Catálogo da Mostra Encontro com o Cinema Alemão

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Sesc | Serviço Social do ComÊrcio Departamento Nacional Rio de Janeiro Janeiro de 2014


Sesc | Serviço Social do Comércio Presidência do Conselho Nacional Antonio Oliveira Santos Departamento Nacional Direção-Geral Maron Emile Abi-Abib

Textos Hans Günther Pflaum (A vida é um canteiro de obras, Nenhum lugar para ir, Adeus Lenin!, 4 dias em maio, Bem-vindo à Alemanha, O que permanece); Ulrich von Thüna (Berlin is in Germany) e Ralph Eue (Sonnenallee, Yella)

Coordenadoria de Educação e Cultura Nivaldo da Costa Pereira

Tradução Susanna Patrícia Bernhorn de Pinho, Jutta Gruetzmacher e Marcos Silva

Gerência de Cultura Gerente Marcia Costa Rodrigues

Produção Pixel World e SUBS Subtitling

Assessoria de Cinema Marco Fialho Nadia Moreno

Produção editorial (Sesc) Assessoria de Comunicação Direção Christiane Caetano

Goethe-Institut Goethe-Institut São Paulo Diretora Regional para a América do Sul Katharina von Ruckteschell-Katte Goethe-Institut Rio de Janeiro Diretor Alfons Hug Programação Cultural Sandra Lyra Arndt Roskens

Mostra encontro com o cinema alemão

Mostra Encontro com o Cinema Alemão Curadoria Arndt Roskens (Goethe-Institut Rio de Janeiro) e Nadia Moreno (Sesc) Coordenação Nadia Moreno (Sesc); Sandra Lyra (Goethe-Institut Rio de Janeiro); Arndt Roskens (Goethe-Institut Rio de Janeiro); Hans Kohl (Goethe-Institut Central) e Ralph Schermbach (Pixel World)

Sesc. Departamento Nacional. Mostra encontro com o cinema alemão / Sesc, Departamento Nacional. -- Rio de Janeiro : Sesc, Departamento Nacional, 2013.

Supervisão editorial e edição Fernanda Silveira Direção de arte Ruth Marina Lapa e Ana Cristina Pereira (Hannah23) Projeto gráfico Aline Haluch | Studio Creamcrackers Revisão de texto Clarisse Cintra Elaine Bayma Produção gráfica Celso Mendonça Estagiário de produção editorial Thiago Fernandes

100 p. : il. ; 21 cm.

ISBN 978-58-8254-009-1.

1. Cinema - Alemanha. 2. Cinema – Alemanha – Resenha.

I. Título.

CDD 791.430943

As fotos desta publicação foram cedidas pelo Goethe-Institut ©Sesc Departamento Nacional Av. Ayrton Senna, 5.555 — Jacarepaguá Rio de Janeiro — RJ CEP 22775-004 Tel.: (21) 2136-5555 www.sesc.com.br Impresso em janeiro de 2014. Distribuição gratuita. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/2/1998. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida sem autorização prévia por escrito do Departamento Nacional do Sesc, sejam quais forem os meios e mídias empregados: eletrônicos, impressos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.


Temporada Alemanha + Brasil 2013-2014 A Temporada da Alemanha no Brasil 2013-2014 é uma iniciativa do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. Os realizadores do projeto são o BDI Brazil Board, o Goethe-Institut (GI), o Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha (BMBF) e o Ministério para Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha (BMZ). Os patrocinadores premium da temporada são Allianz, BASF, Bayer, BMW, Bosch, Lanxess, Mercedes-Benz, Siemens, Volkswagen e ZF. No Brasil, a temporada tem o apoio da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK), do Centro Alemão de Ciência e Inovação-São Paulo (DWIH-SP), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Ministério da Cultura do Governo Federal do Brasil e do Serviço Social do Comércio (Sesc).



Criado e administrado há mais de 60 anos por representantes do em-

O Sesc é uma entidade de prestação de serviços de caráter socioedu-

presariado do comércio de bens e serviços e destinado à clientela

cativo que promove o bem-estar dentro das áreas de Saúde, Cultura,

comerciária e a seus dependentes, o Sesc vem cumprindo com êxito

Educação e Lazer, com o objetivo de contribuir para a melhoria das

seu papel como articulador do desenvolvimento e bem-estar social

condições de vida da sua clientela e facilitar seu aprimoramento cul-

ao oferecer uma gama de atividades a um público amplo, em um es-

tural e profissional. No campo da cultura, a atuação do Sesc acontece

forço que conjuga empresários e trabalhadores em prol do progresso

no estímulo à produção cultural, na amplitude do conhecimento e no

nacional.

fortalecimento de sua identidade nacional, condições essenciais ao desenvolvimento de um país.

Dentre suas diversificadas áreas de atuação, a cultura se caracteriza como um democrático disseminador de conhecimento, uma im-

Nesse cenário, a mostra Encontro com o Cinema Alemão nos brinda

portante ferramenta para a educação e transformação da sociedade,

com um fragmento da safra de filmes produzidos no final do século

levada ao público de grandes e pequenas cidades por meio da itine-

20 e início do século 21 na Alemanha. Em uma parceria do Sesc com

rância de espetáculos, exposições e mostras de cinema.

o Goethe-Institut, foram disponibilizados 10 filmes que configuram o recorte de um cinema articulado com as questões contemporâneas

Ao possibilitar o livre acesso aos movimentos culturais, seja no cine-

da sociedade ocidental e com dois temas de grande impacto na his-

ma, como também nas artes plásticas, no teatro, na literatura ou na

tória do país: a Segunda Guerra Mundial e a vida na Alemanha Oriental

música, o Sesc incentiva a produção artística, investindo em espaço e

com a unificação do país.

estrutura para apresentações e exposições, mas, acima de tudo, promovendo a formação e o desenvolvimento do público e dos artistas

Uma abordagem bastante apropriada para uma ação do calendário

que habitam os quatro cantos do Brasil. A credibilidade alcançada pelo

do ano da Alemanha no Brasil, pois nos permite conhecer a produção

Sesc nesse âmbito faz da entidade uma referência nacional, o que

cinematográfica contemporânea desse país, favorecendo o estudo

revela a reciprocidade entre suas ações e políticas e as atuais necessi-

e a discussão sobre as questões específicas da arte do cinema e, ao

dades de sua clientela.

mesmo tempo, conhecer novos aspectos, novos olhares, sobre as questões do homem e da sociedade. Antonio Oliveira Santos Presidente do Conselho Nacional do Sesc

Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do Sesc


Desde os primórdios da produção cinematográfica, o cinema

Em um trabalho conjunto com o Sesc, nosso parceiro de longa

alemão caracteriza-se pelo trabalho e pelo esforço de propor

data, escolhemos 10 filmes alemães que compõem a mostra

novas ideias tanto na forma quanto na temática dos filmes, as

Encontro com o Cinema Alemão com o objetivo de oferecer ao

quais inspiraram e influenciaram cineastas no mundo todo. Essa

espectador brasileiro um panorama representativo do cinema

influência se deu, por exemplo, por meio do expressionismo do

alemão contemporâneo. Os temas são tão diversos quanto os

cinema mudo de F. W. Murnau, Fritz Lang e outros e, nos anos

cineastas que os realizaram.

1970, do cinema de autor de Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders e Werner Herzog.

No filme 4 dias em maio, Achim von Borries conta, através do olhar de um menino, os dias do término da Segunda Guerra

Nas últimas décadas o cinema alemão tem sido marcado por

Mundial, quando soldados russos e alemães se enfrentaram em

uma grande variedade de estilos e conceitos artísticos: o cine-

um pequeno vilarejo no litoral da Alemanha. Wolfgang Becker

ma dos grandes realizadores dos anos 1970 e 1980, como Wim

e Oskar Roehler refletem sobre a queda do muro de Berlim e o

Wenders, Werner Herzog, Volker Schlöndorff e Margarethe von

processo da unificação da Alemanha a partir de duas perspec-

Trotta, que continuam ativos ainda hoje; as novas ideias e con-

tivas completamente diferentes: enquanto no filme Nenhum

ceitos dos cineastas que sugiram nos anos 1990 após a unifica-

lugar para ir, a queda do muro significa o desabamento do mun-

ção da Alemanha, como Tom Tykwer, Wolfgang Becker e Dani

do material e ideologicamente confortável da personagem, em

Levy, até os cineastas que fizeram sucesso nos últimos anos

Adeus Lenin! relata a velocidade estonteante com que a vida

com uma perspectiva diferente e temáticas novas, como Chris-

muda para as pessoas na Alemanha Oriental.

tian Petzold, Oskar Roehler, Hans-Christian Schmid, Maren Ade e Leander Haußmann.

O filme Sonnenallee faz referência a uma rua em Berlim que, dividida ao meio pelo muro, mostra de maneira irônica a vida de

A Temporada Alemanha + Brasil 2013-2014 é uma boa oportuni-

adolescentes na antiga Alemanha Oriental. Já Berlin is in Ger-

dade de descobrir o cinema contemporâneo alemão e enxergar

many relata as dificuldades de adaptação de um ex-prisioneiro

através da lente dos cineastas uma Alemanha atual, suas agonias

da Alemanha Oriental a um dia a dia desconhecido na Alema-

e alegrias, preocupações e desejos, as perspectivas para o futuro

nha pós-unificação, onde valores e hábitos foram substituídos

e os olhares para o passado. O cinema nos oferece a chance de

por uma cultura completamente estranha para ele. Os jovens

olhar para uma sociedade e compreendê-la um pouco melhor.

de A vida é um canteiro de obras lutam para sobreviver e achar


seus espaços na sociedade, sem olhar para trás. O filme é um excelente retrato do espírito de uma nova geração na Berlim unificada dos anos 1990. Enquanto Hans-Christian Schmid e Maren Ade refletem sobre relações interpessoais por intermédio de uma família burguesa, em O que permanece, e as tempestades de um relacionamento, em Todos os outros, Yella conta a história de uma mulher tentando se realizar na carreira após o término de um relacionamento. Bem-vindo à Alemanha é um filme de destaque por apresentar uma temática vigente. Através da comédia, a diretora Yasemin Samdereli mostra as mudanças na sociedade alemã com a nova geração de filhos de imigrantes que nasceram e foram criados na Alemanha. Como filha de imigrantes turcos, a diretora faz parte de uma nova geração de cineastas realizando filmes fundamentados na experiência pessoal do multiculturalismo. Esperamos que os filmes, acompanhados por um catálogo, inspirem debates e reflexões e contribuam para renovar o olhar brasileiro sobre a Alemanha contemporânea: venham, descubram e curtam! Katharina von Ruckteschell-Katte Diretora do Goethe-Institut São Paulo Diretora Regional para a América do Sul


Sumário Filmes A vida é um canteiro de obras Toda tragédia tem um lado bom: em seu último dia de trabalho, Jan faz um amigo; no confronto com a polícia, conhece Vera; com a morte do pai, tem agora uma casa própria; e o medo da Aids pode fazê-lo pôr ordem em sua vida.

Berlin is in Germany Martin deixa a penitenciária de Brandenburgo após 11 anos na prisão por um assassinato em 1989. Ele só conhecia a Alemanha Oriental e agora é subitamente confrontado com uma nova Berlim unificada.

Nenhum lugar para ir O diretor Oskar Roehler relata a história de sua mãe — a escritora Gisela Elsner, que se suicidou em 1992 — por intermédio da personagem Hanna Flanders, uma militante de esquerda que se vê em meio ao fracasso com o fim da Alemanha Oriental.

Adeus Lenin! Alex decide esconder de sua mãe ativista a queda do Partido Socialista. Mas o que acontecerá quando a mulher, que está internada, receber alta e voltar para casa?

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Sonnenallee Com este filme, sua estreia no cinema, o diretor de teatro Leander Haußmann retrata de forma humorística a vida dos jovens na Berlim Oriental e nas zonas fronteiriças, em 1973.

4 dias em maio Mesmo decepcionado com o fim das batalhas da Segunda Guerra, o órfão Peter ainda tem uma importante tarefa para um soldado: ele precisa proteger a jovem Anna, que está escondida em um celeiro.

Yella Depois de deixar a cidade onde vivia com o ex-marido, Yella encontra Philipp, um executivo que planeja um negócio incrivelmente simples e altamente promissor.

Bem-vindo à Alemanha Em 1964, Hüseyin Yilmaz deixou a Anatólia pela Alemanha. Anos depois, resolve comprar uma casa em seu país natal e convoca a família para começar a reforma. A viagem provoca intensas discussões entre os diversos membros da família.

Todos os outros Um jovem casal tenta desfrutar suas férias isolando-se a dois. Em uma casa de veraneio na Sardenha, eles tentam fugir dos problemas não resolvidos, mas não conseguem fugir um do outro.

O que permanece Um ex-casal vive a esconder os problemas familiares da matriarca Gitte, que sofre de depressão há anos. Mas ela declara não estar mais tomando seus remédios. Os parentes desconfiam que agora terão novos problemas.

circuito

49 53 63 73 81 87 99



A vida é um canteiro de obras Das Leben ist eine Baustelle

Inverno em Berlim. Manifestantes e policiais se enfrentam em um

1997 | 118 min

combate de rua enquanto Jan Nebel vai para seu trabalho no frigorífico. Quando defronta dois homens que perseguem uma jovem

Direção: Wolfgang Becker Produção: X Filme Creative Pool Roteiro: Wolfgang Becker, Tom Tykwer Câmera: Martin Kukula

mulher, ele nem imagina que são policiais à paisana. A noite traz consequências sombrias para Jan: uma alta multa em dinheiro, a perda do emprego e, talvez, do seu grande amor. Pela manhã, ele descobre que sua amada desaparecera do mapa.

Edição: Patricia Rommel Música: Jürgen Knieper, Christian Steyer

Jan mora na casa da irmã Sylvia, que tem uma filha e um namora-

Elenco: Jürgen Vogel, Christiane Paul,

do, de quem a filha não gosta. A vida familiar destroçada parece ser

Armin Rhode, Ricky Tomlinson,

uma doença hereditária. Seus pais se divorciaram há muito tempo,

Christina Papamichou, Rebecca Hessing, Martina Gedeck e Meret Becker

mas de vez em quando Jan visita o pai e os dois costumam jogar xadrez. Quando Jan aparece um dia na casa do pai para pedir-lhe uma ajuda financeira, ele o encontra sentado, imóvel, à mesa da cozinha, com o rosto sobre o prato e a televisão ligada. Horas mais tarde, Vera, com quem ele tinha um encontro à tarde, e Jan fazem uma espécie de velório para o morto durante toda a noite. Para Jan, as coisas vão de mal a pior. A morte do pai, o desemprego e o risco de ir para a cadeia se não pagar a multa não são seus únicos problemas. O namorado de Moni, com quem Jan também já dormira uma vez, está com Aids, mesmo assim, Jan adia o quanto pode seu teste de HIV.

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No entanto, pode ser que toda catástro-

Aqui, o diretor realiza uma

fe tenha seu lado bom: em seu último

proeza só encontrada até

dia no frigorífico, Jan ganha um novo

agora no cinema inglês:

amigo; no confronto com a polícia, co-

uma história sobre miséria

nheceu Vera; com a morte do pai, tem

material e psíquica, sobre

agora um apartamento próprio e, talvez,

perda da pátria e tristeza,

o medo da Aids o faça ordenar melhor a

mas que não se torna plan-

própria vida.

gente e, ao mesmo tempo, a enérgica insistência nos

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Mostra encontro com o cinema alemão

A vida é um canteiro de obras deve ser

tons cômicos não ameni-

entendido de maneira programática:

za a gravidade da situação,

trata-se de conceitos de uma vida ain-

opõe-se às circunstâncias

da em processo de formação, de um

e lhes oferece resistência.

constante reagir a danos, de correções

O fato de a encenação também apelar,

condenado, deve irritar parte do público.

de projetos provisórios e de situações de

vez por outra, para recursos drásticos,

Quase que de passagem, Wolfgang Be-

fragilidade cotidiana. As imagens de can-

seja quando se trata de sexo, trabalho

cker também fala da decadência da te-

teiros de obras que perpassam a história,

ou morte, também deve ser entendido

levisão — com um programa de tevê no

como um Leitmotiv, têm valor simbólico.

como protesto contra a ingenuidade e a

qual os candidatos têm de adivinhar o tí-

As personagens do filme ainda não con-

inocência das produções planas, carac-

tulo de filmes de horror a partir dos gritos

seguem lidar suficientemente bem com

terísticas do cinema alemão dos anos

das vítimas, ou ainda com um concurso

esse mundo que lhes parece sempre

1990, que tentavam abrandar os conflitos

de talentos absolutamente idiota. Mas ele

inóspito para poderem estabelecer-se

incipientes. A vida é um canteiro de obras

fala, principalmente, de relações sexuais

em longo prazo. Muito além de uma co-

tem aquela coragem de provocar — uma

ligeiras, da completa dissolução das estru-

média, o filme de Wolfgang Becker reve-

coragem que caracterizou a geração do

turas familiares, do desemprego, de pro-

la o sentimento de vida de uma jovem

“Novo Cinema Alemão” nos anos 1970.

blemas de habitação e do medo da Aids — os sinais da doença estão onipresentes

geração alemã na segunda metade dos anos 1990.

A própria facilidade com que o inocente

nesse filme. O mundo oposto, com seus

Jan entra em conflito com a polícia e é

hotéis de luxo, suas lojas caras, ou o bufê


de um Congresso Médico sobre a Dor, já está fora do alcance de Jan. Só Vera continua a ultrapassar limites, sem nenhum receio. Ela também estimula Jan a saber se está contaminado pelo vírus da Aids. A chegada da jovem grega, que vagueia pela cidade à procura do irmão, mostra claramente como Wolfgang Becker e seu coautor sobrecarregaram sua história com um volume quase enciclopédico de pro-

Biografia do diretor

ma, seis vezes o Prêmio Alemão de Ci-

um pouco o fluxo da narrativa. Porém,

Wolfgang Becker nasceu em 1954 na ci-

para o Globo de Ouro nos EUA, para citar

sua continuidade é garantida graças aos

dade de Hemer, Vestfália. Becker estreou

somente alguns. Vendido em mais de 64

intérpretes — extraordinariamente presen-

no cinema em 1987 com Schmetterlin-

países, Adeus Lenin! foi sucesso de bilhe-

tes, cheios de vitalidade e multifacetados

ge. A adaptação do conto homônimo

teria também no exterior.

— e à capacidade do diretor de lidar com

de Ian McEwan recebeu, entre outros, o

cenários: A vida é um canteiro de obras

Oscar estudantil (Student Film Award) e

também esboça uma imagem de lugares

o Leopardo de Ouro do festival de filme

desconhecidos da metrópole de Berlim. É

de Locarno (Suíça). A vida é um canteiro

o diagnóstico de uma doença: cheio de

de obras é o primeiro filme dirigido por

contradições e, por isso mesmo, também

Becker para a empresa X Filme Creative

cheio de vida.

Pool GmbH, da qual ele é sócio. Com

tade do filme, essa sobrecarga bloqueia

mais de seis milhões de espectadores, Wolfgang Becker alcançou grande sucesso em 2003, com o filme Adeus Lenin!, que recebeu os seguintes prêmios: nove Lolas do Prêmio Alemão de Cine-

nema, o Cesar na França, foi nomeado

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Filmografia 2009 | Krankes Haus (curta) 2003 | Adeus Lenin! 2000 | Stundenhotel 2000 | Paul is dead 1997 | A vida é um canteiro de obras 1992 | Kinderspiele 1991 | Blutwurstwalzer 1990 | Nicht mit uns 1988 | Schmetterlinge

A vida é um canteiro de obras

blemas. Principalmente na segunda me-


Crítica

sim, ele não só é obrigado a passar a noite na

com a grega Kristina, que procura o irmão. E

delegacia, como também precisa pagar uma

por acaso Jan reencontra Vera fantasiada de

multa alta; falta ao trabalho sem justificativa

Papai Noel em um supermercado, cantando

e acaba perdendo o emprego.

canções de Natal. Os dois combinam um en-

Por Rudolf Worschech

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contro e inicia-se uma história de amor malu-

Mostra encontro com o cinema alemão

Ir para a rua e filmar a vida — nenhum ou-

Jan parece uma pessoa que ainda não en-

ca: eles participam clandestinamente de uma

tro filme alemão dos últimos anos adota tão

controu seu lugar na vida. Ele é açouguei-

conferência de médicos para comer do bufê

bem esse princípio da Nouvelle Vague como o

ro, mas, aparentemente, não tem emprego

e saem de um hotel de luxo sem pagar. É um

filme de Wolfgang Becker. A vida é um cantei-

fixo; vive com a irmã, que exibe lingerie em

amor entre diferentes classes sociais e níveis

ro de obras começa na rua e termina em um

festas particulares; e grande parte dos seus

de educação: ele, açougueiro; e ela, graduada

bonde, desenvolvendo entre essas duas cenas

bens está na bolsa a tiracolo que ele carrega

em música e atuando em performances. Com

uma história de acasos e encontros casuais.

por todo lugar. Sua marcha tem um aspecto

Jürgen Vogel e Christiane Paul, Wolfgang Be-

E os acasos não são “grandes” encontros ci-

machista – Vera lhe dirá um dia – e de fato

cker encontrou o elenco ideal: ele com uma

nematográficos, ao contrário, são pequenos

ele caminha com teimosia pelas ruas da gé-

corporeidade um tanto frágil; ela, misteriosa

e fortuitos, mas têm grande efeito. Já nas

lida cidade de Berlim, como se essas cami-

e inicialmente sem compromissos. Pois assim

primeiras cenas vemos um desses acasos.

nhadas proporcionassem estabilidade à sua

como Vera inicialmente surgiu do nada, ela

Um jovem, de nome Jan, de calça de veludo,

vida. Na realidade, a única estabilidade na

desaparece periodicamente. Vogel e Paul con-

jaqueta jeans, com uma bolsa tiracolo, pe-

sua vida é Jennifer, Jenni, sua pequena so-

seguem interpretar cenas sérias, mas com

rambula por um bairro de prédios antigos; si-

brinha, de quem ele cuida e por quem ele

leveza sem igual em se tratando de comédias

renes, policiais e manifestantes correm pelas

tem um grande carinho. Jan e Jenni eram

alemãs. Certa vez, Jan visita Vera em uma de

ruas e parece que houve saques. De repente,

também os nomes dos amantes no audioli-

suas performances e, após a apresentação, eles

aparece uma jovem mulher, Vera, persegui-

vro Der gute Gott von Manhattan [O bom deus

se sentam ao redor de uma mesa, banhados

da por dois homens. Jan primeiro imobiliza

de Manhattan], de Ingeborg Bachmann.

por uma luz de velas quase mágica. Perguntam se ele poderia cantar alguma coisa, mas,

os dois e logo começa uma fuga pelas ruas, pelos quintais e antigas escadarias. Um me-

Jan Nebel se deixa levar pela vida e a vida o

sem muita coragem, ele acaba tirando uma

nino fantasiado de super-homem ajuda os

leva. Quando recebe o último pagamento, seu

melodia dos copos.

dois, escondendo-os no apartamento dos

amigo Buddy o ajuda para que ele não seja

pais, mas mesmo assim Jan é pego por po-

pego roubando alguns filés. Buddy é fã da

O que mais intriga nesse terceiro filme de

liciais – que, é claro, estavam à paisana. As-

música de Buddy Holly e ambos se deparam

Wolfgang Becker (após Schmetterlinge [Bor-


conversa com ela e decidem compartilhar

Em seu filme A vida é um canteiro de obras Wol-

seus segredos para ganhar confiança. Nesse

fgang Becker criou uma grande obra de arte,

momento, Becker muda de cena, deixando

um filme sobre coisas tão banais como di-

seus personagens a sós.

nheiro, morte, emprego, procura por apartamento e amor, dando mesmo assim aos seus personagens um lampejo daquele bigger than

sa em Berlim, uma cidade que hoje [à época

life necessário para uma história cinemato-

que o artigo foi escrito] é um grande cantei-

gráfica. São retratos momentâneos da vida

ro de obras. No entanto, Becker não explo-

que em alguns personagens se densificam,

ra Berlim como, por exemplo, Caroline Link

criando um caráter, em outros não. Se qui-

na segunda parte do filme Jenseits der Stille

séssemos descrever a narrativa desse filme

boletas], 1988, e Kinderspiele [Jogos infantis],

[Além do silêncio]. Não são exibidas aquelas

e a atitude em face dos seus personagens, a

1993) é que tudo parece evidente na super-

vistas de cartão-postal dos bairros nobres

melhor palavra provavelmente seria “aberta”.

fície, mas cada pessoa tem o seu segredo.

de Berlim ou dos pontos conhecidos. Vez ou

Observamos os personagens por duas horas

Isso vale especialmente para Vera, que deixa

outra podemos vislumbrar a torre de televi-

e mesmo assim não sabemos tudo sobre eles,

mensagens em um gravador e sai da cama

são da antiga Berlim Oriental, uma ponte,

nem o que será deles. Como em um canteiro

de manhã de mansinho. E também Jan, que é

uma fábrica antiga. No mais, tudo se passa

de obras, que nos permite ter uma leve noção

possivelmente HIV soropositivo. Becker obri-

nas ruas tristes e cinzentas dos bairros an-

de como será o prédio.

ga o espectador a ver o mundo com os olhos

tigos. Desde o filme Solinger Rudi, de Dietmar

dos seus personagens: há muito poucos mo-

Klein, nenhum outro filme alemão retratou

mentos nesse filme nos quais o espectador

o ambiente dessas ruas, seus apartamentos

sabe mais que os personagens. Becker usa

e os habitantes com tanta atenção e auten-

esse recurso para gerar confusão no espec-

ticidade. O espectro abrange desde a exce-

tador, por exemplo, quando Vera está senta-

lente caricatura proletária (Jans Schager,

da em um hospital e não sabemos por quê.

interpretado pelo ator Armin Rohde) até um

Becker chega até mesmo ao ponto de nem

quadro de solidão triste e grotesco, quando

sempre divulgar os assuntos discutidos pelo

Jan encontra o pai morto na frente da televi-

casal. Em uma cena, Jan persegue Vera e des-

são com a cabeça na pizza.

cobre que ela mora com outro homem. Ele

Fonte: EPD Film, Frankfurt, n. 3, mar. 1997 (tradução nossa).

