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O desligamento: Lamarca em seu nome e de Iara
As orientações denotam que a organização dependia muito das informações que se supunha os militantes que foram para o Chile teriam sobre o Brasil. Confiar que essas informações chegariam limpas ao Comando era realmente um risco, e isso alimentaria a infiltração, como de fato estava já ocorrendo. Segue o documento:
Os contatos que os companheiros possam ter aqui devem ser passados, pois temos dificuldades muitas para criar condições para receber os companheiros. Admitimos que os contatos permaneçam com os companheiros, se houver possibilidade de chequeio. Contato de “camponeses” devem ser passados, pois a falta deles é o impasse maior que se encontra a Org para penetrar no campo. Enviar relatório sobre métodos de interrogatório, torturas, preocupações que demonstram o que sabem, etc. Este relatório é muito importante para orientar companheiros em caso de queda –embora há problemáticas, sabemos, seja o fortalecimento ideológico na militância. Nunca usar os canais de comunicação conhecidos pela frente que existe aí. [..]9
Lamarca não hesitava em temer a rede da FBI, de Miguel Arraes. Não sabemos como esse documento chegou ao Chile, e sim que vários pontos foram sendo encaminhados. Aluízio Palmar relata que fizeram várias sessões de avaliação de comportamento na prisão10, buscando entender como as quedas se deram. E desde que chegaram colaboraram com as denúncias de tortura.
O desligamento: Lamarca em seu nome e de Iara
Um segundo documento, de 1/4/1971, quase repete o título do anterior: “Aos companheiros que militam na VPR”, está datilografado, e dessa vez assina Leila, que era o codinome de Iara. Mas o teor do texto é idêntico ao documento “Aos companheiros no exterior”, de abril de 1971 11 , assinado por Lamarca e Iara.
9 Idem, p. 6. 10 Aluízio Palmar. Entrevista a Carla Luciana Silva, 23/6/2020. 11 Neste documento estranhamente está assinado por Carlos Lamarca e Yara Iavelberg. Poderia ter sido produzido pela repressão, já que Lamarca não erraria a grafia do nome de sua companheira? Os caracteres da máquina de escrever são idênticos.
É um texto de uma página somente no qual “Encaminho meu desligamento simultaneamente a um pedido de contato com outra organização revolucionária”. Brevemente apresenta suas justificativas. Mas veremos a seguir que houve uma série de outros documentos de debate que são importantes porque permitem visualizar os problemas centrais pelos quais a organização passava, muito além do personalismo. Diz o texto:
Fundamentalmente discordando de nossa linha política que não superou o foquismo a não ser no aspecto de integração das diversas formas de luta da guerra de guerrilha – setor rural – na luta urbana a Propaganda Armada é o foco travestido com um palavrório genérico. [...] A Propaganda Armada é uma forma da luta necessária mas não suficiente. Não aprofundaremos neste documento esta discussão pois fugiríamos aos objetivos próprios. E principalmente porque o que norteia nosso desligamento está diretamente relacionado à permanência desta linha política na VPR. Toda posição política é reflexo de uma posição de classe, o problema centro da [luta] ideológica. Nosso desligamento se dá não por não querermos assumir a conivência da coexistência pacificamente com o que consideramos o embrião de uma futura “elite”, “casta”, dirigente. Dizemos coexistência pacífica pois uma luta interna se daria através de posições, palavras defrontando-se em documentos, dentro de um instrumento cuja engrenagem, funcionando nos moldes leninistas permitiria o seu encaminhamento.12
Cita os documentos que produziu buscando realizar o debate, e enfatiza a falta de vivência coletiva, que “impede o crescimento revolucionário”, e completa:
Precisamos criar condições. Condições são criadas na prática revolucionária orientada peara a transformação; [...] Rompemos com o privilégio. Nossa luta contra a existência de privilegiados travamos desde que ingressamos em 1964 na POLOP. Não vamos travar essa luta dentro de uma O. revolucionária, nos parece um desvio de esforços. [...]
