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Caminhos da vanguarda
Caminhos da vanguarda
O texto de Jamil, em suas variadas versões, teve ampla difusão interna, há relatos de militantes presos com cópias. Os membros da “Pesqueira” relatam que leram e discutiram o mesmo. Mas a forma das leituras não era a ideal pois o debate não tinha como fluir. Dessa forma, os textos apenas dão uma ideia do debate. Na explicação de Dowbor, a leitura de Debray foi importante, mas “mais tarde, baseando-me na própria experiência, bem como na experiência dos Tupamaros uruguaios, chegamos à conclusão de que a luta dentro da cidade tem uma força enorme e real”15. Sua fala sempre ressalta que a organização da VPR “não foi por uma chama momentânea, um guevarismo precoce”16. Seu texto trata daquela que seria a “primeira fase” da revolução. Discute: 1) a ruptura com o ortodoxismo marxista-stalinismo; 2) a “nossa teoria revolucionária”, indicando que a luta tem que ser armada, explicitando uma crítica à Polop; 3) o caráter da revolução, indicando que o imperialismo está no cerne do capitalismo brasileiro (“imperialismo integrado”), portanto, não há que ter ilusões com uma “burguesia nacional”. Portanto, a revolução será socialista, não antiimperialista (dada a forma que esse termo era apropriado pelos comunistas); 4) quem são as massas; 5) a conjuntura; 6) a ditadura do proletariado e a cultura da esquerda; 7) a vanguarda e seu papel junto às massas.17 Esses textos fazem parte do debate, mas enfrentam a dura realidade da repressão. Dowbor escreveu o texto, segundo ele, enquanto estava de licença da organização, foi um esforço concentrado de reflexão teórica e analítica. Assim ele relembrou:
Se a gente queria fazer guerrilha no campo, a gente não podia fazer um movimento gigantesco aqui na cidade. Porque a gente ia se atolar aqui dentro, é um movimento que vira muito amplo, que é meio armado, é meio de massa.18
15 Dowbor. A guerrilha urbana. Perspektywy, n.4, 1973, 22/1/1971, Varsóvia, p. 3. Traduzido no DOPS, DPN. PES.124. 16 Dowbor. Entrevista para Judite Patarra. Acervo AEL-Unicamp. 17 Consultar: FULANETI, Oriana. Utopias em rotação: uma análise do discurso da esquerda brasileira. Tese de Doutorado em Linguística, USP, 2010. Agradeço à pesquisadora por envio de material de pesquisa. 18 DOWBOR. Entrevista a Marcelo Ridenti, 20/2/1986. AEL-Unicamp.
Por outro lado, a saída pelo campo estava fadada ao fracasso, pois grandes ações como o foquismo guevarista não permitiam um passo seguinte, estratégico, “acumula vitórias táticas mas em termos estratégicos está liquidado”19, como mostrariam exemplos concretos. Adiante retomaremos o tema de como esse debate se deu no embate político. Mas antes disso trazemos um outro texto da militante Patrícia, indicando que o debate não se restringe aos nomes mais conhecidos. Ela propõe “Considerações acerca da Guerra Revolucionária”. O documento diz que “há muito que estudar, dando atenção especial à instrução dos militantes, temos que sobretudo nos instruir combatendo, aprendendo na prática, a realizar a revolução brasileira. Temos muito o que aprender com a Guerra Revolucionária de outros países”. Mais que isso, “temos que estudar a nossa situação concreta para submeter as experiências estrangeiras a análises e peneiração criativa, pois cada país tem suas características próprias”. Há um duplo caminho, o estudo de textos e da realidade de outros países para mudar a realidade concreta, sem abdicar da teoria:
Examinando dialeticamente a relação de forças presentes estabelecendo uma estratégica e uma tática adequada e não recitando ‘verdades’ da ‘’bíblia’ marxista-leninista”. Marx e Engels são os primeiros a nos advertir “confeccionar receitas e esquemas é fácil, o difícil é a ordenação do material histórico, seja de uma época passada ou presente, e descrever os acontecimentos como realmente ocorre.20
É impactante encontrar uma produção feminina sobre a revolução naquele momento. O texto é autoenquadrado como revisionismo, e ataca o ortodoxismo marxista-leninista. Insiste na importância das ações de propaganda, articulado com o texto de Lamarca:
Através de nossos setores armados é que daremos solução aos movimentos urbanos e desenvolveremos a criação de outras forças armadas no meio do povo. Precisamos dar às nossas massas uma
19 Idem. 20 Considerações acerca da Guerra Revolucionária. Patrícia. Ousar lutar, ousar vencer, s/data. BNMD42. Patrícia deve ser Carmem Monteiro Jacomini, que era companheira de Dino (Roberto Menkes). Após saírem do Brasil, como atores, realizaram peça teatral no Chile denunciando as torturas no Brasil.
alternativa concreta de tomada de poder e não um palavreado oco. Temos que nos mostrar através de ações e de um programa político do qual elas tomem conhecimento (Idem).
Há portanto passos para o que seriam as ações da VPR: capitalizar as ações urbanas, com o intuito de formar uma união política 21, uma ponte entre massas e as ações, pois “a ditadura brasileira prega a fronteira ideológica, e cabe a nós promover a união ideológica” 22, com ações ousadas que dessem conta de preparar o povo para ser a retaguarda. Observe-se que estes textos circulam e passam a ser referência após a ruptura com a VAR-Palmares e a refundação da VPR. Passa a ser o eixo da posição, mesmo contendo as contradições apontadas. O dilema de ação nas cidades e a luta no campo se mantinha. Voltaremos a isso. Outros documentos serão citados na medida em que os debates se colocavam para a VPR, porque eram respostas a momentos específicos da luta.
21 Sabemos que essas posições eram criticadas pela revista Debates da revolução brasileira onde Quartim seguiria atacando duramente as posições de Jamil (ver PEZZONIA). 22 Considerações, p. 2.