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Grupo de Osasco a classe trabalhadora da VPR
Capítulo IV
MILITANTES: ESTUDANTES, TRABALHADORES, “INTELECTUAIS”
Buscarei neste capítulo apresentar um pouco mais os dois conjuntos de militantes que formavam a base inicial da VPR, tendo claro que não se trata de grupos homogêneos. O primeiro seria o “Grupo de Osasco”, que são os trabalhadores que passaram a constituir uma base da organização. Estavam vinculados com os “militaristas”, e atuavam sobretudo em São Paulo. O segundo grupo seriam os estudantes, mas mesmo aqui trata-se de uma heterogeneidade, pois são secundaristas, universitários, grupos de São Paulo e do Rio de Janeiro, ou seja, são distintos, e de alguma forma são atraídos pela organização e mantém conflitos entre si. A eles se somam os professores universitários e ainda diversas categorias medias. Além das diferenças de posição, havia também decorrência de problemas de segurança, pois os militantes carregam “vícios anteriores”: “de um lado refletem origens e formações políticas heterogêneas, de outro, testam a imaturidade, a inexperiência da vida clandestina, e a euforia que é causada pela nova forma de prática revolucionária”1, práticas que chegavam com os novos militantes. Há um leque de possibilidades, seja entre os que já se conheciam previamente, ou os que passariam a compartilhar a organização, muito além desses outros conflitos entre “militaristas e massistas”.
Grupo de Osasco a classe trabalhadora da VPR
O estudo do historiador Sérgio Oliveira abordou o GO – Grupo de Osasco. Em boa parte, esse grupo que amadureceu nas greves de Osasco acabaria, ao final, juntando fileiras na VPR. O dilema sobre em qual organização abraçar existia para qualquer militante que não tivesse uma prévia participação. Por isso a VPR teria um braço no movimento estudantil, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro. O Movimento Estudantil foi nodal para o Colina e para os “Brancaleones” porto-alegrenses, apenas
1 Informe político n.1 do Comando Regional- SP da O. s/data, BNMD, 42.3.
situando alguns daqueles que abraçariam a VPR. Oliveira assim caracterizou a relação entre os dois grupos principais:
A futura VPR possuía diferenças substanciais em relação ao grupo de Marighella. Embora também professasse o modelo insurrecional cubano, era uma organização ainda em fase de formação, com um modo de estruturação interno distinto da ALN. Esta possuía uma direção centralizada nas lideranças históricas de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, veteranos comunistas, remanescentes das contendas anti-Estado Novo. A VPR era um grupo composto por diferentes correntes, e exatamente por isso adotou a estrutura de colegiado ao nível de sua direção. Apesar de também defender o início imediato da luta armada, abria espaço em seu programa para atuação política junto às classes trabalhadoras, visando à efetivação das lutas combinadas, que abarcassem tanto a guerrilha quanto as lutas de massa, com ênfase nos movimentos operários e estudantil.2
Essas definições delimitam o campo no qual os militantes buscavam atuar. E sua primeira configuração na VPR foi o Grupo de Osasco que era formado por Espinosa, Ibrahim, Roque Aparecido da Silva e José Campos Barreto, entre outros. Eles conseguiram nos primeiros anos pós 1964 ter uma grande capacidade de mobilização na cidade paulista, que foi um polo de atração para vários grupos de esquerda. Provavelmente isso acabou atraindo militantes da VPR para, numa tática movimentista, participar do movimento e ao mesmo tempo atrair seus membros para a ação centralizada pela VPR. Não era apenas obreirismo, havia entre eles operários e sindicalistas, alguns deles atraídos para a luta armada. A morte do estudante Edson Luís em 1968 levou milhares às ruas no Rio de Janeiro, em torno de 13 mil em São Paulo e cerca de 5 mil em Osasco, o que é um número muito expressivo3. Passeatas, cartazes, resistência, eram o foco daqueles militantes. Na lembrança de Espinosa, aparece o caráter antiburguês como saída propositiva da ação, lembrando de um discurso na passeata diante de um prédio estatal: “aqui é sacramentada a exploração do homem pelo homem, porque aqui eles tentam lavar a sujeira da burguesia! Essas paredes estão sujas de sangue!” 4
2 OLIVEIRA, IN SALES, J. R. (Org) Guerrilha e revolução. A luta armada contra a ditadura militar no Brasil. RJ, 2015. Lamparina, Faperj. P. 157-58. 3 SOLNIK, Alex. O cofre do Ademar. A iniciação política de Dilma Rousseff e outros segredos da luta armada. São Paulo, Jabuticaba, 2011. 4 Espinosa relatou suas memórias em livro biográfico: SOLNIK, p. 36.
