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A discussão na VPR

Solidariedade ocorrida em Cuba, em 1967. Seu lema seria decisivo para a militância: “o dever do revolucionário é fazer a revolução”. Esses elementos são importantes para entendermos porque mesmo diante da falência quase completa da experiência revolucionária alguns militantes de alta relevância seguiriam no Brasil, mesmo intuindo que a morte os alcançaria. Ou seja, não basta diagnosticar que estavam errados, mas apontar as contradições do momento histórico de organizações que não tinham um “botão de emergência” que as fizessem entender o momento do recuo como algo necessário, não um desbunde ou traição à luta. O debate se travou na VPR, sendo que a opção “militarista” acaba prevalecendo, com uma concepção teórica que, sendo revolucionária, tem que abandonar o debate estratégico.

A discussão na VPR

A forma como a discussão se deu colocava “militaristas x massistas”5. Os primeiros, de origem militar, reúnem operários e sindicalistas, situam-se em torno de Onofre Pinto. Por esse vínculo entraria Lamarca na VPR. Os segundos, de origem intelectual, professores e estudantes, se colocam em nome do marxismo-leninismo e buscam pontuar a necessidade de ação de massas, formação e infiltração operária. São os nomes em torno de Quartim de Moraes, e depois de sua expulsão, da exígua reunião da VAR-Palmares. Os primeiros impõem uma ação de vanguarda e buscarão, após momentos de embates em 1969, uma teoria da revolução (as Teses de Jamil), mas na prática, reterão a leitura tática realizada por Lamarca, explicitado na experiência do Vale da Ribeira e Pesqueira. Os “militaristas” imporiam uma posição de vanguarda. Eles abarcam uma base de apoio provinda da classe trabalhadora, sejam os metalúrgicos de Osasco, sejam distintos outros trabalhadores e sindicalistas, sobretudo de São Paulo. Eles fecham em torno da necessidade de ações, e menos discussões. Não veem como possível ampliar a formação política da classe trabalhadora naquele contexto. Essa questão perpassa todo o período de existência do grupo, e se acirra no momento da criação da VAR-Palmares.

5 Assim foi caracterizado na historiografia. Ver CHAGAS, op. Cit. e PEZZONIA (2004).

A posição de Dowbor (Jamil) aparece como dominante, a partir de 1969, e sua tese seria lida e reinterpretada pelos militantes. Buscaremos mostrar como isso ocorre. Entretanto, seu texto se trata de uma leitura daquela que seria a “primeira fase da revolução”, alertando para os limites do foquismo e defendendo o cerco das cidades pelo campo, em colunas móveis, não avança sobre estratégia. Seria possível pensar naquele momento da tática suplantando a estratégia. Por outro lado, a posição de Quartim previa um prévio amadurecimento de condições de luta, mais preparação e menos ações armadas. Ele e seu grupo acaba expulso da VPR, ele produziria posteriormente importantes reflexões sore a temática. Podemos indicar que antes da entrada de Lamarca, provavelmente sob influência de Onofre Pinto, a VPR realizava mais ações de propaganda, usando métodos de terrorismo urbano, como no caso do assassinato de Charles Chandler, em outubro de 1968. Após as greves de 1968, o endurecimento da ditadura, e a entrada de Lamarca, há várias tentativas de realizar uma discussão mais política das ações, mas sempre limitadas pelas condições concretas. É conhecido na literatura o texto de Jamil, Os Caminhos da vanguarda, de 1969. Nesse mesmo momento Carlos Lamarca produziu um documento aparentemente técnico chamado Caminhos da Guerrilha, o qual assina como CID, que era o codinome que usava quando dialogava com militares. É um texto de 13 páginas, datilografado, em formato livreto, idêntico ao texto de Jamil.6 Defendo aqui que elementos estratégicos que apareciam no texto de Jamil não são incorporados pela organização 7. Ele ressalta a posição anti-debraysta, mas na prática, faltou o momento da crítica coletiva.

6 Encontrei também uma versão em espanhol, de 1971, provavelmente quando ele já estava no MR8. Caminos de la Guerrilha. Datilografado, 13 páginas, Carlos Lamarca, 5/6/1971. Também há uma versão em francês, de 1971. Indica um outro momento em que Lamarca ainda esperava influenciar no debate da revolução. 7 Muitos deles seriam incorporados na vasta e consistente produção teórica individual de Ladislau Dowbor como economista, após sua saída do país e retorno pós-ditadura.

Caminhos da guerrilha. CID, out/1969 O caminho da Vanguarda. VPR-Jamil, 1969

Esta edição d´O Caminho da Vanguarda tem esta observação na capa: “estes documentos foram escritos de maio/69 a janeiro/70. Muitos deles se referem a discussões internas da VPR – primeira fase – ou a discussões internas dentro da VAR e podem não ser completamente entendidas por todos. Numa nova edição, o texto será revisto”. Ou seja, é uma compilação de distintos materiais, inclusive outros documentos. E estava ainda em construção, indicando a existência de embates internos. As teses buscavam alinhar um caminho de lutas, e vários elementos ali seriam aprofundados em outros textos, especialmente a relação com as massas. Esse seria o ponto fulcral da ruptura com a VAR-Palmares que ajudaram a fundar. O próprio texto, conforme relatos, não foi aceito para discussão de fusão dos grupos. Na prática, a leitura de Jamil, que se coloca como antidebraysta, se somaria à leitura de guerrilha rural de Lamarca, que teoriza os momentos da luta por meio das teses da Guerra Revolucionária, e que tem que lidar com a realidade da luta urbana. Percebe as dificuldades de, num país como o Brasil, conseguir manter pontos de guerrilha dominados por um longo tempo, trazendo, portanto, a proposta de colunas móveis que se somariam às lutas urbanas.

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