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A vida é um canteiro de obras

O filme A vida é um canteiro de obras se pas-



Berlin is in Germany 2001 | 90 min

companheiro da agora ex-esposa não vê

Manuela, mas é denunciado pelo namo-

com bons olhos essa reaproximação.

rado da mulher e preso a seguir. Ainda assim, ele consegue ser libertado com a

Direção e roteiro: Hannes Stöhr

Nessa nova realidade, Martin reencon-

ajuda de Manuela e Rokko e da assistente

Produção: Luna/ZDF-Kleine Fernsehspiel

tra velhos companheiros. Um deles lhe

social que foi responsável por ele duran-

ORB/DFFB

arranja um emprego em uma sex shop,

te o período de liberdade condicional.

Câmera: Florian Hoffmeister

onde ele conhece uma stripper, uma

Edição: Anne Fabini

simpática garota dos Balcãs, que é es-

Berlin is in Germany é inspirado em um

tudante e vê esse trabalho como uma

fato real: o diretor Stöhr ouviu falar da his-

atividade temporária. Martin também

tória de um prisioneiro que fora condena-

encontra Enrique, um velho amigo que

do antes da queda do muro e, anos mais

trabalha como motorista de táxi, e aca-

tarde, liberto em uma nova Berlim reunifi-

Em 2001, Martin deixa a penitenciária de

ba ficando entusiasmado com a ideia de

cada. Esse foi o ponto de partida para seu

Brandenburgo após 11 anos prisão. Em

trabalhar também como motorista, pre-

roteiro. A experiência-chave de Martin é

1989, fora condenado por assassinato,

parando-se com afinco para o exame de

seu encontro com um mundo totalmen-

mas teve a pena – por homicídio não

habilitação. Porém, durante a prova, ele

te novo. Por toda parte, ele vê máquinas,

premeditado – reduzida para 11 anos. No

descobre que não poderá exercer esse

prédios novos, propagandas e arranha-

entanto, Martin só conhecia a Alemanha

tipo de trabalho, por causa dos seus an-

-céus, mas se assusta ao perceber quão

Oriental e ao sair da prisão é subitamente

tecedentes criminais. Desesperado com

pouco tudo isso parece impressioná-lo.

confrontado com uma nova Berlim unifi-

a notícia, Martin vai para a sex shop a fim

Seja como for, é compreensível que ele

cada. Ele se hospeda em um hotel, sai em

de se embebedar, só que a polícia che-

procure o que lhe é familiar nesse novo

busca de trabalho, mas nada consegue.

ga antes e invade o local, que está sob

mundo, como os velhos amigos ou ex-

Procura Manuela, sua mulher e mãe do

suspeita por ser um ponto de drogas. Em

-companheiros de prisão. Como tam-

filho que nunca vira até então, mas o atual

sua fuga, Martin se refugia na casa de

bém é perfeitamente compreensível que

Música: Florian Appl Elenco: Jörg Schüttauf, Julia Jäger, Tom Jahn, Valentin Platareanu e Edita Malovic

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Bem convincente é também o suave retorno de Manuela para Martin. Isso talvez se explique pela capacidade de interpretação dos dois atores, mas também pela maneira cuidadosa com que um reage ao outro, pelo cuidado que ele procure sua mulher, que já não via há alguns anos e que agora vive com um novo namorado, e o filho que ele nem chegara a conhecer. Embora Martin agisse reservadamente, ele é visto como um estranho Ossi (alemão da Alemanha Oriental), como um animal exótico.

20 Nesse trabalho final para a Academia de Cinema e TV, Stöhr mostra grande competência não apenas no tratamento extremamente realista dado a cada personagem, mas também na encenação oportuna e Mostra encontro com o cinema alemão

irônica do encontro leste-oeste. Os companheiros que Martin reencontra também são simpáticos e, em sua caracterização, Stöhr foge ao folclore televisivo tão característico das séries policiais que vemos na tevê. Seu modo de falar soa autêntico e o ambiente que os cerca, inclusive os bares e os skin heads andando à toa pelas ruas, parecem bem reais.

demonstram um pelo outro. As rupturas acumuladas na vida real ou as de-

Biografia do diretor

silusões, até mesmo as pequenas, que

Hannes Stöhr nasceu em 1970 na cida-

se somam ao longo da vida, não têm

de de Hechingen-Sickingen, na Suábia

muito espaço nesse roteiro: não só os

(Baviera). Estudou Direito europeu na

amigos de Martin têm um coração de

Universidade de Passau. Estudou na aca-

ouro, como também são companheiros

demia de cinema Deutschen Film- und

de verdade. Até Viktor, o sujeito esquisito

Fernsehakademie Berlin (DFFB) a partir

da sex shop, de estranho sotaque esla-

de 1995. Graduou-se com o filme Berlin

vo, que prepara um novo golpe e logo

is in Germany, premiado, pelo público, na

será recapturado. Também não deixa de

Berlinale de 2001 na mostra Panorama,

ser simpático que a assistente social não

além de diversos outros.

seja apresentada como uma simples burocrata, mas sim como alguém que se engaja de verdade pelos seus clientes. Manuela não estava diante do portão da penitenciária quando Martin foi libertado, mas seu amor perdurou apesar de tantos anos de separação e do novo relacionamento de Manuela, e isso é perfeitamente plausível na vida real.

Filmografia 2008 | Berlin Calling 2004 | One Day in Europe 2001 | Berlin is in Germany 1998 | Gosh, Zirkusportraet (documentário) 1997 | Lieber Cuba libre (documentário) 1996 | Maultaschen 1995 | Biete Argentinien, suche Europa


Crítica Por Thomas Waitz Nas últimas cenas de Berlin is in Germany, Martin sai pela segunda vez da penitenciária. O portão se fecha. A rua está vazia à sua frente, não é difícil percorrê-la. Poderia ser o começo de outro filme, e dessa vez parece haver alguma confiança e esperança nas coisas.

Martin Schulze é o último Ossi. Quando o

para Martin, chegar a um lugar estranho;

As tentativas de Martin de criar raízes e

as lembranças tornaram-se invisíveis. Mais

buscar contatos indicam um progresso len-

tarde, na retrospectiva, conhecemos o mo-

to. E, de repente, ele depara com a porta da

tivo para a detenção de Martin, um motivo

casa de Manuela, sua ex-esposa; com o hall

que obviamente visa à compaixão dos es-

e a sala de estar. Ele está sentado à mesa,

pectadores: uma tentativa de fuga do país

em um lugar certo e ao mesmo tempo er-

terminou em homicídio culposo. Mas o fil-

rado, junto com a visita que veio do sul da

me de Stöhr está inteiramente concentrado

Alemanha. Eles perguntam: “Fale um pouco

no mundo interior do seu protagonista, sem

sobre aquela época, na Alemanha Oriental.

desenvolver uma perspectiva política explí-

Gostamos de ouvir essas histórias.” No en-

cita, mas também sem falsa autocompaixão

tanto, o que Martin conta não são histórias.

ou eufemismo poético.

É a sua vida. Uma vida muito difícil de se explicar em poucas frases para um estranho.

muro caiu em 1989, ele cumpria pena na penitenciária. Onze anos depois, no dia em que lhe foi concedida a liberdade, as gruas já tomaram conta dos canteiros de obra da cidade. Gruas demolindo o ontem e removendo os escombros do passado dessa cidade que começou a se reinventar. As ruas continuaram, mas com novos nomes. Martin tem de aprender a nova realidade que vem da televisão e checar com a própria vida.

A câmera de Florian Hofmeister destaca esse personagem – que perambula em bus-

Nos últimos anos, na Alemanha, foram cria-

ca de segurança, em seu ambiente – com a

dos filmes absolutamente obscenos, que não

sua teleobjetiva, em tomadas longas. Um

têm a menor relação com a vida real, qual-

ambiente que parece estranho e ao mesmo

quer que seja ela. Stöhr fez um filme que tem

tempo familiar para o público, como sob um

a coragem de narrar uma realidade muito

véu que cobre os objetos e aguarda para ser

diferente da que esperamos, aparentemen-

retirado. No entanto, quanto mais esse per-

te nada espetacular. Um dos trabalhos mais

sonagem — interpretado com muita sensi-

impressionantes dos últimos tempos.

21

bilidade por Jörg Schüttauf, quase esmagado

seus personagens parece ser igualmente de um observador paciente e distante: paisagem que passa quando ele olha pela janela do trem; as máquinas de venda no trem metropolitano. A dupla liberdade significa,

na sua forma física — parece se perder na insegurança, mais nosso público se aproxima dele. Stöhr e Hoffmeister encontraram, para isso, uma linguagem cinematográfica que apoia uma encenação discreta e impassível em imagens escassas e simples.

Fonte: Site Schnitt (tradução nossa). Disponível em: http://www.schnitt.de/202,1200,01.html. Acesso em: 1 nov. 2001.

Berlin is in Germany

Mas a atitude do diretor em relação aos


Entrevista A Alemanha Oriental como metáfora para o passado

22

condicional, muita burocracia. No entanto,

Oriental anos após a mudança de regime

Martin começa a reconquistar o mundo novo

deve ser bastante cruel, não é?

com curiosidade, teimosia, charme e coragem. Uma licença como taxista finalmente

HS: É bem triste, muito mais triste do que o

parece abrir a perspectiva que ele esperava.

filme que acabamos fazendo. Na realidade,

Inesperadas dificuldades burocráticas na re-

cada caso é um caso e cada um dos detentos

Uma entrevista com Hannes Stöhr sobre o

alização da prova parecem colocar em risco

— e eu encontrei muitos — é diferente. Mas

seu filme Berlin is in Germany

o sonho de Martin. De repente, seus antece-

quando analisei essas pessoas tive vontade

Por Nina Rehfeld

dentes criminais tornam-se um empecilho.

de fazer uma ficção, senti saudade de uma

Para Martin, sua ex-esposa Manuela (Julia

história que se destaca da realidade trans-

Martin foi condenado à prisão antes da

Jäger) e seu filho Rokko, que ele nunca viu,

formando-a em um conto de fadas. Inclusi-

queda do muro na República Democráti-

representam uma última chance — no en-

ve, muitos figurantes nesse filme viveram

ca Alemã — para onze anos depois ser li-

tanto, o atual noivo de Manuela quer evitar

realmente essa história.

bertado na nova Berlim. Curioso, corajoso

isso de qualquer modo.

e charmoso, Martin começa a reconquis-

NR: O que lhe deixou fascinado nessa his-

tar o seu mundo... Com esse excelente fil-

Nina Rehfeld: Por que você decidiu escre-

me de conclusão de curso da Deutschen

ver uma ficção sobre esse tema em vez de

Film- und Fernsehakademie Berlin, Han-

um documentário?

nes Stöhr ganhou o prêmio do público na

tória? HS: Simplesmente pensei: Isso não é real! Uma pessoa é presa antes da mudança do

Mostra encontro com o cinema alemão

Berlinale. Nina Rehfeld conversa com o

Hannes Stöhr: Minha primeira ideia foi real-

regime, só conhece as pessoas e os aconte-

diretor de 31 anos sobre o seu filme.

mente reproduzir um caso autêntico. Tenho

cimentos atuais a partir da tevê e quando

uma amiga que trabalha como assistente

sai da penitenciária não encontra mais sua

Após onze anos na penitenciária, o cida-

de condicional na associação Freie Hilfe e.V.

casa, não conhece mais Berlim. A sensação

dão da República Democrática Alemã,

em Berlim e ela me levou à penitenciária

de estar sentado aqui no trem em Berlim e

Martin Schulz (Jörg Schüttauf) é liberta-

em Brandenburgo. Nesse momento, percebi

pensar, gente, se alguém pudesse ver isso nova-

do da prisão de Brandenburgo. Martin só

como é difícil retratar de maneira justa um

mente com um olhar completamente puro. Acho

conhece essa Alemanha reunificada pela

caso verídico com recursos cinematográficos.

que todo mundo conhece isso. Para uma

tevê — e também, no seu caso recomeçar

pessoa que sai da prisão, isso é real. Essa

é difícil: um quarto em um hotel barato,

NR: A realidade das pessoas que saem de

situação absurda e cômica sempre me in-

oficinas criativas com a sua assistente de

uma penitenciária da antiga Alemanha

trigou. Mas quando fui à penitenciária para


fazer a pesquisa percebi que há também

les. A mensagem pode ser entendida em

muita tragédia por trás disso. O lado cômi-

qualquer lugar.

co seria perdido em um documentário, pois estamos falando de pessoas e não podemos

NR: Seu ator principal, Jörg Schüt-

simplesmente impor uma ideia.

tauf, é da Alemanha Oriental, você é da Suábia. Há uma diferença entre o olhar oriental e o olhar ocidental nes-

fadas. É por causa do final feliz?

sa história?

HS: Não, é também por ser uma história de

HS: Jörg é um cético criativo, temos

Robinson Crusoé: um homem fica afastado

isso em comum. Trabalhamos muito

por muito tempo, retorna, e tudo está diferen-

com as dúvidas. Existem dois tipos di-

te. Isso para mim se parece muito com um

ferentes de dúvidas, a dúvida destru-

conto de fadas. A história também poderia se

tiva, que sempre achei problemática, pois

passar em Munique ou em Hamburgo, pois lá

ela gera uma atitude do contra. Mas dúvidas

os que saem da penitenciária também não re-

construtivas como as de Jörg são necessá-

conhecem mais o seu mundo. Mas nós, como

rias para o desenvolvimento. No entanto,

espectadores, não conseguimos sentir isso.

esse assunto de leste-oeste nunca foi uma

No entanto, quando uma pessoa sai da prisão

questão entre nós.

onze anos depois de uma mudança de regime em Berlim Oriental, o intuito fica claro ime-

NR: Apesar de ser ficção, seu filme está

diatamente. Assim, a República Democráti-

muito próximo da vida. Como você conse-

ca torna-se uma metáfora do passado. Esse

guiu esse efeito?

homem veio de um mundo que já não existe mais. E ele precisa aceitar que as mudanças

HS: Para mim é muito importante que esse

são parte importante da vida. Panta rei, tudo

filme retrate a vida real. Há o cidadão da

flui, já disse Heráclito. Esse é o plano univer-

Alemanha Oriental que se mudou para Stut-

sal que sempre foi nosso intuito. Podemos

tgart depois da queda do muro e depara com

confirmar isso em apresentações no exterior,

a arrogância na Alemanha Ocidental — co-

em Moscou, Hong Kong e até em Los Ange-

nheço pessoas com essa história.

NR: Por que essa reflexão profunda sobre os efeitos da reunificação só é vista agora no cinema? Houve necessidade de criar alguma distância?

23

HS: Eu não pude fazer isso antes, pois esse é o meu primeiro longa-metragem. Mas também me perguntei por que justo eu, Hannes Stöhr, da Suábia — embora do leste da Suábia —, tive de fazer esse filme? NR: Essas biografias interrompidas da Alemanha Oriental não oferecem excelentes assuntos para filmes? HS: Mesmo que o meu filme, em primeiro lugar ainda narre a história de um ex-detento, também sinto a fascinação da biografia

Berlin is in Germany

NR: Você diz que o seu filme é um conto de


dupla que cativou Jörg Schüttauf. Ele disse: “Vivi algo que os outros não conhecem.” Isso é, na realidade, um presente, pois todas as pessoas sentem a necessidade de viver vidas diferentes. Existe uma frase de Pablo Diaz, um autor cubano, “las vidas que no has vivido”, as vidas que você não viveu. Para mim isso é a origem de todas as histórias, e é uma riqueza. Isso também me intriga quando vejo meus amigos, as pessoas que vêm da Alemanha Oriental e têm essas descontinuidades em suas biografias, não conheço isso, pois venho da Suábia. Quem sabe a Alemanha Oriental é como o faroeste, lá

24

simplesmente acontece mais. E a Alemanha Ocidental precisa finalmente aprender a descobrir o leste do país.

Mostra encontro com o cinema alemão

Fonte: REHFELD, Nina. Die DDR als Metapher für Vergangenheit. Fluter, 1 Nov. 2001 (tradução nossa). Disponível em: http://film.fluter.de/de/2/film/174. Acesso em: 4 nov. 2013.




Nenhum lugar para ir Die Unberührbare

litante de esquerda. Ela rompeu relações

1999 | 100 min

com a Rowohlt, sua editora na Alemanha Ocidental, em virtude do fracasso nas ven-

Direção: Oskar Roehler Produção: Distant Dreams/ZDF Roteiro: Oskar Roehler

das. Na Alemanha Oriental, ao contrário, seus livros continuam a ser regularmente publicados, mas cada vez menos lidos.

Câmera: Hagen Bogdanski

Para ela, um mundo inteiro vem abaixo —

Edição: Isabel Meier

ou, pelo menos, o que ainda restava dele.

Elenco: Hannelore Elsner, Vadim Glowna,

Hanna Flanders chegou praticamente ao

Tonio Arango, Michael Gwisdek, Bernd

seu limite psíquico, físico e econômico.

Stempel e Jasmin Tabatabei

Mas ainda não irá suicidar-se — ainda não.

Nove de novembro de 1989: enquanto

Hanna Flanders se desfaz do apartamen-

uma tevê transmite imagens ao vivo da

to em Munique e muda-se para Berlim,

queda do muro de Berlim, Hanna Flan-

onde o reencontro com o filho e, depois,

ders fala ao telefone, fumando nervo-

com o ex-amante na editora Volk und

samente. “Agora eu me mato”, diz ela.

Welt é um verdadeiro fiasco. O aparta-

Em uma das mãos ela sustenta o fone

mento reservado para escritores, no qual

e, na outra, uma garrafinha de arsênico.

ela hospeda uma leitora, fica bem fora da

so, com seu ex-marido Bruno, que se tor-

cidade e está em um estado deplorável.

nou um alcoólatra irrecuperável, incapaz

A queda do muro não a deixa entusiasma-

Amigos tentam ajudá-la, mas ela resolve

de oferecer-lhe qualquer tipo de apoio.

da, ao contrário. “Isso tudo é uma traição”,

voltar para o sul da Alemanha. Uma visi-

balbucia ela, “não consigo entender”. Han-

ta aos pais, em Nuremberg, reabre velhas

De volta a Munique, Hanna não encon-

na Flanders é escritora e se considera mi-

feridas, assim como o reencontro, ao aca-

tra mais forças para tentar um novo re-

27


escritora. A editora Volk und Welt a corte-

O trabalho de Oskar Roehler foi recebido

java muito mais por razões políticas que

com entusiasmo pela crítica alemã. A re-

por razões literárias. Membro do Partido

vista Spiegel descreve Nenhum lugar para

Comunista Alemão, talvez Gisela tenha

ir como o mais esplêndido retrato de mu-

pressentido — e logo começado a per-

lher produzido pelo cinema alemão nos

ceber — que o fim da Alemanha Oriental

últimos dez anos: “Mantendo-se distante

seria também o fim do seu sucesso pro-

de qualquer tendência dominante no meio

fissional.

cinematográfico, trata-se de uma obra irritantemente singular, estranha e mono-

começo. Depois de desmaiar em frente

28

maníaca, mas de uma beleza pungente.”

a um restaurante, os médicos fazem

Esse filme é de uma intensidade quase

um diagnóstico avassalador: viciada e

torturante e mostra a autora como uma

sofrendo de vasoconstrição, ela terá de

mulher extremamente contraditória: an-

Por mais incomum que tenha sido o

parar de fumar imediatamente. Ao fre-

tes de partir de Munique, ela compra um

destino dessa escritora, sua biografia é

quentar uma clínica de desintoxicação,

casaco Dior em uma elegante loja, onde

bem característica para a história alemã

ela volta a encontrar seu grande amigo,

é conhecida como cliente assídua, mas

contemporânea: ela retrata uma mulher

Ronald, que está de partida para Viena.

não tem escrúpulos em comentar o fim

sensível, dividida entre fronts ideológicos

da Alemanha Oriental de maneira acu-

diferentes, e fala das contradições entre

Mostra encontro com o cinema alemão

Em Nenhum lugar para ir, Oskar Roehler

satória: “Seremos devorados

relata a história de sua mãe — a escritora

pela sociedade de consumo”,

Gisela Elsner —, que se suicidou em 1992,

profetiza ela. Quando ela pró-

e declara seu suicídio como uma “morte

pria se vê forçada a abrir mão

heroica”. O título do filme já nos aponta as

de privilégios e viver alguns

razões: Gisela Elsner tinha se tornado uma

dias a realidade do socialismo

figura tão marginal, que passara a ver-se,

no decadente apartamento da

ela própria, como “intocável”, como pária

editora reservado a escritores

da sociedade cultural. Na verdade, exceto

situado em um deprimente

pelo seu furioso romance de estreia, Gise-

bairro de periferia, Hanna não

la Elsner nunca chegou a ser uma grande

aguenta uma única noite e foge.


Filmografia

utopia política e vida real. No fim, filme e protagonista se recolhem no isolamento

2012 | Quellen des Lebens

da clínica, que, também simbolicamente,

2010 | Jud Süß — Film ohne Gewissen

se transforma mais e mais em um pesa-

2009 | Lulu & Jimi

delo. Durante um de seus surtos, Hanna

2006 | Elementarteilchen

Flanders arranca da parede um enorme

2004 | Agnes und seine Brüder

relógio, como se com isso pudesse parar o

2003 | Der alte Affe Angst

tempo, ou fugir do seu curso. A sensação

2002 | Fahr zur Hölle, Schwester

de claustrofobia se torna ainda mais dolo-

2001 | Suck My Dick

rosa. A última cena — no momento de seu suicídio — simboliza também a fuga de uma vida em confinamento, cujo fracasso

2000 | Nenhum lugar para ir

Biografia do diretor

1999 | Latin Lover — Wilde Leidenschaft auf Mallorca

está indissoluvelmente ligado a essa época. Nenhum lugar para ir também se con-

Oskar Roehler nasceu em 1959 em Star-

1998 | Gierig

trasta com todos os filmes eufóricos sobre

nberg, mas foi criado pelo pai em Berlim.

1997 | Silvester Countdown

a reunificação dos dois estados alemães.

É filho da escritora Gisela Elsner, que mais

1995 | Gentleman

tarde emigrou para a Alemanha Oriental, e do revisor da editora Luchterhand, Klaus Roehler. Desde o início dos anos 1980, Oskar trabalha como escritor. Seu segundo filme, Silvester Countdown (1996), foi agraciado com o prêmio para jovens diretores no Festival de Cinema de Munique, em 1997. Comemorou o seu maior sucesso três anos depois com Nenhum lugar para ir: com ele Roehler recebeu o prêmio alemão de cinema para o melhor filme, assim como diversos prêmios em festivais internacionais.

29


Crítica Oskar Roehler relata os últimos dias de vida de sua mãe Gisela Elsner Por Veronika Rall

Que jogada! Tão ousada, tão precisa, que só podemos parabenizar Oskar Roehler. Com Silvester Countdown (1997) e Gierig (1998) ele já havia realizado dois filmes que vão muito além da costumeira e medíocre mania de sucesso. Mas é apenas em Nenhum lugar para

30

ir que seu estilo encontra uma história que acompanha a maneira como é contada.

Roehler ousou ao relatar os últimos dias da vida de sua mãe, a escritora Gisela Elsner. Hoje quase desconhecida, nas décaMostra encontro com o cinema alemão

das de 1960 e 1970 ela foi uma das figuras mais brilhantes do universo literário alemão. Com seus dois romances iniciais, Die Riesenzwerge (1964) e Der Nachwuchs (1968), “conquistou o título de não conivente, aliás, mais do que isso, de crítica radical da mentalidade de seus concidadãos contemporâneos, soturnos e mal-humorados”, conforme escreveu o jornal FAZ (Frankfurter Allgemeine

Zeitung). No início dos anos 1980, começou sua

cabeça do leitor. Mas a impressão do todo é

decadência: as ásperas críticas da imprensa,

tudo menos evidente; concordância e nega-

a briga com a editora Rowohlt e o crescente

ção, frio e calor, possibilidade de tocar ou não

isolamento social. No fim, a queda do muro

tocar, estão separados apenas por um sopro.

parece ter causado também a destruição da carapaça psíquica que ela havia construído

A dramaturgia do filme fica mais densa onde

para si: em 1992 deu fim à sua vida atirando-

pode e deve. A sequência inicial mostra uma

-se pela janela de uma clínica.

mulher em um chalé sofisticado, que, tomada pelo desespero ao ouvir as notícias da

“Uma mulher má, esta Elsner, na verdade,

queda do muro na tevê, corre até uma buti-

uma maldição”, escreveu Christa Rotzoll,

que famosa para comprar um extravagante

em 1977, no jornal Süddeutsche Zeitung. É essa

mantô. Paramentada com o casaco e uma

maldição que seu filho coloca nesse filme

enorme peruca, Hanna Flanders (o nome da

preto e branco artificial, estilizado. Falar dos

personagem que representa Elsner) ainda

últimos dias de vida de uma pessoa signifi-

arrisca uma ida a Berlim, mas nem o en-

ca abreviar, tornar mais denso, cristalizar.

contro com o amante, nem com o filho (aqui

O primeiro ponto importante de cristaliza-

o personagem Roehler é caricaturalmente

ção do filme é Hannelore Elsner (sem qual-

representado pelo ator Lars Rudolph), tam-

quer parentesco com Gisela Elsner), que, com

pouco com um garoto de programa propor-

exemplar coragem, exibe seu rosto inteiro,

ciona alívio. Continuando mais para o leste,

envelhecido, sem maquiagem. Apenas um

ao bairro de Marzahn, após um encontro em

cigarro se interpõe permanentemente entre

um bar segue-se outro encontro com uma

ela e o olho da câmera. Mesmo assim, po-

clássica família da Alemanha Oriental, que

demos ler em seu rosto, como em um livro:

aloja Hanna na cama das crianças onde, fi-

rugas como páginas impressas; fugazes con-

nalmente, consegue dormir um bom sono.

trações em torno dos lábios como capítulos;

Mas ainda há um confronto com os pais e

um abrir de pálpebras como uma formula-

outro com o ex-marido Bruno (personagem

ção muito bem-sucedida, que permanece na

que representa o pai de Oskar, Klaus Roeh-


ler, por muitos anos revisor da editora Lu-

(o reverso da euforia geral) que a queda do

chterhand) e, por último, a síncope em plena

muro causou no lado ocidental da Alemanha.

