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Situação da VPR
Assim, por não desejar participar de ações violentas, ela foi ameaçada de expulsão, mas foi deixada livre, sendo sugerida voltar para sua terra natal. Ela teria feito isso, mas acabou voltando a São Paulo realizando alguma ação com a REDE, mas não era orgânica deles, pois “a linha que os elementos dessa organização iam seguir eram semelhantes ao preconizado pela VPR”. Ou seja, sim ou sim, os militantes também tinham opiniões, que rebateriam na posição oficial. Ficou claro que a VPR teve apoios esparsos de pessoas que não eram nem operários nem estudantes os militares. Setores das classes médias, aqui citados médicos, sociólogos, dentistas. Muitos davam apoio logístico, recebiam pessoas por uma ou duas noites, outros eram mais participativos, como no caso da dentista que chegou a desmontar seu consultório para buscar se aproximar dos operários. Embora não sejam abundantes, não são casos isolados.
Situação da VPR
Enquanto a guerra esquenta, a VPR produz novos documentos, tentando de alguma forma intervir junto a sua base. São fruto da busca de orientar a militância e também da impossibilidade de realização de congressos e reuniões de discussão. Certamente isso ajudava a tornar tudo mais difícil. Os militantes podiam opinar, mas seguindo regras que se não são burocráticas, são de segurança, que ao mesmo tempo torna todo o esquema ainda mais inseguro, como estamos observando, pois se são encontrados com documentos, há riscos de novas quedas. É uma bola de neve, em pleno verão. Em janeiro de 1970 o documento “Situação da VPR” vem acompanhado de um comunicado assinado como “P/Comando – Carlos Lamarca”. O primeiro texto, de três páginas em espaçamento simples, começa com uma avaliação da conjuntura política:
O que divide hoje, internamente, o grupo que detém o poder, ou cir cula em torno dele são, fundamentalmente, dois problemas interligados. A forma de combater o terrorismo e a forma de dar popularidade ao governo. Como política oficial (parece que o SNI aprova diretamente as matérias da revista VEJA), tem permitido cortar mobilizações parciais otimistas, ligadas a luta contra o “terrorismo”, como
exemplo, temos o empenho contra torturas e manifestações das Ordens de Advogados sobre o estabelecimento do habeas corpus. (...)26
Assim, o governo aparece a partir do dilema: como manter popularidade em meio a uma ditadura que tortura e que começa a ter vozes contra si no campo dos direitos humanos básicos? Se havia grupos liberais acreditando na liberalização, a VPR tinha suas posições:
Por outro lado, a saída “alvaradissa” é impossível, pela própria composição política do esquema do poder e suas ótimas relações com o imperialismo. [...] A única forma de manter uma ditadura impopular é pela força, assim, a prazo, e considerando a continuação da atual prática política da vanguarda revolucionária, um ‘amolecimento’ da repressão é, no mínimo, pouco provável.27
O documento conclui a avaliação política da situação, supervalorizando seu papel no processo e expondo mais uma vez a contradição da relação com as massas, mas com sentido de convencimento através da PA (propaganda armada):
Chegamos assim ao problema de relacionamento da vanguarda com o esquema de poder (e repressão) e as massas populares. Atualmente, somos a única oposição real ao regime. Nesse sentido, há todas as condições para que capitalizemos o apoio de uma massa que, a estas alturas, devem estar se perguntando para que serviram tais anos de ditadura. Por outro lado, nossos métodos de trabalho tornam impossível a absorção pelo sistema (não haverá anistia que paralise a propaganda armada e a preparação das guerrilhas rurais). Somos um inimigo que tem que ser destruído isso porque atingimos o inimigo em seu único ponto forte – a força. Em outras palavras, apesar das derrotas parciais de 69, a vanguarda conseguiu infligir derrotas políticas e materiais ao inimigo em seu terreno, o emprego da violência armada. Por isso temos que ser isolados. Não há neutralidade possível. Por isso vencer a batalha política torna-se para a vanguarda uma questão de vida ou morte. O governo forçará o povo a tomar posição em relação a nós. Temos que ganhar essa batalha. Isto porque, mesmo que consigamos (e tentaremos) deflagrar a guerrilha rural ainda este ano, esta não tem uma dinâmica