Esta passeata, seguida de outra com 8 mil pessoas nas ruas e com a presença de lideranças da UNE era de fato, impactante. Segundo Solnik, empolgados pelos estudantes que tinham esperança no movimento operário, “Osasco se transformava numa espécie de Meca dos movimentos antiditatoriais brasileiros, o ponto para onde convergiam os que acreditavam na possibilidade de derrubar o regime militar, uma vez que tinha uma classe operária numerosa e cada vez mais aguerrida”.5 Inicialmente envolvendo o movimento estudantil, e já na sequência os movimentos operários e suas greves, o dilema colocado parecia ser este:
Nas assembleias estudantis e nos corredores das faculdades, duas perguntas se digladiavam, correspondendo a duas posições estratégicas: derrubar a ditadura conscientizando, primeiro, a massa de que ela estava sendo explorada – ou conscientizá-la para a ação direta, partindo logo de uma vez para a luta armada?6
As perguntas fazem sentido em um ambiente de crescimento da organização, de movimentação de ruas, de inquietação. Quando analisamos, por exemplo, as reivindicações dos operários das greves de Osasco, percebemos as condições de miséria às quais estavam sendo submetidos, somado à exploração de trabalho em condições indignas, perceptível na pauta: “botas de borracha para quem trabalha em locais úmidos; ambulância e enfermaria na empresa; construção de sanitários e contratação de pessoal de limpeza; vale em dinheiro e não em compras na cooperativa!” Ou seja, há uma situação concreta que leva o apoio à luta. Não se trata apenas de discutir o caráter do socialismo, mas a exploração concreta do trabalho estava levando a níveis importantes da consciência de classes.
Diante do aumento das atividades em Osasco, a VPR ganhou forças, ainda que seguisse agindo de forma clandestina. Estava colocado também o dilema do tipo de ação que construiriam. A ação junto à classe trabalhadora necessariamente seria uma ação de massas, de disputa ideológica e política. a teoria do foco e o vanguardismo seriam colocadas em teste. Ademais, progressivamente os militantes teriam que de fato optar entre a luta de resistência e a luta concreta no chão da fábrica.
5 Solnik, p. 38. 6 Solnik, p. 39
O sindicato dos trabalhadores da Cobrasa foi ganho por José Ibrahim, que tendo a diretoria contra, passou a liderar por assembleias, o que teria fortalecido “um tipo de organização pessoal, mas era um companheiro nosso”, ou seja, um companheiro da VPR, que junto com José Barreto teria um importante papel nos acontecimentos. A greve é destruída por forte repressão, mas os militantes seguiam buscando formas organizativas fora das fábricas, o que chamariam de “Grevilhas”, uma clara alusão de greves e guerrilhas. A VPR estava tão presente, que montou uma estrutura ampliada: “três aparelhos para o apoio à greve: um para funcionar como enfermaria, na Vila Jaguaribe, um como retaguarda para as lideranças, no bairro Jaguaré, e o terceiro onde funcionaria a imprensa de greve, com mimeógrafos, no bairro da Vila Yara”7. Entretanto, a repressão recaiu neles. Barreto foi preso, Ibrahim conseguiu fugir, mas tomou uma suspensão de 15 dias “imposta pelo Ministério do Trabalho, com ameaça de cassação e intervenção no sindicato”8, o que, por outro lado, aumentou os laços de solidariedade entre os militantes e a classe trabalhadora. O relato de Solnik alude à tentativa de convencimento que os líderes grevistas fizeram sob os soldados que vieram para debelar a greve, descrevendo a fala que teria sido dita por Barreto:
-Soldados! Nós somos trabalhadores, não somos bandidos. Estamos aqui lutando por salários dignos. Vocês não nasceram soldados, viraram soldados e também só trabalham para ter um salário no final do mês. E sabem como é duro chegar no dia 20 e não ter mais como levar comida para a casa, não era dinheiro para comprar remédio para um filho doente (Idem).