Avenida Maximiliano, na cidade de Munique; uma clínica, o diagnóstico e o fim.

Roehler acompanha a figura artística de Hanna como um sismógrafo através de dois

Seria errado supor que o filme Nenhum lugar

anos de história alemã e, subitamente, esta

para ir consiga colocar o dedo em apenas

mulher não mais parece intocável, muito

uma ferida pessoal. Gisela Elsner talvez te-

pelo contrário. Gisela Elsner deu ao seu ter-

nha sido sempre uma pessoa muito pública,

ceiro e famoso romance o nome de Berührun-

muito artificial. “Você está me confundindo

gsverbot [Proibido contato, em tradução livre],

com minha maquiagem”, teria dito certa

e Roehler foi capaz de romper essa proibição

vez ao ex-marido, mas o filho consegue não

e se aproximar de uma pessoa escondida e

apenas remover a maquiagem de seu rosto,

mascarada. O fato de não usar sentimenta-

como também da realidade em que se mo-

lismo (salvo na cena com o ex-marido, que

vimenta.

também é seu pai e a quem dedica o filme), mas sim avançar fazendo suas descobertas,

Finalmente, um filme alemão consegue

é admirável.

lidar com o período do fim da RDA (República Democrática Alemã) por meio de uma perspectiva do lado ocidental, quando a esquerda se esvaía em declarações de manifesta impotência, os jornais folhetinescos da Alemanha Ocidental nada mais faziam que dissecar as conexões dos intelectuais do lado oriental e o conservadorismo da era do chanceler Kohl comemorava o feliz retorno às origens. E, finalmente, é possível perceber um pouco da depressão, do choque

Fonte: EPD Film, Frankfurt, n. 5, 2 May 2000 (tradução nossa).



Adeus Lenin!

na mãe de Alex sua primeira crise psí-

Vez por outra, o rapaz coloca produtos

quica. Quando retorna da clínica, ela se

novos em embalagens antigas, e o em-

transforma em uma ativista ferrenha, en-

buste das etiquetas ocidentais-orientais

quanto o resto da família segue sua vida

funciona perfeitamente.

Good bye Lenin!

nos moldes socialistas; até o outono de

2003 | 120 min

1989. Durante uma manifestação pela

Cada melhora do estado de saúde da mãe

liberdade, que é brutalmente reprimida

requer medidas cada vez mais audaciosas

pelos representantes do poder estatal,

para manter a ilusão. Para comemorar

a mãe de Alex vê o filho ser espancado

seu aniversário, Alex faz uma encenação

e acaba entrando em coma após sofrer

grandiosa: chama antigos camaradas e

um infarto, indo parar no hospital.

rapazes do coral de Jovens Pioneiros — já

Direção: Wolfgang Becker Produção: X Filme Creative Pool/WDR/ARTE Roteiro: Bernd Lichtenberg, Wolfgang Becker

extinto há muito tempo —, que canta mú-

Câmera: Martin Kukula Edição: Peter R. Adam

Em seu coma profundo, a mãe de Alex

sicas de louvor à pátria socialista. Com a

Som: Wolfgang Schukrafft

perde a chegada triunfal do capitalismo

ajuda de um amigo, ele consegue contor-

Música: Yann Tiersen

em toda a Alemanha. No verão de 1990,

nar até mesmo a questão da mídia: Denis

Elenco: Daniel Brühl, Katrin Saß, Chulpan

a mulher desperta do coma e seu médi-

mistura imagens da sua câmera de vídeo

co explica que qualquer excitação pode

com material de arquivo da antiga Alema-

Khamatova, Maria Simon, Florian Lukas, Alexander Beyer, Michael Gwisdek e Burghart Klaußner

ser fatal. Então, Alex decide esconder de sua mãe todos os aconteceimentos envolvendo o fim da RDA.

República Democrática Alemã, 1978: a bordo da Sojus 3, Sigmund Jähn é o pri-

O que vem a seguir é a história de uma

meiro astronauta alemão a ser lançado

nostalgia da Alemanha Oriental vivida na

ao espaço. O pai de Alex Kerber também

prática, e que vai desde a redecoração

deixa seu país, rumo ao Ocidente. Um é

dos cômodos até a procura dos tradi-

visto como herói, e o outro, como trai-

cionais pepinos silvestres da floresta do

dor da pátria. A visita dos homens da Stasi

Spree, que desapareceram do mercado

(Serviço de Segurança Nacional) provoca

agora invadido pelos produtos ocidentais.

33


perguntas deu ao filme um caráter de

ainda outros filmes sobre a virada radical

comédia com subtons levemente trági-

na Europa: um helicóptero levando a re-

cos, embora essa não tenha sido precisa-

boque a estátua desmembrada de Lenin,

mente a intenção do diretor. Então quais

que desliza pelo ar com irritante leveza, já

recursos usar para se criar a ilusão de

aparecera pela primeira vez no filme Um

uma Alemanha Oriental ainda existente?

olhar a cada dia, do grego Theo Angelopoulos. Abordando o tema da copa do

nha Oriental. O sucesso da trapaça não se deve apenas à astúcia do falsificador, mas também à limitada capacidade de imaginação da mãe de Alex, incapaz de ir além daquele outubro de 1989.

34 Após a queda do muro, os traços físicos da Alemanha Oriental foram apagados com tanta rapidez que, pouco mais de uma década depois, tornou-se necessário recorrer-se à ficção para retratar a Mostra encontro com o cinema alemão

reconstrução. A história de Bernd Lichtenberg e Wolfgang Becker pode parecer absurda à primeira vista, mas ela toma como ponto de partida uma questão fundamental: para seus cidadãos, apoiado em que provas visíveis o Estado baseou sua existência? Até que ponto ele apostou em símbolos, sinais e rituais que podiam ser manipulados? A resposta a essas

Com inteligência e engenhosidade, Adeus

mundo — em 1990 a Alemanha reunifica-

Lenin! demonstra a arbitrariedade de ima-

da foi campeã da copa — Adeus Lenin! dá

gens e sons, indo assim muito além da

continuidade a uma tradição iniciada por

própria história: a fraude só dá tão certo

Fassbinder com os filmes O casamento de

porque a própria Alemanha Oriental cul-

Maria Braun e Lola.

tivou uma autoencenação manipulada durante os 40 anos de sua existência. As-

Em 2003, Adeus Lenin! teve um sucesso es-

sim, os pretensos documentos podem

trondoso na Alemanha e atraiu mais espec-

ser invertidos com métodos semelhantes

tadores que certos campeões de bilheteria

— até mesmo a virada histórica acontece

de Hollywood. O filme foi contempla-

na direção contrária. No material sobre a

do com o prêmio do cinema europeu.

queda do muro, falsificado por Denis, não são os cidadãos da Alemanha Oriental

Biografia do diretor

que correm para Berlim Ocidental, mas sim os ocidentais que fogem para o les-

Ver o filme A vida é um canteiro de obras,

te, para escapar ao terror do consumo e

do mesmo diretor.

do desemprego. Mas em 1991, Alex tem de encerrar a ficção de uma Alemanha

Filmografia

Oriental ainda existente com um golpe final. Às vezes, Adeus Lenin! parece evocar

Ver o filme A vida é um canteiro de obras,

os filmes da DEFA. Wolfgang Becker evoca

do mesmo diretor.


Crítica Por Oliver Rahanyel Muitos já se aventuraram em histórias sobre a reunificação da Alemanha, mas escritores parecem compreender o tema melhor que roteiristas e diretores.

O diretor Wolfgang Becker — da Alemanha Ocidental — ambienta sua história no fatídico ano de 1989 na Berlim Oriental. Junto com o roteirista Bernd Lichtenberg, desen-

35

volveu um enredo muito elaborado, no qual

se fosse uma camera oscura. Becker percorre um caminho radicalmente diferente dos realistas e dos comediantes que não conseguiram escrever ou encenar tão bem a sensação da vida alemã, seja ocidental ou oriental — como foi o caso, por exemplo, de Leander Haußman (Sonnenallee) ou Winfried Bonengel (Führer Ex).

Naquele ano, Alex, 21 anos, não é verdadeiramente um rapaz politizado. Com uma garrafa de cerveja na mão, o que ele mais gosta de fazer é sentar na pracinha em fren-

te ao conjunto habitacional e ficar pensando

te aqueles oito meses, a Alemanha Oriental e

sobre o que poderia fazer na vida. Como era

todo o bloco de países comunistas na Europa

habitual naqueles dias, o rapaz sai andando

naufragaram, o muro caiu e a Alemanha foi

para acompanhar uma das várias passea-

reunificada. Alex, sua irmã e o namorado de-

tas que reivindicam liberdade de imprensa,

cidem ocultar tudo isso da mãe. Devolvem o

quando não a própria queda do muro.

estilo original ao apartamento que já haviam arrumado com a decoração ocidental, alojan-

Ao avistá-lo, sua mãe, a caminho do Palácio

do a mãe em um dos cômodos ao modo da

da República, onde irá receber uma home-

Alemanha Oriental.

nagem, sofre um ataque cardíaco e desmaia. Oito meses depois, ela volta a si, mas com es-

Há vários detalhes tocantes no filme: como

trita recomendação para se preservar. Coisa

o entediado Alex (Daniel Brühl), personagem

que não seria nada fácil fazer, já que, duran-

de admirável insegurança, que acompanha

Adeus Lenin!

transparece a recente história alemã, como


a passeata comendo uma maçã ou

outdoor da campeã de vendas IKEA

tenta desesperadamente encontrar

com a estante que traz o mesmo

produtos da Alemanha Oriental

nome e que os olhos da mãe, atô-

ou pelo menos suas embalagens,

nita, descobrem ao passar por ele.

como consegue sempre encontrar novas explicações, seja para a exis-

Não obstante, o filme de Becker

tência da tevê ocidental na casa

nos mostra, de maneira diverti-

dos vizinhos ou até para um outdoor

da e ao mesmo tempo séria, uma

da Coca-Cola que foi montado em

perspectiva

frente à janela. Nos casos mais difí-

reunificação e da vida na Alema-

ceis, Alex conta com a ajuda de um

nha Oriental como pátria.

alemã-oriental

amigo que produz as edições mais

36

absurdas do noticiário Aktuelle Ka-

Becker criou uma obra calorosa e vidente, o

mera para sua mãe, gravando-as em vídeo

que talvez não tivesse conseguido com uma

para poderem passá-las na “televisão”.

dramaturgia mais comercial, e que também em A vida é um canteiro de obras só conseguiu

Mostra encontro com o cinema alemão

Mas Wolfgang Becker, como já havia feito

de maneira relativa. No entanto, o filme

em A vida é um canteiro de obras, não queria

não esgota todo o seu potencial, pois Becker

apenas rodar uma comédia. Aos poucos o

sempre mantém um pé no freio: seja nas ce-

filme vai construindo um testemunho geral

nas de comédia, na história da família ou

sobre a reunificação, de certa maneira es-

na dimensão histórica. Assim, é sempre mo-

tabelecendo uma relação com a dignidade

deradamente engraçado, tocante ou impres-

do morrer, diferenciando-se, portanto, da

sionante. Em alguns momentos pode até

“ostalgia” (nostalgia da vida na Alemanha

ficar irritante: seria mesmo necessário o fa-

Oriental) e de qualquer clima de vitória.

bricante de limonada, tão carregado de simbolismo, aparecer tantas vezes, como já foi

Foi esse clima que predominou bastante

o caso em Billy Wilder nos anos 1940? Aliás,

Fonte: Film-Dienst, Bonn, n. 4, 11 Feb. 2003

nas produções sobre o tema nos anos 1990.

falando em Wilder, muito mais acertado é o

(tradução nossa).

da


Entrevista

rir o que é que estava escrito

fazendo ressuscitar a Alemanha

ali. No caso de “Lenin” não era

Oriental, mas uma Alemanha

nenhum treatment, era apenas

Oriental diferente da que existia

uma carta do roteirista Bernd

antes. No entanto, durante esse

Lichtenberg, que eu conhecia.

processo, que no início era uma

Uma carta que ficou perdida

empreitada positiva, ele fica

durante semanas em nossa pro-

envolvido em tantas mentiras

dutora, algo um tanto preocu-

e compromete tantas pessoas,

pante, mas que, graças a Deus,

que a situação vai ficando cada

acabou

Nessa

vez mais suspeita. A meu ver o

carta, Bernd Lichtenberg havia

filme conseguiu mostrar essa

descrito o projeto sucintamen-

ideia de maneira bastante clara.

te, em três páginas. Tratava-se

Então, quando terminamos, e

basicamente do seguinte: ainda

fui reler a tal carta, fiquei muito

nos tempos da República De-

contente ao constatar que nada

mocrática da Alemanha (RDA,

foi perdido ao longo do caminho.

1

Quem grava um filme, a certa altura precisa saber: “Qual é meu interesse nele?” Então, qual foi seu interesse principal no caso de Adeus Lenin!? Wolfgang Becker: Na verdade, Adeus Lenin! foi parecido com os outros filmes que fiz antes. Tratava-se também de não perder a ideia original ao longo do caminho. Esse é o maior problema. Você começa com algo que só está descrito em duas páginas, e depois de meses e anos você termina em um ponto totalmente diferente e então se questiona: aquilo que pretendia contar no início ainda existe? Ou, durante o processo, durante todo o caminho,

acabou

escorrendo

por entre os dedos feito areia e se perdeu? Isso pode acontecer. Eu sempre fico muito curioso quando, ao final do processo, vou lá e resgato aquelas duas primeiras páginas para confe-

a

reaparecendo.

Alemanha

Oriental),

uma

mulher entra em coma quan-

Quando você vê uma ideia as-

do vê seu filho participando de

sim, existe um momento em que

uma passeata por ocasião do 40o

diz: “Sim! Quero ver isso!”? E não

aniversário do regime, e, para

só isso, há um momento em que

surpresa de todos, recupera a

você também diz “eu mesmo

consciência oito meses depois.

quero colocar isso em cena!”?

Mas ela não deve ficar sabendo dos recentes acontecimen-

WB: Sim, isso acontece de vez em

tos políticos, pois isso poderia

quando: você tem vontade de ver

ser fatal em seu caso. Assim,

a coisa, mas não de colocá-la em

seu filho decide simplesmente

cena, você mesmo. E outras ve-

construir em seu entorno um

zes acontece exatamente assim,

mundo que já não existia mais,

você quer encenar pessoalmente

Versão resumida de roteiro. (N. da T.)

algo que deseja ver, pois corres-

1


38

Mostra encontro com o cinema alemão

ponde exatamente ao seu gosto. Na verdade,

vilhoso!”, você se pergunta algo como: “Por

WB: Por exemplo, quando pensamos no

para mim é assim: quatro em cinco coisas

que esse livro me agradou tanto? E quais

personagem Alex em Adeus Lenin!, no

que eu gostaria de ver não gostaria de reali-

as conclusões que posso tirar a partir disso

exposé2 ele é apenas um esboço. É como

zar pessoalmente, pois creio não ser o diretor

em relação ao meu gosto por romances?” A

um desenho a carvão, mas onde já é

certo para a questão. Mas uma entre as cinco

maioria das pessoas não fica fazendo autoa-

possível identificar um gesto, uma pose

eu quero realizar, aquela que estamos sempre

nálises desse tipo no seu dia a dia. É alguma

e uma postura, mas nada disso ainda

procurando. É porque queremos contar uma

coisa que toca especialmente, que faz você

foi detalhado. Eu diria, o exposé de um

história sobre um universo de pessoas que

vibrar, faz relembrar, faz rir de determinada

roteiro corresponde a um esboço, como

nos seja próximo. Quanto mais próximo de

maneira. É aquele momento em que você diz:

aquele bloco de desenhos ou estudos fei-

nós for a história, sem que você esteja muito

“Aqui sinto essa identificação, percebo logo

tos pelo artista plástico, antes de partir

envolvido — pois é preciso também manter

como são aquelas pessoas, eu as entendo,

para pintar o quadro propriamente dito.

certo distanciamento — mais fácil será falar

compreendo-as emocionalmente.” Quando

Quando se está envolvido no roteiro pre-

sobre ela. Muitas coisas estavam presentes

tudo isso estiver reunido, trata-se do enredo

cocemente — o que foi o meu caso ao

no caso: primeiro, tratava-se de pessoas mui-

certo. Infelizmente não acontece com muita

realizarmos Adeus Lenin! —, o diretor

to próximas a mim quanto a sua origem, sua

frequência. Há diretores que têm uma ati-

também tem a oportunidade de inserir

maneira de pensar, sua atitude emocional.

vidade muito diversificada e abrangente, e

no roteiro aquilo que lhe parece impor-

Além do fato de serem pessoas da Alemanha

com ela causam um efeito parecido, penso

tante em um personagem, e não apenas

Oriental — e eu sou alguém que não tem em

eu, ao de um antibiótico de amplo espectro.

reinterpretar e modificar o personagem

sua biografia a vivência ativa na Alemanha

Podem criar diversos argumentos a partir

de um roteiro finalizado, aquilo já vai

Oriental — o necessário distanciamento para

de gêneros diferentes, porque a própria pes-

fazer parte do roteiro. Eu não precisei

contar tudo isso era um fato.

soa, sua biografia, não é tão importante. É a

adaptá-lo, pois já estive envolvido em

história que está em primeiro plano. Eu, de

todo o seu processo de desenvolvimento.

O que é preciso para que um argumento o

minha parte, preciso de um conhecimento

E, por essa razão, a familiaridade com os

fascine dessa maneira, como aconteceu em

mais íntimo das pessoas.

personagens era muito grande.

Adeus Lenin!? Mas e quando os personagens são invenWB: Acontece quando você lê alguma coisa

tados por outra pessoa, de onde vem essa

e simplesmente fica fascinado. Quando você

sensação de que você os conhece? Eles fa-

termina de ler e fecha um livro exclamando

zem você lembrar de pessoas que já conhe-

“Incrível! Acabo de ler um romance mara-

ceu durante sua vida?

Depois de definida a ideia de um filme, o exposé é o próximo passo: é um esboço do roteiro, descreve o tempo e espaço da história, as características das personagens, a evolução da ação etc. (N. da T.) 2


Pode-se dizer que os temas que interessam

para todos. Observa detalhadamente e cria

a você contêm uma filosofia de vida espe-

situações de extremo absurdo e intrinca-

cífica?

mento. E nós achamos graça, mas de maneira alguma queremos estar no lugar daquele

WB: Sim, trata-se do absurdo da vida. Os

personagem, que até poderíamos ser, sim-

termos “humano” e “compreensível” são

plesmente porque nos reconhecemos nessas

muito importantes nesse contexto. Quer di-

pessoas.

zer, quando encontramos uma situação e a levamos a um extremo, uma situação que

Absurdos ou situações de hilaridade absurda

envolve alguma mentira e passa a ser con-

podem ser vistos todos os dias. Quero dizer,

duzida por ela, iremos tocar todas as pesso-

basta abrir o jornal, estar no metrô, no ae-

as, pois todos nós já mentimos alguma vez

roporto, em qualquer lugar, andando pelas

na vida. Todos nós já ficamos enrolados al-

ruas, em toda parte deparamos com esses

guma vez dessa maneira, e sabemos o que

episódios. Basta abrir os olhos ou ter certa in-

pode acontecer quando uma mentira foge

clinação para descobrir essas coisas. E parte

do seu controle por algum acontecimento

disso você acaba captando.

39

a mentira e cada vez mais vai sendo envol-

Por exemplo, você está em um aeroporto e

vida em dificuldades maiores. Assim, algo

passa por alguém que berra sem parar ao

que inicialmente foi apenas uma mentira

telefone: “Não posso ficar me repetindo, não

criada para cobrir uma emergência, ou até

posso ficar me repetindo!”, de alguma manei-

com boas intenções, passa a ser um grande

ra é bem simples, é uma situação engraçada.

problema. Isso é algo que qualquer um irá

Você só ouve isso da pessoa. Ou outro exem-

entender, independentemente da língua, da

plo, que acabo de ler no jornal: uma pessoa

mentalidade, da classe social. É algo univer-

que recebia um benefício social do estado

sal. Não pretendo comparar meu filme a um

teve o benefício cortado por ter se recusado a

de Charlie Chaplin, mas ele constrói seu hu-

responder a um teste. Isso aconteceu de ver-

mor exatamente dessa maneira, ele observa

dade. O teste incluía uma questão, que exigia

muito bem o ser humano e explora aspectos

que a pessoa conjugasse o verbo em todas as

muito simples, humanos e compreensíveis

pessoas dentro da seguinte frase: “Eu fodo

Adeus Lenin!

fortuito. A pessoa se vê obrigada a sustentar


sua mãe.” A pessoa se recusou a fazê-lo. Ao

que existe o story driven e o character driven,

dação, que tem um enorme potencial, mas

perguntar ao funcionário público do ministé-

ou seja, a história conduzida pelo enredo e

ainda não tem um rosto concreto, nem mo-

rio por que aplicavam um teste tão esquisito

a história conduzida pelos personagens. Em

vimentos concretos. É isso que procuramos

— agora não é mais o Ministério do Trabalho,

Adeus Lenin! o fio é sem dúvida o enredo, que

ao formar um elenco: onde existe a maior

é alguma agência — ouviu a resposta de que

é muito forte, mas também há personagens

congruência entre como pensamos um per-

a ideia era fazer os testes adaptados à classe

fortes. Os filmes que fiz antes desse, na ver-

sonagem e a maneira muito espontânea de

social [risos]. Acho isso tão absurdo... Merece

dade, surgiram pelo conhecimento profundo

algum ator. É algo que o ator nem precisa in-

até um novo filme, imediatamente.

que eu tinha dos personagens que em algum

terpretar, está presente no seu jeito, em seus

momento juntei, quase como se fosse um ex-

gestos. Na verdade, cheguei a Daniel Brühl

Você tem um arquivo em que coleciona

perimento, para ver o que poderia acontecer

bem tardiamente, pois ele não atendia a um

esse tipo de coisa?

com eles ao escrever. Não havia um enredo

dos requisitos: não era de Berlim Oriental.

predeterminado.

Eu estava conversando com a maquiadora sobre o sotaque típico na fala de quem é de

WB: Sim, em casa tenho umas caixas com

40

papéis meio desorganizados, infelizmente,

Em Adeus Lenin! a composição do perso-

Berlim Oriental. Maria Simon também é de

grosseiramente separados por temas, com

nagem de Alex foi extremamente impor-

lá, e Karina Sass também conhece bem isso.

recortes de jornal, pequenos comentários

tante. Você conseguiu visualizá-lo logo em

Apesar de não ser de Berlim Oriental, ela

que vou anotando aqui e ali. Coisas que pos-

sua mente?

também tem esse acento. O Daniel Brühl, que é da Renânia, e na verdade é um garoto

so aproveitar aqui e ali. Mas o problema é

Mostra encontro com o cinema alemão

esse, só os papéis não fazem surgir uma his-

WB: Na verdade, em um roteiro, a essência

típico de Colônia, não fala assim. E fazer um

tória. A história tem que existir, essas coisas

de um personagem só pode ser composta do

treinamento para forçar esse sotaque não

são apenas a carne que será acrescentada às

seguinte: Como ele reage em determinada

dá certo. Por isso é que inicialmente eu nem

pessoas. É aquilo que ainda não está presen-

situação? Como podemos descrever peque-

o considerei e fui procurar alguém em Ber-

te naquele esboço, mas que vai definir os de-

nos momentos gestuais, pequenas reações?

lim Oriental. Mas não encontrei ninguém. A

talhes da pessoa.

Como ele reage principalmente por meio de

certa altura Daniel apareceu e foi ótimo! Ele

sua linguagem? Isso é muito importante.

teve que aprender a pronúncia durante três

Mas a fisionomia perfeita ainda não existe,

meses, mas, depois, tivemos que eliminá-lo

a não ser que você esteja escrevendo um

novamente.

E qual o tamanho desse arquivo agora? WB: No momento estou fazendo uma revisão

roteiro para determinado ator. Esse não foi

[risos]. Não é brincadeira. É verdade, é o que

o caso em Adeus Lenin!. Então, nessa fase

Quais as qualidades de Daniel Brühl para

estou fazendo. Os norte-americanos dizem

apenas se trata de um personagem de re-

este papel?


WB: Ele é muito convincente em todos os

o outro. Você percebe que ali não fica nada.

