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Conter a desordem, novas resoluções e novas delações
vam de fato arrependidos, mas o enfoque é o uso político, como estratégia do Terrorismo de Estado que era feito pela repressão. Ademais, a grande imprensa acompanhava sistematicamente, em sintonia com a censura, a atuação dos militantes. Não se tratava de trabalho investigativo, jornalístico, e sim de reverberar a posição dos próprios órgãos repressivos, publicando cartazes de ‘procurados”, apresentando os militantes, e ajudando com isso que fossem localizados. Essas estratégias não teriam tido a eficácia que tiveram se não estivessem em sintonia com o trabalho realizado pelos demais membros da comunidade de informações, especialmente aqueles que tinham contato direto com os militantes, os que tomavam seus depoimentos sob tortura física e psicológicas. A extensa pesquisa da historiadora Wilma Maciel sobre a repressão judicial no Brasil analisou profundamente documentos que se encontram nos processos do projeto Brasil Nunca Mais. Ela mostra que um dos objetivos dos depoimentos tomados no âmbito do Superior Tribunal Militar era criar meios de que os depoentes reafirmassem aquilo que tinham dito nos interrogatórios iniciais, francamente tomados sob tortura. Mas essa fase processual também não está livre de torturas, tanto para seguir buscando informações como por “simples” selvageria mesmo2 . Portanto, a engrenagem da repressão estava muito azeitada, e chegaria nos setores de apoio dos grupos, e também nos militantes fragilizados por distintas situações. A VPR tentava reagir se reorganizando.
Conter a desordem, novas resoluções e novas delações
Naquele contexto de novas prisões, o Comando Nacional da VPR buscava se reorganizar. Divulgava um documento sobre “Normas de desligamento”. Sem citar nenhum caso específico, indicava que há problemas na organização, de controle dos militantes.
Uma O. de combatentes não pode permitir a entrada e saída de militantes com explicações vagas ou inadequadas. Um companheiro entre na O. depois de uma compreensão de seu trabalho e de suas responsabilidades de um desligamento é um caso grave, a ser apurado com cuidado e sobre o qual não se pode passar por cima. O
2 MACIEL, 2006, p. 81.
Comando da Unidade tem autonomia para concedê-lo, devendo comunicar sua decisão ao CN.3
O militante, antes de sair, deve justificar seus motivos para seus companheiros de base, que devem opinar sobre os fatos envolvidos, que devem ser enviados por escrito, podendo ser:
a) Se se trata de problema orgânico, comum a outros militantes, seja forçada a sua solução; b) se se trata de problema pessoal, tal fato deve ficar bem claro, impossibilitando futuras fofocas e racionalização política, por parte do quadro que sai; c) se se trata de divergência política, o quadro possa sair mantendo todo o respeito devido pelos companheiros que continuam seguindo outro caminho.4
E, quanto a quadros advindos de outras organizações, o Comando exige antes ouvir a organização para aceitar o novo militante. Ou seja, em termos gerais, as regras eram bastante compreensivas, “não visam absolutamente cercear a liberdade dos quadros”, sem indicar punições ou dar lugar a suspeitas de militantes, mas deixa claro que havia problemas:
A O. tem atualmente uma gigantesca responsabilidade no processo histórico, e se a maioria dos quadros está disposta a dar a vida para preservar este instrumento de luta ainda tão frágil, nada justifica a leviandade com que se tem tratado o problema da militância e com que certos quadros encaram o seu compromisso para com a organização.
Este material foi apreendido com vários outros, em posse de Liszt Vieira, em 12/6/1970, em Porto Alegre5. Textos de formação política estavam circulando, entre os quais, o Caminho da Vanguarda, de Jamil.6 Um informe de junho de 1970 traz alguns dados repassados pelo SNI e se soma às prisões e às informações trazidas no capítulo anterior, mostrando que o cerco se fechava. Segundo o documento, o Comando Nacional era ocupado por Lamarca. Ladislau Dowbor substituiu Shizuo Osawa “vulgo Mario Japa”. O
3 3. Normas de desligamento. VPR. Fevereiro de 1970. BNM, 42.1, p. 769. 4 Idem. 5 Auto de Exibição e apreensão, DOPS-RS, 12/6/1970. BNM, 42.1. 6 Depoimento de Liszt Vieira, 5/5/1970.
