias do bloco de carnaval Cacique de Ramos já são parte de nossa iconografia histórica. Nos anos 1980, de retomada democrática e pujança mercadológica, buscou nos grandes fornos e pigmentos de Minas Gerais, um silêncio e uma opacidade que garantissem algum travo reflexivo à pintura. Sempre enfrentando o estado de coisas estabelecido, contemporâneo na sua inquietação, na sua busca por um alargamento de perspectivas e por uma pulsação artística vibrante e desinibida.
Dos anos 1990 até o presente, Vergara vem inserindo em seu trabalho novas geografias poéticas que tragam o susto da diferença para a superfície do trabalho, extraindo da visão sua dobra de invisibilidade e suspensão. Vergara viaja para pintar, buscando no deslumbramento do ver pela primeira vez a força motriz da sua poética visual. A viagem desnaturaliza o olhar, tira dele a força do hábito e das convenções. Daí surge a intensidade. O deslumbramento requer intensidade para que o sobressalto, típico do susto admirado diante do novo e do outro, não se torne algo exótico, nem se faça excessivo ao se transpor em obra. O difícil em arte — a sua questão crucial — é transmitir o deslumbramento, dar alguma permanência a um sentimento tão fugaz. Isso não se faz sem a mediação da obra, sem a
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passagem de um modo de ver particular (do artista) para outro pretensamente universal (dos espectadores potenciais). O pôr-se em obra, como aquilo que faz do deslumbramento do artista o deslumbramento de qualquer um. A intensidade que produz esse deslocamento é conquistada no trabalho de ateliê, no lento ofício do gesto, da pincelada, da mão-olho-pensamento. O exercício do pintor contemporâneo é uma espécie de superação da técnica, do saber-fazer, da destreza. Supera-se o virtuosismo em busca do poético. Só assim ainda advém algum deslumbramento.
Essa intensidade não é una e homogênea, mas plural e heterogênea. Ela desencadeia um ver diferente, um ver de muitas maneiras. A multiplicidade, nessas obras, vem do fato de Vergara transformar cada viagem, cada paisagem, cada topografia, todo detalhe de um mundo carregado de afecções, em uma nova materialidade artística. Seja na fotografia, nas monotipias ou nas telas, o mundo percebido é apropriado, transportado, retrabalhado e reinventado. Sua pintura parece estar sempre mudando, mas só assim ela se torna disponível ao que é próprio de cada situação. Uma questão importante no artista viajante é essa disponibilidade para o outro, o cuidado com as diferenças. Vergara não quer falar pelo outro, quer possibilitar outros modos de falar a partir de situações e contextos de fala específicos. O artista como etnógrafo,
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conforme salientado por Hal Foster (2005), só interessa na medida em que possa “reocupar espaços culturais perdidos e propor memórias históricas alternativas”.
O que tinha sido visto no local por onde passou o artista é revisto, como se fosse a primeira vez, na superfície da tela, nas palpitações das fotografias em 3D e nas imagens do vídeo Sudário. É fundamental não se confundir os motivos de viagem com algum fator ilustrativo da obra. O pretexto não determina o texto, nem o visto o visível. Na verdade, pela obra se refaz a viagem. Não se trata de reproduzir o que estava lá, mas de se fazer do deslumbramento um acontecimento pictórico. A viagem, no fundo, é uma metáfora para o fazer poético — ir em busca de diferentes modos de ver e de ser no mundo.
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Missões Aldeamentos indígenas gerenciados por padres jesuítas no Novo Mundo, as missões representavam parte do sonho jesuíta de civilização e evangelização desses povos. Espalhadas por toda a América colonial, as missões constituem uma das mais notáveis utopias da história.