WB: Isso é extremamente importante. É o

sentidos. Na verdade, este era um projeto

Para descobrir essas coisas eu sempre me

que a pessoa viveu que a liga a uma época de

muito ousado: ter tanto amor pela mãe a

dou bastante tempo. É um processo muito

sua vida. Pensemos na escolha dos adereços

ponto de um filho construir um mundo in-

interessante. Há filmes em que essas coisas

— é sempre um problema. Existem adereços

teiro para ela. Nessa empreitada, ele arrisca

não têm importância porque os personagens

narrativos, dos quais depende muita coisa.

o relacionamento com a irmã e a nova na-

são muito mais estilizados. Mas quando você

Esses têm uma função dupla: não cumprem

morada, ele envolve todo mundo, a coisa não

está lidando com a forma realista, é preciso

apenas uma funcionalidade, precisam ser

sai barato e o deixa ocupado 24 horas por

prestar atenção a essas coisas porque os es-

também representativos para toda uma ge-

dia! Ele fica igual a um aprendiz de feiticei-

pectadores têm uma sensibilidade incrivel-

ração. Cada um é um bocado diferente. En-

ro que acaba perdendo o controle sobre sua

mente apurada para elas.

contrar o adereço, digamos, “apoteótico”, que

criação. É um construto muito ousado, im-

fale por todos e que obtenha unanimidade,

possível de explicar em um roteiro ou uma

O que é que se percebe em Daniel Brühl

muitas vezes é difícil. Isso não se refere a to-

história ou um diálogo — um personagem

que o faz ser tão convincente nesse papel?

dos os adereços — graças a Deus —, mas é

precisa ter tudo isso dentro de si. E Daniel

sempre um ou outro que tem muita impor-

Brühl tem. Nunca surgiu a pergunta: Por

WB: É simplesmente por causa do grande co-

que ele faz tudo isso pela mãe? Outro ator,

ração que ele tem. Um coração enorme que

que talvez interpretasse bem o papel, teria

não poderia ser interpretado em qualquer

Você poderia citar exemplos de adereços

trazido a pergunta dentro de si. São esses

atuação.

sobre os quais tenha dito: “Aqui encontrei

detalhes que podemos observar durante a

tância, que precisa ser muito bem escolhido.

exatamente a coisa certa”?

composição do elenco. É para isso que faze-

Então você rejeita a tese de que todo ator

mos o casting e os testes com os atores. Não

seja capaz de interpretar qualquer papel?

para descobrir se alguém é fundamental-

WB: Por exemplo, em Kinderspiele [Bricadeiras de crianças], a questão era o jantar. Que

mente um bom ator. Mas sim para descobrir

WB: Essa tese de que todos os atores possam

copos deveriam estar na mesa, como era a

se determinado ator é exatamente o melhor

interpretar qualquer papel é de uma estupi-

garrafa de leite, o que se comia na época?

para aquele papel. Vemos tantos casais apai-

dez total.

Essas coisas são estranhas, os sanduichi-

xonados, principalmente nos filmes nortemas você sabe com toda certeza que, quando o diretor diz “corta!”, cada um volta para o seu trailer e um não tem mais nada a ver com

nhos que se faziam, tinham um aspecto Trata-se também de determinado ambien-

bem característico. Criar uma situação em

te e de determinada época. Para você é im-

que uma breve olhada na mesa é suficien-

portante que as pessoas que viveram certa

te para imediatamente causar aquela sen-

época possam reconhecê-la no filme?

sação em muita gente “Oh meu Deus, essa

Adeus Lenin!

-americanos, que reúnem grandes estrelas,

41


vida! inda bem que eu pude escapar”, mas

que raciocinar: onde é o espaço de circula-

também tem a ver com o orçamento dispo-

logo voltam os sentimentos sufocantes, pois

ção, como corre a dona de casa, onde está

nível para a produção. Quando o dinheiro

conheço muito bem essa vida. Para gerar

a pia, o fogão, como é a movimentação nor-

não está escasso, você também pode dizer

um sentimento desses deve ser suficiente

mal? Isso vai determinar a distribuição dos

para o ator: vá até ali no armário e abra!

dar uma olhada, aquela panorâmica: você

lugares à mesa: onde senta o pai, a mãe, as

Geralmente ele abre o armário e por dentro

vê aquela mesa e tem a sensação de estar

crianças? Mas isso você só percebe em um

não há nada, pois não houve dinheiro su-

sentado ali na sua infância, como naquela

espaço concreto. Eu costumo dormir no set

ficiente. Então você nem sequer pode ter a

época. Isso é que é importante, e é isso que

de filmagens para desenvolver uma percep-

ideia: você não pode abrir gavetas ou por-

os adereços contam. No início das filmagens

ção para as sequências de cena.

tas porque por dentro não há nada. Quando

tínhamos uma cozinha no set, equipada

42

há dinheiro, dizemos: vamos montar com

como se tivesse saído de um catálogo dos

Você tem a fama de ser perfeccionista em

tudo! Só então o diretor pode ter a ideia e

idos de 1960-1965. Naquela época, a fórmica

algumas coisas. É necessário mesmo ficar

dizer: abra a porta do armário! Essa é uma

acabava de ser lançada. Isso foi um proble-

elaborando tanto a ponto de dormir no set

situação muitas vezes difícil, pois frequen-

ma para o filme, pois as cozinhas eram mais

para que tudo saia a contento?

temente as necessidades do diretor não cor-

um amontoado de partes: ao lado de coisas

respondem às possibilidades do orçamento.

Mostra encontro com o cinema alemão

novas ficava o aparador da vovó dos anos

WB: Talvez eu tenha fama de perfeccio-

Mas creio que em algumas coisas devemos

1920 e coisas da guerra. Então eu conheci

nista porque quando uma coisa ainda não

ser muito precisos. Isso faz parte. Considero

muitas cozinhas desse tipo, seja na Baviera

está certa na terceira tentativa eu seja

alguns diretores, do passado e da atualida-

ou no norte da Alemanha. Tínhamos mui-

um pouco mais enfático: agora está na

de, muito desleixados nesse aspecto.

tos parentes, o que me fez conhecer várias

hora de termos o adereço certo! E sempre

cozinhas. Só as pessoas endinheiradas pu-

tem a ver também com os recursos que

A ideia de fazer os pioneiros cantarem, de

deram logo comprar aqueles armários sus-

as pessoas com quem trabalhamos têm

ativar o velho diretor, preparar o cesto ade-

pensos esquisitos, em amarelo-claro, rosa

à disposição. Nossos orçamentos são mui-

quado — e depois a tal faixa da Coca-Cola.

e azul-claro. Mas as pessoas mais humildes

to limitados, mas então aparece um diretor

Você consegue se lembrar como chegou a

não podiam comprar um jogo de armários

que deseja, para um simples jantar, uma

esses detalhes?

inteiramente novo, por isso era importante,

decoração muito específica. Aí vem o cenó-

no contexto do filme, conseguir represen-

grafo e diz: “Já fiz isso tantas vezes, porque

WB: Lembro-me de que, no roteiro, a mãe

tar essa mistura. Assim sendo, derrubamos

é que esse sujeito quer algo tão especial? Por

não era apenas professora primária, mas era

nossa nova cozinha e a remontamos com

que isso agora está no centro das atenções?

professora de uma escola de surdos-mudos.

um mobiliário misturado. Depois tínhamos

Só vai custar mais dinheiro.” Sem dúvida

A cena do aniversário, na verdade, era a se-


vendo. Primeiro você escreve e depois é que

que acabam representando tudo em nossa

escola usando a línguagem de sinais, uma

percebe: “Ah, estou acrescentando muita

vida. Podemos observar isso nos momentos

canção de pioneiros (da Alemanha Oriental),

coisa aqui.” Essa cena tem apenas uma di-

mais simples, na vida do dia a dia. Por mui-

e estava muito feliz, pois as crianças conse-

mensão menor. Como atribuir outra dimen-

tos anos dirigi um táxi em Berlim. Hoje em

guiram entender.

são a ela, e talvez até uma terceira, sem que

dia, os taxistas ficam em maus lençóis co-

tudo acabe ficando muito superposto? Pode-

migo quando dirigem mal, quando não sa-

A questão com a faixa da Coca-Cola ainda

ríamos ser mais parcimoniosos e condensar

bem o caminho. Isso porque eu sei o que é

nem estava no roteiro, só entrou em uma

uma cena cortando algumas passagens. Al-

necessário para ser um bom profissional. Ela

cena mais adiante. Os alemães iam jogar a

guns detalhes ficam mais na nossa memória.

tem o reflexo que todos têm quando cantam

final do futebol e todos queriam sair logo do

Por exemplo, a linguagem do professor, cujas

com crianças. Ela o faz espontaneamente,

aniversário para ver o jogo, e a mãe perce-

frases sempre se perdem no infinito. No ro-

e isso faz parte desse tipo de personagem.

be isso. Algum dos presentes exclama sem

teiro, essas frases estão bem elaboradas, ou

Mas você precisa ensinar um pouco disso

querer: “Sim, estamos na final!” A mãe fica

seja, está marcado onde o ator deve inter-

ao ator. Não é difícil ver isso em filmes: os

totalmente surpresa ao saber que a Alema-

romper, onde faz uma pausa, onde gague-

coadjuvantes à direita e à esquerda sabem

nha Oriental (RDA) possa jogar uma final de

ja. E você vai e procura um ator que tenha

bem o que fazer, mas o ator principal, que está

um torneio. E assim se cria o problema para

essa aptidão maravilhosa de deixar as frases

no meio deles, nem sabe como deve segurar

Alex: ela quer ver o jogo a todo custo e ele

terminando no infinito... Michael Gwisdek

uma faca. No meu caso, quando isso acontece,

tem de fazer a sua vontade. Tentamos tudo

é alguém que sabe fazer isso, primeiro, ele

oriento os atores a observarem por um ou dois

o que foi possível para criar interferências

sempre tenta mandar um caco. E se você tem

dias um local de trabalho para aprenderem

na transmissão da tevê, para que só se pu-

consciência disso, poderá fazer um trabalho

essas coisas, para que não fique tão esquisito.

desse ver os jogadores correndo no campo,

maravilhoso com ele. Outro ator que não te-

mas sem deixar que fossem reconhecidas as

nha esse talento especial não conseguiria

O que me impressionou muito foi a descren-

camisas dos times. Isso é quase impossível.

isso. Outra situação é aquele gesto da mãe,

ça demonstrada no rosto de Brühl quando a

quando os pioneiros estão cantando e ela faz

mãe diz: “Tem alguma coisa atrás de você!”

Nesse caso são três ideias diferentes, que

o sinal para encerrar. Mesmo acamada, mo-

E ele, então, pergunta, irritado: “O que que

haviam sido desenvolvidas em três cenas

mento em que ela deveria apenas repousar,

é?” Certamente isso é muito difícil construir,

diferentes, mas acabaram se fundindo nes-

está ligada na atitude de professora.

quando já se sabe o que existe ali atrás.

exemplo do quanto escrever um roteiro sig-

(Rindo) É mesmo, todos somos quem so-

No nosso caso, o Daniel até interpretou essa

nifica em primeira linha estar sempre re-

mos. Muitas vezes ficamos ligados a coisas

cena sozinho. Os outros nem estavam pre-

sa cena. O que por sua vez é um excelente

43

A vida é um canteiro de obras

guinte: ela cantava para alguns alunos da


sentes. Para mim, foi uma cena difícil de

a eles uma situação o mais natural possível.

Há momentos no filme que vieram como

dirigir porque a câmera filmava em uma

O fato de Daniel ter conseguido um bom

um presente lindo e inesperado?

direção, voltada para Katrin Sass sozinha

resultado, apesar das condições adversas,

na cama, e depois havia a outra direção, a

deve-se a sua qualidade como ator.

câmera voltada para 10 ou 12 pessoas, que

dek, que, como você disse acertadamen-

em um momento eram mostradas em uma

Você chegou a usar algum adereço para

te, não conclui as frases por estar nervoso.

panorâmica e dali pinçávamos um ou ou-

surpreendê-lo? Muitas vezes deixamos os

Como diretor escolar, deveria ter aprendido

tro. A situação ideal teria sido que nesse dia

atores um pouco no escuro, a fim de provo-

isso, além de pequenos discursos oficiais.

todos estivessem no set o dia inteiro, mas

car reações autênticas.

Podemos perceber muito bem sua inse-

esse não foi o caso. Um ou outro tinha de

44

WB: Há diversas coisas. Como Michael Gwis-

gurança quando começa a gaguejar, pois

sair depois de duas horas, outros só chega-

WB: Podemos fazer isso espontaneamente.

Alexander Beyer e Maria Simon o corrigem

ram três horas depois, outro nem pôde vir.

Quando uma situação não está funcionan-

sem parar. Os três protótipos da Alemanha

No dia de filmar a tomada reversa, Daniel

do e não conseguimos ir adiante, combina-

Oriental, ou seja, o zelador, a vizinha e mais

Brühl não pôde vir, estava recebendo um

mos algumas coisas com um ator e dizemos:

um colega de trabalho do condomínio, todos

prêmio. Tivemos de usar um motorista em

“Faça algo que surpreenda o outro, faça algo

foram muito bem escolhidos e interpreta-

uma cena, vesti-lo com as roupas de Da-

que seja inesperado para ele, deixe-o inse-

ram seus papéis com muita satisfação, dan-

niel, de ensinar-lhe a se movimentar como

guro.” Mas isso só vai funcionar uma vez. Se,

do as suas contribuições na estilização dos

Daniel, tudo isso é terrível. E para fazer as

por azar, nesse momento, o cameraman tre-

personagens. Foi uma grande alegria tra-

tomadas da mãe, fui eu quem ficou pulan-

mer ou o material acabar, não será possível

balhar assim, ver como eles conseguiram,

do como um Zampano por trás da câmera

repetir. Portanto, esse não é um recurso que

nesse breve momento que tinham, fazer

pronunciando todas as frases — e Katrin

vá servir sempre. Por isso é que não confio

esse ajuste fino com um só olhar e não atuar

Sass tinha ataques de riso, pois eu também

muito em trabalhar com momentos-sur-

apenas seguindo as instruções.

estava tentando interpretar.

presa. Quando você trabalha com coadju-

3

Mostra encontro com o cinema alemão

vantes que simplesmente não reagem, pode

O que caracteriza um bom diretor?

Naturalmente isso é uma condição difícil

deixar cair alguma coisa que faça barulho e

para o ator, quando a situação não é das mais

todos irão olhar imediatamente, esse é um

WB: Um bom diretor deveria ser alguém que

autênticas e reais. Os atores não existem

reflexo puramente instintivo que você pode

tem a capacidade de contar uma história em

para transformar uma situação totalmente

aproveitar. Mas você não pode fazer isso in-

que os personagens sejam de carne e osso.

artificial em natural. Devemos proporcionar

cessantemente com os atores, eles podem

E, naturalmente, precisará também de uma

reagir com muita irritação.

série de virtudes secundárias de grande

3

Personagem de Fellini em La Strada. (N. da T.)


valor. Deve ter muita paciência, o que não

plesmente, muito importante. Mas cuidado

fora tudo o que era considerado clichê nos

é meu caso, e perseverança, o que creio ter

para não confundirmos as coisas: se você

filmes mudos. De produção mais recente,

um pouco. Ao gravar um filme, você funcio-

está em um set e acha graça em uma cena,

achei Gegen Die Wand [Contra a parede] um

na um pouco como anfitrião. Nessa fase, é

isso não quer dizer – não mesmo – que o pú-

admirável trabalho de direção, também um

importante que as pessoas que chegam to-

blico também irá dar risada.

filme muito corajoso.

as outras, pois passam juntas um período

Na história do cinema alemão, diga o nome

É difícil citar filmes isoladamente. Mas

bem longo e quase chegam a formar um tipo

de um diretor cujo trabalho o tenha im-

achei Das Weisse Rauschen [O ruído branco],

de família. Quando as condições são favo-

pressionado, talvez até influenciado.

de Hans Weingartner, um filme muito, mui-

dos os dias ao set se sintam bem umas com

ráveis, isso é algo muito fácil, mas quando

to bom, de um principiante. Eu acho, por WB: Encontrar um único nome é muito difí-

exemplo, Das Parfum [O perfume], de Tom

complicado. Como bom diretor você tem de

cil. A diversidade é muito grande. No momen-

(Tykwer), tudo bem, ele é agora meu amigo e

dar atenção a isso, ser um bom anfitrião. En-

to estou muito impressionado com Käutner,

colega, um trabalho simplesmente admirá-

tão, dizer apenas “aqui me concentro total e

de Unter den Brücken [Sob as pontes]. Por sor-

vel. Trata-se de um romance incrivelmente

somente na encenação, todo o resto não me

te, uma versão restaurada desse filme foi

complexo.

interessa”, acho bem problemático. Alguns

lançada em DVD, apesar de ter sido rodado

cineastas são assim, mas creio também que

em 1944. Parece tão moderno e recente, não

A mesma pergunta, mas sobre o cinema

acabam perdendo certas coisas. E do que

tem nada a ver com o nacional-socialismo,

estrangeiro. Qual faria você pensar: “Al-

mais precisa um diretor? Com todas as pres-

nem ideologicamente ou por alguma identi-

gum dia também quero fazer algo assim”?

sões que ele sofre — está sujeito a pressões

ficação, nem pela maneira como as pessoas

incessantes, pressões financeiras, da produ-

falam. Mostra uma imagem bem diferente

WB: Há incrivelmente muitos exemplos de

ção — ele precisa saber preservar o prazer

das pessoas daquela época, mas que, a meu

filmes que me impressionaram, que tam-

do lúdico. E vai conseguir isso da maneira

ver, também existiram. Na forma como foi

bém são muito diferentes entre si. Um fil-

mais fácil ao escolher as pessoas que fica-

rodado e como trata o lado visual, também a

me que realmente me impressionou, que

rão a sua volta, que também devem gostar

montagem, podemos dizer que em algumas

nunca envelheceu e eu acabo de revê-lo, é o

de brincar, pessoas com quem você também

cenas parece mesmo um filme da nouvelle

The Conversation, de Coppola. É um filme que

pode ficar falando bobagens nos intervalos,

vague. Outro filme que por aqui é pouco co-

continua me impressionando, até hoje. A

fazendo brincadeiras. Se não houver humor,

nhecido, chama-se Asphalt [Asfalto], de Joe

meu ver é um dos seus maiores filmes. Mas

se um set for um local sem graça, terei lá

May; acabei de revê-lo. Um filme mudo, dos

também posso achar maravilhoso algum

meus problemas. Para mim o humor é, sim-

anos 1920, mas que é tão moderno, deixa de

desses filmes de puro entretenimento, como

45

Adeus Lenin!

as condições são difíceis pode ser algo bem


Cantando na chuva, apesar de esse filme, a

onde você pode receber consolo e alívio por

WB: Comecei a carreira como cameraman. Foi

certa altura, ter um ponto fraco no enredo,

diversas razões. Porque tira você do cotidia-

essa minha escolha na escola de cinema. Fo-

que sempre me fez pensar que fizeram al-

no e porque muitas vezes pode dizer a você

ram mais os outros que me levaram a decidir

guma concessão ao ator principal. Contudo,

que os outros podem não estar tão bem como

pela direção, não foi algo da minha cabeça.

é uma história contada com extremo vigor.

você. Ou que certo problema não é só seu...

Quando o primeiro filme que dirigi começou

E um filme também pode fazer você pensar.

a fazer sucesso, não recebi mais nenhum chamado para trabalho de câmera. Então pensei:

Há filmes de média duração. Por exemplo,

46

Mostra encontro com o cinema alemão

há um filme que me influenciou de maneira

Para mim, naturalmente, o cinema também

vamos ver se é um episódio único ou se vai continuar

muito duradoura durante o período de mi-

é a possibilidade de reunir diversos inte-

assim. Mas o trabalho de cameraman seria mi-

nha formação, bem no início do meu curso

resses, por exemplo, a paixão pela música,

nha primeira escolha. Outra coisa que tam-

na DFFB, acho que foi o primeiro ou o segun-

por Shakespeare, por imagens, e me refiro

bém acho muito interessante é o sound design,4

do filme de Mike Leigh. Era um filme para

não apenas a fotografias ou imagens em

eu acho que também saberia fazer bem, iria

tevê chamado Meantime. Ninguém o conhe-

movimento, mas sem dúvida à relação da

gostar. O que com toda certeza eu não seria é

ce hoje em dia, e pessoas como Tim Roth e

fotografia com a visualidade. A cada vez é

roteirista (risos).

Gary Oldman tem papéis bem secundários.

uma nova missão, a cada vez a tônica recai

É um filme que na época me influenciou

mais sobre uma coisa do que sobre outra. É

muito, já faz tempo que não o vejo, pois in-

a oportunidade de ter recursos fantásticos

felizmente não existe em DVD. No cinema

à disposição que eu não teria se fosse escre-

francês existem muitos filmes. O homem que

ver um romance, por exemplo — o que para

amava as mulheres sempre foi um dos meus

mim seria horrível: estar sentado e ter a

grandes preferidos de Truffaut.

obrigação de escrever um romance. Sei que escrever um romance é uma realização in-

Diga em uma frase o que significa cinema

crível, lançar pessoas em uma viagem fan-

para você.

tástica assim. Mas não é de meu interesse. E

WB: Para mim o cinema, como lugar, é sem-

é isso que eu aprecio no cinema, poder reu-

Fonte: BELCKER, Wolfgang. Interview... Kategorie:

nir diversos recursos na criação.

Regie Spielfilm (tradução nossa). Disponível

pre uma sala escura onde você pode viver

em: http://www.vierundzwanzig.de /content/

algo muito mágico com outras pessoas. É um

Uma última pergunta: se você não fosse di-

download/4029/26151/version/1/file/becker.pdf.

local onde você também pode encontrar um

retor, poderia se imaginar exercendo qual-

Acesso em: 4 nov. 2013.

breve entretenimento, portanto é também

quer outra profissão no cinema?

4

Sonoplastia. (N. da T.)




Sonnenallee 1999 | 94 min

em se tornar um astro pop. Pela política

do serviço secreto; mas a única certeza

ele não se interessa — não é a favor nem

que Michael tem é a de estar apaixonado

contra o sistema da Alemanha Oriental.

por Miriam, a maravilhosa e inalcançável

No entanto, ele quer bagunçar toda a or-

Miriam.

ganização da sociedade “de dentro para fora”— coisas que se pensa quando se

Sonnenalle retrata, com humor, a vida

é jovem e revolucionário. Seus amigos

dos jovens na Berlim Oriental e nas zo-

Mario, o existencialista, e Wuschel, que

nas fronteiriças, em 1973, fazendo uma

corre perigo por causa de um disco dos

caricatura dos problemas dessas pessoas

Rolling Stones, estão no mesmo barco.

a fim de contar uma história universal. Ao

Seu tio, que vive na parte ocidental, con-

final, a comicidade do filme é interrompi-

Edição: Sandy Saffeels

trabandeia meias de náilon para a mãe

da por passagens mais dramáticas.

Música: Stephen Keusch, Paul Lemp

de Michael; seu vizinho pode ser espião

Direção: Leander Haußmann Produção: Boje Buck Produktion Roteiro: Leander Haußmann, Detlev Buck, Thomas Brussig Câmera: Peter-Joachim Krause

Elenco: Alexander Scheer, Alexander Beyer, Robert Stadlober, Teresa Weißbach, Katharina Thalbach, Elena Meißner, Detlev Buck, Henry Hübchen, Ignaz Kirchner e Margit Carstensen

Na sua estreia no cinema, o diretor de teatro Leander Haußmann tenta capturar a vida em Berlim Oriental nos anos 1970. Micha Ehrenreich, de 17 anos, vive com os pais e uma irmã na Sonnenallee, avenida que tem um trecho mais longo no bairro de Neukölln (em Berlim Ocidental), e um trecho mais curto em Treptow (na parte oriental da cidade dividida). Micha vive na na parte Oriental e sonha

49


em Berlim (Oriental). Apesar de atuações bem-sucedidas em diversas salas de teatro, Haußmann começou a trabalhar como diretor em 1991 e em 1999 dirigiu

Crítica Por Thomas Waitz

seu filme inspirado no romance Sonne-

“Você se esqueceu de trazer o filme colori-

nallee (de Thomas Brussig), que provou

do”, ouvimos no fim do filme em uma can-

ser um grande sucesso de crítica e de

ção antiga — “Agora ninguém vai acreditar

público, sendo agraciado também com

como aqui é bonito”, enquanto a imagem

o Urso de Prata.

adquire tonalidades acinzentadas. Usando o roteiro premiado de Thomas Brussig,

Filmografia 2013 | Hai-Alarm am Müggelsee 2011 | Hotel Lux

50

2008 | Robert Zimmermann wundert sich über die Liebe

Mostra encontro com o cinema alemão

Na época, Leander Haußmann escolheu

2007 | Warum Männer nicht zuhören und

como protagonistas atores completa-

Frauen schlecht einparken

mente desconhecidos; já para os papéis

2005 | Kabale und Liebe

coadjuvantes, foram escolhidos veteranos

2005 | NVA

premiados, como Katharina Thalbach,

2003 | Herr Lehmann

Henry Hübchen e Ignaz Kirchner.

2001 | Denk ich an Deutschland — Die Durchmacher

Biografia do diretor

2000 | John Gabriel Borkman 1999 | Sonnenallee

Leander Haußmann, nasceu em 1959,

1997 | Das 7. Jahr — Ansichten zur Lage der

em Quedlinburg. É filho do ator Ezard

Nation

Haußmann. Em 1982, estudou interpre-

1995 | Männerpension

tação na Escola Superior Ernst Busch,

1991 | Die Verschwörung des Fiesco zu Genua

Leander Haußmann parte para uma dupla viagem em sua estreia como diretor de cinema: ele retorna aos anos 1970 e retorna à realidade perdida do dia a dia da República Democrática Alemã.