12 Aos companheiros que militam na VPR. 1/4/1971. Carlos Lamarca.
Como dizia Carlos Marighella: “o revolucionário não pede licença a ninguém para praticar atos revolucionários”. Saudações Revolucionárias. Ousar lutar. Ousar Vencer.13
As questões de fundo foram discutidas em longos documentos. Congresso-Solução política e não de honra, é de 27/3/1972, assinado como Claudio. A Coordenação provisória produziu um documento de 11 páginas (espaçamento simples) cujo título está ilegível, que chamaremos de “Sobre o documento de Claudio”14, datado de 11/4/1971. O documento faz uma crítica ferrenha à LP - Linha Política da VPR. Assim ele avalia “uma organização”:
a) que tem uma linha política desligada da realidade; b) que trilha um desvio ideológico, deformando os seus quadros; c) que não possibilita se travar uma luta interna; d) que cultura o sectarismo, atribuindo apenas a alguns a capacidade de fazer evoluir a Org –dividindo os militantes em castas políticas estáticas eternas, imutáveis; e) que tenha como método de direção o Stalinismo que impede a liberação de potencialidades, que não formam quadros, que aliena militantes, que deforma os dirigentes, que elimina a criatividade, que impede a prática leninista, NÃO TEM VIABILIDADE HISTÓRICA.15
Lamarca critica a organização uma vez mais pela falta de trabalho junto às massas, caracteriza-a como imobilista, de falta de evolução política, e cheia de problemas de luta interna. Termina o documento indicando “À VITÓRIA, SEMPRE”. A resposta do Comando Provisório da VPR discutiu cada um dos pontos. E registrou que:
Considerando que: 1) O comp Claudio não compreende corretamente as relações entre linha política e ideologia, nem seus respectivos pesos na nossa situação. 2) Em momento algum de suas análises fundamentou quaisquer divergências políticas antagônicas (...).
13 Idem. 14 BRAN BSB IE. 06.6, p. 60-80. 15 Idem. Publicamos este documento na íntegra em História e Luta de classes, ano 15, ed. 29, março de 2020.
3) Assim agindo não justifica politicamente, fugindo da responsabilidade de suas contribuições a partir de uma análise unilateral e facciosa, numa atitude personalista que, baseada nos problemas de militância individual assumiu uma posição nitidamente ideológica que demonstra a imaturidade e falta de serenidade enquanto quadro dirigente. 4) O comp procede de forma pouco leninista quando esquece que o próprio defendeu na sua pretensa luta interna (luta interna não é feita por ninguém especial e sim um coletivo atuante). (...) O comp. Fica liberado para discutir com outras Os, feita a ressalva do contato com o comp. Para a sua participação no processo de discussão. O comp não está tendo prática na O. portanto não está autorizado em falar em nome da O. nem esta no nome do comp. O comp não pode assumir militância na outra O. até decisão final da questão.16
O Comando fazia as suas exigências, que naquelas circunstâncias eram bastante irreais. Na prática o arranjo com o MR8 e a liberação com segurança era um problema maior do que o que se exigia:
Pedimos ao comp. Que coloque a questão em fundamentação política tanto no exterior quanto para as esquerdas de um modo geral para evitar capitalização tendenciosa decisão a propiciar um melhor nível de discussão. Particularmente achamos que no nível que está a questão não deve ser colocada a não ser que o comp. fundamente politicamente tudo o que disse. A O resolve criticar o comp. Formalmente pelo encaminhamento paralelo dada passagem desprestigiando nas decisões tomadas (...) desde que a partir do processo de discussão o comp firme e fundamente suas acusações, seu desligamento será aceito como o de qualquer outro comp. Que se identifique com a posição do comp Claudio, achando que ter divergências insuperáveis com a política da O. A O. decide discutir em todos os níveis esse problema da Frente, visando de nossa parte, que não se deteriore as relações entre Os. Por causa do problema desses tipos e também posição de observadora em questão política que só poderão se cristalizar na posição oficial a partir de discussão interna.17
16 Sobre o documento de Claudio, Comando Provisório, 11/4/1971. 17 Idem.