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Ver o outro: a experiência de São Miguel
A experiência de São Miguel é um momento decisivo daquele “ir em busca” na obra de Vergara. Vários tempos e espaços se encontram e se multiplicam aí. Da história pessoal à cultural, passando pela revisitação de modos de vida soterrados e esquecidos e chegando à própria potência da arte em abrir perspectivas de compreensão que não se encaixam no saber científico e objetivo. Filho de um reverendo da Igreja Anglicana, Vergara conviveu desde cedo com a abertura espiritual inerente à condição humana. O artista é também gaúcho, oriundo de um território de fronteira, lidando desde cedo com o entrechoque de identidades e diferenças. As reduções jesuíticas entre Paraguai, Argentina e Brasil foram um experimento civilizatório ímpar, muito além do movimento de aculturação e cristianização dos índios. Criou-se ali, no extremo sul da América, uma possibilidade singular de vida em comum, nas quais as diferenças eram assumidas, cultivadas e reinventadas, não obstante os conflitos intrínsecos ao processo. Olhar retrospectivamente para o que aconteceu nas missões requer cuidado justamente por conta da impossível imparcialidade no tratamento do assunto. No século 18, as diferenças culturais eram tratadas de modo opressivo e violento. O outro inexistia no imaginário ocidental. Todavia, não podemos
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esquecer o quanto as missões pretenderam ser um experimento único, cuja lógica não era apenas cristianizar os índios, mas formar uma comunidade nova e sem precedentes, na qual a cultura guarani também seria considerada. Se hoje, por exemplo, ainda se fala guarani no Paraguai, é resultado desse trabalho originado nas missões. Como observou o próprio Vergara, os guaranis deslocaram-se, mantendo-se no mesmo lugar, em brevíssimo espaço de tempo, do Paleolítico ao Barroco. Incorporaram novas possibilidades técnicas e simbólicas, sem com isso tornarem-se outra coisa que não guaranis. A dificuldade relatada pelos próprios jesuítas em transmitir aos índios a mensagem da salvação cristã vinha de uma compreensão de tempo toda ela fundada no presente, no agora. Como incutir a ideia de pecado e salvação quando não se tem a concepção linear de passado-presente-futuro? Quando tudo é, ao mesmo tempo, presente? Há que se pensar essa diferença junto com a condição impreterivelmente contemporânea da própria arte. Diante de uma pintura, instalam-se simultaneamente o tempo do artista e da confecção da obra, e os muitos tempos vindouros a serem constituídos pelo olhar do espectador, fazendo da pintura uma experiência sempre contemporânea. O que se vê na tela é uma confluência de tempos e olhares, impreterivelmente inacabados, que se querem fazer atual para o olhar.
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Pintar a partir da experiência de São Miguel requer aceitar um ponto de partida, e dar-lhe um tratamento poético, de modo a impulsionar o visto para além de si, com o verfazer da pintura. O que interessa é que não se passa impune por determinados lugares e diante de certos acontecimentos. São Miguel certamente é um deles. O que de fato aconteceu ali? Como visões de mundo tão diferentes — dos jesuítas e dos índios — se puseram em comunhão junto à experiência cristã do sagrado? Que utopia foi aquela, uma espécie originária de Canudos às margens do rio Uruguai? Até a formulação dessas perguntas é difícil nos dias de hoje. O que resta, indiscutivelmente, é uma ruína de igreja ainda esplendorosa, sinalizando para algo misterioso com força de encantamento perante o artista admirado. Assim sendo, não cabe temer a experiência e tomá-la como motor ou inspiração para uma série de trabalhos. As pinturas não servem para ilustrar nada. Não se representa São Miguel por elas. Não há ilustração possível ali. Os vestígios extraídos do chão,
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da pedra e das imagens produzem um deslocamento, assumindo aí o que há de perda e acréscimo, reescrevendo o que foi, sempre inacabado, à luz do que pode vir a ser, sempre por fazer. O que sobra daquela experiência do sagrado, a utopia de São Miguel, só pode ser visto hoje como uma espécie de sobra, de suplemento (invisível) dessas pinturas. Ou seja, o que existe é a obra de Vergara, com sua materialidade densa, sua coloração agitada, seus espaços apertados, sua textura pulsante. Aí de dentro vislumbra-se, como o que não tem nome, o encontro selvagem e amoroso de índios sul-americanos e missionários jesuítas. Isso não se mostra nas pinturas, eventualmente se revela no susto de um olhar disponível.
A arte, especialmente a pintura, só pode falar do que não é ela – esse encontro único de culturas e experiências humanas, falando de si, das qualidades pictóricas.