Sonnenallee é uma avenida em Berlim cujo trecho mais longo fica na parte ocidental, o finzinho na parte oriental da cidade — no


meio, o muro. Em cenas muito belas, em for-

ele conseguem realizar uma descrição —

ma de cartazes, o filme apresenta os perso-

sem precedentes — do que representa o dia

nagens: conhecemos primeiramente Micha,

a dia no sistema da República Democrática

Mario, Wuschel e alguns outros rapazes.

Alemã. A artificialidade proposital e a vi-

A maioria deles está terminando o Ensino

sualização do que foi encenado são parte

Médio e precisa decidir se presta o serviço

do projeto — apesar de se suspeitar de que

militar no exército ou não. Nessa ociosidade,

não se trata tanto de um recurso genérico

sempre cheia de vitalidade, nessas horas de

da linguagem cinematográfica, mas de um

lazer em comum, presenciamos uma alegria

efeito decorrente do histórico de teatro de

colorida que muitas vezes beira a algazarra.

Haußmann.

Essa apresentação nostálgica é alimenta-

Detlev Buck, que já estava correndo o risco

final do túnel.” O final do túnel: é — no mi-

da por um arsenal completo de fenôme-

de se tornar a maior caricatura do cinema

crocosmo — a luz no final da Sonnenallee.

nos genuínos da cultura pop oriental, cuja

alemão, trabalha de modo bastante discre-

principal característica é provavelmente o

to no âmbito de suas possibilidades mími-

Brussig e Haußmann têm razão em defen-

princípio do workaround. Como não há drogas

cas limitadas. Os demais papéis contam

der uma experiência de vida autêntica e

usuais à mão, a opção é usar um remédio

com um elenco excelente e uma interpre-

com credibilidade contra aqueles que viam e

contra asma diluído em Coca-Cola — aliás,

tação brilhante, especialmente os “adultos”

ainda veem na República Democrática Ale-

o efeito é impressionante. Micha (Alexander

— encabeçados por Henry Hübchen e Ignaz

mã especialmente o muro, o serviço secreto

Scheer) e sua família são o fio desse filme

Kirchner. Muitas vezes são os atores que evi-

e a falta de liberdade. O roteiro e a direção

narrado em episódios, vinculados pela pers-

tam que o filme acabe em um pastelão.

não escondem essa parte, mas incluem aqui

pectiva de desenvolvimento do amor entre

a história autêntica de uma juventude. No “Esse país é apertado como um par de sa-

fim, tudo foi divertido? Pode ter sido. Ou en-

patos”, escreve Micha no seu diário em uma

tão, muito diferente.

Uma teoria que Brussig aponta com proprie-

cena com excelente dramaturgia no final do

dade no folheto sobre o filme é que a Repú-

filme. E durante um blecaute na região da

blica Democrática Alemã, na retrospectiva,

fronteira — exibida em uma montagem pa-

dá uma boa farsa e, de fato, Haußmann e

ralela — ele complementa: “Mas há luz no

Fonte: Site Schnitt (tradução nossa). Disponível em: http://www.schnitt.de/202,2532, 01.html. Acesso em: 4 nov. 2013.

Sonnenallee

Micha e sua vizinha Miriam.

51



4 dias em maio 4 Tage im Mai 2011 | 95 min Direção: Achim von Borries

Uma patrulha russa, composta por apenas oito pessoas, ocupa o orfanato no qual o garoto vive com a tia. A mulher, inteligente e decidida, logo se rende aos russos, mas Peter quer bancar o herói e aponta sua arma para o capitão Kalmykow, que reage com valentia e prudência, e baixa a arma da criança. A patrulha e seu ma-

Produção: X Filme Creative Pool/ZAO Studio

jor têm uma tarefa desesperada: vigiar a

F.A.F./LLC Aurora Production/NDR/HR/ARTE

costa e fazer os reféns. Nesses últimos

Roteiro: Achim von Borries

dias de guerra, Kalmykow quer proteger

Câmera: Bernd Fischer Edição: Antje Zynga Música: Thomas Feiner

seus homens acima de tudo.

detenção. Já no fim da guerra, quando a Alemanha capitula, Peter acaba aceitando Kalmykow como um amigo paternal.

Elenco: Pavel Wenzel, Aleksei Guskov,

Quando uma unidade alemã aparece na

Angelina Häntsch, Gertrud Roll e Grigory

costa, Peter revela que os soldados so-

Dobrygin

viéticos estão infinitamente em número

4 dias em maio foi originalmente um pro-

inferior e insuficientemente armados.

jeto de Aleksei Gustov, que faz o papel do

Porém nem os alemães querem mais

capitão, como coprodutor. Assim, o filme

lutar, preferem fugir para a Dinamarca e

não só fala sobre a paixão equivocada de

se render aos ingleses. Peter reage com

uma criança, mas também sobre a his-

grande decepção, mas enfrenta outro

tória de uma adoção secreta e não ex-

problema: ele precisa proteger a jovem

plicitada. Peter perdeu seu pai na guerra,

Anna, escondida dos russos em um ce-

Kalmykow perdeu seu filho. Nesse filme,

leiro. Ela se apaixona pelo telegrafista

repetidamente ocorre a desconstrução

russo Fedjunin, que estudou música an-

de estereótipos de inimigos em um pe-

tes da guerra e toca os clássicos no piano

ríodo cheio de imperfeições. Mesmo

desafinado do orfanato. Com ciúme, Pe-

a música clássica do piano desafinado,

ter denuncia Fedjunin, que é punido com

mencionada repetidamente, remete a um

Peter, de 13 anos, corre até a costa para alertar os jovens da milícia Volkssturm: “Os russos estão chegando!” No entanto, o garoto, que queria ser um soldado valente, não é levado em consideração e após uma batalha insana, o mesmo garoto encontra um soldado alemão morto, veste o seu uniforme e pendura também o seu fuzil.

53


mundo à busca de sua harmonia perdida,

Kalmykow conta que veio de Leningrado,

semelhante às aves de arribação no céu

a mulher destaca que vem de São Peters-

que migram para o leste, perseguidas pe-

burgo. No entanto, no momento decisivo,

los olhares saudosos dos soldados russos.

a norma oficial da língua perde o seu poder.

No início do filme, vemos como os sol-

Biografia do diretor

dados russos prendem e levam embora

54

uma funcionária do orfanato. Achim von

Achim von Borries nasceu em 1968, em

Borries tem mesmo a coragem de relem-

Munique. Ele estudou História e Filosofia

brar as histórias contadas várias vezes so-

na Freie Universität, em Berlim, e Cine-

bre raptos e estupros, ele não quer adular

ma na Academia de Cinema e Televisão

a história nem ser intransigente, mas sim

(DFFB). Seu longa-metragem de estreia

superá-la. Isso também combina com a

como diretor, England! (2000), foi um su-

2011 | 4 dias em maio

sua maneira de lidar com a linguagem:

cesso de crítica e ganhou vários prêmios

2004 | Was nützt die Liebe in Gedanken

suas barreiras são transparentes, Peter e a

em festivais internacionais.

2001 | England!

diretora do orfanato também falam russo.

Filmografia

1998 | Halberstadt (curta)

Mostra encontro com o cinema alemão


Crítica Por Claudia Lenssen O filme 4 dias em maio, de Achim von Bor-

bos lados. O filme se passa em uma casa de

antiquada, mostra-se um conquistador em-

fazenda próxima à praia, na ilha de Rügen.

penhado em não prejudicar os soldados nem

O lugar é um abrigo para órfãos de guerra,

as crianças do orfanato ou suas educadoras.

dirigido por uma baronesa (Gertrud Roll) de

Esse herói paternal já passou por um longo

São Petersburgo que domina a língua russa.

histórico de repressões e concentra em si o

ries, narra um episódio dramático ocorrido

ódio dos seus superiores, fato que provoca

no final da Segunda Guerra Mundial, quan-

Um grupo de soldados do exército Wehrma-

do a divisão entre amigo e inimigo perde a

cht também aguardava na praia a chegada

clareza e a notória hora zero explode em

de um barco que os transportasse para um

4 dias em maio mostra o Exército Vermelho

uma dinâmica de violência absurda. Em 4

campo de prisioneiros britânico na Dina-

como uma tropa dividida, um campo de

de maio de 1945, poucos dias após o suicí-

marca. Para o protagonista, um pequeno

conflito entre soldados verdadeiros, benevo-

dio de Hitler, a guerra termina na Holanda,

garoto ruivo (Pavel Wenzel) que observa os

lentes e simpáticos do capitão e seu superior

no norte da Alemanha e na Dinamarca com

soldados já cansados da guerra, aquilo tudo

com uma impressionante carreira stalinista

a capitulação parcial das tropas alemãs. O

é uma grande decepção. Peter, que fala rus-

(Merab Ninidze). O armistício com os inimi-

sucessor de Hitler, Dönitz, pretende deixar o

so como a tia, perdeu o pai — um oficial do

gos alemães na praia funciona com ajuda

maior número possível de soldados e fugiti-

Wehrmacht — na guerra e, apesar da capi-

das traduções do menino. Todavia, uma fal-

vos civis nas áreas controladas pelos aliados

tulação, não quer abrir mão de suas fanta-

britânicos, para concentrar as forças e con-

sias de vingança.

uma progressão furiosa.

55

Quatro dias depois, o plano fracassa, quan-

A rendição parcial trouxe à ilha de Rügen

do na noite do dia 8 para o dia 9 de maio

uma paz traiçoeira, de modo que aqueles

foi decidida a capitulação plena no quartel

poucos homens do Exército Vermelho con-

principal russo em Berlim.

seguiram chegar até à fazenda sem batalhas. Nessa situação, o menino conhece um

O diretor adotou essa situação explosiva en-

representante especial do vitorioso Exérci-

tre a guerra e a paz como pano de fundo para

to Vermelho. O capitão Kalmykov (Aleksei

um encontro, que por um momento abala os

Guskov), junto com seus oito soldados can-

conceitos preconcebidos de inimigos de am-

sados e uma última bala na sua artilharia

A vida é um canteiro de obras

tinuar a guerra contra o Exército Vermelho.


ta grave do major bêbado inicia uma terrível confrontação em que os “bons” alemães estão em número maior e os “maus” russos estão completamente em desvantagem perante o ataque dos tanques de guerra do Exército Vermelho.

Esse filme alcança uma intensidade cativante por meio do protagonista infantil. Nenhum detalhe dessa perigosa situação de impasse que ocorre na casa da fazenda escapa ao olhar obstinado do garoto. Sonhador, ele

56

ainda brinca com os raios de sol que passam

concretas e não fontes abstratas. Os con-

pelo telhado do celeiro, mas adoraria partici-

ceitos preconcebidos de inimigos permane-

par da última batalha com os soldados. Peter

cem em vigor após a capitulação: os russos

esconde a babá (Angelina Häntsch), pela qual

na casa da fazenda e os alemães na praia

está apaixonado, dos soldados que se apro-

se aproximam, mas, apesar das negociações

ximam, por outro lado fica fora de si quan-

pragmáticas, é visível a sua separação.

do ela se apaixona por um telegrafista russo Mostra encontro com o cinema alemão

(Grigoriy Dobrygin), também pianista, que toca Schubert e Schumann para ela.

Diálogos sobre o que separa e o que une, por exemplo, o idioma do inimigo ou o significado de apelidos estão presentes durante todo o filme. A seleção dos cenários, a encenação

Fonte: EPD Film, Frankfurt, 2011 (tradução nossa).

visual e a condução da câmera também des-

Disponível em: http://www.epd-film.de/33184_90690.

tacam o constante conflito entre pessoas

php. Acesso em: 4 nov. 2013.


Conversa com Achim von Borries, roteirista e diretor de cinema

MF: Então você aprendeu seu ofício de

tado. Posso fazer isso usando apenas o que

modo convencional?

aprendi, sem limitações, sem censuras internas, somente o trabalho a ser feito. O que

AB: Não é bem assim... Às vezes me pergun-

não quer dizer que minha mente não esteja

to se aquele que faz filmes é artista ou arte-

no projeto ou que não haja paixão, mas seria

são. De fato, não acreditava que dominasse

de alguma maneira fora do meu universo

meu ofício, achava que era mais um artista.

criativo. Fazer um filme do zero, com argu-

Conhecia bem minhas ferramentas, mas só

mento, confecção do roteiro, direção e edi-

percebi isso na televisão, quando fiz traba-

ção é a verdadeira batalha, e em que utilizar

Achim von Borries: Sempre adorei cinema,

lhos como diretor contratado. Foi então que

técnicas acadêmicas tem peso menor, pelo

desde criança. Não tínhamos tevê em casa,

me dei conta de que conhecia o meu ofício.

menos na minha opinião.

então ir ao cinema era uma ocasião especial.

Acredito que com cinema a melhor manei-

Após os estudos regulares me candidatei a

ra de aprender é efetivamente fazendo fil-

várias escolas de cinema, mas em todas fui

mes. Isso também refletia o lema da escola.

considerado muito jovem, o que na verdade

Quando fiz England!, foi a primeira vez em

AB: Francamente, eu prefiro variar. Não con-

era, pois eu tinha 19 anos...

que estive fisicamente presente na realiza-

seguiria fazer um filme por ano e passei sete

Match Factory: Como você começou a fazer filmes?

MF: Qual você prefere?

ção de um filme. Não tinha ideia até então

anos sem fazer um filme. Talvez esse inter-

Então passei por algumas experiências de

do que significava filmar por 30 dias. Havia

valo tenha sido um tanto longo. Preciso de

estágio bastante desanimadoras, de manei-

feito um curta-metragem, e só. Hoje em dia,

tempo entre os filmes. Torno-me insuportá-

ra que decidi me concentrar em outras áreas

adoraria ter um pouco daquela inocência de

vel para meus amigos e para minha família

do meu interesse: escolhi História e Política.

volta.

quando estou filmando, e não conseguiria

Por querer estar em Berlim, em 1989, fazia

fazer isso senão a cada dois, três anos. Eles

sentido, então, cursar uma universidade

MF: Isso quer dizer que sua técnica é útil

por lá. Por sorte, após alguns semestres,

quando faz filmes que não escreveu?

consegui ser aceito na Deutsche Film- und Fernsehakademie (Academia de Cinema e Televisão) de Berlim. Sorte a minha: não estaria fazendo filmes hoje não fosse por isso. Não sou do tipo autodidata.

57

não aguentariam... MF: A questão se aplica ao processo de rea-

AB: É claro que sempre acabo utilizando

lização?

minhas habilidades instintivamente. Mas começo a me conscientizar delas quando

AB: Existem três processos envolvidos em

trabalho com o roteiro de outra pessoa ou

se fazer um filme: você dá à luz o filme três

ainda em trabalhos como roteirista contra-

vezes. Primeiro se constrói o argumento.

4 dias em maio

Entrevista


Escrever é um trabalho fantástico, solitá-

nos pelos meus padrões. Tenho a tendência

AB: Há três anos, Aleksei Guskov me abor-

rio, tranquilo, contemplativo. Dirigir torna

a visualizar claramente minhas paisagens e

dou durante o Festival de Cinema de Berlim.

a coisa toda terrivelmente concreta, mas

locações enquanto escrevo e depois mal os

Ele havia assistido à England!, que também

eventualmente válida. Transmitir a mágica

consigo reconhecer na realidade filmada.

tem um viés russo-ucraniano atual. Eu ti-

para a película [...], algum momento que não

Mesmo em 4 dias em maio não conseguimos

nha acabado de conhecer alguns realizado-

se esperava; evocando um ser humano, al-

ter algumas coisas da maneira que quería-

res russos, como Bakhtyar Khudojnazarov,

gum sentido, um estado de espírito. Adoro

mos e é preciso uma edição cuidadosa para

que dirigiu Luna e me apresentou à Aleksei.

quando vejo uma equipe inteira buscando

que eu consiga aceitar algum material como

esse único instante: o momento em que a

sendo algo novo sem que se compare com o

Com a abertura dos arquivos russos, essa

câmera começa a rodar e alguma coisa que

que quer que tenha sido concebido no início.

história se tornou pública. Fala da unidade

até então era somente papel e imaginação

É aí que geralmente preciso de uma pausa

de reconhecimento dos russos que havia

ganha forma. O terceiro momento do nasci-

antes de continuar com a montagem.

desafiado as ordens do próprio comando,

mento ocorre na edição, quando se confron-

58

salvando a vida de mulheres e crianças ale-

ta aquilo que se imaginou com a realidade

MF: Como você conseguiu a história para 4

mãs durante os dias finais da guerra. Isso

do que se tem filmado. Geralmente acho

dias em maio?

causou grande comoção. Durante 50 anos

esse momento relativamente duro, ao me-

ninguém havia imaginado tal situação. Alguns produtores começaram a buscar alguém que reescrevesse essa história e Guskov já a havia abordado de um ponto de vista alemão. Fiquei muito empolgado por

Mostra encontro com o cinema alemão

ter sido contratado para desenvolver o roteiro. Quando nos encontramos, logo concordamos que eu não somente reescreveria o roteiro, mas também o dirigiria. Durante anos busquei uma boa história para um filme e havia recusado muitos projetos. Finalmente eis que surge algo que eu realmente estava inclinado a fazer. Algo que valesse todo o esforço e toda a dor (risos). Quando Stephan Arndt e X Films se juntaram ao


MF: Com exceção do garoto...

projeto, as coisas começaram a caminhar

ponto de vista do inimigo. Tenho certeza de

para um filme. Retardamos por um ano

que ter escolhido a perspectiva da criança

por conta da crise financeira na Rússia.

tornou o filme mais convincente e pessoal.

AB: O garoto acredita que deve lutar. Lutar

Finalmente, começamos a rodar em 2010,

O tema é extenso e abrangente: a guerra en-

por seu pai e contra ele. Ele é uma criança

mesmo com restrições orçamentárias. Os

tre a Alemanha e a União Soviética, a cam-

que cresceu sem referências masculinas, que

produtores assumiram um grande risco.

panha de destruição de Wehrmacht, tanto a

de repente se vê diante dessa massiva presen-

Sensacional!

liberação quanto a ocupação pelos aliados,

ça militar de homens. Ele faz algumas coisas

o trauma dos estupros — é material de dis-

realmente terríveis, mas, a meu ver, não é

MF: De que maneira o roteiro foi mudado

cussão demais para ser colocado em um só

uma pessoa ruim. Espero que compreendam

do original de Guskov?

filme. Já havia me concentrado nesse perí-

o que se passa com ele. Ele está crescendo, o

odo enquanto estudava história. Então eis

que já é, por si, doloroso. Ainda me arrepio

AB: Não deveria denegrir o trabalho de co-

que surge essa história real de oito oficiais

quando vejo o rosto de Pavel no início ou no

legas, mas, para mim, o original mais pare-

de reconhecimento de terreno que eu cos-

fim de uma sequência. Ele se torna comple-

cia piada de caserna. A relação dos russos

turei na história fictícia de um menino — e

tamente diferente, tão cheio de compaixão! O

com suas forças militares e com a Segunda

assim consegui fazer o filme.

personagem do oficial funciona tão bem por-

59

que ele encontra seu parceiro nesse pequeno

Guerra é bastante diferente. Existe uma tradição na literatura e no cinema sobre como

MF: Trata-se de um filme de guerra quase

rebelde. O mais velho percebe que um deles

se recontar essa história. Eu não quis con-

sem lutas...

precisará ceder naqueles dias finais. Será ele,

mandante. Havia essa criança que aparecia

AB: Sim, os melhores filmes de guerra são

sua vida se aproxima do fim. Trata-se de uma

rapidamente no roteiro original e que levou

aqueles sem batalhas. A batalha é o aspecto

parábola, se quer saber: o sacrifício de nossos

à ideia de se focar na visão de uma criança

mais chato do gênero. Foi ótimo termos tido

pais ou avós por nossa liberdade.

ou jovem experimentando os últimos dias

aquela locação remota com uma situação

da guerra, algo com o qual eu já vinha obce-

perfeita: oito russos, baseados em um an-

MF: O personagem principal é interpretado

cado há algum tempo. Então sugeri a narra-

tigo lar para crianças, esperando que tudo

por um jovem ator alemão, e o soldado, por

tiva vista da perspectiva de um garoto. Para

terminasse para voltar para casa. Quando

um astro do cinema russo. Como foi traba-

alívio meu, Aleksei concordou de imediato.

de repente surgem os alemães, que por sua

lhar com uma equipe russo-alemã?

Ele percebeu que dessa maneira podia-se

vez também estão cansados de lutar. Na

melhorar a maneira como seu protagonis-

verdade, a preocupação de todos ali é voltar

AB: Difícil, porque não havia uma lingua-

ta se mostrava, mesmo se desenvolvida do

para casa em paz.

gem comum. Constantemente tínhamos de

4 dias em maio

visto que é mais velho e experiente e porque

tá-la sob a perspectiva do gabinete do co-


recorrer a intérpretes. Já havia trabalhado

colocam dinheiro próprio ou ainda fazem

ção não é assim tão ruim, mas pareceu uma

com atores russos em England!, mas ali tí-

empréstimos na esperança de que o gover-

eternidade. Na tevê preciso de seis semanas,

nhamos sempre uma língua comum para

no vá, de fato, comparecer com os recursos

no máximo.

comunicação; fosse o inglês ou o alemão.

prometidos, em algum momento. Fiquei

Aqui precisamos usar um meio-termo. Você

muito entusiasmado com a coprodução.

vai à loucura no set, discutindo tudo sob a

60

MF: Agora [na época] está quase pronto e prestes a ser lançado. Você tem mais ex-

pressão do tempo com dez russos e duas in-

Apesar de existirem muitos filmes sovié-

pectativa quanto à première russa ou ale-

térpretes de cada lado. Eles foram ótimos,

ticos e russos, e alguns alemães, sobre o

mã?

mas ainda assim não foi fácil. Tampouco foi

assunto, não há sequer um semelhante a

fácil com a criança e Aleksei por perto. Eu

esse. No meu modo de ver, o fator da parti-

AB: É claro que estou na expectativa da pre-

era como um adestrador de animais com

lha foi importante, não somente porque era

mière alemã, visto que todos os meus ami-

um torrão de açúcar na mão para cada um,

pertinente ao enredo. Não foi sempre fácil

gos estão aqui. A russa será mais desafiante,

no momento certo. Aleksei foi bastante soli-

unir os dois fios dos dois países debaixo de

creio eu, porque sei como as pessoas podem

dário e ele precisava ensinar ao menino um

um mesmo guarda-chuva. E houve algum

ser mais rigorosas por lá. Apesar de algumas

pouco mais de russo. No fim, eu o recrutei

desentendimento recorrente entre mim e

reações iniciais vindas da Rússia me darem

para manter os sete rapazes russos sob con-

Aleksei — mas, no final, sempre conseguí-

a expectativa de que o filme será bem rece-

trole. Ele se tornou, por fim, o oficial de co-

amos chegar ao melhor para o filme. Agora

bido, nunca se sabe. O encontro de um filme

mando deles.

todos estão felizes, o que não é tão fácil para

com o público é sempre um momento de re-

nenhum dos dois lados.

velação.

MF: O que tornou a edição tão complicada e

MF: Você credita que o filme vai mexer com

por que demorou tanto?

o público russo?

As mentalidades são bastante diferentes e

AB: Foi difícil editar porque se trata de um

AB: Talvez. Com alguns, certamente. Exis-

as posturas perante o trabalho divergem,

filme pequeno com um tema enorme. Um fil-

tem tantos momentos lindos nesse filme;

assim como os mecanismos de captação dos

me pequeno de dimensões épicas, o que por

cada soldado, cada personagem tem ao

recursos. Ao contrário da crença popular,

si só não é fácil. Somente cortamos cinco ou

menos um momento quando parecem hu-

não existe o caso de os russos aparecerem

seis cenas, o que não é muito, mas incluindo

manos, trágicos, cômicos; quando se chega

com dinheiro suspeito, em espécie, dentro

muitas vezes alguns detalhes. Simplesmente

a eles de uma maneira profunda. Não bus-

de diferentes malas. Alguns investidores

demorou a tomar forma. Seis meses de edi-

quei imparcialidade e nunca me interessou

MF: A produção também foi russo-alemã, Mostra encontro com o cinema alemão

foi difícil? AB: Quando começamos não era nada fácil.


produzir um discurso político engajado no

lado.” Ela tinha toda razão. A imaginação do

ele descreve a ida a um restaurante, a ex-

cinema. Também não estava interessado se

público é, de qualquer maneira, bem mais

pectativa de comer sopa de peixe e pepino,

um dos personagens alemães era ou não na-

soturna.

bife e ovos e depois sair para um passeio a

zista. O garoto não é nazista ou membro da

pé. É como deve ter acontecido. Tirei a cena

Juventude Hitlerista. Ele deliberadamente

O que me fascinou desde o princípio foi como

do roteiro original russo. Havia tamanha

não veste um uniforme da Juventude Nazis-

seria ser um soldado em uma guerra? Ter de

verdade ali que não precisei fazer nada para

ta, preferindo roubar um uniforme comum.

se submeter ao inferno, independentemente

melhorar. O lado pessoal, profundo, é o que

Ele é um menino que quer lutar e é fascina-

do lado pelo qual se luta. Com a morte por

há de mais inspirador no cinema. É por isso

do pelo culto da masculinidade, da guerra,

todo lado, sua vida sob ameaça, e a inevi-

que faço filmes.

das armas. Meu Deus! Estou pisando em gelo

tável perda de toda a esperança em algum

fino aqui, afinal só nasci em 1968 (risos).

momento. Então, quando a matança parecia finalmente se aproximar do fim, Berlim ha-

MF: Será interessante verificar a reação ao

via caído ou estava prestes a cair, naquele

filme na Alemanha, depois que Anonyma

instante em que o tempo para e você se dá

(2008) também abordou a relação entre rus-

conta de que pode até sobreviver, afinal —

sos e alemães no fim da Segunda Guerra.

esse é o momento de transição que sempre

61

AB: 4 dias em maio não é sobre ajustes de con-

se tornando novamente cidadãos comuns,

tas, e também não é sobre o fato histórico do

tendo de aprender a novamente retomar a

estupro coletivo de mulheres alemãs. Nun-

vida. Nossos avós dos dois lados tiveram de

ca seria capaz ou gostaria de abordar essa

se livrar das suas capas de bárbaros e voltar

história. No início do filme há uma cena em

a ser tios, pais ou maridos amorosos. O fato

que uma mulher é sequestrada e podemos

de isso nunca ter sido abertamente discutido

imaginar o que acontecerá com ela. A gente

é quase inacreditável. Só começou nos anos

se pergunta se essa mulher deveria reapare-

1970, com a Guerra do Vietnã, as narrativas

cer em algum momento. Cheguei a escrever

sobre o trauma da transição — de cidadão

várias sequências para isso quando minha

comum à besta e para cidadão comum no-

esposa me chamou de lado e disse: “Você

vamente. Adoro a cena da primeira noite no

não tem a noção de como uma mulher como

filme, quando um dos russos diz o que faria

Fonte: Material de divulgação da distribuidora

essa pode ressurgir. Então deixe isso de

quando voltasse para casa; a maneira como

The Match Factory para a imprensa, 2011.

