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Recompondo algumas das controvérsias iniciais

Portanto, naquele 1968, ano de consolidação da VPR, as opções que estavam colocadas eram mais amplas. Se acreditava na possibilidade de um partido revolucionário, que iria, como partido político, atuar na preparação das massas para a tomada de poder. Mas esse era um quadro que não se confirma, pois a repressão seria feroz contra as lutas da classe trabalhadora, e partir dali, os líderes da greve partem para a clandestinidade. Estes eram alguns dos militantes dos primórdios da VPR. Atuando predominantemente em São Paulo, o grupo sofreria muitas quedas no início de 1969. A aproximação com antigos militantes da Polop, agora no Colina, ampliaria seu leque de ações e sua atuação geográfica. Outros militantes aparecerão ao longo do livro comentando sobre aquele início. Gostaríamos de poder acrescentar aqui a visão de Onofre Pinto, de quem há pouco registros. Sobre esses primórdios ele é lembrado como um grande articulador. Desconhecemos a existência de textos ou entrevistas deixados por ele. Sua fala aparece em depoimento que ele prestou quando preso, em 1969, mas sabemos como essas falas são mediadas. Seu papel foi central nos últimos atos da VPR, o Massacre da Chácara de São Bento e a Chacina do Parque Nacional do Iguaçu, quando a VPR finalmente desaparece. Sequer seus restos mortais foram localizados. Voltaria à história apenas na memória.

Recompondo algumas das controvérsias iniciais

Como vamos percebendo, a VPR começou a existir pela reunião de militantes que além de defenderem a revolução, tinham mais pontos em comum sobre a forma da luta. Esse primeiro grupo vinha parcialmente da ruptura com a Polop, da afinidade com o MNR e conseguem somar alguns sindicalistas. Tem uma cara inicial bastante identificada com os militares, “o grupo dos ex-sargentos”. Esse elemento se misturaria, futuramente, com o papel que o capitão Carlos Lamarca teria no grupo depois de sua entrada. Ou seja, a VPR reforçaria a aparência “pública” militarizada com ele, ainda que Lamarca tenha sido um defensor do debate sobre a teoria revolucionária. A herança da esquerda comunista trazia a experiência revolucionária como o horizonte na VPR. A realidade acirrava o dilema das esquerdas: resistir a uma ditadura ou construir um projeto revolucionário? De fato, a questão era anterior. A Polop já se colocava diante dele,

indicando o problema do nacionalismo como nodal, na medida em que havia sido também o elo de ligação entre comunistas e populistas. Por outro lado, “o compromisso do PCB com a via pacífica estava em estreita sintonia com a atualização feita no partido, no final dos anos 50, da teoria da revolução brasileira como revolução burguesa, antifeudal e antiimperialista”14 . Já a Polop realizava a discussão sobre as possibilidades da luta armada, apresentando reservas à simples aplicação do modelo foquista no Brasil, até mesmo pelas diferenças históricas entre Cuba e Brasil. Esse debate parecia incomodar militantes que queriam “logo partir para a ação”, e foi o que levou o grupo que fundaria a VPR a romper, no IV Congresso da Polop, em setembro de 1967. Da mesma forma, os dissidentes que iriam para Colina, foram construir outras formas de luta. Ao longo do pouco período de vida ativa da luta armada esses militantes teriam muitos encontros de colaboração, companheirismo e também conflitos. Tática e estratégia não estavam claramente definidas. Alguns militantes voltariam a se aproximar, especialmente na formação da VAR-Palmares quando novamente as diferenças de posição dos grupos definiriam seus caminhos. Ação de massas e foquismo foram os dilemas marcantes das possibilidades das organizações de resistência. Gorender apresenta o grupo que se reordenaria como “Ó-Pontinho” aquele em torno de Onofre Pinto, e que teria realizado “algumas façanhas sensacionais”:

Após a subtração de grande quantidade de dinamite da Pedreira Cajamar, um comando invadiu, a 22/6/1968 o corpo da guarda do Hospital Militar, no Cambuci. O comando, do qual faziam parte Pedro Lobo de Oliveira (ex-sargento da Força Pública de SP), o exmarinheiro Otacilio Pereira da Silva e José Ronaldo Tavares – saiu do hospital com onze FAL, armamento padrão da OTAN, de fabricação belga.15

Na sequência, desafiados pelo diretor do hospital, general Carvalho de Lisboa, os militantes tentam um assalto ao Quartel do II Exército, o que resultaria na morte de Mario Kozel Filho, soldado que estava de guarda. Os militantes haviam soltado o automóvel com os explosivos para que andasse

14 COELHO, Eurelino. A POLOP e a crítica das armas (1962-1967). Revista História & luta de classes. Ano 15, ed. 29, março 2020. 15 Idem, p. 143.

sozinho, a partir de um engenho mecânico. Colocaram um cartaz para que ninguém se aproximasse, o que foi ignorado pelo soldado, que talvez tarde demais tenha se dado conta da situação. Acabou sendo morto na explosão, no dia 26/6/1968. Entre as ações mais conhecidas está o atentado que cometeram contra o capitão Charles Chandler em 12/10/1968, que foi uma morte de caráter terrorista, de caráter político, sem um objetivo militar claro. Esse seria um ato por muito tempo usado como efeito de propaganda e contrapropaganda revolucionária. Também é marcante desta primeira fase o assalto à Loja Diana, onde lograram a “aquisição de vultuoso estoque de armas”. A partir daí, se colocaria um conflito, alguns apontariam a necessidade de um recuo:

A VPR enfrentava sua primeira dissensão interna. Membro da Coordenadoria Geral, o professor universitário João Quartim de Moraes propôs o recuo momentâneo das ações armadas. Argumentou que elas tinham sido bem assimiladas enquanto levadas a efeito na crista do movimento de massas, ao passo que o evidente refluxo das lutas operárias e estudantis deixaria novas ações armadas a descoberto, desprovidas de amparo político. A proposta conflitava com o militarismo extremo da VPR, cuja direção justamente naquele momento preparava a execução do mais audacioso de seus planos.16

Voltaremos a esse tema. Um fato fundamental foi a entrada de Carlos Lamarca na organização, sobretudo porque foi o acirramento dos conflitos de posições, e traria mudanças para os próximos dois anos de ação. O mais conhecido feito dos membros da VPR, comandados por Lamarca, (realizado enquanto parte da Var-Palmares) foi a expropriação do cofre do ex-governador Ademar de Barros. Por volta de U$ 2,5 milhões provindos de corrupção foram apropriados pelo grupo, o que implicaria em mudanças na trajetória. Em conjunto, com trabalho de inteligência e reagindo a imprevistos, as organizações eram capazes de grandes ações que requeriam planejamento e cuidados na execução. Entretanto, esse foi um ato que inspirou a fúria da repressão. Não só pelo desplante da ação bem sucedida, mas pelo botim de guerra que se anunciava. Como fatos de grande repercussão haveria os sequestros de diplomatas, dos quais a VPR foi um agente central, como veremos adiante.

16 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo, Ática, 1998, p. 143.

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