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O que se fala por meio dela não é a fala do outro, como algo fixo e dado, mas a possibilidade de outras falas, outras maneiras de ver que, nesse caso da série de São Miguel de Vergara, são o alarido poderoso e silenciado que surgiu daquela experimentação civilizatória peculiar. Mas será que todo olhar está sempre disponível para perceber o que não se mostra, o para além da pintura? A disponibilidade tem a ver com a capacidade de admiração. Vivemos em um mundo que despreza a admiração. Para Descartes, a admiração era uma das mais nobres paixões da alma. Imagino a tristeza desse grande pensador se soubesse no que se transformou sua busca por certezas indubitáveis. Paradoxalmente, o conhecimento claro e distinto, corolário da certeza, tornou-se cego. Contra isso, e em nome de um pensamento que se dá no mundo e pelo mundo, Merleau-Ponty (1987) transformava a dúvida em fé perceptiva. “Reduzir a percepção ao pensamento de perceber, sob o pretexto de que só a imanência é segura, implica assinar um seguro contra a dúvida, cujos prêmios são mais onerosos do que a perda que deve ser indenizada, pois implica renunciar ao mundo efetivo e passar a um tipo de certeza que nunca nos dará o ‘há’ do mundo.” Essa noção de fé perceptiva vem a calhar nesse contexto, pois o que se quer mostrar não é da ordem da demonstração, mas da constatação. Há um mundo e maneiras de vê-lo cuja apreensão requer sempre criação. O mundo é o que se vê, junto e para além do que se mostra, um conascimento entre quem vê e o que é visto.
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Tornamo-nos mais eficazes na nossa capacidade produtiva/cognitiva, mas muito menos disponíveis à entrega/potência amorosa. O Sagrado Coração de que fala Vergara seria uma força que nos põe em direção ao outro sem subtração do si mesmo. A pintura só pode falar do que não é ela, falando de si, das qualidades pictóricas. Mas será que todo olhar está sempre disponível para perceber o que não se mostra, o para além da pintura? A disponibilidade tem a ver com a capacidade de admiração. Uma pergunta meio abrupta: será que a “desadmiração”, típica de nossa atual pedagogia da suspeita, aponta para a “despolitização” crescente em que vivemos? Uma tese romântica: a política liberal é pautada pela desconfiança, a política libertária pela capacidade de admirar. Explico-me: sem ver o outro não se concebe um mundo em comum. A pintura é extemporânea talvez por ter essa tonalidade afetiva, e esse tempo da admiração. Ela é política por resistir à velocidade e nos impor um presente absoluto, um tempo estendido. Há que se deixar o tempo recuar para que possamos aderir à fugacidade do aparecer. A pintura de Vergara é intensa e múltipla.
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Como poderia a arte revelar um acontecimento singular? Como partir desse encontro admirado com as ruínas de um mundo perdido e recriar uma tonalidade afetiva onde se desarme a desconfiança fechada diante daquilo que não sabemos o que é? É essa experiência do sem nome, do que não sabemos como classificar, como identificar, que se abre no encontro com o assombroso de algumas obras de arte. Pode a arte ir ao encontro de algo que aconteceu no passado e propiciar o novo? Como “falar de” sem ser ilustrativo?
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As cores de Vergara saem da natureza, da terra, dos pigmentos minerais, mas se dispõem a uma sensualidade que não teme o incêndio da fantasia pictórica. Sem o recurso de uma visualidade extrovertida, o relato se tornaria de mão-única, subtraindo a imaginação do ato de ver, confundindo-se criação com reprodução. Reconduzir-nos para esse momento absolutamente original de encontro e conversão requer a multiplicação dos afetos e das potências visuais — daí Vergara lançar mão de vários meios simultaneamente, combinando a pintura, a fotografia, o filme, as monotipias, entrelaçando modos de sentir variados. Há na operação poética de Vergara uma necessidade de buscar os meios adequados para revelar algo não sabido, mas sentido. Deixar surgir uma multiplicidade de vozes e afetos e encontrar uma intensidade poética própria para cada situação. Nas cores, nas muitas cores que vemos nessas telas, em sua opacidade mineral que nos abre para uma profundidade, quase delirante, que absorve o silêncio de uma utopia de conversão. O que de fato aconteceu naquele experimento civilizatório, naquele encontro de homens, culturas e deuses, é uma questão em aberto. Sua irradiação, todavia, mantém-se em potência, aderindo aos lenços de Vergara, seus sudários iluminados pelo chão que um dia serviu de palco para a ousadia do encontro e da invenção. Que cada um de nós possa exercitar essa potencialidade vendo o outro que se insinua, sempre se velando, na superfície dessas obras em exposição itinerante de longa duração. Referências FOSTER, H. O artista como etnógrafo. Arte e Ensaio. Rio de Janeiro, p. 146, 2005. MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 45
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