Esta mesma cena foi comentada em outro livro de relatos, o de Antonio Caso, publicado em Portugal. Nele Ibrahim diz que esse discurso teria feito uma breve parada no avanço da repressão, e que Barreto pegou uma tocha e ameaçou tocar fogo em toda a fábrica naquela ocasião. Traz ainda uma fala do próprio Barreto, que ao ser elogiado pelo heroico ato que serviu para dar tempo aos demais fugirem, comenta:
7 Solnik, op cit. p. 54. 8 Ridenti, op cit. p. 182.
Não. Não foi nada disso. Não era manobra, não. Eu tinha tanta raiva naquele momento que, se os soldados não houvessem detido, terá ateado fogo à gasolina; (...) via somente a injustiça que se cometia, ao enviar contra os operários a força dos fuzis da ditadura”.9
O fato é que Barreto foi o único preso e torturado naquele momento. Mais tarde passaria a ser reconhecido na militância como Zequinha10, o companheiro de Lamarca que seria morto junto com ele em 1971. Ressalte-se que o capitão até aquele momento figurava nas forças repressivas que foram escaladas para proteger o governador. Mesmo apoiando as lutas, seguia cumprindo seu dever no Exército. Na avaliação de Ibrahim, “o rompimento com o reformismo teve repercussões profundas dentro do movimento operário brasileiro e foi a causa determinante da formação de uma vanguarda operária revolucionária que procurava novas formas e perspectivas de luta” 11. Neste contexto conturbado, associados a outros grupos, houve o crescimento da ação, que demonstravam forças nas ruas:
Também participaram daquela demonstração outros atores da esquerda brasileira e do movimento estudantil e, inclusive, elementos das organizações revolucionárias armadas. A UNE organizara um trabalho de agitação prévio, com comícios-relâmpago e distribuição de volantes. Dirigentes estudantis também participaram da ocupação da tribuna. O nosso plano, de resto, foi também discutido e aprovado, previamente, pela direção da VPR e, além disso, contava com o apoio da Ação Libertadora Nacional (ALN), Ação Popular (AP) e da Dissidência Comunista de São Paulo.12
A luta crescia. Os relatos de Syrkis sobre os movimentos de rua no Rio de Janeiro também mostram ações ousadas de propaganda revolucionária, que gritava nas passeatas: “só o povo armado derruba a ditadura!!”13 O estudo de Marcelo Ridenti reitera a importância da VPR naquele processo:
9 Barreto, Apud CASO, op cit. p. 85. 10 Morto pela Operação Pajussara, em 17/9/1971. Procedimento administrativo CEMDP 273/96 http://cemdp.sdh.gov.br/modules/desaparecidos/acervo/ficha/cid/265 op cit. 11 Idem, p. 56. José Ibrahim foi preso em 1969, tendo sido um dos militantes trocados pelo embaixador Charles Elbrick em setembro de 1969. op cit. 12 CASO, op cit.p. 63 13 SYRKIS, Alfredo. Carbonários. Memórias da guerrilha perdida.7ª ed. SP, Global, 1980, p. 80.
Tendo-se originado no sindicato e nas comissões de fábrica, o movimento operário oasquense foi estruturado e mobilizado politicamente pelo “grupo de esquerda” operário-estudantil, mais ou menos ligado à VPR, além da atuação de outras organizações de esquerda local.14
De certa forma, Ridenti nos faz parecer que a VPR foi o movimento, naquele momento, que mais avançou no trabalho de massas e, por outro lado, que mais sofreu os dilemas que esse trabalho impõe. Ele cita uma entrevista de José Ibrahim, de 1972 ao jornal Unidade e Luta, na qual ele problematizava a questão:
Nós nos reuníamos de forma clandestina e acompanhávamos, também, a luta político-ideológica da esquerda, recebíamos materiais e mantínhamos contatos com várias organizações: grupos de sargentos, IV, AP, POLOP e depois POC – maioria dos quais nem existiam em Osasco. Mas continuávamos mantendo nossa independência porque não víamos nenhuma alternativa.15
O problema da forma da luta estava colocado, pois “nós éramos uma liderança do movimento de massas, que tinha apoio das massas, mas que estava sendo absorvida pelas concepções partilhadas por amplos setores de esquerda”, e com isso, estava se criando uma visão que se tornaria insuperável: seria preciso fazer a guerrilha rural, mas os trabalhadores não poderiam deixar de lado seus postos de trabalho. Logo viria o AI-5. Aprofundada a repressão, só restariam os clandestinos. Poucos poderiam “subir a montanha” e seguir o exemplo de Sierra Maestra, os passos de Che. Segundo Ridenti, essa visão pode ser confirmada em mais um documento escrito no exílio, por um militante de pseudônimo Jacques Dias, de 1972, que indica que a VPR “levou propostas concretas para o desdobramento posterior do movimento, buscando consolidá-lo, e sem ter como objetivo principal o recrutamento de quadros”16. Ridenti, a partir disso, reitera o “respeito da VPR à dinâmica do movimento operário” 17 .
14 RIDENTI, op cit. p. 178. 15 Jose Ibrahim, citado por: Ridenti, p. 179. 16 Jackes Dias, citado por RIDENTI, P. 185. 17 Ridenti, p. 184.