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Classe média na revolução
Chegou a ser deslocado para Porto Alegre quando houve a tentativa de sequestro do cônsul americano para realizar atendimento, mas o esquema não deu certo. Outra contribuição sua teve a ver com o fornecimento de cianureto, as pílulas que permitiram o rápido suicídio em caso de prisão, “mas o interrogado não tem conhecimento de nenhum caso em que o cianeto tivesse sido usado e que tivesse provocado a morte de qualquer elemento da organização”20. Sua esposa chegou a estudar o tema do cianeto.
Classe média na revolução
Além do setor médico, percebemos outros efetivos apoios de setores médios à VPR. É o caso da socióloga Maria Lucia Campello de Souza. Ela abrigou José Raimundo da Costa em sua casa, guardou quantidade de livros “Guevara/Guerrilha”, de Che Guevara, além de documentos e, pelo menos, uma arma; emprestou seu carro para militantes participarem do Congresso da UNE. Foi deletada a partir da prisão de seu marido e dos depoimentos de seu cunhado e sua empregada doméstica21 . Chama atenção que logo na sequência do dossiê Brasil Nunca Mais está o documento oficial que registra a morte de Joelsom Crispim, que “foi morto a tiros em razão de ter resistido a tiros” à prisão. O laudo de exame de corpo de delito está em nome de Roberto Paulo Wilda 22. É mais uma tática desprezível e abjeta do terrorismo de Estado brasileiro que não apenas mata, mas oculta o morto e mente, oficialmente, sobre sua morte. Já o depoimento da dentista Marlene de Souza Socaas, mostra um maior envolvimento e pontua como havia conflitos de posição, mesmo nos setores médios que, como no caso dela, queriam fazer trabalho de massas. Ela se declarou membro da VPR, “cuja finalidade era promover a luta armada para a derrubada do governo e estabelecer um governo democrático popular, política esta que se identificava com os [seus] ideais”23. Ela esclarece que seu consultório era frequentado por Joelson Crispim, “onde com ele conversava sobre problemas de organizações políticas clandestinas”. Por meio dele, entrou na VPR, “fazendo parte do
20 Idem, p. 9. 21 Depoimentos ao DOPS de Thomas Hahn, 1/7/1970 e de Jaci Moreno Pitombo, 1/7/1970. 22 Laudo de Exame de Corpo de Delito. Exame Necroscópico. 22/4/1970. DOPS. BNM, 42.2, p. 680-2. 23 Depoimento ao DOPS, Marlene de Souza Socaas, 19/6/1970, BNM, 42.
M.O (Movimento Operário). Por isso, chegou a desmontar seu consultório odontológico, “remetendo todos os apetrechos para a organização AP, afim de serem utilizados em serviços de assistência operarial”. Este MO era composto por Ataides da Silva, René e Adilson. Ficou seis meses convivendo com a organização em São Bernardo de Campo, “estudando e participando de reuniões e discussões sobre a movimentação operarial”. Chegou a trabalhar em uma metalúrgica, “apenas um mês, nada conseguindo de positivo junto às operárias, pois, primeiro tinha que se adaptar ao serviço o qual era completamente estranho por apenas conhecer o serviço odontológico”. Ou seja, aponta para a dificuldade desta tática de luta, que prescindiria muito mais tempo para que funcionasse bem. Mas igualmente relevante em seu depoimento são os comentários que faz questão de registrar sobre a organização. Ela esclarece que logo se deligou de Crispim, uma vez ele “ter sumido por pertencer a uma outra ala da referida organização político subversiva terrorista”, na tradução do escrivão. Ele segue:
Em agosto de 1969 fez ver aos seus companheiros de M.O. na VPR que a linha seguida não estava produzindo nenhum efeito e nada de prático havia conseguido, fato que aborreceu os tais elementos, motivando seu afastamento, mesmo porque é contrária ao tipo de luta armada preconizada pela VPR, cujos dirigentes aderiram a linha cubana de assaltos, terrorismos e outros atos violentos, muito embora é favorável à revolução armada, da qual devem fazer parte especialmente os operários, maiores atingidos pela pobreza.24
Como as organizações, entre elas a VPR, não estavam “fazendo um trabalho de massa operarial, não “ganharam apoio popular” e não conseguiram “algo de positivo às suas pretensões”. O relato segue, de forma um tanto peculiar, considerando outros depoimentos que lemos. O escrivão registrou:
A interroganda acha que a mocidade atual, ligada às organizações político subversivas terroristas agem de forma romântica e têm FIDEL e CHE GUEVARA como verdadeiro DEUS, colocando-os como elementos exponenciais nessa mitologia.25
24 Idem, p. 3. 25 Idem.