4 dias em maio

achei incrivelmente fascinante: guerreiros



Em um apart-hotel na periferia da ci-

Yella

dade, ela encontra Philipp, que está na cidade representando uma empresa de private equity, que a convida para acompanhá-lo em um encontro de ne-

2007 | 88 min Direção: Christian Petzold Produção: Schramm Film Koerner & Weber Roteiro: Christian Petzold

gócios. A partir desse momento, Yella descobre o mundo do capital de risco, das salas de conferência envidraçadas conectadas em redes sem fios, do ronco silencioso das limusines de aluguel,

Câmera: Hans Fromm

do contínuo movimento. Tudo parece

ganhar muito dinheiro e para isso planeja

Edição: Bettina Böhler

fácil, como em um jogo em que não há

um negócio incrivelmente simples e alta-

Som: Andreas Mücke-Niesytka

perdedores, Yella se sai bem e se torna

mente promissor, mas seus clientes já se

Música: Stefan Will

assistente de Philipp.

tornaram desconfiados e seus planos pa-

Elenco: Nina Hoss, Devid Striesow, Hinnerk Schönemann, Burghart Klaußner e Barbara Auer

recem desandar. No entanto, Yella resolYella progride rapidamente, seja instruin-

ve agir para salvar seu sonho, essa nova

do Philipp no trato com os clientes, ou

vida que está tão perto do seu alcance.

encontrando os pontos fracos dos opo-

Comentário do diretor

Yella planeja sair de Wittenberge, onde

nentes, ou, ainda, abrindo discussões

a empresa de seu marido Ben faliu e

com propostas próprias. Ainda assim,

seu casamento naufragou de maneira

Philipp se mantém distante e Yella per-

No início do livro de Marc Augé, Lugares e

dramática. Deseja ir para o oeste, para

cebe que ele joga com regras próprias,

não lugares há uma narrativa. Um homem

o outro lado do Elba, onde deve existir

regras desleais, e põe à prova a sinceri-

de negócios parisiense faz as malas, sen-

trabalho e futuro. No dia de sua parti-

dade de Yella. Ainda assim, eles passam

ta no táxi, enfrenta um congestionamen-

da, é Ben que a leva à estação. O trajeto

uma noite juntos. O estranhamento ini-

to; é a hora do rush e ele tem de chegar

acaba em acidente, mas Yella se salva

cial cede lugar a um abandono e a uma

ao aeroporto Charles de Gaulle. Ali, mais

ainda a tempo de pegar o trem para

intimidade insólitas. Yella então passa a

tarde, suado, tendo acabado de despa-

Hannover.

ser parte dos projetos de Philipp. Ele quer

char sua bagagem, ele entra na zona de

63


embarque, esse mundo de vidro e couro,

Christoph Hochhäusler e Dominik Graf.

de Burberry, Rolex e Bulgari. Não carre-

Ganhou o Urso de Prata no Festival de

ga consigo mais que o passaporte, o car-

Berlim em 2012 pela direção em Bárbara.

tão de embarque e os cartões de crédito.

Filmografia

De repente, esse homem se sente livre e solto. Mais tarde, já dentro do avião, so-

2012 | Bárbara

brevoando Dubai, sente mais uma vez o

2011 | Dreileben

emergir da realidade, pois nesse trecho

2008 | Jericó

não é permitido servir bebidas alcoólicas.

2007 | Yella

O homem é envolvido por uma solidão

2005 | Gespenster

que não é romantizada, é moderna, uma solidão ainda desconhecida.

64

2003 | Wolfsburg

inicialmente estudou línguas germânicas

2002 | Toter Mann

e teatro, além de trabalhar como crítico Do mesmo modo, Yella quer entrar nes-

2001 | A segurança interna

de cinema e exercer várias funções na te-

sa zona. Ela atravessa o rio em direção ao

1998 | Die Beischlafdiebin

levisão. De 1988 a 1994 estudou na Aca-

oeste, onde há leveza e paz. Mas o pas-

1996 | Cuba Libre

demia de Cinema e Televisão de Berlim,

sado, o peso, o lastro de que havia fugi-

1995 | Pilotinnen

trabalhando nessa época como assisten-

do emerge em seu novo mundo, como

te de direção de Harun Farocki e Hartmut

a proibição do álcool sobre Dubai. Esse

Bitomsky.

Mostra encontro com o cinema alemão

lastro a arrasta ameaçando engoli-la. Yella luta contra o lastro, mas também con-

Em 1995 dirigiu Pilotinnen, filme de con-

tra ela mesma. Pois, também, no novo

clusão do curso na academia. Com A

mundo há o amor.

segurança interna ganhou, em 2001, o

Biografia do diretor

Prêmio do Cinema Alemão (melhor filme de ficção), bem como, no mesmo ano, o prêmio da crítica internacional do Festival

Christian Petzold nasceu em Hilden, em

de Cinema de Cannes. Em 2011, realizou

1960. Desde 1981 vive em Berlim, onde

o projeto Dreileben com os cineastas


Crítica Christian Petzold narra mudança para o lado ocidental Por Martina Knoben

É uma nova vida que se inicia, e vem acom-

biu de um serviço ilegal. Há uma repugância

panhada do farfalhar do vento nas árvores

na ligação entre dinheiro e sexo. Philipp é

e do borbulhar da água que Yella havia es-

mais elegante e esperto que seu precursor;

cutado ao se arrastar para fora do rio Elba

ainda assim, é brutal, engana não apenas

depois do acidente. E essa trilha sonora in-

seus parceiros comerciais, mas também os

sistente é a primeira indicação do rumo da

próprios chefes.

viagem. A água como sinal do destino já haHinnerk Schönemann concede a Ben o char-

via sido marcante em outros filmes de Pet-

Nina Hoss atua com maravilhosa precisão;

me jovial de um herói de província, mas

zold, mais antigos.

foi ela quem fez o papel da vingadora no fil-

também uma periculosidade latente; sua

me de Petzold em Toter Mann [Homem mor-

possessividade e disposição à violência, e de

Yella passa a morar em um hotel onde co-

to] e Wolfsburg e agora faz o terceiro trabalho

Yella, seu retraimento e medo, estão grava-

nhece Philipp (Devid Striesow), que traba-

com ele. Nina faz Yella parecer ao mesmo

dos nesses dois corpos assim como no olhar

lha para uma empresa de private equity. Ele a

tempo uma pessoa realista e misteriosa,

da câmera.

leva para negociações em enormes salas com

frágil e insegura, mas lhe dá muita força.

vista panorâmica sobre a cidade, e ela se di-

Pelo seu desempenho no papel, recebeu um

A maestria com que Petzold conta suas his-

verte. Private equity é o capitalismo elevado à

Urso de Prata de melhor atriz – e merecida-

tórias em imagens é sempre admirável. E o

maior potência: empresas em situação finan-

mente; afinal, ela dá vida a uma persona-

início de Yella é especialmente tenso porque,

ceira periclitante recebem créditos em troca

gem totalmente inacreditável. Yella é uma

nessa parte da história, o diretor, com sua

de uma participação. Devid Striesow é a per-

mulher de sonho, mas uma mulher que so-

habitual parcimônia, nos obriga a redobrar

sonificação desse negócio: jovem, atraente,

nha também, que se constrói sonhando, e

a atenção. No dia seguinte, Ben leva Yella à

ágil e, como ator, tão capaz de se transfor-

não o resultado do sonho de outros, trata-se

estação de trem e eles brigam no caminho.

mar como também é o personagem Philipp.

do fascínio da liberdade feminina.

65

Quando estão cruzando a ponte sobre o rio Depois do primeiro trabalho que fazem jun-

zendo o carro mergulhar no rio. Yella con-

tos, Philipp dá dinheiro a Yella, como se es-

segue se salvar e ainda alcança o trem para

tivesse pagando uma prostituta. Do mesmo

Hannover.

modo, o primeiro chefe de Yella na Alemanha Ocidental, um sujeito sórdido, a incum-

Fonte: Filmportal.de. (tradução nossa). Disponível em: http://www.filmportal.de/node/97377/ material/540415. Acesso em: 4 nov. 2013.

Yella

Elba, Ben gira a direção abruptamente, fa-


Entrevista “Filmes que prometem certezas são entediantes.” Christian Petzold e Nina Hoss conversam com o filmportal.de sobre o filme Yella, sobre mundos que ainda não têm imagens e sobre a importância de estender a roupa Filmportal.de: Yella já é o terceiro filme que vocês fazem juntos. O que há de especial nesse trabalho conjunto?

66

Christian Petzold: Desde o início, procuro não manter uma estaticidade. Tudo começou em 2000, quando um projeto meu foi cancelado e a emissora ZDF me perguntou se eu poderia apresentar uma nova história em um prazo bem curto. Descrevi o conte-

em uma entrevista na tevê e simplesmen-

já é bem diferente, acho que representa a si

te fiquei impressionado. O redator da ZDF,

mesma.

Hans Jahnke, disse apenas: “Perfeito” — e dali já não havia mais volta! (Christian e

Christian Petzold: Concordo com o que ela

Nina dão risada.)

diz. Os filmes Toter Mann e Wolfsburg analisam a relação entre um homem e uma mulher. O

Até aquele momento ainda não conhecia as

personagem em Toter Mann tem imaginação e

qualidades de interpretação de Nina e nem

projeção, ele deseja uma mulher. A Laura em

sabia como ela trabalhava. Quando inicia-

Wolfsburg é um personagem bastante fragi-

mos os ensaios, ela ficava o tempo todo to-

lizado na perspectiva desse homem que ini-

mando nota, isso me deixava maluco e eu

cialmente não a vê como mulher, mas como

me perguntava: O que ela está escrevendo? Mas

mãe da criança que matou. No filme Yella,

quando, nos primeiros dias em Berlim, Nina

observamos o tempo todo somente as ativi-

teve de gravar uma cena bem simples — só

dades de uma mulher. Por isso, Yella também

precisava caminhar um trecho interpretan-

tem somente uma única trama. Isso gera

do a personagem Leyla — foi uma sensação.

uma situação interessante: não havia a pos-

A imagem ficou carregada com toda a ten-

sibilidade de mudar para outra trama como

são da situação do personagem. Nunca ha-

recurso dramatúrgico, fui obrigado a man-

via vivenciado nada igual — desde então o

ter o foco em Yella, como ela constantemen-

trabalho com ela tem sido maravilhoso.

te volta ao quarto do hotel, entra no carro e

údo de uma crônica que havia escrito junto Mostra encontro com o cinema alemão

com Harun Farocki, que depois deu origem a Toter Mann [Homem morto]: uma mulher quer se vingar do assassino da sua irmã.

cada vez há uma pequena mudança, algo que FP: Na sua opinião, onde há correspondên-

se deslocou. Aqui precisei de alguém como

cias entre os papéis da Leyla em Toter Mann,

Nina, que tem uma memória corporal incrí-

da Laura em Wolfsburg e de Yella?

vel e que cria um diferencial a partir da lembrança do que já interpretou.

Quando os redatores perguntaram quem deveria interpretar a mulher, respondi espontaneamente: “Nina Hoss”. Naquela época, ainda nem conhecia qualquer filme em que estivesse atuando. Eu tinha visto Nina

Nina Hoss: Considero Leyla e Laura antagônicas. Leyla conduz ativamente o filme, se-

FP: Como você trabalhou essas nuances

duz o homem e domina o cenário e as ações,

nas diferentes cenas?

enquanto Laura é passiva e busca amparo, e nesse caso é o homem quem lidera. Yella

NH: Nas cenas em que a personagem dor-


me, inicialmente não tínhamos clareza de

primeiros-socorros. Tivemos de procurar

CP: Algumas por muito tempo. A cena de

que Yella deveria dormir sempre na mesma

uma posição para dormir que mostrasse

Yella ligando para a companhia ferroviária

posição e acordar sempre de determinada

essa forte tensão e até mesmo a morte, uma

Deutsche Bahn do seu quarto de hotel para

maneira, uma vez que nunca deveria ador-

força enorme que puxa para baixo. Isso fun-

consultar a conexão de trem de Hannover

mecer profundamente. Daí pensamos nas

cionou até a cena na qual Yella dorme com

para Wittenberge foi ensaiada uma hora e

situações em que você acorda sobressalta-

Philip. Fizemos várias experiências. Como

meia — para uma única tomada.

do, por exemplo, quando adormece em um

podemos retratar nessa cena, por um lado,

trem. Chegamos à conclusão de que para

o relaxamento, ou seja, acordar de manhã

NH: Ou a cena estendendo a roupa. Acho

Yella é sempre como se estivesse emergindo

após uma noite de amor, mantendo ainda

que também ensaiamos uma hora e meia.

da água, tentando salvar-se do afogamento.

a tensão da morte? Isso obviamente requer

São alguns detalhes que só chamam aten-

tempo, mas vale a pena, pois sempre pode

CP: Qualquer produtor diria: “Isso vocês gra-

ção depois de assistir ao filme umas três ve-

surgir algo de novo que não havíamos ima-

vam em 20 minutos.” Mas você não deve enxer-

zes, mas tudo é planejado detalhadamente.

ginado anteriormente.

gar esse estender roupa somente como uma

Muitas vezes isso nem se desenvolve duranFP: Quanto tempo vocês ensaiaram as dife-

dades do dia a dia, que a normalidade precisa

rentes cenas?

ser ensaiada, pois um momento de estra-

CP: A posição de dormir da Yella é qua-

nhamento — que são muito importantes em

se que a posição lateral de segurança dos

Yella — só pode ser percebido se antes havia

67

a normalidade. Tivemos uma situação semelhante com Christian Redl no papel do pai de Yella: a mesma naturalidade que Yella mostra ao estender a roupa também precisa existir quando ele descasca a laranja. Milhares de vezes ele descascou uma laranja, mas naquele dia ele corta a última laranja para a sua filha antes que ela o deixe. E, de repente, ele interrompe o ato de descascar e, nessa parada, precisamos perceber sua hesitação, a qual não deve ser demonstrada com evidência. Yella

te os ensaios, somente durante a filmagem.

atividade cenográfica. É justamente nas ativi-


do. Yella só entende o que acontece no final e eu, como atriz, faço o mesmo. Enquanto interpreto, considero que tudo o que acontece com ela é como se fosse real. CP: Acho que essa é a única opção. Yella está fugindo da morte, mas foge também de relações mortas, de paisagens mortas e de situações sem saída. Ela não pode pensar demais. NH: Sim, ela precisa ser mais rápida que a morte. Não pode parar para pensar, senão será alcançada pela morte. CP: Yella está o tempo todo sujeita a uma

68

enorme pressão. Os estranhamentos que a acometem só podem ser vencidos com essa

Mostra encontro com o cinema alemão

NH: Quanto mais tempo um ator puder en-

FP: Nina, como você se prepara para um

força que adquiriu ao lutar contra o afoga-

saiar, mais profunda será sua compreensão

papel como o de Yella, pois na maior parte

mento. E isso dá credibilidade a essas curio-

do personagem. Assim ele precisará ensaiar

do filme ela não vive a realidade, mas so-

sidades secundárias, por exemplo, que todos

menos outra cena mais adiante, que possi-

nha sua vida?

os quartos do hotel estão sempre abertos, que o amante descasca a laranja da mesma ma-

velmente seria muito mais difícil, pois nesse momento já encontrou o personagem,

NH: Na verdade, preciso esquecer que sua

neira que o pai — uma compressão psicoana-

já se aproximou dele. É equivocado pensar

vida não é real. Tenho de deixar tudo muito

lítica, sobre a qual eu nem tinha muita noção

que isso não seja tão importante, que seria

claro e simples e aceitar todas as situações

inicialmente. Aqui, todo o sonho de vida de

tempo perdido, pois, no decorrer do projeto,

que Yella vive, todas as hesitações e estra-

Yella se cristaliza em um único segundo. Ela

o trabalho fica mais fácil. Para o ator, isso

nhamentos que ela experimenta, como se

está viajando e encontrou um novo homem

não significa estar amarrado, mas sim a má-

fossem a realidade. Conhecemos essas situ-

que finalmente lhe dá a sensação de estar em

xima liberdade, pois nessa atividade vai en-

ações: de repente hesitamos, acreditamos ter

casa, como o desejo que manifestou no mo-

contrando seu personagem.

ouvido algo, mas depois acabamos esquecen-

mento do telefonema de seu pai.


FP: Christian, você pode falar algo sobre a

filmes como consultor de dramaturgia e cujo

autor de romances com raízes no século 19

dramaturgia das cores de Yella? Por exem-

documentário Nicht ohne Risiko [Não sem ris-

— e Harun é mais James Joyce ou Wolfgang

plo, o uso de vermelho chama atenção...

co], sobre sociedades de capital de risco, é

Koeppen. Quando assisti a Nicht ohne Risiko

mencionado por você pela grande influência

eu sabia: Harun está mostrando um mundo

que teve em Yella?

que ainda não tem imagens, ele criou as primeiras imagens sobre esse mundo do capi-

do para isso. Não creio que possamos fazer filmes com uma psicologia de cor categóri-

CP: Certa vez, Harun afirmou que não queria

tal de risco, imagens que são absolutamente

ca. Fica muito transparente e o espectador é

pensar muito sobre nosso trabalho porque

contemporâneas e ainda não são ficção. Esse

usado apenas para testar se suas sensações

ele flui com muita facilidade — e ele tem ra-

mundo oferece, portanto, um espaço onde

são equivalentes. Inspirei-me em um filme

zão. Essa cooperação é realmente muito fácil,

Yella poderia irromper, um espaço que não

de Roger Corman, que também não tinha

com muitos diálogos. Por exemplo, eu lhe en-

havia ainda imaginado. Ela ainda não sabe o

uma dramaturgia de cor elaborada, mas há

vio algo que acabo de escrever, em forma de

que lhe espera.

um verniz vermelho que reaparece durante

crônica ou como fragmento de um diálogo,

todo o filme. Fiquei fascinado com o quanto

depois vou visitá-lo e nós sentamos ou vamos

FP: A Alemanha muitas vezes parece fantas-

a cor vermelha tem vida e ao mesmo tempo

caminhar e conversamos. Nessa conversa

magórica e irreal nos seus filmes. Alguns lo-

é um símbolo de morte. Por isso, eu queria

vamos desenvolvendo a trama, e muitas ve-

cais parecem destacados da história, como

que em Yella os carros e a blusa também

zes acabamos nos perdendo, como se diz na

os personagens da realidade. Um exemplo

levassem o vermelho a todo o filme. Isso

minha terra, a Renânia, em mil e um deta-

disso é o Potsdamer Platz, em Berlim, no

também faz Yella retornar sempre ao centro

lhes. Mas nós nos divertimos com essas idas

filme Fantasmas. Para você, a Alemanha é

da imagem. No início, quando retorna para

e vindas e quando eu chego em casa, à noite,

como um trem-fantasma?

Wittenberge, ela tira a blusa vermelha, pois

já estou preenchido de imagens ou narrati-

ali não quer ser centro das atenções, prefe-

vas, e volto a me aproximar da história.

re se esquivar. Mais tarde, depois de vestir

69

CP: Sim, de certa forma creio que sim. Já sentia isso quando jovem, sempre me per-

novamente a blusa vermelha, mostra que

E os ensaios cinematográficos de Harun já

guntava: O que todos aqui estão fazendo, que

está a caminho de uma nova vida, onde será

influenciaram muitos dos meus filmes. No

vidas estranhas eles levam!

o centro, onde poderá se autoafirmar — e

filme Toter Mann, por exemplo, usei suas pes-

torna-se ofensiva.

quisas de call center; no filme Beischlafdiebin

Como a maioria dos alemães, eu me criei em

usei seu filme sobre treinamento para re-

uma Alemanha temporária, toda fragmen-

FP: Como funciona o seu trabalho com Ha-

colocação profissional. Harun é muito mais

tada. Não cresci em Berlim, uma capital cul-

run Farocki, que colabora em todos os seus

moderno do que eu, pois sou basicamente

tural, um centro ou uma metrópole — mas

Yella

CP: Não tivemos um conceito muito elabora-


em uma cidade-dormitório, com grandes

gosto quando penso de repente Ah, já entendi!

também desconfiança e infâmia. O nome do

transformadores, uma lagoa perto da biblio-

Para mim, é importante ter muitas dúvidas.

próximo filme, portanto, será Jerichow e será

teca municipal, onde as pessoas se encon-

As respostas são apenas secundárias, quero

muito influenciado por Ossessione — uma

travam de noite para tomar uma cerveja e

desenvolver os meus pensamentos, quero fi-

história sobre um crime passional.

conversar. Essa Alemanha pequeno-burgue-

car mais ligada e conhecer mais sobre a per-

sa, fragmentada em sobradinhos e povoa-

sonagem e sua história. Quando tudo já está

dos, era inacreditavelmente provinciana.

claro, a personagem já não tem mais graça

Sempre me intrigou o significado de passar

para mim.

a juventude lá, buscar uma maneira própria de olhar o mundo e a vida, enquanto vive-

FP: Vocês já têm planos para um novo pro-

mos entre as estradas, esses movimentos de

jeto conjunto?

busca de um lugar para si. E isso certamente

70

se reflete nos meus personagens que estão

CP: Tive a ideia quando filmamos Yella em

sempre à procura. Filmes que prometem

Wittenberge. Estava procurando pontes,

certezas são entediantes.

das quais um carro poderia cair, e cheguei à região de Jerichow. No leste da Alemanha

Mostra encontro com o cinema alemão

FP: Nina, também no filme Hannah, de Eri-

existe aquela política de “faróis”, ou seja,

ca von Moeller, que estreia agora [na época

determinadas cidades ou regiões têm pro-

da entrevista, em 2007] nos cinemas, você

gresso econômico, mas, ao redor, tudo está

interpreta uma mulher com uma existência

abandonado. Assim que você sai de uma ci-

insegura. O que lhe intriga nesses papéis?

dade, tudo em volta é decadente. Foi o que senti naquela região. Tive a ideia de fazer

NH: Simplesmente me interesso por histó-

um filme sobre um grupo de pessoas que

rias cujos personagens carregam determi-

formam uma espécie de “farol social”, ou

nados conflitos dentro de si, personagens

seja, dois homens e uma mulher que têm

que batalham por algo ou sofrem uma ad-

uma relação amorosa e de trabalho — bem

versidade com que precisam aprender a li-

semelhante a Ossessione, de Visconti, um fil-

dar. São personagens que sempre guardam

me muito importante para mim. Ossessione

um segredo, pois inicialmente não têm no-

também trata de um casal ao qual se junta

Disponível em: http://www.filmportal.de/node/97377/

ção do que está acontecendo com ele. Não

uma terceira pessoa, o que gera desejos, mas

material/540421. Acesso em: 4 nov. 2013.

Fonte: Filmportal.de. (tradução nossa).




Bem-vindo à Alemanha Almanya — Willkommen in Deutschland

A confusão foi en-

2010 | 95 min

tão instalada. A partir do medo de viajar

Direção: Yasemin Samdereli Produção: Roxy Film/INFA Film/Concorde Roteiro: Nesrin Samdereli, Yasemin Samdereli

da

jovem

Canan

— que está grávida, mas os pais e os avós desconhecem

Câmera: Ngo the Chau

o fato —, episódios

Edição: Andrea Mertens

do passado se mis-

Bem-vindo à Alemanha é uma extraor-

Música: Gerd Baumann

turam ao presente, contados pela própria

dinária contribuição ao atual debate so-

Elenco: Vedat Erincin, Fahri Yardim, Lilay

Canan: como o avô fugira com a noiva,

bre a integração na Alemanha, realizado

Huser, Demet Gül, Rafael Koussouris e

como mais tarde partira para a Alemanha

por duas jovens mulheres que puderam

a fim de sustentar a esposa e os filhos,

incluir também na história suas experiên-

como posteriormente trouxera a família

cias pessoais. O filme fala sobre identida-

Em 1964, Hüseyin Yilmaz partiu da Ana-

e os problemas que tiveram de enfrentar

des que se transformam pouco a pouco,

tólia em direção à Alemanha na condição

ao chegar à Alemanha e como a famí-

sobre a complexa questão da pátria de

de trabalhador imigrante. Agora ele está

lia inteira passara pela primeira vez férias

cada um, que admite diferentes respos-

prestes a receber a cidadania alemã, mas

na Anatólia, quando sentiram os primei-

tas. “Somos turcos ou alemães?”, per-

não sabe se é isso o que realmente dese-

ros sinais de estranhamento. Durante a

gunta o pequeno Cenk, inseguro diante

ja. Inesperadamente, ele revela à mulher,

viagem de ônibus rumo à cidade natal,

da reação de seus colegas de escola —

aos filhos e aos netos que comprara uma

Hüseyin morre e começam discussões

e também irritado porque, no grande

casa em seu país de origem e espera que

que há muito já deveriam ter acontecido

mapa da Europa, em sua sala de aula,

todos estejam lá para ajudá-lo na reforma.

entre os familiares.

não existe a Anatólia.