setor Guanabara era coordenado por Maria do Carmo Brito, “vulgo Lia”. Perceba-se que nomes e codinomes constam exatamente desta forma no documento, que segue: “A prisão de Shizuo Osawa trouxe sérias preocupações para a organização pois esse elemento conhecia a área de treinamento”. As prisões, segundo “Monteiro”, foram informadas à organização por intermédio do jornalista Nelson Gato7, relatando a necessidade de realização do sequestro do cônsul japonês Nobuo Okuchi, “cujo resultado já é do conhecimento de todos”. O informante diz ainda que para se comunicar com Shizuo Osawa foi enviado ao México a terrorista “NA” a fim de consultá-lo sobre as informações fornecidas na polícia a respeito do campo de treinamento. Shizuo Osawa negou ter dado qualquer informe sobre o assunto, o que “tranquilizou um pouco o comando”. Além disso, “foram obtidas, ainda outras informações”, entre as quais, de que CARLOS LAMARCA vivia maritalmente no campo de treinamento com IARA IAVELBERG. As lideranças de São Paulo são listadas:
VPR – chefiada por LADISLAS DOWBOR; ALN – chefiado por JOAQUIM CÂMARA FERREIRA, vulgo “Toledo”; MART – chefiada por “HENRIQUE” – ainda não foi identificado; e REDE – chefiado por Eduardo Leite, VULGO “Bacuri”
As fontes seriam os documentos encontrados no aparelho no qual Dowbor foi preso, que já vimos anteriormente. Havia uma carta assinada por “Valdir” endereçada a “Cid”. Elementos da Operação Bandeirantes, chegaram à conclusão que “Valdir” era um oficial da Força Pública do Estado de São Paulo, que responderia ao pedido de Lamarca para ter uma nova leva de apoiadores, e a resposta diz que “o grupo se reduz a três componentes”8. Ou seja, a possibilidade de ampliação por ali era reduzida. Nesse contexto, o “agente Monteiro”, companheiro de confiança de Lamarca que acaba colaborando, contaria tudo o que sabia. Quando lemos biografias de militantes que sobreviveram chama atenção que quando estão na iminência da prisão é comum designarem alguém especificamente para queimar documentos. A sobrevivência deste documento acima atesta a importância dessa medida, porque mostra que
7 Origem: SNI, agência São Paulo. Carta Mensal, abril, n.7, AI do DEOPS, 2/6/1970, SCI 16/19; 19/70. A Guerrilha Urbana no Uruguai – os Tupamaros, 8 Carta manuscrita de Valdir ao Companheiro Cid, 4/9/1970.
os registros podiam ser detalhados e levariam à prisão, tortura e morte em cadeia de seus militantes. O cerco ao qual vão sendo submetidos ajuda a aprofundar as táticas defensivas como forma de sobrevivência. Fica claro também que há uma rede de observadores, colaboradores e informantes que recebem a confiança dos militantes. O que não está claro é quem são esses nomes e como atuam para repassar os dados aos centros de inteligência. Reforçando que encontramos apenas a Informação que o documento traz, um outro exemplo de depoimento de militante narra 14 ações e traz uma síntese dos principais nomes e codinomes daquele momento:
Laercio +++ Portuga +++ Gege Armando Wilson Egídio Fava Oswaldo Antônio dos Santos Pedro Lobo de Oliveira Otacílio Pereira da Silva
+++ Souza +++ Alberto Claudio Darcy Rodrigues José Araújo da Nóbrega Claudio de Souza Ribeiro
Bacuri +++ Augusto ++ Doutor +++ Luiz Mané +++ Judite Cristóvão + Monteiro Paulinho Auro + Bento ++ Elias +++ Ernesto Jarbas Eduardo Leite Onofre Pinto Antônio Raimundo de Lucena Diógenes José de Oliveira José Carlos Kfuri Quartim de Moraes Dulce de Souza Yoshitane Fujimore Joaquim dos Santos Antônio Nogueira da Silva Ismael Antônio de Souza Antônio Roberto Espinosa Helio Ramirez Garcia Flavio Ribeiro de Souza José Gradel
++ Zanirato
Carlos Roberto Zanirato +++ Jair Edmauro Gopfert Mariana ou Luiza Tereza Angelo +++ Abelardo ou Jamil Ladislas Dowbor Ary Adilson Ferreira da Silva + Gino Cristóvão da Silva Ribeiro
Ivan Gerson Teodoro da Silva