26 Documento do Comando da VPR, janeiro de 1970. 27Idem.
própria, no seu início, o que coloca a seguinte questão: ser derrotado na cidade, hoje, significa ser derrotado no campo.28
O documento tem comentários a mão, os quais não temos como aferir se se tratou de cópia e nela foi assinalado, e se o documento chegou ao seu destino original. Temos referência que no início de 1970 Iara Iavelberg entregava um documento de Lamarca aos companheiros, no qual olhava para o ano de 1970 com bastante otimismo. Consta um documento separado “Comunicado da VPR”, assinado por Lamarca, que termina com esse tom:
Que o ano de 1970 seja o ano da guerrilha urbana, o ano da guerrilha rural, o ano do rompimento do isolamento político entre a vanguarda e as massas no Brasil, o ano em que honraremos a morte de nossos companheiros que morreram no campo de batalhas: Carlos Marighella, João Lucas Alves, [...] João Domingues, Zequinha, Escoteiro, Fernando, Chael, e o sacrifício de todos os nossos companheiros que cumprem seu papel revolucionário nas prisões da repressão.29
Portanto, em que pese a repressão fechando o cerco, a mensagem era de otimismo. Há duas situações básicas em que os documentos caem na mão da repressão: a) quando o aparelho é estourado e havia ali documentos; b) quando o emissor (colaborador) entrega o mesmo à repressão que deve fazer cópias, mantendo o fluxo da entrega para não entregar aos militantes quem eram os infiltrados. Mas ao longo de todo o conjunto há vários outros sublinhados e anotados. A seguir, a “situação da esquerda” é discutida: “quais as condições da vanguarda revolucionária para enfrentar esses desafios?” E a resposta é que “a esquerda revolucionária inicia 1970 bastante dividida”, mas com um acervo de experiências práticas inestimável”. Um dos elementos aos quais chama atenção é a relevância da propaganda de ações armadas, de modo a chegar nas massas. No seu otimismo avalia avanços:
28 Idem. Os sublinhados parecem ter sido colocados por um segundo leitor, certamente não foi feito pela própria máquina de escrever, mas manuscrito. Ao lado das últimas frases sublinhadas está destacado: 2 (o governo...) e 1 (deflagar...) 29 Comunicado da VPR, p/Comando, Carlos Lamarca, janeiro de 1970.
Muito já se conseguiu neste sentido. A vanguarda chegou, por exemplo, ao fim de uma fase de violência puramente demonstrativa. Chega ao fim uma violência unicamente destinada às esquerdas. Conseguiu compreender que não poderia continuar a travar uma luta armada que se resumia a uma briga particular com a repressão, em que a massa representa, no máximo, o papel de torcida. Em última análise, a vanguarda compreendeu de fato a importância política de trabalho armado, rompendo a divisão entre política e militares que até bem pouco permeou praticamente todas as organizações revolucionárias.30
Por fim, a avaliação coloca duas tarefas para esquerda: “continuação do trabalho de propaganda armada que permita romper o isolamento político da vanguarda e iniciar a guerrilha rural, sem o que a vanguarda brasileira não conseguirá escapar do ciclo vegetativo urbano em que até hoje permanece”31. Está claro que a luta na cidade não era vista em nenhuma hipótese como passível de avanços revolucionários isoladamente. Até porque, a sequência do documento analisa a “situação da O.”
IV – PLANO DE TRABALHO 1. Propor o cerco político nas cidades, através da propaganda armada, efetuada por nós e em conjunto com o restante da vanguarda, visando iniciar, o mais rápido possível ações ligadas às reivindicações gerais e específicas da massa, além de possibilitar material indispensável à guerrilha rural. 2. Levar a guerrilha no campo no nível de nossas forças. Isto quer dizer, iniciar, em 1970, o trabalho de guerrilhas táticas em 3 ou 5 regiões estrategicamente importantes. 3. Dar todo impulso ao treinamento, única forma de nos capacitar a travar a luta armada no campo, mudando o conteúdo da luta revolucionária no Brasil. 4. Condiciona, por hora, o desenvolvimento da Área Estratégica às discussões com a ALN (Menezes) e só levantamento de trabalho realizado pelo inimigo.32
No item V, “Balanço”, o documento indica que “é impossível um balanço detalhado, por motivos de segurança”, mas indica que a formação
30Situação da VPR, Idem, p. 2. Grifo manuscrito no original. 31 Idem. 32 Idem, p. 3