Aylin Tezel

73


74

Esse filme, de extraordinária riqueza de

Biografia da diretora

Filmografia

emoções e temática, se distingue de

Mostra encontro com o cinema alemão

muitos trabalhos que giram em torno

Yasemin Samdereli nasceu em 1973, em

do mesmo assunto, sobretudo pelo seu

Dortmund, e estudou na Escola de Ensi-

tom: a diretora e sua coautora criaram

no Superior para Televisão e Cinema em

uma trama agradável, irônica, alegre e

Munique de 1993 a 2000. Trabalhou ao

calorosa, com grande afeição pelos per-

mesmo tempo como colaboradora au-

sonagens, às vezes sentimentais, bem-

tônoma para a Bavaria-Film, mais tarde

-humorados, muitas vezes irônicos, mas

também como assistente do diretor em

sem qualquer momento cínico e sem

produções de cinema internacionais, in-

acobertar problemas e conflitos.

cluindo dois filmes da série Jackie Chan. Participou como coautora na série de tevê Türkisch für Anfänger [Turco para iniciantes]. Bem-vindo à Alemanha é seu lançamento no cinema.

2010 | Bem-vindo à Alemanha


A tradição multicultural não existe mais? A história das relações turco-alemãs nunca foi contada com tanta sensibilidade e ao mesmo tempo com tanto humor como nesse primeiro filme das irmãs Yasemin e Nesrin Samdereli. Por David Siems

Todos deviam fazer como Mesut Özil. O pequeno driblador turco-alemão que joga pelo Real Madrid tornou-se um novo exemplo de integração e entendimento entre os povos. Promovendo grande repercussão na mídia, a primeira-ministra alemã, no final do ano passado, parabenizou o jogador no vestiário. Essa encenação premeditada foi refutada algumas semanas mais tarde com a afirmação: “A tradição multicultural fracassou na Alemanha.” Será mesmo? As irmãs e diretoras Yasemin e Nesrin Samdereli contribuíram recentemente para o debate sobre integração.

No seu longa-metragem Bem-vindo à Alemanha, as duas turca-alemãs de Dortmund

optaram inicialmente por elementos estilís-

filme Solino, ainda narrava a situação da pri-

ticos conhecidos, mas ao mesmo tempo ori-

meira pizzaria italiana na região do Ruhr, o

ginais, e piadas que lembram uma comédia

presente filme apresenta a história do mi-

étnica com clichês e costumes ironicamente

lionésimo primeiro trabalhador estrangeiro

caricaturados. Quando Hüseyin (Vedat Erin-

(Fahri Yardim faz o papel do joven Hüseyin),

cin), após 45 anos vivendo na Alemanha, fi-

que veio de um vilarejo na Anatólia para um

nalmente adquire o direito a um passaporte

país “onde só há batata”. A barreira linguís-

alemão, ele sonha com um funcionário da

tica é retratada pelas irmãs Samdereli com

imigração, que lhe passa as condições para

um artifício, que é ao mesmo tempo uma

adquirir a nacionalidade alemã: tornar-se

reinterpretação: como no filme O grande di-

membro em um clube de tiro, comer carne

tador, de Charlie Chaplin, o jovem turco re-

de porco duas vezes por semana, assistir ao

cém-chegado percebe a língua alemã como

seriado policial Tatort todo domingo e viajar

uma fala incoerente, agressiva, cheia de

para Mallorca a cada dois anos no verão. Hü-

consoantes agressivas, que se suaviza cada

seyin, um velhinho bastante dinâmico, acor-

vez mais ao longo dos anos.

75

da suado; em seu pesadelo, sua esposa Fatma (Lilay Huser) trajava roupas tradicionais típi-

No mais, é maravilhoso ver as reflexões do

cas da Baviera e falava no dialeto bávaro.

filme sobre temas pessoais, como saudade,

Todavia, Bem-vindo à Alemanha não é somente um retrato das particularidades turco-alemãs, mas, em primeiro lugar, a história de uma família de imigrantes nos tempos do milagre econômico. Enquanto Fatih Akin, no

Bem-vindo à Alemanha

Crítica


76

identidade cultural ou a importância da família, sem parecer sentimental ou superficial. Bem-vindo à Alemanha está cheio de episódios e observações sobre a tradição multicultural em 2011 na Alemanha; mesmo assim, devemos resistir à tentação de

Mostra encontro com o cinema alemão

instrumentalizar o filme para fins políticos. Angela Merkel tem um pequeno papel, convidando alguns imigrantes selecionados para uma recepção no castelo Bellevue. E para falar da excelente qualidade do filme, é mais fácil citar um ditado suíço do que um alemão: “Chamamos trabalhadores, vieram pessoas”, disse o escritor Max Frisch. Fonte:EPDFilm,Frankfurt,n.5,2 May 2000(tradução nossa).


Entrevista Beta Cinema: Como vocês tiveram a ideia de fazer um filme como Bem-vindo à Alemanha?

BC: Até que ponto o filme é autobiográfico? Vocês incluíram experiências vividas por vocês? YS: Incluímos muitas coisas da nossa infância, por exemplo,

Yasemin Samdereli: Há muito tempo per-

nossa vontade de celebrar o Na-

cebemos que várias pessoas achavam mui-

tal. Para nós era uma tortura

to curioso quando lhes contávamos sobre

quando, todo ano, as crianças

nossa infância. Por exemplo, o fato de Nes-

alemãs nos mostravam com or-

rin sair como “Funkenmariechen” [perso-

gulho todos os seus presentes ou

BC: Vocês escreveram o roteiro juntas?

nagem tradicional do carnaval da Renânia],

nos contavam sobre as tradições natalinas,

Como funcionou essa colaboração? E como

frequentar uma escola primária católica e

com toda aquela comida maravilhosa etc.

se escreve 50 versões de um roteiro?

cantar com entusiasmo hinos católicos nas

Uma vez chegamos a forçar nossa mãe a

missas de quarta-feira. Eu tocava flauta em

preparar uma ceia de Natal — mas foi um

YS: Para falar a verdade, foi um processo

uma banda marcial e sempre soletrava meu

fracasso total.

muito longo e árduo de desenvolvimento e,

nome “Jasmin” até que o professor do tercei-

77

ro ano frustrou minha tentativa de mudan-

NS: Além do mais, não tínhamos nada que

tamente uma ou outra teria desistido. Agora

ça de nome e deixou bem claro que a grafia

se comparasse ao Natal. Lembro quando me

somos uma equipe muito boa, o que também

de meu nome era “Yasemin”.

perguntaram, no terceiro ano, se não havia

é consequência das 50 versões do roteiro! O

nenhuma data festiva comparável entre

trabalho em si funcionava da seguinte ma-

Nesrin Samdereli: E as pessoas ainda pen-

nós, os “maometanos”. Pensei rapidamente e

neira: primeiro estabelecíamos a sequência

sam que nós, turcos, não nos esforçamos o

— feliz por ter me lembrado de algo — men-

das cenas e então escrevíamos as cenas cada

suficiente para nos integrar!? Hoje em dia,

cionei a Festa do Sacrifício, em que muitos

uma por si. Mais tarde revíamos as cenas

mais do que nunca, a imigração é um as-

carneiros são abatidos e sua carne é distri-

comparando-as entre nós. Mas nem sempre

sunto muito interessante. E Bem-vindo à Ale-

buída a parentes e vizinhos. As crianças ale-

escrevemos em equipe. Cada uma de nós

manha apresenta uma visão muito subjetiva

mãs me lançaram um olhar muito estranho

também tem os próprios projetos.

sobre o porquê de estarmos aqui, como tudo

após esse episódio e, com pena, alguns pais

começou e o que significa ser estrangeiro.

me deram presentes nas festividades de São

NS: E, graças a Deus, quando terminamos

Nicolau, no Natal.

a primeira versão do roteiro ainda não

Bem-vindo à Alemanha

se não estivéssemos juntas no projeto, cer-


tínhamos noção de quantas mais iríamos

NS: A questão do idioma foi realmente engra-

com a integração. Há debates acalorados

escrever! E o próprio fato de que em nenhum

çada. Parte da equipe era alemã e parte era tur-

sobre a evidente precariedade da cultura

momento pensamos em desistir e também

ca. Basicamente usamos o inglês como língua

Gastarbeiter, em que jovens agridem idosos

de que fomos capazes de nos motivar cons-

franca, assim nós duas falávamos turco com

alemães, cometem assassinatos por honra

tantemente para continuar a escrever nos

os turcos e alemão com os alemães, exceto

ou simplesmente apresentam um compor-

mostrou que essa história realmente tinha

nos casos em que havia tanto alemães quanto

tamento antissocial. O multiculturalismo

de ganhar o mundo.

turcos no set, quando então falávamos inglês.

parece estar morto, e o que chega às man-

Durante as filmagens na Alemanha, até usa-

chetes agora é, logicamente, tudo o que não

BC: Como foi filmar na Alemanha e na Tur-

mos um “idioma ininteligível” que ninguém

funciona. Bem-vindo à Alemanha nos lembra

quia?

além de mim e Yasemin entendia e causava

que naquela época os Gastarbeiter foram

confusão para turcos e alemães. Foi impressio-

convidados pelo governo alemão e deram

nante o fato de conseguirmos nos comunicar.

enormes contribuições à estabilidade eco-

YS: Filmar é sempre uma grande aventura.

nômica do país. Eles têm o direito de estar

Com Bem-vindo à Alemanha também tivemos

78

de enfrentar o grande desafio de gravar al-

BC: Como surgiu a ideia para o alemão ar-

aqui. Bem-vindo à Alemanha diz: “Estamos

gumas cenas históricas, tanto na Alemanha

tificial fictício?

aqui”, o que nos agrada.

quanto na Turquia. Foi uma tarefa bem difícil

Mostra encontro com o cinema alemão

sob muitos pontos de vista. Na verdade, não

YS: Em seu maravilhoso filme O grande di-

tivemos tempo suficiente para realizar a his-

tador, Charlie Chaplin — que admiro pro-

tória que queríamos contar. Financeiramente,

fundamente — usou um idioma fictício, um

o projeto como um todo foi um grande desa-

gibberish (idioma ininteligível), para carac-

fio. Tínhamos um elenco enorme e muitos

terizar Hinkel (Hitler). Utilizamos o mesmo

dias de filmagens com crianças. Essas já se-

recurso estilístico para transmitir aos es-

riam condições básicas muito difíceis. Acres-

pectadores alemães a mesma sensação de

cente-se a isso o fato de metade da história

estranheza e confusão causada por um novo

ocorrer nos anos 1960, quando não existiam

idioma em nossa família turca.

antenas parabólicas — ao passo que, hoje em dia, em Izmir (onde filmamos) há pelo menos

BC: O que vocês desejam para seu filme?

um bilhão delas. Tente convencer uma família turca louca por tevê a remover sua antena,

NS: No momento há uma grande discussão

Fonte: Material de divulgação da distribuidora Beta

mesmo que somente por alguns dias!

na Alemanha sobre como devemos lidar

Cinema, 2011.


A onda de imigração da década de 1960

Chamamos trabalhadores e vieram pessoas. — Max Frisch

Pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial, algumas empresas da República Federal da Alemanha começaram a reclamar da falta de trabalhadores. Os anos de guerra estavam entre as razões para tal reclamação, por terem causado desfalque significativo na população. O primeiro acordo de recrutamento foi concluído em meados da década de 1950. Limitou-se principalmente à concessão da permissão de entrada e trabalho na Alemanha Ocidental aos Gastarbeiter italianos. Em seguida, vieram trabalhadores da Espanha e da Grécia. Com base no acordo de recrutamento assinado entre a Alemanha Ocidental e a Turquia, homens e mulheres emigraram desse país para a Alemanha a partir de 1961, totalizando cerca de 826 mil Gastarbeiter. A Turquia tinha esperanças de que o acordo ajudasse

o governo a encontrar uma solução para

exames do estado de saúde e aptidão física,

os problemas econômicos e sociais. Por sua

aptidão profissional, leitura e escrita) ti-

vez, a Alemanha Ocidental tinha um enor-

nham a permissão de entrar e trabalhar no

me interesse nessa mão de obra “barata”,

país. A maioria dos trabalhadores turcos se

que, naquele momento, representava uma

instalou naquela época no distrito de Ruhr.

grande massa de trabalhadores em poten-

A população turca na Alemanha cresceu

cial, os quais ajudariam a reforçar o tão

continuamente devido a uma intensa po-

aclamado crescimento dos anos do “milagre

lítica de reunificação familiar e de casais

econômico”. Além disso, durante a Guerra

na Alemanha. Hoje, imigrantes da Turquia

Fria, as forças da Otan estavam firmemente

já estão em sua quarta geração na Alema-

decididas a estabilizar sua fronteira sudeste

nha. Segundo o Statistisches Bundesamt, um

com a estabilização da Turquia. A maioria

total de 6,7 milhões de estrangeiros viviam

dos trabalhadores que emigrou desse país

na Alemanha no fim de 2009. Entre eles os

era transportada em trens especiais de Is-

turcos constituem o maior grupo, com uma

tambul para a Alemanha Ocidental. Nos

população que alcança 1,66 milhão.

79

anos 1960, a viagem de trem para a Alemanha durava no mínimo 50 horas, cruzando a Grécia. A possibilidade de uma rota mais rápida, através da Bulgária, apresentou-se somente na década de 1970. Até o fim do recrutamento, em 1973, o número de estrangeiros na República Federal da Alemanha aumentou de cerca de 1 milhão para mais de 4 milhões. Entre 1961 e 1973, mais de 2,6 milhões de turcos se candidataram a postos de trabalho na Alemanha Ocidental. Todos que passassem no teste de qualificação imposto pelas autoridades alemãs (incluindo

Fonte: Material de divulgação da distribuidora Beta Cinema, 2011.

Bem-vindo à Alemanha

Histórico



Todos os outros

Contudo, eles só não conseguem fugir

Chris é o perdedor. Não obstante, atraídos

um do outro. Chris, um arquiteto pensa-

pelas suas diferenças, os dois têm afeição

tivo e idealista, está passando por uma

um pelo outro e, cada um à sua maneira,

fase de insegurança profissional e preci-

luta pela atenção e dedicação do outro.

Alle anderen

sa muito do apoio de sua namorada. Ele

2008 | 119 min

não se mostra empolgado em encontrar

Quando Chris descobre que foi eliminado

seu colega de faculdade Hans (Hans-Jo-

de um concurso de arquitetura em que ti-

chen Wagner), que também está passan-

nha grande esperança de ser escolhido,

Direção: Maren Ade Produção: Komplizen Film

do suas férias na ilha, e

Roteiro: Maren Ade

por quem, além disso,

Câmera: Bernhard Keller

não nutre muita sim-

Edição: Heike Parplies

patia, muito embora o

Elenco: Birgit Minichmayr, Lars Eidinger,

admire. Chris começa,

Hans-Jochen Wagner, Nicole Marischka e

então, a questionar a

Mira Partecke

81

própria masculinidade — aparentemente de

Todos os outros conta a história de Gitti

maneira bem-humora-

(Birgit Minichmayr) e Chris (Lars Eidinger),

da, mas, no seu íntimo,

um casal de muitas diferenças, com ida-

suas dúvidas são exis-

des no início da casa dos 30, que tenta

tenciais. Gitti, por outro

desfrutar suas férias isolando-se a dois na

lado, parece estar de bem com a vida e

fica totalmente desestabilizado. Ele es-

casa de veraneio dos pais de Chris, na Sar-

não dá muita atenção ao que os outros

conde o fato de Gitti e, assim, vai ficando

denha, aonde foram para fugir dos pro-

possam pensar a seu respeito. Seu humor

cada vez mais difícil corresponder à ex-

blemas não resolvidos em casa. Dentro da

pode mudar de uma hora para outra, mas

pectativa que sua alegre namorada havia

casa tudo é igual ao lar na Alemanha, por

é uma pessoa destemida e animada, que

nutrido para as férias.

isso os dois preferem passar horas na pis-

tem opinião formada sobre tudo. Volta e

cina, entregando-se a brincadeiras pue-

meia irrompem disputas de poder entre

Seu projeto de se tornar um arquiteto

ris e fugindo de vizinhos inconvenientes.

os dois, nas quais, na maioria das vezes,

livre e descomprometido parece ter fi-


Filmografia

cado bem distante. A perspectiva de ser contratado para um projeto na ilha — a

2009 | Todos os outros

reforma de um palacete de conhecidos

2003 | Melanie Pröschle und der Ernst des

dos seus pais — parece pesar-lhe mais

Lebens

do que alegrar. Gitti gostaria que Chris

2003 | Der Wald vor lauter Bäumen

não deixasse as coisas pesarem tanto e

2001 | Mein Beitrag zur deutschen Leitkultur

se libertasse de seus ideais tão dogmá-

2001 | Vegas

ticos. Ambos são tomados pela insegu-

2000 | Ebene 9

rança, quando ela confessa o amor que tem por ele e, ao mesmo tempo, manifesta seu temor de que outra mulher

Biografia da diretora

possa combinar melhor com ele. Chris

82

acalma a companheira e confessa que,

Maren Ade nasceu em 1976, em Karlsruhe.

de sua parte, muitas vezes teme não ser

Ainda jovem, dirigiu seus primeiros curtas,

suficientemente interessante para Gitti,

iniciando um curso na Escola Superior de

mas as coisas mudam de figura quando

Televisão e Cinema (HFF) em Munique, em

os vizinhos começam a estar presentes

1998. Seu filme de graduação e ao mesmo

demais na vida do casal.

tempo o primeiro filme de longametragem, Der Wald vor lauter Bäumen que es-

Mostra encontro com o cinema alemão

Inicialmente, a tentativa de Gitti em cor-

treou em 2003 no festival Hofer Filmtage.

responder ao desejo do companheiro parece um jogo, mas aos poucos passa a

Em 2007, Maren Ade fundou a produtora

ser uma luta silenciosa contra si mesma.

Komplizen Film. O segundo filme de lon-

Cada vez eles se distanciam mais do ca-

gametragem de Ade, Todos os outros,

sal que foram um dia.

estreou mundialmente na Berlinale de 2009 — sendo agraciado com o Urso de Prata de “Melhor direção” e de “Melhor atriz” (Birgit Minichmayr).


Crítica

tão sempre voltados apenas

Férias sob o signo da sinceridade: um casal diz quase tudo um ao outro

estão deitados, sentados, andando, em pé ou dançando. Não há cena em que não apareçam juntos, todo o espaço

Ele é arquiteto, ela profissional, ambos estão

está organizado de modo a

no início da casa dos trinta e passam férias

estabelecer uma relação en-

na Sardenha. Chris (Lars Eidinger) e Gitti

tre os dois corpos. Nas suas

(Birgit Minichmayr) mantêm um relaciona-

discussões, “os outros” a que

mento intenso que alterna paixão desenfre-

o título do filme faz referên-

Não é apenas o humor dos diálogos que ca-

ada, diversão infantil e grande seriedade.

cia, e que para Gitti e Chris representam a

racteriza Todos os outros. Quando compara-

Testam-se mutuamente como se fossem

normalidade alemã, estão sempre presentes.

do a Der Wald vor lauter Bäumen, é bem mais

adolescentes. Ao serem confrontados com

Nunca se entregam ao devaneio de poder

acessível apesar de concentrar-se sobre o

outro casal, seus conflitos acirram-se ao

existir, como par, desgarrado da sociedade.

sujeito com a mesma intensidade e ter um

longo do filme. Com muita maestria, Maren

83

elenco ainda mais reduzido. As imagens

Ade mostra os personagens de maneira tão

Maren Ade encena com simplicidade seu es-

em vídeo, duras e frias, de um ambiente

íntima, tão penetrante, que aos poucos vão

tudo sobre relacionamentos e concede a ne-

pequeno-burguês do sul da Alemanha ce-

se tornando insuportáveis. Incessantemen-

cessária liberdade a seus atores. O que se

dem lugar a cenas luminosas e quentes de

te derrama sal na ferida de um relaciona-

destaca é a atuação muito precisa de Birgit

um local de veraneio da alta classe média.

mento dramático. Do mesmo modo como

Minichmayr e Lars Eidinger, ora exaltando,

O foco sobre um casal ao menos permite ao

procedeu em seu filme de estreia Der Wald

ora timidamente dando vida a temas abstra-

espectador a possibilidade de alternar entre

vor lauter Bäumen [Floresta para as árvores],

tos, até mesmo estáticos. No tratamento dado

um e outro personagem. Ambos tornam-se

o enredo concentra-se sobre o sujeito e suas

dos costumes alemães, atitudes gerais de vida

antipáticos e insuportáveis alternadamente.

limitações de maneira muito contundente.

ou mesmo modelos de masculinidade, Ade elabora os problemas detalhadamente. As

Os diálogos são marcados por chavões e di-

Os conflitos são os de um casal que se vê e

brigas recebem um toque de humor, sem res-

versas formulações que soam conhecidas.

fala excessivamente. Durante suas férias, es-

tringir-se apenas à função de aliviar pelo riso.

Sua comicidade se deve ao fato de serem

Todos os outros

Por Frédéric Jaeger

um para o outro. Seja quando


mencionados, ora de maneira irônica, ora

recursos da narração ficcional, como, por

da jovem guarda da Escola de Berlim. Isso

despropositadamente, por um casal que, ao

exemplo, no relato de um sonho e sua inter-

não é muito perceptível em Todos os outros. Os

menos superficialmente, aparenta ser mo-

pretação, ou brincando com as expectativas

filmes de Hochhäusler (Falscher Bekenner [Cul-

derno, aberto e igualitário. Projetar motivos

do público no prólogo, quando até mesmo

pado], 2005), Grisebach (Sehnsucht [Saudade],

e anseios não declarados buscando uma

uma faca de cozinha convertida em arma é

2006) e Köhler (Montag kommen die Fenster [Ja-

verossimilhança incondicional movimenta

aproveitada.

nelas na segunda-feira], 2006), principalmen-

o casal durante toda a trama. Mas essa ne-

te as tomadas panorâmicas, transmitem um

cessidade, que tem longa tradição no cine-

Por isso, surpreende um pouco quando lemos,

sopro de autenticidade no acesso do espec-

ma e na filosofia alemãs, não é aplicada por

nos créditos finais, que Ade convidou Valeska

tador à ficção que se descortina a sua fren-

Ade como medida universal. Ao contrário,

Grisebach, Christoph Hochhäusler e Ulrich

te. Frequentemente requer toda uma cena

a diretora aposta muito no uso certeiro de

Köhler para assessorá-la, os representantes

até que essa impressão se consolide. Em Ade predominam as tomadas de meia distância, eficazmente montadas e que aceleram a tra-

84

ma. Uma estratégia usada principalmente nos filmes para tevê para focar em movimentos de personagens e as relações entre eles, por exemplo. As concepções estéticas nada coincidentes entre os cineastas mencionados convergem no grande êxito de Ade ao fazer

Mostra encontro com o cinema alemão

com que as situações evoluam lentamente, o que gera e mantém no espectador uma silenciosa sensação de desconforto.

Fonte: ALLE Anderen. 14 Feb. 2009 (tradução nossa). Disponível em: http://www.critic.de/film/alleanderen-1538. Acesso em: 4 nov. 2013.




O que permanece Was bleibt

Porém, durante um jantar, Gitte faz um

floresta e grita inutilmente pelo nome da

2012 | 88 min

pequeno discurso que, em princípio,

desaparecida. Como que saída do nada,

deveria alegrar a todos os presentes:

Gitte aparece e pergunta com uma tran-

ela recebeu alta e parou de tomar seus

quilidade quase zombeteira: “Por que

medicamentos. A família reage com sur-

esse barulho todo?” Na manhã seguinte,

presa, estranheza e desconfiança, pois

a polícia encontra Marko — mas não há

todos temem novos problemas. Obvia-

vestígios da mulher desaparecida.

Direção: Hans-Christian Schmid Produção: 23/5 Filmproduktion/SWR/WDR/ Arte Deutschland Roteiro: Bernd Lange Câmera: Bogumil Godfrejow

mente, os psicotrópicos que mantiveram

Edição: Hansjörg Weißbrich

Gitte sedada por um longo período era

No cinema alemão, somente poucos

Música: The Notwist

uma solução cômoda para todos. Mas

diretores têm uma sensibilidade seme-

Elenco: Corinna Harfouch, Lars Eidinger,

somente Marko, cansado da notória hi-

lhante à de Hans-Christian Schmid. Cada

Ernst Stötzner, Sebastian Zimmler, Egon

pocrisia, revela à mãe seus

Merten e Picco von Groote

problemas matrimoniais. Na manhã seguinte ao jantar,

Marko e sua esposa estão separados e

Gitte desaparece. Günter,

têm um filho, Zowie, mas a avó do menino

Marko e Jakob encontram

não pode saber disso e de outras situações

seu carro vazio em um es-

complicadas envolvendo membros da fa-

tacionamento na floresta.

mília. A ilusão da família intacta deve ser mantida, principalmente, por causa da avó

A busca dos três homens é

Gitte. A verdade poderia afetar a mulher,

tão malsucedida quanto a

que já sofre de depressão há muitos anos.

grande ação policial realiza-

Jakob, o irmão de Marko, e o avô Günter

da no dia seguinte. À noite,

têm a mesma opinião.

