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As denúncias de torturas

setembro de 1973, os três tiveram que procurar asilo em outros países.53

Frei Tito, por exemplo, tentou suicídio logo após as torturas, mas não obteve êxito. O relatório conclui que “Banido do país, passou pelo exílio no Chile, na Itália e na França, onde se instalou em uma comunidade dominicana. Apesar de ter buscado tratamento psiquiátrico, frei Tito suicidou-se quatro anos mais tarde, no dia 7 de agosto de 1974, aos 28 anos”. O caso não é muito distinto do de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, militante da VAR-Palmares, que foi presa no Rio de Janeiro em novembro de 1969: “Dorinha viveu no Chile, México, Bélgica, França e, finalmente, Alemanha. Apesar de tentativas de tratamento e internações, não conseguiu se recuperar dos traumas produzidos pela tortura. Em 1º de junho de 1976, aos 31 anos, atirou-se sob um trem, em Berlim”. O relatório da CNV traz ainda outros seis casos de pessoas que de fato 54 cometeram suicídio em decorrência das sequelas das torturas e sevícias sofridas.

As denúncias de torturas

Um problema internacional para a ditadura brasileira apareceu depois da chegada dos brasileiros ao Chile. O documentarista estadunidense Haskell Wexler produziu o filme Brazil: A Report on Torture a partir de depoimentos de alguns dos militantes recém-chegados ao Chile que foram trocados pelo Embaixador:

Captando entrevistas de alguns dos 70 brasileiros levados àquele país em janeiro daquele ano em troca do embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado no final de 1970 no Rio de Janeiro pela guerrilha armada da VPR, mostra, entre depoimentos pessoais de sevícias sofridas pelos presos no Brasil, a simulação de torturas encenadas por eles mesmos, como a do pau de arara. O filme, realizado com câmera na mão e de fotografia crua, foi rodado com a colaboração de Saul Landau e Haskell Wexler. Entre alguns dos entrevistados estão Frei Tito, Maria Auxiliadora Lara Barcelos, Jean Marc van der Weid, ex-presidente da UNE e Nancy Mangabeira Unger, [...] O documentário foi o primeiro documento de

53 Relatório da Comissão Nacional da Verdade, volume 1, 2014, p. 485 54 A ênfase no “de fato” se justifica porque foram muitos os casos em que a Ditadura depois de matar os militantes forjou suicídio para amenizar o ocorrido junto à opinião pública.

denúncia mundial em imagem e som da tortura política no Brasil da ditadura militar.55

O impacto dessas denúncias tem uma repercussão internacional, e estará somado a outras iniciativas de denúncia das torturas e atrocidades cometidas pela Ditadura brasileira. A Frente Brasileira de Informações produziu uma série de informes e materiais que tinham entre outros objetivos, a denúncia das torturas. No Chile mesmo já haviam sido feitas denúncias dessas torturas, que levam a uma reação do governo brasileiro que busca seguir negando as denúncias, postura essa que os militares seguirão adotando pelo menos até 2014 quando da publicação do relatório da Comissão Nacional da Verdade. Aos militantes que permaneciam no Brasil a busca seria incessante sobre eles. E aqueles que estavam nas prisões não teriam mais recursos que buscar na Justiça uma melhor situação para o julgamento de seus casos. José Roberto Rezende, por exemplo, foi protagonista de mais de uma greve de fome para pressionar por melhores condições, desde visitas de familiares a refeições mais dignas. O capítulo a seguir nos mostra como o cerco estaria mais fechado em torno dos militantes da VPR, pois a repressão já os conhecia muito bem.

55 https://pt.wikipedia.org/wiki/Brazil:_A_Report_on_Torture. Consultado em 21/9/2018. O documentário está disponível para ser assistido na Rede www.youtube

Capítulo XII

“SOCIETAS SCELERIS”: a VPR na Lei de Segurança Nacional

Inquérito, Muito general estrelado Comida de oficial Vista da Praça da República. Eles encenavam ter pena de mim E perguntavam minha idade. Eu disse: 200 anos.1

Na sequência das prisões que vimos nos capítulos anteriores, um processo na 2ª Auditoria de Exército, datado de 4/2/1971, lista 57 nomes de militantes da VPR. Fica claro que as redes da repressão estavam ativas e não restava mais muito espaço para ações organizadas clandestinas. Aqui já se sente a atuação dos infiltrados profissionais, pois é sobejamente conhecido que Cabo Anselmo viria, dentro de um esquema mais amplo, para destruir o que sobrava, tanto no Brasil como no Chile. Trata-se do resultado de um trabalho minucioso de prisões, torturas e reunião de dados sobre os militantes. É uma espécie de resumo, que inclui vários casos que exploramos já separadamente e sobre os quais há documentação específica disponível. A introdução do documento indica que

[…] vem oferecer denúncia contra as pessoas abaixo nomeadas, pelos fatos indicados que se prendem ao funcionamento da “societas sceleris” denominada “vanguarda popular revolucionária”, cujo estopo é a promoção da guerra revolucionária no Brasil, para a tomada do poder e a implantação de um regime marxista.2

Infelizmente a listagem não traz dados detalhados sobre os militantes, mas oferece um resumo sobre seus envolvimentos com a

1 Alex de Alverga. Inventário de cicatrizes, p. 13. 2 Denúncia ao Ministério Público. 4/2/1971.

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