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O cofre: sorte e revés
outros de seus militantes, o que trataremos melhor no próximo capítulo. O Colina, por sua vez, também teve enorme abalo com prisões. Isso levaria os grupos a se aproximarem, o que se consolidaria com fusão em torno do novo grupo, a VAR-Palmares, que surgiria com um animado manifesto:
Um espectro ronda os exploradores da América Latina: e espectro da luta armada revolucionária. A burguesia vê horrorizada fuzis que lhe foram arrebatados empunhados pelos explorados e oprimidos, ameaçando jogar por terra seu domínio secular. [...] Há uma única luta que soma todos os homens. Há um único caminho que todas as lutas apontam: o caminho socialista. Não haverá liberdade enquanto um único irmão estiver submetido às amarras da burguesia internacional.3
Assim se lança a VAR-Palmares, que seria responsável por uma das maiores façanhas dos grupos de luta armada, a expropriação do cofre advindo de dinheiro de corrupção.
O cofre: sorte e revés
A maior ação de expropriação realizada por um grupo de resistência - o assalto ao Cofre do Ademar - seria realizada justamente pela VAR-Palmares. Dia 18/7/1969 a grande ação foi realizada, conseguindo arrecadar em torno de U$2,5 milhões de dólares. Tinha o objetivo ainda de divulgar documentos que ajudassem a denunciar corrupção, mas esse objetivo não foi atingido, pois não havia tais documentos naquele cofre”4 . Dentre os participantes da ação estavam Sonia Lafoz, Wellington Moreira Diniz, Juarez Guimarães de Brito, José Araújo Nóbrega, Carlos Minc, Darcy Rodrigues, Renata Guerra, José Espinosa. Foram acionados também os metalúrgicos Delci Fensterseifer e Jesus Peredes Soto, que seriam os técnicos da abertura do cofre. Segundo sintetizou Solnik, “numa ação normal de um banco eles arrecadavam cinquenta mil cruzeiros. Agora
3 Manifesto da VAR-Palmares. Ousar lutar, ousar vencer, 7/7/1969., 3p. BNM42. 4 Depoimento à Primeira Companhia de Polícia do Exército, de Antonio Roberto Espinosa, 10/12/1969. Longo e detalhado depoimento, onde ele conta toda a trajetória de militância, desde os primórdios da VPR até sua prisão, em 21/11/1969. Todas as 13 páginas (em espaçamento simples) são assinadas por ele.
tinham arrecadado duzentas vezes isso. A ação valeu por duzentas. [...] Mas nada, de fato, voltaria a ser como era”5 . Juarez6 planejou a ação a partir de informações de Gustavo Benchimol sobrinho da guardiã do cofre. A preparação contou com a experiência de Lamarca “embora não estivesse na ação pessoalmente, nada daquilo teria acontecido sem ele”. Ele teria dito quando recebeu a notícia do sucesso “Urra! Mudou a história da esquerda armada e da esquerda brasileira. Vai mudar a história do povo brasileiro. Uma nova fase começa hoje!”7 Essa nova fase, entretanto, implicaria em feroz caça da repressão aos assaltantes do cofre e contribuiria para novas cisões no grupo. Parte da sorte se deve a que pelo dinheiro ser fruto de corrupção, não interessava dar grande publicidade ao fato. Quando foi noticiado o roubo, a guardiã do cofre, Ana Capriglione declarou que o mesmo estaria “vazio”. Os militantes tiveram dificuldades para deslocar o cofre até o local onde o mesmo seria aberto, e tiveram que usar maçarico e água para evitar que as cédulas se queimassem. No final, conseguiriam o dinheiro. Sobre o roubo do cofre há relatos bastante emotivos em vários depoimentos e memórias dos envolvidos, pois de fato foi um feito imenso. A obra do jornalista Tom Cardoso dá um tom narrativo sensacionalista: “o cofre do Dr Rui: como a Var-Palmares de Dilma Rousseff realizou o maior assalto da luta armada brasileira”.8 Assim, a ação fica apenas por conta da organização na qual militou a futura presidente Dilma. O fato é que o valor expropriado seria alvo de parte dos conflitos com o grupo que racharia, e por muito tempo serviu para sustentar a organização. Gerou também muita discórdia e dificuldades de gerir tamanho montante de forma clandestina. Despertou a cobiça dos agentes de repressão que viam na busca dos detentores desse valor uma oportunidade para um grande botim de guerra. Infelizmente não localizamos estudos que se aprofundem nessa temática e que permitam rastrear os caminhos desse dinheiro. Nos interessa acentuar que as discussões se davam em meio à euforia da ação. O relato de Espinosa
5 SOLNIK, p. 33. 6 Juarez viria a cometer suicídio em abril de 1970 quando caiu em uma emboscada. A repressão, após tortura, levou Wellington Diniz para um ponto, para o qual Juarez não deveria ter comparecido, mesmo com a tentativa de Diniz avisá-lo, Brito acabou sendo emboscado. http://memoriasdaditadura.org.br/memorial/juarez-guimaraes-de-brito/ 7 Frase atribuída a Lamarca, Solnik, p. 34. 8 CARDOSO, Tom. O cofre do Dr Rui. Como a Var-Palmares de Dilma Rousseff realizou o maior assalto da luta armada brasileira. RJ, Civilização Brasileira, 2011.