Marko vai mais uma vez à

87


Filmografia

detalhe é importante. Quando Marko sai sozinho à noite para procurar pela mãe

1989 | Sekt Oder Selters

na floresta (em um local de contos de

1990 | Das Lachende Gewitter

fadas, mas também perigoso) ele grita

1991 | Baron Münchhausen

primeiro: “Gitte” (como todos chamavam

1992 | Die Mechanik Des Wunders

a velha senhora), mas então, inesperada-

1994 | Himmel Und Hölle

mente, ele passa a gritar: “mamãe”. Em

1995 | Nach Fünf Im Urwald

quase todo o filme, o diretor trata de mo-

1998 | 23

mentos nos quais as pessoas deixam o

2000 | Crazy

pretenso solo seguro da realidade e mer-

2003 | Lichter

gulham em outro mundo menos tangível

2004 | Requiem

— apesar de todos os seus esforços para

2007 | Die Wundersame Welt Der Waschkraft

encontrar um lugar seguro na vida.

88

2009 | Sturm 2012 | O que permanece

Biografia do diretor

Mostra encontro com o cinema alemão

Hans-Christian Schmid nasceu em 1965,

fez seu primeiro filme: Sekt Oder Selters

em Altötting, um local de peregrinação

[Champanhe ou água de Seltz], que foi

na Baviera. Ele cursou cinema na Escola

agraciado com o prêmio de melhor filme

de Cinema e Televisão de Munique. Foi

independente no Festival de Osnabrück,

bolsista da Drehbuchwerkstatt München

na Alemanha. O sucesso veio com o fil-

(Oficina de Roteiro Cinematográfico de

me Nach Fünf im Urwald [Na floresta,

Munique), participou de seminários do

depois das cinco]. Pelo roteiro de Nur für

autor Frank Daniel e, em um programa

Eine Nacht [Só por uma noite] Schmid

do Serviço Alemão de Intercâmbio Aca-

obteve, juntamente com seu coautor

dêmico, concluiu seus estudos em rotei-

Michael Gutmann, o prêmio RTL de

ro para cinema na University of Southern

TV — Leão de Ouro 1997 — e o prêmio

California, em Los Angeles. Em 1989,

Adolf-Grimme.


Crítica Após o emocionante psicodrama Requiem e o thriller político Sturm, Hans-Christian Schmid apresenta um filme de pouca duração e silencioso, que mostra o microcosmo de uma família burguesa

mentiras. O patriarca Günter (interpretado

Corinna Harfouch não há o mínimo indício

por Ernst Stötzner, a grande revelação desse

de uma doença mental, ela interpreta Gitte

filme) relata para a família sua saída de uma

como personagem perfeitamente “normal”.

editora, aparentemente bem-sucedida, para se dedicar a um projeto literário. Dinheiro não

Boa parte do filme se passa na casa dos pa-

é problema nessa família, como se pode notar

triarcas, com suas enormes paredes de vi-

pela casa, que provavelmente no momento de

dro, repleta de experiências de sentimentos

sua construção nos anos 1970 foi considerada

e culpa. Hans-Christian Schmid encenou

uma obra de arte da arquitetura, tal qual a

essa family piece com precisão e planejamen-

sua decoração interna. Günter é uma pessoa

to magistral (roteiro de Bernd Lange, que

ativa, um centro de gravidade secreto nesse

também escreveu os roteiros para Requiem

Marko Heidtmeier (Lars Eidinger) mora em

filme, homem da geração que provavelmente

e Sturm); ele não explica muito, mas perce-

Berlim e se encontra com a sua ex-esposa

conheceu o movimento estudantil e mesmo

bemos que o passado influencia constante-

Tine, com quem ele tem um filho, Zowie

assim optou pela burguesia.

mente o presente.

a falta de pontualidade do ex-marido, per-

Todavia, durante o jantar, Gitte (Corinna

Na cena central desse filme, interpretada com

cebemos a tensão existente nesse relacio-

Harfouch) lhe rouba a cena. Ela também

maestria, mas com efeito bastante simples,

namento. Marko leva Zowie para a casa de

tem um motivo para comemorar,

seus pais com o intuito de ser um “pai diver-

ao dizer que alguns meses atrás

tido por 48 horas”, como ele mesmo diz. A

deixou de tomar os remédios

casa fica em na região entre Bonn e Colônia.

contra a depressão; agora estava

Marko trabalha como escritor e com seus

bem e uma taça de vinho tam-

trinta e poucos anos ainda não tem muita

bém não lhe faria mal nenhum.

certeza do que quer da vida.

Gitte é a principal vítima dessa

Por Rudolf Worschech

(Egon Merten). Em suas acusações sobre

família e também se tornará o O que parece um prelúdio já é uma introdu-

catalizador para a sua destrui-

ção casual ao tema desse filme: a ruptura

ção. Pois a ilusão que a casa su-

dessa família ocasionada por uma vida de

gere é frágil. Na interpretação de

89


Marko está sentado ao piano tocando algu-

xima de uma catástrofe: Gitte desaparece,

mas peças, até tocar a canção de Charles

seu carro é encontrado na margem da flo-

Aznavour em alemão Du lässt Dich geh’n (Tu

resta. O filme não chega a mostrar o que

t’ laisses aller, no original francês), que Git-

aconteceu com ela. Talvez ela tenha acorda-

te imediatamente canta junto. A letra des-

do de sua anestesia e queira simplesmente

sa música, que inclusive Godard já usou em

decidir sobre a própria vida.

Uma mulher é uma mulher, já diz tudo (“Há semanas vivo ao seu lado e não sinto nada

Hans-Christian Schmid lança um olhar

ao meu lado”). Até Günter, o grande macho

cético sobre a instância família. Depois da

alfa, canta junto: na verdade, uma emocio-

saída da mãe, tudo aparentemente se encai-

nante cena que já aponta, sem muito alarde,

xa. Aqui está implícito que para a liberação

para os problemas familiares.

é necessária a destruição desse caldeirão de sentimentos, temores e culpa.

90

Quando o irmão Jakob, que mora nas redondezas, passa na frente da casa dos pais correndo, ele encontra a casa aberta, apesar de sua mãe estar em casa: outra indicação de que a proteção e a segurança da família já não existem mais. Jakob é o mais burguês

Mostra encontro com o cinema alemão

dos irmãos: é dentista, mas sofre mais do que o irmão mais velho com a influência do pai, que financiou o consultório e tenta ajudar quando descobre que a clínica foi à falência.

Os relacionamentos, a dinâmica e os rituais em uma família nunca mudarão, consta na legenda do filme. É necessária uma cisão. E, assim, esse filme pouco dramático se apro-

Fonte: EPD Film, Frankfurt (tradução nossa). Disponível em: http://www.epd-film.de/ 33184_90957. php. Acesso em: 4 nov. 2013.


Volta para a família

nossos pais vivem no sul ou no sudoeste da

sobre a travessia da fronteira, sobre o rio,

Alemanha. Os fins de semana em casa são

sobre as duas cidades. Mas não contamos

complicados, não somente na nossa família,

histórias verdadeiras, muita coisa é inven-

mas para muitos de nossos amigos.

tada. O produto final não é um filme que consiste de pesquisas. Inicialmente conver-

Depois de um thriller político internacional, o diretor Hans-Christian Schmid voltou

KK: Como os seus pais reagiram a esse fil-

samos muito sobre o que já sabemos no nos-

para a família. Uma conversa com o cineas-

me? Isso foi complicado para você?

so círculo de amigos e conhecidos. Trata-se de coisas mais íntimas. Bernd anotou tudo

ta sobre seu novo filme. HS: Não. Minha mãe já morreu, mas meu

e trabalhou com sua intuição. Ao contrário

pai sabe que eu não enceno a história da

de Sturm, para o qual fizemos pesquisas an-

Kirsten Kieninger: Em sua opinião, qual é a

nossa família. Ele sempre lê os roteiros e sua

tes de escrever e tínhamos consciência de

questão central de O que permanece?

avaliação é importante para mim. E mesmo

ter de viajar para Haia, para Sarajevo, para

no filme Nach Fünf im Urwald [Na floresta,

Banja Luka e fazer entrevistas.

Kirsten Kieninger

Hans-Christian Schmid: A questão mais

depois das cinco] — que já tem quase duas

importante para mim é que os membros da

décadas — eles poderiam ter perguntado:

KK: Após o seu último filme Sturm, que

família pararam de conversar e de ser ho-

“Essa história se passa em Altötting e Mu-

aborda conteúdos complexos sobre o Tri-

nestos. Trata-se de verdades e mentiras e do

nique, esses pais somos nós?” Mas sempre

bunal de Crimes de Guerra das Nações

fato de os personagens terem se acomodado

houve uma combinação de diversos aspec-

Unidas, O que permanece parece um retorno

por muito tempo nesses papéis. Para mim, o

tos. A família no filme Nach Fünf im Urwald

para a vida particular. E o sistema familiar

mais importante é perceber o que acontece

se parece com uns quatro pais ou mães que

também não é fácil de descrever, não é?

quando uma ou duas pessoas da família —

eu conheço.

primeiramente Gitte, depois também Marko — dizem: “Não, vamos tentar mudar.” KK: Bernd Lange escreveu o roteiro, mas

HS: O que podemos falar sobre a família tem KK: Os seus filmes anteriores também se

obviamente lá suas complexidades. A dife-

destacam por uma excelente pesquisa.

rença para nós foi que os personagens e os

Como você “pesquisa” a família?

locais de filmagem estavam bastante res-

você certamente teve pontos em comum na sua biografia: mudança para Berlim...

91

tritos. Portanto, tivemos mais tempo para HS: Muitas vezes os filmes também aparen-

criar profundidade nos respectivos persona-

tam ser muito bem pesquisados. Em Lichter

gens. Em Sturm havia complicadas explica-

HS: Sim. Sou 10 anos mais velho que Bernd,

[Luzes], por exemplo, fizemos pesquisas e

ções iniciais: Como fica a questão do direito

mas claro, nós dois vivemos em Berlim,

descobrimos muitas coisas interessantes

internacional, como foi a Guerra dos Bálcãs?

O que permanece

Entrevista


Isso estava tão destacado no plano da narra-

KK: A ação de O que permanece concentra a

HS: É bem isso que você descreveu. Marko

ção que ficou difícil retratar os personagens

sua dramaturgia em um fim de semana.

é o único que leva Gitte a sério quando diz:

como nós queríamos. No fim, tivemos qua-

No desenvolvimento do conteúdo, esse ca-

“Não Günther, você não vai sair para o ter-

se um esboço diferente: o objetivo foi criar

minho para narrar a temática estava claro

raço com Jakob, isso é infantil, agora eu vou

uma estrutura de condições bem simples e

desde início?

contar o que acontece.” Ao escrever, tivemos

depois falar mais sobre os personagens.

92

a sensação de que ele mereceu isso: esse HS: Isso foi realmente estranho. Já no pri-

momento de encontrar mais uma vez a mãe,

KK: Como é o trabalho com Bernd Lange,

meiro esboço de Bernd — na época 20 a 30

aquele gesto entre mãe e filho — ele coloca

com quem você também escreveu os rotei-

páginas — tudo estava lá. Inclusive a cena

a cabeça em seu colo. Acho que isso ajuda, a

ros para Requiem e Sturm?

com Gitte na floresta. Isso é incomum, nor-

possibilidade de lembrar-se desse encontro

malmente há muito mais mudanças entre o

mais uma vez. Mais tarde, quando no Natal

HS: Para os filmes O que permanece e Re-

primeiro esboço e a quarta ou quinta ver-

ele diz a Zowie, “Acho que a vovó está bem”,

quiem, ele escreveu o roteiro. Para Sturm,

são do livro. Nesse caso, foram somente de-

acredito que isso se baseia nesse encontro

elaboramos o roteiro juntos. Quando um li-

talhes, os pontos principais e a inversão da

alucinado.

vro é escrito em conjunto, a troca de ideias

história já estavam prontos. Dessa vez ele

é mais intensa: algumas semanas nós con-

escreveu o roteiro sozinho, em pouco tem-

KK: Como lhe ocorreu a música Du läßt dich

versamos — e não se trata tanto de uma

po, pois o conteúdo é de certa forma muito

gehen? A cena é realmente sensacional, im-

atividade analítica, mas simplesmente de

íntimo. Muitas coisas não podem ser discu-

penetrável, ao mesmo tempo alegre e amar-

lançar ideias a esmo. Quando essa fase é

tidas, elas acontecem intuitivamente.

ga. Ela estava no roteiro desde o início?

agora uma parte da história, eu tenho uma

KK: Durante longos períodos, o filme funcio-

HS: Não, essa cena tem uma longa história.

boa ideia em como pode ser realizada. De-

na como uma peça de câmara, onde o sistema

Na primeira versão havia outra cena em que

pois, o outro escreve outra parte da histó-

família é observado. Por isso, a cena notur-

Marko conversa com Ella e depois ele dor-

ria. Antes fazemos uma agenda conjunta:

na com Marko na floresta surpreende ainda

me no sofá da sala e ela no quarto dele, uma

afixamos cartões em um painel e cada um

mais. Aqui, o filme entra em um mundo de

cena na qual os dois juntos ouvem músicas

leva uma pilha de cartões e depois escreve-

sentimentos e descreve a saudade infantil do

antigas, uma deslas foi That’s all, do Genesis.

mos. Em algum momento, depois de uma

aconchego: uma mãe que está sempre dispo-

Até pouco antes da Berlinale o nome do filme

ou duas semanas, trocamos o material e

nível para nós — um sonho do qual teremos

ainda era That’s all. Mas essa cena foi corta-

depois voltamos a discutir. E assim conti-

de nos despedir para ficarmos adultos? Qual

da. Agora que há a música de Aznavour, o ro-

nua, até a versão final.

é o significado dessa cena para você?

teiro previa uma cena na qual Marko, Jakob

concluída, um de nós dois diz: eu escrevo Mostra encontro com o cinema alemão


e Zowie juntos apresentavam uma peça e Marko mostrava um espelho para Gitte. A música prevista era Mother’s Little Helper, fazendo uma referência crítica ao consumo de medicamentos de Gitte. Mas isso me pareceu errado, pois Jakob naquele momento já não estava mais a fim de apresentar uma peça. Por isso, acabamos abandonando essa ideia.

Ao mesmo tempo tínhamos um entendimento: uma canção que não exige muito preparo, que somente o Marko toca, mas que todos ainda a conhecem de antigamente, essa seria uma opção. E teria grande importância, pois assim percebemos que Gitte e Günther

É um subgênero que é recorrente: o olhar

filme Todos os outros e logo cedo tivemos a

de fato foi um casal bem legal. E de repente,

para as famílias com um bisturi na mão.

sensação de que poderia funcionar muito

Bernd teve a ideia.

Muitas vezes me perguntam: “Bem, mas é

bem com Lars. Tudo foi incluído mais tarde,

semelhante ao filme Das Fest [A festa] de Vin-

a família se constituiu lentamente: Quem

KK: O filme Die Besucher [Os visitantes], de

terberg?” E ai eu penso: “Não! A semelhança

poderia ser o pai ou a mãe de alguém como

Constanze Knoche, exibido no festival de

é somente a narração sobre uma família em

Lars? Quem poderia ser o irmão? Irmãos são

filme em Munique, narra uma história de

curto espaço de tempo e em um local.” Mas

sempre parecidos, geralmente parecidos ou

família semelhante, mas que mostra exata-

há mesmo muitos filmes com esse tema.

raramente parecidos.

filhos em Berlim e os conflitos aparecem.

KK: Durante o desenvolvimento do roteiro,

KK: Você ensaiou com o elenco antes das

Você conhece esse filme?

você já tinha o elenco na cabeça?

filmagens? Recebeu algum input dos atores?

HS: Não, mas é parecido com um filme que

HS: Já bem no início, Bernd disse: “Lars Ei-

HS: Normalmente, semanas antes do iní-

eu vi anos atrás: Pieces of april, um filme in-

dinger é legal! Acabei de vê-lo no papel de

cio das filmagens, eu discuto o roteiro in-

dependente norte-americano, no qual tam-

Hamlet no Schaubühne, vá lá ver, ele seria

cansavelmente com os atores. Cada um se

bém os pais visitam a filha...

perfeito como Marko.” Já conhecia Lars do

concentra no próprio papel, e muitas vezes

93

O que permanece

mente o contrário: os pais visitam os seus


KK: O que acontece em O que permanece é

údo. Muitas vezes acontece que algum con-

pouco espetacular comparado com outros

teúdo chega a mim de modo completamente

filmes, mas é narrado com alta credibili-

inesperado. Sturm é um exemplo disso. Nun-

dade e proximidade. Com a sua formação

ca pensei que em algum momento faria um

como cineasta de documentários você tem

filme sobre o tribunal de crimes de guerra

outra visão das coisas, mesmo nos longas-

em Haia, até que em determinada ocasião

metragens?

recebemos um artigo sobre uma autora de lá. Achamos isso interessante e como está-

94

recebemos sugestões interessantes, detalhes referentes aos diálogos ou que deixam os personagens um pouco mais vivos. Isso é incluído na última versão do roteiro. Mas, dessa vez, não foi possível, pois todos tinham outras obrigações em teatros ou

Mostra encontro com o cinema alemão

outras filmagens. Só tivemos uma leitura conjunta à tarde e depois somente reuniões a dois. Mesmo assim, espero que tenha sido suficiente. Não saberia avaliar onde teríamos chegado se tivéssemos tido mais tempo. Mas depois de duas, três semanas no set de filmagens eu tive a sensação: “Bem, agora já parecemos uma família!”

HS: Acredito que sim, é uma ajuda quando

vamos procurando um conteúdo, acabamos

se tem experiência com documentários. Mas

conversando com essa mulher. E, de repen-

não é obrigatório. É também simplesmen-

te, pensamos: Esse é um personagem para um

te um gosto individual que se desenvolveu

filme! Veja bem, tudo isso é pouco planejado.

com os anos. Os meus primeiros longas-

Ao mesmo tempo podemos também des-

-metragens de ficção ainda são muito mais

cobrir, em um filme como Sturm, que trata

construídos. Com o tempo eu me libertei

aparentemente de direito internacional e

um pouco. Agora já sabemos esconder bem

guerra, que também há um desenvolvimen-

melhor a estrutura da história e o especta-

to interno do personagem principal. Aqui se

dor não tem a sensação de estar assistindo a

trata de integridade, idealismo. É algo que

um enredo construído. A vista dos detalhes,

eu, por exemplo, também reconheço na fi-

essa visão bem detalhista para os fatos es-

gura de Karl Koch em 23. E O que permane-

peciais no dia a dia, isso para mim é impor-

ce é uma história de família, assim como

tante. Se o cinema não fizer isso, quem fará?

Requiem. Ao mesmo tempo, a personagem de Sandra Hüller em Requiem, que é jovem,

KK: Os temas dos seus filmes são muito

pretende conquistar o mundo e desenvolve

distintos. Quais são os seus critérios para a

uma psicose, situação que por sua vez tem

seleção de conteúdos e temas? Você vê um

semelhança com Karl Koch...

desenho, uma continuidade? KK: Você sabe encenar histórias de maneiHS: Somente na retrospectiva. Não existe

ra autêntica que se passam em determina-

plano mestre em relação à seleção do conte-

das épocas (Requiem, nos anos 1970; 23, nos


anos 1980). Você conseguiria também ima-

o roteiro é bom, isso é mais da metade do

editar enquanto eu não me sento ao seu

ginar retornar ainda mais para o passado?

caminho andado, é muito raro o filme fra-

lado. Mas temos um processo de descarte

cassar completamente. Pessoalmente, gos-

muito exato. Ele mantém anotações minhas

HS: Na verdade, não. Em primeiro lugar estou

to da fase das filmagens: de repente, o que

para cada cena e cada tomada. No final há

interessado no presente. Mas, se de repente

você anotou durante um ano, cria vida. Ao

umas 30 a 40 páginas cheias de anotações.

surgir um tema histórico, que me fascine

mesmo tempo, é uma fase muito cansativa.

Por exemplo: cena 14, tomada 4/1, esse é um

muito, não vou afirmar que seria impossí-

E depois de todo esse cansaço, acho que eu

momento ótimo. Anoto tudo para não me

vel fazer o filme. Mas assim, por iniciativa

também gosto muito da edição. O filme está

perder no decorrer do longo processo de tra-

própria, nunca pensaria em dizer: “Segunda

praticamente pronto, todos os enredos es-

balho. E ele também faz isso enquanto olha

Guerra Mundial, eu também tenho que dizer

tão reunidos e posso me sentar calmamente

o material.

algo sobre isso.” Inclusive eu me preocuparia,

e pensar como a sequência será realizada e

pois quanto mais eu for para o passado, me-

estruturada.

KK: A edição já é realizada paralelamente às filmagens?

nos conheço o período. Dos anos 1970 ainda me lembro um pouco, lembranças de infân-

KK: Como é o seu papel de diretor duran-

cia. Inclusive todos os ambientes de Requiem

te a edição? Você gosta de ficar na sala de

HS: Sim, isso é muito importante. Especial-

eu conheço bem, eu mesmo cresci em um lo-

edição? Ou você diz para o editor, “vá fa-

mente em um filme como O que permanece,

cal de romaria. E Karl Koch, no filme 23, tem

zendo, depois eu dou uma olhada no que

em que estamos o tempo todo filmando um

exatamente a minha idade: um movimento

você fez”?

tema principal e podemos repetir cenas que

contra energia nuclear, o jornal de alunos,

95

tudo isso eu vivi e me ajuda quando tenho a

HS: E ele responderia: “Enlouqueceu? Você

sensação de conhecer.

acha que eu vou me sentar aqui sozinho e

KK: E o que você faz se, durante a edição,

fazer todo o trabalho?” Passo muito tempo

perceber que o filme está indo para uma

KK: Filmes são criados três vezes: ao es-

na sala de edição, mas não o tempo todo.

direção diferente do roteiro? Já houve ne-

crever, ao filmar e ao editar. Que fase você

Hans-Jörg Weißbrich e eu editamos desde

cessidade de uma reformulação completa?

gosta mais?

1995, somos uma equipe muito harmoniosa: fazemos uma reunião por dia, ele me mostra

HS: Nunca aconteceu de mudar completa-

HS: O mais chato de tudo é escrever. Mas

o que fez até o momento e discutimos como

mente a cronologia. Nesse quesito, a ficção é

é também a fase mais importante de to-

prosseguir. Depois eu aguardo ele entrar em

obviamente bem diferente do documentário,

das. Se o roteiro não estiver perfeito, fica

contato, assistimos juntos às novas cenas

pois é bem definida — e, na verdade, sempre

difícil corrigir isso mais tarde. Mas quando

editadas. Quase não acontece de Hansjörg

funcionou muito bem do jeito que está no ro-

O que permanece

não ficaram boas. E em parte já fizemos isso.


teiro. Os maiores experimentos fizemos em

das telas de cinema e que depois fizeram

um filme, e cogitamos se já não é hora de fa-

23, com voice-over e sequências de montagem.

grandes carreiras. Como você encontrou

zer isso. Mas não existe um projeto em vista

Mas os últimos filmes que fizemos estavam

tão cedo pessoas como Robert Stadlober,

no momento.

muito próximos do roteiro. Pode até aconte-

Tom Schilling, Julia Hummer ou Alice

cer de eliminarmos quatro ou cinco cenas,

Dwyer? Foi por meio de agências de elenco

quando percebemos que não precisamos

ou você mesmo os descobriu? Por exemplo,

delas. O mais provável é abolirmos deter-

a Sandra Hüller é uma “descoberta” sua?

minadas frases quando percebemos que as

96

informações não são necessárias. No mais, é

HS: Não. Pelo menos não foi somente mi-

somente o trabalho de retoque, que às vezes

nha, mas se a agente de elenco não tivesse

inclui palavras ou sílabas. Muitas vezes nem

me apresentado alguém como a Sandra, eu

imaginamos isso, sempre pensamos: “Nossa,

não poderia ter dito: “Sim, nós a queremos!”

esse elenco é ótimo.” Mas quando olhamos

Além disso, esse papel simplesmente combi-

a primeira versão editada vemos que nem

nou muito bem com ela. Mas o trabalho com

sempre todos são tão ótimos.

uma agência é um procedimento padrão. Para mim é completamente indiferente se alguma

KK: Nos seus filmes você muitas vezes utili-

pessoa trabalha em teatro há dez anos ou se

za atores que ainda não são tão conhecidos

acaba de se formar na escola de interpretação — nem um nem outro aspecto é decisivo. Simplesmente procuramos, juntos, o melhor elen-

Mostra encontro com o cinema alemão

co possível. E faz parte dos agentes saber se no terceiro ano da academia de atores Ernst-Busch, em Berlim, existe alguém que precisamos conhecer. Ou dizer: “Ali não adianta nem procurar, conheço todos, ninguém vai combinar.” KK: Você já tem um novo projeto em vista? Fonte: KIENINGER, Kirsten. Rückkehr zur Familie

HS: Temos diversos projetos na gaveta, que

(tradução nossa). Disponível em: http://www.schnitt.

nós revisamos sempre depois de concluir

de/233,7175,01.html. Acesso em: 4 nov. 2013.



98

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