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Materialistas com espírito revolucionário

homem da CIA; Abreu Sodré, “Puxa-Saco” ou “Sim Senhor General”. No inquérito do DOPS há uma referência a Luiz Takaoka, da Faculdade de Medicina, que junto com colegas

Colocaram cartazes irônicos sobre personalidades conhecidas do Governo no Centro Acadêmico. Tais cartazes tinham o título de “PROCURA-SE” tinham o efeito de ridicularizar a polícia quando aos cartazes espalhados pela cidade com fotografias de terroristas, os quais estavam sendo procurados.32

O bom humor juvenil tentava desqualificar a seriedade da busca que a repressão levava sobre eles. Posteriormente encontraremos esses materiais sendo citados como subversão em inquéritos militares.

Materialistas com espírito revolucionário

Há uma carga de romantização nos relatos que são contados sobre a luta armada e seus militantes. A vida clandestina era muito mais difícil do que se pode imaginar ou narrar. Havia desejos aventureiros, entretanto, isso não significa que nesses mesmos militantes não estivessem presentes o desejo da revolução e da ação coletiva para derrubar a ditadura. Portanto, buscamos aqui entender as ações em suas contradições e conflitos entre os sujeitos e os grupos nos quais participavam. Muitas vezes, para além das diretivas, ao fazer ações se buscava ação de propaganda, buscando convencer a população sobre a importância das ações revolucionárias. É o caso, por exemplo, do relato de Antônio Roberto Espinosa, quando diz que ao fazerem expropriações para manter a organização, “passamos a dialogar com os motoristas depois de dominá-los e a enviar cartas àqueles que esqueciam seus documentos nos veículos”, explicando aos proprietários que “se tratava somente de um empréstimo e que o carro seria devolvido inteiro”. Diziam ainda que realizaram pequenos reparos nos carros, (o que faz sentido na medida em que eles precisavam de carros em perfeitas condições de rodagem). Além disso, aconselhavam o dono do veículo a dar queixa na polícia para que qualquer problema não fosse responsabilizado por nenhuma ação da organização, lembrando ainda

32 Auto de Qualificação e de Interrogatório de Rubens Hirsel Hergel. DOPS, 2/7/1970. P. 15. BNM, 42.2

que o carro seria devolvido inteiro e se houvesse algum problema, deveria atribui-lo a sabotagem policial. E, mais idealisticamente, diziam:

Você é credor da revolução, nós lhe pedimos desculpas pela maneira como tivemos que agir. Guarde essa carta para nos apesentar depois da vitória. Até a vitória. Pátria livre e socialista ou morte com dignidade.33

Ao ler esse relato, parecia que se tratava de uma lembrança romantizada. Mas esse pensamento se chocou com o achado de um processo em que está transcrita uma ocorrência. O documento está diretamente endereçado para a destinatária:

Senhora Dilmar, Estamos aqui para comunicar-lhe o motivo pelo qual requisitamos temporariamente seu automóvel. SOMOS REVOLUCIONÁRIOS Necessitamos utilizá-lo para uma ação armada na luta contra a ditadura militar da burguesia no Brasil nos impõe e (ocorrerá) DURANTE TODO O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO inúmeras tarefas para as quais serão necessárias requisições como esta. Acreditamos que o seu nível cultural e a profissão tão ligada ao sofrimento humano, ajudarão a compreender (...) Lutando pela construção de uma sociedade mais justa, o que só ocorrerá com a derrubada desta ditadura que aí está (...) Confiamos na justeza histórica do caminho que a vanguarda do povo brasileiro já iniciou: o caminho da revolução. (...) Não serão as dificuldades de hoje que vão deter a luta. (...) OUSAR LUTAR / OUSAR VENCER, Rio, 18/10/1971, VPR.34

O texto encerra também alertando para os riscos de que a polícia fizesse algo contra o carro: “Logo que for utilizado, o seu carro lhe será devolvido. É bom que a senhora mesmo vá buscá-lo, pois os agentes policiais da ditadura costumam se apoderar de carros abandonados, remodelá-los e por chapas frias, passando a usá-los na repressão aos revolucionários”. Tudo indica que a senhora Dilmar não ficou comovida com a carta, pois o documento consta num inquérito no Superior Tribunal Militar contra os militantes.

33 SOLNIK, p. 17. 34 BNM, Panfleto da VPR, 18/10/1971.

Esses casos nos fazem lembrar de uma questão levantada por Marcelo Ridenti, e que muitas vezes é desconsiderada nas análises, o fato de que por mais que passassem dificuldades, ameaças, prisões, torturas e morte, o espírito geral dessas pessoas estava vinculado a uma crença, uma percepção de que aquelas atividades lhes faziam bem de alguma forma, uma espécie de satisfação a si mesmo de que fariam aquilo que de fato acreditavam ser o justo, o correto. Ridenti cita a fala de Cesar Benjamim: “eu era uma pessoa feliz. Apesar das limitações da clandestinidade”. Pedro Rocha relatou que “se sentia muito satisfeito, a militância sempre foi um motivo de satisfação pessoal”, e ainda, José Genoíno: “no Araguaia, nunca me senti triste (...) fazíamos aquilo em que acreditávamos e confiávamos; nós tínhamos uma convicção muito profunda naquilo”.35 É muito importante recuperar esse elemento, que somado à consciência que os militantes tinham com relação às imposições da própria organização, dão um quadro mais claro de que nossa visão, hoje, não pode se fixar em falsas questões como o “caráter democrático” daqueles grupos, pois essa questão simplesmente não fazia sentido para um grupo que precisava existir sob rígidas regras de segurança: “as normas de funcionamento interno das organizações comunistas eram acatadas como necessárias e legítimas, na época”36. Veremos que havia sim conflitos dentro das organizações, e militantes discordavam de posições, podendo inclusive abandoná-las, mas era dentro do processo da luta que isso se construía. É relevante também mencionar que há uma tensão permanente entre estudantes e militantes de origem operária e militarista. Na medida em que as quedas se dão, as ações urbanas os estudantes passam a ter papel mais importante, e pressionam pela realização de ações de massa. Essa concepção se choca com a necessidade de estruturar uma luta mais duradoura.

35 Relatos coletados por Marcelo Ridenti, p. 259. 36 Idem.

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